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MARCO ZERO

Curitiba, dezembro de 2009

MARCO ZERO

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter • Ano I • Número 1 • Curitiba, dezembro de 2009 Claudia Bilobran

LENDAS URBANAS

Como Maria Bueno virou um mito

O túmulo de Maria Bueno é o mais visitado do Cemitério Municipal. Conheça esta história que permanece no imaginário do curitibano. Página 6

PERFIL

E o circo pegou fogo Liamir Hauer, autora dos livros O circo pegou fogo e Rescaldo, conta em entrevista sobre os seus personagens e o que mudou na cidade nos últimos tempos. Página 3

Onde Curitiba começou Apesar de estar na região onde se iniciou oficialmente a cidade de Curitiba, o marco zero é praticamente desconhecido dos habitantes da capital. Página 7

SEBOS

Um mundo a ser descoberto Páginas 4 e 5


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MARCO ZERO

EDITORIAL

RESENHA

Aos leitores

Notícias de uma guerra particular

Com este primeiro número, estamos lançando o Marco Zero, jornal-laboratório do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter). Se “educação de qualidade é a maior atração do centro da cidade”, como reza o slogan do Grupo Uninter, ressaltando a localização privilegiada de várias unidades do Grupo, o Marco Zero pretende fazer com que a informação de qualidade sobre o centro de Curitiba também seja uma atração para seus leitores. Como jornal-laboratório, o Marco Zero será um espaço para a prática dos estudantes e, portanto, sujeito a lacunas e falhas eventuais, normais nesse tipo de veículo, mas também às experimentações portadoras de novidades, sempre bem-vindas na formação de futuros jornalistas. As pautas envolvem a região central de Curitiba e buscam revelar informações, curiosidades, personagens e fatos menos conhecidos dessa área da capital paranaense. O Marco Zero mantém um canal aberto com seu público-alvo – gente que trabalha, mora ou transita pela área central de Curitiba – e acolherá críticas, comentários ou sugestões dos leitores. O contato pode ser feito pelo email: assessoriajr@grupouninter.com.br ou pelos telefones 2102-7953 e 21027954. Boa leitura!

Expediente O jornal-laboratório Marco Zero é uma publicação do Curso de Jornalismo da Facinter Coordenadordo Curso de Comunicação Social: Gustavo Lopes Professores responsáveis: Roberto Nicolato e Tomás Barreiros Redação: Regiane Silva, Letícia Lemos, Walter Voigt Bach, Cláudia Bilobran, Larissa Glass, Mariana Lima, Vanusa Pereira da Silva Concepção gráfica: Professor Roberto Nicolato

Facinter: Rua do Rosário, 147 CEP 80020-110 Curitiba-PR

Walter Voigt Bach Em meio aos filmes arrasa-quarteirões de origem nacional, alguns têm insistido em temáticas fortes, sendo ambientados em morros e favelas e apresentando a violência e o tráfico de drogas entre algumas situações barras-pesadas que suas personagens têm de suportar para sobreviver. Cidade de Deus (2002) e Tropa de elite (2007) são alguns exemplos. Cada uma à sua maneira, essas obras contam histórias pesadas, baseadas em aspectos da realidade brasileira que estão sempre presentes nos noticiários – combates entre traficantes e policiais, crime organizado e situações que se deterioram a cada década. Um documentário que não é tão conhecido e não deve ser esquecido é Notícias de uma guerra particular, dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund. Filmado no Morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, entre 1998 e 1999, Notícias de uma guerra particular aborda este mesmo assunto: como é a vida nos morros, quais os problemas que seus habitantes enfrentam, e quão complicada é essa situação. Porém, existem diferenças significativas nesse documentário que merecem ser destacadas. Em vez de uma construção em que se vêem os fatos pela ótica de apenas uma personagem, nessa obra são mostradas várias perspectivas: a do morador, a do policial e a do traficante, o que transmite uma visão muito mais realista dos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que busca uma forma de sobreviver, o traficante diz que “não quer machucar ninguém”. A impressão que se tem é que no seu modo de ver a atividade é como outra qualquer, com seus riscos e ganhos – mas muito maiores do que uma profissão regularizada. Ele faz o “serviço” – e é cobrado por isso –, mas se tiver que tirar a vida de um policial, é o que vai fazer. Entradas e fugas da prisão são comuns, e pessoas são iniciadas no tráfico desde crianças. Em entrevista com Leandro, de 14 anos, ele responde que só fez até a 3ª série, mas sabe o nome de várias armas usadas no “serviço”. Em outra cena, um jovem diz

que já assaltou e já assassinou. Quando a equipe do documentário pergunta se ele já matou um policial, ele responde: “Ainda não tive essa oportunidade”. Nota-se o que a vida no meio dessa guerra reserva para os mais jovens: nenhum estudo, nem futuro, apenas violência gerando violência para sobreviver. “Estou participando de uma guerra (...) mas volto para casa todo dia”, afirma o capitão Pimentel. Quando está equipado, é como se fosse invencível. Na guerra entre policial e traficante, não existe necessariamente um vencedor. Apenas quem fica vivo – para no dia seguinte encarar o combate de novo. É uma luta injusta, pois os oponentes estão com arsenal bélico mais potente que os policiais. De acordo com o capitão Pimentel, a família já nem pergunta mais como foi o dia. No meio desse fogo cruzado, está o morador do morro. Sem opção, acaba encontrando no tráfico alguém que o ajuda. Quando precisa de um remédio para o filho ou alguma outra coisa, a moradora recorre ao traficante, não a entidades assistencialistas. De certa forma, quem acaba ajudando a “comunidade” do morro é o bandido, pois o povo do tráfico faz “tudo que o governo não faz”, como respondem os presos aos berros. Se falharem com o pessoal que faz algo por eles, não quer dizer que estejam seguros pela proteção oficial, pois a polícia também representa uma ameaça. Uma moradora afirma: “quando o policial sobe no morro, vai preparado para agredir”. Enfim, Notícias de uma guerra particular é um documentário tão forte que pode chocar alguns espectadores, tamanho o caos da situação. Como citado anteriormente, o filme foi rodado em 1998-99. Considerando-se a história contada por traficantes, policiais e moradores, cabe a quem assiste imaginar o desenvolvimento desse círculo vicioso. A obra oferece uma visão assustadora, mas extremamente realista do que poderia ser chamado um mundo à parte – mas está no Brasil.

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BOCA NO TROMBONE O que você mudaria no centro de Curitiba? “Eu tiraria o trânsito do centro e deixaria somente nas proximidades”. Simone Lima “Eu colocaria mais policiais no centro, melhoraria a segurança, principalmente no Largo da Ordem”. Guilherme Pereira “Eu gosto do Centro, não mudaria nada”. Rafael Gonçalves Cordeiro “Eu fecharia algumas ruas, deixaria abertas somente para transporte público”. Flávio Manfré “Não mudaria nada, tá bom como tá!” Camila Oliveira “Eu limparia os orelhões, tiraria esses papéis horríveis que ficam colados neles e tiraria a Guarda Municipal”. Fernanda Lima “Eu colocaria teto na XV”. Jonas Milan “Faria rodízio de veículos pelo final da placa, pararia um dia os de final par e no outro os ímpares”. Daylon Henrique “Se fosse possível, eu mudaria as pessoas, aumentaria o policiamento, pegaria todos os usuários de drogas e os traficantes e internaria para tratamento”. Juliane Corominas “Não mudaria nada”! Erivaldo Felipe


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PERFIL

“O que aconteceu com Curitiba não é evolução, é retrocesso” Claudia Bilobran

Regiane Silva

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ascida em Curitiba, em 9 de março de 1923, a escritora Liamir dos Santos Hauer mudou-se para Paranaguá aos cinco anos de idade, juntamente com seus pais, os professores Pompilia Lopes dos Santos e Dario Nogueira dos Santos, que foram nomeados para lecionar na Escola Normal Dr. Caetano Munhoz da Rocha, no litoral. Liamir estudou em Paranaguá do Jardim de Infância até os 15 anos, quando se casou com o seu professor e diretor do Ginásio, Ernani Santiago de Oliveira, com quem teve dois filhos, Ernani Filho e Leilah. Após o casamento, Liamir voltou para a capital e, na década de 50, ao lado de seu marido, então prefeito de Curitiba, dedicou-se a diferentes atividades sociais e políticas, como convinha a uma primeira-dama. Passado esse período, Liamir foi classificada em concurso para o cargo de escriturária do quadro de serviços públicos do Paraná e começou a trabalhar na Biblioteca Pública e, posteriormente, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Em 1977, desenvolveu o gosto pela literatura e dedicou-se inteiramente a ela, tendo hoje cinco livros publicados (O circo, O circo pegou fogo, Do trapézio para o mundo, Pra lá de Marrakech e Rescaldo). Hoje, a biografia dessa notável mulher está sendo escrita pelo poeta e vice-presidente do Centro de Letras do Paraná, Paulo Walback, sob o titulo Mulher Araucária, Frente-Verso e Reverso. Por que mulher araucária? Mulher Araucária por sua fibra e grandeza, afinal, trata-se de é uma árvore impoente, que não se curva ao tempo. A seguir, a escritora fala sobre sua obra e a cidade de Curitiba. A senhora escreveu um livro autobiográfico, O Circo, em 1977. Qual o assunto abordado nele? Nesse livro, falo de minha vida, do tempo que vivi em Paranaguá, de como foi bom. Ele é dedicado a meu irmão, Dario, companheiro de uma feliz infância, cuja perda havia sido recente. Escrever esse livro me aju-

“Esses dias, fiquei por um tempo sentada na Rua XV e fiquei boba com as coisas que vi. Meninas com a barriga de fora naquele frio, mulheres grávidas com aqueles pircengs no umbigo...”

O seu livro O Circo pegou fogo fala dos escândalos de Curitiba. O que a senhora acha que mudou na cidade de Curitiba de ontem para a de hoje? Mudou barbaridade! Esses dias, fiquei por um tempo sentada na Rua XV e fiquei boba com as coisas que vi. Meninas com a barriga de fora naquele frio, mulheres grávidas com aqueles pircengs no umbigo... O que aconteceu em Curitiba não é evolução, é um retrocesso. Quais os escândalos de que a senhora fala em seu livro? Conto várias histórias, escândalos que aconteceram em Curitiba, só que uso nomes fictícios para não mexer com a imagem dessas pessoas. Mas quem conhece a história sabe de quem eu estou falando.

Todas as mudanças na cidade foram para pior ou há características boas que foram mantidas? Para mim, as mudanças foram para pior. Na verdade, as característidou a sair de uma depressão. Quais as lembranças que esse circas boas da cidade foram mantidas, o O que levou à escolha de O Circo co lhe traz? que mudou foi a índole das pessoas. para título de seu primeiro livro? Principalmente de meu irmão, Eu não poderia deixar de falar no que foi quem me ajudou a construíDepois de seu primeiro livro, a semeu livro sobre o circo que montamos lo. Não só ele, outras pessoas também nhora deixou de lado seu trabalho no quintal da chácara onde moráva- ajudaram, mas me lembra dele em escomo escriturária e se dedicou somos, em Paranaguá, com a colabora- pecial. Me lembro de nossas travesmente à literatura? ção da criançada. Foi ele que inspirou suras, da dificuldade para construí-lo, Na realidade, não deixei. Eu já eso titulo do meu livro. de como foi difícil carregar para casa tava aposentada, mas nem minhas amios sacos de serragem que buscávagas acreditaram que eu ia me dedicar a Como foi montar esse circo em mos cheios na casa de um amigo. escrever... Não que elas achassem que seu quintal? eu não tinha capacidade – elas sabiam A principio, tivemos que limpar O circo tinha bilheteria? que eu escreveria até uma enciclopéo quintal, carpir, rastelar. EscolheSim, graças a nossa imaginação. dia se fosse preciso –, mas, por eu ser mos essa área pelos bons galhos de Improvisamos com a tampa de uma elétrica, elas não acreditavam que eu ia goiabeira que tinha no local, essas privada aposentada amarrada entre as conseguir parar para escrever. Mas eu árvores muito resistentes cujos ga- árvores. Quando o circo estava aberme sentei durante cinco anos e me delhos, mesmo os mais finos, podem to, deixávamos a tampa levantada, e diquei somente a meu livro. ser dobrados até o chão sem lascar quando estava abaixado era porque ou quebrar. Esses galhos foram usa- estava fechado. Vendíamos entradas, Depois de sua dedicação à dos de trapézio e de corda bamba. que deviam custar 50 réis. Em cima literatura, às pessoas e à vida, qual Usamos até os lençóis de minha mãe da tampa tinha uma frase que dizia: é a sua maior recompensa? para construí-lo. Grande Circo Mirim! Minha vida é uma recompensa! Tudo o que fiz, o reconhecimento das pessoas pelas coisas de valor, minha Trecho do livro Do trapézio para o mundo liberdade... Meu terceiro casamento, com “Nessa época já havia punguistas aproveitadores da confusão para furtar Arnaldo Hauer, foi uma recompensa, nesses locais. Geralmente agiam em dupla: um pivete apalpava a nádega das assim como minha enteada, Ossy mulheres e, enquanto elas largavam a alça da bolsa para se defenderem, o Hauer, que mora comigo e é minha fiel outro a esvaziava num zás. Depois dessa, não descuidei mais da minha bolsa, companheira. Ela foi a grande herança poderiam apalpar meu bumbum à vontade...” que Arnaldo me deixou.


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DO ANTIGO AO CONTEM SEBOS

Em busca de raridades

Larissa Glass Num sebo, pode-se encontrar edições fora de circulação, livros raros, discos em vinil e até lançamentos usados a preços baixos, entre outras coisas interessantes. Devido à diversidade de produtos, os sebos atraem diferentes grupos de pessoas, como o colecionador como José Albano Fernandes Luiz, de Paranaguá, que sempre que possível vem a Curitiba e roda os sebos da cidade atrás de vinis e LPs para completar sua coleção de rock das décadas de 60 e 70. José Albano começou a colecionar discos aos 14 anos de idade e devido à mudança com o casamento acabou perdendo boa parte de sua coleção, que foi encontrar quase 30 anos mais tarde. Apaixonado por vinil, ele e sua esposa mantêm um tocadiscos na cozinha, onde escutam juntos os embalos da Jovem Guarda e dos Beatles, banda da qual ele possui quase todos os discos. Hoje, é possível encontrar diversos sebos na cidade. Alguns são mais populares, e seu foco são livros atuais e revistas. Há também os mais tradicionais, que mantêm oferecem peças mais raras, como é o caso do Sebo Arcádia, no centro da cidade. O estabelecimento conta com uma vasta opção, sendo possível encontrar desde os livros mais procurados a algumas peças raras. Para o proprietário João Nei de Almeida Barbosa, que trabalha há 12 anos no ramo, ter livros raros é um atrativo maior e acaba fazendo parte de um acervo. Se for pensar na parte financeira, não rendem muito dinheiro, pois a procura por essas peças é bem menor.

Mariana Lima Albano: “Venho a Curitiba completar minha coleção de rock dos anos 70”

Geralmente, são colecionadores que as procuram. A internet tem facilitado bastante o acesso. Os materiais vendidos no sebo são adquiridos de outros sebos que estão fechando ou de clientes que querem trocar ou vender seus produtos usados. Em seu acervo, a Arcádia conta com alguns livros autografados, como alguns de Juscelino Kubitschek, Clarice Lispector e as primeiras edições de Raquel de Queiroz, além dos importados, como uma obra de 1899, de Rainer Maria Rilke (Canção de amor e morte do Alferes Cristovão Rilke) em alemão. Este livro foi escrito em uma noite e foi o livro que tornou conhecido o autor. João Nei e sua esposa Adriana Chaiarelli, que também trabalha com ele, possuem uma coleção particular – ele na área de artes plásticas, e ela, de música.

Os discos de vinil, como a trilha do Festival de Woodstock, ainda são muito procurados nos sebos de Curitiba

Em Curitiba, existem mais de 30 sebos, onde se po de livros e CDs antigos até uma variedade de prod Mariana Lima

Andar pelos os corredores de uma loja de sebo é contemplar o passado junto com o presente. Dos clássicos ao contemporâneo, do brega ao cult, do trash ao intelectual. Pelos corredores, muitas vezes estreitos, dessas lojas, instaladas principalmente no centro de Curitiba, pode-se observar nas prateleiras altas uma infinidade de títulos de livros para todas as áreas e gostos, autores e temas diferenciados. “A leitura é um hábito viciante para quem gosta”, diz Cristiane Marques, 26 anos, frequentadora de sebos há seis anos. É uma sensação indescritível poder abrir um livro e sentir o

cheiro de um objeto velho e imaginar quais as pessoas que o leram, quais as mãos que o tocaram, e porque está escrita aquela dedicatória a tal pessoa e o telefone anotado. Os sebos vendem histórias nos livros “ensebados” pelas velas do passado e fazem a história do comportamento atual. Em Curitiba, existem mais de 30 sebos espalhados pela cidade, onde podem ser encontrados não apenas livros usados e raridades, mas também livros atuais, novinhos em folha. Eles estão localizados em regiões centrais, bairros antigos, centros históricos e até feiras ao ar livre, como por exemplo aos domingos no Lar-


MPORÂNEO Mariana Lima

a

ode encontrar de tudo: dutos inimagináveis go da Ordem. Embora o que esteja à venda sejam, principalmente, objetos usados, muitos proprietários de sebos têm-se utilizado de ferramentas modernas para divulgar seus produtos, seja por meio de lojas virtuais ou da “cibercultura”, com a troca de informações entre comunidades do Orkut. Nestas pode-se encontrar a história do dono de uma loja e comprar pela a internet produtos ou descobrir que um livro lido em Curitiba está sendo folheado em Maceió por outra pessoa de uma de cultura e clima diferentes. O mais antigo O sebo mais antigo de Curitiba, a “Feira dos Livros Usados”, existe há 65 anos e atualmente fica no centro,

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na Rua Emiliano Perneta, 325. Há 55 anos, é administrado por Irajá Souza Reis. Ele conta que desde os dez anos de idade acompanha a rotina do negócio de seu pai, o fundador, Claudio Luis Reis. Irajá lembra que entre os frequentadores do sebo que fazem parte da história da cidade, estão Dalton Trevisan, Jaime Lernner, Rocha Pombo e o próprio Emiliano Perneta. O sebo Feira de Livros Usados foi fundado em 1942 com o nome de “Agência Atômica”, numa referência à bomba atômica, e ficava na Praça Osório. Depois foi para a Rua Desembargador Westhephalen, com o nome de “Ao desaperto”, por causa do pós-guerra. “Alguns comerciantes vendiam livros para desapertar”, conta Reis. Depois, foi para a Rua Voluntários da Pátria e em segida se estabilizou na Rua Emiliano Perneta. Reis diz que no sebo os livros mais procurados são os clássicos da literatura brasileira, como Machado de Assis e José de Alencar. Hoje, não é difícil encontrar em Curitiba colecionadores de música, amantes da velha vitrola, que saem em busca daquele vinil raro de certo cantor ou banda. Procuram desde Beatles e Pink Floyd a Guilherme Arantes, Pepeu Gomes, Secos & Molhados e Roberto Carlos. Os colecionadores de CDs, DVDs, gibis, revistas e VHS também encontram nesses locais o seu espaço. Estudantes e apreciadores de arte procuram filmes, gravuras, quadros, camisetas de bandas, vitrolas e peças antigas para coleção, como miniaturas de desenhos animados antigos e manequins. Nessa mistura, é possível depararse com uma máquina de costura de ferro ao lado de mestre Yoda, de Guera nas Estrelas, junto com Bart Simpson e a camiseta da banda Kiss. Os sebos trazem de volta o passado, num complemento ao presente fragmentado. Para todos estilos e gostos.

Uma viagem pelo tempo

DICAS DE SITES

Claudia Bilobran

Claudia Bilobran Não é novidade para os apreciadores de uma boa leitura que os grandes livros estão nos sebos, lojas que só vendem livros antigos, obras raras, discos de vinil e coisas desse gênero. As livrarias modernas, que contam com ciber-cafés, computadores de última geração e livros novinhos em folha, além de oferecer um preço não muito camarada, muitas vezes não possuem um acervo tão rico e culturalmente interessante quanto um sebo. Todo sebo tem seu charme, seja pela música de fundo, pela decoração ou por aquele cheiro de papel antigo, amarelado e cheio de histórias para contar. Há aproximadamente uma década, era difícil adquirir uma obra literária rara, ou um livro técnico muito importante para o universitário. Porém, nos dias atuais, com a ajuda da internet e com a inclusão digital, tudo ficou mais fácil, pois os sebos também aderiram à era digital. Veja algumas dicas de sites de sebos virtuais: http://www.estantevirtual.com.br http://www.traca.com.br http://www.sebol.com.br http://www.sebosonline.com http://www.reler.com.br http://www.tabernalivraria.com.br http://www.espacodolivro.com.br http://www.sebopapirus.com.br http://www.livrariacultura.com.br

“Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu próprio corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.” Jorge Luis Borges

A origem dos sebos Os sebos surgiram no século XVI, na Europa, quando os mercadores começaram a vender a pesquisadores papiros e documentos importantes da época. Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, esses mascates eram chamados de alfarrabistas (alfarrábio significa livro velho e raro), nome que os acompanha até hoje em países como a França e a Bélgica, onde essa atividade é considerada essencial para historiadores e pesquisadores.

O nome sebo vem do tempo em que não havia energia elétrica, e as pessoas liam à luz de velas, sujando e engordurando os livros. O contato com as velas deixava o livro todo engordurado, ensebado, o que originou a expressão sebo para o comércio de livros usados. Os primeiros sebos no Brasil foram montados por intelectuais no Rio de Janeiro, no final do século XIX, e logo se espalharam pelo território nacional.


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LENDAS URBANAS

Maria Bueno: verdade ou crença popular? Claudia Bilobran

Vanusa Pereira da Silva

Maria da Conceição Bueno, conhecida popularmente como Maria Bueno, nasceu no dia 8 de dezembro de 1854, dia de Nossa Senhora da Conceição, daí o nome Maria da Conceição. Sua história é envolta em mistérios desde o seu nascimento. Conta-se que, quando grávida, sua mãe, Júlia, teve a visão de uma santa que dizia que seu bebê seria uma menina com uma missão muito importante. Mas, diferentemente da tradicional vida de santa, Maria Bueno veio jovem para Curitiba e, contrariando os costumes da época, frequentava bailes e festas, circulando pela cidade. Teve vários envolvimentos sentimentais, despertando paixão num soldado do Exército, Ignácio José Diniz, com quem viveu sem se casar legalmente A morte São muitas as histórias em torno da morte de Maria Bueno. Ela foi assassinada na noite de 29 de janeiro de 1893, com 28 anos, quando passava por um matagal na rua Campos Gerais, a atual Vicente Machado, entre as ruas Visconde de Nácar e Visconde do Rio Branco, zona do meretrício na época. Teve a cabeça e as mãos quase separadas do corpo a navalhadas, por Ignácio José Diniz. Motivo? Ciúmes. Segundo relatos dos seus fiéis, Maria Bueno foi morta ao resistir à tentativa de Diniz de estuprá-la, quando voltava de seu trabalho como lavadeira. Já seus difamadores afirmam que Diniz, seu amante (já que ela não era casada, nem ele era seu marido), a teria proibido de ir ao bordel naquela noite. Ela desobedeceu. Como castigo, foi assassinada. José Diniz foi preso, julgado e… absolvido. Por ser prostituta, segundo alguns, os padres da Matriz recusaram-se a enterrá-la. Missa? Muito menos. A princípio, seu tú-

Túmulo de Maria Bueno no Cemitério Municipal de Curitiba

A repercussão da morte de Maria Bueno chamou muito a atenção na época pelo fato de ter sido o primeiro crime passional de Curitiba mulo era comum, sem capela, no mesmo cemitério Municipal São Francisco de Paula. Contava apenas com cimento e uma pequena placa. Outro motivo da recusa dos padres seria por Bueno ser praticante de outra religião. Canonização Embora muitas pessoas digam que Maria Bueno tem operado milagres, segundo Jadir Pessette Buzanello, integrante da irmandade Maria da Conceição Bueno, o processo de canonização tem um custo muito alto e teria de ser iniciado por uma organização com provas escritas e científicas dos milagres. “Milagres acontecem todos os dias e a irmandade já pensou em iniciar este processo, mas as despesas dependeriam de doações e são poucas. Nem sede temos ainda “, diz Jadir. Ele afirma que, na visão da Igreja, Maria Bueno era “mulher de

vida fácil”, o que ele considera uma forma preconceituosa de qualificála, já que ninguém sabe verdadeiramente a profissão de Maria Bueno e, mesmo que fosse uma prostituta, esse fato não deveria ser considerado, já que Maria Madalena, santa abençoada por Jesus e reconhecida pela Igreja, foi prostituta. O culto a Maria Bueno A repercussão da morte chamou muito a atenção na época pelo fato de ter sido o primeiro crime passional de Curitiba. Até então, não havia registro de um crime como esse. Chocada, a população, por curiosidade ou comoção, começou a frequentar o túmulo de Maria Bueno. Logo, começaram a surgir as primeiras placas de agradecimentos colocadas por fiéis que diziam ter sido agraciados por Maria Bueno. Em 1962, foi inaugurada na

primeira Rua do Cemitério São Francisco de Paula a capela de Maria Bueno, onde estão até hoje seus restos mortais. Há na capela uma imagem em tamanho real, local para se acenderem velas à alma de Maria Bueno e para oração. Santa ou não, no feriado de Finados, segundo a administração do cemitério, o túmulo de Maria Bueno recebe em média 3 mil visitantes por dia. O muro em frente à capela está quase tomado por placas de agradecimentos, com datas que vão de 1983 até os dias atuais. Fiéis de todo o Brasil e do exterior frequentam o túmulo, aberto todos os dias. Os fiéis O túmulo de Maria Bueno é frequentado por devotos de todas as idades e classes sociais, mas há boatos de que os devotos mais fervorosos são infratores e foras da lei que diante do túmulo costumam relatar seus crimes e pedir proteção. Reza a lenda que, por ter sido assassinada por um policial, Maria Bueno tenha se tornado adversa a policiais e homens da lei, tornandose defensora e protetora dos bandidos e infratores. Tal ideia é contrariada pelo fato de sua capela e a irmandade Maria da Conceição Bueno serem gerenciadas por Dona Lenira, policial investigadora aposentada. Devoção ou desespero? Diante da muitas crises do mundo de hoje, o povo anda em busca de consolo espiritual e cria suas próprias devoções. Assim, no mesmo cemitério, na mesma rua onde se encontra o túmulo de Maria Bueno, já se iniciou um novo culto. A nova “santa” é a menina Eunice Taborda Ribas, nascida em 15 de janeiro de 1923 e falecida aos seis anos, em 20 de julho de 1929. Já podem ser encontradas no túmulo da menina as primeiras placas de agradecimento. O motivo da devoção ainda é um mistério.


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SERVIÇO PÚBLICO

TRILHAS DO TEMPO

Marco Zero de Curitiba é pouco conhecido

Hamilton Júnior

Agência do Trabalhador Rua Pedro Ivo, 744 Fones: (41) 3883-2200 • 3883-2500 Horário de atendimento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h. Site: http://www.setp.pr.gov.br A Agência do Trabalhador conta com atendimento para informações e encaminhamento do seguro desemprego, além de intermediação de mão de obra para serviços temporários ou efetivos. Ministério do Trabalho Rua José Loureiro, 574 Fone: 3219-7700 Site: http://www.mte.gov.br Ministério da Fazenda Rua João Negrão 246 6º and. Fones para Curitiba e Região Metropolitana: 3350-5009 • 3222-5863 (ligação local) Fone para outras localidades: 0800-41-1528 (ligação gratuita). Atendimento de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h. Site: http://www.fazenda.pr. gov.br Delegacia da Mulher Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 480 Fone: 3223-5323

Marco Zero, na Praça Tirantes foi o local onde nasceu oficialmente a cidade de Curitiba

Poucas são as pessoas que param para observar as informações contidas nos locais públicos de Curitiba Letícia Lemos

Apesar de estar na região onde se iniciou oficialmente a cidade de Curitiba, o marco zero ainda é praticamente desconhecido dos habitantes da capital paranaense. Além da falta de conhecimento, um dos pretextos para isso é a correria do dia a dia, pois a maioria das pessoas não pára para observar as informações que constam nos locais públicos. A estudante de radiologia Alana Silva, 22, disse que não sabia onde fica o marco zero da cidade e que na escola os professores nunca haviam falado no assunto. Mas gostou de saber que um local tão importante está tão próximo dela. Apesar de sempre passar pela Praça Tiradentes, a cabeleireira Maria Carolina, 52, também desconhece o monumento. Para ela, o governo deveria divulgar mais o patrimônio histórico da cidade. O marco zero de Curitiba fica na Praça Tiradentes, que teve outros dois nomes: Largo da Matriz e Largo Dom Pedro II, este último em homenagem ao imperador, que visitou a cidade em

1880. Logo no ano seguinte, passou a ser nomeada Praça Tiradentes em consequência do regime republicano. Na região, há um monolito histórico com a Cruz de Cristo, que simboliza o poder legalmente constituído pelo rei de Portugal no dia 29 de março de 1693, dia do aniversário da cidade. Reforma A praça passou por uma reforma no ano passado cuja maior intervenção foi no piso, que já estava deteriorado devido às raízes expostas das árvores, causando problemas de acessibilidade. O novo piso de concreto foi elevado cerca de cinco centímetros, fazendo com que as raízes das árvores não o atinjam. A iluminação foi reforçada, melhorando a segurança da população. A dona de casa Ana Carvalho, 41, disse estar muito feliz com a reforma, pois antes tinha medo de passar pelo local em virtude dos altos índices de criminalidade e hoje traz os amigos de fora da cidade para ver o marco zero. A Praça Tiradentes possui o desenho original do século XX, que

foi mantido. O trabalho de reforma teve o acompanhamento de um arqueólogo, que orientou a renovação sem tirar a originalidade do local. O formato dos canteiros, visto de cima, lembra uma estrela com uma rosácea no centro da praça. Segundo a funcionária pública Genilda Soares, 45, que faz a limpeza da praça há cerca de seis anos, a reforma ajudou muito no seu trabalho, pois está conseguindo conservar mais o jardim. Ela diz que as pessoas estão colaborando, e que antigamente haviam muitos drogados que permaneciam o dia todo no local, dificultando seu trabalho. O mesmo afirma seu colega de trabalho Carlos Paulo de Godoy, 51, que há cerca de seis meses faz a limpeza da região, de segunda a sexta-feira, das 9 horas da manhã até as 17h30min, cuidando do jardim. “Tenho muita satisfação em trabalhar aqui na praça. É um ambiente gostoso, com pessoas que respeitam nosso trabalho”. Godoy faz apenas um reparo: “Acho que a única coisa que está faltando é um banheiro público”.

Delegacia de Polícia Civil Cepol - Centro de Comunicações Av. Pres. Getúlio Vargas, 430 - Rebouças Fone: 3324-3020 Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania Palácio das Araucárias Rua Jacy Loureiro de Campos S/N - 2º andar. Fone: 3221-7200 Delegacia de Homicídios (Denúncias) Avenida sete Setembro, 2007 Fone: 3363-0121 Guarda Municipal R. Pres. Faria 451 Fone: 3222-8010 Serviço Municipal de Homeopatia Av. Mal Floriano Peixoto, 250 - 6º andar Fone: 3321-2777 Instituto Médico Legal (IML) Av. Visc. de Guarapuava, 2652 Fone: 3281-5600 Unidade Municipal de Saúde da Mulher Av. Mal Floriano Peixoto, 250 Fone: 3232-5411 Hospital de Clínicas R. Gen. Carneiro, 181 - Alto da Glória Fone: 3360-1800 Liceu de Ofícios Fone: 3321-2645 Site: http://www.fas.curitiba.pr.gov.br Horário de atendimento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h. Rua da Cidadania - Matriz - Praça Ruy Barbosa Fone: 3323-4474 Fax: 3324-2552


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ENSAIO

Cenas do cotidiano Texto e fotos de Claudia Bilobran

O jornal Marco Zero registrará as cenas do dia a dia do centro de Curitiba. Mostrará a rotina das pessoas que passam pelas ruas e avenidas e dos que moram em bancos ou sob marquises. Imagens curiosamente engraçadas, ou tristes, porém que revelam a realidade e os costumes dos caminhantes e moradores da região central da cidade.


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