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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DO CENTRO UNIVERSITÁRIO UNINTER - ANO VII- NÚMERO 50– CURITIBA, OUTUBRO DE 2016

Violência infantil

A maioria dos abusos contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa

pág.6 e 7

pág.4

Usuários das academias ao ar livre dizem que faltam explicações em placas sobre uso dos equipamentos

pág. 8

A violência contra os transexuais tem aumentado no Brasil. Em 2015, foram assassinados 318 LGBTs

pág.10

Proteger e preservar diariamente a história contada pelas ruas e edificações históricas na cidade agora é lei.


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OPINIÃO Ao leitor Nesta edição do Marco Zero você vai acompanhar uma reportagem especial sobre o abuso à criança e ao adolescente. Os dados são preocupantes, pois pesquisas indicam que oito entre dez casos de violência ocorrem dentro de casa. Veja na matéria “Preconceito, um ato de terrorismo” o drama da comunidade árabe que sofre com o preconceito e a xenofobia ao serem taxados como terroristas. E você sabe utilizar as academias ao ar livre? As academias são equipadas com placas indicativas sobre como utilizar corretamente os aparelhos instalados nos parques e praças de Curitiba. Agora é oficial! Proteger e preservar, diariamente, a história contada pelas ruas e edificações históricas na cidade, vira lei em Curitiba. Essas e outras repostagens estão nesta edição do jornal. Ótima leitura e proveitem bem essa edição.

Equipe Marco Zero

O Marco Zero

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Expediente

Na Praça Tiradentes, bem em frente à Catedral, está o Marco Zero de Curitiba, que oficialmente é tido como o local onde nasceu a cidade, além de ser o ponto de marcação de medidas de distâncias de Curitiba em relação a outros municípios. Ao jornal Marco Zero foi concedido este nome, por conter notícias e reportagens voltadas para o público da região central da capital paranaense.

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Reflexões de uma “padawan” Denise Becker

A sociedade vive um tempo em que o transbordamento de informações invade a rotina das pessoas e as torna acumuladoras de conhecimentos, algumas vezes superficiais. A acelerada evolução tecnológica dos meios de comunicação e das várias plataformas online são fatores que contribuem para essa avalanche informacional. Em algum momento, nos últimos meses, a palavra “crise” esteve nas rodas de conversa, no noticiário televisivo, nas redes sociais, e jornalismo propõe, o trabalho será tem gerado desconforto, incerteza inútil. e desesperança, pois atinge seto- Darci Ribeiro costumava dizer res vitais do país, como educação, que as crises da educação brasileira não eram um acaso, eram um saúde e informação. O Brasil passa por um drama asfi- projeto político. Ao manter o povo xiante, a democracia está em crise, deseducado, incapaz de processar diante do poder econômico. Não informação, de entender o que está só aqui, mas no mundo. É notório acontecendo. Para complementar o crescimento da extrema direita essa afirmação, a pesquisa Retraem países europeus e na periferia tos da Leitura no Brasil anunciou mundial. Os Estados Unidos se na Bienal do Livro (2016), que prepara para momentos difíceis 44% da população brasileira não após eleger Donald Trump, repre- lê e 30% nunca comprou um livro. Ela sabe muito pouco e não sabe sentante do partido Republicano. Em evento científico, Eduardo que não sabe. Meditsch, pesquisador e jornalis- É nesse momento que os jornalistas e pesquisata, refletia sodores precisam bre a crise no O jornalismo tem preencher espajornalismo. No ços existentes seu comentá- dificuldade de entre ele e o rio, disse que a ‘conversar’ com as leitor. plutocracia, ou O jornalismo seja, o poder do mulheres, os jovens tem dificuldade dinheiro, pare- e os pobres. de ‘‘conversar’’ ce não conviver com as mulheres, os jovens e não mais com a democracia. O resulconversa com os pobres. O jortado disso é o que vimos recentemente, após a queda da presidente nalismo atual atinge um público Dilma Roussef. É um atropela- privilegiado, rico, com nível culmento da cidadania, na opinião de tural alto, ou seja, jornalismo de Meditsch, e tem tudo a ver com a qualidade é incapaz de atingir os três públicos, mulheres, jovens e crise no jornalismo. Alguns autores dizem que o fluxo os pobres. de informação criou uma espécie O Brasil é o quarto país mais dede cegueira branca, pelo excesso sigual da América Latina (ONU). dela. Essa desordem provoca o Esses são temas de pesquisa improcesso inverso, a desinforma- portantes. Em nosso país o jorção. O fenômeno não é aleatório. nalismo de interesse público está Obviamente está sendo manobra- entregue aos meios comerciais, à do por quem tem poder de contro- publicidade. As relações de poder lar esses fluxos. Todo esse proces- se dão cada vez mais no âmbito econômico e político e estão molso está associado à deseducação. Sabemos que o jornalismo não dando as informações de acordo pode cumprir o seu papel na so- com os interesses de quem paga ciedade sem informação de quali- por elas. dade, mas se a sociedade não for Temos que pensar outras formas educada para perceber o que o de viabilizar financeiramente o O jornal Marco Zero é uma publicação feita pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter Coordenadora do Curso de Jornalismo: Nívea Canalli Bona Professores responsáveis: Mauri Konig e Roberto Nicolato

Diagramação: Luiz Eduardo Rocha

Ariane Beatriz

Projeto cultural Tuboteca ... Do tamanho de Curitiba, mas... não coube em um tubo. O que faltou?

jornalismo que não dependa de um modelo de negócio e que dependa desse tipo de jogo para sobreviver. É preciso financiar de alguma forma a informação livre e mobilizar os cidadãos para isso. Nos últimos anos, o surgimento de veículos com conteúdos diferenciados tem ganhado a rede, o jornalismo alternativo, aquele que trata de temas que a mídia convencional não aborda. Dá voz aos esquecidos pela sociedade e busca se manter sem influências políticas e econômicas de grupos interessados em manipular informações. Esses veículos alternativos buscam sustentação financeira em fundações e financiamentos coletivos para produção de reportagens. Ainda é um campo em estudo, mas no que tange ao jornalismo, são saídas possíveis para a informação de qualidade e de interesse público. É um tipo de jornalismo que tem sido propagado na internet, e por esse motivo pode não alcançar todos os públicos. Segundo o IBGE, a internet alcança mais de 50% das casas dos brasileiros, mas a televisão está em 95% dos domicílios. É preciso refletir sobre a relevância da pesquisa, das faculdades de comunicação e de jornalismo. Aplicar as descobertas, efetivamente, para contribuir em educação e informação, resgatar os valores do ofício jornalístico a fim de valorizar as questões humanas. Favorecer o acesso à informação, criando canais e meios para que o jornalismo de qualidade alcance esse público. Denise Becker também é pesquisadora no grupo Jornalismo Alternativo na Era Digital do Curso de Jornalismo da Uninter. Uninter - Campus Tiradentes Rua Saldanha Marinho, 131 80410-150 |Centro- Curitiba PR

Projeto Gráfico: Cíntia Silva e Letícia Ferreira

E-mail comunicacaosocial@grupouninter.com.br

Telefones 2102-3336 e 2102-3380.

Achei bacana, faltou divulgação eu acho, porque quando eu ví lá no tubo da Rui BarboAline sa, achei que Vitvaszyn, 24 era uma banca Comunicóloga para propaganda das lojas, porque só tinha panfletos. Eu não sei, mas acho que faltou gerenciamento, porque começou bem, eu até peguei Marina um livrinho Barbosa, 26 Controladora lá no tubo da Carlos Gomes, de vôo mas quando fui devolver, não tinha mais nada e nunca mais vi livro por lá, só tem catálogos de igrejas e lojas. Nunca ouvi falar, nem ví, tem em quais terminais? Aonde eu pego Luiz Fabio, 21 ônibus não deve ter, se bem que Instrutor de artes marciais estou sempre correndo e nunca presto atenção ao redor.

Cesar Zardo, 27 Fotógrafo

Conheço, faltou implantarem em todos os tubos e principalmente educação do povo para pegarem os livros e devolverem e contribuir com

novos livros. Projeto bem legal, pensei que iria expandir para o resto do Brasil, mas poucas pessoas Evelyn ficaram sabendo Lara, 27 e pouco lugares Personal tem, então trainer acredito que esse é o principal motivo de não estar vigente.


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PERFIL

‘‘Meu pai é um mau-caráter e eu o odeio’’ Youtuber faz um desabafo surpreendente e revelador na internet.

Alexandre ( Inu) o criador de conteúdo e atual dono do canal.

Foto: Angélica Satler

É com esse título polêmico, que se inicia mais um vídeo do youtuber brasileiro Alexandre Villar de 27 anos. Mais conhecido, pelos fãs e amigos como “Inu” (nome derivado do protagonista principal de um anime chamado InuYasha). Ele é o criador e principal produtor de conteúdo do canal que também leva seu apelido o “InuVlog”. Alexandre aproveitou o último dia dos pais 13\08\16, para falar sobre sua relação paterna tumultuada numa espécie de desabafo virtual para com os seus inscritos. Em exatos, 7 minutos e 10 segundos ele discorre sobre alguns dos seus problemas com o pai, ressaltando logo no início que a única coisa boa que o mesmo lhe legou foi o gosto pela leitura e a escrita e que, na maior parte do tempo, ele agia como um ditador, muitas vezes desconfiando do próprio filho sem motivo aparente Nesse vídeo, assim como em todos os outros, vemos Inu vestido de um jeito simples e confortável agindo sempre de forma descontraída, como aquele velho amigo que nos inspira confiança e com quem nunca conseguimos ficar bravos. Sempre pronto, para fazer alguma piada e ao mesmo

Foto: Angélicwa Satler

Icaro Couto

tempo abordar um tema sério ele gia e mais seis meses de jornacomeça a falar expressando um lismo. Ambas as graduações, pouco de cansaço tanto na feição tiveram que ser interrompidas quanto na voz, como se abordar devido aos atritos com o pai. aquele assunto justamente na- O homem simplesmente parou quele dia fosse algo muito peno- de pagar a faculdade, para susso, como uma ferida ainda não tentar a sua nova namorada e a bem cicatrizada. Mas, mesmo filha dela, deixando Alexandre diante desse desconforto em to- impossibilitado de continuar os car nesse assunto tão delicado. estudos, sendo que anteriormenEle não tem papas na língua, na te ele nunca havia pago sequer hora de falar sobre todos os “po- um centavo de pensão para exdres” do seu genitor e das várias -mulher e o filho. Fato esse situações de negligência que fi- que ainda gera muito rancor em zeram com que pouco a pouco, Alexandre que faz questão de ele perdesse deixar explícito todo o respeique gostaria de to e afeto pelo “A rejeição acabou acertar as contas mesmo. com o pai em seu gerando em Inu Quando vídeo, deixando perguntado so- um sentimento claro que adorabre a repercus- de isolamento e ria ter que usar a são do vídeo, força bruta caso ele fala que solidão” necessário. houve muita Essa rejeição empatia por parte do seu público. acabou gerando nele, um sentiMuitas pessoas, com histórias de mento de isolamento e solidão. vida parecidas com a dele, se so- Sendo que até hoje Inu prefere lidarizaram e escreveram diversas fazer as coisas sozinho a ficar declarações de apoio e também contando com a boa vontade de desabafos nos comentários no terceiros. Todos esses fatores, Youtube e no Facebook do canal. somados ao desejo de um dia Apenas o pai aparenta não saber voltar a cursar psicologia para de nada, já que, segundo o filho, ajudar as pessoas foram o estoele não sabe mexer no computa- pim, para que surgisse a ideia de dor e mesmo que soubesse não se criar um canal no Youtube. Uma importaria. atividade que também o ajudou O jovem possui em currícu- a superar a depressão, doença lo cursos como: fotografia, web da qual ele sofre já faz algum design, quadrinhos, photoshop e tempo e que o aflige constantecriação de jogos além de já ter mente, voltando de tempos em cursado seis meses de psicolo- tempos para atormentá-lo.

O perfil de Alexandre, segundo uma amiga De acordo com Angélica Satler Ferreira Cabral, 26 anos, Alexandre Villar, o Inu, é uma pessoa muito criativa e racional. Possuindo uma visão de mundo bem abrangente e diferenciada da maioria das pessoas e sua maior qualidade seria a determinação, pois nas palavras dela – “Se ele quer algo, não desiste”. “Ela também compreende, e concorda com o fato dele querer distância física e emocional do pai ausente, alegando que o rapaz trata a todos com sinceridade, algo que às vezes é bem aceito e outras nem tanto. “Por ser comunicativo e engraçado, ele tem muita facilidade para se enturmar”, destaca, dizendo que a única coisa que falta, para ele, é demonstrar mais empatia de modo a conseguir a confiança das pessoas e, consequentemente, amizades mais duradouras. Angélica diz que conheceu Alexandre há 8 anos enquanto trabalhava com divulgação externa na antiga Microlins. Ele passava de carro na rua em que ela estava trabalhando e a reconheceu de um evento de animes (Matsuri) ocorrido uns dias antes. Então parou e pediu seu MSN e assim se iniciou uma amizade que perdura até os dias de hoje. Ela ainda afirma, com uma certeza férrea, que ele tem potencial para chegar muito longe como youtuber. Pois além de ser muito dedicado, tem evoluído muito aprendendo com os erros e, consequentemente, está melhorando bastante, recebendo sempre muito carinho e empatia por parte dos fãs. Tal afeto se reflete muito sob a forma dos vários convites para cobrir eventos ligados à cultura geek em geral, os quais Inu recebe com muita alegria, se esforçando ao máximo para comparecer ao maior número deles possível, de modo a aproveitar também para divulgar seu trabalho no Youtube. Angélica também comenta que o grande reconhecimento de Alexandre por parte dos fãs se deve a sua humildade e a sua capacidade de reconhecer seus erros e trabalhar em cima deles,usando-os como uma catapulta para alçar voôs maiores.

Inu fazendo a divulgação do seu vídeo em um evento.


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CIDADE

Academias ao ar livre, você sabe utilizar? Será que todos os usuários das academias ao ar livre algum dia pararam para ver as instruções de como utilizar os equipamentos? Gutstein

Curitiba tem em funcionamento 199 academias de ginástica ao ar livre, distribuídas nas dez regionais da cidade. Até o final do ano, esse número chegará a 250. Mas será que todos conhecem a funcionalidade de cada equipamento? Henrique Gomes Rodrigues, de 57 anos, frequenta a academia ao ar livre do Parque Barigui e diz que gosta do projeto, já que dá a possibilidade de realizar exercício de forma gratuita. Porém, não acha muito didático a ilustração com as orientações instaladas dos equipamentos. “O personagem na ilustração deveria ter o sinal do músculo que aquele aparelho exercita, mas eu não sou nenhum especialista, e não sei para que serve todos os aparelhos”. Em outra academia, próximo ao Caiuá, Jeferson Nogueira, de 31 anos, diz que antes de ser pichado ele acompanhava pelo painel os equipamentos. Mas os idosos não olham e fazem por conta própria. “Acho didático as informações para quem sabe ler, porque só olhando a imagem do equipamento não tem como identificar para que serve”. A placa com as instruções de uso não são iguais em todas as academias ao ar livre. A empresa

Helen Gutstein

Helen

Favretto venceu no início do ano uma licitação para cuidar da manutenção dos equipamentos das academias em troca de publicidade nas placas que ficam próximas. De acordo com a empresa, a Prefeitura de Curitiba tem vários fornecedores de academias, assim as placas podem ser diferentes. Quanto à padronização, já que a instrução não fica clara em algumas academias, informou que está verificando e ajustando o layout. Entretanto, no site da prefeitura a ilustração já conta com esse novo layout e não aparecem só os equipamentos com a escrita ao lado, mas também um personagem simulando a sua utilização dos equipamentos.

Manutenção

Um ponto relevante apontado por moradores é a segurança nos locais e a manutenção. Como todas as academias ficam em áreas verdes, como parques ou praças, esse planejamento se deu através de indicação parlamentar, solicitações da comunidade e estudos técnicos junto à Secretaria de Meio Ambiente, segundo a prefeitura de Curitiba. Mesmo sendo um projeto aprovado por muitos moradores que não praticavam exercícios antes, a reclamação é grande pela falta de segurança e manutenção. Moradora do bairro Caiuá, Julia Buczek, de 60 anos, conta que frequenta todos os dias a academia do bairro. Relata que mesmo que

Primeira academia ao ar livre implantada em Curitiba, localizada no Parque Barigui.

tenha um módulo de polícia ao lado, não se sente segura. “Eu já fui assaltada três vezes e já presenciei outros assaltos na frente do módulo. Acredito que deveria ter uma câmera aqui, porque os vândalos aparecem à noite”. Jeferson Nogueira também não acha um lugar seguro para ir à noite, já que a academia tem apenas uma luminária e nem sempre ela funciona. Enquanto os usuários da academia praticavam o seu exercício diário, a manutenção do solo estava sendo feita. Julia Buczek disse que fez diversas reclamações,

porque quando chovia a academia alagava e ela não podia usar. Depois de tanto tempo, o problema está sendo resolvido. “Eu cheguei a ir até a Secretaria do Esporte e Lazer reclamar e eles me disseram que só em março seria arrumado. Mas como nós utilizamos, eu mesma colocava óleo nos equipamentos e cuidava”. De acordo com informações da prefeitura, a manutenção existe e pode ser solicitada através de ações desenvolvidas junto ao telefone 156, relatórios gerenciais e ações regionalizadas.

Outro morador do conjunto Rondon, que não quis se identificar, frequenta a academia da região. Ele tem aproximadamente 70 anos. “Eu gosto dessa academia e da estrutura dos equipamentos, e zelo o local. Muitas vezes eu mesmo corto a grama, porque a prefeitura não vem fazer isso”. Parece que o local está abandonado. A reportagem fez contato com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e a Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude (SMELJ), mas não obteve retorno.

Helen Gutstein

A inclusão faz parte Projeto da prefeitura de academias ao ar livre híbridas não sai do papel No início de 2015, a Prefeitura de Curtiba informou que R$ 110 mil estavam garantidos no orçamento da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude (SMELJ) para a construção de duas novas academias ao ar livre híbridas, que podem ser usadas por pessoas com ou sem deficiência. O valor está distribuído em quatro emendas à Lei Orçamentária Anual (LOA), de iniciativa do vereador Paulo Salamuni (PV). Entretanto, o projeto não saiu do papel. A prefeitura relata que, dentro do processo licitatório, houve questionamentos legais sobre o real proprietário da patente dos equipamentos híbridos. Com esse conflito entre as empresas concorrentes e diversos recursos apresentados, o processo foi perdido porque o recurso financeiro deu-se através de emenda parlamentar (recurso próprio da prefeitura), que teve seu encerramento legal em 31 de dezembro de 2015.

Moradores da região praticando exercício na academia ao livre do Conjunto Rondon.


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CIDADE

Frutas nas ruas para “comer com os olhos” Ambulantes, que antes sonhavam com emprego fixo, encontram uma saída na venda de produtos alimentícios nas avenidas da capital paranaense.

O dia em Curitiba nem sempre é chuvoso. A cidade tem raros dias de sol sem nuvens, com um clima gostoso. Numa breve caminhada pela Rua XV, pode-se encontrar muitas pessoas apressadas, indo ou voltando do trabalho, conversando no celular ou andando com amigos. Há gente distribuindo panfletos, pedindo um trocado ou chamando os clientes para o almoço. Em uma terça-feira qualquer, caminhando pelas ruas da cidade, também pode-se encontrar pessoas que não podem almoçar, por pressa ou por falta de dinheiro. E vão em busca de algo para sua refeição e ao mesmo que uma banda toca rock e MPB para alegrar essa hora do dia. É o momento dos ambulantes, que se encontram em pontos estratégicos com suas barraquinhas de cachorro quente caldo de cana e frutas. Ponto como os cruzamentos centrais da cidade, a exemplo da esquina das Marechais Floriano e Deodoro, seja na hora do almoço ou no fim do dia.

Histórias reais

Existem em toda a cidade 1.295 trabalhadores ambulantes,

A lei municipal n° 6.407/83, Art. 1º, considera comércio ambulante a atividade temporária de venda a varejo de mercadorias, realizada em logradouros públicos, por profissional autônomo. Sem vinculação com terceiros, pessoa jurídica ou física em locais ou horários previamente determinados. Para fins de autorização a que se refere o artigo 3º, os interessados deverão providenciar o cadastramento no Departamento de Urbanismo.Isto deve ser feito mediante a apresentação de documento de identidade, carteira de saúde atualizada, duas fotos 3x4, comprovante de residência e declaração firmada pelo interessado. Além disso, deve informar sobre a natureza e origem da mercadoria que pretende comerciar.

Maria Laura Genkiwicz

Para se tornar ambulante

Ofício de família: Jhennifer Fernanda é filha e neta de feirante Maria Laura Genkiwicz

Maria Laura

em sua maioria vendedores de cachorro quente e caldo de cana. Há 53 pontos de venda de frutas, como o de Antônio Carlos Barbosa, de 55 anos, procedente da cidade de Altônia (PR). Com uma barraca pequena, ele conta que no fim do expediente acontece o armazenamento das frutas dentro da barraca e é necessário retirar o que está sobrando nos caixotes expostos. Habilidosamente, ele vai repondo novos morangos no lugar das bandejas que saem, enquanto uma senhora muito humorada pede por jabuticabas, mas não as leva por que estão muito maduras. Seu Antônio diz em voz baixa: “é que essas vieram no sábado, já fazem alguns dias”. Antônio foi trabalhador da roça e quando criança sonhava em ser jogador de futebol, mas teve o sonho esquecido por não ser suficientemente bom de bola. Ele até jogou em alguns times do Norte do Paraná, mas sua vida tomou outro rumo. Com um irmão morando em Curitiba, resolveu tentar a vida na capital e, após ser ajudante de uma senhora em outra barraca de frutas, adquiriu a sua própria. Como ele mesmo diz, precisa alimentar os filhos. Podemos perceber como boas histórias sempre estão ao nosso redor, basta estarmos abertos para ouvi-las.

Ficou curioso?

Para conhecer mais sobre a legislação que reger a atividade de ambulante, você pode acessar o site pelo link abaixo. Site:goo.gl/a9zdRE

Algumas das frutas disponíveis para venda nas ruas de Curitiba

Conheça histórias de pessoas que ganham seu dinheiro e contribuem com a saúde de outras Em outra barraca de frutas, na Emiliano Perneta, tem-se uma variedade de morangos, uvas, mexericas, ameixas, pêssegos, nectarinas, bananas e peras, não esquecendo das maçãs chilenas. Uma senhora está desconfiada. Ela escolhe morangos e procura os mais bonitos. O dia é uma sexta-feira depois do feriado. Apesar de muitas pessoas terem emendado os cinco dias do feriadão, outras estavam em horário habitual de trabalho. Elas passam apressadas e conectadas em seus pensamentos, ou em seus smartphones. Porém, alguns passantes paravam para comprar uma bandeja de morango, que parece ser a escolha de muitos curitibanos, a fruta da estação. Em uma barraca simples e

modesta, mas muito limpa e organizada, encontra-se Sebastião Tavares da Silva, de 72 anos. Ele trabalha há 28 anos em barracas de frutas. Enfatiza algumas vezes que as duas barracas são da família, já que uma está em seu nome e outra em nome de seu filho, Valderir Dorizete da Silva, de 43 anos. Tavares veio do Norte do Paraná, de Ivaiporã, e como em Curitiba não achou outro serviço, acabou vendendo frutas. Primeiro na Praça Rui Barbosa e depois na Emiliano Perneta. Sebastião ainda reforça: “Trinta e poucos anos atrás, estávamos em uma crise financeira como hoje, e não se conseguia empregos facilmente”. Queria parar de trabalhar, mas não quer ficar em casa. Com alegria, conta que é bisa-

vô, e que seus quatro filhos já estão casados. É desconfiado, mas aos poucos vai contando fatos da sua vida, além de tratar muito bem os clientes. Ele se esforça e estica ao máximo para pegar uma bandeja no lugar mais alto, pois uma cliente apontou o que desejava. Aline Vieira, de 45 anos, sorridente e muito simpática, conta que ano passado trabalhou cinco meses seguidos na barraca com Sebastião, mas atualmente “faz uns bicos” de vez em quando, em seus dias de folga. Ela vive como faxineira, mas diz gostar muito de trabalhar na barraca. A variedade de frutas no local é grande, com banana, laranja, carambola, fruta- do-conde, morango, kiwi e maçã. Todas muito bem organizadas e de fácil loca-

lização na pequena barraca e em poucos minutos é fácil perceber quão fácil é a relação entre Sebastião e os consumidores. Uma senhora de roupas confortáveis e discretas diz que era a primeira vez que comprava morangos pela primeira vez ali, mas pareceu contente com a aquisição. Levou uma bandeja da fruta. A neta de Sebastião, Jhennifer Fernanda da Silva, de 26 anos, trabalha há 8 ou 9 anos na barraca de frutas.E demonstra total habilidade em chamar a freguesia. Em uma tarde quente, as frutas são disputadas por passantes, entre eles mulheres, homens, senhoras e jovens que passam “comendo com os olhos”. Com um sorriso, Jhennifer explica aos consumidores qual

variedade de uvas e morangos na barraca de sua família. Seu avô pergunta: “Quanto foi o dessa senhora”? Ela rapidamente vai olhar na balança e responde ao avô, que estende o troco à senhora, isso tudo em pouquíssimos segundos. Os clientes se aproximam, compram e saem a todo instante.

“Há 30 e poucos anos, estávamos em uma crise financeira como hoje e não se conseguia empregos facilmente” Sebastião Silva.


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Oito entre dez casos de violência con

A violência praticada contra crianças e adolescentes bate à porta do curitibano e, al Denise Becker

Era uma casa aparentemente normal por fora. Ela tinha teto, paredes, quintal e até animal de estimação. Por dentro, era uma casa muito perversa, tinha cenas criminosas, gritos e choros. Mas ninguém via! Do bercinho, ela presenciava o pai abusar da irmã de cinco anos. A menina de um ano e oito meses chorava e gritava muito. Essa era a cena que ocorria dentro daquela casa. No quarto do casal, dormia tranquilamente a mãe das meninas. Dizia pensar que o choro e gritos seriam “coisa de criança” e que isso sempre acontecia quando o pai ia prestar “cuidados” às filhas. Isso era frequente e comum. Enquanto o pai abusava sexualmente da sua filha de cinco anos, dava tapas e socos no bebê em seu bercinho, para que parasse de chorar e gritar. A mãe conta que ela sempre “fazia escândalos, mas o pai dava umas palmadinhas e ela logo dormia novamente”. A menina não resistia a tantos golpes na cabeça, caía, desmaiada, em seu

bercinho e acordava horas depois. O pai, ao terminar o ato, retornava ao seu quarto e deitava-se com sua esposa para dormir. Certo dia, a mãe da menina não pôde evitar as evidências do que acontecia em seu “lar”. Procurou ajuda e, no hospital, a psicóloga ouviu seu relato: - Eu estava arrumando a cama da minha filha de cinco anos e, de repente, caiu algo no chão. Ela logo correu para me alcançar. - Mamãe, eu sei o que é isso! -É mesmo filha, e o que é? - O papai sempre coloca isso comigo! - Era uma camisinha fechada, que estava guardada debaixo do colchão da cama da minha filha. Foi aí que descobri tudo e decidi procurar ajuda. Essa cena descrita pela psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe, Marianne Bonilha, para a reportagem do jornal Marco Zero, é um caso real e retrata o dia a dia de inúmeras famílias curitibanas. Essa é somente uma das situações relatadas pela psicóloga. Em 2015, do total de 4.421 crianças e adolescentes notificados residentes em Curitiba, 86,7% sofreram violência intrafamiliar, ou seja, a que acontece no ambien-

te doméstico, no âmbito das relações familiares. Os dados da violência em 2015 foi um levantamento feito pela Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco e apontou o perfil dos casos notificados. Em 2002, os registros indicavam 915 notificações de violência e em 2015 o número subiu para 5.705 notificações de violência contra crianças e adolescentes. Quanto ao tipo e a natureza da violência o relatório mostra que a violência intrafamiliar corresponde a 86,7%, e a negligência prevalece com 67,2%, seguida da violência psicológica, 12% e da física, 11,2%. A violência sexual representou 6,4% das notificações com 320 casos e o trabalho infantil aparece com 165 notificações, 3,3%. A psicóloga relata que em 2016 o Hospital Pequeno Príncipe já registrou 300 casos de violência intrafamiliar. As mais comuns, segundo ela, são a negligência, violência física e o abuso sexual. Os dados fornecidos pela Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco mostram que a negligência é o fator de destaque na violência que ocorre dentro dos lares. Mas você sabe o que é negligência?

As pessoas precisam prestar atenção no outro e no que está acontecendo do seu lado Capitão Fragoso, coordenador 181/Paraná

Negligência

O dicionário diz que negligência é desleixo, descuido, desatenção, menosprezo, preguiça, indolência. Segundo a psicóloga Bonilha, a negligência pode ser entendida como situações de omissão em relação aos cuidados básicos que uma criança e adolescente necessitam para o seu desenvolvimento e que inclui ausência de educação, alimentação, higiene, remédios e afeto. São situações que vão da “privação de alimentos até o abandono da criança em casa por longos períodos. Algumas vezes as mães ou responsáveis deixam os pequenos pouco agasalhados, sem comida e ainda os forçam a realizar atividades domésticas

que colocam em risco sua integridade física”, diz a profissional. Em Curitiba, as instâncias competentes para promover a proteção e garantir que os direitos fundamentais na infância e adolescência não sejam violados estão representados por uma Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco e envolve os seguintes atores sociais: hospitais e unidades básicas de saúde; Fundação de Ação Social (FAS); Guarda Municipal; serviços de educação; Conselho Tutelar; Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP); sociedade civil e o Núcleo de Proteção a Crianças e Adolescentes Vítimas de Crime (Nucria).

Conselho Tutelar e o Nucria

Foto: Ais Aquino

O Conselho Tutelar é uma porta de entrada do atendimento nos casos de violência contra crianças e adolescentes. Recebe notificações obrigatórias, que são apontamentos provenientes da saúde, educação e Fundação de Ação Social (FAS). “O Conselho não é uma política de atendimento direto. Dependendo da situação, o conselheiro pode ir até a residência, mas não é comum. Ele pode requisitar os serviços públicos, educação, assistência social e delegacia de polícia, via Disque 100 e 156, que são links para denunciar”, diz o conselheiro tutelar Jaber Geraldo Gonçalves Pinto, da Regional Santa Felicidade. São nove regionais em Curitiba e nove conselheiros tutelares; 45 ao todo e a demanda é de acordo com a localidade. Jaber Gonçalves diz que os casos mais comuns que chegam aos Conselhos Tutelares são dos setores de educação, devido a evasão escolar e por falta de educação infantil. “A criança tem o direito de estar dentro do CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) e não tem vaga, não adianta requisitar, a vaga não existe. Esse é um direito da criança que está sendo violado”, afirma. As demandas secundárias vêm da saúde e negligência familiar. Segundo ele, as maiores dificuldades para atuação são a falta de políticas públicas e de CMEI. Dos casos atendidos pelo Nucria 90% são crimes sexuais, de maus-tratos e lesões, no ambiente doméstico. O Nucria é um centro especia-


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ntra crianças acontecem em casa

lguns, não querem abrir. Não fazer nada também é uma agressão. dos pelo Nucria, 90% estão nestes dois vértices, crimes sexuais, de lesões e maus-tratos no ambiente doméstico”, afirma a delegada de polícia Patrícia C. Nobre Paz. Ela relata que a grande dificuldade na atuação do núcleo se dá pelo fato de que as vítimas geralmente “são crianças na mais tenra idade, na faixa de um, dois, três aninhos, às vezes oito anos” e estão dentro de casa. “Então como saber, como conseguir colher os elementos suficientes para indiciar e condenar? ”, diz a delegada. Foto: Ais Aquino

A vítima é vulnerável e não tem capacidade de se defender

Arte: Denise Becker

lizado e atende crimes praticados contra crianças e adolescentes. São eles: crimes sexuais; ditos de pedofilia (fotografias, imagens que envolvem pedofilia); maus-tratos e lesões. “Basicamente são os crimes que nós atendemos. Sem dúvida nenhuma, os mais recorrentes e comuns são no ambiente doméstico, abrangendo padrastos, madrastas, mães e pais. Todos os crimes que a gente chama de domésticos são os que ocorrem na família, dentro de casa, e também os sexuais, que abrange o estupro e atos libidinosos. Dos casos atendi-

Denuncie

Foto: Ais Aquino

O coordenador estadual do 181, Capitão Fragoso, disse em entrevista ao jornal Marco Zero que houve um aumento nos registros de ligações nos meses de julho e agosto se comparados com o período entre fevereiro e junho de 2016. De fevereiro a junho ocorreram 46 denúncias; de julho a agosto, 138 denúncias. O capitão atribui esse aumento de ligações às campanhas que incentivam denúncias e são veiculadas na mídia. “O principal desafio é enfrentar a indiferença das pessoas, o que inviabiliza o trabalho dos agentes sociais, conselheiros e demais profissionais que atuam nessas situações. As pessoas precisam prestar atenção no outro e no que está acontecendo ao seu lado. ” A criança que sofre violência vive uma confusão de sentimentos. Em alguns momentos, ela sente culpa, medo, vergonha, prazer, raiva. Em outros, a realidade é desconcertante, pois amar e odiar alguém que deveria dar amor, cuidado e proteção, gera na criança uma miscelânea de emoções. A família serve como base de aprendizado para toda criança e adolescente, para o bem e para o mal. Qualquer cidadão que saiba ou suspeite de algum caso de desrespeito aos direitos da criança e do adolescente deve denunciar, utilizando o Disque Denúncia, um serviço de proteção da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disque 156 Central de Atendimento da Prefeitura de Curitiba. Disque 181.

DISQUE 100 DISQUE 181 DISQUE 156 A ligação é gratuita e a identidade do denunciante é mantida em sigilo. O serviço funciona 24 horas por dia, finais de semana e feriados. Não fazer nada também é uma agressão. Denúncia por e-mail: disquedenuncia@sedh.gov.br O ambiente doméstico está no topo dos registros.


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COMPORTAMENTO

Violência contra transexuais preocupa ONU

Em 2015, foram assassinados 318 LGBTs no Brasil, um crime a cada 27 horas. Toledo

No dia 7 de agosto deste ano, a Lei Maria da Penha completou dez anos e agora mulheres transexuais também são amparadas pela legislação, que defende os direitos sociais e também contra a violência psicológica e física. Em abril desse ano, a ONU divulgou um relatório onde aponta uma grande violência contra as pessoas transexuais nas Américas. O banco de dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), atualizado diariamente no site “Quem a homofobia matou hoje”, registrou, em 2015, 318 crimes de ódio contra a população LGBT. Em termos absolutos, o estado com mais mortes foi São Paulo, com 55 assassinatos, seguido da Bahia, com 33. Segundo o relatório, em janeiro desse ano foram registrados 30 assassinatos contra LGBTs, um por dia. Ainda de acordo com o relatório do GGB, o risco de uma trans ser assassinada é 14 vezes maior do que um gay e 28% das vítimas têm entre 19 e 30 anos. Mas além da violência física, a violência psicológica é outra agressão enfrentada pelas pessoas trans. A psicóloga Danielle Alves explica que a violência psicológica é toda forma de expressão usada por terceiros, na tentativa de diminuir alguém. A transexual Renata Lisboa, de 22 anos, conta que há dois anos sofreu pressões psicológicas da sua família. “Quando minha transexualidade começou a aparecer, eles começaram com pressões psicológicas para que eu virasse homem. Me xingavam e faziam piadas sobre mim”. Renata conta ainda que houve tentativas de persuasão. “Em um dia quando chego em casa todas as minhas coisas foram tiradas do meu quarto. Eles só me deixaram com um colchão e uma coberta. Eles queimaram todas as coisas que comprei, que eles julgavam ser de meninas, e também tentaram me exorcizar.” Depois de algum tempo, Renata diz que tentou se matar cortando os pulsos. “Mesmo saindo muito sangue, eu não morri. Eu carrego as cicatrizes até hoje”. Segundo a psicóloga, a violência psicológica traz danos graves à vida de uma pessoa. Ela comenta

Camila Toledo

Camila

que elas chegam a atentar contra a própria vida, se deprimem, apresentam quadros de transtorno do pânico me outras patologias. Renata também conta que teve de sair de casa, pois sua família não a aceitava como ela era. “Eu saí de casa e fiquei mais de um mês na rua. Passei fome, passei frio e passei muito medo. Cheguei a ficar 15 dias com a mesma roupa, sem tomar banho, e cheguei a pesar 36 quilos”

Impactos A psicóloga Danielle Alves diz que, tanto a violência física quanto a psicológica, na maioria das vezes, já começa ocorrendo dentro da própria família. “São pais que agridem seus filhos pelo simples fato de não satisfizeram suas ‘expectativas’ de um filho ‘macho’, ‘viril’ e ‘pegador’”. Depois de quatro meses na rua, Renata diz que procurou a ONG Transgrupo Marcela Prado, que a encaminhou a uma casa de abrigo LGBT. Renata afirma que hoje está muito bem psicologicamente e fisicamente. O Transgrupo Marcela Prado é uma ONG fundada em 2004 que atua nos direitos de transexuais, mas também atente toda a população LGBT e até hétero. O grupo tem diversos projetos relacionados aos direitos da pessoa trans, como por exemplo, o auxílio na parte jurídica. A advogada do grupo, Gisele Alessandra Schmidt Silva, conta que a ONG acompanha vários casos de violação de direitos das pessoas trans e que também promove direitos, como por exemplo, a retificação do pré-nome. Segundo o relatório do Transgrupo, somente no mês de julho atenderam 78 casos de violação de direitos de pessoas LGBT e héteros. A advogada cita dois casos que acompanhou. “O primeiro foi da transexual Natasha, queimada por um grupo de jovens em dezembro do ano passado, e que acabou morrendo no hospital, após dois meses de internação. E de outra trans internada em uma clínica psiquiátrica pela própria família, na intenção de reverter a transexualidade dela.” Para dúvidas, denúncias e informações no geral disque 100. Para mais informações sobre a ONG, ligue (41) 3322-3129.

O Transgrupo é uma ONG que axilia nos direitos das pessoas trans.

Preconceito existe até nas universidades No início do ano, uma transexual ficou em primeiro no vestibular da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Mas muitas sofrem não somente com casos de violências físicas e psicológicas, muitas transexuais enfrentam dificuldades ao tentar entrar para a vida acadêmica. É o caso da transexual Renata Borges Branco, de 33 anos, que já prestou sete vestibulares. “A maior dificuldade é o preconceito contra as pessoas trans”, afirma Renata comenta dois casos de constrangimentos pelos quais pas-

sou. “Em 2012, prestei o ENEM e fui colocada em um sala com vários ‘Jorges’, que é meu nome civil”. O outro caso nesse ano, quando prestou o vestibular da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). “Quando fui fazer minha inscrição no vestibular da UEPG, eu mandei um e-mail para a comissão pré-vestibular falando da minha transexualidade e sobre o meu nome social. Eu pensei que seria respeitada”. Foi a pior coisa que fez. “Minha carteira era a primeira, então todos que entravam na

sala me viam. Foi extremamente humilhante”. Atualmente, o processo de retificação do pré-nome da Renata Borges Branco está sendo acompanhado pelo Transgrupo Marcela Pardo. Além disso, o Transgrupo oferece apoio psicológico. “ Muitas pessoas chegam até nós em situações horríveis”, comenta a advogada da ONG, Gisele Alessandra Schmidt Silva. A ONG também realiza campanhas de prevenção à AIDS e realiza o teste para certificação da doença.

Renata Lisboa prestou sete vestibulares, e relata ter sofrido constranimento por parte dos aplicadores do exame e dos outros participantes.


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Preconceito, um ato de terrorismo Icaro Couto

Os recentes atentados terroristas na Europa e nos EUA têm causado inúmeros impactos em vários setores da sociedade ao redor do mundo. Porém, os mais prejudicados com isso têm sido os integrantes da comunidade muçulmana, que acabam sendo vítimas de preconceito e xenofobia por parte de pessoas desinformadas que os associam a grupos extremistas e fundamentalistas, como o Estado Islâmico, Hezbollah, Al Qaed a e Talibã. Até mesmo em locais distantes dos focos de atentados, como Curitiba, vem acontecendo episódios desagradáveis envolvendo discriminação. Apesar de o Brasil não ter sofrido nenhum tipo de ataque, os muçulmanos que aqui residem e praticam sua fé também acabam sentindo o impacto desse ódio e medo generalizado, muitas vezes propagado de forma inconsciente pela própria mídia. Esse sentimento de repúdio em relação ao Islã e seus adeptos é denominado oficialmente como Islamofobia e, de acordo com a Enciclopédia da Raça e Estudos Étnicos, os meios de comunicação social são muitas vezes os grandes responsáveis por perpetrá-la, pois na maioria dos casos retratam o Islã como bárbaro, irracional, primitivo e sexista. Cientes da necessidade de realizar um trabalho de desmistificação perante a sociedade, muitos líderes muçulmanos estão promovendo iniciativas de aproximação e conscientização em suas mesquitas, numa tentativa de educar o público leigo acerca dos valores e da história do verdadeiro Islã, deixando bem claro que, em sua grande maioria, os terroristas são integrantes de vertentes extremistas, cujas atitudes não são aceitas e toleradas pela grande maioria da comunidade vigente. De acordo com o professor em docência do ensino religioso e diretor da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná, Gamal Oumairi, infelizmente já houve casos de preconceito registrados entre a comunidade muçulmana de Curitiba, principalmente entre as mulheres, devido ao uso do véu que proporciona uma rápida identificação das mesmas. Por causa disso, muitas encontram dificuldades para arrumar emprego e passam por constrangimentos na hora de tirar carteira de motorista ou

fazer RG. Gamal também lembra que no passado, após o atentado na França, duas muçulmanas levaram pedradas e cusparadas no rosto no centro da cidade. Segundo ele, a desinformação e a ignorância muitas vezes voluntária por parte das pessoas são os grandes motivos para a disseminação desse preconceito. A ignorância acaba inevitavelmente levando ao extremismo, colocando a harmonia e a paz na sociedade em risco. Ainda segundo ele, a Mesquita Imam Ali ibn Abi Talib cujo nome é uma homenagem ao genro e sucessor do profeta Maomé, situada perto do Largo da Ordem, no centro da cidade, realiza alguns trabalhos a fim de tentar conscientizar as pessoas sobre o que é o verdadeiro Islã, como a exibição de um programa de televisão chamado “As Chaves do Paraíso”, transmitido pela TV Comunitária no canal 5 da Net, todas as quintas - feiras as 20h30. O programa aborda temas referentes à religião muçulmana numa linguagem simples e direta. Também são usadas outras mídias, como o Facebook. Juntamente com tudo isso, são oferecidas aulas semanais ministradas ali mesmo na Mesquita, que recebe em torno de 8 mil alunos e 30 mil turistas por ano. Gamal salienta que em breve será aberto um museu de arte e cultura dedicado à religião islâmica. Dessa forma, ele espera que as pessoas tenham um maior acesso ao conhecimento e evitem fazer julgamentos precipitados. Sobre o porquê de tantos jovens de diferentes nacionalidades se identificarem e procurarem se unir a grupos terroristas, o professor deixa claro que se trata apenas de uma ideia de poder e teologia da prosperidade que tais grupos “vendem” para esses simpatizantes, fazendo-os acreditar que, unindo-se à causa deles, essas pessoas serão respeitadas e obterão muitas riquezas e facilidades. Porém, uma vez que o indivíduo é aceito em um desses grupos, acaba se tornando meramente um refém dos terroristas, só podendo deixar a organização em caso de morte em combate. Muitos são os jovens que se arrependem tardiamente dessas escolhas erradas. Ainda de acordo com Gamal, a maioria dos grupos terroristas possui toda uma gama de aparato publicitário a fim de propagar suas ideologias mundo afora, através de vídeos e até mesmo de vídeogames, visando atrair pessoas para a sua causa.

Icaro Couto

Comunidade árabe sofre preconceito e xenofobia devido a ataques terroristas

Mesquita Imam Ali ibn Abi Talib situada no centro de Curitiba

Entenda as diferenças entre sunitas e xiitas O professor Gamal explica que no Brasil existem em torno de cem mesquitas, sendo que 95 delas pertencem à vertente sunita e 5 são consagradas à ala xiita. Essa fragmentação no Islã ocorreu após a morte do seu fundador o profeta Maomé e os seguidores do seu legatário legítimo são chamados de xiitas (os seguidores de Ali, o genro do profeta), e os que seguem a linha dos califas seriam chamados de sunitas. Esses últimos discordam que o profeta teria deixado um sucessor e afirmam que os califas seriam os verdadeiros herdeiros de seus ensinamentos e da sua autoridade. Nos dias de hoje, 80% do mundo muçulmano são sunitas e 20% são xiitas, mas as diferenças estão apenas no conteúdo filosófico dos conhecimentos que foram legados. Gamal também conta que o fundamentalista que comete os atentados terroristas é de maioria sunita que segue uma corrente religiosa específica chamada Wahabita, que fundou e apoia grupos como Boko Haram e Jabat Mushra, entre outros. Desse modo, os xiitas acabam respondendo como se fossem os radicais, porque a própria palavra virou sinônimo no dicionário de radical, sendo que o mesmo é o mais “pacífico e culto de todos os muçulmanos”, diz o professor. Ainda segundo ele, tais acusações fazem parte de uma política usada pelas autoridades da Arábia Saudita a fim de demonizar a imagem do xiismo perante o mundo árabe e ocidental.

Imigrante diz que governo brasileiro não ajuda Christina Zola, uma muçulmana convertida recém-chegada de Angola, na África, conta que veio para o Brasil porque em seu país não havia trabalho e nem comida Segundo ela, nesse período de seis meses em que eles estão residindo aqui, seu marido, Júlio Kamamatula, está tendo muita dificuldade em arranjar emprego, obrigando a família a viver de favor na casa do primo dela. Christina também salienta que o governo brasileiro não oferece nenhum tipo de ajuda para os imigrantes e que o país carece de políticas de amparo nesse sentido. Tendo vindo para cá com um grupo de 10 pessoas, ela revela que a maioria ficou em São Paulo por achar mais fácil arrumar emprego por lá.


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CIDADE

Patrimônio cultural de Curitiba ganha lei Proteger e preservar diariamente a história contada pelas ruas e edificações históricas na cidade agora faz parte do dia a dia. Camila Mattiollo

Camila Mattiollo

A história da cidade de Curitiba pode ser contada em muitos dos prédios e edificações. São vários estilos e influências arquitetônicas ao longo de décadas e que necessitam ser preservados. O prefeito Gustavo Fruet sancionou em março desse ano a lei de Proteção do Patrimônio Cultural de Curitiba. Elaborada pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Secretaria Municipal de Urbanismo e pela Procuradoria Geral do Município, a lei trata de instrumentos de preservação dos imóveis e bens imateriais e das penalidades, caso não haja conservação de edificações de valor cultural, arquitetônico ou histórico e da criação do Fundo de Proteção ao Patrimônio Cultural (Funpac) e do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (CMPC). “As administrações anteriores da Prefeitura Municipal de Curitiba entendiam que as Leis de Incentivo Construtivo e os Decretos Municipais eram suficientes para garantir a proteção do patrimônio histórico. No entanto, diversos proprietários de bens imóveis, normalmente pelo alto valor da terra, entraram com ações na Justiça solicitando a demolição de seus imóveis”, informa o IPPUC sobre o porquê de uma lei com pelo menos 40 anos de reivindicação não ter sida criada antes. Para a aprovação desta legislação, a participação da Câmara Municipal foi fundamental. A arquiteta Cris Aguiar comenta o fato de que a lei sair da União e ir para o município já é um grande passo, mas que é necessário maior orientação e haver um trabalho mais próximo com o proprietário. “Trazer para Curitiba já é bem melhor, porque diminui a grandiosidade da burocracia, mas falta um plano efetivo do município junto com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) para poder funcionar adequadamente e ter en-

Praça do Japão, localizada no bairro Àgua Verde, ganhou forma durante a década de 1960. Hoje é uma homenagem importante à etnia.

tão uma área de preservação e conservação adequada e de valor”, diz a arquiteta. Para a preservação acontecer, as pessoas precisam se orgulhar, gostar e manter o patrimônio histórico como se fosse seu, e é, mas isso não é abordado ou discutido, comenta Cris. “O patrimônio histórico tem que trazer e promover o orgulho daquilo, e enquanto não se promover isso na população, não se quebra esse paradigma, não vai funcionar”. Com intuito de incentivar a preservação, é prevista a redução no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o enquadramento em leis de incentivo à cultura e mediante a boa conservação do imóvel, a renovação do potencial construtivo a cada 15 anos. Destruir, demolir, deteriorar, reparar, reformar, restaurar bens protegidos sem autorização da administração municipal e deixar de realizar obras de conservação e reparação são infrações com penalidades previstas. Subordinado à Fundação Cultural, o Funpac também é criado com fundo destinado à suplementação dos projetos de conservação do

patrimônio protegido. A arquiteta Cris Aguiar enfatiza que colocar a responsabilidade da preservação somente para o proprietário é muito arriscado. “Você não tem acompanhamento do IPHAN, IPPUC, CAU, para fazer uma fiscalização, não tem programas. Dizer que o IPTU baixa em 15% não motiva ninguém a preservar. A maioria das pessoas que possui imóveis da lista de preservação deixa cair porque é mais barato”

Sustentabilidade

Ao falar sobre projetos sus-

tentáveis nas edificações, há ainda muitos paradigmas para serem quebrados por parte dos clientes, comenta a arquiteta. “Sempre procurei apresentar projetos que são sustentáveis com reaproveitamento de água, com placa solar tanto de água como de eletricidade e percebo os clientes muito resistentes, principalmente sobre edificações de pequeno e médio porte. Há preocupação da maioria dos profissionais, mas não é muito aceito pelos clientes”. Entre as décadas de 1980 e

1990, a preocupação estava no setor econômico, o que fez com que hoje hajam paredões de prédios em cidades como Curitiba onde nem aparece o sol, espalhados pela cidade. Justificar esses paredões por economia é uma falha profissional e do cliente que aceitou, diz a arquiteta Cris Aguiar. “Iniciar um projeto de um edifício sem ter em mente a percepção de norte, setorizar as áreas de trabalho e lazer, da ventilação, é uma questão de gostar do que faz”, finaliza.

Neoclassicismo em baixa na cidade As edificações históricas de Curitiba remetem principalmente à cultura alemã, italiana, ucraniana e polonesa. É o caso do bairro Santa Felicidade, influenciado pela cultura italiana. Durante anos, a cidade modificou não só sua cultura, mas também sua arquitetura com estilos como o neoclassicismo até a década de 50, seguida pelo modernismo. Cris Aguiar fala que, para ela, a influência do neoclassicismo ficou perdida de certa forma, mas em compensação o modernismo está sensacional. “Os próprios prédios do Niemeyer, como o Museu Oscar Niemeyer (MON), é um bom exemplo disso”. A década dos anos 2000 foi uma década perdida no ponto de vista arquitetônico, diz a arquiteta, mas hoje a influência europeia contemporânea está vindo de uma maneira muito forte e agradável. “Os anos 2000 foi uma década morta. Você olhava Curitiba e só conseguia ver prédios com revestimento de azulejos por fora, com pastilhas coloridas e pensava “o que é isso?”. Hoje, Curitiba arquitetonicamente está sensacional, acho que agora estamos começando a retomar”.


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RESENHA

Metáfora da depressão

Roberto Oliveira Depressão é uma doença seríssima. Para uma pessoa acometida desse mal, a notícia da iminência do fim do mundo, proporcionada pela rápida aproximação de um planeta que está em uma inevitável rota de colisão com a Terra, pode ser recebida com um imenso alívio, acompanhado da certeza de que todos os seus problemas serão, afinal, solucionados pelo singelo motivo de que simplesmente deixarão de existir, bem como tudo ao seu redor, restando apenas a ‘paz’ gerada pela consumação de todas as coisas. Porque eu acredito que uma pessoa depressiva pense assim? Bem, é que... Atire a primeira pedra quem nunca na vida teve um lampejo semelhante de devaneio escapista, ainda que apenas por um momento. Quase sempre esse pensamento logo é substituído pela esperança de que a má fase vai passar e a vida vai, enfim, melhorar... Quase sempre. O cultuado cineasta dinamarquês Lars von Trier, melancólico por natureza, e habituado com as polêmicas em seus filmes e em suas declarações, propõe, com este sensível longa convenientemente batizado de Melancolia (que é o nome dado ao gigantesco planeta fictício que poderá se chocar com o nosso) uma profunda discussão acerca da vontade de viver e o desespero diante do fim em paralelo com o desespero de viver e a vontade de que tudo termine, aqui ilustrados pelas duas irmãs que conduzem a narrativa, Claire (Charlotte Gainsburg) e Justine (Kirsten Dunst). Claire quer que o planeta intruso vá embora. Justine não vê a hora de ele chegar. É na festa de casamento de Justine que conhecemos o núcleo familiar das irmãs: seus pais separados, vividos por John Hurt e Charlotte Rampling, o abastado marido de Clair, o filho pequeno do casal e o noivo de Justine. Há ainda o patrão da noiva e seu funcionário recém-contratado. Estes personagens trocarão farpas o suficiente para que suas máscaras caiam, deixando transparecer a tremenda farsa que é aquela confraternização que, na verdade, nada tem a celebrar. Vagarosamente, vamos percebendo que há algo errado com Justine, a julgar não apenas por suas próprias atitudes como também pela preocupação daqueles que a cercam. O cunhado, que pagou a festa, e que ainda por cima está sendo realizada em sua própria mansão, não para de reclamar do dinheiro que gastou. Ele conhece a instabilidade emocional da noiva e não enxerga um futuro promissor para aquela união matrimonial. Opinião compartilhada também pela mãe de Justine, que vê no casamento uma instituição falida, motivo para confrontação verbal com o ex-marido. Ele não tem muitos argumentos a seu favor, pois sua promiscuidade é conhecida por toda a família. Os insultos vindos de ambas as partes são inevitáveis.

Tudo isso na frente da própria noiva e de todos os convidados, no melhor estilo ‘lavando a roupa suja’. Ainda surgem outros percalços, envolvendo o noivo, o patrão... E quando ouvimos Justine confidenciar para sua irmã: “Eu sorrio, sorrio e sorrio”, concluímos que, se ela está dizendo isso com tanta ênfase, é porque não é de seu costume fazê-lo. Justine tem depressão. As situações constrangedoras que se sucederam em sua desastrosa festa de casamento só desencadearam algo com o qual Justine já lidava desde sempre em sua vida, tendo em vista os comentários da irmã, da mãe, do cunhado e até do noivo. A depressão, que esteve camuflada por um tempo, veio à tona novamente. No fim da ‘festa’, a notícia da aproximação do planeta Melancolia começa a ganhar destaque, e deixa clara ao espectador a metáfora sugerida pelo diretor acerca do corpo celestial prestes a cobrir a Terra tal qual um sentimento profundo de tristeza que pode se abater sem aviso sobre uma pessoa. A segunda metade do longa se concentra justamente nas já citadas reações opostas das irmãs diante do inevitável fim. Ao ver seus dilemas, se é fácil entender as motivações de cada uma das duas irmãs em relação ao que as espera no horizonte, de onde já se enxerga o gigantesco corpo celestial se aproximando, muito desse mérito se deve ao desempenho de suas intérpretes. Kirsten Dunst (vencedora da Palma de Ouro de Melhor Atriz no Festival de Cannes de 2011 por este papel) confere fragilidade à Justine durante a primeira hora de projeção, situação que muda para uma mórbida comodidade quando passa a ter a certeza de que o fim está próximo e trará com ele seu tão desejado refrigério. Charlotte Gainsburg, por sua vez, faz Clair traçar um caminho oposto, em que a outrora bem resolvida esposa e mãe é tomada pela aflição com a chegada do evento que acarretará a irremediável interrupção de tudo o que conhece. Em alguns momentos da projeção, o já conhecido perfeccionismo de von Trier se faz sentir mais do que em outros, como na longa construção visual que abre o filme, em que presenciamos um melancólico mosaico, belissimamente concebido em sua fotografia, ao som de Tristão e Isolda (memorável peça musical de Richard Wagner), em uma sucessão de imagens que se dá de forma poética e monumental. Visualmente grandioso, o longa apresenta, todavia, como seu maior mérito a discussão que propõe. Não é um filme catástrofe com impressionantes cenas de destruição, longe disso. É um profundo estudo sobre a depressão, mostrado com uma beleza plástica incontestável. Melancholia é um filme textremamente reflexivo. E, se esta obra nos mostra, de um lado, o fim do mundo como uma acolhedora solução para todos os problemas, ao mesmo tempo vemos, do outro lado, o desespero de quem sente na iminente tragédia a interrupção brusca de todos os seus sonhos e a consequente impossibilidade de realizá-los. Eis o contraste das irmãs. As duas querem paz e felicidade, mas de maneiras absurdamente contraditórias. Se este lúgubre e inquietante longa-metragem realizado, contudo, de maneira tão bela e sensível, puder contribuir para amenizar um estado de depressão de quem o assistir, então ele já terá deixado o seu legado para a humanidade, enquanto ela existir...

@TÁ NA WEB

Ariane Beatriz

Turma da Mônica em campanha contra o câncer infantil No dia 23 de Novembro de 2016, dia Nacional de combate ao câncer infantil, o GRAACC juntamente com a Ogilvy & Mather lançaram a campanha criativa para conscientização sobre o câncer infantil conseguiram apoio de um dos mais renomados cartunistas da história dos quadrinhos, Mauricio de Souza, juntamente com os também cartunistas Ziraldo e Laerte, brilharam na criação de personagens infantis aparecendo na versão carequinhas. Essa campanha alcançou as redes sociais, programas de desenhos animados na tv, cinema, internet e tirinhas nos jornais. Os personagens amiguinhos da criançada que vão levar alegria aos pequeninos com câncer são a Turma da Mônica, a Galinha Pintadinha, o Menino Maluquinho, Peixonauta, Garfield, a turminha do Sitio do Pica-Pau Amarelo entre outros. Confira todos os detalhes deste projeto no site www.carequinhas.com, ajude a turminha chegar até os baixinhos, compartilhando, curtindo, lendo e assistindo.

Visual Hunt, um eficiente buscador Procurar imagens na internet é fácil, difícil mesmo é encontrar alguma que esteja disponível em alta definição. Quando se encontra a imagem perfeita, esta dificilmente vai ultrapassar os 800x600 de resolução. O Visual Hunt está em alta por sua facilidade de acesso, contando com mais de 350 milhões de imagens já anexadas. A diferença entre este buscador e os demais é sua proporção, ele se enquadra como um dos maiores bancos de imagens já conhecidos pelos criadores de arte, se não for o maior. Além de disponibilizar suas imagens com qualidade, ele é gratuito. Os profissionais podem trabalhar com imagens/ fotos protegidas por direitos Creative Commons, os quais autorizam a utilização comercial ou não, permitindo serem utilizadas da maneira que designers quiserem. Faça o teste em: www.visualhunt.com

Já pensou em como seria o nascimento de Jesus em 2016? O mundo está habituado com o natal simbolizado através da família tradicional ilustrada pela imagem do presépio clássico. Mas, e se alguém decidisse criar um presépio representando a família moderna atual? O americano Casey Wright, decidiu colocar uma pitada de atualidade nos presépios. Essa foi a maneira mais divertida de comunicar a evolução de uma história contada da mesma forma até então. Nesse projeto, José e Maria são representada por um casal hipster tirando selfie com o pequeno Jesus, os três reis Magos como entregadores de encomenda da Amazon e o pastor ouvindo música em seu tablete, além do detalhe da ovelha vestida com um pulôver e a vaca carimbada com os dizeres “100% orgânica”, dentre outros. Para conferir o presépio, que está à venda por $129 dólares, acesse: www.modernnativity.com Preparados para se deparar com um presépio representado por José e Maria!

“Criança com câncer tem que aproveitar a infância como qualquer criança”.


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ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Com fusão ou confusão? Ariane Beatriz

Curitiba vive um momento de confronto no trânsito. Talvez por até então permanecerem únicos, grande parte dos taxistas acabou por não se preocupar com melhorias para garantir a fidelidade de seus clientes, tampouco pensou em “caminhar’ juntamente com os avanços tecnológicos.

A chegada do aplicativo UBER na cidade vem revolucionando o sistema de transporte privado, com a proposta de melhoria no atendimento do cliente e compartilhamento de carona, oferecendo uma série de benefícios atraentes. Além disso, há as variações de serviço Uber SUV (apenas veículos do tipo utilitário esportivo, como Honda CR-V ou Ford Edge) e Uber Black (veículos sedans de luxo - Ford Fusion

ou Audi A4, por exemplo), sendo esses dedicados a um público com mais poder financeiro. Vantagens que, até o momento, não podem ser tão comemorados, pelo menos não em público, afinal, muitos taxistas não aceitaram ceder espaço para o concorrente e, com isso, decretaram guerra contra o UBER e seus clientes. Semanalmente há relatos de carros destruídos, motoristas agredidos, entre outros delitos. Tal confronto se faz desnecessário, afinal, nenhum passageiro merece ser pego no meio do fogo cruzado. Felizmente, há também o lado dos taxistas que já se adaptaram à nova tecnologia e já usam o sistema de aplicativos criados para concorrer com o UBER até o presente momento um pouco obsoletos, em comparação direta - mas que estão seguindo o caminho certo para agradar os clientes

sem precisar apelar para a violência.

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