IMPRESSÕES
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Ano 5 – Nº 30 – Maio de 2014
FOTO: LÍVIA MARQUES
Sávio Cavalcante
Estupro, assédio, coerção: o que é violência sexual? FOTO: REPRODUÇÃO
ENTREVISTA
Sexo
Dono de cines pornôs no Centro apresenta vantagens e desafios desse mercado no Ceará | Pág. 14 SEM MORADIA FIXA Pessoas em situação de rua recorrem a locais específicos em busca de prazer | Pág. 8
Lei Maria da Penha categoriza os tipos de agressão sexual que mulheres podem sofrer, suas punições e formas de denúncia | Pág. 4
FOTO: LARISSA COLARES
CAIU NA REDE Pelo menos 5 em cada 10 jovens adultos já compartilharam fotos ou vídeos íntimos | Pág. 6
PERFIL
VIDA NA NOITE As nuances da rotina de uma stripper e profissional do sexo | Pág. 3
FOTO: MARÍLIA OLIVEIRA
SEXO EM CENA
LITERATURA
Escritores e leitores falam sobre a experiência com a temática erotismo | Pág. 10
Espetáculo Corpornô traz sexo como protagonista de uma dança ora atraente, ora chocante Pág. 7
Impressões Sexo
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IMPRESSÕES
Sexo
Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Repórteres: Anacelia Ribeiro, Andressa Bitten-
court, Ari Areia, Bárbara Rocha, Camila Aguiar, Diego Sombra, João Vitor Cavalcanti, Joyce Lopes, Leidyanne Viana, Larissa Colares, Maria Viana, Monique Lessa, Renata Nunes, Paulo Jefferson Barreto.
A violência justificada: um impulso cultural de dividir a culpa com as vítimas
A ARTIGO
mos que 58,5% dos entrevistados pela pesquisa concordam que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros.” “Mas estava andando na rua uma hora dessas?”; “Se fez, é porque você provocou.”; “Mas você estava vestida como?” Numa sociedade em que as vítimas são culpabilizadas pela violência que sofrem, como crer que os casos serão de fato denunciados? A violência sexual não é – e nem deve ser encarada – apenas como a relação sexual forçada. Os assédios nos transportes públicos e as ‘cantadas’ recebidas ao andar pela rua também são formas de violência, segundo a Lei Maria da Penha. O ‘encoxamento’ em transportes públicos, que ganhou grande notoriedade após os sucessivos e
Juliano Gadelha*
"O
Editora Geral: Luana Barros Professor orientador: Edgard Patrício Projeto gráfico e diagramação: Amanda
circuitos artísticos desde a década de 1970. A performance art faz parte daquilo que os norte-americanos denominam de art live, uma arte ao vivo. Para o teatrólogo e antropólogo Richard Schechner, uma das marcas essenciais da performance art é que a criação se dá a partir da vida de quem a pratica. E é pelo fato de o performer construir sua performance com base na própria existência, que o artista costuma se valer de sexualidade, sexo e sensualidade na elaboração da obra. Temos a performance “Pintura PlopEgg”, de Milo Moiré, por exemplo. Nos últimos dias, esse trabalho tem sido amplamente divulgado nas redes sociais e o caráter provocativo dessa performance reside, em especial, no fato de Milo Moiré ter ficado nua em cima de um loft metálico e ter expelido de sua vagina ovos contendo diversos tons de uma espécie de tinta acrílica. Abaixo do loft havia uma tela em branco que foi sendo pintada pela artista através da expulsão de ovos,
Charge: Jadiel Lima
IMPRESSÕESSEXO
Ilustraçao: Carina Sena, Miguel Silva Ilustração:
Impressão: Impressa Universitária Tiragem: 1.000 exemplares As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
CHARGE
Jadiel Lima
numerosos casos no metrô de São Paulo, revelou apenas a realidade cotidiana de muitos que se utilizam desse meio para locomoção. É importante perceber que não apenas mulheres, mas também homens foram vítimas desse assédio. Isso escancara a falta de respeito ao corpo do outro. A impunidade, fator comum entre os muitos crimes que acontecem no Brasil, é realidade. Contudo, a mentalidade de culpabilização da vítima é parte relevante em um processo onde o que agride ‘tem suas razões’, porque as roupas e atitudes da vítima o ‘autorizam’ a violentá-la.
Sexo, sexualidade e sensualidade nas Artes Cênicas
sexo, a sexualidade e a sensualidade são utilizados nas artes cênicas desde a origem do teatro ocidental, que é grega e romana. Podemos ver isso claramente na comédia grega de Aristófones intitulada Lisístrata, que data de 411 anos antes de Cristo. A trama se dá envoltas de uma greve de sexo empreendida pelas mulheres de cidades gregas, sob a liderança de Lisístrata, com o fim de que os maridos parassem a guerra e restabelecessem a paz. A sexualidade das personagens se torna, então, um campo de tensão e conflito como a própria guerra. Na secular da secular dança do ventre essa relação também se encontra extremamente explícita. Dentre os mais diversos objetivos dessa dança, a conquista do parceiro pela sensualidade da dançarina e o prazer do sexo são elementos a serem alcançados. Outra modalidade de expressão artística muito marcada por essa relação é a performance art, que vem ganhando bastante notoriedade nos
William Santos
Alboino, Lívia Marques, Nila Gouveia, Vinícius Mateus
EDITORIAL
violência sexual voltou a ser centro dos debates no Brasil. O motivo é a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que trouxe dados aterrorizantes sobre o que se pensa sobre esse tipo de violência no nosso País. Mesmo perdendo credibilidade após o erro quanto à porcentagem de pessoas que concordam totalmente ou parcialmente com a sentença “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”, que é de 26%, e não de 65,1%, como foi divulgado, a pesquisa ainda traz luz ao pensamento que cerca os atos de violência sexual no Brasil. Além dos já mencionados 26%, que mesmo menor que o dado anterior, ainda representam um quarto da população brasileira, te-
Editores: Andressa Souza, Roberta Souza,
que caiam e quebravam, formando uma paisagem de múltiplas cores na tela. O sexo feminino, como órgão reprodutivo, foi pensado como modo de fazer nascer uma obra artística. A sensualidade e a sexualidade femininas, cultural e biologicamente ligadas à fertilidade do corpo da mulher, foram usadas como elementos artísticos enfáticos da ideia de criação. Não podemos definir uma característica comum para as maneiras como a relação sexo, sexualidade e sensualidade se expressa nas artes cênicas. Definir tal característica seria limitar a pluralidade de formas de expressão dessa relação nessas artes. Mas podemos afirmar que as artes cênicas bem como outras modalidades de arte não se encontram totalmente desligadas das representações culturais sobre cada elemento dessa relação, ainda que pela obra o artista engendre uma crítica ou mesmo subversão de valores culturais.
*Juliano Gadelha é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente, realiza pesquisa no Programa de Pós- graduação em Artes da UFC para produção de uma dissertação sobre a performance sadomasoquista da cidade de Fortaleza.
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CRÔNICA
Existe amor em sex shop
Joyce Lopes
O
lhei um tanto desconcertada para o homem robusto que fechava o estabelecimento. “Ia só tomar um cafezinho, mas pode entrar”. Ele sentou-se relaxadamente atrás do balcão, enquanto uma música romântica dos anos 80 ecoava pela loja. Não resisti ao objetivo inicial: entrar feito qualquer cliente, conhecer os produtos, observar algum movimento... Apresentei-me logo. Expus claramente minhas intenções. Não estava procurando nada para uso pessoal. Só então vagueei pelas prateleiras não sem um breve constrangimento. Sexo ainda é motivo de embaraço? Confesso que me senti exposta. O ambiente desvelando a intimidade. Reagi como vários frequentadores de sex shop. Rainier não estava, curiosamente, interessado na minha vida. Os clientes, no entanto, chegam dando explicações, justificando-se até. Uns são receosos mesmo em pedir ajuda. “Quando uma garota fica envergonhada, ou ela está procurando um vibrador ou um produto para sexo anal”. Ri da naturalidade com a qual relatou. E na pouca conversa de início de tarde, vislumbrei a aura desses lugares. Quando percebi também naquele rapaz de aparência forte uma pessoa delicada. Em meio aos artigos eróticos, há tanto espaço para o amor. Desde a suavidade dos aromas delirantes à agressividade dos fetiches sadomasoquistas. É disso que se trata. Rainier ouve as inúmeras histórias. Por vezes, serve de conselheiro. “Alguns casais não conversam, então eles vêm falar aqui”. “As pessoas te contam muita coisa?”, perguntei interessada. Ao que ele, entusiasmadamente, respondeu-me que pretende escrever um livro. Do ramo do sexo a contador de estórias. Um negócio que rende sentimentos. É amor que se mostra apaixonado, criativo, intenso. Manifesta-se por motivações pessoais. Então expande-se na reciprocidade do diálogo, emergindo da intimidade momentânea. Há de ter coragem para reinventar o amor. Cliente e vendedor, a sensibilidade deve ser mútua. O constrangimento é só uma impressão superficial de uma velha ideia formada sobre o sexo.
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PERFIL
Os desafios e sonhos de quem vive na noite
Paty Pitbull é stripper e profissional do sexo, mas por trás dos rótulos, dos traumas e do medo do futuro incerto, ela alimenta os planos de construir uma família Diego Sombra
Uma rotina diferente
Roupas curtas, salto alto, maquiagem carregada e uma medalha de Nossa Senhora das Graças erguida no peito. Enquanto muitos estão no fim do expediente, ela chega às 16 horas para mais um dia de trabalho. Somente os primeiros raios de sol do dia seguinte prenunciam o fim da labuta. Por isso, a preparação para a rotina intensa requer capricho. Paty escolhe cuidadosamente todo o repertório
FOTO: TAVARES NETO
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aleidoscópio de luzes, som estridente e mulheres à espera de quem procura diversão em um endereço quase fortuito no Centro da cidade – a Boate Stripper 80. É nessa atmosfera, em que tantas vidas e corpos se encontram, que a stripper e garota de programa Paty Pitbull está inserida há seis anos. À primeira vista, o sobrenome surge como uma espécie de rótulo que inspira agressividade. Uma breve conversa permite desmitificar o invólucro dessa mulher, responsável por fantasias e interpretações diversas, e descobrir a Paty de fala mansa e sorriso leve. A alcunha “Pitbull” é apenas reflexo do gosto pelas músicas do rapper americano que embala muitas de suas acrobacias sobre o queijo – pequeno palco arredondado, com formato semelhante ao alimento do qual recebe o nome, onde ela se apresenta todas as noites. A idade e o nome verdadeiro não revelados também fazem parte dos mistérios de quem encontrou na vida noturna o espaço para a realização do sonho de infância: ter a dança como profissão. Os movimentos sensuais garantiriam o sustento de Paty por quatro anos, mas as necessidades financeiras e a experiência em boates descortinaram o striptease e a prostituição como alternativas rentáveis que, até então, eram descartadas. E foi assim, moldando a própria história ao ritmo de músicas e de luzes, que ela conseguiu trilhar um caminho marcado por independência e liberdade.
De acordo com Paty, todo o dinheiro referente ao striptease e ao programa fica com as garotas. A casa lucra, segundo ela, com a venda de bebidas. FOTOS: DIEGO SOMBRA
BASTIDORES A entrevista ocorreu por volta das 23 horas na própria boate onde Paty Pitbull trabalha. No início, a stripper estava um pouco tímida e pediu logo duas doses de whisky e um energético, sua combinação alcoólica favorita. Entre uma resposta e outra, precisou interromper a entrevista algumas vezes, pois, como afirmou, o trabalho não pode parar. A pausa maior foi de 15 minutos, tempo em que ela fez um programa e voltou banhada e perfumada para dar continuidade à conversa. “Eu não disse que não demorava? (risos)”. Para não incomodar os clientes que estavam no local, preferi agir com discrição no que diz respeito às fotos, que foram feitas com um aparelho celular. Envergonhada, Paty permitiu que fossem feitos apenas dois clicks dela. antes de emanar a sedução do striptease sobre o palco. A performance dura 20 minutos, custa 30 reais e pode ser vista por todos, mas somente quem desembolsa o dinheiro desfruta de movimentos mais ousados – com a possibilidade de serem aperfeiçoados na cama. Já o programa, que tem meia hora de duração, é mais vantajoso para Paty por custar 65 reais. Afinal, como ela mesma revela, é fácil levar um homem ao ápice do prazer em menos tempo e se orgulha de já ter conseguido tal feito em apenas dois minutos. Com mulheres, contudo, o desempenho na cama requer mais esforço - e ela adora.
A preparação para a rotina intensa requer capricho. Paty escolhe cuidadosamente todo o repertório antes de emanar a sedução do striptease sobre o palco
Diante de tantos números e em meio à praticidade inerente à permuta entre sexo e dinheiro, evidencia-se alguém diferente, que enxerga o trabalho como uma possibilidade de diversão e de encontro com o outro. Desse encontro, surgem conversas intermináveis, amizades e, de repente, um amor improvável que lhe ofereceu casa, comida e roupa lavada. Tudo negado em nome da liberdade. Ela está “fechada para balanço” e, no tempo livre, prefere dormir; especialmente no domingo, único dia de folga. Apesar da aparente fortaleza que protege a mulher responsável por tantos
prazeres alheios, é possível perceber um ser de sensibilidade aguçada, envolto pela distância dos familiares, dos traumas da infância e de um futuro incerto, mas também guiado pelo plano de constituir uma família. Tudo no tempo certo, tudo no tempo dela. Para não sucumbir diante de tantas dores, Paty busca força na análise e encontrou, na psicóloga dela, a mãe que nunca teve. O que a profissional da noite não pode, contudo, é misturar-se à persona de nome não revelado que coexiste no mesmo espaço e também tem um sonho: ser ainda mais feliz do que é hoje.
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CRIMES
Violência sexual contra a mulher acontece em casa e na rua Estupro, assédio e até mesmo coerção para não exercer a própria sexualidade se enquadram na categoria criminal, punível com até dez anos de reclusão a depender do caso Anacélia Ribeiro, Leidyanne Viana e Renata Nunes
A
violência sexual contra a mulher foi assunto nas rodas de debate sunto do Brasil na última semana de março, graças ao estudo “Tolerância social à violência contra as mulheres”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os dados levantados causaram diversas reações no País, da ojeriza à concordância, revelando que o tema gera divergências de opinião entre os brasileiros sobre as causas e penas para as agressões. A discussão suscitada pela pesquisa incitou a divulgação de dados alarmantes. A nota técnica “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, também do Ipea, estima que, no mínimo, 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil, embora apenas 10% desses casos cheguem ao conhecimento da polícia. Os registros do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), que proveram os dados da pesquisa, demonstram que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes, No Ceará, 66 mulheres foram vítimas de estupro entre janeiro e fevereiro de 2014, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Em 2013, foram 536 casos, configurando média de mais de 10 registros por semana. A titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Érika Moura, esclarece que os casos de violência
As mulheres têm então que usar roupa antiga, longa, para evitar o estupro? Não. A mulher deve se vestir conforme o seu gosto. Só não pode andar nua JOÃO MAIA
Aposentado
Ainda persiste a ideologia de que o corpo da mulher não lhe pertence. Ninguém questiona um homem com pouca roupa ou roupas apertadas EMMANUELLE ALVES Assistente Social
sexual podem ser enquadrados de outras formas que não o estupro, como violação sexual mediante fraude ou assédio sexual. Conforme o Código Penal Brasileiro, a punição para o estupro varia de 6 a 10 anos de reclusão, enquanto para assédio sexual a penalidade é de um a dois anos de detenção. De acordo com o artigo 7º, II, da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), violência sexual contra a mulher é qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Também é violência induzir a mulher a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, impedi-la de usar qualquer método contraceptivo ou forçá-la ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação. Limitar ou anular o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos também se enquadra nessa categoria. A delegada explica que o inquérito policial pode ser instaurado por portaria (ato de ofício do delegado). A ação penal é pública, isto é, movida por iniciativa do Ministério Público. No caso da violência sexual, é necessário, ainda, a representação do ofendido, ou seja, a autorização da vítima para que o MP proceda com a denúncia. “Quando a vítima é maior de idade, somente ela pode representar criminalmente”, explica a delegada. Para o oferecimento da representação, é estipulado um prazo de seis meses a contar do momento em que se sabe quem cometeu o crime, o que pode acontecer durante ou após o ato delituoso. Contudo, nos casos em que a vítima é menor de 18 anos ou “pessoa vulnerável”
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% NÚMEROS
527 mil pessoas são estupradas anualmente no Brasil
89%
10%
Apenas cerca de 10% reportam à polícia
são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade
70% do total são crianças e adolescentes
70%
50%
dos estupros dos incidentes que são cometidos envolvem crianças por parentes, e adolescentes namorados ou possuem um amigos/conhecidos histórico de da vítima estupros anteriores
FONTE: NOTA TÉCNICA “ESTUPRO NO BRASIL: UMA RADIOGRAFIA SEGUNDO OS DADOS DA SAÚDE. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA), 27 DE MARÇO DE 2014
para Código Penal - como aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil -, o MP pode fazer a denúncia de forma direta.
Outro tipo de violação
A assistente social Emmanuelle Alves ressalta que não é necessário que haja relação sexual para se caracterizar a violência. “São diversas as situações que permitem caracterizar uma situação como violência sexual: os assédios nos transportes públicos, as ‘cantadas’ recebidas ao passar em frente às construções civis, a não permissão de a mulher usar da sua própria sexualidade e do próprio corpo, dentre outras”, explica. Segundo Helena Frota, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenadora do Observatório da Violência Contra a Mulher (Observem), a impunidade é um dos fatores para que os índices de violência sexual continuem altos. Uma das hipóteses levantadas pelo Ipea na nota “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde” é de que quanto menor for a chance de a vítima ser capaz de denunciar o agressor, maior será a probabilidade que o estupro seja recorrente. De acordo com o estudo, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima.
Pensamento conservador
Um dos dados que geraram a polêmica na pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres” foi a concordância de 65% dos consultados com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Uma semana depois, contudo, o instituto divulgou errata corrigindo os dados, apontando que 26% dos pesquisados concordaram com a afirmação sobre a culpa da mulher relacionada ao seu modo de se vestir. Para a comerciante Siula Castro, 52, o estupro começa por parte da mulher. “Tem determinados locais que você não pode usar algumas roupas. Elas (as mulheres) querem se exibir, se mostrar. Isso vai despertando a libido do homem”, afirma. Já o estudante Felipe Eduardo, 21, discorda. “A mulher deve ter o livre arbítrio de escolher usar a roupa que quer. Não é a roupa que vai dizer qualquer coisa sobre seu caráter”, defende. Ele acredita que a sensualidade não é motivo para estupro. A atendente Tayana Alves, 30, avalia que o comportamento da mulher pode abrir certa liberdade para o assédio do homem. “Não vai muito da roupa e sim do comportamento. A mulher deve saber se comportar para saber ser respeitada em todas as áreas”, diz. O aposentado João Maia, 66, defende que a sociedade não pode regredir. “As mulheres têm então que
Violência sexual contra a mulher é qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força ART. 7º, II Lei Maria da Penha
usar roupa antiga, longa, para evitar o estupro? Não. A mulher deve se vestir conforme seu gosto. Só não pode andar nua”, opina. Ele considera que a principal causa da violência sexual no Brasil é a falta de aplicabilidade das leis em favor das mulheres. Para a assistente social Emmanuelle Alves, o quadro é preocupante. “Ainda persiste a ideologia de que o corpo da mulher não lhe pertence. Ninguém questiona um homem com pouca roupa ou roupas apertadas. É como se a mulher não pudesse ter poder sobre o próprio corpo”, explica. Para ela, a mídia contribui para a naturalização da violência contra a mulher. Exemplo disso é um quadro de um programa de humor de uma das emissoras de maior audiência no País, em que uma personagem é “encoxada” por um homem no metrô. “Situações como esta, que deveriam provocar revolta, indignação, são transmitidas como engraçadas, naturalizando-as”, avalia. Para a coordenadora do Observem, Helena Frota, o estudo mostra que o pensamento patriarcal e machista permeia o imaginário de grande parte da população brasileira. “A sociedade machista no seu cotidiano define simbolicamente o homem como um ser superior e poderoso e a mulher como um ser subordinado e de pouco valor”, aponta. Helena destaca que esse
pensamento é reproduzido nas relações sociais e que se percebe uma resistência aos novos papeis que são assumidos pela mulher na sociedade, inclusive às políticas públicas que buscam promover a equidade entre os gêneros. Visando uma mudança na mentalidade social em relação à mulher, a professora Helena Frota expõe a importância da atitude feminina de “autonomia de não tolerância à violência em todos os sentidos e em todas as direções”. Ela destaca ainda a importância da ação do Estado. “É preciso uma campanha constante e generalizada de educação para a tolerância ao diferente, por parte do Estado com o apoio da sociedade civil, no sentido do estabelecimento de uma nova sociabilidade humana na busca da equidade, igualdade e respeito”, defende.
SERVIÇO Ligue 180: A Central de Atendimento à Mulher é um serviço do Governo Federal que auxilia e orienta as mulheres vítimas de violência por meio do número de utilidade pública 180. As ligações podem ser feitas gratuitamente de qualquer parte do território nacional.
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SEXTING
Mais da metade dos adultos brasileiros compartilha conteúdo sexual Pesquisa revela que 54% dos jovens entre 18 e 24 anos recebem material íntimo por meio de celulares ou plataformas digitais. Na faixa até 54 anos, o número sobe para 62% Andressa Bittencourt
D
ois jovens mantêm relação sexual. Contra o espelho do quarto, o rapaz filma a ação. O vídeo pornográfico “Caiu na net porque quis” termina com uma mensagem da moça: “Eu fiz esse vídeo para você compartilhar porque eu concordei com isso. Já as outras meninas são vítimas desse crime. [...] Não seja cúmplice”. Protagonizada por um casal de namorados e atores pornôs, a gravação é uma campanha, divulgada na última semana de março, que critica o vazamento de vídeos eróticos sem autorização dos envolvidos. A produção de conteúdo sexual já faz parte do cotidiano de uma parcela dos jovens. A pesquisa “Amor, Relacionamentos e Tecnologia”, produzida pela empresa McAfee com 500 pessoas entre 18 e 54 anos – divididos igualmente por gênero, idade e distribuição geográfica, de acordo com o censo –, mostra que 54% dos brasileiros entre 18 e 24 anos recebem material sexualmente sugestivo. Dos adultos até 54 anos, 62% enviam ou recebem conteúdo íntimo, incluindo vídeos, fotos, e-mails e mensagens. A prática, definida como “sexting” – do inglês “sex” (sexo) e “texting” (envio de mensagens) –, consiste no compartilhamento de material erótico por meio de celulares, sites de relacionamentos, salas de bate-papo, e-mails, entre outras plataformas. Henrique, 24, e Júnior, 21 (nomes �ictícios), fazem parte da porcentagem. O casal, há um ano junto, afirma já ter feito fotos e vídeos de teor adulto. “A primeira vez foi por brincadeira, depois fizemos em uma situação na qual não podíamos nos encontrar, para matar a saudade. Eu fiz um vídeo para ele, e ele fez um para mim”, diz Henrique. “O exibicionismo do corpo e da sexualidade é uma forma de tentar erotizar e seduzir os parceiros”, explica a sexóloga Zenilce Bruno. De acordo com ela, a produção de conteúdo íntimo pode ser uma prática saudável
no relacionamento, desde que feita nos limites da privacidade do casal. “Assistir à performance é muito erótico para algumas pessoas. As fotos também servem para isso e até são usadas em algumas terapias para aproximar o casal”, diz. A estudante Lorena, 25, e a fisioterapeuta Camila, 28 (nomes �ictícios), já registraram em vídeo uma relação sexual. “Não era muito nítido, mas os ruídos tornavam o ato perceptível”, conta a estudante. Segundo ela, a gravação foi feita por vontade da namorada, mas após o furto do celular com uma foto sexualmente sugestiva, o casal não prosseguiu com a prática por medo de ter a intimidade exposta.
Quando o vídeo cai na rede
Nem todos são adeptos ao sexting, mas quem o realiza exige do parceiro cuidado e cumplicidade. “Tudo faz parte de um acordo preestabelecido”, diz Lorena. Quando há a quebra de confiança, e um dos parceiros vaza o conteúdo íntimo – principalmente em razão do fim do relacionamento, o chamado Revenge Porn (pornô de vingança) –, as consequências podem ser extremas. Casos de suicídio entre jovens devido à exposição da privacidade são desencadeados por fatores psíquicos e sociais. “Sabe-se que 85% dos adolescentes suicidas têm um transtorno psiquiátrico na ocasião, o que é chamado de fator predisponente. Quando a ele se junta um fator precipitante (cyberbullying), pode se desencadear o processo suicida”, explica a sexóloga Zenilce Bruno. Segundo estudo da ONG Safernet Brasil, que monitora casos de pornô vingança junto com a Polícia Federal e atende pessoas prejudicadas por tais práticas, as vítimas desses casos mais do que dobraram nos dois últimos anos. Em 2013 foram 101 notificações, 110%
a mais do que em 2012, quando 48 pessoas foram atendidas. De acordo com o levantamento, 77% dos pedidos de ajuda são feitos por mulheres. A faixa etária mais atingida é a de 13 a 15 anos. Lucas (nome �ictício), 22, praticante do sexting com a namorada Thaís (nome �ictício), 22, acredita que o Revenge Porn é um ato de covardia. “Isso mostra que a pessoa foi fragilizada com o fim da relação e não conseguiu superar. Por isso quer ferir o outro”, diz. Diferentemente do discurso mostrado no vídeo “Caiu na net porque quis”, a divulgação do material erótico contra a vontade do parceiro não é crime, pois não é tipificada no Código Penal Brasileiro. O vazamento, no entanto, pode ensejar a indenização por danos morais. “Há a violação de direitos da personalidade, como a honra, a imagem, a privacidade. Todos esses direitos são protegidos constitucionalmente, e sua ofensa possibilita o pedido de reparação de danos”, explica o advogado Nilo Avelino. Com a sanção do Marco Civil na Internet, o provedor de serviços é obrigado a retirar conteúdos em casos de pornô vingança. De acordo com o artigo 21 do texto, é dever do servidor indisponibilizar arquivos em que haja “violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado”.
A primeira vez foi por brincadeira, depois fizemos em uma situação na qual não podíamos nos encontrar, para matar a saudade HENRIQUE* Estudante *Nome fictício
% NÚMEROS 62%
dos adultos brasileiros enviam ou recebem conteúdo erótico
75%
pedem para o parceiro apagar as informações quando terminam o relacionamento
17%
dos praticantes de sexting enviaram o material a estranhos ou desconhecidos
66%
das mulheres estão propensas a enviar e receber conteúdo adulto
58%
dos homens estão propensos a enviar e receber conteúdo adulto FONTE: MCAFEE (2014)
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SEXO EM CENA
Espetáculo Corpornô transita entre profundas experiências sexuais
Do olhar ao contato, montagem de dança produzida pela Cia. Dita não poupa sentidos nem esforços para explorar o sexo em situações inusitadas, chocantes ou sensíveis Bárbara Rocha
N
o pequeno ingresso, uma mulher nua fumando estampava o fundo preto. Acima dela, algumas orientações para que os espectadores desligassem o celular, não fumassem nem filmassem ou fotografassem os bailarinos em cena. Ao final das recomendações, um desejo: “Tenha um ótimo encontro”. Desde abril de 2013, o espetáculo de dança Corpornô, dirigido por Fauller, bailarino, coreógrafo e diretor da companhia de dança Cia. Dita, incentiva o espectador a ter uma experiência não só com a sexualidade do outro, mas, sobretudo, com a própria. Quinta montagem do grupo, o espetáculo é fruto de um trabalho de onze anos e possui diferenças estéticas em relação aos anteriores. Corpornô é um marco na maturação da companhia. “À medida que eu fui trabalhando com o corpo, com a nudez e a sexualidade, fui me apropriando disso, me sentindo mais à vontade para criar um trabalho em que eu pudesse colocar tudo que eu pensava”, conta Fauller. Embora fosse de maioria jovem, o público enfileirado às portas do Theatro José de Alencar (TJA) não dispensava a diversidade de olhares de quem já passou pela juventu-
de. Vivenciando um despertar para as expressões artísticas, o bancário aposentado Antônio Barreira, 54, parecia aguardar a peça ansiosamente. “Vim por indicação de uma amiga. Estou em uma fase muito ligada às artes, atento a shows, peças. Espero que haja uma interação... Mesmo sem ter lido sobre o espetáculo, quero ver”. A servidora pública Aida Marsipe, 54, tinha boas expectativas. “Fiz teatro e conheço a Wilemara Barros há muito tempo. É bonito cenicamente, esteticamente. Estou esperando ver um bom espetáculo de dança”, diz, referindo-se à bailarina que comemorou 50 anos de vida este ano no palco de Corpornô.
Entre o choque e o desejo
O público adentra o palco de um TJA ainda em reformas. Dividida em duas partes, a plateia ladeava o tapete onde acontece a maior parte das cenas, o que possibilita uma relação ainda mais próxima entre público e bailarinos. A primeira performance já prende os olhos atentos e prepara para o que ainda está por vir. A bailarina Patrícia Crespi entra conduzindo uma bicicleta. Ao parar, passa um líquido semelhante à vaselina em um pênis de borracha instalado no se-
lim, levanta um pouco o vestido quase transparente que cai sobre seu corpo nu e penetra o instrumento, enquanto pedala entre risos altos. Da masturbação feminina sobre uma bicicleta em movimento aos detalhes de situações após o sexo, como vestir a roupa e tragar um cigarro, tudo é interpretado em detalhes. Alguns risos, provindos talvez da vergonha, identificação ou estranheza, eram soltos. Entretanto, em muitos momentos, o nojo se apresentou e, consequentemente, o desvio de olhares também. A saída do teatro foi inevitável para uma pessoa que não esperou a primeira meia hora de espetáculo. Quando a interação — próxima e bastante intensa aos que se deixavam experimentar — foi iniciada, bailarinos tocavam, lambiam e beijavam diversas partes dos corpos dos espectadores e de objetos que estavam ao alcance. Homens com homens. Mulheres com mulheres. Mulheres com homens. Dois. Três. Ou mais. “Eu acho que as pessoas têm mais aceitação do que repulsa. Muita gente já vai e senta na primeira fila para ver o que vai acontecer. A gente não tem muita dificuldade. Eu acho que também estou aprenden-
Eu acho que as pessoas têm mais aceitação do que repulsa. Muita gente já vai e senta na primeira fila para ver o que vai acontecer FAULLER
Diretor e bailarino
Planejamento das cenas durou oito meses de intenso diálogo entre os bailarinos.
do como chegar no outro. Posso criar um clima, um envolvimento. Se a pessoa estiver aberta, ok. Se não tiver, você passa para o outro”, comenta o diretor e bailarino Fauller. Apesar de quase todo o espetáculo ser acompanhado por música, a dança dos corpos poderia ser feita sem som algum. A natural sincronia com que seres humanos apresentam o extremo da intimidade atrai a atenção dos que estão dispostos ao encontro já proposto no ingresso. Ao fim, palmas para as duas horas de total entrega dos bailarinos. “Ainda estou processando” era a resposta mais comum aos que questionei sobre as impressões do espetáculo. Dentre as poucas pessoas que aceitaram falar sobre a experiência, o músico Adriano Uchoa, 28, ainda aparentava certo arroubo. “Chocante, mas muito bonito em sua composição, sutil. Não é pornográfico, mesmo nas cenas mais chocantes”. Nem pornô, nem erótico, muito menos imoral, mas o ser humano em contato com a profunda intimidade do outro, o que leva a refletir sobre a própria. Pela reação da plateia, a impressão é de que ficam mais questionamentos do que certezas, afinal, a sexualidade é um eterno descobrir.
FOTO: MARÍLIA OLIVEIRA
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SEXO NA RUA
A intimidade se revela nos espaços públicos Sem moradia própria, pessoas em situação de rua usam locais coletivos para ter relações sexuais e provam que não apenas entre quatro paredes é possível ter prazer Maria Viana e João Vitor Cavalcanti
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ara aqueles que habitam as ruas da cidade, os espaços públicos não são apenas locais de passagem. Em Fortaleza, segundo dados da Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Setra), cerca de 4.500 pessoas sobrevivem à margem dos direitos mais básicos. Na ausência de moradia própria, a incerteza de onde dormir e o que comer são desafios cotidianos. Mas estar em situação de rua implica também a falta de privacidade e a negação da individualidade. Como manter, então, relacionamentos sexuais? Quem lida com tais condições explica os meios encontrados para ter prazer fora de quaisquer quatro paredes. É o caso de Fastío, 37, nome pelo qual se apresenta. Na rua desde 2007, ele faz questão de lembrar que “todo homem tem suas necessidades”, mesmo quando se encontra em situação desfavorável para realizar os desejos sexuais. Fastío revela que já fez sexo na rua e que há horários e lugares mais apropriados para isso, dentro das possibilidades mínimas do que pode vir a ser um espaço público mais adequado para manter relações. Ele conta que espera ficar “mais tarde da noite” e, só então, procura por locais
A relação (sexual) é na madrugada” e acontece em “lugarzinho mais isolado” para não correr o risco de alguém “cortar o barato” ANDRÉ
27 anos
menos iluminados e com menor movimentação de transeuntes. É a forma que encontrou para tentar manter o íntimo resguardado das vistas do público. Essa é também a estratégia adotada por Lucielena, 38, que prefere não dizer o sobrenome. O detalhe, no caso dela, é que o parceiro é fixo. O colchão e o carrinho para coleta de resíduos sólidos recicláveis também são companheiros de todas as horas. Casada, ela mora na rua com o marido e dois filhos – um de três e outro de 10 anos – desde que foi despejada da antiga casa, há cinco anos. “Tenho a minha família e vivemos juntos. Quando vamos fazer sexo, deixamos os filhos com algum conhecido”, conta. Já Carlos André da Silva, 27, está na rua há oito anos. Desde então, frequenta espaços específicos que a população em situação de rua escolhe para fazer sexo. São, segundo ele, locais “mais esquisitos, isolados”. Assim, o jovem tenta manter alguma privacidade e considera correr menos riscos de alguém “cortar o barato”. O rapaz conta, ainda, que “a relação é na madrugada”. É nessa hora, enquanto a cidade está recolhida aos lares, que André improvisa um quarto onde deveria ser apenas caminho para casa. Mas nem sempre é assim. Em ocasiões especiais, paga
uma “quitinete de dez reais a pernoite” para um momento mais íntimo com a parceira. Quando a situação pede o esforço, Fastío também separa parte do dinheiro que arrecada fazendo pequenos serviços para pagar motéis. No caso de sobrar algum valor, outra parte é destinada ao pagamento de garotas de programa, já que, para ele, é difícil conseguir parceiras quando se está em situação de rua. Na rua há seis anos, Carlão, 56, quis se identificar apenas pelo primeiro nome. Ele também paga pelo sexo e considera o desfrute da prostituição como uma válvula de escape para quem, mesmo sem um lar, busca satisfazer seus desejos sexuais. Carlão conta que, quando junta algum dinheiro com pequenos trabalhos, é comum pagar umas “meninazinhas dessas” e levá-las para um motel barato.
Abrigos noturnos
Além de tabu social, as relações sexuais entre pessoas em situação de rua chegam a ser assunto proibido nas próprias casas de acolhimento noturno. “Dentro da casa, o sexo é um assunto que não é permitido, tampouco a prática dele”, diz Wendy Camelo, coordenadora da Casa de Passagem, abrigo gerido pela Prefeitura de Fortaleza
no bairro Benfica. A decisão, segundo ela, se justifica pelas limitações de um espaço físico que possibilite o sexo. “Pela estrutura física que a Casa hoje nos oferece, separamos homens e mulheres, mas a normativa diz o contrário. Quando se abre uma casa de acolhimento, deve-se preservar a convivência das famílias”. Apesar disso, na Casa de Passagem, os educadores são aconselhados a tratar sobre doenças sexualmente transmissíveis e fiscalizar os visitantes. Não há, entretanto, como garantir o que é feito ou não durante as 24 horas do dia dentro do local. “Não posso garantir que não há prática de relações sexuais. Embora tenhamos educadores no turno da noite, às vezes não damos conta de tudo que acontece aqui”, afirma a coordenadora. A assessora especial do Gabinete da Setra, Ieda Castro, por sua vez, reconhece a importância do exercício da sexualidade por essa parcela da população e afirma que há uma preocupação dos órgãos públicos com essa que é uma necessidade básica do ser humano. “A questão das relações afetivas é uma preocupação relevante, mas ainda precisa ser feita uma normatização, uma vez que não existe nenhuma referência em nível nacional”, pondera.
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IMPRESSÕESSEXO Centro Pop: sexo e saúde
CARLÃO
56 anos
Mulheres em situação de rua que estão em condição de drogadição fazem sexo como moeda de troca para conseguir sustentar o vício FASTIO
37 anos
MULHERES E AS DROGAS FOTO: REPRODUÇÃO
A prostituição é uma válvula de escape para muitos dos moradores em situação de rua satisfazerem suas necessidades
No Centro Pop Benfica, equipamento da prefeitura de Fortaleza que presta serviço de referência às pessoas em situação de rua, é possível ter acesso a cuidados básicos, como banho, lavagem de roupa e alimentação – no caso dos que participam das oficinas ofertadas. Dentre os temas desenvolvidos nas formações, está a conscientização para a prática do sexo seguro. “Trabalhamos algumas temáticas transversais. A gente fala de redução de danos, de sexualidade, de relação de gênero, de diversidade sexual. Enfim, de uma série de questões que perpassam a vivência de rua. Abordamos também as questões da violência, tentando trabalhar com exemplos que partem das situações vivenciadas por eles mesmos”, detalha Iracema Machado, coordenadora do local. Esse atendimento é ofertado pelo Centro Pop desde 2007. Além das oficinas, lá também são distribuídas camisinhas e avisos sobre outros locais de distribuição gratuita, como postos de saúde. Quando se percebe a necessidade de um atendimento mais direcionado, em casos de DSTs, por exemplo, a população é encaminhada para serviços públicos de saúde. O maior desafio, segundo Iracema, é “introjetar algumas mudanças de postura que a vivência de rua não proporciona”. Afinal, a eficiência das ações de conscientização encontra barreiras à medida que o trabalho realizado não altera as condições de vulnerabilidade das pessoas que vivem na rua.
Campanha do serviço humanitário francês Samusocial que foca na falta de proteção às mulheres sem teto vítima de estupro, muitas vezes esquecidas pelas campanhas em geral
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situação da mulher na rua passa por questões sensíveis. O fato de, geralmente, ter porte físico mais frágil, torna-a mais vulnerável a sofrer violência, dentre elas a sexual. Isso agrava, portanto, uma condição que já é de exposição. Para Alberto Lima, 52, na rua há mais de cinco, existe uma cooperação com as mulheres em situação de rua por parte dos homens que também vivem ali: uma solidariedade à maior vulnerabilidade delas. Ele acredita que estar em situação de rua não determina a prática de crimes e ressalta a diferença entre quem comete atos de violência e pessoas que vivem nas ruas, ressaltando que a violência contra elas é cometida por criminosos, estejam em situação de rua ou não. O abuso de drogas também dificulta a vivência das mulheres na rua, repercutindo em uma condição prostituinte. É o caso da jovem Sara (nome fictício), que não revela a idade. O corpo, entretanto, não aparenta mais que 20 anos. Andando pelo entorno do Centro Dragão do Mar de Arte de Cultura, ela revela que, apesar de ter casa e família, costuma dormir na rua quando sai em busca de drogas. “Não considero que me prostituo, mas já fiz sexo por droga com homens diferentes”, diz. Fastío conta que, entre as mulheres em situação de rua que estão em condição de drogadição, é comum o sexo se tornar moeda de troca para sustentar o vício. “Se você tiver droga é só (estala os dedos)”, comenta. Já Carlão cita as drogas como a base da “cadeia do sexo” entre as pessoas em situação de rua. Ele comenta que o crack é o carro chefe entre os usuários e as mulheres procuram homens influentes no comércio de drogas. André, por sua vez, critica a postura de mulheres que vivem em situação de rua que procuram parceiros apenas pelo sexo e não pelo companheirismo. O rapaz afirma que as mulheres priorizam os homens pelo que podem oferecer, e não pelo sentimento. Aponta, ainda, que a troca de parceiro em função de drogas é o principal motivo de brigas entre moradores de rua.
ILUSTRAÇÃO: MIGUEL SILVA
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LITERATURA
A sexualidade que transborda das palavras A literatura erótica tem ganhado destaque no mercado editorial. A temática, no entanto, já se fazia presente nas obras de autores clássicos. Hoje, ela atrai cada vez mais consumidores Joyce Lopes e Larissa Colares
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ntre as palavras, emerge a fantasia transbordando em libido. Pela linguagem envolta de sensualidade, alcança-se, figurativa ou orgasticamente, o prazer. Tanto da leitura como do sexo. Uma arte entrelaçada inseparavelmente na outra. Desde a Grécia Antiga, com os escritos da poetisa Safo, o erotismo vem marcando presença na literatura. Hoje, a arte literária erótica reúne um conjunto de livros e autores considerados clássicos, como Marques de Sade, Georges Bataille e Anaïs Nin. Assim, existindo as obras, surgiram leitores, que, a despeito de toda forma de repressão social, passaram a consumir conteúdo erótico. É o que acredita a escritora e professora do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, Tércia Montenegro. “Eu acho que as pessoas sempre leram com uma certa regularidade esse tipo de literatura”, defende, contrapondo-se aos que conhecem apenas o recente sucesso editorial Cinquenta Tons de Cinza, romance da britânica E. L. James. Para Tércia, talvez, antigamente, as pessoas lessem escondido, mas agora elas ostentam as preferências como uma tábula de libertação. Rinaldo de Fernandes, escritor e professor de Literatura da Universidade Federal da Paraíba, afirma que os leitores podem, enfim, admitir que, para além do gosto por literatura, leem “para fantasiar, para imaginar ou mesmo partir para viver as cenas eróticas relatadas”; em resumo, “para se excitarem”. E ele questiona “Há algum problema nisso?”. Nenhum, diria a estudante de Edificações Camila Rocha, 31. Ela mantém o blog Leituras e Loucuras, sobre livros em geral, mas confirma que a grande paixão é a literatura erótica. Quando as ami-
gas indicam leituras, Camila pergunta logo se a história é mais apimentada. Entretanto, pondera: “Se você não tiver uma mente aberta, não consegue chegar ao final de alguns livros”, tanto devido ao forte conteúdo sexual, quanto à ideia difundida em algumas obras de que “a mocinha é desvalorizada, que ela não tem opinião própria”. A estudante Lucianny Motta, 24, que se interessa pela temática há cerca de cinco anos, conta que tinha certo receio em comentar isso, mas não tem mais problemas em falar abertamente com amigos. Entre os autores favoritos, destaca Anaïs Nin: “Ela consegue falar de sexo de forma equilibrada, feminina, poética”; e o escritor Charles Bukowski, que coloca o que sente “da forma mais agressiva que pode”. Das leituras, resultam “sentimentos variados e até mesmo antagônicos, como curiosidade, repulsa, desejo, nojo... É engraçado lidar com os próprios sentimentos depois da leitura”, afirma.
Das leituras, resultam ‘sentimentos variados e até mesmo antagônicos, como curiosidade, repulsa, desejo, nojo…’ LUCIANNY MOTA
Estudante
Literatura de amor e prazer
A escritora Tércia Montenegro teve contos eróticos publicados pela primeira vez na antologia 50 versões de amor e prazer (Geração Editorial, 2012). Ela já vinha trabalhando com a temática em alguns textos quando foi convidada pelo organizador do livro, Rinaldo de Azevedo, a participar do projeto. Sobre a experiência dessa escrita, ela afirma que não dá para fazer um texto erótico sem nunca ter lido um. “Pelo simples fato de que você pratica sexo, você não vai conseguir fazer um texto erótico. Porque tem toda uma condução narrativa, tem estratégias de criação de uma história. Quando eu fui fazer esses contos da antologia, eu tive que ler literatura erótica pra poder pegar o ritmo, a atmosfera mesmo do tema”, esclarece. Tércia cita
ILUSTRAÇÃO: CARINA SENA
(11) FOTO: LARISSA COLARES
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Com o crescimento do mercado editorial, os leitores podem encontrar nas livrarias prateleiras repletas de obras dedicadas ao tema erótico, desde os clássicos até os best-sellers.
CONTO
Eu te amo... Vanessa Paulino*
“os personagens dotados de estereótipos moralistas acabam por se entregar ao amor e prazer”.
Na linha dos best-sellers
Com ampla popularidade na internet, em blogs de resenhas, fóruns de discussão e grupos de leitura em redes sociais, muitos dos livros eróticos que estão nas relações de mais lidos dos grandes jornais, como o The New York Times e o USA Today, tiveram origem na própria rede. Eles eram disponibilizados gratuitamente no formato de fan �iction, histórias criadas por fãs a partir de obras já publicadas por editoras. Com o sucesso das ‘fan�ics’ picantes, as editoras passaram a publicá-las. É o caso das trilogias Cinquenta Tons de Cinza (E. L. James, Intrínseca, 2012), O Inferno de Gabriel (Sylvain Reynard, Arqueiro, 2013) e A Submissa (Tara Sue Me, Record, 2013). De acordo com Luiz Fernando Emediato, fundador da Geração Editorial e editor responsável pela publicação da coleção erótica Muito Pra-
zer, o mercado editorial “cresceu principalmente a partir do sucesso internacional – e aqui – de livros como Cinquenta Tons de Cinza, uma espécie de soft pornô de baixa qualidade literária que foi imediatamente seguido de livros mais ousados, como os de Sylvia Day.” Para Luiz Fernando, “parece que as mulheres passaram a ler esse tipo de literatura de forma mais transparente”. Fã assumida da escritora Sylvia Day, Camila Rocha tem no seu blog uma sessão intitulada Loucas por Hot, voltada especificamente para literatura erótica. Foi a partir do best-seller Cinquenta Tons de Cinza que ela se interessou pela temática. A estudante relata que os livros eróticos possibilitaram novas descobertas. “Quando eu comecei a ler esses livros, a minha relação com o meu marido melhorou bastante. Antigamente, ele reclamava muito: ‘Você está comprando muito livro’; quando começou a ver que o negócio estava melhorando, passou a perguntar: ‘Que livro você está lendo agora?’”, conta entre risos. Suzana Rodrigues, 39, diz
Carina Sena cursa Licenciatura em Artes Visuais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e fez essa ilustração especialmente para o Jornal Impressões - Sexo.
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u te amo”, eu dizia enquanto ela fazia. Eu continuava repetindo, insistentemente, “Eu te amo, eu te amo, eu te amo”. Não por imposição, ela não me cobrava nada. Mas era o que eu sentia. Meus amigos, provavelmente, chamar-me-iam de idiota, é claro. No entanto, era o que eu sentia. Ela continuava a chupar-me. Loucura! Já havia ficado com várias mulheres, mais de uma numa noite só, juntas, inclusive. Também, já havia sofrido por amor sem sequer realizar o ato procriador e, por fim, essa criatura, com um quê de anjo ou demônio, conseguiu, com apenas vinte aninhos, reunir o que eu buscara uma vida inteira: unir o amor ao sexo, ao ponto de não saber mais distinguir quando se tratava de um ou do outro. Eu dizia eu te amo ao ser chupado e a cada toque seu gritava desesperado, implorando para que ela jamais saísse de minha vida. Se ela, ao menos, nunca tivesse aparecido, teria me conformado em viver esta vida medíocre, mas, agora, já havia me acostumado com aquele corpinho aparentemente frágil. Amava-a. Entretanto, agora, minha mente vive alucinada, tentando adivinhar por mais quanto tempo ela ficará em minha vida. Dois, três anos? “Ainda assim, eu te amo, minha menina!”.
*Vanessa Paulino é estudante do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará e enviou o conto especialmente para a publicação no Jornal Impressões - Sexo
que sempre gostou de ler, inclusive os chamados “romances de banca”, mas foi pelos grupos de incentivo à leitura na internet que conheceu a literatura mais picante dos best-sellers. Economista e integrante da equipe do blog Adoro Romances Fortaleza há sete anos, Suzana é uma das responsáveis por fazer as resenhas de livros com conteúdo erótico mais “pesado”. Ela diz que, quando indica um livro nos grupos na Internet, é comum os leitores perguntarem: “Tem sexo? Se não tiver, não tem graça”. Para Suzana, a literatura erótica “é uma válvula de escape e serve como passatempo”. Apesar de gostar de ler os livros de Lora Leigh, Jaci Burton, J. R. Ward, Maya Banks (as duas últimas já publicadas no Brasil), a economista acredita que a temática está se banalizando. “É uma onda. Ultimamente, eu acho que está demais. Está supervalorizado. É como se não existisse mais nada e as pessoas só pensassem em sexo, sexo e sexo”, conclui.
PONTO DE VISTA FOTO: ARQUIVO PESSOAL TÉRCIA M.
clássicos como Henry Miller e Anaïs Nin, além da brasileira Hilda Hist, que “tem uma poeticidade muito interessante, umas metáforas magníficas em torno dessa coisa do corpo, da relação.” A escritora afirma que a primeira iniciativa do leitor é achar que o autor de texto erótico se inspira na vida real - na própria vivência, em filmes ou em outros livros. “Mas, às vezes, é a pura imaginação mesmo.” Para ela, o autor pode ser alguém delicado e escrever como vilão. “A pessoa é uma, mas o artista, na hora de criar, domina a técnica e pode fazer o que quiser. Ele pode transcender a própria personalidade”, acredita. A estudante do curso de Letras Vanessa Paulino, 21, fascinada pelo erotismo na literatura, analisa que “a temática na obra ora vem torneada pelo lirismo, ora vem revestida de todo realismo possível”. Referindo-se especificamente aos contos de Tércia, ela afirma que as narrativas conseguem arrebatar e surpreender, pois
Literatura erótica x Literatura pornográfica “O nível da linguagem vai ser o elemento mais definidor. A literatura pornográfica envolve palavras de baixo calão, palavrões, termos chulos mesmo, linguagem escatológica. Não é que a literatura erótica não possa usar termos chulos. Ela usa, mas é muito mais a questão da ênfase, da quantidade, talvez, do uso desses termos. Se a gente pensar em tema, eu não vejo como um tema possa ser classificado como erótico ou pornográfico em si. Por exemplo, ‘esse tipo de sexo, ele é necessariamente erótico ou pornográfico? Não vejo.’” TÉRCIA MONTENEGRO Escritora
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FOTO: DIVULGAÇÃO
PRAZER ONLINE
As telas como canais para sexo sem contato físico
Navegando pela rede, digitando mensagens ou falando ao telefone, as sensações são diferentes, mas quem pratica diz que é possível ter experiências sexuais na Web
Paulo Jefferson Barreto
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á para fazer em qualquer lugar. Agora não tem mais isso de entre quatro paredes. Se der vontade, tiver tempo e, às vezes, conexão, é o que basta”. As mãos agitadas seguram o que a estudante universitária Fernanda (nome �ictício), 25, considera ser a solução para o tédio nas poucas horas livres da vida corrida. Entre um toque e outro, o aparelho celular se converte no que chama de “motel particular”. Quando a saudade aperta, a distância é grande, os horários são incompatíveis ou a timidez é um problema, pessoas como Fernanda encontram na tecnologia uma maneira de ter e dar prazer. Na era da conectividade, salas de bate-papo, sites especializados, aplicativos de mensagens de texto, webcams, ou mesmo telefones celulares, são as novas válvulas de escape para os amantes. A busca pelo sexo parece ter transformado o virtual em um novo espaço de experimentação da sexualidade. “Quem não gosta de sexo? No meu caso, sou casada e meu marido viaja muito. Não tem como não sentir falta. O único jeito de matar a saudade é via internet ou celular. Lógico que não é a mesma coisa e acho que a sensação também é diferente, mas o propósito é
o mesmo: ter prazer”, acredita Fernanda. Segundo o estudante Caio (nome �ictício), 22, a experiência do sexo virtual pode ainda potencializar as possibilidades de se fazer e aprender sobre sexo antes mesmo de um contato físico. “Quando fiz pela primeira vez eu era muito novo. Acho que (tinha) 14 anos, então ainda era virgem. Era a única saída para me satisfazer e ver como era. Depois disso, despertei mais para a vida sexual ativa, tanto que pouco tempo depois passei a buscar encontros reais com garotas e perdi minha virgindade”. Para os adeptos dessa nova ‘modalidade de relação’, as vantagens parecem saltar aos olhos. A chance de um encontro mediado por máquinas burla a vergonha da primeira vez e estimula a imaginação sexual de quem pratica. “Sexo virtual é ótimo para quem está entediado, para quem se sente só, ou para quem pretende ter uma experiência nova. Você pode usar a imaginação e criar qualquer situação que desejar na hora do ato. Não importa se está em casa ou num ônibus. Os empecilhos desaparecem”, é o que afirma o estudante Henrique (nome �ictício), 23. Os exemplos que, à primeira vista, parecem empolgan-
tes, também revelam que não tem apenas vantagens no sexo virtual. Em um mundo cada vez mais marcado pela crescente utilização de computadores e celulares, especialistas alertam para o risco da dependência sexual e apontam a possibilidade de uma virtualização das relações. De acordo com a psicanalista Caciana Linhares, entre a crítica à artificialidade das relações virtuais e o discurso das vantagens trazidas pela internet e todo o aparato tecnológico que torna possível o sexo virtual, existem muitos questionamentos. “As relações, inclusive sexuais, nesse contexto da virtualidade, são atravessadas por um excesso de apresentação, um excesso em mostrar, mas numa tentativa de apagar as falhas do que é apresentado. Daí é que vem o aspecto pertinente da crítica ao artificialismo, indicando que essas relações que são construídas são rasas, (são) fakes (falsas)”, afirma. Para ela, no entanto, a possibilidade do sexo virtual apresenta uma discussão ainda mais importante que o debate sobre a fragilidade das relações estabelecidas com a mediação de telas. “Um problema que deve ser levado em consideração diz respeito às experiências cada vez mais
precoces de sexo virtual. Aqui o problema não é o virtual em si, mas o fato de que o acesso generalizado a ele tem levado um número cada vez maior de crianças e adolescentes a viver essa experiência fora da época adequada, o que pode acarretar consequências devastadoras”, alerta. A despeito das possíveis facilidades, não é difícil encontrar, mesmo entre aqueles que já fizeram ou ainda fazem sexo virtualmente, quem também aponte desvantagens. Para o estudante Henrique, a experiência virtual não pode ser comparada ao contato físico. “As sensações são incomparáveis. No virtual, a sensação é a mesma de uma masturbação comum, só que com mais tesão, porque você sabe que tem alguém do outro lado te desejando também.” Entre outros adeptos, as críticas são ainda mais duras. Segundo Caio, que faz sexo virtualmente ainda hoje, a experiência pode oscilar entre a satisfação e a decepção. “A desvantagem é que você fica na vontade. Na hora H, vale tudo por causa do tesão, mas, depois, pode ter certeza que você fica frustrado por não ter acontecido de verdade”.
Lógico que não é a mesma coisa e acho que a sensação também é diferente, mas o propósito é o mesmo: ter prazer FERNANDA Estudante
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SAÚDE
Os desafios enfrentados pela população trans para realizar a cirurgia de mudança de sexo Apesar de alguns avanços, as políticas públicas de saúde para a população trans ainda são deficientes em todo País FOTOS: ARQUIVO PESSOAL ISABELLY
Ari Areia
O
número de cirurgias de mudança de sexo no Brasil cresceu 78% entre os anos de 2009 e 2012, segundo dados do Ministério da Saúde. No entanto, apenas quatro unidades no Brasil estão autorizadas a realizar o procedimento, o que não dá vazão à procura. Em cidades como Fortaleza, por exemplo, não há realização da cirurgia de transgenitalização e, segundo a Prefeitura, também não existe atenção específica a pessoas transexuais na rede básica de saúde. Isabelly Pfhiffer tem 24 anos, é atriz e bailarina, mora em Fortaleza e é transexual, ou seja, não se identifica com o sexo com o qual foi designada ao nascer. Embora ainda não tenha sido possível realizar implante de próteses nos seios nem mudar o nome nos documentos oficiais - ainda assina legalmente como André Heverson Almeida - Isabelly conta que iniciou o processo de hormonização há dois anos e que já nota resultados satisfatórios. “Fisicamente meus peitos estão mais parecidos com os de mulher, com mamilos mais grandinhos”, conta. “A voz também está mais feminina.” Sobre a obtenção desses hormônios femininos, Isabelly revela que começou a tomar por conta própria, seguindo indicação de outras amigas que já haviam feito o mesmo. Ela diz que até procurou orientação em postos de saúde, mas sentiu dificuldade por conta do preconceito dos médicos durante as consultas. Isabelly pretende fazer a cirurgia de mudança de sexo futuramente, mas essa é uma realidade distante da população transexual brasileira.
A cirurgia no País
Embora o procedimento de transgenitalização seja oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde agosto de 2008, até o momento apenas quatro unidades no País estão autorizadas a realizar a cirurgia. São hospi-
Isabelly começou a tomar hormônios femininos por conta própria. Ela relata que sofreu transfobia ao procurar orientanção médica na rede básica de saúde tais ligados às Universidades Federais e ficam nas cidades de Porto Alegre (RS), Goiânia (GO), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). João W. Nery, trans-homem e ativista de direitos humanos, considera um avanço a inclusão da cirurgia de adequação sexual na tabela do SUS, mas destaca que o tempo nas filas de espera pela operação pode chegar a cinco anos ou mais, porque apenas esses quatro centros cirúrgicos não dão conta da demanda que a cada ano aumenta. Segundo dados levantados pelo Ministério da Saúde, no ano de 2009 foram realizados 501 atendimentos relacionados à mudança de sexo pelo SUS. Em 2012, foram realizados 896 proce-
dimentos, o que significa um aumento de 78% em um período de três anos.
Realidade local
A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) informou, por meio de sua assessoria, que não possui na sua rede um atendimento específico voltado à população transexual, a não ser pelo setor de DST/AIDS. No que compete ao Governo do Estado, em todo o Ceará há apenas um local onde a população transexual pode encontrar acompanhamento para suas demandas de saúde, o Laboratório de Residência Médica do Hospital de Saúde Mental de Messejana, onde funciona o Atendimento Ambulatorial da Sexualidade Humana (Atash).
De acordo com o psicólogo Carlos Celso Ribeiro, coordenador do Atash, embora o serviço não se restrinja ao atendimento de transgêneros, atualmente a maior parte da procura é de pacientes transexuais. Na unidade, são oferecidos serviços de psiquiatria, psicologia e endocrinologia. O coordenador explica que “as ações se destinam a firmar o diagnóstico, principalmente procurando tratar as possíveis comorbidades”, que segundo ele, podem ser quadro depressivo, por exemplo, ou outras consequências do preconceito sofrido no meio social, principalmente na família. No Atash, além do atendimento psiquiátrico, é oferecido ainda o acompanhamento
de um endocrinologista e duas sexólogas, além de 10 médicos residentes em Psicologia. Com relação ao tratamento endocrinológico, os pacientes recebem receita para começar o uso dos hormônios e têm todo o acompanhamento ao longo do processo. De acordo com Carlos Celso, há uma ideia de firmar parcerias entre o Atash e laboratórios de outras áreas que já realizam ações cirúrgicas como a retirada do pomo de adão, retirada das mamas e ovários, e intervenções nas cordas vocais, para que os pacientes transexuais que cheguem ao tempo mínimo necessário de acompanhamento possam se submeter a esses procedimentos cirúrgicos de correção corporal.
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ENTREVISTA
Prazer e sétima arte encontram-se no Centro da cidade Mesmo com a disponibilidade gratuita de conteúdos na Internet, os cinemas eróticos ainda sobrevivem em Fortaleza. Com serviços variados, o ramo gera renda e atende a um público diverso Camila Aguiar e Monique Lessa
vou a entrar no ramo de cinemas eróticos? Sávio - Eu nunca tive a pretensão de abrir um cinema erótico na vida, mas eu conhecia o meu sócio há sete anos, e, na época, ele já tinha um cinema. Surgiu a ideia de abrir um segundo (cinema) juntos, que fica aqui nessa mesma rua (Floriano Peixoto). Eu vi no cinema uma possibilidade de uma renda extra, e a gente abriu o segundo, deu certo, e passamos algum tempo, até que surgiu a possibilidade de abrir esse aqui (Cine Scenarium), depois de uns quatro ou cinco anos. Na verdade, seis anos. Impressões - Há quanto tempo esse cinema funciona? Sávio - É novinho, está com cinco meses, nós abrimos em novembro do ano passado. Esse aqui veio com uma proposta totalmente diferenciada do que são os cinemas no Centro. A gente optou por fazer um espaço de convivência, para que as pessoas cheguem, possam tomar alguma coisa, conversar, se encontrar, bater
um papo e, se quiserem, vão lá para dentro, onde ficam as salas com as projeções dos filmes. Impressões - No início do negócio, houve dificuldades ou até mesmo preconceito ao contar para a família e para os amigos? Sávio - Não houve preconceito, mas as pessoas se assustam, porque não é uma atividade comum ser dono de um cinema erótico. Para a minha família, foi tranquilo. A gente chegou, conversou, eu falei que o meu sócio tinha um cinema, e que a gente ia abrir outro. Eles perguntaram: “Mas como é esse cinema?”, e eu falei: “Cinema pornô”. Tem um preconceito muito grande das pessoas em relação a isso, mas quando você está dentro, você vê que é um negócio comum, passa a ser rotina. Impressões - Qual a média de público? Sávio - Nesse novo, como a gente só está com cinco meses de funcionamento, é uma proposta nova, não é o que as pessoas estão acostumadas a
A gente está querendo tirar essa imagem do cinema como um local sujo, um local onde só acontece coisa errada
consumir, a frequentar, e por ter um valor (de entrada) mais alto, a frequência é um pouco menor. Nós, hoje, temos em média uma frequência de 40, 50 pessoas por dia. Aqui a entrada custa sete reais, porque o ambiente é climatizado, as TVs são de LED, tem projeção, tem que ser esse para que a gente possa pelo menos cobrir o gasto que a gente tem mensal. Já os outros (cinemas) são mais simples, são TVs comuns e a entrada é popular, o valor é cinco reais, que é o valor que tá nesse meio todo. Alguns cobram um pouco menos, mas a grande maioria cobra esse preço. E a frequência dos outros é, em média, 120, 130 pessoas por dia. A gente não tem uma média de horário com maior movimento, mas, geralmente, é no horário de almoço (11h às 14h) e final de expediente (17h às 20h). Impressões - Existe um perfil do público que frequenta esses cinemas? Sávio - É muito variado, não existe um perfil definido. Aqui a gente está tentando
FOTO: DIEGO SOMBA
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muro preto e discreto disfarça a entrada do cinema pornô localizado na rua Floriano Peixoto, em Fortaleza. Administrado por Sávio Cavalcante, 32, que possui outros dois estabelecimentos no mesmo ramo, também no Centro da cidade, o Cine Scenarium existe há apenas cinco meses, mas já chegou com uma proposta diferenciada para os clientes dos cines pornôs, oferecendo ambiente climatizado, área de convivência e serviço de bar. Na entrevista concedida ao IMPRESSÕES, realizada no próprio estabelecimento, Sávio compartilha histórias, dificuldades e estereótipos que cercam o ramo de cinemas pornôs. A visão empreendedora e o comprometimento com o conforto do público são as principais estratégias do empresário para consolidar o espaço como um lugar de encontro e diversão, tentando desmistificar a imagem decadente associada aos cines pornôs do centro da cidade. Impressões - O que te le-
FOTO: MONIQUE LESSA
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atingir um público mais elitizado, por conta do preço e da estrutura. Mas, nos outros, vai gente de todo tipo, do gari ao médico. Impressões - Homens e mulheres? Sávio - Não, predominantemente o público é masculino, entre heterossexuais e homossexuais. Tem aquelas pessoas que são homossexuais, mas que não são assumidas, têm vida dupla, vêm para cá para poder realizar as fantasias, esse tipo de coisa. Tem gente que vem só para realmente assistir filme, mas tem gente que vem à procura de sexo, vem à procura de um parceiro para poder satisfazer as vontades mais ocultas que eles têm e que não podem ser realizadas no meio em que vivem. Impressões - Como é feita a escolha dos filmes? Vocês têm contrato com alguma distribuidora? Sávio - Os filmes são alugados, porque a gente tem que ter uma rotatividade muito grande. Quem faz a escolha dos filmes sou eu. Eu tenho cadastro numa locadora especializada em filmes eróticos e a cada 45 dias eu vou lá e faço a renovação dos filmes. Eu escolho, em média, 60 filmes para rodar nos três cinemas e fico fazendo um rodízio. Toda semana eu tenho que trocar, porque o cliente que vem só para assistir filme vê quando a gente está repetindo. Ele já reclama, já pede que a gente troque. Então, a gente tem esse cuidado. Eu também tenho o cuidado de selecionar os filmes de qualidade. Impressões - Vocês já tiveram algum problema com clientes? Sávio - É difícil, até porque, como aqui é um ambiente que as pessoas querem entrar sem chamar atenção, é difícil acontecer. Quando acontece - é um problema que a gente sempre vai ter e a solução a gente não conseguiu encontrar ainda - é com relação aos garotos de programa da rua, que, às vezes, entram, o que é proibido aqui. Mas a gente não tem como identificar um garoto de programa, então, às vezes, eles vêm, entram, quando começam a importunar os clientes, a gente tem que intervir, chegar lá, pedir para se retirar, esse tipo de coisa… A gente procura contornar a situação. Se fugir do nosso controle, a gente chama o segurança. Impressões - Além da exibição de filmes, vocês oferecem outros serviços? A
FOTO: LÍVIA MARQUES
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Mas eu acho que o comércio de sexo não se acaba. Ele tem fases ruins, fases boas, mas ele não se acaba, até porque o público vai se renovando prostituição você falou que é proibida. Estamos vendo que vocês oferecem camisinhas… Sávio - Sim, a gente tem uma parceria com a Prefeitura, que fornece preservativo para a gente fazer distribuição gratuita aqui para os clientes. Camisinha e gel lubrificante, a gente deixa aqui disponível para os clientes e quem quiser usar, pega. A gente tem serviço de bar, não é bem um bar, mas a gente vende refrigerante, água, cerveja, vende alguns aperitivos, tipo batatinha, amendoim, esse tipo de coisa, só para quem quer vir, tomar uma cerveja, beber alguma coisa, tem essa opção. Impressões - Então o que vocês prestam mesmo são somente esses serviços? Porque tem muitas pessoas que se acostumam a pensar no cine pornô como também um local de prostituição... Sávio - Eu falo pelos nossos cinemas. Eu não sei como é que funciona nos outros, mas a gente não admite esse tipo de prática aqui no cinema. Nem consumo de drogas, prostituição… A gente não tolera de jeito nenhum, porque a gente está querendo tirar essa imagem do cinema como um local sujo, um local onde só acontece coisa errada. Sabe que o justo paga pelo pecador, né? É um trabalho complicado a gente tentar reverter essa situação. Impressões - Comparando a movimentação e a lucratividade desse negócio, como ficou depois da Internet? As pessoas continuam indo aos cinemas ou a Internet dificultou esse mercado? Sávio - Não, as pessoas continuam indo aos cinemas, porque eu acho que Internet é o virtual, o cinema é o real. Querendo ou não, aqui é um
Com funcionamento 24h, o cinema preza pela limpeza, segurança e bom atendimento
Tem um preconceito muito grande das pessoas em relação a isso, mas quando você está dentro, você vê que é um negócio comum, passa a ser rotina
local onde você encontra sexo fácil. As pessoas vêm aqui nessa intenção. E na Internet tem todo aquele intermédio de você abordar uma pessoa numa sala de bate-papo, conversar, passar cantada, marcar um encontro, até chegar nos “finalmente”. Aqui, não. Você chegou, viu uma pessoa, se interessou por ela, ela se interessou por você, pronto, está feito. Então, acho que a Internet não atrapalhou, não. O que atrapalha é a questão do comércio mesmo, a questão atual de economia de mercado, mas Internet não atrapalhou, não. Impressões - Que dificuldades são essas que você está falando com relação ao comércio? Sávio - É a questão mesmo do comércio estar num período ruim, do comércio em geral. O Centro da cidade é o polo de comércio daqui de Fortaleza, né? As pessoas usam o Centro da cidade como desculpa para vir até aqui. Se o comércio está fraco, consequentemente, a gente vai estar com pouco movimento, porque as pessoas não saem de casa para comprar e não vêm para cá.
Impressões - Você que está no mercado há sete anos, percebeu alguma mudança durante esse tempo? Sávio - Eu acho que o mercado se renova todo ano. Há alguns anos, o cinema era um negócio bem lucrativo: era abrir o cinema e ter certeza de lucro. Já se pagava no primeiro mês todas as despesas de salário de funcionário, esse tipo de coisa. A mudança que a gente viu com relação aos anos anteriores é realmente com relação a movimento. Essa fase do comércio que acaba atingindo a gente, mas eu acho que o comércio de sexo não se acaba. Ele tem fases ruins, fases boas, mas ele não se acaba, até porque o público vai se renovando. Eu acho que não tem mudança muito grande com relação a isso, não.
SERVIÇO Cine Scenarium: Rua Floriano Peixoto, 1326, Centro.
Funcionamento 24h: (exceto feriados de Sexta-feira Santa, Natal e Réveillon). Entrada: R$7,00.
(16) ENSAIO FOTOGRÁFICO
Sensual, sim
Andressa Bittencourt, Lívia Marques e Monique Lessa
U
m atropelamento de ônibus, aos 11 anos de idade, foi o motivo da amputação da perna direita de Jordenia Lima. Hoje, aos 47, a analista de crédito e paratleta de natação mostra que grandes vitórias podem ser alcançadas a cada dia, nas pequenas coisas. Ela é a evidência de que não é preciso ser "padrão" para ser sensual. Durante o ensaio feito no Círculo Militar de Fortaleza, clube onde treina, Jordenia esbanjou confiança e beleza, prova de sua maior conquista: estar bem consigo mesma.
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