Impressões Sexo - 4ª edição

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IMPRESSÕES Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Ano 5 – Nº 32 – Julho de 2014

Quando o desejo se torna obsessão, é hora de procurar ajuda FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: DIVULGAÇÃO

SÉTIMA ARTE

Sexo

Várias formas de filmar o sexo inspiram olhares sobre o erótico na produção cearense | Pág. 14

ENTREVISTA Alice Oliveira fala dos desafios de presidir uma associação de prostitutas sem nunca ter sido uma | Pág. 6

Uma linha muito tênue divide o desejo da obsessão sexual. O comportamento compulsivo pode ser diagnosticado e tratado | Pág. 8

PERFIL

FOTO: DIVULGAÇÃO

FOTO: PAULO JEFFERSON BARRETO

Lyndir Saldanha

SINESTÉSICO E SENSORIAL A experiência do sexo pelos cinco sentidos | Pág. 10

ARTE

Profissionais de dança, teatro e performance falam sobre trabalhos envolvendo sexo | Pág. 4

Das descobertas em casa à sala de aula: relatos de uma educadora que se diz ativista sexual | Pág. 3

ARTIGO ESTEREÓTIPO

Brasil ainda lida com imagem sexualizada no exterior | Pág. 12

A Copa do Mundo e o turismo sexual em Fortaleza | Pág. 2


Impressões Sexo

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IMPRESSÕES

Sexo

Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Repórteres: Anacelia Ribeiro, Andressa Souza,

Ari Areia, Camila Aguiar, Diego Sombra, João Vitor Cavalcanti, Joyce Lopes, Leidyanne Viana, Luana Barros, Maria Viana, Renata Nunes, Roberta Souza, Paulo Jefferson Barreto, William Santos.

ARTIGO

cinema roubaram a cena. O assunto principal, não. O comportamento sexual compulsivo, doença de ordem psíquica, é um transtorno que afeta entre 5% e 6% da população mundial. Esse valor, entretanto, é apenas estimado, devido à dificuldade de realizar um levantamento preciso sobre o alcance do distúrbio em razão de motivações morais, o que indica que o número pode ser maior. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), disponibiliza acompanhamento psicológico para qualquer transtorno de origem psíquica, como o vício em sexo. Em Fortaleza, há uma clínica

particular e dois grupos de apoio direcionados ao tratamento. A compulsão sexual não tem nada de glamuroso ou vantajoso. Pelo contrário, quem sofre com o distúrbio, em regra, tem prejuízos em sua vida social, assim como nos relacionamentos e no trabalho. O vício em sexo pode, no entanto, ser identificado até mesmo por um autodiagnóstico, fato que nem todos sabem. Na quarta e última edição do IMPRESSÕES Sexo, o destaque é justamente sobre as pessoas que, embora não chamem a mesma atenção que a personagem Joe por sua atuação de estrela hollywoodiana, carregam a sina de lutar, superar e viver um dia de cada vez.

Reflexões sobre a exploração sexual comercial durante a Copa do Mundo Andréia da Silva Costa Castelo Branco Sales*

E

m tempos de grandes eventos, como a Copa do Mundo, e de suas oportunidades para o Brasil, é necessário refletir sobre o que o Poder Público e a sociedade têm feito sobre o incremento da exploração sexual comercial. Fortaleza é destino turístico mundial e, infelizmente, ambiente de prática não velada do turismo sexual e do tráfico humano, os quais vitimam meninas e meninos, bem como mulheres e travestis que sobrevivem da prostituição. Tais fenômenos, vale ressaltar, se favorecem da miséria e da falta de oportunidades e de compromisso do Poder Público com os direitos humanos e, sobretudo, da feminização da pobreza. Em 2014, milhares de pessoas virão ao Brasil com um único objetivo: entreteni-

Editora Geral: Andressa Bittencourt

Tiragem: 1.000 exemplares IMPRESSÕESSEXO

Professor orientador: Edgard Patrício

As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.

Alboino, Lívia Marques, Nila Gouveia, Vinícius Mateus.

Compulsão sexual: diagnóstico e tratamento

N

Impressão: Impressa Universitária

Monique Lessa

Projeto gráfico e diagramação: Amanda

EDITORIAL

os primeiros meses deste ano, jornais, blogs de cultura, portais de notícias e redes sociais repercutiram a novíssima produção do cineasta Lars von Trier, Ninfomaníaca. A história da mulher que sofre de comportamento sexual compulsivo gerou polêmica menos por sua obsessão e doença que pelas cenas de nudez na grande tela. Distante do espectador, Joe (Charlotte Gainsbourg), a protagonista, despertou curiosidade e críticas (boas e ruins), porém deixou passar uma discussão mais aprofundada sobre o transtorno obsessivo que seria, a princípio, a questão principal do enredo. As grandes estrelas de

Editoras: Bárbara Rocha, Larissa Colares,

mento. É preciso, portanto, estar atento para as possíveis violações aos direitos daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade. Em Fortaleza, discutiu-se acerca do direito à moradia, da mobilidade urbana, dos danos ao meio ambiente e dos impactos advindos com as construções das arenas de jogos. Todavia, a respeito da exploração sexual comercial, silenciou-se. E, infelizmente, há registros de que um número expressivo de crianças desapareceram durante a Copa na África do Sul, e de que a Alemanha, em 2006, foi país de destino e de origem de mulheres e meninas vítimas do tráfico humano. Há ainda relatos de que casas de prostituição foram construídas nos arredores dos estádios, incrementando a prática da exploração sexual comercial

no território sede de eventos dessa natureza. Então, por que acreditar que no Brasil será diferente? Há investimento em políticas preventivas, que trabalhem a educação em direitos humanos e visem ao esclarecimento das violências que poderão ser perpetradas pelas redes criminosas que aliciam pessoas com o fim de escravizá-las sexualmente? E mais, quanto está sendo destinado à assistência à vítima? Quantos abrigos temos/teremos?! Que público será atendido, como e por quem será feito esse atendimento? Se esses questionamentos estão sem resposta, significa que pouco tem sido feito. Essa leniência viola dignidades e põe fim a histórias de pessoas que possuem apenas um sonho: ter melhores condições de vida.

* Professora do curso de Direito do Centro Universitário Christus (Unichristus), Mestre em Direito (Unifor), pesquisadora e Presidente do Instituto Mirá.

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CHARGE

Por Jadiel Lima

CRÔNICA

Refúgio para os amantes Amanda Alboino

O

calor da tarde espanta os pedestres das calçadas ensolaradas. O Centro de Fortaleza é mesmo pitoresco. Entre o cabeleireiro e a farmácia, uma cortina de lona tapa a visão de quem está outro lado da rua. Sei que não é por acaso. Muitos motéis do Centro utilizam o recurso chamado “cortina de mágico”: agora você vê, agora você não vê. Para desviar de olhares indiscretos, frequentadores de motéis do Centro andam em frente a passos largos e firmes até a entrada do motel, quando viram repentinamente e somem pela porta da recepção. Uma vez dentro, as pessoas se dirigem ao balcão e pedem um quarto, algumas esperando pelo(a) companheiro(a) que ainda está do lado de fora despistando intrometidos. Não que seja difícil. A distração da pressa no Centro é aliada dos amantes. Resolvo entrar em um desses estabelecimentos. Percebo que além das “cortinas de mágico” outros recursos são usados para preservar a imagem do cliente como escadarias íngremes e corredores labirínticos. Entretanto, assim que entro, surpreendo-me com uma fila de clientes esperando sua vez de pedir um quarto. Enrubesço. O motivo talvez fosse saber que os levara até ali. Com certeza a reação não seria a mesma que se estivesse em uma recepção de hotel, mesmo sabendo as potencialidades que quatro paredes têm. Aquelas pessoas estavam na fila admitindo que tinham tesão e queriam saciá-lo ali, naquela hora. Admitir ter tesão ainda é um tabu. Certa vez, ouvi que um motel desses arrecada cerca de 80 mil brutos por mês. “É como um hotel, só que com rotatividade muito maior”, disseram. Um mercado alimentado de desejo latente que existe em cada um, como animais que somos. No meio da tarde, procuramos um refúgio para nosso prazer, asseamos pelo toque, pela pele na pele. Ali, no coração da cidade, um afago, um gemido. O êxtase. Saciados, retomamos às calçadas ensolaradas de Fortaleza. Apressados, sempre apressados.


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IMPRESSÕESSEXO

PERFIL

Lyndir Saldanha Duarte: de educadora a ativista sexual Professora defende ação participativa social para naturalizar o sexo e dissipar a vergonha de discutí-lo abertamente

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sala está aberta, os alunos chegam, sentam e aguardam o início da aula. Momentos depois, uma figura imponente, da mulher vestida de negro, com colares dourados, flor na cabeça, batom vermelho, maquiagem carregada e olhar penetrante entra calmamente no recinto. Nas mãos, um punhado de textos, dois livros, um quadro explicativo e uma maleta preta, tão inusitada quanto a dona. A porta se fecha, abre-se a mala. De dentro, um objeto laranja ganha destaque. O consolo de borracha em formato de pênis – carinhosamente chamado de “Dick” – provoca alvoroço na turma, mas segue-se a aula. O tema de hoje: Educação Sexual. “Eu sou uma velha chocante”, é o que diz entre risos. Aos 67 anos, a pedagoga Lyndir Saldanha Duarte descreve a si mesma com o mesmo sorriso travesso no rosto e o entusiasmo de uma criança que acaba de descobrir um mundo inteiramente novo. Em sala de aula, a criança dentro de Lyndir dá lugar a uma professora que chama atenção não só pelo estilo inusitado – composto por jalecos e sáris (trajes indianos) – mas também, e sobretudo, pelo objeto de ensino. Lyndir é a única educadora sexual em toda a Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, onde ministra aulas sobre o assunto desde 1989. É comum ouvir um ou outro dizer que nasceu para ser ou fazer algo. Talvez esse seja o caso da excêntrica professora. Quando falar sobre sexo era um tabu para ela, a curiosidade de saber era mais forte. Mais forte que silêncio do constrangimento e ainda mais forte que o preconceito. E foi assim que ela escolheu para si a missão de lidar naturalmente com um tema socialmente reprimido e polêmico. “Eu sempre tive interesse por essa área, sempre quis saber o porquê de não poder perguntar sobre sexo, falar sobre sexualidade”, afirma.

A gente precisa fazer a educação sexual como transformadora. Trabalhar para mudar a percepção que as pessoas têm do sexo, pelo exemplo e pela discussão aberta do assunto LYNDIR SALDANHA

Professora

Uma mulher “chocante”. Educadora e ativista sexual, Lyndir preferiu tratar com naturalidade o que para muitos ainda é motivo de constrangimento: o sexo. entre educação e sexualidade resistência que precisa ser mudar alguma coisa, mas eu Naturalizando o sexo Filha de um militar e edu- que a mãe se converteu em superada. “Eu mesma já tive tento”. Para alguém que escolheu cada conforme as regras da professora. Lyndir assumiu o que ouvir gente chegar para disciplina de um quartel, a encargo de falar sobre o que mim e dizer: ‘E aí, como vão a tarefa de lidar com o ensipedagoga aprendeu a lidar ninguém mais queria, não só suas aulas de sacanagem?’. no e, mais precisamente, com com os percalços de quem para as filhas, mas também Professores, inclusive. Educa- educação sexual, o reconheencara os segredos, desafios para os alunos que passam ção sexual não é sacanagem. cimento do trabalho não está A gente já teve casos aqui de necessariamente no deseme encantos da sexualidade por suas mãos há 25 anos. “Quando vai se falar com rasgarem e colocarem no lixo penho acadêmico dos aluhumana a partir das próprias crianças e adolescentes so- um mural que a turma tinha nos, mas na maneira como vivências. “Na minha casa, qualquer bre sexo, é preciso entender feito para avaliação da disci- eles são impactados pelo que pergunta era só para minha que eles vão perguntar com plina. Não tinha nada porno- aprendem, de tal forma que mãe. Ao pai, nem pensar. as palavras que dispõem. E gráfico ali, nem poderia. Aí mudam a si mesmos. Lyndir Quando eu menstruei pela a resposta tem que ser nem você vê como tem gente que não é só uma professora. É, primeira vez, achei que fosse mais nem menos do que ainda não está preparada antes de tudo, uma aluna que aprendeu a enxergar com morrer. Minha mãe conver- aquilo que foi perguntado. Na para discutir isso”. Os problemas, entretanto, simplicidade o que é turvo e sou comigo, mas foi daquele universidade, você tem mais jeito: ‘toda mulher tem isso. espaço para falar sobre tudo, não foram capazes de apla- difícil aos olhos da maioria. “Trabalhar a educação seAs mais sortudas sofrem só porque você lida com adultos. car a vontade de transmitir por três dias’. Eu fiquei ima- Eu falo para eles que a gente o que chama de “atitude mo- xual é um exercício de lidar ginando como seria no caso precisa naturalizar o sexo e dificadora” diante da forma com a relação com os outros, dos homens para usar absor- ‘dessensibilizar’ a vergonha como se lida com a sexuali- um ato de busca pelo autocovente”, conta entre risos. “Não de falar sobre isso, mas ainda dade. Lyndir se declara uma nhecimento, pela satisfação e tinha a abertura que tem hoje é difícil para alguns”, comenta ativista sexual na medida em pela felicidade”, afirma Lynque defende uma ação par- dir. E completa: “Eu acordo para falar sobre essas coisas a professora. ticipativa social em relação todo dia em prol disso. Antes, e quando tinha a resposta geao sexo. Ela explica: “A gente eu não me imaginava profesralmente era: ‘Isso não é coi- Ativismo sexual Falar sobre um tema pou- precisa fazer a educação se- sora; hoje, não me vejo sem sa para você!’. Então, eu decidi que comigo seria diferente. co abordado em sala de aula, xual como transformadora. ser. Quando eu faço palestras Com minhas filhas eu iria fa- para além das gravuras em Trabalhar para mudar a per- em colégios e os alunos vêm livros de ciências, no entan- cepção que as pessoas têm me abraçar no final e dizem lar tudo”, conclui Lyndir. Diálogo com responsabili- to, revelou um desafio ainda do sexo, pelo exemplo e pela que queriam que suas mães dade. A fórmula parece sim- maior. Para a pedagoga, o discussão aberta do assunto. fossem como eu... É a maior ples. E foi justamente tentan- preconceito em torno do “fa- Eu trabalho na linha da modi- homenagem que alguém do simplificar a difícil relação lar sobre sexo” ainda é uma ficação. Eu não sei se consigo pode me fazer”.

FOTO: PAULO JEFFERSON BARRETO

Paulo Jefferson Barreto


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IMPRESSÕESSEXO FOTO: DENIS CARLOS

EM CENA

Quando a viagem pelo íntimo transborda em arte O sexo habita em nós e, como não podia deixar de ser, ele se transfere para a arte. Aqui, artistas que lidam com a questão em espetáculos cênicos esmiúçam o processo individual ou coletivo de construção Luana Barros e Roberta Souza

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s corpos se movimentam articulados. Tocam, afagam, apertam. A boca sedenta chupa até o fim do gargalo, guardando uma explosão de gozo e de espuma. Se, para alguns, é no corpo do outro que se encontra o prazer, para outros, o próprio corpo pode ser a fonte de tesão. Seja da parte de quem faz ou da parte de quem vê, linhas tênues de liberdade e de prisão dialogam com o interior dos protagonistas e coadjuvantes. Na dança, no teatro e na performance, o tabu carregado pela tradição e o desconstruir guiado pela (pós-)modernidade convergem em divergências que fazem do corpo o maior palco de discussão. Sexo é arte, e o sentimento é recíproco. Para aqueles que bailam, teatralizam, performatizam, talvez não haja limites. Mas só talvez. Fauller, Wilemara, Silvero e Yuri colocam em cena desde a leve insinuação até o contato cru e real. O sexo parece trazido do quarto – da sala, da varanda, da rua ou do carro – para o palco, sem adaptações ou modificações. Mas ainda choca. Seria o prazer vergonhoso? O tesão, algo a se esconder? Fauller, 36, acredita que não. Há 13 anos trabalhando o sexo na dança, o bailarino e diretor da Cia Dita maturou, com o tempo, a ideia de expressar claramente as indagações do corpo. “Estava

O que interessa é a provocação de forma consciente e planejada, não apenas pela exposição e banalização SILVERO PEREIRA

Ator e Diretor

fazendo um espetáculo (Devir, 2002) que não tinha essa exploração da sexualidade, e aí chegava alguém e me dizia: ‘Eu gostei porque eu não vejo a nudez, eu não vejo a sexualidade’. E eu dizia: ‘Pô, mas eu também tenho o interesse em falar sobre isso’”. A inquietação foi um dos pontapés para desenvolver o espetáculo “Corpornô”, estreado em abril de 2013. Se a nudez só parecia interessante a alguns quando distanciada da sexualidade, Fauller quis mostrar – e dançar – que o corpo não precisava se apresentar separado dessa questão. “Eu não queria falar só sobre sexo papai e mamãe. Eu não queria falar só de erotismo. Eu queria falar da putaria mesmo, de pornô, porno-

zão, que é justamente o que as pessoas negam”, enfatiza. Nove atos, sete bailarinos, onze anos de maturação. Para dançar o sexo, foi preciso desnudar-se antes. Não o nu simples – e, porque não, fácil – de tirar a roupa. A intimidade dos passos ritmados do espetáculo veio do desnudamento interior: escrever sobre as relações sexuais da própria vida. Mas não apenas escrever, também ler em voz alta para os outros bailarinos da companhia. “Não consegui ler meu texto. Porque eu não consegui expor essas minhas coisas super íntimas. Para uma pessoa que dança nua, que já tem 50 anos, é super contraditório”, reconhece Wilemara Barros, 50, bailarina e integrante da Cia Dita.

A todo momento, cabe a nós criar linhas de fuga, desviar, criar outras rotas, produzir corpos em suspeito YURI FIRMEZA

Artista e Professor FOTO: DIVULGAÇÃO

O limite entre o prazer e a dor e a relação entre vida e morte, permeados pelos bipes de um eletrocardiograma, dão o tom da performance “Ação 4”. “Uma relação agonística de si consigo”, resume Yuri Firmeza.


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Sensação semelhante acometeu Fauller, seu esposo, que, mesmo sendo o diretor do espetáculo, procurou o refúgio de si. “Eu lia tendo crise de riso o tempo todo, os detalhes para mim eram muito hilários. Eu não conseguia me concentrar para ler como realmente era. Aí (nas apresentações que antecederam a estreia), eu me safei como diretor. O meu texto eu não falei”, recorda.

Do lado de cá, do lado de lá

Quando se trata de sexo, cada artista enfrenta as próprias barreiras. Enquanto para alguns o processo pode ser difícil, para outros ele é encarado com mais naturalidade. “Eu nunca tive muito problema com essa questão da sexualidade, do corpo, da nudez, então tudo para mim foi de certa forma natural. Parece muito que os trabalhos, que as propostas me pediam isso”, destaca Yuri Firmeza, 31, artista e professor da Universidade Federal do Ceará. Desde a faculdade, em 2002, Yuri desenvolvia trabalhos envolvendo o corpo e o controle sobre ele. As construções das performances ligavam o sexo e a sexualidade. O vídeo e a fotografia permitiam novas formas de construir a narrativa. Em “Ação 4”, realizada em 2006, ele criou um duplo virtual e descobriu o prazer – e a dor – de se relacionar sexualmente consigo. “Eu filmado como ativo, eu filmado como passivo. Uma relação sexual que está fechada sobre o mesmo, eu e meu duplo, e que não tem essa abertura para o outro, mas, ao mesmo tempo, eu sou o outro, eu sou esse duplo que mantém relação comigo mesmo”, explica. É visando a não cair no clichê, mas, quem sabe, fazer algo a partir dele, que o artista descobre em si potencialidades. “Acho que, a todo momento, cabe a nós, não só enquanto artistas, mas enquanto cidadãos, criar linhas de fuga, desviar, criar outras rotas, produzir corpos em suspeito, viver uma experiência de uma enésima potência do seu próprio corpo, da maneira como você experimenta a vida”, reflete Yuri. É dentro dessa linha de fuga que se encontra o ator e diretor Silvero Pereira, 31, do Coletivo As Travestidas. O grupo, que trabalha a investigação do universo das

FOTO: VÓLIA CASTELAR

IMPRESSÕESSEXO

Eu queria falar da putaria mesmo, de pornô, pornozão, que é justamente o que as pessoas negam FAULLER Bailarino

Em cartaz há mais de um ano, os nove atos do espetáculo “Corpornô” provocam os instintos do público ao mesmo tempo em que desnudam os bailarinos em cena. travestis, faz com que o sexo perpasse pelos espetáculos, assim como ele perpassa a vida e a rotina de muitas dessas mulheres. As dores delas fazem refletir aqui o sexo por outro espelho: o da obrigação. Se em outros trabalhos o prazer e o desejo são a força motriz, “Cabaré da Dama”, “Engenharia Erótica - Fábrica de Travestis”, “Cabaré Show: Yes, Nós temos bananas!”, “Quem tem medo de travesti” e “Br Trans” – as cinco peças teatrais do grupo – vêm mostrar a vontade de amar e de ser amada superando o carnal. “O sexo explícito como instrumento para agregar público não me interessa. O que interessa é acreditar que falamos de sexo, mas bombardeamos o público com uma série de outros questionamentos, e acho que é nesse sentido que temos conseguido espaço e credibilidade”, enfatiza Silvero.

Desafiando a arte

Apesar do poder de convergência do tema, os diferentes campos da arte podem tomar para si desafios bem específicos. Na dança, por exemplo, Fauller acredita que não é preciso estar falando de sexo para que a questão permeie o trabalho. Wilemara dialoga com a ideia e pensa a questão para além da representatividade: “Às vezes, o que acontece é que você não sabe o que você é, você não tem segurança, aí vai falar sobre sexo e fica muito na superficialidade. E aí é onde o Fauller diz que você pode falar de sexo e ser sexual e sensual

completamente vestido, dos pés à cabeça, porque dentro está tudo resolvido, não tem máscaras”, reconhece. Na performance, o sexo passa da transgressão à discursividade. O processo é atravessado pelo discurso que produz esse ou aquele corpo. “Acho que, hoje, os performers estão apostando nessa dimensão discursiva, que, nos anos 60, 70, teve menos investimento, porque se apostou muito mais nesse embate do corpo de frente com as normas das instituições. Hoje em dia eu vejo que nem tanto. A maneira de resistir e enfrentar essas instituições se dá por outras vias”, avalia Yuri Firmeza. As-

sim, não haveria mais uma proibição do corpo, mas uma “supraexcitação” dele. No entanto, existem as ressalvas. “Não é que ‘vamos mergulhar no nosso corpo’ e cada um vai descobrir a sua maneira de existir a partir desse mergulho. Não. São excitações que tem ao final um lugar de composição, de unificação dessas experiências”, observa o artista. Já na opinião de Silvero, a questão do sexo pode ser abordada e contribuir para a discussão independentemente da arte utilizada. “O que interessa é a provocação de forma consciente e planejada, não apenas pela exposição e banalização”.

PONTO DE VISTA

SAIBA MAIS Corpornô Cia Dita Pornografia é o erotismo do outro? A partir desse questionamento, o espetáculo “Corpornô” mergulha em nossas profundezas. Em nove atos, os bailarinos vão transbordando tudo aquilo que existe de mais animal, humano e íntimo em cada um de nós.

Tinha uma nudez no meio do caminho Quatro artistas, duas repórteres e um tema para discutir em comum: a relação da arte com o sexo e o impacto disso na individualidade de cada um. As perguntas estavam conosco, mas os questionamentos não foram só para os entrevistados. Palavra também é arte. E estávamos ali, mesmo sem saber exatamente como, também para jogar. “Se é para falar de nudez, que comecemos então tirando as roupas, repórteres, artistas, produtores, o câmera, o técnico de som... pois acho que é preciso mais do que falar sobre corpo e nudez, experimentá-lo inclusive durante a fala”, sugeriu o artista. Fazia todo sentido. Só não para os pudores identificados a partir dali. A ressalva, no e-mail da pré-entrevista, desestabilizou. “Nua, eu? Não tenho coragem”. “Ah, coragem eu até tenho, mas sozinha já fica tenso”. Bastou uma provocação para reavaliarmos nosso posicionamento sobre a intimidade. Se antes estávamos protegidas pelo papel de repórteres, agora éramos fontes. No lugar deles, precisávamos nos colocar. Não foi preciso desnudar-se fisicamente. Mas, a partir dali, entendemos que não bastava falar de sexo e tentar revelar os sentimentos mais íntimos do outro sem antes – e por que não depois? – nos deixar revelar um pouco também. LUANA BARROS E ROBERTA SOUZA

Ação 4 Yuri Firmeza Uma performance criada através de uma ação de si consigo. Por meio do audiovisual, Yuri Firmeza cria seu clone virtual e relaciona-se sexualmente com ele, num misto de dor e prazer.

Uma Flor de Dama As Travestidas Primeiro espetáculo do Coletivo a tratar da temática sexo, “Uma flor de dama” traz para o palco o principal cenário de muitas travestis: a noite. É no fim dela que a última e quente cerveja torna-se companhia para desabafar sobre dores, amores, desejos e frustrações. Monólogo do ator e diretor Silvero Pereira, a esquete originou o espetáculo “Cabaré da Dama”.


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IMPRESSÕESSEXO

ENTREVISTA

A luta pela garantia dos direitos das prostitutas Há 22 anos, a Associação das Prostitutas do Ceará (Aproce) desenvolve ações na promoção dos direitos das prostitutas. A coordenadora geral, Alice Oliveira, fala ao IMPRESSÕES sobre o trabalho à frente da ONG

Joyce Lopes e Maria Viana atuação na defesa das minorias começou em 1978. Desde então, Alice Oliveira vem desenvolvendo militância pelos direitos das mulheres e, mais especificamente, da população LGBTTT. Alice também integrou a Coordenadoria de Políticas para as Mulheres, ligada à Secretária de Direitos Humanos da Prefeitura de Fortaleza. O trabalho na Associação das Prostitutas do Ceará (Aproce) começou há 19 anos, quando assumiu a função de assessora técnica, mesmo sem nunca ter sido prostituta. Desde 2013, contribui como coordenadora geral da Associação. Impressões - Você sofreu algum tipo de resistência ao assumir a Aproce por nunca ter sido prostituta? Alice Oliveira - Não, nenhuma. Pelo contrário, eu estou assumindo por um desejo das próprias meninas. Em novembro do ano passado, houve uma reunião e elas pediram para que eu assumisse a Aproce, para que eu não a deixasse morrer. Depois do falecimento da Rosarina (Sampaio, fundadora da Aproce, falecida em 2013), a Associação fechou praticamente. Não teve quem a tocasse. Eu tenho uma função de contribuir para que a Aproce não morra, para que a gente consiga dar continuidade ao trabalho que a Rosarina Sampaio iniciou e também na formação de algumas lideranças. Para ser presidente da Aproce há dois requisitos: ou você é ex-prostituta ou você é prostituta. Como eu não me sentia bem em estar à frente da instituição (por não ser prostituta), a ideia que tive foi fazer uma comissão interina com validade de dois anos. Impressões - A sua função de coordenação é provisória? Alice - A princípio, sim. A ideia é que seja por dois anos. Se eu não conseguir completar o que gente precisa fazer, a ideia seria passar para mais dois anos. Eu acredito que, em quatro anos, a gente consiga ter outra pessoa que possa responder (pela Associação). Porque é diferente. Eu posso entender, eu posso ser sensível

A

Alice Oliveira trabalha na Aproce há 19 anos. Iniciou como assessora técnica e agora é coordenadora geral. Nunca foi prostituta.

Elas sofreram algum tipo de violência dentro de casa, que deveria ser um local para preservar. Muitas vezes é ali que começa o problema

a essa questão e ter uma compreensão, mas eu não sinto. Eu não sou uma prostituta. Impressões - A Aproce foi fundada em 1992. Nesses 22 anos, quais as principais conquistas da Associação? Alice - Existem várias. Uma delas é ter conseguido contribuir na construção de outras instituições tanto no Ceará como fora. Esse é um dos ganhos que eu acho fundamentais. E também jogar para a sociedade a discussão que ela hoje leva com hipocrisia. A sociedade sabe que existe, mas não quer falar. A Rosarina marcou muito essa discussão. Isso ajuda a quebrar os preconceitos, diminuir a discriminação e fazer com que, de fato, essa mulher (a prostituta) tenha valor, tenha respeito perante a sociedade. A outra é trabalhar contra a exploração sexual de crianças e adolescentes. Tanto que ela (Rosarina) esteve à

frente de CPIs, na época, inclusive, sofrendo ameaças. Então ela sempre esteve denunciando. Impressões - Quais são as principais dificuldades na defesa pela efetivação dos direitos das prostitutas? Alice - Eu acho que uma grande dificuldade é você trabalhar a garantia dos seus direitos com relação à segurança. Hoje a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) já reconhece a profissional do sexo, mas outros tipos de direitos ela acaba não tendo. Então, ela fica extremamente vulnerável, principalmente em relação à segurança, a questão da violência que ela sofre. Impressões - Você já sofreu algum tipo de preconceito por atuar na defesa dos direitos das prostitutas? Alice - Eu, diretamente, não. Mas você percebe o preconceito nas pessoas. Não que alguém tenha tido alguma atitude pre-

conceituosa comigo, mas teve uma situação que foi muito interessante e até hilária. Nós estávamos na organização do Sétimo Encontro Estadual de Prostitutas do Ceará e contratando um hotel. Eu estava pegando o orçamento de vários hotéis. Eu mesma liguei. A pessoa perguntou: “Quem fala?” “Alice Oliveira” “De onde?” “Da Associação de Prostitutas do Ceará”. Começaram altas gargalhadas. Tornei a repetir o nome. Ela ria descontroladamente. Fui bater no hotel para conversar com o gerente. Fiz toda uma discussão, porque cabia tranquilamente um processo em cima deles. Quando coloquei para o gerente o que tinha acontecido, ele não acreditou e chamou a pessoa. Quando ela soube que eu era da Associação, ela ficou completamente sem graça. Então, o gerente conseguiu baixar o preço quase zerando (risos), porque foi a forma que ele viu de se retratar. A gente resolveu não abrir um processo. Tudo o que aconteceu foi suficiente como uma lição. Foi um profundo aprendizado para todos os funcionários daquele hotel. Impressões - Como você avalia a contribuição da Rosarina Sampaio à frente da Aproce? Alice - Na minha opinião, nós sempre tivemos três lideranças com relação a essa temática (no Brasil). No Nordeste, tinha a Rosarina Sampaio; no Sul, a Gabriela Leite (falecida em 2013), e no Norte, a Loudes (Barreto). A Rosa foi brilhante. Ela era uma pessoa à frente de várias coisas. A contribuição dela foi marcante para a prevenção, conseguindo diminuir o índice de (contração de) doenças sexualmente transmissíveis entre profissionais do sexo ao inovar em como utilizar a camisinha. Hoje praticamente o Brasil inteiro, dentro desse segmento, sabe a técnica dela de colocar a camisinha com a boca. O parceiro nem percebia. E ela replicava essa técnica. Hoje muitas pessoas fazem, porque não é todo mundo que quer usar camisinha. Foi uma contribuição muito legal para o movimento, para a prevenção.


(7) FOTOS: JOYCE LOPES

IMPRESSÕESSEXO

Você quer ter sua carteira profissional carimbada como trabalhadora do sexo, prostituta ou profissional do sexo? Eu tenho certeza que elas não vão querer

Alice explica que as associadas não pagam taxas. Os projetos desenvolvidos pela Aproce têm apoio do Governo ou de financiadores particulares. A própria questão de ela sempre estar na luta. Para mim, ela foi uma grande mestra. Era uma voz unânime no movimento. Eu acabei de voltar de Manaus, onde teve o 7º Encontro Norte-Nordeste de Profissionais do Sexo. Foram feitas homenagens a ela, e cada instituição pôde falar da contribuição dela para o movimento no Brasil. Sem dúvida, o seu legado é muito grande. Foi uma perda imensurável para o movimento. Impressões - Qual a principal causa da prostituição no Ceará? É possível traçar um perfil das prostitutas cearenses? Alice - Eu diria que talvez não seja no Ceará. Eu acho que é um perfil geral. Se você for reconstruir a história de vida delas, vai encontrar pontos dentro de casa. A começar que muitas dessas mulheres ou jovens foram estupradas. Elas sofreram algum tipo de violência dentro de casa. Impressões - Há algum receio da Associação em virtude da realização da Copa do Mundo? Alice - Profundo, profundo. O Governo liberou que qualquer turista que queira entrar no Brasil não precisa passar pelo Consulado, por nenhuma Embaixada. Ele vai na internet, preenche os formulários e consegue o visto. Quem é que vem? Quem é que entra dessa forma? Não tem um controle efetivo. O grau de vulnerabilidade, tanto para as profissionais do sexo, como para qualquer mulher, é muito grande. Isso não está sendo visto. Quem vê são os movimentos sociais. Mesmo que muitas apostem, estejam esperando,

porque têm sonhos, acham que virá o príncipe encantado no cavalo branco e vai tirá-las daquela situação... Mas eu não vejo como um saldo positivo, eu acho que o saldo vai ser muito negativo. Acabando a Copa, nós deveríamos marcar. Daqui a nove meses, imagina o número de crianças que vão nascer. Quem serão esses pais? Tem uma série de questões que precisam ser levantadas. E, lamentavelmente, para a profissional do sexo, tem um agravante: se ela sofre alguma violência de gringo, ela não tem como recorrer. A polícia não dá ouvidos a ela. Se vacilar, ainda é ela que corre o risco de ser presa. A polícia é capaz de dizer que ela que foi lá aliciar o cara. Ou seja, ela não tem nenhuma retaguarda de proteção. Não tem. Impressões - A regulamentação da prostituição é uma reivindicação da Aproce? Alice - Não, da Aproce não. Nós não concordamos com o projeto que está colocado (Projeto de Lei de autoria do deputado federal pelo Psol-RJ, Jean Wyllys, que propõe a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo). Na realidade, nenhum deles, até hoje, pôde, de fato, contemplar 100% o anseio delas. Essa é uma discussão que tem de ser feita, de fato, nas esquinas, nos cabarés, nas boates, com elas. Elas é que vão ter que dizer. O processo que está colocado, pelo Jean Wyllys, parece-me mais um processo de higienização. Porque a partir do momento que for aprovado, quem vai ter a retaguarda? São os espaços fechados. Mas, para

estar em um espaço fechado, vai depender de alguém, que é o proprietário daquele espaço. Ele (Jean Wyllys) coloca que a pessoa pode pagar até 50% do rendimento para o empresário. Eu não vi, até hoje, alguém que, para trabalhar, tenha de dar até 50% do salário. Nunca vi isso. É muito estranho. E (o projeto de lei) não trabalha a questão da segurança, não trabalha a questão da violência, não coloca nada disso. Hoje tem, através da CBO, essa regulamentação colocada. Eu pergunto: se ela já está colocada, por que não tentar aprofundar essa discussão? Inclusive perguntar: você quer ter sua carteira profissional carimbada como trabalhadora do sexo, prostituta ou profissional do sexo? Eu te- “Elas precisam estar cientes dos direitos. É preciso trabalhar o nho certeza que elas não vão empoderamento delas”, ressalta Alice. querer. A grande maioria está (em condição prostituinte) por uma necessidade, porque a sociedade a empurrou para aquilo. Mas não é do agrado dela. Eu tenho certeza que a grande maioria não está muito feliz por deitar com dez homens em um dia. Essa discussão tem de ser feita com elas. É importante lembrar: prostituição não é crime. É crime viver (à custa) de uma pessoa que está se prostituindo. Isso é crime. Eu pergunto: esse empresário não vai estar ganhando em cima da prostituição? Essa ação hoje é penalizada, é crime. Se passar o projeto, vai ter de mudar o Código Penal para dizer que não é mais crime. Que garantia vai ter essa mulher? A gente tem de avaliar muito bem e apro- Sobre as funções da Aproce, Alice ressalta a importância de promover a fundar essa discussão. discussão sobre “o que é ser uma profissional do sexo”.


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OBSESSÃO

Comportamento sexual compulsivo: da identificação do transtorno ao tratamento Compulsão sexual não deve ser relacionada exclusivamente com desejo, é um problema de ordem psíquica que necessita ser tratado Renata Nunes

O comportamento compulsivo sexual é o pior vício que existe, pois carrego minha própria droga dentro de mim MARCELO

nome fictício

que gostar excessivamente de sexo não é o problema. O transtorno se caracteriza a partir do momento em que o gosto excessivo e a vontade de fazer sexo começam a afetar diversos aspectos da vida de uma pessoa. O autodiagnóstico geralmente é a chave para se buscar o tratamento. Alguns grupos de apoio desenvolveram um questionário com cerca de 40 perguntas relacionadas às percepções do sexo na vida do indivíduo e que podem ajudar a identificar o problema. De toda forma, é necessário que o próprio indivíduo perceba quando o sexo deixou de ser saudável. “É um problema quando os padrões fogem à normalidade, atrapalham outras áreas da vida, relações, emprego, vida financeira”, afirma o participante do grupo.

O transtorno

Segundo Lúcia Amaral, psicóloga da Clínica Tera-

pêutica Viva, existe uma grande diferença entre pessoas que gostam muito de praticar sua sexualidade e pessoas que só vivem para fazer sexo. “É fundamental fazer a distinção entre as duas coisas”, afirma. O transtorno tem origem psíquica e, geralmente, deriva do desejo de resolver problemas emocionais, podendo ser causado por traumas da infância, depressão e transtorno de ansiedade, ou, ainda, ligado a outro transtorno obsessivo. O indivíduo não consegue controlar seus impulsos sexuais, ligando-os a outros problemas. Dessa forma, ele expõe a vida social e a saúde em busca do prazer. Outro ponto que pode ser salientado é a forma como o transtorno se apresenta na vida do portador. “Masturbação exagerada, muitos parceiros, voyeurismo, vício em filmes e literatura erótica, infidelidade ou até mes-

mo o sexo excessivo dentro do casamento”, diz Lúcia, podem caracterizar a doença sexual. Tudo depende da maneira que a prática está presente na vida do indivíduo e como ela influencia na socialização dele. Além dos problemas que o transtorno pode desencadear na vida social, as pessoas que possuem a compulsão convivem com o risco constante de contrair uma doença sexualmente transmissível (DST): “Já tratei de herpes duas vezes e, mesmo sabendo que pode voltar, não deixo as práticas de lado”, desabafa Pedro (nome fictício), 37, que, há sete anos, se descobriu compulsivo sexual.

O tratamento

“O comportamento compulsivo sexual é o pior vício que existe, pois carrego minha própria droga dentro de mim”, afirma Marcelo (nome fictício), 28. Para aju-

Sentir grande desejo ou gostar muito de fazer sexo não significa que a pessoa é compulsiva sexual. O transtorno se caracteriza quando o desejo sexual excessivo afeta outros aspectos da vida de uma pessoa.

FOTO: DIVULGAÇÃO

S

e o sexo em si ainda é um tabu na sociedade, o que dizer, então, da compulsão sexual? Muito mais que interdito, o comportamento sexual compulsivo é muitas vezes mal compreendido. A vítima do transtorno fica sem ter com quem falar, algumas vezes por medo ou receio de ser mal interpretada, até mesmo por um profissional. “Já fui em dois psicólogos, nenhum deles pareceu entender meu problema, cada um indicou outro, mas, no final, não me senti bem atendida por nenhum”, afirma Marília (nome fictício), 32, que possui comportamento sexual compulsivo. Segundo um integrante de um grupo de apoio aos compulsivos sexuais em Fortaleza, o primeiro passo para identificar o problema é o autodiagnóstico. Ele, que não quis ser identificado para seguir a política de anonimato do grupo, afirma


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Nos grupos de apoio, os compulsivos sexuais podem encontrar pessoas que sofrem com o transtorno, conversar sobre suas experiências e fazer um acompanhamento visando ao controle da compulsão.

Antes de participar do grupo, não sabia que outras pessoas tinham isso, me sentia uma alienígena ANA

nome fictício

SERVIÇO Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa) E-mail: dasaceara@yahoo.com.br www.slaa.org.br Grupo Celebrando Restauração Tel: (85) 3444-3635 E-mail: cr@ibc.org.br www.ibc.org.br

dar a minimizar os efeitos do transtorno, ele participa de um grupo de apoio voltado a pessoas que sofrem de compulsão sexual. Em Fortaleza, existem uma clínica particular e dois grupos de apoio ligados aos compulsivos sexuais. Segundo a psicóloga Lúcia, a Clínica Viva atende no Bairro de Fátima e conta com um programa de seis passos contra a doença: psicoterapia; avaliação orgânica psiquiátrica; treinamento individual; utilização de medicamentos naturais; monitoramento do humor; avaliação dos resultados e controle de abstinência. Segundo Karine Jesuíno, assessora da Célula de Atenção da Saúde Mental, da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza, apesar de não ser procurado para compulsão sexual, o tratamento pode ser feito pelo Sistema

Único de Saúde (SUS), após diagnosticado o transtorno. “O Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), conta com toda estrutura para receber pessoas com qualquer transtorno de origem psíquica ou com algum transtorno mental”, pontua Karine. É necessário, apenas, que o indivíduo procure o tratamento. Os grupos de apoio situados em Fortaleza possuem o intuito de reunir pessoas com o transtorno em comum e “partilhar” as conquistas e fracassos, objetivando um crescimento pessoal, espiritual e o controle do problema. “Antes de participar do grupo, não sabia que outras pessoas tinham isso, me sentia uma alienígena”, diz Ana (nome fictício), 30, compulsiva sexual. Ela conta que o grupo pratica os doze passos, no modelo dos Alcoólicos Anônimos, e que “vive a doença um dia de cada vez”.

CARACTERÍSTICAS DO COMPULSIVO SEXUAL

Algumas características de pessoas que possuem o transtorno são: • Usar o sexo para tentar diminuir o sofrimento ou para tentar solucionar questões de outras áreas da vida, como problemas emocionais. • Transformar outros sentimentos, como solidão, culpa, raiva e medo, em desejo sexual. • Não conseguir se concentrar em ações rotineiras (no trabalho, por exemplo), por causa de desejos e fantasias sexuais. • Não conseguir controlar os impulsos sexuais e manter continuamente uma relação sexual, mesmo sabendo que essa relação não é sadia.

GRUPOS DE APOIO Um dos grupos de apoio aos compulsivos sexuais em Fortaleza é o Dasa (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos), localizado no Bairro Meireles. As reuniões duram duas horas, uma vez por semana. Atualmente, o grupo conta com 12 pessoas que, segundo o responsável pelos encontros, “aumenta ou diminui, dependendo do dia”. O outro é o Grupo Celebrando Restauração, que é agregado à Igreja Batista Central. As reuniões ocorrem nas noites de sextas-feiras, no Bairro Dionísio Torres. No encontro, os participantes podem “partilhar” o problema.

PERGUNTAS O grupo Dasa criou uma lista de 40 perguntas para auxiliar no autodiagnóstico do transtorno. É importante ressaltar, porém, que estas perguntas não podem e nem devem ser o único método aplicado para o diagnóstico, e, sim, um método inicial. As respostas negativas não indicam a ausência do transtorno. Muitos dependentes seguem modelos de conduta divergentes, o que pode resultar em diferentes formas de enfocar as respostas. A seguir, são listadas 10 perguntas: 1. Você já tentou controlar quanto sexo faria ou com que frequência encontraria alguém? 2. Você sente que precisa esconder suas atividades sexuais ou dos outros - amigos, família, colegas de trabalho, etc.? 3. Você faz promessas ou estabelece regras para si mesmo em relação a seu comportamento sexual e percebe que não pode cumprir? 4. Você faz ou fez sexo apesar das consequências (o risco de ser pego ou de contrair herpes, gonorréia, AIDS, etc.)? 5. Você sente que não está “realmente vivo” se não estiver com seu parceiro amoroso/sexual? 6. Você já ameaçou a sua estabilidade financeira ou posição na sociedade ao manter um parceiro sexual? 7. Você se sente desconfortável em relação a sua masturbação por causa da frequência, das fantasias relacionadas, dos acessórios que usa e/ou dos lugares em que pratica? 8. Você se envolve em prática de voyeurismo, exibicionismo, etc., de forma que lhe trazem desconforto e dor? 9. Você sente que a sua vida está ingovernável por causa de seu comportamento sexual? 10. Você está com dificuldades de se concentrar em outras áreas de sua vida por causa de pensamentos ou sentimentos relacionados a alguém ou ao sexo?


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SENSORIAL

Ver, ouvir, cheirar, tocar, provar: os cinco sentidos a serviço do sexo Visão, olfato, paladar, audição e tato oferecem uma maneira distinta de fazer sexo, seja na realização de fantasias, na revitalização de um relacionamento ou nas descobertas traçadas pelas limitações Andressa Souza e William Santos FOTO: DIVULGAÇÃO

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Tipo de mouse se transforma em leitor de Braille para cegos Os cinco sentidos atuam como importantes mediadores na relação sexual. sua constituição química; além das fantasias e lingeries, uma mistura de prazer visual, imaginário e tátil. A opinião de Soraya é compartilhada pelo universitário Samuel (nome fictício), 19. Para ele, o que vai causar mais excitação antes e durante o sexo depende da situação e do humor no dia, mas chegar ao prazer de maneira plena depende do envolvimento dos cinco sentidos juntos. “Se for uma coisa mais leve, mais ‘amorzinho’, acho que o olfato é essencial. Agora, se o negócio está mais ‘quente’, é o tato. A sensação de materialidade e o peso de alguns gestos são grandes diferenciais para uma relação sexual mais apimentada”, acredita. No entanto, acrescenta que a participação dos cinco sentidos é sinal de entendimento com o próprio corpo. “A harmonia entre os sentidos traz grandes possibilidades de satisfação durante a relação sexual. Para mim, só

há sexo bom quando há sintonia tanto consigo, quanto com o outro”.

FOTO: ANDRESSA SOUZA

s pontas dos dedos sentem o arrepio da pele, os poros eriçados à espera do prazer que sobe a espinha. As narinas inflam e o movimento pesado do peito ofegante é sinal de excitação. Os ouvidos captam a respiração entrecortada. Os olhos percebem gestos, cores, volumes. Sob a ponta da língua, o gosto salgado do suor e o doce toque do desejo. Se é por meio dos sentidos que aprendemos a conhecer nossa realidade, é natural pensar que eles também são os instrumentos necessários para descobertas mais íntimas. Dizem que o sexo só é total quando os cinco sentidos do corpo entram em plena sintonia e combustão. Dentro dessa harmonia, naturalmente há estímulos sensitivos que chegam de forma mais concreta a uns do que a outros. “Os cinco sentidos regem nossas sensações, e sexo é pura sensação. Algumas pessoas são mais sinestésicas, outras, auditivas e outras, visuais. Claro que, para cada uma, a sensação explorada no momento íntimo vai ter um significado e possibilitará uma maior excitação, embora seja muito importante explorar todas (as sensações)”, explica Rosemary Villela, psicóloga, sexóloga e coordenadora do curso “Sexualidade Humana e Corpo em Movimento” no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. “Não se pode separar os sentidos, porque eles estão todos agregados”, acredita Soraya Leite, dona do sex shop Toca da Onça e “cobaia” dos próprios produtos eróticos. Além de óleos e hidratantes para massagens excitantes e românticas, itens como os géis para sexo oral reúnem cheiros, sabores e sensações epidérmicas, como vibrações, resfriamento ou aquecimento; há esmaltes de unha que intensificam a sensualidade na cor e na presença de feromônios em

Mulheres e homens

Samuel defende a desconstrução de um pensamento ainda bastante difundido: o que atribui aos homens a visão como sentido preponderante e às mulheres o rótulo de serem mais “táteis”. “Acho que ser mais visual ou mais tátil tem muito a ver com a forma de recepção sensorial de cada um, independentemente do sexo da pessoa. Acho que essa coisa de ‘homem é assim’ e ‘mulher é assado’ não passa de uma tentativa de construção social dos papéis masculinos e femininos”, acredita. No caso de Soraya, nem é o tato, tampouco a visão. Por experiência própria e pelos relatos das clientes, ela aponta o olfato como sentido particular de maior força. Ainda assim, a empresária pensa que o tesão também cresce na maioria das

A empresária Soraya Leite acredita na potencialização dos sentidos através de produtos eróticos.


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Os cinco sentidos regem nossas sensações, e sexo é pura sensação ROSEMARY VILLELA Sexóloga

mulheres a partir da audição. “O ponto G da mulher está no ouvido”, afirma categoricamente. “O que ela ouve é muito importante para se excitar. Tem coisas que marcam o momento: a música que toca, o barulho que você faz e que vai diferenciar um relacionamento do outro, na hora do gozo que você demonstra o que está sentindo”. O fato é que, para a ciência, nada disso é mito. “As mulheres são mais sensitivas e os homens são mais visuais”, assegura a sexóloga Rosemary Villela, com a ressalva de que, uma vez falando de seres humanos, esse quadro pode mudar, pois o corpo está sempre buscando respostas para diferentes estímulos. “Quando uma parte não funciona por algum motivo, desenvolve-se outra. Uma pessoa destra que perde a mão direita, por exemplo, começa a aprender a desenvolver habilidades com a esquerda”.

Ausência

Não se pode separar os sentidos, porque eles estão todos agregados SORAYA LEITE

Dona do sex shop Toca da Onça

Embora não se possa separar cheiros de gostos ou texturas, a empresária Soraya Leite estabelece uma escala de preferência. “Em primeiro lugar vem a visão, depois o olfato, em terceiro, o tato, a audição já fica para o final”, enumera. Sob essa perspectiva, o triatleta Paulo Cardoso, 45, estaria em desvantagem. Há quase 17 anos, Paulo perdeu de uma só vez a visão e o olfato em um acidente. Desde então, aprende a lidar com a dupla deficiência, inclusive na intimidade. “Quando eu enxergava, com certeza o visual era o que mais atraía. E, hoje, a minha forma de ver é através de quê? O que é que vai alimentar esses instintos para que eu fique preparado, com tesão? Começa a partir de informações de amigos, que me descrevem a pessoa: cor do cabelo, tom de pele. Depois, será por meio de conhecer. Aquela conquista vai formando a parte sexual. E aí, no momento do ato em si, eu já toquei o rosto da pessoa, a pele”, explica. Embora há tantos anos convivendo com a cegueira e a anosmia, Paulo ainda não se acostumou com a falta dos sentidos, principalmente quando o assunto é sexo. O triatleta busca construir uma nova forma de se relacionar sexualmente, utilizando os sentidos que se aguçaram pela perda dos outros. “Eu ainda estou aprendendo. Ainda não estou

FOTO: WILLIAM SANTOS

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Paulo Cardoso, 45, busca novas formas de viver o sexo após a perda da visão e do olfato bem preparado, é uma novidade para mim. Agora pode vir essa migração de formas de se excitar. Pode ser que em breve isso já tenha sido implementado em mim”, ressalta. Para ele, os fatores atrativos, hoje, são o tato e a audição. “Gemidos, algumas palavras que se diz na hora do momento sexual, isso estimula. A falta da visão e do olfato parecem ter melhorado os outros sentidos. Comparativamente, antes a visão e um pouco do olfato preponderavam, apesar de que todos os sentidos eram importantes. Mas se eu for te falar de hoje, a audição é total, influencia demais. Você consegue detectar melhor a respiração, se é mais ou menos ofegante. Todo tipo de som o ouvido é capaz de captar”, detalha o atleta.

Pela culatra

E quando algum sentido atrapalha na “hora H”? Para Soraya Leite, por exemplo, um bom perfume, na medida certa, só atrai. Um cheiro que não agrada, entretanto, exclui qualquer possibilidade de chegar ao “finalmente”. “Já aconteceu de eu ter uma atração, achar a pessoa bonita e, quando senti o cheiro e não me agradou, não consegui. Nessas situações, não dá para continuar. Eu tinha um ‘paquera’ francês, nós nos encontramos algumas vezes, mas, quando ele chegava perto de mim, sentia o cheiro dele e não conseguia nem beijá-lo”, lembra. O estudante Samuel faz

questão de enfatizar que “odeia música durante o sexo”. A TV ligada, segundo ele, também desconcentra e acaba atrapalhando. “Já os gemidos e falas eu acho muito bom. Gosto de ter esse diálogo, tendo o cuidado, é claro, para não falar aquelas coisas bregas de filme pornô. Acho que os diálogos e os gemidos ajudam muito na hora de saber se o que você está fazendo agrada ou não o parceiro”, diz. O jovem também já recorreu ao paladar, usando chocolate e calda de morango na tentativa de descobrir outras sensações. “O lance é não ter medo de experimentar. É no meio dessas experiências

que você acaba achando o prazer”. Mesmo tão valorosos, os cinco sentidos são os primeiros a serem esquecidos quando um relacionamento entra na rotina ou passa por dificuldades. Por isso, é importante reinventar sensações por meio do diálogo e do conhecimento do outro. “Uma das primeiras coisas propostas ao casal é exatamente resgatar isso, explorar ao máximo o toque, o beijo, as carícias, ouvir músicas que marcaram algum momento importante na vida, usar brinquedinhos, géis, sabores”, aconselha a sexóloga Rosemary Villela.

GEMIDOS FEMININOS PODEM SER SÓ ESTRATÉGIA

Um estudo realizado por professores da Universidade de Leeds e da Universidade do Lancashire Central concluiu, em 2010, que os gemidos femininos durante o sexo são uma tática para controlar o parceiro e a relação. Foram entrevistadas 71 mulheres sexualmente ativas e heterossexuais com idade média de 22 anos, recrutadas na comunidade local. Aproximadamente 25% delas afirmaram que, em mais de 90% do tempo, gemiam quando não chegavam ao orgasmo, que era obtido, por ordem de frequência relatada, por meio da manipulação do clitóris pela própria mulher, pelo parceiro, por sexo oral feito pelo homem e durante a penetração. 66% das mulheres disseram que gemiam para acelerar a ejaculação do parceiro. A pesquisa revelou também que, enquanto o orgasmo era obtido nas atividades sexuais preliminares à penetração, gemidos ou gritos eram produzidos frequentemente antes ou durante a ejaculação do homem. 92% das entrevistadas sabiam que a vocalização aumentava a autoestima de seus parceiros e 87% os produziam conscientemente e com esse objetivo. Todas as consultadas já haviam experimentado orgasmos.


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ESTIGMA

Etereótipo do Brasil ainda alimenta o turismo sexual

O maior destaque do País no cenário internacional tem ajudado na desconstrução do estereótipo, mas a imagem “sexualizada” do povo brasileiro ainda é forte no exterior

Leidyanne Viana e Anacélia Ribeiro Jornal croata usa estereótipo do Brasil para comemorar vaga na Copa de 2014. FOTO: REPRODUÇÃO

mulheres seminuas sambando”, conta. Vivendo na Bélgica há oito anos, a dona de casa Kátia Rodrigues, 44, afirma que, para muitos belgas, o Brasil é “um país de putas”. Segundo Kátia, essa visão já mudou um pouco, mas ainda é forte: “Muitos homens já vão para o Brasil pensando nas mulheres”, afirma. Kátia, que é casada com um belga, diz que essa imagem é mantida por propagandas do Brasil que mostram mulheres seminuas. O carnaval brasileiro, muito conhecido na Bélgica, também contribui para o apelo sexual. A dona de casa ainda acrescenta que as brasileiras também são muito mal vistas em Portugal e que já presenciou duas mulheres serem proibidas de entrar no país, acusadas de terem a intenção de se prostituir.

Não é o estereótipo dos corpos nus jogados nas praias que estimula os crimes sexuais, mas a convicção que têm os homens de ter direito de possuir e dispor dos corpos das mulheres TÂNIA SWAIN Professora

Brasileiras em Portugal

FOTO: DIVULGAÇÃO

A

maior presença de brasileiros em outros países para estudar e trabalhar tem contribuído para atenuar o estereótipo sexual pelo qual alguns estrangeiros identificam o Brasil. No entanto, essa imagem ainda é forte. O carnaval, a publicidade turística e a prostituição são alguns dos fatores que promovem tal estereótipo – um dos responsáveis por alimentar o turismo sexual. A estudante de Publicidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bárbara George, 20, morou durante um ano em Portugal e lamenta pelo fato de a “imagem brasileira ainda ser muito levada para o lado sexual”. Para a estudante, esse estigma é alimentado pelo tráfico de mulheres e pelo grande número de brasileiras que vão “tentar a vida lá fora e acabam por tomar o rumo da prostituição”. Bárbara conta ter vivido uma situação desagradável por ser brasileira. “Em uma festa à noite, me neguei a ficar com um rapaz de outro país e ele ficou surpreso, alegando: ‘Não quer ficar comigo? Mas não és brasileira?’ Parece que o fato de você ser brasileira já

te torna naturalmente objeto sexual”, conclui. Contudo, segundo a estudante, essa visão preconceituosa vem mudando em virtude do aumento do número de intercambistas brasileiros, que estabelecem uma relação de maior proximidade com os estrangeiros. Essa também é a percepção de Guilherme Brito, 25, estudante de Engenharia Química da UFC, que morou um ano na França. Ele considera que o aumento do número de brasileiros que trabalham e estudam na Europa tem servido para atenuar esse estereótipo. O “Ciências Sem Fronteiras”, iniciado em 2012, é um dos responsáveis pela elevação da presença brasileira no exterior. O programa do Governo Federal, que concede bolsas em universidades fora do País para estudantes de graduação e pós-graduação, ofereceu 50.516 bolsas até maio deste ano. Guilherme relata, no entanto, outra razão para que a imagem sexual do Brasil se mantenha: “Muitos brasileiros que vivem na Europa trabalham se aproveitando dessa imagem. Por exemplo, há bares brasileiros que têm

O IMPRESSÕES conversou com a psicóloga Cristina Correia, pesquisadora portuguesa que investigou

em 2009 como é ser brasileira em Portugal. A partir de relatos de brasileiras, ela constatou que a imagem dessas mulheres era fortemente associada a um “facilitismo” ou “disponibilidade sexual”. O preconceito fazia-se sentir em graus variados de acordo com a condição socioeconômica, explica. Refletindo sobre a questão na atualidade, Cristina considera que não houve alterações significativas. Como fatores para o estereótipo sexual, ela aponta as informações divulgadas nos meios de comunicação e o fenômeno da prostituição. Além disso, ela acrescenta diferenças culturais e educacionais. Segundo Cristina, na história recente de Portugal, “a representação das mulheres ‘de bem’ era vinculada à senhora casada, mãe de filhos e dona de casa, dependente do pai ou do marido, não havendo lugar, nomeadamente para a discussão sobre a sexualidade feminina”. Desse modo, os hábitos das mulheres brasileiras são “descontextualiza-

POLÊMICA DA ADIDAS As camisetas da Adidas causaram polêmica pelas estampas de conotação sexual. No modelo à esquerda, um coração com formato similar ao de um biquíni fio dental aparece com a frase “I Love Brazil” (Eu amo o Brasil). O segundo modelo traz uma mulata acompanhada pela expressão “Lookin’ to score”, que pode ser entendida como “buscando marcar gols” num contexto sexual


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IMPRESSÕESSEXO dos culturalmente”, porque são vistos “à luz da cultura e dos hábitos portugueses”.

Razões do estereótipo

Os setores publicitários apelavam para as formas redondas das belas mulheres brasileiras na elaboração de folders em divulgações do Brasil no exterior SOLÓN SALES Professor

A professora do curso de História da Universidade de Brasília (UnB), Tânia Swain, considera que a raiz do estereótipo está associada ao sistema patriarcal, que liga o corpo feminino à procriação e ao prazer. Tânia afirma que a beleza da mulher brasileira, associada principalmente às “mulatas de formas generosas e pele aveludada”, é vendida como “atrativo turístico”. Tânia explica que essa imagem remonta à história: “Esta representação das mulheres negras e mulatas vem de longe, de um passado escravocrata, no qual os corpos femininos estavam à disposição dos senhores”. O professor do curso de

Turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Solón Sales, acrescenta que a raça negra contribuiu para a sensualidade da brasileira, tanto geneticamente, com as “formas avantajadas”, como culturalmente, com o samba: “O dançar com os requebros de quadris denotam a sensualidade que acaba por despertar a libido de quem aprecia”, explica. Segundo Solón, a publicidade de turismo contribuiu para o estereótipo principalmente na década de 1980, tendo diminuído a partir do final da década de 90: “Os setores publicitários apelavam para as formas redondas das belas mulheres brasileiras na elaboração de folders em divulgações do Brasil no exterior”. Para ele, contudo, a FOTO: DIVULGAÇÃO/ EMBRATUR, 1983

sensualidade é um traço cultural do nosso povo e “deve estar presente sempre, mas de modo a não agredir ou sugerir exageros”.

Turismo sexual

O professor Sólon Sales concorda que o estereótipo sexual relaciona-se com a vinda de estrangeiros para o Brasil em busca de sexo. Contudo, ele ressalta que o termo “turismo sexual” é equivocado, pois a prática turística visa exclusivamente ao benefício humano: “O que acontece é que as pessoas que viajam motivadas pela questão sexual utilizam toda a infraestrutura turística”, explica. Para Tânia Swain, a difusão da imagem de mulheres seminuas é “um chamariz para o turismo sexual”. Contudo, para ela, este não é o principal fator: “Não é o estereótipo dos corpos nus jogados nas praias que estimula os crimes sexuais, mas a convicção que têm os homens de ter direito de possuir e dispor dos corpos das mulheres”. Para combater o problema, Tânia diz que são necessárias políticas públicas em relação aos direitos das mulheres, que incluam a proibição de serem vendidas como atrativo turístico. Além disso, ela aponta a importância da educação para “transformar a imagem das mulheres no meio social”.

Polêmica

A Embratur, na década de 80, realizava propagandas do Brasil no exterior com imagens de mulheres seminuas

A Adidas colocou à venda, em fevereiro deste ano, camisetas temáticas da Copa do Mundo 2014. Os modelos, disponibilizados no site americano da marca e em algumas lojas dos Estados Unidos, causaram polêmica por conta das estampas que continham elementos comumente utilizados para reforçar o estereótipo sexual do Brasil. A presidente Dilma Rousseff condenou a linha de camisetas em uma rede social afirmando que “O Brasil está feliz em receber turistas que chegarão para Copa, mas também está pronto para combater o turismo sexual”. O Ministério do Turismo também divulgou nota oficial na qual considera que os produtos contribuem indiretamente com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Após a polêmica, a Adidas encerrou a comercialização das camisetas.

DISQUE 100 O Ministério do Turismo aponta que o Brasil é o 2º principal destino no mundo para o chamado “turismo sexual”. Com o aumento do fluxo de turistas, atraídos pela Copa do Mundo, o governo realiza ações de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. A campanha “Proteja Brasil”, lançada no começo do ano, incentiva a população a fazer denúncias pelo “Disque 100”. Além disso, foi proibida a entrada no País de turistas ou imigrantes envolvidos com pornografia infantil ou em denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes. Cartilha com orientações para o combate à exploração sexual está disponível no site do Ministério.

SERVIÇO Denúncias de exploração sexual: Disque 100 Cartilha do Ministério do Turismo http://migre.me/jCNTu


(14) CINEMA ERÓTICO

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Mais do que sexo: corpo, desejo e libido na tela

O sexo nos filmes de pornochanchada marcou o cinema brasileiro. Hoje, filmar o erótico é desafio para novos cineastas Camila Aguiar

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a sétima arte, elementos que enaltecem o corpo e a libido estampam na tela uma parte fundamental da essência humana: o sexo. Desde as cenas mais tímidas aos filmes mais explícitos, a nudez e as relações sexuais provocam reações diversas no público e derivam das mais variadas intenções dos que se dedicam a filmar o tema. No Brasil, a adaptação para o cinema de “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), obra literária de Jorge Amado, permaneceu como campeã de público do cinema nacional por 34 anos, com mais de 10 milhões de espectadores. O filme traz forte carga erótica na narração da história de amor entre a viúva Flor (Sônia Braga), Vadinho (José Wilker) e Teodoro (Mauro Mendonça). Mesmo com a intensa censura à arte durante o pe- Equipe de O Animal Sonhado. O filme é dirigido por quatro estudantes de Cinema e dois cineastas ríodo ditatorial, o cinema produções cinematográfi- trouxeram a revolução sebrasileiro conseguiu levar cas no Brasil. A produção se xual “à brasileira”. “O muno sexo às salas de exibição. consolidou no Rio de Janei- do estava passando por um Foram as pornochanchadas, ro e, principalmente, em São período de revolução sexuos famosos filmes de coméPaulo, na região conhecida al, e essa foi uma das fordia com pitadas eróticas, como Boca do Lixo, no cen- mas artísticas de externar o Eu acho que o que atraíram milhões de esmovimento no Brasil. Com tro da cidade. pectadores, como o filme “A o tempo, apareceram filmes que se encontra Dama da Lotação”, baseado cada vez mais pesados. No no ‘O Animal em uma adaptação da obra Sexo com humor início, era o que se chama Em tom de deboche, as atualmente de softcore e, Sonhado’ é de Nelson Rodrigues, que arrecadou R$ 6,5 milhões, a 4ª pornochanchadas abordam posteriormente, hardcore. À um pouco de maior bilheteria do cinema situações cômicas que en- medida que isso foi acontevolvem o sexo, a libido dos cendo, foi surgindo o merca- como a libido, a nacional. Nascida da união entre personagens e os posicio- do de cinema pornográfico”, sensualidade e o as chanchadas, filmes de co- namentos de câmera que esclarece. Apesar da importância desejo envolvem média e humor, e o erótico, a ressaltam o corpo feminino. pornochanchada brasileira De acordo com o professor das pornochanchadas para os personagens surgiu no fim da década de de Cinema e Audiovisual da o cinema brasileiro, os fil1960 e início da década de Universidade Federal do Ce- mes também deixaram um 1970, quando a censura do ará, Marcelo Dídimo, esses estigma na produção nacioLuciana Vieira regime repressor limitou as filmes de comédia erótica nal. “É muito comum ouvirEstudante mos a frase, principalmente Teaser de O Animal Sonhado, filme no qual seis cineastas assistem a um strip tease

FOTO: DIVULGAÇÃO

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de pessoas mais velhas: ‘Não gosto do cinema brasileiro porque só tem sacanagem’”, acrescenta Dídimo. O fim da Ditadura Militar culminou no fim das pornochanchadas. O encerramento da lei de cotas para filmes nacionais e da censura promoveu o desfecho do ciclo de produções da Boca do Lixo. Cineastas, atores e atrizes tomaram outros rumos, migrando para a televisão ou para fazer filmes comerciais.

Produção cearense

Anos após o desaparecimento das pornochanchadas, o erotismo permanece nas produções, tratado de FOTOS: DIVULGAÇÃO


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IMPRESSÕESSEXO maneiras distintas. Concebido por estudantes de Cinema de Fortaleza, “O Animal Sonhado” é um dos filmes que buscam compreender os elementos envolvidos na experiência sexual humana, trazendo o desejo como ponto chave para narrar e compreender a vida dos personagens em seis episódios. A ideia para o longa-metragem partiu de contos eróticos, mas as influências cinematográficas são várias: desde a pornochanchada brasileira até a comédia juvenil americana. Um dos episódios, produzido pela estudante de Cinema e Audiovisual Luciana Vieira, conta a história de uma mulher que é obcecada pela cultura do seu próprio corpo. No entanto, a universitária ressalta que “O Animal Sonhado” se concentra em uma narrativa, extrapolando o sexo. “A gente está ali para contar uma história e não para mostrar o sexo. Eu acho que o que se encontra no ‘O Animal Sonhado’ é um pouco de como a libido, a sensualidade e o desejo envolvem os personagens”, explica. Os outros episódios são dirigidos por Breno Baptista, Rodrigo Fernandes, Samuel Brasileiro, Ticiana Augusto Lima e Victor Costa Lopes. Para Luciana, a própria categoria de cinema erótico não alcança a intenção de “O Animal Sonhado” e de outras produções cinematográficas que abordam a temática sexual. “O erotismo está no filme, mas não é um termo definidor. Cenas de sexo estão em milhares de filmes, eróticas ou não, mas eu acho que essa categoria é um pouco falha, reducionista. Acho que a nossa produção e muitos outros filmes em Fortaleza, apesar de terem ou não cenas de sexo, tratam de muitas outras questões, às vezes muito maiores do que isso” defende.

FILMES ERÓTICOS FORAM PORTA DE ENTRADA PARA DIVERSOS ARTISTAS NA TV

É muito comum ouvirmos a frase, principalmente de pessoas mais velhas: ‘Não gosto do cinema brasileiro porque só tem sacanagem’ Marcelo Dídimo Professor

O erotismo está no filme, mas não é um termo definidor. O erotismo é muito mais do que o sexo, é muito sobre as próprias relações Luciana Vieira Estudante

As pornochanchadas foram sucessos de bilheteria no Brasil e deixaram a lição de como fazer filmes com baixo orçamento. Além disso, também lançaram ao estrelato vários atores e atrizes que, hoje, conhecemos, principalmente, por meio das telenovelas, mas que começaram a carreira nesses filmes que uniam sexo e humor. Entre eles estão Nuno Leal Maia, Antônio Fagundes, Reginaldo Faria e Lucélia Santos. Vera Fischer dividiu a tela com Xuxa Meneghel, no polêmico “Amor, estranho amor”, que a “rainha dos baixinhos” filmou com apenas 16 anos. Conhecida pelos filmes do gênero, Fischer também estrelou em “Essa Gostosa Brincadeira a Dois”, “A Superfêmea” e “Anjo Loiro”. Atualmente como apresentadora do programa Esquenta na TV Globo, Regina Casé também teve a pornochanchada como um dos primeiros trabalhos no cinema, no filme “Os Sete Gatinhos”, também baseado na obra (peça) de Nelson Rodrigues. O mesmo longa conta ainda com a participação de Antônio Fagundes e Ary Fontoura. Mas, além das estrelas atuais que permaneceram na carreira de atores e atrizes, há também quem tenha mudado de rumo depois do fim das pornochanchadas. É o caso de Eni He-

lena Novakoski, que esteve em “Pensionato dos Vigaristas”, “Os Violentadores”, “As Depravadas”, e hoje trabalha como professora de inglês no Paraná. Uma das musas mais famosas é Nicole Puzzi, que contracenou com Tarcísio Meira no filme “Eu” e atuou também em “As Prisioneiras do Sexo”, “Damas do Prazer” e “Volúpia ao Prazer”. Nicole também foi para a TV e atuou em novelas após a carreira nas pornochanchadas, como em “Barriga de

Aluguel”. Hoje, aos 56 anos, a atriz está de volta com o programa “Pornolândia”, atração sobre sexo no Canal Brasil. Eni e Nicole estão na série “5 Estrelas da Boca”, publicada por Rafael Spaca no blog Os Curtos Filmes, juntamente com as outras musas Zilda Mayo, Vanessa Alves e Noelle Pine. As próprias atrizes compartilharam fotos e histórias da pornochanchada com o autor do blog.

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Vera Fischer é uma das atrizes conhecidas atualmente que começaram a carreira nas pornochanchadas


(16) Ensaio Fotográfico

Muito prazer, pode entrar Andressa Bittencourt

A

inda há quem se envergonhe em entrar em um sex shop. De fato, muitos dos produtos expostos em vitrines ou prateleiras chegam a intimidar pelo tamanho, pela cor, pela diversidade e – quem sabe, principalmente – pela imaginação do que pode ser feito com os itens eróticos. Rainier Alencar, proprietário do sex shop Domain, garante, no entanto, que não há do que ter medo ou vergonha; o sex shop é um lugar para se encontrar o prazer. Seu espaço é convidativo e agradável, com artefatos para todos os gostos.

IMPRESSÕESSEXO


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