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Negócio do Bem: A moeda que gera esperança
Motos zuniam pelo asfalto, pedestres corriam pela calçada para alcançar o ônibus, crianças vendiam balas nas sinaleiras. Da janela do passageiro, Adriano Panazzolo admirava a monotonia urbana enquanto sofria uma reviravolta interna. O engenheiro civil de 54 anos retornava de um evento de inovação e tecnologia em São Paulo, onde grandes invenções e um futuro próspero para todos eram palavras de ordem. Ao regressar a Porto Alegre, no entanto, ele voltou à realidade. No trajeto para o aeroporto de Congonhas, Adriano viu pessoas que aparentavam estar em situação de rua há pouco tempo, devido à crise econômica. Foi então que vieram as perguntas: inovação para quem? Quem irá desfrutar desse futuro? “Ele queria entender como a inovação poderia incluir os excluídos, ao invés de afastálos ainda mais da sociedade”, conta Daniella Cordeiro, de 32 anos. Engenheira civil e colega de trabalho de Adriano, Daniella hoje é cofundadora da Moeda do Bem, uma startup cujo objetivo é oferecer ajuda financeira a projetos sociais por meio de doações. “Quando a gente tem uma ideia, não podemos guardar ela para nós mesmos e esperar para executá-la só quando tudo estiver ‘pronto’”, afirma. “Logo que o Adriano compartilhou essas inquietações comigo, nós já começamos a pensar em soluções”. Ela relembra que a ideia inicial era criar uma rede de voluntários, mas o projeto só se tornou mais concreto após um curso realizado pelo Founder Institute, no ano passado, em Porto Alegre. “Nós nem conseguimos nos formar no curso”, lembra Daniella entre risos, “mas nossa vontade era tão grande que nos recusamos a desistir”.
Início conturbado
A Moeda do Bem foi lançada oficialmente em outubro de 2019, e consiste numa plataforma digital para arrecadar doações em dinheiro, na qual a pessoa escolhe qual item ou ação deseja financiar. Daniella disse que o início foi difícil porque ela e Adriano estavam mais envolvidos com a empresa de engenharia onde trabalham, e a Moeda do Bem era vista como uma “prioridade secundária”. Além disso, não havia como botar o projeto em prática sem um parceiro que necessitasse de ajuda.
O primeiro parceiro
A resposta veio com a antropóloga Lúcia Scalco, amiga de Adriano e presidente da Associação Coletivo Autônomo Morro da Cruz. Ao ouvir sobre a Moeda do Bem, Lúcia logo se ofereceu para ser uma espécie de primeira “cobaia” da startup. Após várias idas à associação, Daniella e Adriano tiveram a ideia de criar um site. Inicialmente utilizaram uma plataforma já existente cedida pelo mentor do Founder Institute, que tinha como objetivo a compra de presentes de casamento. Depois de algumas modificações e personalizações, a Moeda do Bem estava pronta para começar a juntar doações. No primeiro momento foram arrecadados 7 mil reais, que foram inteiramente repassados para a Associação Coletivo Autônomo Morro da Cruz. A ONG utilizou os recursos para continuar com suas atividades
voltadas às crianças e adolescentes da comunidade, como música, dança, artesanato, inglês, reforço escolar, entre outras. No entanto, com a chegada do novo coronavírus, várias mudanças aconteceram.
Os Reflexos da Pandemia
A nova realidade imposta pela pandemia fez com que a Moeda do Bem voltasse seu foco para o oferecimento de serviços emergenciais, ao invés da construção de uma rede de parcerias. A startup teve como objetivo, então, suprir as necessidades imediatas da comunidade do Morro da Cruz, como alimentação, medicamentos e produtos de higiene pessoal. A engenheira revela que foram criados links de inscrição no site da Moeda do Bem –os quais ficavam disponíveis por um tempo determinado –, destinados às pessoas que queriam receber algum tipo de ajuda. Contudo, a demanda aumentou tanto que não era possível deixálos abertos por muito tempo, pois não seria possível atender a todos os inscritos. Os benefícios eram distribuídos diariamente pela Associação Coletivo Autônomo Morro da Cruz na comunidade do Morro da Cruz em frente ao mercado Eleane, um dos pontos onde eram realizadas as compras. “Acredito que a pandemia aflorou o espírito de solidariedade entre as pessoas”, afirma Daniella. Afinal, como ela mesmo cita, “ninguém consegue fazer nada com fome”. Até agora, já foram mais de 145 mil reais arrecadados em doações. O projeto pretende continuar após a pandemia, porém com objetivo de ser um negócio social que gire a economia em uma rede para trazer benefícios a todos os envolvidos, visto que o objetivo da Moeda do Bem não é o assistencialismo.
Como ajudar
Para contribuir com a Moeda do Bem, basta acessar o site https://www.moedadobem.com.br/ e escolher para onde direcionar sua doação. Também é possível contatar a startup pelo email contato@moedadobem.com, seja para oferecer sugestões de parceria ou se tornar um voluntário. “Toda ajuda é bem-vinda, é só falar comigo”, ressalta Daniella. Embora a startup não esteja dando retorno financeiro aos sócios no momento, ela diz que o maior lucro é a sensação de fazer o bem. “Quem doa recebe muito mais do que aquele que está sendo ajudado. É uma ironia linda.”
Quem é Daniella?
“Desde muito cedo eu percebi que tinha uma condição privilegiada em relação a outras pessoas. É muito mais fácil fechar os olhos e fingir que está tudo bem, mas eu nunca quis fazer isso.” Apesar de trabalhar com engenharia, Daniella Cordeiro sempre se preocupou em explorar a parte humana das ciências exatas. Formada em Engenharia Civil pela PUCRS, a cofundadora da Moeda do Bem é pós-graduada em pedagogia da cooperação pela Universidade Paulista, e recentemente fundou –também junto a Adriano –o HUBITTAT, um laboratório de inovação aberto a empresas e instituições que busquem desenvolver soluções nas áreas de infraestrutura, mobilidade e sustentabilidade. Contudo, os números não são a única maneira de expressar solidariedade. A arte também é fundamental na vida de Daniella. “Um dos eventos que mais me marcou foi uma aula de dança que fui dar com um professor
na Escola Chapéu do Sol”, relembra, “e, ao término da atividade, a gente decidiu organizar uma festa de Natal para as crianças”. Ela conta que pediu para os alunos escreverem cartas ao Papai Noel, enquanto eles se encarregaram das doações. “Nós distribuímos presentes para mais de 250 crianças no dia da festa. Foi uma experiência muito bonita”. Além da dança, Daniella também escreve poesias, pinta e desenha. Há alguns anos, ela relata que decidiu usar seus talentos para ajudar seu sobrinho, que foi diagnosticado com câncer. Noah, de cinco anos, hoje está curado, graças à ajuda da tia. “Foi uma época muito pesada, mas o desenho me curou de certa forma”.
Confira o depoimento dos repórteres –Making Of
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