IMPRESSÕES Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Ano 5 – Nº 31 – Junho de 2014
FOTO: REPRODUÇÃO
TÂNTRICO
Sexo
As formas de lidar com o prazer de pessoas com deficiência
Práticas orientais prometem melhorar e prolongar o orgasmo | Pág. 12
ENTREVISTA Os desafios da psicóloga infantil Socorro Figueiredo no combate à violência sexual | Pág. 4
PERFIL
Problemas cognitivos não devem ser empecilho para a descoberta e a vivência da sexualidade. A família tem papel fundamental no desenvolvimento sexual de jovens com Autismo | Pág. 8
Soraya Leite
FOTO: ANDRESSA BITTENCOURT FOTO: ANDRESSA SOUZA
QUADRINHOS
Histórias de teor erótico e pornográfico têm público e produção cearenses | Pág. 6
CASUAL
Saunas e casas de swing em Fortaleza propiciam novas experiências sexuais | Pág. 10
Mulher em forma de onça: a vida de uma dona de sex shop | Pág. 3
MERCADO EDUCAÇÃO SEXUAL
Falta discussão nas escolas e em casa | Pág. 14
Profissionais do sexo vendem serviço nos jornais de grande circulação | Pág. 11
Impressões Sexo
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IMPRESSÕES
Sexo
Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Repórteres: Anacelia Ribeiro, Andressa Souza, Ari Areia, Bárbara Rocha, Camila Aguiar, Diego Sombra, Joyce Lopes, Larissa Colares, Leidyanne Viana, Monique Lessa, Renata Nunes, Roberta Souza, Paulo Jefferson Barreto, William Santos.
Legislação atual rotula ser inconsciente
O
ARTIGO
manece sem uma normatização clara e com “buracos na lei”. Em uma sociedade que busca cada vez mais debater e incluir as causas de grupos que vivem à margem, não é justo deixar à mercê de uma análise médica o diagnóstico de capacidade, ou não, de um ser humano se relacionar afetivamente/sexualmente. Casar, ter filhos, constituir família ou manter relações sexuais, vontades reconhecidamente individuais, passam a ser oportunidades de vida que nem todo ser humano está liberado, segundo determinação médica. A legislação vigente cria
uma espécie de filtro sobre pessoas com deficiências cognitivas, que separa os aptos e rotula a segunda parcela como incapazes. Há corrente que defenda a intromissão do Estado em um ponto bastante particular na vida de um integrante da sociedade. O argumento de defesa é a intenção de proteger, pois consideram que nem todos têm o discernimento de mostrar suas vontades. Porém, essa forma de proteção leva à supressão do direito ao livre arbítrio, expressão utilizada na teologia, filosofia e ciência, com a definição ser inconsciente.
Sexualidade e música: combinação explosiva? Por Ricardo Jorge de Lucena Lucas* Falar sobre música e sexualidade é uma combinação que levaria a muitas linhas de discussão. Primeiro, porque falar de música implica discutir sobre gêneros, gostos, mídia etc.; segundo, porque falar sobre sexualidade é falar (obviamente) sobre sexo, e isso basta para garantir qualquer polêmica. Mas falar de música, por si só, também já é polêmico. O que devemos considerar como “música”, nos termos aqui propostos? O que toca nas rádios e TVs? O que circula na Internet? Alguns gêneros específicos? Ou vale falar do rock ao forró, passando por aquilo que chamam de MPB ou mesmo pelo brega? Tais perguntas parecem pertinentes, mas talvez possam ser vistas como irrelevantes. Afinal, excetuando-se (supomos) a música clássica e as demais músicas instrumentais (new age, folk etc.), é quase improvável que haja algum estilo musical cantado que tenha deixado de lado a sexualidade. Em
Ilustrações: Gleison Santos, Miguel Silva
Editor Geral: João Vitor Cavalcanti
ImpressãoIMPRESSÕESSEXO : Impressa Universitária
Maria Viana.
Professor orientador: Edgard Patrício
Tiragem: 1.000 exemplares
Projeto gráfico e diagramação: Amanda
As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
Alboino, Lívia Marques, Nila Gouveia, Vinícius Mateus.
EDITORIAL
direito garantido por lei de deficientes mentais a prazer e sexualidade gera discussão entre estudiosos da área. Correntes se contrapõem no debate em relação à melhor forma de lidar com vontades tão naturais e humanas. Atualmente, as diretrizes jurídicas brasileiras ponderam que o único caminho possível para assegurar o direito à sexualidade de pessoas nessas condições está no que a lei considera “discernimento”. Como em outros aspectos da legislação brasileira, a temática dos vulneráveis per-
Editores: Andressa Bittencourt, Luana Barros,
outros termos: qualquer gênero musical que tenha cantado o amor muito provavelmente já cantou também algo sobre a sexualidade. Muitas vezes nos deixamos levar muito mais pelo ritmo da música do que pela letra; mas também isso depende de nossa capacidade interpretativa. Muitas crianças e adolescentes que ouviam, nos anos 197080, sem desconfiar de nada, Rita Lee cantando “me bota de quatro no ato” (“Lança-Perfume”), se surpreenderam com o grupo É o Tchan cantando “Na Boquinha da Garrafa”, cujos adolescentes dos anos 1990, por sua vez, de nada desconfiavam, mas talvez tenham reclamado, já como adultos, da “mudança comportamental” de Miley Cirus, que passou de “estrelinha Disney” à tentativa de ser uma espécie de Madonna dos novos tempos (ok, talvez nem tanto). E assim a roda segue girando... Outro aspecto a considerar é
CHARGE
Por Nathanael Filgueiras
CRÔNICA
Uma vida sem escolha nas calçadas da Abolição Renata Nunes
o público-alvo a quem a música se destina. Se for, por exemplo, aos “legítimos” amantes da música brega, talvez nada de excepcional seja percebido, já que, nesse universo, amor e sexo caminham juntos com solidão e bares. Por outro lado, se forem os amantes da MPB, talvez sejam necessários algumas figuras de retórica mais refinadas para não soarem tão explícitos. E, se o público destinado for o lésbico feminino, a sexualidade deve estar mais aflorada do que nunca. Em suma: falei, falei e talvez não tenha dito nada muito relevante. Afinal, me pediram para falar da “sexualização das músicas na atualidade”; porém, apenas enxergo sexualização nas músicas, no mínimo, ao longo das décadas, desde algumas marchinhas de carnaval até Roberto Carlos, passando por artistas mais ou menos conhecidos da nossa mídia... e, posso garantir, a maldade não está na minha cabeça...
*Jornalista, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco
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A
primeira vez não parei. Faltou coragem, não tinha decorado as palavras ainda. Completou que, sentindo um peso no meu rabo de cavalo, vi que era ela quem segurava. Balbuciou algo, enquanto eu passava bem perto. Ia parar, não pude, as palavras... Com 19 anos, ela já estava na vida há três. Começara antes que pudesse responder por si. Vida de trabalho, vida trabalhosa. Dei a volta pela José Lourenço e retornei à Abolição. Quando voltei, já sabia o que dizer: era trabalho de faculdade. Bem mais fácil de ser aceita que jornal. Parei. Perguntei se estava tudo bem, ela disse que meu cabelo era bonito, falei do corpo dela e perguntei se malhava, "era coisa natural", respondeu. Senti-me mais solta com o elogio do cabelo, um homem chegou. "-Alguma coisa?", ele falou. Era comigo? Era comigo. "-Cliente?", continuou. Eu disse que não. Falei que era trabalho. Não tinha entendido ainda. Ele disse que eu não tinha cara mesmo. Corpo curvilíneo, cabelo pranchado e lápis de olho carregado. Tinha um shape invejável, capixaba. Não malhava mesmo? Era de Vitória-ES, ouvira dizer que o mercado era bom aqui. Decepção, não paga tão bem. Em Vitória era melhor. Em Fortaleza só dava pra cobrar 70 reais, pra ela só 50. O homem ganhava 20, era meio que o dono dela. Entendi agora. Mas porque ele ganhava? Era como o negociador/segurança, sei lá. O homem perguntou se eu tinha interesse no ramo. Fiquei assustada e lisonjeada, devia ficar? "-Não tem seu tipo lá em Vitória". Qual era o meu tipo? Ela não pôde escolher desde cedo. Tinha de sustentar a mãe e os irmãos. A mãe sabia, ela ajudava com as despesas de casa. Era como se ela fosse escrava, na calçada da Abolição. O homem financiara suas passagens e de mais três pra cá, ouvira que o mercado estava bom. Não estava. Ela devia dinheiro para o homem. Vieram tentar a vida em Fortaleza, mercado do sexo. Não era bem assim, concorrência acirrada. Tinha de cobrar barato. Em Vitória trabalhava menos, porém podia cobrar mais. O homem pediu que eu me apressasse porque o "movimento ia começar". Eram 20h. Atravessei a Abolição. A moça voltaria para Vitória em dois dias.
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PERFIL
A missão de transformar mulheres em onças
Após um divórcio conturbado, a proprietária do sex shop Toca da Onça encontrou na venda de artigos eróticos uma maneira de incentivar a autoestima feminina Andressa Souza
A onça E assim começaram as vendas de produtos eróticos. So-
FOTO: ANDRESSA SOUZA
Q
uando saí do elevador, tive a certeza que tinha chegado ao lugar correto antes mesmo de conferir o número do apartamento. A estampa na porta anuncia: você se aproxima da entrada da Toca da Onça. Ao cruzar o umbral, mais certezas concretizadas na forma de tapetes, almofadas, quadros, colchas de cama e capas de celular no mesmo padrão. Até em Adamastor, o felino de mentirinha jogado sobre o sofá, à espera e à espreita das visitas. Soraya Leite, 54, recebe-me com um sorriso pintado de vermelho nos lábios. Os olhos maquiados estavam protegidos por óculos de armação com as cores do animal. O barulho dos saltos altos no piso dita o caminho. “O espaço é chamado Toca da Onça e eu sou a onça”, ela diz, abrindo as portas para uma sala. Pendurada no chaveiro, uma oncinha de pelúcia. O ambiente é propositalmente escuro e abriga o sex shop da empresária, projeto iniciado há seis anos. Por uma década e meia, Soraya incrementava o salário de funcionária pública da Assembleia Legislativa com a venda de bijuterias feitas em pedras brasileiras. O divórcio, há dez anos, veio como momento de renovação. “Uma separação traz muita dor, muito sofrimento. Foi quando eu disse para mim mesma que eu tinha que fazer algo que pudesse estimular as mulheres a não passarem o que eu passei”, relembra. No princípio, as bijuterias foram substituídas pelas lingeries. Com o aumento da procura, Soraya passou a customizar as peças, bordando com as pedras que eram seu material de trabalho. O dom das artes com as mãos, ela ressalta, herdou da mãe. Empolgado, o público trouxe outra proposta. “Eu não procurei, as coisas foram acontecendo devagar”, conta a proprietária. “A minha cliente me pediu: ‘Soraya, tem uma bolinha que coloca dentro da vagina, tu devia vender pra gente’”.
Soraya Leite, 54, montou o sex shop Toca da Onça para ajudar mulheres a reconquistarem a autoestima e a sensualidade
Toda mulher tem uma onça dentro dela, basta se permitir para mostrar aquela mulher sensual e felina que os homens adoram
raya passou a frequentar feiras especializadas, fazer cursos em outros lugares e, a cada viagem, novidades e mais novidades na bagagem, tanto em artigos como em experiências. Trabalhava visitando as clientes e, um dia, decidiu marcar uma reunião com as mais próximas no térreo do prédio em que mora. O resultado foi cerca de cem mulheres lotando o andar e a proibição da síndica para continuar as atividades no salão. Afinal, comenta aos risos, “a reunião [do condomínio] acontecia lá em cima e eu estava com o pênis aqui embaixo”. Montou a pedido das clientes o sex shop dentro da própria casa, e passou a dedicar-se cada vez mais à sensualidade e sexualidade femininas. “Eu mostro que toda mulher tem uma onça dentro dela, basta se permitir para poder mostrar aquela mulher sensual e felina que todos os homens adoram”, acredita. Porém, acima e antes de tudo, Soraya defende o amor próprio. “Acho que autoestima é tudo. Não quero que você venha aqui e se encha de produtos eróticos, eu quero que você se sinta capaz de poder mudar”. Mudar, transformar e reinventar-se é algo de que Soraya
pode falar com propriedade. “Quando eu era casada, era uma pessoa totalmente diferente. Cheia de preconceitos, cheia de tabus e muito boba. Eu tive duas vidas. Deus me deu a oportunidade de viver dois mundos”, afirma. O desespero de pensar que “não ia conseguir sobreviver” após a traição e separação do marido a impulsionou a mudar de atitude e pensamento. “Eu tinha duas opções: ou passar o resto da vida dependendo dele ou mostrar pra ele a grande mulher que ele perdeu”, resume. A escolha pela segunda opção fez de Soraya uma mulher com uma missão. Orgulhosa por salvar casamentos da rotina e auxiliar a tirar namoros do caminho que leva ao fim, a empresária sempre repete que a venda é um fator secundário. O que realmente importa é saber que, da porta para fora da Toca da Onça e da porta para dentro das quatro paredes de um quarto, cada mulher é um ser felino, confiante e sensual ao seu próprio jeito. “Meu sonho é cada vez mais andar pelo mundo para mostrar que você mulher pode, independentemente da sua idade, ter prazer, porque o orgasmo
é o maior prazer do ser humano”, defende. Na busca por esse prazer, Soraya montou um verdadeiro arsenal para si e para as clientes. “Tudo que eu ponho na minha mão eu vendo, porque tudo que eu vendo eu testo”, ela garante. A lista é grande: lingeries, camisinhas de sabor e antialérgicas, géis lubrificantes, dados eróticos, livros, filmes, vibradores, capas penianas e até esmaltes com feromônios. Os produtos variam de R$ 20 a R$ 650, para um público majoritariamente feminino, entre 15 e 75 anos e de classes sociais variadas. “O sexo é uma coisa tão importante no relacionamento que se você não der um upgrade, se você não se modernizar, seu casamento vai entrar na rotina e vai por água a baixo”, acredita a empresária.
SERVIÇO Sex Shop Toca da Onça Visitas agendadas pelos telefones: (85) 9985-3232 ou (85) 8886-7893. tocadasoraya.blogspot.com
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ABUSO SEXUAL
Os esforços de quem luta para resgatar infâncias interrompidas A psicóloga infantil Socorro Figueiredo reconhece que “o abuso sexual é universal”, mas dedica-se voluntariamente à minimização das dores provocadas por esse problema social Roberta Souza e William Santos FOTOS: WILLIAM SANTOS
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a Casa Lar Meninas dos Olhos de Deus, no bairro Edson Queiroz, as brincadeiras vistas logo na entrada até escondem – ou disfarçam – o sofrimento que une as 16 meninas e seis meninos abrigados ali. Eles têm entre seis e 14 anos de idade e, além da faixa etária em comum, a maioria partilha do mesmo trauma: 90% foram abusados sexualmente. Mas cada um é, na verdade, único. Quem escuta e conhece as histórias é a psicóloga Socorro Figueiredo, 53, que, pelo menos duas vezes por semana, vai ao Lar voluntariamente para atender as crianças e os adolescentes. São, em média, sete atendimentos por dia, e cada conversa tem 50 minutos de duração. O tempo psicológico, entretanto, é o de cada um e vale muito mais. Entre brincadeiras e abraços, a dor se verbaliza nas palavras e ganha significados nos gestos, nas lágrimas e na vergonha ou medo - do não dito. Impressões - O tratamento psicológico que a senhora dá às crianças e adolescentes que foram vítimas de abuso sexual possui algum diferencial, se comparamos à discussão sobre outras questões que essa fase também exige? Socorro - Com certeza há um grande diferencial. Para que você fale sobre isso, tem que ser muito tênue, uma coisa muito melindrosa, que, aliás, não se fala. Eu
Um a um, ela mesma escolheu os brinquedos. O espaço é lúdico e abriga bonecas, jogos e detalhes coloridos por todos os lados. A psicóloga diz que é tudo muito simples, mas feito com carinho e pensando em cada uma das meninas não posso falar. Eu tenho que ouvi-las e, através do ouvir o discurso delas - porque elas têm vergonha de falar também isso -, o que acontece? Elas soltam coisas. Por que tem isso aqui? (aponta para os brinquedos da sala) O lúdico? É para, no lúdico, na brincadeira, ela colocar pra mim esse sentimento de angústia que ela tá passando. É através disso aqui, da brincadeira, porque ela não diz aqui na real, cara a cara comigo. Não tem condições. Mas ali, a gente brincando, fazendo um jogo, ela vai despertando e, palavras do discurso dela vão escapando, caindo. É como se fosse um quebra-cabeça. E eu pego uma palavra aqui, outra
ali, e vou juntando e fazendo umas pecinhas. Não consigo juntar uma com a outra ainda, mas ela está me dando. E eu estou compreendendo. Impressões - Quais são os casos mais comuns de violências com os quais a senhora precisa lidar aqui, na Casa Lar Meninas dos Olhos de Deus? Socorro - O abuso sexual é universal. Ele acontece em qualquer idade e em qualquer classe social. Essas meninas que estão aqui foram violentadas sexualmente e são bem mais complexas, por serem de camadas sociais mais simples. Mas isso existe de uma forma universal. Vai além do que a gente possa imaginar. As pessoas, às vezes, ligam os casos de abuso apenas à periferia, à favela, a pessoas que não têm condições. Mas, dentro das casas de pessoas que têm condições, que possuem uma ascensão cultural, social, mais elevada, também existem. São tratados
Tudo depende da capacidade do sujeito, porque cada um tem a sua vulnerabilidade e a capacidade de resiliência, de dar a volta por cima SOCORRO FIGUEIREDO Psicóloga
de outras formas, mas existem. Impressões - O que a família pode fazer nesse contexto? Socorro - Eu posso dizer que é um grande problema. É muito difícil o que eu vou falar, mas são as estatísticas. Existem dois tipos de abusos sexuais a crianças e adolescentes: os ocorridos intrafamiliar e extrafamiliar. Na violência intrafamiliar, vão estar envolvidos o pai, o padrasto, a mãe, um tio, um irmão - parentes mais próximos e que tenham vínculos. O que acontece? A lei do silêncio. Uns têm medo dos outros e nunca vai surgir alguém que tome o posicionamento de proteger aquela menina que está sendo abusada, porque ela faz parte daquela mesma estrutura familiar e eles não se permitem. Existe esse pacto na família. A não ser que surja alguém que acabe denunciando de forma anônima. A outra forma é a de abuso extrafamiliar. Esses também
(5) FOTOS: WILLIAM SANTOS
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Posso dizer que sou uma pessoa privilegiada, porque se Deus me deu a oportunidade de ter esses conhecimentos, por que vou guardá-los pra mim?”
Os 50 minutos de cada sessão não são regra. “Por vezes, no final da sessão é que elas começam a compreender as coisas, aí caem no choro. Eu não posso dizer: ‘o tempo acabou, vá embora.’ Tenho de ficar com essa menina mais tempo, dar apoio, estar ao lado, porque é um momento de fragilidade” são casos difíceis, e poderia ter algum programa, em nível de Estado, para que se tomem soluções. Às vezes, a escola percebe que aquela menina está diferente, porque muda o comportamento. Se a criança antes era calma, a reação vai ser completamente diferente. Vai ser inquieta. Ou, no contrário, vai se tornar quietinha, calada. E o profissional da área de educação vai perceber isso. Há uma regressão. Crianças de oito, nove anos, vão ao banheiro e não conseguem se limpar. E eles têm medo de denunciar. Há os que denunciam, mas também existe a parcela de não denunciar. Enquanto não existir uma política pública referente a isso, para que tomem formas mais rígidas e de proteção às pessoas, (para) que possam denunciar e nada lhe acontecer, o problema continua, porque a própria pessoa abusada tem medo. Impressões - E qual é o impacto desses casos de violência sexual em crianças e adolescentes nas outras fases da vida? Pela sua experiência, é possível perceber uma influência desses episódios na puberdade, durante a iniciação sexual e na própria fase adulta? Socorro - É possível sim. O impacto dessas violências de abuso sexual contra as
crianças e os adolescentes é muito forte. Tudo depende da capacidade do sujeito, porque cada um tem a sua vulnerabilidade. Aí entra a questão da resiliência. Eu vou ser resiliente, vou suportar e dar a volta por cima? Se têm crianças abusadas e elas estão sendo tratadas, de certa forma, podem restaurar as possibilidades de se considerar um sujeito e sair desse lugar de objeto em que se encontram - porque (as próprias crianças) introjetam isso dentro delas. É tanto que as consequências são crianças com autoestima baixíssima, pessoas cheias de culpa, de traumas, de depressão. O impacto, geralmente, se apresenta de três formas: afeta o comportamento da criança e do adolescente - que pode aparecer mais agressivo, pode passar a furtar, pode se autoerotizar, pode desenvolver essa questão de exibicionismo, de exibição do próprio corpo, já outros encontram depressão por se sentirem inferiores. Depois disso, vem a questão cognitiva na fase do desenvolvimento psíquico da criança. O que acontece? Déficit de atenção, a criança não tem poder de concentrar, baixam totalmente as notas, evasão escolar, brigas dentro de colégio... Além disso, traz outras coisas a nível emocional. Eu costumo dizer assim:
quando a criança e o adolescente são atacados, através do abuso, o que acontece com o desenvolvimento emocional, comportamental, cognitivo? Elas são agredidas ao ponto de que é como se abrissem, dentro delas, uma espécie de espaço, e essa abertura é totalmente acessível para que você plante o que quiser. E o que você vai plantar? Ali pode nascer uma psicopatologia que não tem fim, na qual a criança, dependendo do grau, da idade e da circunstância que aconteceu, pode desenvolver coisas seríssimas, até mesmo o suicídio. Impressões - Quais são os cuidados que a senhora toma para cada um ser único aqui? Socorro - Só tem uma resposta. Porque cada um, cada atendimento, cada pessoa é um sujeito e tem uma singularidade. Esse fenômeno do abuso sexual acontece em um contexto diferenciado do outro, são coisas diferentes, eventos diferentes. Tenho que levar em consideração como aconteceu, como foi o evento, qual a idade, em que situação, que grau de vínculo esse abusador tem com a vítima. Impressões - A senhora falou que, mesmo na função de psicóloga, estabelece vínculos. Nessa condição, é possível, de fato, estabelecer vínculos com a criança, com a família?
Socorro - Sim, é possível. Esse vínculo do qual eu falo não é aquele do senso comum, de afetividade. Isso existe também, com certeza. Eu sou psicóloga, mas, antes de ser psicóloga, eu sou sujeito. Sou humana. Tenho sentimentos, empatias. Mas esse vínculo que acontece aqui com todas elas é aquele transferencial, de confiança, uma com a outra. Não tem uma criança, uma adolescente, que, ao eu chegar aqui nessa casa, não me procure para dizer nem que seja uma palavra. Isso é uma demonstração de que existe um vínculo transferencial do meu trabalho de psicologia clínica. E emocional existe também, porque, como eu disse, nós somos humanos. Tem horas que você tem de ser profissional, mas eu não posso ser só aquela profissional dura. Não é isso. Olhe para a sala. Eu posso ser formal? Não tem condições. Eu tenho que brincar com as meninas. É ao brincar, estando ao lado delas, que vou percebendo as reações, como ela pega naquele bebê, como ela vai pegando nas partes, uma reação quando ela joga assim, uma repulsa. Eu vou tentar interpretar aquilo de alguma maneira, com certeza. Impressões - Mas em que medida esse vínculo transferencial do qual a senhora fa-
lou também acaba lhe modificando como sujeito? Socorro - Não, não afeta. Mas dá um sentimento de dever cumprido, de dizer assim: “Eu estou feliz. Fiz realmente o que deveria ter feito. E preciso fazer mais. Não é o suficiente”. Quando vejo essas crianças nessa situação, posso dizer que sou uma pessoa privilegiada, porque se Deus me deu a oportunidade de ter esses conhecimentos, por que vou guardá-los pra mim? É amor ao próximo. Não tem dinheiro nenhum que pague um abraço dessas meninas que, quando chego aqui, só faltam me derrubar. Isso dá um prazer muito grande, porque é um afeto que não está te cobrando nada. Eu estou te dando porque estou te dando, e isso é muito bom.
SERVIÇO Casa Lar Meninas dos Olhos de Deus Avenida Edilson Brasil Soares, 2877 - Edson Queiroz relacionamentocmod@gmail.com Telefones: 3239-4970 ou 9694-3566
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ENTRETENIMENTO
Revistas em quadrinhos conquistaram também o público mais quente Coloridos ou em preto e branco, com diferentes tipos de traços, impressos ou online: existe uma variedade de quadrinhos eróticos e pornográficos disponíveis no mercado Larissa Colares
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arrar a saga de um super-herói nem sempre é tão inocente quanto estamos acostumados a ler. O mundo dos quadrinhos, geralmente associado ao público infantil e juvenil, também possui uma gama de publicações de conteúdo adulto. O leitor pode escolher entre o erótico, quando são criadas referências aos estímulos sexuais, ou o pornográfico, com representações explícitas de atos sexuais. Não se sabe ao certo quando os quadrinhos adultos começaram a ser publicados. De acordo com o pesquisador e coordenador da Oficina de Quadrinhos da Universidade Federal do Ceará, Ricardo Jorge de Lucena, algumas publicações do fim do século XIX e início do século XX podem ser destacadas, como as histórias pornográficas americanas Tijuana Bibles. No Brasil, umas das precursoras são
Eu percebi que eles não tinham só sexo, eles tinham uma história, e os desenhos eram muito legais LILY ARRUDA
Estudante
as de Carlos Zéfiro, publicadas entre as décadas de 1950 e 1970, também conhecidas por “catecismos”. Entre os diferentes estilos, como os hentais japoneses, os traços super-realistas da italiana Giovanna Casotto e o desenho underground do americano Robert Crumb, os motivos para se ler podem ser diversos: da excitação e prazer pela leitura até a admiração pelos desenhos. A estudante de Design de Moda, Lilly Arruda, 19, lê quadrinhos de conteúdo erótico desde os 15 anos. “Eu percebi que eles não tinham só sexo, eles tinham uma história, e os desenhos eram muito legais”, disse. Já o publicitário Humberto Mota, 20, que trabalha com fotografia erótica feminina, lê não para se excitar, mas sim “em busca de novas referências de traços de desenho e representações diversas dos padrões estéticos considerados atraentes pelos japoneses”.
Arte cearense
O mercado
Foi em eventos sobre quadrinhos que Humberto Mota teve mais contato com as publicações de conteúdo adulto. “Conheci por meio de amigos que também gostavam e frequentavam os mesmos eventos de anime (desenhos animados japoneses) e mangá (histórias em quadrinhos japonesas) que
eu”, informou. O publicitário afirma que já não consome mais tanto esse tipo de publicação como na adolescência, mas que, quando era “consumidor ativo”, costumava comprar em lojas especializadas de quadrinhos, em razão de ser difícil encontrá-las em livrarias “tradicionais”. Silvio Amarante, 61, colecionador e proprietário de uma loja especializada, explicou que fatores como a qualidade do papel ou a quantidade de exemplares distribuídos pela editora influenciam no valor final dos quadrinhos. O preço médio das revistas é de R$ 10, mas lançamentos e edições especiais, em formato de livro, podem sair mais caras, acima de R$40. Lilly Arruda costuma comprar quadrinhos no Sana, evento promovido pela Fundação Cultural Nipônica Brasileira em Fortaleza. Por gostar de um tipo específico de histórias de conteúdo erótico – Yuri e Yaoi, mangás que retratam relações homossexuais –, a estudante conta que lê online devido à dificuldade de encontrá-los em lojas. “É complicado achar os quadrinhos homossexuais. Os outros são mais fáceis”, disse. O quadrinista Diego defende a internet como uma ferramenta democrática na difusão das histórias adultas. “Divulgando pelo meio online, você atinge um número grande de pessoas a um custo bem mais baixo”, comentou. FOTO: LARISSA COLARES
Além das histórias americanas, europeias e orientais, o público cearense também pode encontrar publicações eróticas originais do Estado. É o caso da série adulta Oigo, criada pelo quadrinista Diego José Silva, 34. Oigo, o personagem principal, vive em um mundo de super-heróis e recarrega seus superpoderes sugando os seios
naturalmente grandes das mulheres. A inspiração para o cenário da história teve a influência do universo de personagens como Homem-Aranha, Wolverine e Tartarugas Ninja. “Eu quis fazer uma mistura de estilos que seriam super-heróis e autorais. Algumas experiências pessoais se misturam a coisas inventadas” afirma Diego. É principalmente por meio da internet que o quadrinista consegue propagar sua obra. Ele, que faz publicação independente, divulga seu trabalho nas redes sociais, em comunidades de quadrinhos online e em sites especializados. “Existe possibilidade de alcançar público exterior através da internet. O mundo das webcomics é diferente do mundo impresso. Aqui em Fortaleza, o mercado de quadrinhos, seja para qualquer tipo de publicação, ainda tem muito a melhorar. Conseguimos vender bem edições impressas apenas quando acontece algum evento por aqui”, ressaltou.
Lilly Arruda, 19, é fã dos mangás (quadrinhos japoneses) de conteúdo erótico. Ela conta que os seus preferidos - Yuri e Yaoi -, que focam em relações homossexuais, são difíceis de achar impressos em Fortaleza
SAIBA MAIS Hentai é um estilo de mangá (história em quadrinhos japonesa) com conteúdo pornográfico. Pode ser dividido em vários gêneros, de acordo com as relações exploradas na obra, como Yaoi, Yuri, entre outros.
CRÉDITOS: DIEGO JOSÉ SILVA
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IMPRESSÕESSEXO
Algumas editoras lançam selos para diferenciar as publicações adultas das demais. É o caso da Vertigo, selo da editora norte-americana DC Comics.
Webcomics são histórias em quadrinhos veiculadas pela Internet. Os quadrinhos underground foram reflexos da contracultura. Publicados de forma independente, se popularizaram no final da década de 1960. Entre os autores, destacam-se Robert Crumb, que possui trabalhos com teor sexual, entre eles Zap Comix e Fritz the Cat. Em 2013, a editora brasileira Veneta lançou a antologia “A Mente Suja de Robert Crumb”, com os trabalhos mais polêmicos criados pelo artista. As ilustrações da italiana Giovanna Casotto, com traços super-realistas, são baseadas em autorretratos e dão origem a mulheres que ditam as regras do sexo. Além de Giovanna, outros autores italianos trabalham com o gênero. Podemos citar: Paolo Serpieri, com seus desenhos de anatomia humana feitos com alto nível de detalhes, entre eles a sua Druuna; Guido Crepax, com seus traços delicados, domínio de luz e sombras e desenhos ousados como sua personagem Valentina; e Milo Manara, o grande nome dos quadrinhos eróticos, conhecido por seu traço simples e clássico, sendo o autor de ‘Clic’ e ‘O Perfume do Invisível’.
CARLOS ZÉFIRO E OS QUADRINHOS ERÓTICOS NO BRASIL Carlos Zéfiro é o pseudônimo do carioca e funcionário público Alcides de Aguiar Caminha, um dos autores de quadrinhos pornográficos mais populares no Brasil. Conhecidas como “catecismos”, suas publicações, que eram vendidas clandestinamente, conquistaram principalmente o público masculino. Na década de 1960, atingiram o auge, mas, com a chegada de revistas eróticas coloridas europeias, em 1970 suas publicações perdem espaço. São histórias narradas em primeira pessoa, sempre com começo, meio e fim. Com ilustrações em preto e branco, Zéfiro surpreende com o realismo de suas histórias que, em geral, retratam o cotidiano brasileiro da época. Caminha morreu em 1992, aos 70 anos.
A SAGA ERÓTICA CEARENSE “Oigo” é uma série criada pelo quadrinista cearense Diego José Silva e produzida desde 2000. Ela narra a história do protagonista homônimo, que tem superpoderes, mas não se vê como um super-herói e não gosta de exercer essa função. Cada vez que Oigo usa suas habilidades, sua energia especial é consumida. Sem ela, o personagem não consegue manifestar nenhum tipo de capacidade extra-humana, e, para recarregá-la, o herói deve sugar seios naturalmente grandes. De acordo com o autor, a ideia inicial da série foi inspirada pelo personagem Spawn, da editora norte-americana Image Comics. Spawn usava diversos tipos de poderes, tendo uma barra de energia que ia se consumindo ao longo do uso. Como “Oigo” tem contexto em um mundo dominado por grandes corporações, Diego José tece críticas à sociedade, ao materialismo, à publicidade e até mesmo à indústria de super-heróis americana. Atualmente, Diego trabalha na 4ª edição da série.
Ilustração da série criada pelo quadrinista Diego José Silva. Oigo é um super-herói que recarrega suas energias sugando os seios naturalmente grandes das mulheres. A série já possui três edições, que podem ser acessadas pelo Facebook e pelo blog www. oigohq.blogspot.com
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PRAZER
A sexualidade vivida entre limitações e desafios Apoio familiar e orientação especializada podem ajudar no desenvolvimento sexual, além de garantir o direito aos prazeres carnais a pessoas que sofrem com problemas cognitivos Joyce Lopes e Paulo Jefferson Barreto
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ntre as limitações e os desafios das pessoas com autismo, as semelhanças com o restante da população se sobressaem. Amam, sofrem, sentem. Têm necessidades humanas e enfrentam questões comuns a indivíduos ditos “normais”, como as relacionadas à sexualidade e afeto. Junto a eles estão os pais, desvendando um mundo especial para garantir aos filhos o máximo de autonomia nos diferentes aspectos da vida, incluindo o sexual. Dona Andreia (nome fictício), 71, é mãe de Caio (nome fictício), um rapaz autista de 18 anos. De modo natural, ela conta que o menino começou a se masturbar por volta dos 13 anos. “Ele tinha um tipo de rede que gostava, e eu não sabia por quê. Quando aquela rede não estava, ele ia me chamar para procurar até achar.” A mãe começou a associar os movimentos que o rapaz fazia e a irritação que ele ficava ao ser interrompido do ato. Ela, porém, ressalta que o menino não demonstra interesse por relacionamentos, pois não tem essa consciência. E comenta: “Sempre que ele quer essa rede, eu deixo ele fazer isso (masturbação). É instinto humano”. Já Arthur (nome fictício), 16, também portador da Síndrome do Autismo, gosta de uma menina que mora na mesma rua. “Diz que é a namorada”, conta a mãe, Maria do Socorro (nome fictício), 38. Mas ela não leva a história muito a sério, porque toda garota que ele vê é a “gatinha dele”, afirma, descrevendo o filho como carinhoso e paquerador. Para Maria do Socorro, lidar com as questões da sexualidade do adolescente não é tão simples. O filho está na fase de afloramento da libido, e ela trata do assunto com embaraço. “Eu fico bastante constrangida quando vejo ele fazendo aquilo (masturbando-se). Eu digo: ‘Meu amor, vá para o banheiro’”. Maria do Socorro ainda enfrenta um dilema: por mais que Arthur esteja amadu-
recendo, para ela, ele continua sendo “aquele bebezinho”. Com um grau de autonomia diferenciado, Luis (nome fictício), 18, apresenta um quadro moderado de Autismo, conhecido como Síndrome de Asperger. Segundo a mãe, Luana Costa (nome fictício), 42, as habilidades cognitivas do filho não são tão comprometidas. O garoto, porém, tem problemas de interação e dificuldades para entender regras de relacionamentos, contudo, expressa o desejo de casar e ter filhos. Luana assume incentivar o rapaz, esclarecendo que, no momento certo, aparecerá alguém com quem ele possa dividir a vida. A mãe descreve o início da puberdade como agitado, pois havia ocasiões em que ele ficava excitado e não sabia como agir. Hoje, Luis vive um período de tranquilidade após ter passado por uma terapeuta, tendo encontrado na prática de desenhar uma forma de expressar as emoções e os desejos. “Ele desenha ‘bonecas sexys’, como ele fala”, conta a mãe.
Acho clinicamente asséptico, injusto e incorreto qualificar e quantificar quem está apto ou não a ter relacionamentos psicoafetivos MANUEL DAMAS Médico e sexólogo
Sexualidade orientada
Luana Costa conta que na sua família sempre houve abertura para tratar de sexo. E ressalta a participação do pai no esclarecimento de Luis. “Acho que por ser um rapaz, ele se sinta melhor em falar com uma figura masculina”, justifica, destacando, entretanto, não forçarem uma situação. “Deixamos ele vir até nós”. Manuel Damas, médico e sexólogo, atribui aos familiares e cuidadores a gestão das especificidades e condicionalismos próprios desses pacientes. “O deficiente mental pode e deve desenvolver a sua sexualidade”, ressaltou. Damas explica que a descoberta da sexualidade pelos portadores de deficiência mental ocorre de estímulos físicos ocasionais localizados. “No caso de um jovem adolescente, por exemplo, a pressão ocasional na genitália, de um móvel de decoração de casa, só pelo estimulo físico de pressão, pode gerar
Eu fico bastante constrangida quando vejo ele fazendo aquilo (masturbando-se). Eu digo: ‘Meu amor, vá para o banheiro’ MARIA DO SOCORRO (Nome fictício)
uma ereção que, ao tentar ser resolvida fisicamente, pode terminar numa masturbação involuntária”. Manuel Damas, entretanto, alerta que a descoberta da sexualidade também pode ser, erradamente, imposta pelos conviventes próximos. Quanto a isso, Luana Costa, mãe de Luis, acredita que ela e o marido precisam “incessantemente” orientar e criar um ambiente em que possa existir autonomia, mas pondera que a abordagem do assunto nunca é exacerbada para que o filho não crie obsessões. O contrário também pode acontecer. Segundo a psicopedagoga Edina Barros, existem casos em que a pessoa já chegou aos 30 anos e ainda não conseguiu desenvolver plenamente a sexualidade. Ela sente a excitação, mas não sabe como agir. Edina atribui o problema à postura de alguns pais, que não estão abertos a ensinar sobre sexualidade. Luana crê na possibilidade de uma vida normal para portadores de deficiência “com a devida orientação e o apoio da família”, além de um “bom profissional sempre”. E Damas sintetiza: “desde que esse desenvolvimento seja criteriosamente acompanhado e avaliado, pode ser uma mais valia e uma melhoria de competências. Acima de tudo, pode representar uma evolução no ato de ser pessoa”.
Vulnerabilidade e direito
Manuel Damas lembra que indivíduos com deficiência mental têm, legitima e universalmente, direito a afeto, à sexualidade e ao prazer. Mas como conciliar esse direito com uma legislação que pune o relacionamento sexual com e entre indivíduos considerados vulneráveis? A pergunta não é simples; e a resposta, menos ainda. É o que afirma o professor de Direito e especialista em Medicina Legal, Gustavo Cabral. Segundo Cabral, aos olhos da legislação, o único caminho possível para assegurar o direito à sexualidade entre pessoas nessas condições está no que a lei considera “discernimento”, ou seja, quando o indivíduo tem plena ou parcial capacidade de entender o que faz e as escolhas que toma. De acordo com o professor, a lei considera dois níveis de deficiência mental: um, quando a pessoa não tem condição de discernir sobre a realidade em sua volta; outro, quando o grau de deficiência aponta para uma incapacidade relativa, o que não impediria totalmente o deficiente mental de levar uma vida com padrões ditos normais. “Para efeito de Direito, nós temos o aspecto criminal e o civil. A questão da sexualidade nesses casos pode se enquadrar nos dois. Tudo vai depender do grau da deficiência mental, e quem deve determinar isso é a perícia médica. É o
ENTENDENDO OS TERMOS
Autismo: Sindrome descrita inicialmente pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner, em 1943. Os sintomas mais comuns são o prejuízo nas áreas da comunicação, do comportamento e da interação social. Um ano após a descrição de Kanner, outro médico austríaco, Asperger, descreveu pacientes semelhantes às descritas por seu colega, mas que eram, aparentemente, mais inteligentes e sem atraso significativo no desenvolvimento da linguagem. Esse quadro foi mais tarde denominado de Síndrome de Asperger. Atualmente, considera-se que o autismo faz parte de um grupo de síndromes chamado Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD), devido às variações de intensidade dos sintomas e a dificuldade em se estabelecer uma causa específica para a síndrome. Fonte: Revista Autismo - Informação gerando ação http://www. revistaautismo.com.br/
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perito quem diz até que ponto a pessoa deficiente mental tem condição de discernir sobre as coisas.” Assim, casar, ter filhos, constituir família, namorar e manter relações sexuais, o que para os demais cidadãos parece uma questão de vontade individual, no caso dos deficientes mentais passa a ser um posicionamento definido pela perícia médica e estabelecido por lei. O que nem sempre é considerado positivo, mesmo para quem trabalha com o assunto. “Acho clinicamente asséptico, injusto e incorreto qualificar e quantificar quem está apto ou não a ter relacionamentos psicoafetivos, como se tratasse de uma máquina”, afirma o médico Manuel Damas. Para Cabral, no entanto, no momento em que o Estado adota essa postura, a intenção é proteger, porque há uma presunção de que nem todo mundo tem condição de assumir dadas responsabilidades. “Se a pessoa não tem discernimento, não pode haver ato sexual, porque o ato sexual precisa ser anuído. Nesse caso, surge o vulnerável. A consequência é que a pessoa com quem se faz o ato sexual é considerada criminosa, porque, para o Direito, não há condição de o deficiente mostrar sua vontade às vezes”. Segundo o professor, a definição do Estatuto Nacional da Pessoa Deficiente, que estabelece diretrizes para assegurar os direitos humanos e as liberdades fundamentais das pessoas com deficiência, é um passo
importante no sentido de garantir os direitos de pessoas nessas condições, mas ainda há muito que avançar. “É um assunto que deveria ser mais discutido. Se demorou muito para avançar nos direitos dos deficientes. Muitas vezes o legislador precisa tornar isso especifico para que o direito seja respeitado e precisamos também tratar essa questão de forma mais realista”, conclui.
NOTA DO EDITOR
Seguindo a linha editorial e os princípios morais e éticos defendidos pelo jornal IMPRESSÕES, nós preferimos não utilizar a imagem, nem o nome das mães ou jovens portadores da Síndrome do Autismo. Entendemos que as experiências relatadas podem causar constrangimentos, se identificados, à medida que a fala de suas respectivas mães, mesmo sendo responsáveis perante a lei, são possíveis de causar embaraço. O IMPRESSÕES explica que a decisão de proteger a identidade de nossas fontes vem sendo tomada nas últimas duas edições por pedido das próprias, que solicitam o sigilo por, na maioria das vezes, trata-sa de temáticas ainda pouco discutidas. Neste caso específico, a decisão foi tomada por princípios éticos dos integrantes que compõem o jornal, tendo sido liberado o total uso da imagem e nome de nossos personagens.
Art. 1º. Fica instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência, com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU e seu Protocolo Facultativo, ratificados na forma do § 3º, artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania plena e efetiva. Art. 2º. Consideram-se pessoas com deficiência aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
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SEM COMPROMISSO
“Amor sem preconceito, sigilo total, sexo total” Nos versos da canção Amante Profissional, a banda Herva Doce já entoava os prazeres do sexo casual na década de 1980. Em Fortaleza, as opções são variadas para quem busca essa experiência Ari Areia
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ão precisa ser necessariamente um amante profissional para estar a fim de “qualquer tipo de transação sem compromisso emocional”. Quem procura sexo casual em Fortaleza pode deixar a cargo do acaso – partindo de uma paquera na rua ou no ônibus, uma troca de olhares na fila do banco – ou ser mais objetivo e procurar locais onde é mais comum encontrar. As opções vão desde saunas até os cinemas do Centro da cidade. Para quem está namorando, ou é casado, a alternativa pode ser as casas de swing – com as famosas trocas de casais. Em Fortaleza, as opções variam com relação à estrutura e aos preços. A sauna Très Chic, no Centro, cobra R$ 20, independentemente do dia. Já na Dragon Club, localizada na Praia de Iracema, os valores ficam entre R$ 25 e R$ 37, dependendo da data. Em levantamento feito pela reportagem do IMPRESSÕES, foi possível perceber que os serviços básicos oferecidos são: sauna a vapor e seca, dark rooms (quartos escuros), bar e salas de vídeo com exibição de filmes eróticos, além de cabines individuais. Alguns estabelecimentos vão além e disponibilizam massagistas, suítes e até garotos de programa credenciados. O estudante universitário Arthur (nome fictício), 22, já foi a três saunas na capital cearense. Além da diferença de infraestrutura entre as mais caras e as mais baratas, ele acrescenta que “parece que cada estabelecimento tem um público mais ou menos definido. Tem uma que só fiz entrar e sair porque a galera que frequenta é formada mais (por) ursos (homens peludos), que não fazem o meu tipo”. Felipe (nome fictício), 26, também é universitário e confirma a segmentação por público nas saunas da cidade. “Tem saunas que só frequentam ursos e homens casados. Tem sauna que dá uma faixa etária de 30 a 50, e consequentemente dá muito garoto de programa”. Ele comenta ainda que
FOTO: DIVULGAÇÃO/DIEGO SOUZA
BOTA CAMISINHA!
Ensaio fotográfico com casal de strippers que faz apresentações na casa de swing Revolution em Fortaleza
“uma característica comum em todas (as saunas) são pessoas que têm fetiche de ser voyer. Nada fazem, apenas circulam observando”. Felipe lembra que “há quem não curta boates, e na sauna eles encontram um lugar mais discreto pra conhecer pessoas. Mas a maioria está lá única e exclusivamente pelo sexo, essas pessoas são fáceis de identificar”, disse. Na busca por outras opções para sexo casual? Quando se trata de cinemas pornôs, Felipe é taxativo: “Lá é só sexo”. Contudo, esses estabelecimentos “são, em geral, frequentados por pessoas estranhas, feias”, segundo ele. O estudante relata, ainda, casos de insegurança e de assaltos dentro dos estabelecimentos do gênero. Perguntado sobre o motivo desses locais, ainda assim,
Tem sauna que dá uma faixa etária de 30 a 50, e consequentemente dá muito garoto de programa FELIPE
Estudante
(Nome Fictício)
atraírem público, Felipe responde que o preço mais baixo da entrada (em média R$ 4) pode ser um dos motivos. Mas ratifica, “são um submundo de fato, tanto as saunas quanto nos cinemões”.
Um tour pela casa de swing Patrícia (nome fictício), 25, é casada e foi com o marido conhecer uma casa de swing. O lugar fica no bairro Água Fria, área nobre de Fortaleza. A visita ocorreu por conta do convite de uma amiga do casal que estava fazendo sua festa de aniversário no estabelecimento. Os dois não chegaram a participar da troca de casais, o que não quer dizer que não houve muito para observar e experimentar. “O primeiro andar é cheio de regras. E as pessoas são super respeitadoras”, disse.
O estudante Felipe alerta para o fato de que, tanto nos cinemas quanto em outros ambientes frequentados por quem procura sexo casual, há pessoas que sugerem o não uso da camisinha. “Tem gente que gosta de se arriscar e topa.” A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, em seu site, alerta que “a camisinha ou preservativo continuam sendo o método mais eficaz para prevenir muitas doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids, a sífilis, a gonorreia e alguns tipos de hepatites, além de evitar uma gravidez não planejada”. A camisinha deve ser usada em sexo anal, oral ou vaginal do começo ao fim. Se a pessoa passar por alguma situação de risco nesse sentido ela deve procurar um serviço de saúde para se submeter a exames que detectam a Aids, a sífilis e as hepatites. Camisinhas são distribuídas gratuitamente nos postos de saúde, além de serem oferecidas em alguns cinemas, motéis e saunas de Fortaleza.
“Conversei com uma moça lá que é casada há oito anos, ela disse que era ‘a isca!’ (risos). Ela vai e convida outro casal. Parece que fica a cargo das mulheres esquematizar as trocas”, comentou. “Mas o bacana também é ver que as pessoas vão pra lá e não necessariamente trocam de parceiro.” Já no segundo piso do local, segundo Patrícia, existem três quartos, cada um com duas ou três cabines com janela de vidro. As pessoas têm a opção de deixar a porta aberta ou trancada. E a janela tem cortina. “Existem os voyers e os exibicionistas, então rola de tudo.” Já no terceiro piso da casa, as regras são praticamente abolidas e tudo pode acontecer em um espaço mais escuro e convidativo.
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PROSTITUIÇÃO
O corpo como estratégia de publicidade em anúncios de jornais Profissionais do sexo se utilizam do discurso para vender seus serviços Diego Sombra
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ívia, Brendo, Nicolly, Vitor. Quando encontrados assim, fora de contexto, estes nomes não possuem, aparentemente, nada em comum. Porém, em uma seção específica do caderno de anúncios de jornais impressos, adjetivos, promessas picantes e números de telefone os aproximam em torno de uma particularidade: todos oferecem serviços sexuais por meio de classificados. O espaço dedicado a esse tipo de publicidade é restrito, o que requer criatividade para quem precisa divulgar, em meio à evidente concorrência, uma prévia do que pode ser feito entre quatro paredes. “Loiraça, linda, 1,70m, 23 anos, educada, discreta, s/ decepção p/ exigentes, c/ flat e site”. Em apenas 93 caracteres, Lívia (nome de trabalho) consegue angariar ligações praticamente todos os dias. Experiente, ela criou sua primeira “propaganda” há dois anos e hoje anuncia nos periódicos de maior tiragem do estado. “O retorno é garantido, mas o movimento maior é de segunda a quinta-feira”, revela. Por dia, a seção de “Acompanhantes” do jornal Diário do Nordeste apresenta, em média, 75 anúncios. A maioria dos anunciantes são mulheres, e o custo de cada publicação é de R$ 13,18. De acordo com a assistente do caderno, Luciana Braga, há critérios para que o texto da publicação seja aprovado. “Os interessados devem apresentar, obrigatoriamente, CPF, RG e comprovante de endereço. Ficamos com a cópia desses documentos”. Além disso, é preciso ir pessoalmente ao jornal. Já no O POVO, para publicar o mesmo anúncio durante sete dias, paga-se R$ 30,95, sendo o trâmite basicamente o mesmo. Lívia conhece esse procedimento e prefere fechar um pacote de mil linhas, que é
negociado por R$ 1818. Cada anúncio dela tem, geralmente, cinco linhas e ocupa um espaço de quase três centímetros de largura na página. Com o tempo, os clientes aumentaram, e os cuidados também: hoje, ela tem um celular exclusivo para atender leitores e não trabalha fora do seu flat, onde evita deixar pertences. “Acontecem muitas situações de risco, mas todo trabalho tem suas dificuldades”.
O ethos
Interessado pela forma como os anúncios de sexo são escritos, o professor de Linguística e Semiótica do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará, Ricardo Leite, escreveu um artigo intitulado “O Corpo Enunciado e suas Metamorfoses: Operações Enunciativas em Anúncios Classificados de Serviço de Sexo”. No trabalho, Ricardo analisa, entre outros temas, os diferentes modos de apresentação do corpo em anúncios. Para ele, os anunciantes vendem “imagens do corpo de papel”: “Esses textos criam, com efeito, ‘simulacros do corpo’, cujas estratégias linguísticas parecem fazer o leitor-consumidor acreditar, crer que o corpo construído no papel corresponderá ao corpo que ele encontrará”, aponta. Sem a preocupação de divulgar tantos “atributos”, Brendo (nome de trabalho) “vende seu peixe” em apenas duas linhas, usadas para colocar nome, telefone e a especificação objetiva “Disponível para homens!”. Diferentemente de Lívia, ele atua no ramo somente há 14 dias, mas já está satisfeito com o investimento. “O retorno é rápido!”, diz. Estudante de Farmácia, Brendo resolveu, aos 25 anos, anunciar em classificados para ganhar uma renda extra. O incentivo veio de um amigo que já trabalhava com esse tipo de divulgação. “Além
Esses textos criam ‘simulacros do corpo’, cujas estratégias linguísticas parecem fazer o leitor-consumidor acreditar que o corpo construído no papel corresponderá ao corpo que ele encontrará RICARDO LEITE Professor
do meu amigo, você é a única pessoa que sabe que eu faço isso”, confessou por telefone. Para exercer a profissão de garoto de programa nas horas vagas, Brendo, assim como Lívia, assumiu um nome diferente. Para a psicóloga Marianne Coelho, a aquisição de um novo nome está diretamente ligada ao fato de o profissional assumir uma nova personalidade. “É bem interessante para estes profissionais assumir outra ‘persona’, com outro nome, outro modo de se vestir e de se portar. Na realidade, eles efetivamente desempenham um papel. Ali eles são os proILUSTRAÇÕES: GLEISON SANTOS
fissionais do prazer”. No O POVO, Lívia apresenta-se com outro pseudônimo, mas diz não mentir sobre suas características, prática que, como afirma, é comum entre muitas meninas. “Tem muita mentira! Mas você precisa passar aquilo que tá lá”, diz. Em relação às estratégias enunciativas verificadas nos anúncios, o professor Ricardo Leite acredita que a linguagem empregada mexe com o imaginário popular. “As expressões linguísticas selecionadas pelo enunciador funcionam, na verdade, como estratégias de persuasão”.
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PRAZER PROFUNDO
Mais que um ‘tempero’ na relação, sexo tântrico é autoconhecimento
Técnicas orientais de toque possibilitam experiências sexuais intensas que envolvem não somente o estado físico, mas também o mental e a elevação espiritual Bárbara Rocha e Camila Aguiar
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ráticas e conhecimentos milenares fluem do Oriente para o Ocidente. Já há algum tempo, este lado do mundo tem se encantado com a filosofia, os ensinamentos e o pensamento de países de culturas orientais. Entre novos adeptos de religiões e praticantes de yoga, por exemplo, é possível perceber, também, o florescimento de uma prática focada no desenvolvimento do prazer físico aliado à espiritualidade: o sexo tântrico. A busca pelo profundo autoconhecimento atinge também a relação com o corpo, e deste com o mundo. Unindo a materialidade física e a mente, esse tipo de prática tem como objetivo potencializar os sentidos físicos e ampliar as experiências de prazer e de orgasmo, além de melhorar a qualidade das relações entre os casais. O termo tântrico vem da palavra “tantra”, de origem sânscrita, que, entre vários significados, refere-se a “trama” ou a “tecido”. As duas raízes da palavra, “tan” e “tra”, significam, respectivamente, “expansão” e “libertação”. Surgida em 2.500 a.C, na região onde hoje se conhece como Paquistão, o tantra é uma filosofia comportamental hindu que engloba práticas que têm como objetivo o desenvolvimento integral do ser humano nos seus aspectos físico, mental e espiritual. Neste contexto, o sexo surge como algo que vai além da experiência física para alcançar níveis de contato e prazer mentais e espirituais, possibilitando uma profunda conexão energética entre os parceiros, além de aumentar o tempo de duração do orgasmo.
Massagem tântrica
Para alcançar esse nível de consciência corporal, no entanto, é necessário passar por um momento de preparação da mente e do corpo por meio da massagem tântrica.
FOTO: DIVULGAÇÃO FOTO: DIVULGAÇÃO
As oportunidades para experimentar as sensações da massagem tântrica ainda são poucas em Fortaleza. Um dos motivos para utilizar a técnica oriental é a busca pela união mística através do prazer Um profissional preparado executa toques em partes do corpo para desenvolver a sensibilidade e despertar o prazer em locais que geralmente não são estimulados no sexo convencional, para além das áreas genitais. A terapeuta tântrica Dewa Deepta Uozi explica que a massagem tem como objetivo fazer ascender a kundalini, que é a energia vital. A palavra, também de origem sânscrita, refere-se ao centro de força situado próximo à base da coluna e aos órgãos genitais, onde está localizado o chakra básico. Os chakras são centros energéticos dentro do corpo humano, alinhados desde a região pélvica até o topo da cabeça, por onde flui essa energia. Segundo Dewa, é o que movimenta a vida e todos os processos energéticos emocionais, mentais e fisiológicos. A partir dos estímulos, e do conhecimento do corpo proporcionado pelas técnicas aplicadas pelo toque, os casais podem praticar a massagem e o sexo tântrico para o desenvolvimento da intimidade e da consciência do prazer. Entre os motivos que levam as pessoas a procurarem a massagem tântrica estão: desenvolver a satisfação
e a intimidade a dois, trabalhar os condicionamentos, tratar as disfunções sexuais, e, para os mais conectados, “encontrar a união mística do ser através da expansão do prazer por todos os chakra”, finaliza Dewa. Para atingir esses propósitos, é preciso total entrega por parte de quem procura a massagem tântrica. A partir das experiências que teve ao participar de cursos e workshops, Dewa conta que essa relação negativa com o sexo e o prazer limita o relaxamento neste momento. “Na primeira reação, não há muita entrega, existem neste momento os extremos. Aparecem aí todos os condicionamentos, traumas, situações de abuso, fantasias, vergonha, sedução”. Para facilitar o processo, são utilizados movimentos corporais e de respiração, técnicas para aquecer o corpo, liberar e deixar fluir a energia estagnada e entrar em contato com as sensações.
Esquentando a relação
Os fortalezenses Bernardo e Fernanda (nomes fictícios) conheceram a massagem tântrica em 2012. Juntos há 25 anos, o casal, que procura não deixar que
a vida sexual caia na rotina, buscou nas técnicas orientais novas formas de vivenciar as relações íntimas. Na época, o empresário viu na televisão uma reportagem sobre o assunto e ficou interessado. Propôs, então, a experiência à esposa. Após uma busca na Internet, Bernardo soube que Dewa, que atua no Espaço Vibração no Rio de Janeiro, iria realizar algumas sessões na Capital cearense, fez o contato com a terapeuta e iniciou o processo ao lado de Fernanda. “Eu acho que o sexo não pode ficar na mesmice e a gente tem uma curiosidade nessas coisas diferentes”, explica o empresário. Nas primeiras sessões, Bernardo conta que ainda não conseguia relaxar completamente para a massagem, mas que houve uma evolução a partir da terceira sessão. Já Fernanda conseguiu aproveitar bem os momentos logo no início. Ele considera que a afinidade criada com a massagista ao longo de cada experiência foi importante para que o casal decidisse repetir a vivência. “Você tem que ter uma cabeça muito aberta, porque tem que romper barreiras. Existe um preconceito, não é todo mundo que tem a cabeça aberta para esse tipo de coisa”.
SERVIÇO Espaço Vibração O Espaço tem sedes no Rio de Janeiro e São Paulo, mas realiza atendimentos individuais em Fortaleza. Estes devem acontecer entre agosto e setembro deste ano. Ainda não há data nem local definidos. Para mais informações: (11) 976911508 / (21) 2147-5812
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Embora a massagem fosse destinada aos dois, era aplicada individualmente, entretanto, um podia tocar o corpo do outro, enquanto este era estimulado com toques na região próxima à genitália e em outras zonas erógenas. De acordo com relatos de Bernardo e Fernanda, o orgasmo é extremamente intenso e acontece sucessivas vezes, principalmente, para a mulher. “Na hora é um negócio fantástico, parece coisa de outro mundo. Quando para, parece que vão saindo coisas de dentro, é muito forte, uma energia desprendida. É impressionante!”, revela a arquiteta. Bernardo e Fernanda fizeram cinco sessões de massagem tântrica, investindo, em cada uma, em média, R$ 800, 00. “Penso em fazer novamente, o problema é o custo, porque não é barato, mas vale a pena mesmo assim. Acho que todo mundo devia fazer”, diz Fernanda. A experiência com a massagem tântrica trouxe benefícios para o relacionamento sexual do casal. “A gente explora mais o corpo e mostra outros pontos que normalmente a pessoa não está acostumada a utilizar. Aplicamos em casa e ficou muito melhor”, salienta ela.
Novas Vivências Dewa ressalta que a massagem tântrica embora trabalhe, também, com o toque nas regiões íntimas do corpo, não deve ser considerada uma espécie de masturbação. A começar pelos movimentos, que são distintos da prática masturbatória, tanto para os homens, quanto para as mulheres. “Não se trata de masturbar o genital, mas sim de trazer com movimentos diferentes novas sensações, fazendo novas sinapses”. “É muito importante saber que a verdadeira massagem tântrica tem como objetivo trazer sempre uma nova experiência. O terapeuta deve estar ajudando a pessoa a se desenvolver e não aprisioná-la, por isso o profissional deve estabelecer uma conexão energética verdadeira com a pessoa que está sendo tocada por ele”, acrescentou. A quantidade de sessões de massagem tântrica irá depender das necessidades
de cada cliente, que podem ser diversas, desde o desenvolvimento da sensibilidade do corpo até o tratamento de traumas relacionados a experiências negativas com o sexo. De acordo com Dewa, a ejaculação precoce, por exemplo, pode ser resolvida em duas sessões, mas, se o problema for decorrência de ansiedade, apenas uma sessão pode possibilitar que a pessoa tenha o prazer sexual prolongado. Em relação aos bloqueios ligados a traumas, o número de sessões aconselhadas são, no mínimo, cinco. Já para o tratamento de disfunções, a pessoa necessita de oito a 10 atendimentos. “A tarefa é mudar o registro, ou seja, se a pessoa carrega uma experiência negativa de prazer no corpo físico ou emocional, a massagem vai ajudá-la a transformar em um registro positivo” contou Dewa. Para a sexóloga Zenilce Bruno, a massagem tântrica é saudável quando se trata de aprofundar o conhecimento em técnicas que irão melhorar o sexo e de disfunções sexuais de origem psíquica, entretanto, em casos mais graves, é fundamental que a pessoa procure um médico para que possa realizar o tratamento da melhor forma. “A questão da massagem é positiva se você quer melhorar seu desempenho sexual, o seu desejo, descobrir mais o seu corpo e o do companheiro. Para as questões mais graves, como disfunções, é necessário um tratamento mais profundo. A massagem não resolve problemas mais graves. Quando a pessoa se sente inadequada sexualmente, precisa procurar um médico para ver se o problema é orgânico, físico ou se não tem doença e depois procura um psicólogo, terapeuta sexual que possa trabalhar com questões mais profundas, com técnicas voltadas para a questão emocional”. Mesmo incentivando a massagem tântrica como solução para algumas disfunções sexuais, Dewa também avisa que o acompanhamento do médico é importante para que o paciente seja encaminhado para o tratamento mais adequado, como nos casos mais sérios de impotência sexual e ejaculação precoce.
O terapeuta deve estar ajudando a pessoa a se desenvolver e não aprisionála, por isso deve estabelecer uma conexão energética verdadeira com a pessoa DEWA DEEPTA
Terapeuta Tântrica
Você tem que ter uma cabeça aberta, porque tem que romper barreiras. Existe um preconceito, não é todo mundo que tem a cabeça aberta para esse tipo de coisa BERNARDO Empresário
(Nome fictício)
KAMA SUTRA Com certeza você já ouviu falar no Kama Sutra. Aquele livro indiano com inúmeras ilustrações de posições sexuais. O que muita gente não sabe é que essa obra tão antiga se pretende mais do que um manual de formas variadas de alcançar o prazer, mas envolve reflexões existenciais e até questões espirituais, conjugadas ao ato sexual. O Kama Sutra é um texto indiano do século IV escrito por Vatsyayana. Apesar de ser a obra mais conhecida desse tipo, o livro é um resumo de vários escritos anteriores de uma tradição de textos indianos sobre sexo, conhecida como Kama Shatra. Mesmo dedicados a produzir uma obra sobre sexo dessa dimensão – referência até hoje –, o povo hindu tinha uma concepção sobre a vida que elencava três principais objetivos: o Darma, que é a vida virtuosa ou virtude espiritual; o Artha, acúmulo de riqueza ou prosperidade e o Kama, que é a realização amorosa. Era preciso encontrar equilíbrio entre esses três objetivos para atingir a realização pessoal, mas numa hierarquia de importância, o Kama estava em último lugar. O Kama Sutra é um livro escrito por um nobre e para os nobres. Para os homens, pois naquela época as mulheres eram muito submissas. Os ensinamentos contidos na obra, no entanto, não ignoram as necessidades femininas, indicando formas de obtenção do prazer também pelas mulheres. Até hoje, é uma das obras mais conhecidas do Oriente e referência em matéria de aperfeiçoamento das relações amorosas, tendo gerado várias releituras e publicações inspiradas nele. Dividido em sete partes e 36 capítulos, o Kama Sutra traz exemplos de 64 posições para o sexo, com denominações curiosas, como “o carangueijo”, “a picada do escorpião”, “a mariposa” e “a árvore florescente”.
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EDUCAÇÃO
Tabus dificultam discussão sobre educação sexual nas escolas Aulas relacionadas ao sexo ainda encontram oposição dos pais. Escolas defendem que aprendizado deve ser complementado em casa Anacélia Ribeiro, Leidyanne Viana, Renata Nunes FOTOS: LEIDYANNE VIANA
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ducação sexual não é disciplina obrigatória nos currículos escolares no Brasil. Em razão disso, e da postura contrária dos pais, a temática não é tão bem explorada como merece ser por sua relevância social. O IMPRESSÕES consultou alunos da escola municipal Maria do Socorro Alves Carneiro que afirmaram não lembrar de discussões em sala de aula acerca do assunto. “A tia nunca falou sobre ato sexual, só falou da convivência entre as pessoas, dos corpos”, disse a estudante Gabriela Ferreira, 12. Ingrid Nara, 12, recordou que uma vez “teve um projeto sobre Aids”. As duas afirmaram que conversam com a mãe quando têm dúvidas e consideram que a escola deveria falar mais sobre o tema. O estudante Samuel Silva, 13, disse que, quando quer saber de algo relacionado a sexo, conversa com sua mãe ou procura na internet. Já Horácio Neto, 12, afirmou que já teve “uma aula sobre organismos, na matéria de Ciências”, e que um professor “passou um vídeo sobre camisinha”. Nos colégios particulares visitados pela reportagem, o ensino não é diferente. Neles também não existe uma disciplina específica voltada para a educação sexual. As aulas são inseridas dentro de alguma matéria, e a carga horária não ultrapassa cinco aulas. A segunda metade do Ensino Fundamental, no 7º ou 8º ano, é o período em que se inicia a introdução ao tema. Luiz Lucas da Silva,18, aluno do Colégio Farias Brito, conta que a abordagem mais próxima sobre educação sexual aconteceu nas aulas de Biologia. Foram tratados temas como DST’s, formas de prevenção, contágio, tratamento, reprodução e formas de prevenir a gravidez. “Tive essas aulas na época da matéria ‘Mamíferos - formas de reprodução’”, disse.
Religião e resistência dos pais à temática são consideradas fatores negativos na instrução sexual iniciada pela escola Nicole Nogueira, 17, aluna da Escola Santo Amaro, diz sentir falta do aprofundamento da temática. “O que eu sei sobre educação sexual aprendi com minha prima, que teve ‘experiências’ mais cedo do que eu. É importante que se tenha esses estudos na escola, pois algumas dúvidas que tenho nunca que tive coragem de perguntar para minha mãe. As coisas mais simples do tema nós (alunos) não conhecemos”, pontua.
Tratamento nas escolas
Juliana Maranhão, assistente social e mestranda em Psicologia, explica que a educação sexual nas escolas vem sendo tratada por meio de palestras sobre métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis. Para ela, esse enfoque “está longe de abordar a complexidade da sexualidade e dá a ideia de que a vivência do sexo é algo perigoso, sujo ou prejudicial”. O Colégio Equipe realiza
as discussões sobre educação sexual em duas disciplinas: Biologia e Sociologia. A primeira tem como foco o corpo, enquanto a segunda os assuntos relacionados à sexualidade. Além da parte teórica, o tema é abordado com relatos de experiências cotidianas, palestras e seminários ministrados por pessoas que sofreram algum tipo de problema - como uma gravidez indesejada - por falta de orientação ou precaução. De acordo com o coordenador geral do colégio, Felipe Gadelha, a abordagem sobre educação sexual é imprescindível, mas precisa do apoio dos pais. “Na atualidade, é fundamental que se fale em educação sexual dentro da sala de aula, é ideal que esse assunto faça parte da grade curricular obrigatória de toda escola, mas que esse assunto seja complementado em casa”, afirmou. O Colégio Santo Tomás de Aquino busca tratar “com cui-
dado a temática do sexo” devido ao seu cunho religioso. “A escola sente a responsabilidade de informar os alunos corretamente, em vez de eles buscarem a informação errada na rua, porque para os pais ainda é tabu”, afirmou o professor e supervisor educacional Walter Silva. Ele explica que o conteúdo de educação sexual faz parte da grade escolar obrigatória da escola a partir do 4° ano. Para Walter, em razão de ainda haver barreiras sobre o tema, o ideal é começar pelo aspecto teórico. “Quando falamos do científico, tentamos não colocar nossa posição. Fazemos um debate e procuramos ser mediadores”. Depois da discussão, surgem as dúvidas por parte dos alunos. “Às vezes, eles procuram o professor com os questionamentos de forma indireta. Por exemplo, o aluno nunca diz ‘eu’, mas ‘a minha colega disse’. Eles não têm intimidade com os pais para
falar sobre sexo, por isso preferem conversar entre eles até chegar ao professor”, contou Walter. Ele ressalta que a escola busca instruir a educação sexual, independentemente da religiosidade.
Deficiência no ensino
Segundo Lyndir Saldanha, pedagoga especialista em educação sexual, as escolas geralmente não abordam a temática, e, quando o fazem, limitam-se ao “âmbito da Biologia, não se preocupando com os sentimentos que estão envolvidos”. Para a pedagoga, “a educação sexual deve criar uma visão saudável e natural da sexualidade”, mas hoje os enfoques privilegiam uma “finalidade preventiva, para evitar gravidez precoce e doenças”. Um dos fatores apontados por Lyndir para essa deficiência é a orientação das religiões, que “consideram que as famílias é que têm o direito de falar sobre o tema, deixan-
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O maior obstáculo é a má interpretação dos pais, pois tudo que escutam na escola, os alunos repetem em casa, (por isso o professor) tem que ter cuidado ao falar MARIA DE JESUS Pedagoga
Falar em educação sexual não é a mesma coisa de incentivar a prática sexual, mas é uma forma de orientar crianças e adolescentes sobre seu próprio corpo e escolhas JULIANA MARANHÃO
Assistente Social
Lucy Marques, coordenadora da área de Ciências Humanas da escola Maria do Socorro Alves Carneiro, considera fundamental uma maior participação dos pais do as escolas de fora”. Outros motivos, segundo ela, seriam a relutância dos pais e a falta de preparo dos professores. A pedagoga Maria de Jesus considera a educação sexual um tema delicado e que, se não for tratado adequadamente e com clareza, pode ocasionar até a demissão do professor. “Hoje em dia, os alunos aprendem com outros alunos. Tem que existir esse diálogo para esclarecer as dúvidas deles. O maior obstáculo é a má interpretação dos pais, pois tudo que escutam na escola, os alunos repetem em casa, (por isso o professor) tem que ter cuidado ao falar”. Ampliar a abordagem da educação sexual na escola Maria do Socorro Alves Carneiro é a proposta de projeto interdisciplinar a ser implantado no segundo semestre deste ano, de acordo com Márcio Barbosa, diretor da instituição. Segundo ele, o projeto prevê que os professores de todas as disciplinas incorporem a discussão de temas relativos à educação sexual ao seu conteúdo regular durante um bimestre. A ideia é levantar questões como identificação e transformações do corpo, doenças sexualmente transmissíveis, primeira experiência sexual, gravidez entre outras.
Papel da família
Além de destacar o papel da escola, Márcio observa o dever da família. O dire-
tor afirma que os pais não conversam sobre sexo com os filhos, mas ressalta a necessidade do diálogo. “Como os adolescentes estão nessa ebulição dos hormônios, é muito importante que tanto a família como a escola orientem como os alunos devem se portar e encarar essas mudanças”, explica. Lucy Marques, coordenadora da área de Ciências Humanas da instituição, também percebe uma falta de acompanhamento da família. Ela ressalta a importância de a escola Socorro Alves abordar o tema por estar situada em uma “comunidade carente”, onde muitos alunos não teriam uma orientação adequada por parte da família. Para que se avance no tratamento da questão, no entanto, Lucy considera fundamental uma maior participação dos pais. “São duas pontas interligadas. Não adianta só a gente fazer o nosso trabalho aqui, os pais precisam estar junto”, defendeu. A dona de casa Geralda Soares, 48, diz que nunca conversou sobre sexo com seu filho, que tem 13 anos e faz o 7º ano. “Eu não vou puxar o assunto, mas se ele me perguntar alguma coisa, eu explico”, afirma. Para ela, ao falar dessa temática, a escola estimula os adolescentes a iniciarem sua vida sexual. “O colégio pode ter uma boa intenção, procurar prevenir, mas só em falar desse assunto, atiça a curiosidade deles”.
Buscar soluções
A pedagoga Lyndir Saldanha defende que é preciso, primeiro, que as escolas assumam a necessidade de tratar da educação sexual para, em seguida, “fazer uma educação com os pais”. Para a assistente social Juliana Maranhão, a educação nas escolas deve possibilitar “uma reflexão sobre a sexualidade de forma ampla”, contribuindo, assim, para a “formação e orientação de crianças e adolescentes”. A abordagem, segundo ela, deve incluir reflexão sobre a relação e identidade de gênero, respeito à orientação sexual, sexo e sua relação com o bem-estar pessoal, reprodução humana, início das experiências afetivas e sexuais, e a violência sexual. Com relação à resistência dos pais, Juliana defende que sejam feitas reuniões de pais e professores para discutir como percebem as experiências afetivas e sexuais de seus filhos e debater a forma como pensam em orientá-los sobre o assunto, sem um posicionamento autoritário ou tabu. “(A escola deve deixar claro para a família) que falar em educação sexual não é a mesma coisa de incentivar a prática sexual, mas é uma forma de orientar crianças e adolescentes sobre seu próprio corpo e suas escolhas”, afirma.
O QUE DIZ A LEI O conteúdo de educação sobre o sexo, nominado de Orientação Sexual, consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), diretrizes elaboradas pelo Governo Federal. A temática é tratada transversalmente, junto a Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo. Segundo cartilha do Ministério da Educação, “os objetivos e conteúdos propostos pelo tema encontram-se contemplados pelas diversas áreas do conhecimento”. De acordo com os PCNs, “a discussão de questões polêmicas e delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o ‘ficar’ e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista, em muito contribui para o bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais são referência de qualidade para a educação no País, não possuindo natureza impositiva.
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
Fronteiras do ser
Luana Barros e William Santos
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erta vez, cantou o baiano Pepeu Gomes: se o feminino não fere o masculino, não há porque separá-los. Para além de qualquer fronteira de gênero, encontrar o homem e a mulher que habitam em si é (re)conhecer a própria existência do ser. Nos mundos dos estudantes Cláudio Lucas Abreu, 19, e Eduardo Oliveira, 20, as energias não se sobrepõem. São complementares, necessárias. Entre as descobertas do sexo e, porque não dizer, da vida, desnudam dualidades nada maniqueístas que coexistem com as singularidades do mesmo plural.