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Nova encíclica abordará a fraternidade humana e a união entre os povos
Nova encíclica, ‘Todos irmãos’, será assinada em 3 de outubro em Assis
FILIPE DOMINGUES
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ESPECIAL PARA O SÃO PAULO
A nova encíclica do Papa Francisco será assinada na cidade italiana de Assis, em 3 de outubro. Intitulada Fratelli tutti (“Todos irmãos”, na tradução em português), a encíclica é a terceira de seu pontificado. Deve abordar o tema da “fraternidade humana” e a necessidade de união entre os povos, especialmente na atual pandemia de COVID-19.
Circulavam rumores em Roma sobre a elaboração deste novo texto do Papa. A confirmação, porém, aconteceu apenas no sábado, 5, pelo porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni. Segundo ele, a encíclica será “sobre a fraternidade e a amizade social”.
O Papa irá a Assis, dando uma ênfase franciscana ao documento. Celebrará a Santa Missa diante do túmulo de São Francisco de Assis, de forma privada (sem fiéis), e retornará no mesmo dia ao Vaticano.
Observadores da Santa Sé esperam que, além de marcar este momento histórico para a humanidade, que enfrenta a pandemia, a encíclica reúna os principais apelos feitos pelo Papa nos últimos meses. Entre eles está a noção de que “estamos todos no mesmo barco”, como disse na oração de 27 de março, em que estava sozinho na Praça São Pedro, enfatizando a necessidade de a humanidade voltar seu olhar para Deus, que a acompanha em períodos de sofrimento na História.
Além disso, Francisco tem falado nos últimos dias sobre o papel das religiões na articulação da paz; a promoção da cooperação internacional para resolver problemas mundiais; o pedido de cessar-fogo global (fim dos conflitos locais e internacionais); a canalização de recursos da produção de armas, para a saúde e o combate à desigualdade; o perdão da dívida dos países pobres, para que possam se concentrar no combate à pandemia; a destinação da ajuda econômica aos setores que empregam e são ecológicos, sustentáveis; e o apelo do cuidado ao meio ambiente, que ficou em segundo plano, assim como os problemas sociais, como a pobreza, as guerras e o desemprego.
Descobrir estilos de vida simples após a pandemia
Vatican Media/set.2017
A atual pandemia nos forçou a adotar estilos de vida mais amigáveis para com o meio ambiente, disse o Papa Francisco na mensagem para a celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, comemorado em 1° de setembro. “A crise, de certa forma, nos deu a possibilidade de desenvolver novos modos de viver”, escreveu.
“Foi possível constatar como a Terra consegue se recuperar se a permiti- Francisco no Parque dos Fundadores, na Colômbia, durante viagem apostólica em 2017 mos repousar: o ar ficou mais limpo, as águas mais trans- da manutenção das coisas como atitudes, como o consumo de parentes, as espécies animais vol- estavam. “Temos que desfrutar energia, produtos, transporte e taram a muitos lugares dos quais deste momento decisivo, para alimentação. “Temos que tirar das haviam desaparecido”, observou. pôr um fim a atividades e finali- nossas economias aspectos não
Ele acrescentou que “a pan- dades supérfluas e destrutivas, e essenciais e nocivos, e dar vida demia nos coloca em uma en- cultivar valores, ligações e proje- a modalidades frutíferas de cocruzilhada”, dando dois cami- tos geradores.” mércio, produção e transporte de nhos possíveis: o da mudança e o Isso só é possível mudando bens”, insistiu o Santo Padre. (FD)
A correção fraterna como ‘remédio’ para as comunidades
Quando um irmão ou irmã errar, antes de falar mal é preciso ajudá-lo a melhorar. Esse ensinamento bíblico, da “correção fraterna”, foi o tema central da pregação do Papa Francisco na oração do Angelus, no domingo, 6.
A mensagem vem do Evangelho segundo São Mateus (18,15-20), no qual Jesus ensina sobre a vida em comunidade e o respeito pela consciência individual.
“Para corrigir o irmão que errou, Jesus sugere uma pedagogia da recuperação”, comentou o Papa. Primeiro, tenta-se alertar a pessoa individualmente, “não para julgar, mas para ajudar a perceber” o erro. Só depois se pode trazer outras pessoas, em privado, para conversar sobre o problema.
A maior tentação nesse contexto, para a qual o Papa usa a metáfora da doença, é a fofoca. “Quando vemos o erro do irmão, normalmente a primeira coisa que vamos fazer é contar a outros, fofocar. A fofoca fecha o coração da comunidade, fecha a unidade da Igreja”, disse.
“A fofoca é uma peste mais feia do que a COVID”, acrescentou Francisco, pois, em sua análise, “o grande fofoqueiro é o diabo, que sempre vai dizendo as coisas ruins dos outros, porque ele é o mentiroso que procura desunir a Igreja”. (FD)
Os passos da Lectio Divina
GUSTAvO CATANIA RAMOS
ESPECIAL PARA O SÃO PAULO
No mês de setembro, a Igreja recorda a importância das Sagradas Escrituras e convida os fiéis a conhecê-las e meditá-las com maior intimidade. Uma das formas mais antigas para se aprofundar na Palavra de Deus é a Lectio Divina.
A Lectio Divina, traduzida às vezes como leitura orante ou leitura meditada da Bíblia, é uma forma de meditação que remonta aos primeiros padres da Igreja, muito associada à espiritualidade beneditina. Entretanto, ela é uma forma de oração que pode enriquecer a vida de fé de todo batizado, independentemente do seu estado de vida.
O Concílio Vaticano II, em diversos documentos, reforçou a importância da meditação da Palavra de Deus. Em relação aos leigos, o documento Apostolicam actuositatem afirma que “só com a luz da fé e a meditação da Palavra de Deus pode alguém reconhecer sempre e em toda a parte a Deus no qual ‘vivemos, nos movemos e somos’ (At 17,28), procurar em todas as circunstâncias a Sua vontade, ver Cristo em todos os homens, quer chegados, quer estranhos, julgar retamente o verdadeiro sentido e valor das realidades temporais, em si mesmas e em ordem ao fim do homem”.
O livro mais conhecido sobre a Lectio Divina foi escrito por Guigo II, um cartuxo do século XII. A “Carta sobre a Vida Contemplativa” é um clássico da espiritualidade e sistematiza com clareza as etapas para realizar com fruto a leitura meditada da Bíblia. Guigo II a dividiu em quatro etapas: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação.
A LEITURA
A leitura é a primeira etapa de toda Lectio Divina. É por meio dela que nos deparamos com o texto das Sagradas Escrituras e tiramos o material para a meditação. Para que seja realizada frutuosamente, a leitura deve ser precedida de uma invocação do Espírito Santo, que ilumina a inteligência para compreender e fortalecer a vontade para amar o que será lido.
Para que a Lectio seja divina, e não meramente humana, o Espírito Santo deve agir. Dizer isso significa que, quando entramos na Lectio, não buscaremos o que queremos ouvir ou o que nos agrada. Assim, a passagem a ser meditada não pode ser escolhida a esmo, de acordo com as preferências individuais. Recomenda-se que se siga um livro da Bíblia ou, mesmo, a liturgia diária da missa, para que seja possível que sejamos surpreendidos por Deus na leitura.
A passagem a ser lida não precisa ser longa. Algumas vezes, apenas um versículo é suficiente para basear toda uma Lectio. Guigo II descrevia essa etapa da Lectio como um “ruminar”, pois o orante deve ler diversas vezes e trazer consigo a mesma passagem para começar a ver seu sentido mais profundo. Por isso, para que a Lectio seja bem-feita, é necessário reservar um tempo, mesmo que curto, em que é possível prestar atenção totalmente ao que se faz.
A MEDITAÇÃO
“A meditação é uma ação deliberada da mente a investigar, com a ajuda da própria razão, o conhecimento de uma verdade oculta”, definiu esse passo Guigo II. Meditar é partir da leitura e ruminá-la interiormente até que seja possível divisar o seu sentido profundo.
Se meditamos, por exemplo, na seguinte passagem: “Bem-aventurados os puros de coração, porque deles é o Reino do Céus”, devemos, antes de pedir a pureza, compreender o que seja, trazer em nossa memória outras passagens que tratam dela, ver a sua grandeza e importância, para que o nosso coração comece a desejá-la verdadeiramente.
Sem a meditação, a Palavra de Deus não se torna viva para quem a lê. É por meio dela que aquele que reza passa a ter um contato com a Palavra viva, o próprio Cristo, que lhe fala ao coração. de Deus; a oração, por sua vez, é um falar com Deus. “Quando escutas, Deus te fala; quando oras, falas com Deus”, escreveu Santo Agostinho.
A oração, na definição de Guigo II, “é uma religiosa aplicação do coração a Deus para afastar os males ou obter o bem”. É pedir a Deus as graças para viver bem o que foi meditado ou que Ele afaste tudo aquilo que impede a vida de santidade. É um diálogo de um filho com o Pai, cheio de confiança. Na oração, não são necessárias palavras bonitas ou frases bem construídas. Às vezes, repetir ou se utilizar das palavras das Escrituras é o suficiente.
Não é a originalidade que ganhará o coração de Deus; mas a entrega sincera de nosso coração a Ele, com humildade e simplicidade, reconhecendo, muitas vezes, nossa incapacidade de rezar e nossa necessidade de tomar palavras emprestadas da própria Palavra de Deus.
A CONTEMPLAÇÃO
A última etapa é a contemplação, que consiste numa simplex intuitus, num simples olhar a Deus. É um olhar que não se utiliza de palavras, que se contenta com a presença do amado. Um olhar de humildade, pois a alma reconhece, nesse estágio, sua incapacidade e pequenez. Chegar à contemplação não é fruto de nossos esforços: Deus no-la concede quando quer.
Pouco se pode falar sobre a contemplação. Os santos que viviam constantemente nela não podiam relatá-la com precisão. Por se tratar de uma oração sem palavras, que nos eleva a Deus, não podem existir expressões que a traduzam. João de Fécamp, um monge beneditino do século XI, um dos mais lidos escritores espirituais medievais, assim a descreveu: “Nada alegra tanto meu espírito quanto o momento em que para Ti, meu Deus, ergo o olhar simples de um coração puro! Tudo se cala, tudo é calmo; o coração arde de amor, a alma transborda de alegria, a memória está cheia de vigor, a inteligência, de luz. E o espírito, todo inflamado do desejo de ver tua beleza, vê-se deslumbrado no amor das realidades invisíveis”.
Liturgia e Vida
24º DOMINGO DO TEMPO COMUM 13 DE SETEMBRO DE 2020
PADRE jOÃO BECHARA vENTURA
Jesus propõe a parábola de dois credores diferentes entre si. O primeiro era rei e tinha direito a uma enorme fortuna diante de um empregado. Vendo sua aflição, que levou aquele empregado a se ajoelhar e implorar por tempo para pagar, teve compaixão. Foi além do pedido e lhe perdoou generosamente toda aquela dívida insolúvel.
O segundo credor era o próprio devedor perdoado. Não tinha direito a fortuna alguma, mas a apenas cem moedas. Diante de seu próprio devedor – outro empregado como ele –, utilizava métodos de cobrança nada gentis: “Agarrou-o e começou a sufocá-lo”. Ouviu um pedido idêntico ao que fizera ao rei (“Dá-me um prazo!”), porém não teve piedade e mandou o colega para a cadeia.
Não seria preciso dizer que o rei compassivo, ao saber disso, indignou-se e voltou atrás! Contudo, em vez de vender o empregado como escravo – conforme havia ameaçado –, decidiu entregá-lo aos torturadores, até que pagasse toda aquela dívida que ele havia se disposto a perdoar. Da extrema benevolência de ignorar o débito, o rei passou a uma severidade proporcional à dureza do servo mau.
A parábola pode ser lida como uma explicação aprofundada da oração do Pai-Nosso. Nesta, Jesus também utiliza a expressão devedor: “Perdoai-nos os nossos débitos assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). A palavra débitos (ofeilēmata) serve também como metáfora para “pecado”/“ofensa”. E devedor (ofeilétēs) pode ser interpretado como “ofensor”/“aquele que faz o mal”. O Senhor o confirma declarando, logo após ensinar o Pai-Nosso: “Portanto, se perdoardes aos homens, vosso Pai também perdoará vossos pecados (paraptōmata)” (Mt 6,14).
Somos devedores do Senhor! Dele recebemos todos os bens sobrenaturais: a redenção, a graça, o perdão, a Eucaristia, os dons do Espírito Santo… E também os naturais: a existência, uma identidade, a família, capacidades, a saúde, inteligência, memória… Não temos como pagar essa enorme dívida! O maior débito, todavia, que temos diante Dele são os nossos pecados. Por eles, Cristo morreu na Cruz. Nem mesmo toda a penitência e boas obras do mundo seriam suficientes para cancelar as ofensas da criatura ao Criador, se o Filho de Deus não nos redimisse!
Portanto, o crédito que temos com os outros – que são servos, como nós – é muito pouco perto dessa dívida incomparável com o Rei do universo! Aliás, todas as reais ofensas que nos fazem são, antes de tudo, ofensas a Deus! É sempre Ele o maior ofendido, mesmo quando os homens cometem injustiças, roubos, calúnias, homicídios e violências uns contra os outros.
Por isso, não temos escolha: precisamos continuamente pedir perdão a Deus e perdoar aos homens! Essas duas coisas sempre vão juntas! Se não quisermos ter o triste fim do servo mau, Jesus orienta claramente: “É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão” (Mt 18,35); e ainda: “Felizes os misericordiosos, pois alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).