Versão dos Jornalistas 158

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Foto: Ronan Dannenberg/Especial

PUBLICAÇÃO DO SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DO RS ANO 25 – Nº 158 – MARÇO DE 2017

Estado de

choque De um lado, servidores tentando salvar o seu emprego. Do outro, a Brigada Militar reprimindo a manifestação. Em uma Assembleia Legislativa distante do povo, na madrugada do dia 21 de dezembro, foi aprovado o PL 246, que autoriza a extinção da Fundação Piratini (TVE e FM Cultura), entre outras. Em reportagem especial, confira os momentos de tensão vividos na luta diária dos trabalhadores e de suas entidades representativas para impedir a concretização dos planos do Estado. Página central

SINDICATO

PERFIL

VIOLÊNCIA

Como receber o valor descontado do terço constitucional de férias

As diversas formas de arte de Amaro, Luiz e Santiago, integrantes da família Abreu

Relatório da FENAJ aponta aumento de agressões contra jornalistas em 2016

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Páginas 6 e 7

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EDITORIAL

Uma política de destruição do patrimônio dos gaúchos

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a praça, olhares inconsoláveis. Os poucos que conseguiam senha para entrar na Assembleia Legislativa gritavam até ficarem roucos. Por mais que os servidores tentassem argumentar, não havia jeito: a votação para extinção das fundações não levava em conta dados e não queria discutir o futuro do Rio Grande do Sul com a população gaúcha. Um Executivo despreocupado com o patrimônio do povo, um Legislativo cercado por uma guarda armada. O lamentável episódio é o melhor exemplo da política de destruição que dá as costas para o trabalhador. Como se não bastasse a inanição que marca boa parte do seu mandato, o governador José Ivo Sartori resolveu agir apenas por aparência. Cortam-se gastos mínimos com a máquina pública, criam-se outros, talvez até maiores, terceirizando o serviço. Sua política thatcheriana promove demissão em massa e enfraquece um Estado já combalido. Para piorar, seu gosto por sangue fareja nova vítima: o Banrisul, banco estatal que ajuda a movimentar nossa economia e traz lucro para os cofres públicos. A insaciável vontade de matar o Rio Grande do Sul, no entanto, não pode ser recebida sem resistência. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS) segue na luta para salvar a Fundação Piratini, responsável pela TVE e pela FM Cultura. A comunicação pública é essencial para uma sociedade plural, e todos os esforços estão sendo feitos em defesa dos veículos e de seus profissionais. Além disso, a entidade soma-se a tantas outras lutas, de esfera es-

tadual e federal, como, por exemplo, contra a precarização do trabalho e pelo direito à aposentadoria. É lastimável que a classe política, em meio aos seus conchavos e jogos de poder, tenha deixado a economia chegar ao ponto que chegou e queira penalizar os brasileiros pelos seus erros. Crise alguma pode ser usada como desculpa para tirar nossos direitos. Nesta edição do Versão dos Jornalistas, o SINDJORS apresenta um panorama geral dos cerca de três meses de agonia vividos pelos funcionários da Fundação Piratini; um perfil da família Abreu, de talento ímpar; os principais acontecimentos da entidade no início de 2017; além de apresentar a campanha O Benefício da União, que ressalta a importância da sindicalização para fortalecer a categoria.

FENAJ

Violência contra jornalistas aumentou no ano passado A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) lançou o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa 2016. O levantamento, feito em parceria com os sindicatos de jornalistas, aponta um crescimento de 17,52% no número de casos de agressões, em relação a 2015. Foram 161 casos de violência contra a categoria, 24 a mais do que os 137 registrados no ano anterior. “A violência contra jornalistas é claramente uma forma de tentar impedir que as informações de interesse público circulem livremente e que as cidadãs e os cidadãos brasileiros tenham conhecimento da realidade dos fatos”, destaca o documento em sua apresentação. A Região Sul foi a segunda mais violenta. Foram registradas 30 agressões contra a categoria, 18,63% do total. Mantendo a tendência verificada nos últimos três anos, as agressões tiveram como principais autores os policias militares e/ou os guardas municipais/metropolitanos. Os dados completos podem ser conferidos no site da FENAJ (www.fenaj.org.br).

CHARGE

Versão dos Jornalistas é uma publicação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul Rua dos Andradas, 1270, 13º andar, sala 133 Centro Histórico – Porto Alegre/RS – CEP 90020-008 Fones: (51) 3226-0664 | 3228.8146 | 3226.1735 www.jornalistasrs.org – web@jornalistasrs.org

FILIADO

Edição: Jorge Correa Edição executiva e reportagem: Douglas Roehrs Edição de fotografia: Robinson Luiz Estrásulas Projeto gráfico: Gilson Camargo Diagramação: Laura Santos Rocha Impressão: Gráfica Pioneiro Tiragem: 3 mil exemplares Diretoria Presidente – Milton Siles Simas Júnior 1ª Vice-presidenta – Laura Eliane Lagranha Santos Rocha 2º Vice-presidente – Elson Sempé Pedroso 1º Secretário – Jorge Luiz Correa da Silva 2ª Secretária – Márcia de Lima Carvalho 1º Tesoureiro – Robinson Luiz Estrásulas 2º Tesoureiro – Renato Bohusch 1º Suplente – Gabriel Gonçalves Ribeiro

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Conselho Fiscal Celso Augusto Schroder, Vera Daisy Barcellos Costa, Adroaldo Bauer Spíndola Corrêa, Clóvis Victória Junior, Dolcimar Luiz da Silva e Nilza do Carmo Scotti Diretoria Geral André Luiz Simas Pereira, Carla Rosane Pacheco Seabra, Eduardo Silveira, Gilson Verani Freitas de Camargo, Guilherme Fernandes de Oliveira, Marcia Fernanda Peçanha Martins, Marco Alexandre Bocardi, Maria Alcívia Gonçalves da Silveira, Mateus Campos de Azevedo, Paulo Gilberto Alves de Azevedo, Pedro Guilherme Dreher, Pedro Luiz da Silveira Osório, Roberto Carlos Dias, Silvia Fernandes e Thaís Vieira Bretanha Comissão de Ética Moisés dos Santos Mendes, Cristiane Finger Costa, Flavio Antonio Camargo Porcello, Antônio Carlos Hohlfeldt, José Maria Rodrigues Nunes, Jeanice Dias Ramos, Carlos Henrique Esquivel Bastos, Neusa Maria Bongiovanni Ribeiro, Marcos Emilio Santuário e Julieta Margarida Amaral

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SINDICATO

Jornalistas recebem valor descontado do terço constitucional de férias

Fotos: Douglas Roehrs/SINDJORS

O

Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS) ganhou, em segunda instância, a ação coletiva que movia contra a União Federal referente a não-incidência da Contribuição Previdenciária (INSS) sobre o terço constitucional de férias — decisão que beneficia toda a categoria. Conforme o advogado tributarista conveniado ao SINDJORS e responsável pela ação, Leonardo Suárez, o valor recebido pelo terço de férias refere-se a um acréscimo no período de descanso do trabalhador e por isso não deve ser onerado com o pagamento de impostos e contribuições, pois trata-se de verba de caráter indenizatório. “Desde o início do processo, nós apostamos nesta ação. Agora, os benefícios desta vitória poderão ser usufruídos pela nossa categoria, independentemente de ser ou não sindicalizado. Fazemos questão de que as conquistas sejam para todos e todas”, destaca o presidente do Sindicato, Milton Simas. Com a decisão, que foi semelhante em primeira instância, muitos jornalistas entraram com ações individuais, sob tutela da movida pela entidade, e já estão recebendo os valores. Por mais que toda categoria esteja amparada pela ação coletiva, orienta-se que os demais profissionais façam o mesmo, pois ações individuais têm tramitação e

Presidente do SINDJORS, Milton Simas (dir.), recebe o advogado Leonardo Suárez (esq.) no Sindicato

efetivação mais rápidas. Em ambas, os valores são referentes aos últimos cinco anos de contribuição, recompostos com a Taxa Selic. Para encaminhar o processo de forma individualizada, os jornalistas devem entregar a documen-

tação listada no site do Sindicato, para leonardo@ suarezgolgo.com.br. Os honorários são de 15% para jornalistas sindicalizados e 20% para não sindicalizados. Em caso de dúvida, entre em contato pelo e-mail ou pelo telefone (51) 99460.1313.

Seminário de Resistência na Redenção

Novos delegados sindicais

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), com apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS) e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM/POA), realizou o seminário Jornalismo de Resistência: Profissional, Ético e Comprometido com a Democracia, no dia 20 de janeiro, no Parque da Redenção. A atividade, que integrou a programação do Fórum Social das Resistências, abordou a violência contra a categoria, a democrati-

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS) realizou, em fevereiro, as eleições para delegados sindicais nas redações. Funcionários de quatro locais elegeram seus representantes. TV Record: Sérgio Amisani Schueler Jornal Correio do Povo: Luiz Augusto Correa Kern Jornal O Sul: Letícia Castro Fundação Piratini: Felipe Nascimento Prestes

zação da mídia e o modo como a imprensa lida com questões relacionadas ao machismo e ao racismo. “A gente não pode, quando é alvo de violência, se omitir. Temos que ir adiante, comunicar. Se deixarmos passar em branco, o agressor continuará tentando nos intimidar, cercear o nosso trabalho. Queremos plena liberdade para o exercício de nossa profissão e o fim da impunidade”, ressaltou o presidente do SINDJORS, Milton Simas.

“Os delegados nos proporcionam uma aproximação com as redações. Através deles, podemos estreitar os laços, receber e responder as demandas da forma mais eficiente possível”, destaca a vice-presidenta do SINDJORS, Laura Santos Rocha.

Fundação Piratini fecha acordo coletivo 2016-2017

Atividade discutiu violência contra a categoria, democratização da mídia, machismo e racismo na imprensa

Os jornalistas da Fundação Piratini – responsável pela TVE e FM Cultura – aceitaram a proposta de acordo coletivo 2016-2017, feita pelo Governo do Estado. Os profissionais tiveram reposição salarial de 6%, a partir de 1º junho de 2016 (data-base), e 3,12%, a partir de setembro de 2016.

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ESPECIAL

Do choro à luta Q

uando o PL 246 foi encaminhado para votação, na madrugada do dia 21 de dezembro de 2016, Angélica Coronel, repórter da TVE, 39 anos, abandonou seu posto de resistência, na Assembleia Legislativa. Desde que fora anunciado o pacote de cortes do governador José Ivo Sartori, um mês antes, funcionários concursados da televisão pública e da rádio FM Cultura se dividiram em grupos de trabalho. Angélica integrava a equipe responsável pela articulação política com os deputados para tentar garantir que votassem contra a extinção da Fundação Piratini. Chegado o momento decisivo, não havia mais nada para ser feito onde estava. Foi para o local onde os colegas manifestavam sua contrariedade ao projeto, gritavam pela defesa de seus empregos. A sensação que mais marcou a jornalista foi o frio no local, devido ao ar-condicionado, que contrastava muito com o calor sufocante da rua. “Essa frieza se reproduz no resultado da votação, que não levou em consideração a importância do que a gente faz, de quem nós somos, qual a nossa trajetória, a importância desse serviço público”, desabafa Angélica. Com 30 votos favoráveis, foram aprovadas, em uma só vez, as extinções das fundações de Ciência e Tecnologia (Cientec), de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Zoobotânica (FZB), de Economia e Estatística (FEE), Piratini (TVE e FM Cultura) e para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH). O clima já era de profunda tristeza. Após o resultado, Angélica desatou a chorar e gritou muito. “Olha pra cá, vem ver a mãe de família que vocês demitiram”, falou para os deputados a mãe da pequena Alice, 5, e filha de Vera, 80, responsável pelo sustento de ambas. “Nenhum deputado teve coragem de olhar. Eles não tinham coragem de dizer parem, pois sabiam o crime que estavam cometendo ali”, lembra a repórter. “Gente que estava aguentando até ali, desabou”, recorda José Fernando Cardoso, programador musical da FM Cultura, 47, que estava acompanhado da esposa, Silvana Schmidt, 35. “Lembro de muitas pessoas chorando. Fiquei bastante triste e revoltado, a ponto de botar na cabeça que não derrubaria uma lágrima sequer, não mostraria minha tristeza na frente dos deputados”, rememora Frederick Martins, analista da TVE, 30. BOMBAS DISTANTES O pacote de cortes anunciado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo prevê a demissão de 1,2 mil funcionários, que, na semana de votação, protestaram na Praça da Matriz, rodeados pelos três poderes. Em resposta à tentativa de diálogo, o Palácio Piratini e a Assembleia Legislativa foram cercados pela polícia, que mais de uma vez agiu para dispersar os manifestantes, inclusive com auxílio de helicóptero.

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Angélica (no detalhe e junto com colegas da Fundação Piratini) reclama que o Governo desconsiderou a importância do serviço público e dos profissionais Manifestação dos servidores na Praça da Matriz foi marcada pela repressão da polícia, que cercou o

“Eu nunca tinha participado de coisa assim, respirar aquele ar com gás. Foi muito desgastante, triste”, diz Cardoso. Angélica, que estava dentro da Assembleia, ouvia o barulho das bombas muito baixo, como se fosse algo distante: “tu percebes o quanto a atividade daqueles parlamentares não tem relação alguma com quem está lá na rua, com quem está sofrendo, porque eu sabia que os meus colegas estavam lá fora tomando bomba, chorando naquele calor insuportável”. Martins correu diversas vezes para escapar das bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela PM. Após as 20h, entrou na Assembleia para acompanhar a vo-

tação, sem jantar. Quando chegou em casa, já amanhecendo, não conseguiu dormir – estava com muita dor de cabeça e pensava o que seria do futuro. “Foram dias bem difíceis mesmo. Só consegui ficar em paz quando saiu a liminar da necessidade de negociações coletivas”, afirma. AÇÃO NA JUSTIÇA O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), Milton Simas, acompanhado do diretor da entidade e servidor da TVE Paulo Gilberto Alves de Azevedo, protocolou uma represen-

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Na madrugada do dia 21 de dezembro do ano passado, 30 deputados estaduais aprovaram a extinção da Fundação Piratini. Após o momento mais delicado do embate de servidores e sindicatos contra o Estado, a questão ainda é cercada de incertezas e ganha novos capítulos. Fotos: SINDJORS

var isso em conta. Além disso, queremos saber o que vai acontecer com o acervo da TVE e da FM Cultura, o que vão fazer com a antena retransmissora, entre outras questões”, destaca. FRENTE UNIFICADA Com intuito de defender os servidores e o patrimônio científico e cultural do Rio Grande do Sul, a Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), por meio do seu coletivo jurídico, montou a Frente Jurídica em Defesa das Fundações. O grupo de advogados está preparando uma série de ações na Justiça comum para contestar as extinções. Os profissionais estão analisando, caso a caso, as situações que envolvem ataque a direitos trabalhistas e dilapidação de patrimônio público, além da própria razoabilidade dos atos administrativos do governo do Estado, que invocam uma suposta economia de recursos como justificativa para as extinções. O secretário de Comunicação da CUT-RS, Ademir Wiederkehr, afirma que a luta contra a extinção das fundações não se encerrou com as votações de dezembro de 2016, na Assembleia Legislativa, nem com os decretos publicados pelo Executivo no Diário Oficial. O advogado Antônio Carlos Porto Jr., representante do Sindicato dos Jornalistas, questiona a racionalidade econômica das propostas de extinção das fundações: “a extinção da TVE, por exemplo, não faz sentido econômico, pois seus gastos de custeio representam 0,09% do que o Estado investe neste item”. Além disso, acrescenta que a existência de uma comunicação pública não é um capricho do governante, mas sim uma norma constitucional.

Palácio Piratini e a Assembleia Legislativa e em diversos momentos agiu para dispersar as pessoas

tação contra a demissão em massa dos servidores da Fundação Piratini, na manhã do dia 19 dezembro. O documento, formulado pelo SINDJORS e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão do Rio Grande do Sul, pedia que nenhum funcionário fosse demitido sem prévia negociação coletiva com os sindicatos representantes das categorias. O pedido foi acatado e por mais que o governador Sartori tenha sancionado o projeto que extingue a Fundação, com publicação no Diário Oficial do dia 17 de janeiro, o Estado teve que dar início às tratativas com os sindicatos.

O primeiro encontro, realizado no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em 9 de fevereiro, foi marcado pela falta de um plano de demissões por parte do governo. “Eles perguntaram qual era o nosso projeto. Quem tem que dizer isso são eles, que estão destruindo o Estado, e não os sindicatos”, ressalta Simas. Na ocasião, o presidente do Sindicato entregou um ofício pedindo esclarecimentos sobre a situação dos funcionários e o destino dos equipamentos e da estrutura física. “Cada trabalhador é um caso diferente. Há muitas especificidades e o Estado não pode achar que simplesmente vai mandar todo mundo embora sem le-

A LUTA CONTINUA Quando Angélica chegou em casa, na manhã após a votação, a sensação que tinha era de luto. Durante vários dias, colegas e amigos ligavam porque sabiam que uma tragédia muito grande tinha acontecido na vida dela. No entanto, a jornalista não desistiu de tentar salvar a Fundação: “a gente não vai desistir dessa luta, tem muita briga pela frente”. “Eu ainda não joguei a toalha. Vamos lutar até o último momento para tentar evitar a extinção. Trabalhamos com a ideia de conscientizar as pessoas”, exclama Cardoso. Ele e seus colegas não estão sozinhos. Em janeiro, por exemplo, intelectuais, artistas e cientistas gaúchos lançaram carta aberta ao governo do Estado mostrando-se contrários às extinções. Francisco Marshall, um dos signatários, em artigo para o jornal Zero Hora, diz que o Estado “extirpa cérebro e coração, remove inteligência e sensibilidade, e pensa com isso fazer algo novo. Faz, sim. Novo grau da barbárie. Novo cenário de miséria”.

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PERFIL

Arte em família Santiago, 66 anos, é desenhista de humor e tem 15 livros no currículo. Luiz, seu irmão de 70, fotógrafo e coautor de dois dos primeiros livros de fotografia do Estado. Amaro, 28, filho de Luiz, artista visual com uma publicação recente. Numa tarde chuvosa e abafada de fevereiro, a família Abreu recebeu o Versão dos Jornalistas para um batepapo sobre a trajetória de cada um: arte, política, religião e tecnologia, entre outros assuntos. Em uma conversa descontraída, revelou-se um pouco do espírito libertador e da insaciável vontade de discutir, seja qual for o assunto.

“D

ebater é bom, pode até ser o sexo dos anjos”, ressalta Santiago. A conversa, há pouco mais comedida, vai ganhando outro tom com o passar do tempo. As falas, que nem sempre estão de acordo, atropelam-se à medida que o assunto vai ficando acalorado. A discussão começa na política. O desenhista de humor, no escritório de casa, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, mostra um trabalho inacabado sobre o alinhamento à direita de Trump, Temer, Sartori e Marchezan. Após alguns minutos, discuti-se sobre religião. “Nem tudo se explica racionalmente”, enfatiza Luiz, que, assim como o irmão e filho, não acredita em Deus. “Ao invés de estimular a consciência individual, (a Igreja) tem a ideia do perigo”, critica Santiago. Amaro, o mais jovem deles, por vezes apenas observa o duelo ao seu redor. Reservado, costuma esperar sua hora de falar. Como ela não chega, joga-se na arena: “a única coisa que salva do crack é a igreja”. “Morro de medo de voltarmos para uma inquisição”, desabafa Santiago. Um ponto leva a outro, e a pergunta inicial foi até mesmo esquecida – o que gera alguns risos de todos. Sem que se perceba, passam duas horas. A Fotos: Arquivo pessoal

Amaro pintou o Muro de Berlim durante passagem pela Alemanhã, em 2014

Luiz começou a fotografar na década de 1970

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conversa, que chegara aos prós e contras do Facebook, é interrompida, pois Luiz precisa ir embora. Ele, que reside no Belém Novo, pediu para a entrevista ser feita na terça-feira, dia que vem ao centro para ajudar na edição do jornal Boca de Rua, feito por moradores de rua. CÍRCULO QUE SE FECHA Se hoje Luiz ajuda moradores de rua a ter sua própria voz, seus primeiros passos na profissão que escolheu foram dados com a ajuda deles, que aceitaram ser fotografados no início da década de 1970. Luiz é o segundo de cinco irmãos que nasceram em Santiago, no interior do Rio Grande do Sul. Filho de pecuaristas, mudou-se em 1968 para estudar na Capital. Tentou cursar Engenharia, mas não passou no vestibular. Conseguiu entrar em Química, mas não era o que queria. Pediu transferência para Belas Artes, mas tinha apetite por uma arte mais democrática. Neltair, quarto dos cinco irmãos, que acabou adotando o nome de Santiago, trilhou caminho parecido. Desembarcou em Porto Alegre em 1970, entrou no ensino superior em 1973. Acabou abandonando três cursos antes de decidir que queria trabalhar como desenhista. Para ele, a família contribuiu muito ao deixá-los escolherem o que queriam fazer: “meu pai e minha mãe, apesar de serem pessoas de pouco ensino, nunca fizeram qualquer imposição”. “A gente contestava tudo”, justifica Luiz sobre o abandono das faculdades. Ele, que chegou à capital na época em que a ditadura militar ficara mais rígida, ajudava a panfletar contra o regime autoritário. Até mesmo passou uma noite cercado pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) no centro acadêmico, no prédio de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Antes de ser fotógrafo da Folha da Manhã, atuou como monitor penitenciário. Ficou alguns meses no Presídio Central, sendo transferido para o Instituto Psiquiátrico Forense. “Aquela realidade humana e social extrema definiu os rumos de que tipo de fotografia eu queria fazer”, revela Luiz. “Ele é o sujeito mais radical no sentido de respeitar as raízes conceituais de seus valores. O que me parece ser uma característica da identidade da família, que é muito unida. Luiz é um profissional tecnicamente qualificado e comprometido com os cidadãos menos favorecidos. As suas fotos são um brado contra a desigualdade. Denunciam as injustiças e revelam a beleza adormecida”, elogia o jornalista André Pereira. MURO DE BERLIM Santiago é companheiro da jornalista Olga Pa-

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Foto: Douglas Roehrs/SINDJORS

Versão dos Jornalistas foi recebido pelo trio na casa de Santiago, no bairro Cidade Baixa, na Capital, para um bate-papo sobre arte e política, entre outros assuntos

checo, 64, com quem está junto desde 1978, e pai de Bernardo Abreu, publicitário de 35 anos, e Cátia Barreto, enfermeira de 37. Luiz está com a jornalista Rosina Duarte, 59, desde 1985. Da relação nasceu um único filho, Amaro, em 1989, ano da queda do Muro de Berlim. “Não me lembro de nenhum momento da vida que não estivesse ligado ao desenho”, ressalta o jovem, que abandonou Design após cursar um semestre e formou-se em Artes Visuais pela Ulbra, em 2016. Ele trabalha com diversas influências e cria seres híbridos ligados à natureza: “meu trabalho é como se fosse um planeta imaginário. A gente tem essa necessidade de sair um pouco da realidade”. “Quando entrou no curso, ele era disperso. Após realizar algumas viagens trabalhando com grafite, se envolver com estágio, ganhou uma maturidade incrível”, ressalta Renato Garcia dos Santos, coordenador do curso de Artes Visuais da Ulbra. Um dos momentos mais especiais da vida de Amaro foi em 2014, quando pintou nos arredores de Paris, na França, e no Muro de Berlim, na Alemanha. Esta última experiência, em especial, foi marcante. Apesar de saber que seu desenho seria

apagado, o simbolismo do ato transformou esse em um dos momentos mais representativos que vivera. DEU EM NADA Para Luiz, um dos momentos mais relevantes de sua vida foi quando abraçou a profissão de repórter fotográfico. Deixar o antigo emprego e trabalhar no que realmente lhe dava prazer significou um período de ruptura. “Todo mundo dizia que fotógrafo não dava nada”, lembra. “Realmente, deu nada”, emenda o irmão, entre risos. Santiago, multipremiado pelos seus trabalhos, sente saudade da época de correria diária da redação. Após muitos anos de estrada, lamenta que tenha dificuldade para conseguir uma editora. “O interessante é que ele pratica um humor universal, é compreendido aqui, na Turquia, no Canadá, seja onde for. Faz isso elevando ao máximo a qualidade do cartum e da charge. A piada dele é completamente surpreendente, original. É tão original que fica difícil até alguém imitar o estilo dele”, salienta Edgar Vasques, chargista e amigo de Santiago há mais de 30 anos. Para ele, o colega de profissão mantém uma essência de cara do interior, mesmo se tornando “civilizado”.

Santiago acredita que a família contribuiu muito ao não fazer imposições

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