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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO UNINTER - ANO VI - NÚMERO 44 – CURITIBA, AGOSTO/SETEMBRO DE 2015 Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Confira nesta edição especial do jornal Marco Zero uma série de reportagens sobre manifestações populares, incluindo o movimento Diretas Já, na década de 80, e as reinvindicações dos movimentos feministas e do segmento LGBT.


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Número 44– Agosto/Setembro de 2015

OPINIÃO

A corrupção ideológica

Ao Leitor Esta edição especial do jornal Marco Zero resulta de uma proposta interdisciplinar desenvolvida com os alunos do último período de jornalismo, no primeiro semestre de 2015. O ponto de partida foi a temática “manifestações populares”, buscando revelar seus aspectos históricos e atuais. Os assuntos escolhidos foram as manifestações pelas Diretas Já, na década de 80, a terceirização e os movimentos feministas e LGBTs. A ideia foi justamente resgatar acontecimentos importantes da história do Brasil, como o processo de redemocratização, para que não sejam esquecidos, e revelar que, apesar dos avanços, muita coisa ainda precisa ser feita para garantir os direitos, principalmente das minorias. O trabalho envolveu as disciplinas História Contemporânea do Brasil, Planejamento Editorial e Veículos especializados. Boa leitura!

Equipe Marco Zero

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divulgadas pela imprensa. A chamada “corrupção ideológica” é a pior maneira de combater a própria corrupção, pois tira o foco de maneira a generalizar quem realmente são os verdadeiros algozes deste dilema e introduz um sentimento de impotência, o que só faz aumentar o descrédito na humanidade. No Brasil, estamos vivenciando um clima de depressão social, estimulado por grupos que pouco são afetados por ela. Utilizam-se de um discurso baseado no senso comum e o transmitem aos quatro cantos como verdades irrefutáveis de uma realidade que não os atinge, pelo menos de forma direta, pois esses arautos não representam quem verdadeiramente sofre com a corrupção. Toda vez que se generaliza algo traduz-se um preconceito embutido, mas que, na maioria das vezes, não o identificamos por estar apoiado em bases do senso comum do que é certo ou errado. Talvez esse seja o grande paradigma a ser superado por nossa sociedade: entender que cada caso é um caso, e discerni-los é tarefa que exige um exercício diário de atenção, informação e reflexão. Porém, para que isso aconteça, ainda temos que fazer uma verdadeira revolução na educação e cultura, e na forma de ver e entender nossa sociedade como algo mais complexo do que simplesmente rotular de forma taxativa de que somos um povo e uma nação corruptos. André Rodrigues

Na Praça Tiradentes, bem em frente à Catedral, está o Marco Zero de Curitiba, que oficialmente é tido como o local onde nasceu a cidade, além de ser o ponto de marcação de medidas de distâncias de Curitiba em relação a outros municípios. Ao jornal Marco Zero foi concedido este nome, por conter notícias e reportagens voltadas para o público da região central da capital paranaense.

ditar que elas são transferidas a um comportamento em escala maior, Wiliam só que, neste caso, seria nivelar por Lenerneier baixo, pois, por mais parecidas que sejam, são diferentes em suas essênA verdadeira face da democra- cias. Talvez o que está em discussão cia advém da diversidade de opiniões com relação a qualquer assunto: não seja necessariamente a corpolítica, religião, sexualidade, etc. rupção em si, mas a falsa ideia de Porém, o fato dessas opiniões se- que tudo e todos participam dela. rem manifestadas não implica que Mesmo assim, somos impelidos não possam ou não devam ser con- a acreditar nisso. Reproduzir um testadas. Todo argumento por mais discurso de forma sistemática e simples que seja tem que ser funda- repetitiva, sem inteirarmos rementado de maneira que demonstre almento do fato, nos leva a crer numa falsa verdade, ou a sensação a base na qual foi idealizado. Ao expressar ideias do senso de que não somos capazes de discomum sem ir mais longe, no sen- cernir o certo do errado. É aí onde se esconde toda a tido de aprofundar o que está sendo dito, Dizer que o outro é tirania do discurso corre-se o risco de corrupto nos reme- generalizado, não deixando margem a repetir o mais do te a uma reflexão questionamentos ou mesmo. E é aí onde prova ao contrário se escondem as la- de que o processo cunas não preenchi- de corrupção nunca do que se propala. Atualmente, ideias das do paradigma da vem sozinho. falsas são amplacorrupção no Brasil, mente divulgadas o que nos leva a fazer uma reflexão mais profunda nos meios de comunicação e nas sobre qual é a verdadeira origem da redes sociais, porém a origem e os motivos têm um viés político e mesma, se é que isso é possível. Alegar que temos uma herança partidário, escondidos em pensahistórica seria uma forma reducio- mentos fascistas e desestabilizannista de justificar o fato. De outro tes do sistema. Dizer que o outro é corrupto modo, ao sustentar o argumento de que corromper faz parte da natureza nos remete a uma reflexão de que o humana também estaríamos usando processo de corrupção nunca vem de um expediente no mínimo raso. sozinho, pois existe toda uma rede As pequenas corrupções, aquelas do que o sustenta e alimenta, e que dia-a-dia, talvez nos levem a acre- não aparece na fachada das notícias

O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter

Diagramação: Leila de Paula

Uninter - Campus Tiradentes Rua Saldanha Marinho 131

Coordenador do Curso de Jornalismo: Guilherme Carvalho

Projeto Gráfico: Cíntia Silva e Letícia Ferreira

80410-150 |Centro- Curitiba PR

Professor responsável: Roberto Nicolato

E-mail comunicacaosocial@uninter.com.br

Telefones 2102-3377 e 2102-3380.

Aislynn Moraes Denise Becker

O que você acha das manifestações de ruas que ocorrem no Brasil? Considero muito importante. Acho que o povo precisa manifestar suas opiniões e ideias, principalmente quando se refere à questão de governo, de Jefferson San- saúde pública, etc. Nós devetos, gerente mos determinar as ações, somos os “patrões”. A maioria diz que “é do povo, pelo povo e para o povo”, mas na verdade, eles governam por interesses próprios. “Manifestações são válidas desde que tenham o seu objetivo focado em alvos sólidos e únicos. Evelton Galli, Infelizmente a microempre- maioria dos brasário sileiros saem a campo sem saber exatamente sobre o que protestar e isso acaba fazendo a grande maioria cair em descrédito” “Acredito que as manifestações são um exercício da democracia, promovem um debate mais amplo sobre a real situação do país, além de uma maior Kamila Oliveiparticipação nas ra, redatora decisões. Estimulam a população a conhecer o contexto e motivos que levaram as pessoas às ruas, principalmente suas reivindicações, bem como os desdobramentos dessas ações.” “As manifestações relacionadas a impeachment são resultado de interesses políticos e acho que a população é manipulada pelas mídias; as pessoas Weslley sabem o motivo Jaguszewski, de determinada analista de Informações m a n i f e s t a ç ã o , mas não têm o conhecimento das implicações futuras (quem assume em caso de impeachment, por exemplo).


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PERFIL

A dura luta de um LGBT

Militante foi responsável por escandalizar o código de conduta do Exército Miranda

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Foi no ano de 1973 que o interesse por pessoas do mesmo sexo deixou de ser tratado como uma doença psiquiátrica

História de violência

No Brasil, devido à condição política do país após o golpe que instaurou a ditadura militar, o movimento LGBT ganhou força somente na década de 90, e ainda assim com custo alto, como pontua a psicóloga Célia Mazza. “Parece pouco tempo e já muito tempo atrás. As pessoas tinham um preconceito muito forte, até com quem trabalhava, com quem era diferente do heternormativo. Tanto que só em 1999 saiu uma resolução do Conselho de Psicologia dizendo que não pode fazer tratamento de homossexualidade”, relembra. A história dos homossexuais não é marcada apenas pela violência na rua. Grande parte das pessoas desse grupo sofrem perseguições por parte da família, dentro de casa mesmo, motivadas pelos princípios religiosos e morais do grupo familiar, que em alguns casos não aceitam e muito menos respeitam sua orientação sexual. O período escolar costuma ser também bastante violento, devido à prática do bullyng.

Capa de revista

A agressão, principalmente física, é um risco grande para quem se assume homossexual. Se for militante então, os riscos crescem ainda mais. Márcio Marins, coordenador da ONG Dom da Terra Afro LGBT que o diga. Ele foi o responsável por escandalizar o código de conduta do exército que repudiava a relação entre soldados e que, ao sair como capa da extinta revista Manchete com o tema, causou a mudança desse artigo do código, e sofreu retaliações por parte da instituição e também da sociedade. Ele precisou mudar de cidade e se instalou em Curitiba. Aqui logo se envolveu com a militância e em 2006 sofreu, junto de seu companheiro, um caso de violência por conta da homofobia. Ele conta que dois homens e uma mulher abordaram eles na região central e começaram com uma sessão de chutes e socos acompanhadas de

Marins na capa da extinta revista Manchete e hoje como presidente da ONG Dom da Terra Afro LGBT

ofensas e xingamentos por conta da orientação sexual. Visivelmente marcado, ele afirma que é um dia que nunca vai esquecer. Jussara Cardoso atua como militante no movimento LGBT e também na Marcha das Vadias. É também vítima de constantes ameaças por conta de sua assumida bissexualidade. Então, quem permanece com um relacionamento escondido, se descoberto corre riscos, como também aqueles que expõe sua luta por direitos. As relações afetivas entre homens causa um maior desconforto. Márcio aponta uma das possíveis causas para isso: “as lésbicas costumam ser erotizadas pela indústria pornográfica, e isso criou um fetiche na sociedade. O casal de homens não, ele é amplamente discriminado” pontua. Foto: Divulgação

difícil afirmar exatamente desde quando a homofobia existe. No Brasil, diversos autores dão conta de que o início da colonização foi marcado pela presença de relações homossexuais entre os índios aqui encontrados. A discriminação quanto à prática se deu ao longo de anos de doutrinação por parte da Igreja que, como podemos ver, criou uma atmosfera de violência e intolerância para com as minorias. Outro ponto que tem peso na criação desse ambiente era o tratamento da homossexualidade como uma patologia clínica. Foi no ano de 1973 que o interesse por pessoas do mesmo sexo deixou de ser tratado como uma doença psiquiátrica, tendo, em 27 de maio, sido excluída do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), data que posteriormente ficou marcada como o dia da visibilidade homossexual. O grupo que compõe a sigla LGBT, ou seja, os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais foram vistos por muito tempo como pecadores e doentes. Mesmo com a exclusão da homossexualidade do DSM, o preconceito e a ignorância ainda recaem sobre aqueles que se percebem dissidentes do padrão heteronormativo. Em um cenário bastante parecido, há 50 anos, surgiu o primeiro evento para dar visibilidade aos homossexuais. Foi no ano de 1970 que um grupo organizou a primeira “Parada do Orgulho Gay” nos Estados Unidos, após um episódio de violência em um bar, na cidade de Nova Iorque, chamado Stonewall Inn. Com frequência, policiais iam até o estabelecimento que era frequentado pelo público gay, e desrespeitava as pessoas no local. Um cliente se irritou com a perseguição e reagiu. A Parada surge como forma de dar mais visibilidade aos direitos dos LGBTs, que está assegurado em lei, chamar atenção para a quantidade de pessoas ho-

Foto: Divulgação

Heloisa

mossexuais a fim de garantir políticas públicas que beneficiassem a população LGBT, bem como demonstrar o quadro de violência ao qual estão expostos. As principais reivindicações do movimento atualmente são o direito ao casamento, a luta contra o preconceito e homofobia.

Jussara Cardoso afirma ser vítima de preconceitos por ser bissexual

A parada gay em Curitiba Não se sabe ao certo qual foi a primeira parada gay do Brasil. Curitiba está entre as cidades que podem ter sido a primeira a sediar um evento do gênero. Isso em janeiro de 1995, quando a região central foi tomada por um público de mais de 500 participantes, composto por 40 grupos da militância, que utilizaram dois carros de som para dar voz ao seu discurso. No mesmo ano, um evento de maior visibilidade e com as mesmas características foi realizado no Rio de Janeiro. A proposta de ser um evento anual, diferencia o movimento e fortalece a questão de celebração do orgulho e da visibilidade. Jussara Cardoso, 27, bissexual e estudante frequenta o evento desde 2005. Neste ano, ela teve a oportunidade de ir a Parada da Diversidade de São Paulo, realizada no dia sete de junho, na capital. Na ocasião, a transexual Viviany Beleboni encenou a crucificação e causou polêmica nas redes sociais. Segundo a estudante, o evento em São Paulo celebra mesmo a diversidade. "Não tem comparação entre a parada daqui e a de lá. Eu senti que era um dia que as pessoas saíam para a rua sem medo da homofobia. Estavam ali para celebrar. Aqui (em Curitiba) foram três trios elétricos no ano passado, lá tinha 18!" comenta ela. Wellington Paiva é o atual coordenador da Associação Paranaense da Parada da Diversidade (APPAD), entidade responsável pela organização do evento

na capital. Ele conta que ao longo dos anos, a parada realmente ganhou uma conotação mais festiva – principal crítica por parte de quem é contra o evento - mas que ainda assim é um ato político. “A parada cresceu muito, por isso tem todo tipo de público. Algumas pessoas costumam criticar e dizer que perdeu o efeito político, eu defendo que esse efeito se mantém. E também virou uma festa. E mesmo festa é um ato político, porque fechar uma rua no centro de Curitiba - uma cidade extremamente preconceituosa e conservadora- uma rua importante, no Centro Cívico, onde estão os três poderes, e fazer festa para gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual é um ato político enorme” afirma Paiva. Com as recentes polêmicas causadas pelo fundamentalismo religioso, e vêm batalhando por retirar os direitos conquistados pelo grupo, as ONGs envolvidas com a luta LGBT viram a necessidade de diminuir o número de trios elétricos no evento para disseminar mais a ideia política da marcha do que, de fato, comemorar a visibilidade. Um ponto bastante interessante é que ao longo dos anos de realização da Parada da Diversidade não há nenhum registro de ocorrência durante o evento. “Ano passado saiu uma nota da URBS parabenizando a Parada da Diversidade por ser o único evento grande da cidade que não há depredação de ônibus, fato registrado até na Marcha para Jesus”, conta o militante.


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ESPECIAL

Quando o “sexo frágil” não foge à luta

As lutas pelo direito da mulher de decidir sobre o seu próprio corpo e igualdade de direito no mercado de trabalho estão longe de terminar Maria Cecília Eduardo é formada em Ciência Política e sua Emanoela Merlin área de pesquisa é a participação feminina na política. Ela acredita que a mulher deve tanto se interessar por política, quanto Fernanda participar. “Quanto mais pesFogaça soas se engajarem nos assuntos públicos, melhor. As mulheres têm ganhado cada vez mais esPriscila paço no campo político, o que Lopes é uma conquista. Claro que isso está ocorrendo de maneira muito acanhada, mas existe sim uma Alguns temas polêmicos melhora. A política das cotas permeiam as discussões femipartidárias, por exemplo, conninas na atualidade, como o tribui muito para esse aumento direito de decidir sobre o próquantitativo”, salienta a pesquiprio corpo, a participação na sadora. política, igualdade no mercado O assunto das cotas de gênede trabalho e até assuntos mais ro na política recentemente foi brandos, entre eles o direito da tema de discussão na Câmara mulher amamentar em público de Deputados e os resultados sem constrangimentos. não foram positivos. As cotas Apesar da maior inserção da existem no Brasil desde 1995. mulher no mercado de trabalho, Entre ajustes, o país adotou a ainda hoje elas sofrem com a discota mínima de 30% e máxima criminação de gênero no ambiende 70% para cada sexo na lista te profissional. Além dessa pardos partidos políticos aos níveis ticipação menor, dados afirmam municipal, estadual e federal. que o sexo feminino ganha cerca Em 2010 a lei passou a ser obride 25% a 30% menos que o hogatória, porém, não foi especimem, segundo dados do Dieese. ficado nenhum tipo de punição Essa discriminação muitas vezes para os partidos se deve ao fato de que desrespeitaque a mulher está rem a condição. mais suscetível a faltar ao serviço Pesquisas têm aponta- Simplesmente, se os 30% não por conta de seus do que nossa popula- forem preenchifilhos, além do dos por mulherisco de gravidez ção não vê problema res, não serão durante o contrato. em votar em mulher completados Quando o ascom homens. sunto é a partiCom isso, a participação fecipação na política, talvez o minina nas bancadas raramente resquício de uma sociedade passa dos 10%. Para tentar corpatriarcal revele ainda um tanrigir essa falha, foi acrescentato de preconceito para com o da uma emenda na proposta de tema e, principalmente, em rereforma política, a PEC 182/07, lação as mulheres que desejam em que as mulheres pediam a ingressar nessa área. Mas essa aprovação da reserva obrigatórealidade, aos poucos, está ria de 15% das vagas para elas. mudando, pois a luta pelo diNo mês de junho a proposta reito da participação feminina foi votada e rejeitada na Câmanos debates de interesse da sora. Para ser aprovada, a emenda ciedade vai além do poder do precisaria de 308 votos, mas 293 voto. deputados foram a favor, 101 A mulher não quer ser remanifestaram-se contra e 53 se presentada no parlamento, ela abstiveram. quer participar. Apesar de tíDe acordo com Cecília, a apromido, o envolvimento do sexo vação das cotas seria um imporfeminino política tem aumentante avanço. “Como a política é tado ao longo dos anos. E com uma área ainda de domínio masisso, políticas públicas estão culino, as mulheres ficam com o sendo desenvolvidas para que percentual menor. Acredito que haja mais participação, como as cotas sejam uma medida nea criação de órgãos específicessária para o processo de incos para discutir esse tema. O clusão da mulher na política”, Conselho Nacional dos Direiacrescenta. O argumento usado tos da Mulher e a Secretaria pelos deputados que votaram de Políticas para Mulheres são contra foi de que se aprovassem dois exemplos.

Priscila Lopes

Para Larissa, o desconforto de ser vista amamentando seu filho não foi dos clientes e sim da gerência.

a cota para mulheres, mais tarde teriam também que introduzir cotas para outros segmentos da sociedade. Ainda de acordo com Maria Cecília, o sistema político brasileiro ainda não contribui como deveria para a participação da mulher. Segundo a pesquisadora, isso é reflexo de uma sociedade conservadora e machista. “Pesquisas têm apontado que nossa população não vê problema em votar em mulher. A questão é que para alguém assumir um cargo político, isso significa que outro alguém vai deixar de ocupá-lo. A dificuldade não é o preconceito, é a disputa pelo poder”, finaliza Cecília.

Direito Natural

Paralelo à conquista de direitos e inserção no mercado de trabalho, a mulher ainda luta pelo direito mais natural que lhe foi dado, o direito de amamentar em público. Na primeira vez que Tatiana Wendt, 32, foi almoçar fora de casa após o nascimento do seu primeiro filho, a gerente do restaurante pediu que ela fosse para outra sala amamentar, pois alguns clientes estavam olhando. “Se ela tivesse falado que era pra eu ficar mais à vontade, seria uma coisa, mas não, ela falou: ‘as pessoas estão olhando´. E eu não vi ninguém olhando. Acho que foi o restaurante que agiu com preconceito. Eu respondi que

A luta pelo direito da participação feminina vai além do poder do voto estava bem confortável ali e não iria sair, e ela falou novamente ´que eu poderia estar constrangendo os outros clientes’”. Apesar do constrangimento que passou, Tatiana, se recusou a trocar de sala e quando terminou o almoço, fez uma reclamação na página do Facebook do estabelecimento, e teve como resposta uma mensagem privada de pedido de desculpas. Ainda incomodada com a situação, em agosto de 2014 ela participou do “Mamaço” que teve como ponto de encontro o Jardim Botânico e reuniu cerca de cem mães, empenhadas em incentivar a amamentação. O movimento também pedia pelo direito de amamentar em público, e como forma de protesto, trocaram a foto do perfil na rede social por uma onde elas amamentavam. Em Curitiba, há um projeto de lei na Câmara Municipal chamado “amamentar é um direito”, baseado na lei da cidade de São Paulo. Se aprovada, a lei prevê multa no valor de R$ 500 com possibilidade do valor dobrar, se o estabelecimento público ou privado fazer a proibição a mãe

por uma segunda vez enquanto ela alimenta seu filho. Larissa Martins, 23 anos, não sofreu nenhum tipo de reprovação ao amamentar seu filho de três meses e não tem a preocupação de se cobrir para “não constranger as pessoas”, e considera exagero as mães que cobrem totalmente, até as crianças. “Eu percebo que quando estou amamentando, a maioria dos homens finge que não vê, disfarçam, olham para outro lado. Já as mulheres têm atitude contrária, olham, mas não com olhar crítico, e sim com um olhar materno, como se ficassem encantadas”, conta a mãe de Guilherme. As duas mães acreditam que a lei vai estimular outras mães a amamentarem, uma vez que elas acreditam ser algo natural e criar um elo entre mãe e filho. Arquivo pessoal

Tatiana acha exagero as mães que cobrem inclusive as crianças.


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ESPECIAL Giselle Durigan Arte: Fernanda Fogaça

Em briga de marido e mulher se mete a colher, sim!

Em comparação ao ano de 2010, o aumento do número de candidatas, nas eleições de 2014, foi bastante considerável. Segundo o TSE, houve um aumento de 46,5% de mulheres participando da política. Somando os cargos de deputado federal, estadual, senador e governador o total é de 6425 mulheres candidatas e somente 177 eleitas.

Primeira vereadora sofreu discriminação Foto: Divulgação

A primeira mulher a fazer parte da Câmara de Curitiba foi Maria Olympia Carneiro. Aos 21 anos, em 1947, elegeu-se vereadora pelo Partido Social Trabalhista. Liderou movimentos sociais, organizou a 1ª Conferência Estadual de Mulheres em 1951 e atuou na campanha do “Petróleo é Nosso”. Alguns anos antes de assumir o cargo, quando era funcionária da Fábrica de Viaturas Hopomóveis de Curitiba, questionou o modelo de produção e as condições de trabalho. Após isso foi demitida, o que lhe rendeu visibilidade juntamente com as visitas que fazia com frequência aos bairros pobres da capital paranaense. Não demorou para que ela se envolvesse com o Partido Comunista Brasileiro, após casar com o engenheiro agrônomo e líder comunista Joaquim Mochel. A imprensa na época tratava as mulheres que faziam parte do partido com desconfiança. Julgavam que estavam impressionadas com dis-

Maria Olimpia (PST) foi eleita, em 1947, primeira vereadora de Curitiba

cursos sedutores e deixavam de realizar suas tarefas domésticas. Vítima de perseguição política no país, após terminar seu mandato e Joaquim sua graduação, mudaram-se para o Maranhão com os dois filhos. Após se formar em Medici-

na, Maria Olympia trabalhou na Secretaria de Saúde e fez parte do Conselho Regional de Medicina daquele estado e foi professora da Universidade Federal do Maranhão. Faleceu em 2008, consequência da doença de Alzheimer.

de empoderamento e igualdade”. O feminicídio ainda vai além das Ísis causas contra a incitação ao ódio às Sobrinho mulheres. Busca o motivo da morte por estupro, exploração sexual, Misoginia é crime. O termo é tortura, mutilação genital, assédio, utilizado para diferenciar pessoas entre outros. que matam mulheres, por serem Muitas mulheres se incrimimulheres. “Existem brasileiros que nam por serem agredidas, dentro enxergam como exagero a Lei do de uma sociedade imposta como Feminicídio. Consideram excesmachista; a maioria das vítimas, sivas leis que punem os inclusive, acabam racistas porque acham acreditando serem culque não há racismo no padas e aí encontra-se Brasil; não veem razão O feminicídio a maior dificuldade para leis que punam a busca o desses casos. As muviolência contra a polheres têm vergonha motivo da pulação LGBT, porque de dar queixa, pois acham que a homofobia morte por não acreditam que não é um problema rele- estupro, seus parceiros estejam vante; discordam de leis tortura, errados. O processo que punem a violência de reeducação é lento assédio, doméstica porque acham para essas mulheres que isso é assunto a ser entre outros acreditarem que são resolvido entre esposas e vítimas e, pararem de se sentirem maridos. Essa visão do mundo não culpadas não é tão fácil. Quando é real e nós não a aceitamos”, diz criam coragem de denunciar seus a presidente Dilma Roussef em sua agressores, muitas vezes passam página oficial do Twitter. por delegacias onde são mal direEm nota pública, a ONG Mulhecionadas. res do Brasil divulga que “ o país A lei também prevê aumento se soma a outras 15 nações latino- em até um terço se o crime for -americanas, cujo empenho legal é praticado enquanto a mulher esenfrentar o fenômeno na região”. A tiver grávida ou nos três meses representante da entidade, Nadine posteriores ao parto; caso ela Gasman, ressaltou ainda o compro- seja menor de 14 anos, maior de misso político afirmado, junto à na- 60 anos ou deficiente ou se o asção, pela presidente, de tolerância sassinato for cometido em frente zero à violência de gênero no Dia aos filhos ou pais da vítima. Internacional da Mulher como uma demonstração de priorização e zelo Edição: Aliana Machado e aos direitos das cidadãs no sentido Alyne Taroko


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ESPECIAL Foto: Arquivo Gazeta do Povo

O povo nas ruas pede eleições diretas no Brasil

Capa da Gazeta do Povo sobre o primeiro comício “oficial”

Primeiro comício foi em Curitiba

popular na Rua XV de NoCuritiba é uma cidade que vembro. “Quando foi a hora de sempre esteve na vanguarda irmos para a Boca Maldita... dos movimentos populares da Naquela época o Hotel Braz esvida política nacional. Desde tava fechado, mas como Antôo início da redemocratização, nio Freitas era muito amigo de na década de 80, é constante um dos diretores da empresa, a participação de Curitiba nas que já então era proprietário do manifestações de cunho poHotel Braz, a família Slaviero... lítico realizadas pela populanos cedeu um apartamento de ção. No dia 12 de janeiro de frente para a Boca Maldita e ali 1984 não foi diferente, já que nós ficamos. Um apartamento a cidade recebeu o primeiro que evidentemente não era um comício que reivindicava (ofiapartamento para receber hóscialmente) as eleições diretas. pedes, não havia roupa de cama Curitiba presenciava, naquele nem nada, (...) mas abriram lá momento, o nascimento dos o hotel especialmente, e, assim, comícios, em grandes capitais, nós assistimos lá de cima”, redo movimento batizado como lembra o publicitário. Diretas Já. A professora Regina Reinert Ernani Buchmann relembra o dia 12 de janeiro daquele ano também participou ativamente do com certo saudosismo, próprio de movimento das Diretas Já e do quem viu de perto os protagonistas comício em Curitiba. Ela estava do primeiro comício das Diretas. no comício do dia 12 de janeiro e faz questão de Como um dos lembrar que “a criadores da possibilidade campanha puA multidão encheu de rompimenblicitária que as ruas no entorno to definitivo deu suporte ao da Boca Maldita pela com a ditadura movimento, era, em 1984, Ernani particirenovação política. uma esperança pou ativamenviável depois te. A agência onde trabalhava serviu de “quartel de tantos malogros. A presença dageneral” para a organização deste quela multidão que encheu as ruas comício histórico. Ernani relata no entorno da Boca Maldita reforum pouco sobre como passou o çava o desejo por renovação polídia 12 de janeiro de 1984: “Nós re- tica e por representatividade. Foi cebemos na Exclam!... Como não um período de intenso otimismo havia um escritório das Diretas, a pelo que estava por vir, isto é, as Exclam! funcionava num edifício liberdades políticas que a nação e a nas Mercês. E o então senador Constituição que viria logo depois, Affonso Camargo começou a le- deveriam, doravante, assegurar”. Apesar do movimento popuvar uma série de deputados que eu só conhecia de nome. Pessoas que lar das Diretas Já estar fortemeneu via pelos jornais, deputados de te ligado a políticos do MDB, as São Paulo, deputados do Rio, de manifestações marcaram a recente Minas, Rio Grande do Sul, do Nor- democracia pela adesão popular, deste... E foram chegando... Passa- de forma irrestrita, o que minimaram o dia na base do sanduíche e mente significou a conscientização política do povo, mas que, sobrecafezinho”. tudo, serviu de alavanca para a No fim da tarde, quando era eleição de Tancredo Neves a partir a hora do comício, políticos e de uma transição negociada com o organizadores do evento ocuantigo regime. param um espaço privilegiado Neste contexto de efervespara assistir a movimentação

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Das Diretas Já novas manifes

Trinta anos depois da redemocratização do Brasil, u Curitiba, que criaram a campanha da Diretas Já faz populares brasileiros da nova democracia Gilberto Bettinelli

Kellen Ribeiro

Pedro Hey

Qual a eficácia dos movimentos sociais para mudar o quadro político no Brasil? O recente período de redemocratização do país tem efeitos práticos. Os movimentos populares ganham força e as demandas sociais ficam latentes. Desde as Diretas Já, em 1984, até o Movimento do Passe Livre, em 2013, que desencadeou uma série de manifestações até a Copa do Mundo de 2014, milhões de brasileiros foram às ruas. O clamor popular pela mudança tornou-se intenso e constante. Porém, mais de dois anos depois das massivas manifestações de 2013, que buscavam baixar o valor da passagem de ônibus e se transformaram em outras reivindicações, o saldo foi positivo ou negativo? Até que ponto é possível comparar a mobilização popular das Diretas com as recentes manifestações (2013, 2014 e 2015)? Estas se apresentaram com causas difusas, muitas vezes violentas, enquanto aquela pedia exclusivamente eleições diretas para a presidente da República no Brasil e, consequentemente, apoiava a Emenda Constitucional proposta pelo deputado feFoto: Arquivo Gazeta do Povo

Dante de Oliveira (PMDB-MT), autor da Emenda das Diretas

No dia 12 de janeiro de 1984, em Curitiba, o povo foi às ruas para apoiar o p

deral Dante de Oliveira (rejeitada seus representantes”. Apesar da dificuldade de conquista pelo Congresso em abril de 1984). É possível dizer que todos estes o engajamento popular, os reflexos das movimentos conseguiram resulta- Diretas Já foram consideráveis, a ponto dos expressivos? de conscientizar o povo para uma nova Para a professora de Sociologia do perspectiva democrática que acabou Centro Universitário Uninter, Regina por reivindicar eleições diretas para Reinert, a conscienpresidente no país tização política é A liderança do mo difícil e os movivimento das Diretas mentos populares (que consistia basi podem ajudar, mas Talvez poucas pessoas camente em líderes carecem de organi- saibam, mas a campanha políticos do MDB zação e muitas vezes publicitária das Diretas passou a formar a perdem força dian- foi feita em Curitiba. nova elite política te das instituições. brasileira. Em 1985 Segundo ela, “os o poder civil voltou movimentos sociais percebidos como ao comando da República com a elei expressões periféricas passam a ter ção de Tancredo Neves, candidato do mais visibilidade, assim como também PMDB, no Colégio Eleitoral. a violência que os exclui da cidadaNa verdade, o processo de transição nia”. Para a socióloga, “a democracia para a democracia, conforme relembra era, e ainda é, de difícil implementa- o historiador Pedro Medeiros, foi pla ção quando temos no país uma clas- nejado pelo governo Geisel e pretendia se política profunda e historicamente uma mudança controlada. “A transi fisiológica, um império de mídia que ção democrática brasileira ocorreu po seleciona suas pautas longe dos reais meio de uma distensão gradual do re interesses da sociedade num escanca- gime autoritário, cujo protagonismo rado monopólio da informação, um coube mais aos líderes do governo dita judiciário apegado a privilégios e um torial do que às oposições. Isso ocorreu povo sem cultura política para escolher por conta do cálculo estratégico acerta


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á às stações

um dos quatro publicitários, de z uma análise dos movimentos Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Buchmann: um dos publicitários na campanha das Diretas Já

primeiro grande comício das Diretas

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do da cúpula do regime que percebeu que seria melhor dar, eles mesmos, início à transição, podendo, então ,liderar o processo, do que prolongar indefinidamente a ditadura, perdendo assim qualquer resquício de legitimidade, como ocorreu com os militares argentinos, por exemplo”, explica. Talvez poucas pessoas saibam, mas a campanha publicitária do movimento das Diretas Já foi produzida em Curitiba. O próprio movimento ganhou força a partir de ações locais e da realização do primeiro comício das Diretas na capital paranaense. Nascido em Joinville e curitibano por escolha, o publicitário e jornalista, Ernani Buchmann, 67, foi um dos que participaram ativamente das manifestações na capital paranaense. Em meados de 1983, Ernani Buchman, que também era advogado, fazia parte de uma agência de publicidade de Curitiba, chamada Exclam!, que foi o ponto de partida para a criação não só da campanha publicitária das Diretas Já, como um dos pontos de partida da ideia do próprio movimento. Lideranças políticas da época, principalmente ligadas ao PMDB,

pretendiam a eleição direta para presidente, mas não sabiam como mobilizar a população que estava desacostumada com a democracia. “Nós tivemos uma sorte porque o secretário geral do PMDB era o senador Affonso Camargo, que é do Paraná, e muito amigo do Antônio Freitas, jornalista, e que naquele momento tinha se transformado já em publicitário e fazia parte da mesma agência de propaganda em que eu trabalhava, a Exclam!”, relata Buchmann. A campanha, segundo ele, surgiu das mãos de quatro publicitários. “O Affonso Camargo pediu ao Antônio que fizesse uma campanha. Nós nos reunimos: Antônio, eu, Sérgio Mercer e Bira Menezes, o quarteto que acabou sendo responsável pela criação da campanha das Diretas... Criamos os temas, o Bira criou aquele lema em uma letra cursiva: Eu quero votar para presidente”. A campanha das Diretas Já realmente deslanchou quando foi apresentada ao peemedebista Ulysses Guimarães, pelos quatro publicitários de Curitiba, a convite do senador Affonso Camargo. Em São Paulo, na casa de Ulysses, um canal de televisão acabou filmando, em primeira mão, o material, ali mesmo, em cima do sofá. Foi o que deu o grande empurrão para o movimento e para os comícios que estavam por vir. “Apresentei a campanha para o doutor Ulysses”, recorda Buchmann, ao lembrar que o material foi filmado por uma equipe da Rede Globo, presente no local.

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Um documentário sobre as Diretas O documentário Muda Brasil, lançado em 1985, pelo diretor Oswaldo Caldeira, nos leva ao momento das eleições indiretas no Brasil, que foram realizadas através do Colégio Eleitoral em janeiro daquele mesmo ano. O filme evidencia a importância das Diretas Já para a eleição de Tancredo Neves naquele momento conturbado da política nacional. O candidato do PMDB praticamente usou as Diretas como trampolim para vitória na eleição colegiada. Tancredo saiu pelo país para anunciar sua candidatura em grandes comícios, o slogan da campanha era “Tancredo Já”. Muda Brasil traz depoimentos paço nos jornais, na TV, nas disputas impactantes que denunciam práticas e nos comícios políticos por todo o políticas abusivas e antiéticas que Brasil. Todos eles são, portanto, figuaconteceram durante este período. ras centrais do documentário Muda É também um show de imagens e Brasil. Tancredo Neves, por sua vez, vídeos de arquivo que reúnem muitas informações relevantes e que era filiado ao MDB (que se transforresultam em um filme dinâmico e mou em PMDB). Tancredo era uma atrativo, mesmo com um conteúdo figura centralizadora, acabou sendo eleito no Colégio Eleitoral como o político complexo. O documentário conta a história a candidato que garantiria as eleições partir de um ângulo político, eleitoral diretas no país. A corrida eleitoral e, até certo ponto, apartidário. Apesar de Tancredo e Maluf não era, à épode não declarar apoio a Tancredo ou ca, uma disputa muito clara entre ao PMDB durante o documentário, bandido e mocinho, autoritarismo o diretor Oswaldo Caldeira mostra e democracia. A transição demoa importância deste candidato à pre- crática estava servida à mesa desidência para garantir a continuidade pois da onda das Diretas Já. A nova composição política para o Colégio do processo de redemocratização. Na época do regime militar, o Eleitoral era mais um balaio de gato partido que representava a situação, proposto pela elite governante. Dois até o fim do bipartidarismo compul- caciques da política nacional, Sarney e ACM, que sório, era a AREtranquilamente NA. Entre polítirepresentariam a cos que figuravam Filme mostra a rigidez e a connos quadros do tinuidade do repartido, e que importância de gime, estavam posteriormente Tancredo para a bradando a demoparticiparam atiredemocratização cracia ao lado de vamente do moTancredo, visto mento político de transição, é importante ressaltar as fi- com uma figura de caráter limpo e guras de José Sarney, Antônio Carlos democrático. Enquanto isso, a vitóMagalhães (o ACM) e Paulo Maluf. A ARENA foi extinta e surgiu o PDS, ria de Paulo Maluf nas prévias do nova sigla partidária que absorveu a PDS, em uma disputa com Mario maioria dos integrantes do antigo Andreazza (que, em teoria, conseguiria apoio maior dos governistas, partido do regime militar. Enquanto Paulo Maluf era o caso fosse candidato à presidente) candidato do PDS à presidência da parecia algo como jogar um boi veRepública no Colégio Eleitoral e re- lho às piranhas. A rejeição de Mapresentava a situação, ACM e Sarney luf era óbvia, histórica. Mesmo representando a condebandavam para outros partidos. ACM saiu do PDS e, sem estar fi- tinuidade, Andreazza teria muito liado a nenhum partido, fez ferrenha mais chance de vencer no Colégio campanha contra a candidatura de Eleitoral. A aparente democracia Maluf. Sarney migrou para o PMDB interna do PDS que possibilitou a e foi indicado como vice de Tancredo candidatura de Maluf à presidência, Neves que concorria nas eleições in- talvez tenha contribuído para gadiretas justamente contra o candidato rantir a vitória de Tancredo. Muitos do PDS. Apesar de uma atuação me- políticos tornaram-se dissidentes nos significativa junto à cena política do PDS por não concordar com a nacional na fase mais truculenta do candidatura de Maluf. “Os peemeregime militar, durante a abertura e debistas são meras azeitonas na ema redemocratização estes políticos padinha dos dissidentes do PDS”, foram personagens que ocuparam es- ressaltava Paulo Maluf. O próprio

PDS rachou internamente, alguns integrantes chegaram a propor o parlamentarismo para substituir a eleição colegiada, com medo de ter que assumir uma posição de apoio à candidatura de Maluf. Figurando pela oposição, o peemedebista Tancredo Neves era, acima de tudo, um estadista que aprendeu com o populismo da história política brasileira a se relacionar com o eleitorado e com outros políticos. Usando de suas qualidades e atribuições, Tancredo tornou-se um centralizador de forças. O Brasil que tinha recentemente passado pela experiência das Diretas Já, via em Tancredo alguém capaz de lidar com a transição para a democracia. Talvez o grande paradoxo seja que o próprio governo militar, que desde Geisel pretendia realizar uma “distensão lenta, gradual e segura”, tinha na figura de Tancredo um mar seguro, um homem que, com certeza, não se voltaria contra as instituições militares para exigir uma contraprestação de um período conturbado politicamente, não seria um presidente revanchista. Tancredo Neves aceitou dividir palanque com políticos e militares que até então cerceavam o verdadeiro espírito democrático do país. Tancredo afirma no documentário que a transição é uma conciliação que ele chamaria de “estruturada”. “Aquela conciliação que abrange todos os seguimentos da sociedade”. O filme traz ainda falas de outros grandes políticos da história brasileira. Enquanto Ulysses Guimarães dava garantias de que haveria eleição direta para presidente com a vitória de Tancredo, Brizola ousava sugerir eleições em 1986. “Não há nenhuma razão que justifique o adiamento das eleições. Nós achamos que esta transitoriedade não pode ultrapassar 86. Porque em 86 nós vamos ter eleições para governadores, eleições para o congresso, para deputados estaduais... O povo vai ser convocado... Basta colocar mais um quadrinho na cédula de votação para presidente”, arriscava Brizola, em uma das célebres passagens do longa metragem. Lula e o PT, que também participaram do comício das Diretas em São Paulo, ficaram de fora do Colégio Eleitoral. Os três deputados do PT que votaram a favor de Tancredo Neves foram expulsos do partido. O documentário termina mostrando o momento da votação que deu a vitória ao candidato do PMDB. Assim como em um filme de ação, onde o mocinho vence no final, não havia outro caminho senão os que levavam à eleição de Tancredo.


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Um país de regimes de exceção

Dos 126 anos de República, somente 40 foram marcados pela democracia Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Vinícius Garcia

República Velha (1889-1930) Após a Proclamação da República em 1889, a chamada Primeira República ou República Velha foi marcada não pela democracia, mas pelo autoritarismo e comando dos coronéis no que ficou conhecido como Coronelismo. Neste período, os chamados doutores, homens que ficavam nas capitais onde eram situados os governos. Porém, raramente apareciam nas comunidades e nas cidades e, em função disso, transferiam poderes aos “coronéis” que repassavam favores basicamente na área de saneamento e assistência social à comunidade em troca de votos para os doutores. Este ato ficou conhecido como “voto de cabresto”.

Era Vargas (1930-1945) Foto: Divulgação

Durante 15 anos de mandato, o governo de Getúlio Vargas dividiu-se em três fases. Na primeira, chamada de Governo Provisório, Vargas acabou com as oligarquias cafeeiras e deu início a um processo de centralização do poder, eliminando os órgãos legislativos, provocando manifesto da oposição. Em detrimento disto Vargas determinou uma Assembleia Constituinte em 1933 e, posteriormente, sancionando o voto secreto e o voto feminino. Na considerada segunda fase, conhecido como Governo Cons-

Foto: Arquivo Gazeta do Povo

Neste ano de 2015 faz trinta anos da volta da democracia no Brasil. A vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral contra Paulo Maluf, em 1985, iniciou o retorno do regime democrático. Mas, desde a Proclamação da República até os dias de hoje, o que foi período democrático no país? Confira cada período político, sendo que nos quais predominou os regimes de exceção.

Regime Militar (1964-1985)

Tancredo Neves e José Sarney, ambos do então MDB, juntos na Câmara Federal, após a vitória no Colégio Eleitoral

titucional, Vargas trouxe ao Brasil ideais fascistas, e após uma tentativa de golpe de esquerda, instaurou novamente uma centralização de poder no país. O Judiciário estava sob ordens do Executivo e o controle sobre tudo do que era veiculado na imprensa era constante. Na terceira fase, chamada de Estado Novo, Vargas criou estatais e políticas econômicas para o país. Foi neste período que surgiram a Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Conselho Nacional de Petróleo que se tornaria anos mais tarde na Petrobrás, entre outros. Além disso, Getúlio Vargas também criou o Código de Leis do Trabalho - CLT e o Código Penal, que estão vigentes até hoje. A queda de Vargas se deu após a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e o apelo de boa parte da população pela volta da democracia.

Regime Liberal Populista (1945-1964)

O período do regime liberal populista foi o único momento democrático na história do Brasil até 1964. Nesta fase, onze presidentes passaram pelo comando do país. Entre os de maior destaque temos a volta de Getúlio Vargas ao poder, desta vez por escolha do povo. No seu mandato, Vargas manteve a política nacionalista do final do Estado Novo e criou o BNDE (Banco Nacional e Desenvolvimento Econômico), a Petrobrás e a Eletrobrás (aprovada somente em 1961). Após um escândalo de esquema de corrupção no seu governo e a solicitação de renúncia de seu cargo pelas Forças Militares, Getúlio Vargas se suicidou. Outro governo importante neste período foi o de Juscelino Kubitschek. Criou o Plano de Metas, que visava fazer o Brasil crescer

50 anos em 5. Dentre inúmeras criações e construções em seu mandato, obviamente a de maior relevância foi a construção de Brasília, tornando-a a capital do país. Jânio Quadros também passou pelo período da República Liberal, e teve como característica um governo confuso e de muitas crises. Reatou as relações com o FMI que no governo JK haviam sido cortadas, porém, sofreu com uma desvalorização de 100% do cruzeiro em relação ao dólar. Assumiu relações diplomáticas com países comunistas como a União Soviética, Cuba e China, enquanto dentro do Brasil, pronunciava-se com discursos de combate ao comunismo. O seu vice-presidente, João Gourlart, foi mandado para a China, atitude considerada como uma tentativa de implantação do comunismo no país. Em detrimento disto, Jânio Quadros arquitetou um golpe aliançado com os militares renunciando, por medo de Jango assumir, mas ao contrário do que esperava, todos aceitaram a renúncia e ele saiu do poder. João Goulart voltou da China e assumiu o poder sendo o último presidente na era democrática até o regime militar assumir o governo em 1964. No seu mandato, Jango criou o décimo-terceiro salário. Contudo, sua imagem era muito ligada ao comunismo, por defender reformas de caráter popular. Logo, a pressão dos militares, temerosos de que o regime comunista se instalasse no Brasil começou a crescer. Jango realizou o fatídico Comício da Central do Brasil, onde ameaçou fazer reformas a todo custo. Dias depois, a Marcha da Família com Deus e Contra o Comunismo recebeu cerca de meio milhão de pessoas e, no fim daquele mês de março de 1964, os militares assumiram o governo do país.

Os dois últimos presidentes militares, Figueiredo e Geisel

Os militares comandaram o país durante vinte e um anos. Neste período, vários momentos caracterizaram o regime, tendo um início calmo. Com o AI-5 (Ato Institucional nº 5), o governo assumiu uma postura de ditadura, com censuras aos veículos de imprensa, exílio de artistas opositores e criação de um sistema bipartidário com um partido de situação (ARENA) e o de oposição (MDB) sendo controlado. Com a entrada do general Geisel, o regime começou a diminuir a repressão e com o presidente Figueiredo, a volta das eleições diretas para governador já sinalizava que a democracia estaria próxima. Em 1985, após os movimentos de Diretas Já terem mudado o país, mostrando a insatisfação de grande parte da população, Tancredo Neves foi eleito, ainda que de forma indireta, mas que deu abertura à democracia.

Regime Democrático atual

Na eleição realizada pelo Colégio Eleitoral ainda no regime militar, Tancredo Neves venceu as eleições e decidiu que a democracia voltaria ao Brasil. Porém, antes mesmo de tomar posse, Tancredo faleceu. Seu vice, José Sarney, assumiu o país e governou até 1989. Naquele ano, a primeira eleição direta, após anos de ditadura, aconteceu. Lula e Collor disputaram o mandato e Collor venceu as primeiras eleições democráticas após o regime militar. Desde então, o Brasil consolidou o regime democrático e vive até hoje na democracia absoluta.

Passado e presente nos protestos É possível fazer um paralelo entre as Diretas e as manifestações das ruas nos dias de hoje? Quais os efeitos, as diferenças e semelhanças destes momentos que mudaram o comportamento político da nação? É evidente que os efeitos práticos das Diretas Já foram a pressão política e a conscientização popular para a volta da eleição direta para presidente e da própria democracia. Já os movimentos atuais têm causas difusas, variadas, que muitas vezes geram conflitos entre os próprios manifestantes. A semelhança é a adesão da massa, o engajamento político que deveria ser inerente ao cidadão. Sobre os protestos de 2013, que persistiram até a Copa do Mundo de 2014, o jornalista e professor Valdir Cruz aponta alguns fatos interessantes sobre o cenário político atual, “a alteração no quadro pode ser sentida de tal maneira, que o PT foi forçado em alguns momentos a firmar alianças por motivos de estratégia política, se prostrando aos gritos das ruas”. Já o publicitário Ernani Buchmann faz uma análise bastante esclarecedora do momento político que o Brasil passa nos últimos anos, “o que me parece das manifestações de 2013, elas se iniciaram por um motivo, que naquele momento se considerou os 20 centavos e o aumento dos ônibus, e depois ela passou a ser uma manifestação contra todo o poder vigente, contra o status quo”. Para Ernani, as manifestações são válidas, “é a única forma de nós mostrarmos que não estamos contentes com o poder. São um direito de todo cidadão”. O publicitário aproveita para comparar as novas mobilizações às Diretas Já, “as manifestações de 2015 (...) foram contra uma medida governamental. O que nós queríamos em 84, era que o governo apoiasse e se engajasse naquele movimento. Nós éramos a favor de algo e, agora, houve algo contra o governo. Eram duas situações diferentes, embora na essência elas sejam a mesma coisa: manifestações populares que levam as pessoas a se manifestar diretamente a favor ou contra alguma questão que lhes interessa”.


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E aí, terceiriza tudo nas empresas?

Projeto que tem como objetivo terceirizar a mão de obra em todos os setores divide opiniões entre sindicalistas, trabalhadores e empresários Foto: Divulgação

Cátia Salles

Suellen

Mainardes

Thaís Souza

O Projeto de Lei (PL) 4330, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 08 de abril de 2015, apresentado pelo deputado Sandro Mabel (PL/GO) tem como proposta modificar a forma dos contratos de prestação de serviços. A nova Lei defende a terceirização de mão de obra e as relações de trabalho. De um lado, sindicalistas e trabalhadores argumentam que a medida irá acarretar em precarização do mercado de trabalho. “Quem perde nessa nova organização são os trabalhadores, em todos os sentidos, nos salários, nos benefícios, na representação da categoria”, afirma Márcio Kieller, vice-presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Já o setor patronal acredita que o projeto irá gerar mais empregos e mais oportunidades para o mercado informal. “O empresário pode reduzir os custos com os encargos, esquivar-se dos crimes trabalhistas e explorar a mão de obra a preços mais baixos”. É assim que Yves Cooper Furusho, gerente de projetos da Volvo, responde quanto as vantagens da legalização da terceirização. Com a lei da terceirização, uma empresa é contratada por outra para realizar serviços que exige mão de obra especializada. Além disso, caberá à contratada cuidar de todo o processo de gestão dos funcionários, ou optar pela contratação de outra empresa que fica responsável pela prestação destes serviços, sem nenhum vínculo empregatício. A PL 4330/2004, propõe que a empresa contratante fique responsável em fiscalizar se a empresa contratada está cumprindo os direitos legais dos trabalhadores, como pagamento de férias, 13º salário, recolhimento de FGTS e INSS e concessão de licença-maternidade. A empresa que contrata o serviço poderá ser acionada na Justiça somente se forem esgota-

balho e a atividade sindicalizada na empresa que está prestando serviço. A principal perda para o trabalhador está associada ao direito de greve e associação aos sindicatos. “O trabalhador não tem representatividade e nenhum poder de negociação ou reivindicação dos seus direitos”, diz. Yves diz que quanto à segurança do trabalhador, “o projeto de lei prevê algumas proteções, que duplicam aquilo que já existe na CLT, mas não se aplica aos terceirizados”, informa.

Falta de fiscalização

Projeto foi aprovado na Câmara sob resistência de muitos deputados. Agora o texto vai ao Senado

dos os bens da firma terceirizada, são disponibilizados apenas para ou seja, quando a contratada não aqueles diretamente ligados à emcumpre as obrigações trabalhistas presa. Vilma, que não recebe a e após ter respondido, previamente, na Justiça. Ao mesmo tempo, a maioria destes benefícios, a vanempresa contratante pode ser acio- tagem é maior, pois nada disso é nada diretamente pelo trabalhador descontado dela. Já Renato, tem terceirizado, mas apenas quando em sua folha de pagamento, os não fiscalizar o cumprimento das descontos da porcentagem refeobrigações trabalhistas pela con- rente a esses serviços. Os dois ainda têm vantagens como auxítratada. Porém, trabalhadores infor- lio em viagens corporativas que mam que não sentem tanta diferen- incluem a passagem, hospedaça entre ser diretamente contratado gem e alimentação. Mas o benepela empresa ou ser terceirizado. fício mais cobiçado por todos os Um exemplo é o caso de Vilma e funcionários é a famosa particiRenato Oliveira que são irmãos, pação nos Lucros da Empresa, moram na mesma casa, trabalham (PPR) que apenas Renato recebe. No ano passado na mesma emo adicional foi presa e exercem R$13 mil e a mesma função: Trabalhores dizem de nesse ano a priauxiliar de expedique a medida meira parcela ção. “No final das rendeu R$8 mil. contas, acabamos vai causar a Até o Natal, o ganhando pratiprecarização do PPR vai totalicamente a mesma trabalho. zar R$16 mil. coisa, por causa Vilma está dos descontos” diz Renato. Ela ganha R$1.004,00 por ansiosa porque, nesse ano, ela mês, devido a descontos mensais, terá chance de ser contratada enquanto Renato ganha cerca de pela montadora. “Mesmo saR$1.300,00, já com descontos em bendo que vou ter todos os befolha. Vilma é terceirizada e Rena- nefícios descontados, eu quero to é contratado pela empresa, uma muito passar para a empresa, montadora de veículos em São mas estou ciente de que vou ter José dos Pinhais, Região Metropo- que dar o couro lá. Se ganha muito bem, mas em compensalitana de Curitiba. A empresa fornece o vale- ção trabalha bem, aliás, trabalha -transporte, porém um ônibus muito”, disse. Ela ainda explica fretado pela empresa leva e bus- que além de fazer a sua função, ca todos os funcionários em casa. também terá que desempenhar Também oferece vale-alimentação outras, algo que sendo terceirie vale-refeição, mas os funcio- zada ela não precisa, pois apenários têm a sua disposição, re- nas cumpre as tarefas atribuídas feições que são servidas no local ao seu cargo. Ou seja, bate seu como café, almoço e lanche, que ponto e vai embora.

Avanço empresarial

Os empresários observam tal aprovação como um avanço para o ramo empresarial, pois, com a terceirização, eles não precisarão se preocupar com várias ações que envolvem funcionários, visto que tal preocupação é da empresa agenciadora de trabalhadores e assim podem focar só na produção. Com a nova lei a terceirização, passa a ser legal em todas os setores. “Hoje a Justiça do Trabalho tem penalizado a empresa que contrata o serviço de terceirização e extende ao trabalhador terceirizado os mesmos direitos do trabalhor CLT. A nova Lei legaliza totalmente a terceirização e corta a atribuição de alguns direitos para alguns casos, ou seja, menos vantagens para o trabalhador”, diz Yves. Direitos do trabalhador como FGTS (Fundo de Garantia), vale transporte, vale alimentação, licença a maternidade, entre outros direitos, não são fiscalizados como deveriam pela empresa agenciadora. Quando questionado quanto à fiscalização da empresa, Yves enfatiza que não existe supervisionamento. A empresa gerida Yves tem em torno de 30% de funcionários terceirizados e, com a aprovação da Lei, o número tende a aumentar. Ele ainda conta que houve uma manifestação dos dirigintes para terceirizar a linha de produção, atividade primária, para livrar-se do sindicato e das greves, sendo que antes era permitido terceirizar apenas as atividades secundárias. Conforme o empresário, o terceirizado abdica dos direitos e deveres associados ao local de tra-

Marcio Kieller é vice-presidente da CUT (Central Única do Trabalhador) e comenta que a nova lei, que agora está no Senado como PLC-30, tem como essência “propor à possibilidade de terceirização de tudo e em todos os setores”. Marcio, que é contra a terceirização, ressalta que com a nova Lei o trabalhador vai deixar de ser representado por alguma categoria de base, ou seja, não vai haver mais um sindicato que o represente. Além da falta de representação também tem a isonomia de direitos, salários e benefícios, “pois você pode ter em uma mesma empresa, fábrica ou indústria, dois trabalhadores, fazendo o mesmo serviço, com cargas horárias, salários, benefícios e direitos sociais diferentes”, enfatiza. Isso faz com que os empresários se desresponsabilizem dos seus deveres juntos aos órgãos de controle do Estado. Outra desvantagem da terceirização, citada pelo vice-presidente, é a falta de fiscalização das empresas que terceirizam a mão de obra, fazendo com que os trabalhadores não tenham boas condições de trabalho. Quanto aos acidentes de trabalho, 80% que matam, mutilam, ou deixam nos trabalhadores sequelas temporárias e permanentes, acontecem entres os trabalhadores terceirizados, devido a essa falta de fiscalização. Marcio ressalta que essa lei pode fazer com que vários anos de luta da classe trabalhadora venha a regredir. “Esse projeto de lei pode precarizar o mercado de trabalho, excluindo direitos e benefícios que as categorias organizadas conquistaram através dos tempos e das lutas sindicais, sendo uma delas a CLT”. Continua na página seguinte...


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Artigo

Foto: Divulgação

Por que a homossexualidade incomoda tanto? Miranda

A criação da CLT Em 1929, o Brasil foi fortemente atingido economicamente devido à inflação e estagnação do café. No ano seguinte, Getúlio Vargas foi eleito como presidente do país, dando fim a república oligárquica e começando a nova era conhecida como a “Era Vargas”. A condição do trabalhador brasileiro durante sua gestão era algo que preocupava Getúlio Vargas e como o mercado internacional estava paralisado devido a baixa exportação do café, era preciso desenvolver novas estratégias econômicas. A solução foi investir nas indústrias tais como metalúrgica, siderúrgica e petrolífera, na tentativa de resolver o problema da economia, até então estagnada do país. Com o crescimento da industrialização, o mercado de trabalho consequentemente, crescia junto. Com a demanda, os trabalhadores cumpriam longas jornadas de trabalho, mulheres e crianças recebiam salários mais baixos do que os dos homens e viviam em condições precárias. E para piorar, ainda estavam sujeitos a pagarem multas, dispensas e eram ameaçados com frequência. Essa situação se dava pela ausência no Brasil de Leis que garantissem direitos para esses trabalhadores. Mas em 1943, durante a Era Vargas, foi implantada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). A nova legislação acabou roporcionando benefícios tanto para a indústria quanto para os trabalhadores, além de segurança e melhores condições de trabalho. Dentre os direitos do trabalhador, Vargas, também criou a Justiça do trabalho, como mediadora entre a empresa e o funcionário.

O que é terceirização? Antes mesmo de a terceirização surgir, existia dois modelos de produção, Taylorista e Fordismo e que visavam o aumento na produção e o lucro. O modelo Taylorista surgiu através de Frederick Wilson Taylor (1856-1915). Esse modelo era de estratégia de produção, promovia a divisão de trabalho entre os funcionários de maneira organizada, com atividades simples, repetidas e em menor tempo possível, tendo como líder o próprio gerente, que fiscalizava todo o trabalho. O outro modelo, o Fordismo, definiu-se por Henry Ford (1863-1947), cada indivíduo era responsável por uma função específica provocando o cansaço físico e psicológico, ou seja, aquela função em que o trabalhador repete durante toda a sua jornada de trabalho um único movimento. Durante a Segunda Guerra (1939-1945), é que a terceirização se iniciou com as indústrias europeias e americanas que precisavam produzir muitos armamentos para os soldados que estavam em combate e necessitavam com urgência de produtos. Entretanto, como não tinham capacidade suficiente para atender a demanda de produção passou-se a distribuir as funções para terceiros. Já no Brasil, durante a Era Vargas, a terceirização começou a se desenvolver através das empmultinacionais, principalmente as montadoras de automóveis. A terceirização é quando uma primeira empresa contrata uma segunda para agenciar trabalhadores. Isso faz com que a primeira empresa não tenha nenhum vínculo empregaticio onde trabalham. A responsabilidade de fiscalização dos direitos do trabalhador ficam a cargo da segunda empresa, a agenciadora, só que nem sempre a supervisionalização acontece.

Tem situações da infância que marcam. Eu não esqueço o dia em que a minha professora do pré deu uma aula sobre pessoas, ela repetia entusiasmada que as pessoas eram diferentes umas das outras e que era isso que tornava cada ser espe- Dois indivíduos desceram do vecial. E que nós devíamos respeitar ículos e o cercaram, a movimenas diferenças dos colegas. Digo tação deles era rápida e tinha uma que marcou porque hoje, 18 anos conotação sexual, isso enquanto depois dessa aula, eu lembro com repetiam frases como “viado tem muita clareza desse fato. E porque que morrer, viado é lixo... mas ficou como ensinamento para a antes vamos te dar uma lição” um porteiro de um prédio próximo novida mesmo. No início da adolescência eu tou a movimentação e interveio o fiz amizade com um menino na es- que fez com que eles fugissem. Foi esse senhor quem ajudou cola, ele é gay. Eu sabia. Não me importava, lembro também quan- Carlos a se levantar, juntar suas roudo ele se assumiu e veio me contar pas rasgadas e seguir até sua casa. um pouco receoso com o que eu No corpo as marcas da violência diria sobre a revelação e eu ri, ele física, e na sua mente a lembrança ainda precisava de uma explicação constante das vozes, e do ódio que e eu falei que já sabia, que não mu- elas carregavam. Esse incidente daria nossa amizade e estava tudo motivou a mudança dele para oubem. Porque as diferenças de cada tro bairro. Ao longo de meses a pessoa era o que as tornavam tão ocorrência foi silenciada pelo medo especiais, e a gente tinha que res- do preconceito e dos julgamentos, como ele mesmo pontua “Não conpeitar isso. Com o passar dos anos eu per- seguia compartilhar minha dor, princebi que nem todo mundo tinha cipalmente por saber que eu seria tido uma professora como a minha julgado, já que todo LGBT é visto como uma pessoa no começo da vida promíscua que sai escolar. As pesA triste experiência às ruas em busca soas não lidavam de sexo fácil” conbem com aquele de Carlos demonstra fidencia. fato como eu fa- o quanto o mal A experiênzia. Meu amigo foi banalizado cia por si só foi nunca foi um nú- ao longo desses bem traumática. mero nas estatísanos e persiste na E podia ser pior. ticas que apontam Já imaginou, apaos números de sociedade. nhar por ser o que casos de violência é? Ouvir todo tipo por homofobia no Brasil, país onde um homossexual de crítica e de retaliação por uma morre a cada 28 horas. Houveram condição que você não escolheu? A comentários, críticas aos trejeitos, violência é uma constante dentro do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, mas nada além disso. Recentemente eu tive a opor- Bissexuais, Travestis e Transexutunidade de conhecer o Carlos. O ais), seja pela rejeição da família encontro aconteceu em uma roda ou da sociedade em geral, inclusive de conversa sobre a maternidade e esse é o fator que dá visibilidade a causa dos homossexuais. Lá, ele para o tema na mídia convencional compartilhou com todos a sua ex- para além das novelas. O que levanta outro ponto periência dolorosa por ser o que é. Era noite quando ele deixou a casa preocupante, além da incapacidade uma amiga que morava perto de de respeitar a diversidade do dele para retornar a sua residência. outro. A banalização do mal, terHavia um carro estacionado, que mo cunhado por Hanna Arendt, ao esboçou movimento depois dele escrever sobre um julgamento de um envolvido com os campos de ter passado. Ele foi seguido, ao perceber concentração da Segunda Guerisso optou por seguir por uma rua ra Mundial. Para ela, a violência de mão única onde o carro hipote- é puerilizada no contexto de sua ticamente não poderia entrar. Mas execução, já que o ponto de orientrou. Acelerou e o alcançou. gem dessa violência não se sente

Foto: Divulgação

Heloísa

culpado. Uma prática que se tornou comum com a massificação da sociedade, por meio das instituições religiosas, políticas e sociais onde os indivíduos estão inseridos e praticamente condicionados aos comportamentos ditados por essas instituições-referências. Isso lá, há meio século atrás. A triste experiência de Carlos demonstra o quanto o mal foi banalizado ao longo desses anos e persiste na sociedade. As instituições seguem no nosso cotidiano, com outro dirigentes, mas com o mesmo princípio: violentar aquele que é ‘diferente’ baseado na convicção de um determinado grupo sobre o que é ser normal. O psicólogo Ivan Capelatto aponta que a forma mais comum de expressar o mal contido é a discriminação. A violência é consequência do medo de pensar que pode também chegar a situação que discrimina, nesse caso, o interesse por uma pessoa do mesmo sexo. “É o medo de que aquilo o atinja” pontua o profissional. Renato Maccarini, psicólogo, aponta que há duas explicações para essa violência com os homossexuais. Uma delas é, de fato, o que é comumente chamado de homossexualidade enrustida, quando a pessoa não aceita a sua natureza e luta contra si e contra os outros para renegar sua orientação. Indo aos extremos da raiva com isso. E uma segunda alternativa é construção social em cima do assunto. A moral é colocada como motivadora desse comportamento que segrega. Isso ao longo dos muitos anos em que os padrões sociais foram construídos e que a sexualidade se tornou um tabu, e as relações ganharam intuito exclusivo de reprodução. [Incluir apontamentos do antropólogo]. Eu queria que todas essas pessoas tivessem, além das suas orientações políticas e religiosas, aquele entusiasmo da minha primeira professora em reconhecer que cada pessoa é uma pessoa, e independente das suas escolhas e orientações, merece ser respeitada em suas diferenças.


Número 44 – Agosto/Setembrto de 2015

MARCO

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ZERO

CRÔNICA

Mãe, eu beijei uma garota!

@TÁ NA WEB Aislynn Aquino

Aislynn Moraes

Afasta de mim esse cale-se! Ditadura: governo autoritário exercido por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, com supremacia do poder executivo, e em que se suprimem ou restringem os direitos individuais. Quer saber mais que a definição do dicionário? Saca só: Série Pátria Amada Realizada pela TV Cultura, a série foi ganhadora de prêmio por mostrar de forma detalhada o antes e depois do período repressivo do golpe que abalou o país. Foto: Divulgação

mãe-tendo-um-ataque. – Imagina se cada um sai fazendo o que tem Heloísa Miranda vontade? O susto e surto foram consequência da notícia ter pego Célia despreCélia Souza é psicóloga e pro- venida. Afinal, a filha já tinha tido fessora. Tem dois filhos, um homem diversos namorados. Ela era mãe e e uma mulher. Essa história é sobre acreditava que conhecia bem a próa sua família. Era um sábado como pria cria. Certamente essa não era a outro qualquer, e por isso estavam reação que Fernanda esperava. E por no carro ela e os dois filhos adoles- esse motivo, voltou ao processo de centes para a série de compromissos interiorização. do dia. Pelas duas profissões que Por algum tempo Célia se julexerce, Célia está habituada a todo gou. Questionava a sobre a sua tipo de situação, e jamais imagina- culpa. Onde tinha errado? O que ria a própria reação diante do que tinha feito? Seria consequência da viria a acontecer. separação quando eram muito peNo trajeto os três conversavam quenos? Ela teve um tempo para sobre temas bastante variados. De re- pensar, e para permitir que o propente, Fernanda, a filha caçula resol- cesso acontecesse. Foi surpreendive contar para a mãe e para o irmão da com a notícia, teve uma reação qual tinha sido a sua mais recente idiota – como ela mesma contaexperiência, e assim mas que exigiu uma o faz: nova construção da Afinal, sua mãe - Mãe, eu beijei sua aceitação. estava ao seu lado. uma menina. ConAlgum tempo defidencia com um Mãe essa que cho- pois Fernanda revelou pouco de receio mas rou mais do que para a família que estatentando transmitir o casal quando o va namorando alguém. naturalidade. Sim, era uma mulher. relacionamento No consultóPorque com o processo acabou. rio psicológico ela de amadurecimento das acompanhava casais duas, ela percebeu que homossexuais, ateno que lhe fazia bem era dia famílias para orientar quanto ao ficar com outra mulher. A mãe, proprocesso de aceitação do filho ho- fessora e psicóloga estava mais calmossexual, fazia terapia com pes- ma, fez até festa com a notícia; e não soas travestis e transexuais, para deixa de comentar o quanto gostava aceitarem sua natureza e encararem da nora. “Foi a melhor nora que já o mundo. Sentia-se capacitada para tive. Nos genros eu sempre colocava lidar com a situação se acontecesse defeito, mal de mãe!”. em sua família. O relacionamento durou dois Mas a revelação de alguém en- anos e transformou a moça antes volve um processo de auto conhe- quieta e reservada. Tendo tirado cimento e exige dos familiares essa o peso do segredo e do medo das versatilidade. Célia não se conside- costas ela se sentiu mais à vontade, rava homofóbica, mas naquele dia podia rir, conversar, ser quem era se deu conta de como a rejeição es- sem medo. Afinal, sua mãe estava tava interiorizada. ao seu lado. Mãe essa Apesar de atender É algo que cada um que chorou mais do pessoas de todo tipo, sabe, vai perceben- que o casal quando o e lidar com as situarelacionamento acado seus gostos, in- bou. ções mais adversas, ouvindo aquilo sua teresses, atrações. Célia conseguiu se reação foi perguntar: abrir para aceitar o que - E porque você fazia a sua filha feliz. fez isso? Mas a pergunta vinha carre- Por conseguir se colocar no lugar gada de expectativa quanto a respos- do outro, e perceber o quanto esse ta. Podia ser um “porque eu descobri processo todo pode ser doloroso. É que é isso que eu gosto” ou “porque algo que cada um sabe, vai perceesse é o canal!”, mas a filha foi mi- bendo seus gostos, interesses, atranimalista e respondeu tão e simples- ções. E que muito além de regras mente: ou convenções sociais, faz os en- Porque eu tive vontade. volvidos feliz. Existe realmente um - Sabe, ninguém faz o que sim- laço afetivo. Existe amor, respeito, plesmente tem vontade. As coisas e vontade de construir uma história tem que ter uma lógica. Entende? junto, e é disso que um relaciona– Repetia Célia, com aquele tom de mento precisa.

Batismo de sangue

O caso Mariguela

O filme trata da resistência dos frades dominicanos à ditadura, devido aos seus ideais cristãos. Passando a apoiar um grupo guerrilheiro, são vigiados pela polícia, presos e torturados.

Considerado o maior inimigo da ditadura, Marighella tem uma história rica e interessante. Dentro dela, a obra Manual do Guerrilheiro Urbano, escrita em 1969 e de grande utilidade na orientação aos movimentos revolucioná-

Disponível completo no YouTube pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=egBPJc5fuLo.

Tanto a obra quanto o autor foram foco de um documentário, acesse https://www.youtube.com/watch?v=tYq2zZcwAI8.


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MARCO

ZERO

Número 44– Agosto/Setembro de 2015

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Apenas uma questão de

DIREITOS

Diante das constantes reivindicações por melhorias em diversas esferas, as mulheres passaram a questionar também um comportamento muito comum na nossa sociedade: o assédio nas ruas. Esse miniensaio pretende representar, em imagem, uma situação dessas vivida por uma colega de turma do curso de Jornalismo. Para a produção, tentamos aproximar ao máximo do que ela imaginou. Devido a natureza do assédio, a decisão por uma “manifestação feminista” foi unânime. O objetivo de todos os participantes foi visibilizar esse problema e mostrar a relevância do assunto, visto que o assédio acontece diariamente e não podemos e não queremos nos omitir diante disso. O corpo da mulher não é um convite, a mulher nunca é culpada pelo abuso. A sociedade precisa entender que é necessário ensinar os homens a respeitar e não as mulheres a temer. #MachismoNãoPassará Texto de Aislynn Moraes e fotos de Letícia Costa


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