ESTAÇÕES: Agricultura familiar em quatro tempos

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ESTAÇÕES Agricultura familiar em quatro tempos

JESSICA BATISTA


ESTAÇÕES Agricultura familiar em quatro tempos


JESSICA BATISTA

ESTAÇÕES Agricultura familiar em quatro tempos

Trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, do Centro de Artes, Humanidades e Letras, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, sob orientação do professor Dr. Luiz Nova.

Cachoeira/BA 2021


Fotografia Capa Diagramação Projeto gráfico

Jessica Batista


Para Dona Jani In memoriam


Sumário Mapas úteis: Iraquara - Salvador

Microrregião de Iraquara Praças da feira de Iraquara

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7 8 9

Capítulo 1 - Primavera: Onde tudo nasce, desde a primeira geração, raízes e florescência

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Capítulo 2 - Verão:

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Capítulo 3 - Outono:

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Capítulo 4 - Inverno:

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Bibliografia: Vá sempre à fonte

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Dias longos no trabalho e as cores vivas da feira

Onde há folhas secas, há também renovação

Hora de preparar o futuro


Mapas úteis: IRAQUARA - SALVADOR

Google Maps. Iraquara - BA. Consulta em 9 de setembro de 2021.

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Mapas úteis: MICRORREGIÃO DE IRAQUARA

Google Maps. Iraquara - BA. Consulta em 9 de setembro de 2021.

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Mapas úteis: PRAÇAS DA FEIRA DE IRAQUARA

Google Maps. Iraquara - BA. Consulta em 9 de setembro de 2021.

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Capítulo 1 PRIMAVERA


Onde tudo nasce, desde a primeira geração, raízes e florescência

- Escuta! Era irmão do Julião! Uma família foi embora… embora pro mundo! Naquele tempo era São Paulo que a turma mais ia! E aí deixou mesmo ali de junto a minha casa. Aí dizem que eles foram embora e deixou uma tarefa de terra mesmo ali onde tem aquele jardim… E aí que foram embora. Um certo tempo… a gente tava lá… ali tem um chafariz, não sei se você viu um chafariz. Daquele chafariz lá na gruta [Pratinha] onde sai a água dá 1500 metros. E aí a gente tava por ali e aí chegou um cara. Um cara de carro e pah pah… aí que disse assim: “vem cá, você sabe aonde que tem um pé de mulungu aqui?” Eu falei “sei. Tá ali”. Tá lá até hoje. Ele disse “foi naquele pé de mulungu eu matava sofrê1” naquele tempo que ele florava… porque todo ano o mulungu flora aqui no sertão. Aí levei ele lá. Aí disse “você sabe aonde que tem um pé de umburana de cheiro?” Eu falei “sei. Tá ali até hoje! Pra cá um pouco” disse “esse pé de umburana de cheiro foi minha mãe que plantou”. Relato de Renatinho, antigo morador da região da Lagoa Seca em Iraquara, quando questionado sobre o que conhecia a respeito de Julião Braga.

***

O irmão do personagem misterioso que voltou de passagem pela terra do mulungu, do sofrê e da umburana de cheiro é Julião Braga, um fazendeiro e líder comunitário que hoje dá nome a uma escola secundarista na região da Lagoa Seca em Iraquara2. Iraquara atualmente é famosa pela atratividade para o ecoturismo. Conhecida como cidade das grutas, está localizada numa área de preservação ambiental (APA Marimbus) do Parque Nacional da Chapada Diamantina. A cidade faz parte da região semi árida da Bahia e tem registros fósseis de povos pré-históricos que viveram na região há 12 mil anos. Mas numa história mais recente, no século XIX, sua composição 1 2

Pássaro alaranjado de canto melodioso. Também conhecido como Corrupião. Município a 471 km de distância da capital Salvador.

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natural e social passaram pelas ações do minério dos colonizadores afanados por ouro e diamantes. Dois dos resultados desta exploração foi a pulverização da população por povoados de mineiros e a criação da Estrada Real, que dividia a Chapada Diamantina em bandas para ligar o norte ao sul da região e escoar os minérios. A partir daí a história da cidade carrega os efeitos da exploração em cada acontecimento. No início do século XX Iraquara já era famosa pela fertilidade da terra e consequente produção de alimentos. O estado passava por um período tranquilo, segundo Américo Chagas em “O Chefe Horácio de Matos” (2012): - O século XX entrou calmo e sereno para a Bahia. Houve um decênio de paz e de prosperidade na Capital e no Interior. A Severino Vieira sucederam no Governo do Estado, José Marcelino de Souza (1904 - 1908) e João Ferreira de Araújo Pinho (1908 - 1912). O sertão, porém, continuava isolado da Capital pela distância. As estradas de ferro num período de 15 anos não avançaram um só quilômetro na sua direção. (CHAGAS, 2012, p. 22). O conceito de calma e serenidade empregados acima pode fazer referência aos conflitos de movimentações institucionais, mas certamente não abarcava a lida diária já que no mesmo capítulo, agora falando sobre as organizações entre chefes e jagunços na região, Chagas diz: - Embora já se notasse nessa época uma sensível melhora no domínio da instrução pública, o ambiente era ainda turbulento, de violências e de lutas corporais pelos motivos mais insignificantes. Nas feiras semanais, quando os garimpeiros se aglomeravam nas cidades e nas vilas para a compra de gêneros alimentícios, os negociantes faziam o comércio perigosamente, arriscando às vezes a própria vida, com frequentes arruaças dos valentões alcoolizados. Em Xique-Xique[3] os comerciantes chegavam a empilhar debaixo dos balcões sacos de farinha e de outros cereais para lhes servir de trincheira em caso de briga. Os barulhos entre os garimpeiros, nessas feiras, eram de uma precisão matemática e rara era a semana em que não ficava um deles estirado na rua, apunhalado ou traspassado a bala. (CHAGAS, 2012, p. 27). Estando junto de Lençóis e de Seabra como centro de referência na região, Iraquara foi palco para acontecimentos notórios como a jornada da Coluna Prestes que em 30 de março de 1926 ocupou o povoado de Água de Rega sob confronto armado com o grupo de José Bento Teixeira, cabo-de-guerra do coronel Horácio de Matos.

Paralelamente aos embates políticos que reclamavam a revogação da lei de

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Município da Chapada Diamantina localizado a aproximadamente 220 km de Iraquara.

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imprensa, a adoção do voto secreto, a anistia e a suspensão do estado de sítio, Julião vivia de maneira segura e confortável: muitos filhos, trabalhadores e negócios que ninguém sabe detalhar, além de ser garimpeiro. - Ele era um antigo morador de lá, de Lagoa Seca, e foi ele quem doou o terreno pra fazer a escola. E esse terreno até hoje tem um prédio escolar velho, em que foi a primeira escola, que chamava Julião, justamente por ele ter doado o terreno. Ele sabia ler. E ele escrevia cartas pra as pessoas. As pessoas pediam pra ele escrever. Ele era, na verdade, um líder de comunidade. Já era um líder naquela época. A época referida pela professora Teresinha - responsável pelo texto memorial da escola que leva o nome do fazendeiro Julião de Souza Braga - é meados de 1930, em que o cenário agrícola da região era familiar. No entanto, Julião tinha posses suficientes para ter funcionários na lavoura arada à mão, na enxada. - Não arava. Era tudo na enxada. Roçava e deixava os tocos altos. Aí botava fogo e depois que tava queimado tudo. Aí que a chuva vinha, ia plantar lá na beira daqueles tocos. E aquelas coisas cresciam e enrolavam nos tocos e a gente via de longe os tocos enrolados de feijão. O agricultor retratado como herói pelos mais antigos da comunidade teve uma morte precoce, aos 47 anos, de febre amarela. E o segundo dos seus onze filhos, Tiolino, tomou a posição para suceder a administração da roça, e mesmo da família. Dando continuidade à plantação de feijão, milho, mandioca, melancia, abóbora, criando gado e cuidando das irmãs em parceria com a mãe, Domitila. - Ele não era bravo, não. Mas ele era ciumento, que nem Mãe. Ave Maria se a gente olhasse pra um homem… Se olhasse pra um homem mãe dizia que tava com sentido naquele. Dioclécio [irmão] fazia umas farrinhas lá com uns amigos dele, e eu não podia sair na porta da varanda. Se eu saísse na porta e ficasse ali assistindo, tinha que ser na carreira, porque tinha que entrar pra dentro era logo! Qualquer coisinha que eu fazia dizia que era porque eu tava com sentido nos macho: “É por isso… Olha! Já tá com sentido nos homem!” E brigava comigo… Brigava era muito. Ele não era muito de falar, mas Mãe falava. E eu fui besta porque eu batia no duro assim: “Eu não namoro nunca! Pra eu nunca levar uma surra!” Porque mãe batia! Se visse uma filha namorando com um, batia mesmo! Gente ciumenta é um caso sério…

O relato é da irmã de Tiolino, Nenzinha, ex-agricultora, hoje com 92 anos,

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ao contar sobre a família numa tarde tranquila na Iraquara atual. Ela fala que desde pequena ia para a roça acompanhando o pai, apesar da atividade agrícola, naquela proporção de privilégios ser dada como masculina, fazendo a menina quando moça se voltar à cozinha como as demais mulheres da família. No entanto, a realidade mudava quando a mulher se casava e a nova família não tinha mais tantos trabalhadores. O casal se dedicava à roça. E Nenzinha junto com o esposo Nunuca plantava e capinava as roças de milho, feijão e outras coisas para a própria alimentação. Durante este período, ela se dedicava à dupla jornada de trabalho: sendo dona de casa e agricultora, já que as necessidades domésticas continuavam a ser suas obrigações. - Aí no tempo que eu plantava, aí que eu não trabalhava direito porque enchi de filho demais. Aí agora eu ia cuidar de filho. E Nunuca trabalhava na roça com muito trabalhador. Tinha vez que tinha vinte trabalhadores e eu dava conta desses trabalhadores tudo, e ainda de menino. Porque eu não queria ninguém mais eu. Nunca quis uma empregada. E aí eu cuidava de menino. Eu cuidava de comida pra trabalhador... Nunuca que gostava das comidas dos trabalhador uma coisa só. Só que eu não era assim. Porque no tempo de Pai não era assim, no tempo de Tiolino não era assim. E eu botei ele no costume. Trabalhador trabalha, tem que comer bem! Ele comprava mantas de carne grande. Botava aí dentro de casa e eu mandava ele comprar verdura e coisa pra fazer cortado[4] quando não tinha na roça. Até cortado de banana[5] eu fazia pra dar a trabalhador. - Então cortado de banana era uma comida bem boa! - Não era, não. Era quando eu não achava outra comida. Eu gostava de fazer era cortado de abóbora, de chuchu, de maxixe. E carne de porco cozida ou frita. E carne de gado. Carne de gado Nunuca comprava aquelas pernas de boi, botava no feijão. E fazia feijoada sempre para os trabalhadores. Mas eu dava comida aos trabalhadores sempre comida pesada! Porque quem trabalha precisa comer! E Nunuca não era assim. Se fizesse um arroz, bastava um ovo ali que tava bom. Mas aí foi indo e ele aprendeu, que ele mesmo já comprava as coisas e trazia. Uma mudança ocorreu com a chegada dos filhos: ela ficava reclusa ao ambiente do lar dividida entre o cuidado das crianças e a manutenção da casa. Apesar da responsabilidade do preparo da comida à mesa ser dela, a mulher da casa, a feira era uma atividade masculina. Na família de Nenzinha casada, tal como foi na casa dos pais e das irmãs e irmãos, os homens se posicionavam como os provedores que cuidavam dos negócios da família e da compra de mantimentos. Estes vindos primordialmente da feira para completar a produção da roça.

4 Preparo de vegetais cozidos cortados em cubos pequenos ou médios, acompanhados ou não de carne; similar ao picadinho. 5 Prato tradicional na região da Chapada Diamantina feito com banana d’água verde cortada em cubos e cozida, comumente com carne seca. Também conhecido como Godó.

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Desde a mocidade de Nenzinha a feira é o evento semanal que movimenta o centro de Iraquara. Naquele contexto, um ambiente de duplas negociações: complemento do que não se produzia na roça e escoamento dos excedentes. O jogo era levantar o lucro que manteria a família de sábado a sábado. Mas, antes de chegar o momento da feira, a meta era produzir no próprio terreno tudo o que fosse possível para a subsistência. Era comum que as famílias, além da plantação, tivessem também casa de farinha onde produziam a partir da mandioca a farinha seca usada à mesa, a tapioca e o beiju; engenho para transformar cana-de-açúcar em garapa, depois em melaço, visgo e, por fim, rapadura; e gado para extração de leite, consumir a carne ou comércio. Também era comum a criação de porcos e galinhas para transformação em carnes e extração de ovos. Para Nenzinha e Nunuca, o gado era negócio. Tiravase o leite para consumo em mesa e em preparos, quando possível, fazia requeijão e doce. Apesar do pequeno rebanho, a carne era comprada. Não era vantajoso o abate para consumo familiar. Os porcos e as galinhas eram presentes no quintal, mas não foram apresentados como produção, e sim, como trivialidade - elementos que eram parte da estrutura da casa. - Naquela época não tinha geladeira. E como vocês faziam para conservar a carne? - Botava num prego assim... Deixava pendurado. Botava um pano por riba pra mode mosca [não pousar]. Mas não tinha jeito, as moscas deitava[6]. Aí quando a gente ia pegar aquela carne pra fazer comida, tinha que limpar aqueles bichos... Em complemento à renda - e artifício de emancipação financeira da mulher -, a família tinha uma mercearia com uma pequena oferta da produção da roça e os produtos símbolo da família de Nenzinha até hoje: os doces. Conhecidos não só entre a parentela, mas também como parte da cultura local. Passando pela região, além das feiras, não é preciso esforços para encontrar casas em que vendem doces feitos artesanalmente há três ou quatro gerações. “Doce” no entanto, é um conceito amplo dos modos de falar na região, já que abrange outros preparos até salgados: - Eu fazia brevidade7, avoador8, doce de leite e doce de coco. Não deixava ficar a venda9 sem nada... Doce de abóbora… E eu fazia, quando o doce acabava assim de tarde, de noite eu já fazia brevidade pra no outro dia já ter pra vender. Mas criei meus filhos, tinha trabalhador demais e não parava de fazer meus doces porque eu não queria ficar sem dinheiro. E quando Nunuca acabou com a venda... Nesse tempo as meninas já tavam 6 Pousava. 7 Bolo feito de fécula de mandioca, ovos e rapadura. 8 Biscoito de polvilho. 9 Uma configuração informal para mercearia.

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moças, Nunuca acabou com a venda e eu disse “apois eu vou botar pra mim!” Aí agora ele acabou e eu comprei as coisas pra mim. Botei a venda pra mim! Agora as meninas já tava grande e tomava conta da cozinha. Nice e Naná tomava conta da cozinha e eu tava na venda. Tinha hora que quando eu vinha almoçar, eles tudo já tinha almoçado e eu lá na venda despachando gente.

Doce de banana feito e vendido na palha da bananeira.

Apesar de hoje ser questionável frente aos avanços das mulheres com a luta feminista, o modo de vida de Nenzinha era padrão à primeira metade do século XX no interior: o lar regido pelo homem provedor desde a infância e se repetindo quando casada - com seu marido arranjado; suas obrigações com os filhos e com os cuidados domésticos; e quando havia uma brecha de emancipação, ainda assim era ligada ao ambiente estruturalmente designado às mulheres que era a cozinha; a mão na terra da roça era só em tempos de grande necessidade e falta de mão de obra masculina. Esse fluxo era perpetuado como lógica e rigorosamente repetido também pelos outros membros da família de Nenzinha sem grandes questionamentos. Exceto por uma das irmãs que desde criança já se apresentava como um desvio daquele padrão: seguia assiduamente o trabalho na roça e se abstinha das obrigações domésticas, e mais tarde, casada, reagiu diferente a uma das investidas da cadeia machista: a violência doméstica. - Ele batia, mas não era de pegar e bater que nem bate em menino, não. Era

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na traição[10]. Na traição ele me deu um murro uma vez no olho. Meu olho ficou inchado. Outra vez foi aqui na boca. Com isso Mãe disse: “apois vai morar lá encostada”. Então morou. E durante [o tempo que] ele esteve lá, não me fez mais nada. - E depois que ele saiu, a senhora ficou como? - Eu fiquei largada aí. Fiquei mais Mãe. Aí mudei pra a casa de Mãe, não fiquei na casinha que eles fizeram, não. Mudei pra a casa de Mãe e por lá fiquei. Depois passado uns anos, veio a notícia que ele tinha morrido. Então agora eu sou viúva! [...] Ficou eu com três filhos. E aí que eu fui trabalhar mesmo. Eu ia pra a roça e os meninos enquanto tava pequeno eu deixava [em casa], depois quando cresceu mais, que já ia também. Eu levava tudo pra a roça. Só ficava Lurdes [filha], mais Jani [irmã] e Mãe. [...] Eu casei com ele, mas não foi muito do meu gosto, não. Foi porque eu tinha vontade de sair de dentro de casa. E arrumei esse e casei. Mas eu não gostava muito, não. Dige conta que naquela época não haviam muitas mulheres que se separavam de seus maridos, fazendo com que esse fosse um cenário impensável para si e depois de abandonada, e sua condição chamasse atenção e fosse comentada pelas pessoas da comunidade. Ela escolheu não se casar novamente, continuando a viver na casa da mãe e posteriormente sozinha com os filhos liderando a própria família. Outro ponto em que a história de Dige diverge das demais é que apesar do privilégio de ter acesso ao ensino, pela autodeterminação pela vida na roça, ela dispensou ser alfabetizada junto com os irmãos, e hoje se arrepende. - O professor ia na casa de vocês? - Ia lá! Foi duas vezes que Pai chamou. Mas eu fui tão rude… Bem que podia aprender, mas não… Não queria… Foi indo e eu disse mesmo que não queria aprender a ler, que queria ficar sem ler… Pois hoje eu me arrependo porque tudo quanto é coisa que eu vejo assim… Mas eu não sei ler… Dige hoje é uma senhora de 99 anos que se mantém ágil e simpática. Aposentada, vive aos cuidados das filhas e se manteve fiel à autodeterminação de nunca mais se casar. Trabalhou na roça anos a fio até que o cansaço pela idade fosse limitante à atividade. Ela diz que há muito tempo parou de plantar até mesmo pequenas hortas por achar trabalhoso demais continuar fazendo o que pode ser comprado. O que se encontra hoje na feira de Iraquara vem principalmente da agricultura que envolve a família produtora e empregados, dada a maior proporção que a lavoura 10

De surpresa; ação traiçoeira.

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irrigada pode atingir, diferente da primeira metade do século passado em que toda a cultura era de sequeiro: planta quando chove e torce para a chuva ser suficiente até a colheita. - Nós plantava. Quando chovia, plantava. Outras vez plantava no pó, no tempo de sol que ia plantar… Tiolino mais os trabalhador abrindo cova e nós tapando… e era assim. Enquanto conversávamos, os olhos pequenos daquela senhora varriam o ambiente na tentativa de que alguma daquelas coisas do presente a lembrasse de algum fato extraordinário do passado. Ela não concebia que aqui o precioso é justamente o que considera mais banal da própria história. Quando questionada acerca do que fazia quando algum filho adoecia, respondeu objetivamente que levava ao médico, sem entender a curiosidade pelo percurso até o consultório: - E quando adoeciam [os filhos]? - Quando adoecia, ia pra o médico. Mas os meus, graças a Deus, foram tudo são[11]. - Vocês curavam com remédio? - Era com remédio e chá. - Remédio de farmácia? - Remédio de farmácia e chá. Até que Deus ajudava, que sarava. Mas era assim, minha filha. Tudo era assim, do jeito que Deus mandava a gente fazer, a gente fazia. - Me dá aí umas receitas? O que a gente toma quando está gripado? - Quando tá gripado? É guaco... Cebola mesmo é bom pra fazer chá pra gripe... Hortelã miúdo... Poejo... Tudo é bom pra a gripe... - E pra a dor de cabeça que a gente não quer tomar remédio? - Pra dor de cabeça, minha fia, eu não sei. Porque nem dor de cabeça, graças a Deus, ninguém tinha. - Era difícil chegar no médico? Tinha médico em todo lugar? - Não. Tinha em Palmeiras... 11 Sadio.

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- E como viajava até lá em Palmeiras? - Uá! Era de carro! Mas carro, Deus me livre, era diferente. Porque hoje os carros andam e cruza um, e dois, e três... E de primeiro era mais difícil. Por isso que muitos nem iam em médico. Porque não achava carro[12] pra ir. *** Dige teve três filhos, além de criar uma sobrinha, Nice, filha de Tiolino (o irmão que sucedeu o pai), faz questão de contar que criou todos na roça e lembra que um deles, Dimas, segue plantando, mesmo aposentado. Dimas é um senhor de 74 anos com fala mansa e ressabiada. Vive reservado em sua casa, com uma lavoura sequeira ao fundo, numa região do Mulungu dos Pires, distante cerca de 6 quilômetros do centro de Iraquara, à beira da BR 122. Criou sozinho os quatro filhos depois do fim do casamento de nove anos que começou quando tinha 35. - Eu toda vida tive roça. Primeiro a gente desmata e tira os paus, ara, gradeia. Aí a gente planta feijão, milho, mamona… Mamona é pra vender. Feijão e milho é pra casa.

Enquanto nos mostra sua propriedade, Dimas conta que assim como ele, as filhas também são agricultoras. No entanto, em roças de tomate, que para elas foi mais lucrativo. 12 Na região é comum se referir às lotações de transporte alternativo e até aos ônibus apenas como “carro”.

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A lavoura hoje é um hábito, complemento de renda e do que se serve à mesa. Mas em 1956, aos 10 anos, era necessidade. Foi junto ao tio tomado como pai, que aprendeu a cultivar a terra até que aos “vinte e poucos anos” comprou a propriedade em que mora até hoje (em sucessão de um outro tio agricultor) e passou a trabalhar para si, inclusive criando e ensinando a atividade aos filhos, que três dos quatro seguem até hoje. A urgência, inclusive pessoal, para o labor era tamanha que Dimas abandonou a escola antes mesmo que fosse alfabetizado: - Assinar eu assino, mas eu não estudei nem um ano. Meu nome eu faço, mas não estudei nem um ano. [...] Na época eu não estudei porque eu trabalhava era de vaqueiro. Era correndo atrás de vaca. [...] Era tudo gado do meu tio. E eu era o vaqueiro do gado. Aí eu não estudei. Eles [mãe e tio] queriam me botar na escola, mas, eu ia escondido no meio do mato, chegava e não ia pra escola porque não tinha vontade mesmo de ir. História de vida parecida é a de Edson, primo de Dimas e filho de Nenzinha. Lavrador no povoado principal do Mulungu dos Pires em Iraquara - distante cerca de 5 quilômetros do centro -, mora com a esposa, Renilda, hoje aposentada depois de trabalhar como professora de ensino fundamental e multisseriado. Juntos criaram um casal de filhos, e o rapaz hoje também segue a profissão do pai, mas diferente dele, de Dimas e de tantos outros, não teve a necessidade de trabalhar quando criança. - Naquela época os pais não exigiam muito dos filhos estudarem. Levavam mais pra a roça pra aprender o que o pai fazia. Só que eu tive meu período de escola. Eu estudava pela manhã e pela tarde eu ia acompanhar meu pai na luta dele e ajudar. Mas eu já estudava, desde criança eu estudei. Eu comecei a querer alguma coisa pra mim, individual a partir dos dezessete anos. Aí eu comecei a pensar em fazer uma rocinha pra mim, além de ajudar meu pai. Edson começou a acompanhar o pai na roça aos oito anos, primeiro por brincadeira, molecagem, depois com a noção do trabalho árduo que é. Conquistou o próprio terreno e hoje tem sua casa junto à lavoura, orgulhoso da fonte d’água que conseguiu minar para a irrigação13, abandonando a tração animal como transporte da água retirada de lagoas. A produção pode ser ampliada e, consequentemente, Edson passou a contratar trabalhadores permanentes, diferente de quando trabalhava no sistema de sequeiro em que eram por temporada, já que, segundo ele: 13 De acordo com a classificação apresentada por Mickaelon Belchior Vasconcelos (2014), o poço em questão é do tipo tubular (de revestimento tubular e pequeno diâmetro) artesiano (por captar a água de um aquífero confinado) não jorrante (porque requer uso de bomba para puxar a água até a superfície).

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- Sequeiro só trabalha nas épocas de chuva . Aqui o inverno da gente é de novembro a janeiro. Então uma vez por ano que a gente trabalhava, só precisava de trabalhador nessa época até plantar e pronto. Agora, hoje não. Como tenho irrigação tenho que ter trabalhador permanente. A principal busca de vida naquela época era pela própria independência. E cada um tinha seu meio para a jornada. O de Edson partiu do auxílio na roça do pai, escalando para o cultivo da própria plantação no terreno cedido, criação de gado, trabalho com sisal14 tanto no motor quanto na produção, trabalho em engenho, em casa de farinha e até uma partida para São Paulo aos 22 anos tentando a sorte fora de casa por dois anos. Época turbulenta em que estava com os dois filhos pequenos e perdeu Com orgulho Edson conta que conseguiu o pai, a quem era bastante apegado e encontrar água no terreno a 70m de profundidade, narra com carinho e voz terna sobre o o que, para a região, é raso, já que conhece caso de poços similares com até 200m de profundidade. apoio que ele e os nove irmãos recebiam como conselhos de vida para que não chegasse a acontecer de algum sair da região de origem, mas “quando ele sentia que era aquilo mesmo que a gente queria, ele apoiava”. Ao falar do pai, Edson recorre à uma irmã para despertar as lembranças e endossar que a falta de acesso a serviços de saúde foi fator agravante no adoecimento de Nunuca. - Como é que eu começo a contar dele… Ele foi muito compreensivo. Ele nunca foi um pai ciumento de prender filho. Filho dele sempre foi liberado. Saía com os amigos nas festinhas. As festinhas aqui é comum. É festinha tradicional de comunidade mesmo. Nunca foi de sair pra fora, sempre perto dele. Mas ele nunca foi de tá pegando no pé, não. [...] Sempre estivemos juntos. Nunca afastemo. Nesse tempo até ele morrer. [...] Foi um bom pai. Na família não tem 14 Planta da família das Agaváceas de folhas longas, rígidas e organizadas em rosetas. Edson explica: “Ela tem a fibra e você tem o maquinário pra tirar essa fibra que faz a “cordinha”. Além da cordinha, faz muita coisa mais. Tapete, artesanato… Então essa cordinha que você tá falando aí é da fibra dessa planta. E é comum aqui trabalhar em sisal, tem bastante lavoura. [...] A máquina pra trabalhar é perigosa. Ele é perigoso porque tem um espinho que é muito agressivo e se você vacilar, ele fura mesmo!”

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o que falar. Não tinha assim… Um desenvolvimento escolar… O conhecimento dele era pouco, a escolaridade era pouca. Mas não era ignorante. Era muito entendedor das situações. - Ele faleceu quando? - [Edson] Ele faleceu com… Oh Lúcia! Pai faleceu quando? Que ano? - [Lúcia] Em 84. - [Edson] Faleceu em 84. Ele faleceu com 67 anos. Ficou dois anos doente. - Faleceu de quê? - [Edson] Derrame. Ele sofreu o primeiro derrame montado no cavalo cuidando das roças. Atacou um AVC. Ele desceu do animal e encostou assim… Ele sofreu sozinho... Aqui as palavras de Edson vacilam. Sua fala é normalmente serena. Mas ao contar do adoecimento do pai, o homem alto e simpático sentado na cozinha de casa com uma xícara de café nas mãos, se retrai. Neste momento a irmã, Lúcia, se aproxima, puxa uma cadeira e compartilha a mesma vulnerabilidade do irmão. Sem, no entanto, nenhum dos dois hesitar em apresentar o próprio herói. - [Edson] A sorte [foi] que alguém passou na hora, viu e socorreu. Isso foi a primeira vez. Aí ele ficou bom, com umas pequenas falhinhas, mas bom. Aí vem a segunda vez. Na segunda vez ele foi pra a cama e ficou dois anos na cama. Até falecer. - [Lúcia] No terceiro ele faleceu. Porque assim, não tinha recurso naquele tempo, né? Não tinha médico… Hoje faz fisioterapia, né? Ele perdeu a voz e não voltou… Porque naquele tempo não tinha fonoaudiólogo, né? Aqui não tinha. Não tinha fisioterapeuta… Então ele paralisou mesmo. Se fosse hoje, tinha superado. - [Edson] Ele nesse tempo não falava. Só fazia um barulho, não falava nada. Quando ele queria alguma coisa, ele fazia um barulho que ninguém sabia o que ele queria. Então foi difícil esses anos pra Mãe cuidar dele… Na época eu tava em São Paulo quando ele ficou doente. Foi difícil. - [Lúcia] Hoje a gente tem aparelho em casa pra controlar, né? A pressão. Naquele tempo, tinha vez que ele agitava tanto à noite, que hoje a gente sabe que era porque a pressão tava tão alta que ele ficava agitado, né? E não tinha aparelho pra medir. Como é que sabia se era? - [Edson] Isso era em 84. Em 84 era bem atrasado ainda. Já desenvolveu muito hoje.

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- [Lúcia] O hospital mais próximo era em Wagner[15] mesmo. A partir daí, já tendo voltado da temporada em São Paulo, Edson foi trabalhar sozinho, sem a companhia do pai, ainda na plantação sequeira, às vezes fazendo algum bico16, sem controle de pragas já que, sequer aconteciam ataques, “nessa época não era muito perseguido”, mas quando por algum infortúnio acontecia, todo o trabalho da estação era perdido e para ele, a única garantia de estabilidade financeira era o salário de professora da esposa. Renilda representa uma virada na posição da mulher naquela região porque, se na geração anterior, com a sogra Nenzinha, trabalhar por remuneração17 era uma opção, uma auto afirmação de independência da renda do marido. Neste momento, ter um emprego não-doméstico significa construir ativamente, em par com o homem, a vida financeira da família. Os frutos da roça ficavam na roça: fossem eles os alunos de Renilda que assim como a professora, eram filhos de agricultores e criados naquele mesmo ambiente; fosse a colheita da lavoura e a produção do engenho e casa de farinha, que servia para alimentar a própria família e abastecer a feira de sábado na própria cidade.

Renilda e Edson no quintal de casa. 15 Município localizado a aproximadamente 48.7km de distância de Iraquara. 16 Trabalho informal temporário como fonte de renda extra. 17 Por “trabalhar” leia-se as atividades que as mulheres realizam além da carga designada pelo patriarcado como função feminina, o trabalho reprodutivo (funções relacionadas ao cuidado das pessoas, do ambiente doméstico e à reprodução da força de trabalho). Ver Silvia Federici (2019).

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Capítulo 2 VERÃO


DIAS LONGOS NO TRABALHO E AS CORES VIVAS DA FEIRA

Eu poderia começar dizendo que a rotina de Edson para levar seus produtos à feira do sábado começa cedo. Mas “cedo” assim, sem parâmetro, estaria reduzindo às horas de carregamento do carro - momento que arrisco classificar como o mais tranquilo - todo o planejamento e esforço de produção que envolve manejo da terra, contratação de serviços, vigília e outros processos que não cabem em lista. Se em meados da década de 1940, na geração de Nenzinha e Dige, mãe e tia de Edson, respectivamente, seguindo o trabalho de Julião após sua morte precoce, o trabalho da lavoura era pensado primordialmente para o consumo interno familiar, e apenas o excedente era vendido junto com os doces e biscoitos preparados pelas mulheres. O fluxo de trabalho da geração representada por Edson, nascido na segunda metade do século XX, é múltiplo. Quando questionado sobre quais cultivares planta, Edson não faz distinção entre o que é produzido para a venda e o que é pensado para consumo próprio. Simplesmente conta uma lista variada, apesar de, mais tarde em outras conversas, ter revelado mais alimentos no terreno que não entraram na primeira lista, seja porque ainda está em período de teste e de crescimento da planta, como o caso da cajámanga1 chegada em uma única muda - que mesmo já tendo ganhado porte de árvore, ainda não tem constância na safra; ou porque a variedade tem ocupado o terreno quase voluntariamente, se valendo da adaptação ao clima ou do cuidado geral que a terra de Edson recebe - é o caso da goiaba e de ervas dispostas no quintal da casa. É possível inferir que esta última categoria de cultivar criada despretensiosamente não tenha sido incluída na lista de apresentação justamente por não requerer tanto esforço de trabalho para Edson assim como anteriormente eram os porcos e as galinhas no quintal de Nenzinha. Ao olhar para a lavoura percebe-se - ainda que sem conhecimento prévio que nada ali é em vão: A batata doce casa no consórcio com o café para aproveitar o espaço necessário entre as carreiras do arbusto. A bordadura do lado mais alto desta área é de pés de abacaxi, bromélia que suporta o sol a pino e a drenagem do terreno levemente 1 Também chamada na região por “cajarana”, é uma fruta de tamanho médio (entre 6 cm e 10 cm, em média), suculenta de polpa amarela e sabor azedo.

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ladeirado. Logo atrás, pés de cana dividem terreno com a plantação de banana da terra, chamada na região de “banana-de-café”, e, neste caso, é ainda de uma subvariedade apresentada como “maranhão”. A localização na área mais baixa e plana do terreno favorece o armazenamento de água nas raízes rizomatosas das bananeiras, além de criar uma pequena estufa sob sua fronde densa.

Por ordem de tamanho: pés de batata doce, planta rasteira; pés de café, planta arbustiva; e ao fundo, a plantação de bananeira. Todas três variedades bem recebidas na terra vermelha de Iraquara cultivada por Edson.

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Edson explica enquanto demonstra a colheita, que cada bananeira frutifica apenas uma vez. Por isso, à medida em que colhe, derruba a planta que, findando a vida, gera novas mudas através da raiz.

Ao fundo está a plantação de mandioca que para olhos não-treinados se passa como a repetição de um único tipo de planta. Mas Edson explica que a área abriga quatro variedades da raiz, cada uma sendo preferida para um tipo de preparo ou cliente, além de, quando o rendimento é maior, vender montantes em caixas para atravessadores e outros comerciantes. O plantio de mandioca é comum na região, mesmo nos quintais das casas é possível mapear alguns pés misturados às ervas medicinais. A planta é simpática ao clima árido de Iraquara, vivendo bem com pouca irrigação e com a terra drenável. Edson, assim como Dimas em uma das nossas conversas sobre o trabalho na roça, explica que o plantio da raiz é simples: basta quebrar um pequeno graveto do tronco da planta e pôr de volta à terra saudável. Não à toa o alimento é tradicional e se mantém presente diariamente à mesa das famílias da região em pelo menos uma refeição: brasileira nativa, cultivada e beneficiada desde os povos originários, as lições sobre seu manejo são passadas hereditariamente e nos cruzamentos entre famílias e outros grupos (clientela, amizades, suporte comunitário) de maneira quase despercebida. Na convivência para a pesquisa pude notar que todos ali, inclusive eu mesma, frequentadora da região desde a infância, tratam o alimento com intimidade: sabendo reconhecer a planta, respeitando sua toxicidade se ingerida

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crua, conhecendo diversas formas de beneficiamento (farinha, puba, goma, beijus, bolos, etc.) e tendo pelo menos uma forma favorita de se alimentar da mandioca, que aliás, é chamada por dois nomes: “mandioca” para as variedades que requerem beneficiamento para o consumo (secagem e fermentação, feitos tradicionalmente nas casas de farinha); e “aipim” para os tipos de mesa, servidas cozidas, fritas ou assadas.

A plantação de mandioca forma sob sua fronde baixa uma área de sombra com o chão coberto de folhas secas. Por isso, Edson alerta que é comum haver cobras escondidas nesta área.

A mandioca é matéria-prima para o trabalho de Amanda, jovem que, junto com a família, produz e vende biscoitos feitos a partir da tapioca e da goma, sendo o avoador o principal deles, que me levou até a casa da família na região da Carne Assada em Iraquara para conhecer a produção. Avoador é um biscoito tradicional na região feito com tapioca (polvilho doce) escaldada com água fervente, sal, óleo e estruturada com ovos. Formando uma massa lisa e cremosa que é, com o auxílio de sacos de confeitaria, manualmente disposta nas torradeiras2 em biscoitos com formato de palitos, roscas ou gotas grandes ou pequenas, assados em forno alto, a lenha ou elétrico. Depois os biscoitos são ensacados para serem vendidos na feira ou distribuídos em mercados até chegar à mesa de diversas famílias, sendo amplamente consumido pela comunidade há pelo menos três gerações, como conta Amanda: 2

Assadeiras; tabuleiros.

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- Há muito tempo atrás era a minha avó e o pessoal da minha avó que fazia muito, só que em época de final de ano. Aí minha avó, como naquela época era muito difícil renda… Minha avó começou com o avoador, aí começou aos poucos. Começou a pegar feira. Antigamente era muito difícil o transporte. Ali não tinha ponto onde vocês passaram. Aí ia atravessar a rua de madrugada, ver se achava ponto pra poder ir pra a feira em Lençóis, em Parnaíba, em Souto Soares, esses lugares assim. Aí depois minha mãe conheceu meu pai e começou a fazer mais. Começou assim… Bolachinha, biscoitinho… Aí tinha só o forno de lá, que era o forno a lenha. Antigamente só tinha forno a lenha. Aí tinha que acordar cedo, duas horas da manhã pra começar a fazer avoador. A avó de Amanda começou a vender o biscoito que até então fazia apenas para consumo da família quando, por conta de um acidente, o marido precisou deixar a profissão de agricultor, que era a fonte de renda da casa. À princípio a família plantava a mandioca e produzia a tapioca para o avoador, mas com o tempo as vendas aumentaram, requerendo mais gente na cozinha e uma quantidade maior de tapioca, que passou a ser comprada. Na época da minha visita à produção de Amanda, o ingrediente era comprado de produtores do Paraná, já que, segundo ela, os preços na própria região eram altos demais. Sendo assim, a pequena plantação de mandioca que a família ainda mantém é para consumo próprio. Enquanto a preparação de Edson para o dia da feira envolve ciclos diretamente ligados às estações do ano e seus climas, numa doação paulatina de dedicação e cuidado. A de Amanda toma forma em poucos dias com ciclos curtos e repetitivos: tendo os ingredientes em casa - chegados de diferentes fornecedores que, provavelmente, realizam trabalhos parecidos com o de Edson -, a família produz avoador todos os dias, com a venda na barraca da feira aos sábados e entregas em mercados de Iraquara e de Seabra às quintas-feiras. A distribuição acontece para doze mercados, mais uma atravessadora que leva os biscoitos para revender em São Paulo. - A primeira vez que eu fui em Iraquara… Eu não tenho habilitação e fui em Iraquara. Eu nunca tinha pegado carro na pista, nunca na minha vida. Peguei e fui. Meu pai ficava conversando com minha mãe: “Tem que pagar isso. Tem que pagar tapioca e não tá tendo condições”. Eu pensei: “Meu Deus do céu! Será que se eu for, eu vou conseguir?” Peguei esse carrinho sem falar com ninguém. Peguei até vinte reais escondido de minha mãe. Peguei o carro, enchi de avoador, peguei os vinte reais e botei gasolina. Saí. Fui tremendo daqui até lá. Aí cheguei no mercado e meu pai me ligou: “Amanda tu tá aonde? Cadê o carro?” “Pai tô em Iraquara”. “Tu é doida! Tu vai morrer!” Falei: “Não vou, não, painho! Daqui a pouco eu chego aí.” Como aqui na região tem muita pessoa que faz avoador, foi muito difícil. Cheguei a chorar. Em vários mercados cheguei a chorar. Não vou mentir, não. Eu chegava assim: “Não quero ser melhor que ninguém, nem quero ser pior que ninguém também, mas experimenta meu avoador por favor?” E o pessoal foi comparar de um para o outro: “Tá bom,

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Na família de Amanda a produção dos biscoitos é quase completamente manual. Com exceção apenas da massa preparada em uma batedeira industrial, os biscoitos são feitos um por um.

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depois eu pego”. “Olha senhora, pra não ficar ruim nem pra mim, nem pra você, eu deixo dez pacotes aqui, semana que vem eu volto. Se acaso vender, você pega mais. Se acaso não vender eu pego e levo pra casa”. Vim embora, levei um xingo de meu pai tão grande: “E cadê os avoador?” Falei: “Oh pai, os avoador eu vendi tudo”. “E cadê o dinheiro?” Tu acredita que eu não voltei com um real? E a gasolina do carro ainda acabou no meio do caminho e eu tive que vir empurrando. Eu chorei. Falei: “Gente, que sacrifício para nada… Que ódio! Meu pai ficou com raiva de mim”. Aí fiquei quieta e painho só provocando com isso a semana todinha. Na quinta-feira, um dos maiores mercados que tem em Iraquara, que é o Sacolão do Povo, ligou: “Eu quero encomenda pra hoje à tarde. Cem pacotes. Tem como me entregar? Uma menina passou aqui, num carro preto e falou que o avoador era de vocês e me deu esse número”. Painho ficou com uma alegria tão grande! *** Tanto para Amanda quanto para Edson, a feira é o marcador-norte do trabalho. Para ela, que também vende em sistema de distribuição, o sábado marca a ida à cidade, o reinício do ciclo de trabalho, a presença no primeiro lugar que recebeu seu produto e a socialização com os clientes; para Edson, a feira é onde seu trabalho culmina, ganha campo e traz respostas que vão marcar quais práticas terá na lavoura. Aos sábados na praça Manoel Teixeira Leite de Iraquara os trabalhos de Edson e de Amanda - que previamente já são interligados por mecanismos simbólicos e territoriais como os próprios hábitos alimentares e as respectivas preparações para atuarem como comerciantes naquele evento semanal - se encontram. Juntamente com dezenas de outras barracas artesanalmente construídas e manualmente montadas, umas ao lado das outras formando um labirinto em que várias vezes é difícil apontar o início de uma e o começo da outra. Por isso que as pessoas frequentadoras deste tipo de comércio normalmente não referem sua compra a um estabelecimento específico, como os que têm nome e placa. Se diz: “fui à feira”. Quem vai à feira sabe por nome e parentesco quem produziu sua comida. Reconhece quem produz seus itens favoritos sem desvalorizar o trabalho da outra. Notei o quão forte é esta rede de reconhecimentos quando, andando pelos corredores da feira de Iraquara, fui reconhecida algumas vezes: - Você não é da família de Tiolino? - Sim. Ele era meu tio-avô. Sou neta de Jani.

- Isso mesmo! Dona Jani fazia um dos melhores avoadores da região! Também fazia uma brevidade muito boa! Eu não conhecia previamente aquelas pessoas, nunca morei naquele lugar,

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mas fui reconhecida através da fisionomia e de quem ora me acompanhava na pesquisa (primas ou mãe). O reconhecimento era pelo trabalho que minha avó apresentava também na feira, décadas atrás, e lembrado até hoje nestas pequenas manifestações que dão prova do quão perenes são as relações estabelecidas naquele ambiente. As redes interpessoais formadas na feira são tão complexas quanto os desenhos das suas barracas. O feirante nunca é um comerciante solitário: se algum falta, falta também uma parte da feira; se precisa se ausentar rapidamente para resolver assuntos paralelos, a pessoa da barraca vizinha dá cobertura. De maneira semelhante se organiza as relações da clientela: pela disponibilidade para fazer a feira de alguém que não pôde ir naquele dia, pelo compartilhamento de informações sobre preços e ofertas de produtos, pela confiança e solicitude presentes no costume das clientes em guardar seu bocapiu3 barraca de algum feirante enquanto termina as compras. Os encontros semanais na feira ultrapassam o caráter mercadológico. A feira é um evento social.

Na barraca de Edson todos os atendimentos são feitos por ele, bem como as tarefas de organização e limpeza dos produtos.

A feira de Iraquara não dispõe apenas de vegetais frescos e biscoitos. Há também barracas de café da manhã para os que chegam cedo, e outras de produtos tão variados quanto a mente imaginar: vasilhas, panelas, ferramentas, acessórios da cozinha, maquiagem, cosméticos, roupas, sapatos, etc. Existe uma área entre as barracas de vegetais frescos e as de variedades com produtos que marcam diretamente a cultura regional por trazer a imagem amplamente reforçada 3 Cesto ou sacola feito artesanalmente de palha de licuri. É comumente usado para carregar as compras na feira.

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da estética sertaneja através de chapéus de couro, gibão de vaqueiro, chicotes, cestas, esteiras e bancos. Além de chamar atenção a barraca de ervas que parece resistir quase solitária na feira para manter viva o costume lembrado por Dige de tratar em casa, com chás, tinturas e unguentos naturais tudo o que o conhecimento popular der conta, reservando as idas aos consultórios médicos apenas casos específicos ou persistentes. Mais à frente, passando por um trecho da Avenida 7 de Setembro em direção à Praça dos Eventos, é possível encontrar barracas de carnes frescas e secas, galinhas vendidas vivas ou em diferentes estágios de tratamento do abate. As carnes estão presentes na maior parte das refeições desta comunidade. E apesar da cidade também dispor de açougues, ainda há numerosas barracas vendendo estes produtos ao ar livre, sem refrigeração ou armazenamento reservado. Os pedaços de animais mortos são pendurados em ganchos ou dispostos em pilhas sobre um plástico na barraca. O chão desta área é salpicado pela suculência que escorre das peças e o odor forte pode causar ânsia e ardor nos olhos de quem não tem costume, mas não para os frequentadores, que parecem não se incomodar também com as moscas e com os cães que tentam aproveitar qualquer sobra. Vencida a zona das carnes, há um pequeno mercado coberto em que vendem variedades de farinhas e grãos, mel e melaço, cachaça, queijos, mais biscoitos, bolos e pães.

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Os vendedores comentam que acham curioso quando outras pessoas pedem para tirar foto dos seus produtos. Segundo um deles, vendedor de artigos em couro, “turista acha tudo bonito”.

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Capítulo 3 OUTONO


ONDE HÁ FOLHAS SECAS, HÁ TAMBÉM RENOVAÇÃO

Amanda faz parte da terceira geração da família que se sustenta principalmente com a venda de avoador. Criada na cozinha, passou a ajudar os pais ainda pequena. Hoje é casada e trabalha meio turno como professora de educação infantil. Tem uma filha de oito anos que já foi ensinada a ajudar a família na atividade. - Ah meu Deus do céu, ela bota touca, o avental e “bora mãe!”. Bota do jeitinho dela, né? Mas coloca. Mas quero que ela cresça do mesmo jeito que eu. Designar toda a família numa mesma atividade é, segundo ela, financeiramente mais proveitoso do que contratar funcionários. Melhor do que ter um lucro mais alto e pagar salários, é trabalhar de forma colaborativa e toda a renda ser divida entre eles. Assim organizam o fluxo de trabalho de acordo com a disponibilidade de cada um, sem rigidez sobre quem cumpre qual tarefa. Cada pessoa trabalha o quanto pode sem ser penalizada por eventuais faltas. Naturalmente, há funções favoritas: Amanda gosta de fazer as entregas, além de ser a mais veloz em dispor os biscoitos nas torradeiras; o pai é quem escalda a tapioca com menor ocorrência de erro a ser consertado; e invariavelmente todos passam por pingar avoador. Por mais que Amanda diga o quanto gosta de fazer avoador e ir à feira, o movimento do seu trabalho vai em direção à mecanização dos processos produtivos e à secundarização da feira como ponto de venda. Isso porque ela comenta o sonho da aquisição de uma pingadeira, máquina que substituiria a etapa que mais demanda tempo na produção de avoador, que é distribuir os pequenos biscoitos nas torradeiras. Atualmente a família dispõe de dois instrumentos industriais: o forno elétrico não substituiu o de lenha, mas é nele que assam quase a totalidade da produção, e apenas algumas fornadas sob encomenda passam pelo forno à lenha para a clientela preciosista; o segundo instrumento é a batedeira, substituta do esforço manual de manusear a tapioca escaldada ainda quente na incorporação dos ovos e do trabalho na textura da massa, que deve ser lisa e leve num ponto que permita ser manipulada com um saco de confeiteiro. Quanto à venda, a maior parte da produção é distribuída para mercados, a demanda da feira, como Amanda demonstra quando fala da sua motivação para pegar o carro dos pais e partir na tentativa de novas vendas, não é suficiente para manter a renda da família.

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*** Aprender a profissão do pai também foi tarefa do filho homem de Edson. Mas ao contrário dele, começou a trabalhar na roça já adulto. A filha não seguiu a profissão dele nem da mãe, tendo melhores oportunidades, apostou na vida da cidade. Mesmo o trabalho de Edson sofreu mudanças significativas ao longo do tempo, coincidindo com a movimentação dos filhos de passar menos tempo na roça e até se mudar para uma cidade grande. Edson passou a contratar trabalhadores permanentes, já que, sem os filhos como sucessores do trabalho como ele mesmo foi, e com a abertura do poço d’água, se tornou quase independente das temporadas de chuva e tem a segurança da própria irrigação. Também no período mais recente da lavoura começaram a surgir pragas resistentes, que não são erradicadas com controle do solo ou remédios naturais. Assim os agrotóxicos chegaram ao trabalho de Edson.

Os pés de mamão da roça de Edson foram atingidos pelo que ele identificou como um ácaro, deixando as frutas com manchas cinza nas cascas, o que diminui o valor de mercado, apesar da polpa não ser atingida. Hoje em dia Edson sequer vende mamão na feira, o que produz é consumido em casa.

Enquanto isso, uma das filhas de Dimas partiu para a vida em cidade grande. Já as outras, seguiram como lavradoras. Primeiro na roça do pai, como o irmão faz até hoje, depois como catadoras de tomate em plantações maiores. Todas são escolarizadas. Dimas segue trabalhando em lavoura de sequeiro, garantindo que a irrigação naquelas proximidades só se faz em roças de tomate e de pimentão. Hoje em dia a produção de mandioca,

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mamona e as ovelhas que cria vão para sua principal clientela: os atravessadores, e planta pouco para consumo familiar. Mas também reclama da crescente de pragas: - Antigamente não dava, não. Mas hoje em dia por causa dos tomates é uma praga doida. Até [na] roça sequeira se a gente quiser colher feijão, milho, é obrigado a jogar veneno. Hoje em dia tem que jogar. Se não jogar, a imundiça come tudo. - De quanto tempo pra cá mais ou menos que começou isso? - De uns dez anos pra cá, mais ou menos. - E compra esses venenos onde? - Compra em Seabra, nos depósitos. - Aí na loja tem o técnico que passa a informação? - Tem o técnico… Cada tipo de bicho tem um tipo de veneno também, né? - Aí chega lá na loja e explica pra o técnico o que está acontecendo e ele passa? Ele dá a receita ou só vende? - Ele já vende. Ele pega o remédio e já vende. - Nem pega a receita? - Não. Ele pega o veneno e entrega pra a gente e a gente vai usar, né? - A prefeitura passa aqui pra alguma coisa? - Não. - Tem que ter registro na prefeitura pra plantar? - Não… - Então a prefeitura não tem nada a ver? - A prefeitura não tem nada a ver! O relato de Dimas vai contra o de Fernando Viana, então secretário de Agricultura, Turismo e Meio-Ambiente do município de Iraquara1. Segundo o 1

Neste trabalho as entrevistas foram realizadas entre os anos 2017 e 2018.

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secretário, não há mais prática de agricultura de sequeiro na cidade, e o uso de agrotóxicos nas lavouras dali é feito por um grupo específico de produtores. Mas concorda que este uso não é controlado em nenhuma instância: - Você reconhece que mesmo a agricultura familiar aqui usa agrotóxico? - Não. Agricultura familiar não, os pequenos produtores irrigantes. Vamos diferenciar. Os pequenos produtores de produção restrita, geralmente orgânicos, esses não, mas os pequenos irrigantes usam, até mesmo porque produzem basicamente tomate, pimentão que são olerícolas que não produzem sem. - Mas pra usar esse tipo de material precisa de um responsável técnico. A prefeitura tem assistência pra isso? - Não. A prefeitura não tem, o Estado não tem, ninguém aqui nunca se ouviu falar em receituário agronômico, que é o instrumento que legaliza como se fosse um receituário médico para o paciente, é o receituário agronômico para uma planta. Então o que existe aqui no município hoje são revendas, lojas grandes de Irecê de agrotóxicos, de fertilizantes e eles tem um agrônomo que dá orientação técnica aos clientes de como usar, mas no intuito de vender. Mas pra ter o critério da natureza, o critério de proteção ao ser humano como prescreve as normas que direcionam a questão do receituário agronômico, isso não existe em lugar nenhum do estado da Bahia. Contudo, de acordo com Fernando, o principal problema da pasta são os poços irregulares, por serem ameaças ao equilíbrio hídrico da região. Para isso, a prefeitura firmou parceria com o Governo do Estado num projeto de cadastramento de poços artesianos a fim de melhor controlar o uso da água no município, útil inclusive para as autorizações, ou não, de grandes empresas na região: - Iraquara é rica em recursos hídricos subterrâneos. E você tem aí trezentos ou quatrocentos irrigantes pequenos, mas ilegais, sem outorga. Então não tá registrado, não existe no papel documentalmente e chega um grande lá no Inema, quando eles puxam no sistema o extrato do uso de água em Iraquara… Iraquara não tem ninguém usando água! Mentira. Os pequenos estão todos usando, mas tá tudo ilegal. Então o cara vai lá e dá uma outorga gigantesca pra um cara desse. Para um manancial hídrico que já está combalido. Agora eu devo registrar aqui que o Estado sim, é que é o grande lento porque o que teve de gente já dando o primeiro passo para tentar uma outorga e as coisas andam muito lentamente porque eles não têm material técnico, quadro técnico… Esse departamento de outorga, por exemplo, em governos anteriores eram - isso eu ouvi de um próprio técnico do Inema que não vou citar nome aqui, naturalmente - era um órgão grande pra cuidar de outorga no estado, hoje está se resumindo a um setorzinho lá qualquer e a necessidade de legalização

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é gigantesca pra você ter um controle do uso das águas.

O secretário assume a falta de programas municipais de incentivo aos pequenos agricultores iraquarenses, além do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PEAA), federais. O primeiro, liberou R$617.856,00 em 2017 para Iraquara; já a ferramenta de consulta do PEAA não traz registros de atuação do programa no município no ano referido2.

Captura de tela com o resultado da busca por Iraquara no mapa do PAA em 2017. Consulta em 2 de setembro de 2021.

Então logo após falar dos programas de incentivo à produção, o secretário Fernando se contradiz em uma fala confusa: - Agora se você recorre, por exemplo, ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Regional Sustentável, que eu sou também um dos conselheiros, que congrega todas as associações dos produtores, lá já se fala nessa língua. O próprio sindicato tem um viés de apoio através de cursos. A prefeitura também procura buscar através de cursos de aperfeiçoamento. Mas assim, o que existe ainda é uma região carente de recursos hídricos. A pequena produção ainda aqui é ativa, mas de forma discreta. Ela não está sistematizada, ela não está organizada. Na feira, quando procuro por vegetais orgânicos, os próprios feirantes me encaminham para poucas barracas específicas. Com oferta limitada, já no início 2

Consulta feita em 2 de setembro de 2021.

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da feira os produtos se esgotam. Fernando Viana conta que esta produção se dá a nível de quintal, e apesar de reservada a este espaço, ainda assim está ameaçada. No entanto, esta delimitação conflita com sua declaração sobre o uso de agrotóxicos no município ser de um grupo específico. A fala do secretário não preenche o espaço deixado entre o pequeno grupo de produtores orgânicos e o suposto grupo específico de produtores com agrotóxicos. - Eu quando comecei a plantar no meu quintal, um sítio aqui perto há seis anos atrás, eu colhia pimentão orgânico, colhia tomate orgânico, hoje nada produz porque no entorno já criou-se a resistência nos vetores de tanto usar indiscriminadamente agrotóxicos. Além da pequena oferta de vegetais orgânicos e da predominante oferta de vegetais “convencionais” [sic]3, Fernando Viana também cita por nomes, sem mais detalhes, três associações de produção de alimentos que fornecem para a merenda escolar (uma associação de mulheres produtoras de biscoito na região da Quixaba, a associação Cana Brasil e a associação da região da Boca da Mata) e faz um alerta para a presença da agricultura em larga escala de empresas externas à região, como a Igarashi.

Página inicial do site da Igarashi Brasil. Consulta em 2 de setembro de 2021.

A empresa está atualmente instalada em duas cidades baianas: Correntina (515,4 km distante de Iraquara) e Ibicoara (171,7 km distante de Iraquara), sendo esta, parte 3 Defendo que usar o termo “convencional” para designar vegetais cultivados sob tratamento com agrotóxicos é uma forma de normalizar uma prática que, na verdade, é de caráter de exceção. Agrotóxicos não são convencionais, mas convencionados a partir das monoculturas. Gradativamente se fez necessário e incentivado por governos em médias e pequenas lavouras ao ponto de que pensem ser impossível alimentar a população sem uso destes venenos.

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do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Em 2017 a atuação da agropecuarista foi objeto de denúncia por uso abusivo de recursos hídricos na fazenda Igarashi em Correntina, num ato que recebeu notoriedade ao ser comunicado em veículos regionais e atingiu alcance nacional ao ter matéria exibida no Jornal Nacional, principal veículo jornalístico televisivo no país. Todavia, entre as matérias localizadas e acompanhadas nesta pesquisa, o foco da notícia foi, em quase todas as publicações, o prejuízo da Igarashi ao ter equipamentos destruídos. Apenas uma publicação encontrada noticiou o ato e seus interesses:

A Rede Brasil Atual foi criada por sindicatos de trabalhadores e se propõe à prática da comunicação contra-hegemônica. (Captura de tela feita em 3 de setembro de 2021).

Em 1 de dezembro de 2017 foi realizada uma audiência pública para averiguar a redução de volume dos rios da Bacia do Rio Corrente e revisar a regularidade das outorgas de empreendimentos neste território4. Esta é uma bacia afluente da 4

Diário da Justiça Eletrônico Nº 2.090 de 28 de fevereiro de 2018.

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Bacia do Rio São Francisco na Bahia, abrangendo diretamente 27 rios ao longo de 13 municípios, inclusive Correntina. Os encaminhamentos decididos na sessão passam pela criação de uma lei mais restritiva ao agronegócio na região, a realização de estudos para a proteção do Aquífero Urucuia - que vem diminuindo 6,5mm/ano mesmo sendo de alta importância para a vazão, dentre outros leitos, do Rio São Francisco -, a não concessão de novas outorgas e a revisão das já concedidas na região. Num momento de viagem para pesquisa, ao passar pela região de Cascavel, pertencente ao município de Ibicoara, as pessoas que me acompanhavam e eu, fomos surpreendidas por um mau cheiro intenso, que num primeiro momento pensamos se tratar de alguma carniça na pista. Entretanto, o fedor persistiu por um trecho significativo. Decidimos por tentar descobrir sua origem, e percebemos que ele estava presente ao longo da área correspondente a uma fazenda da Igarashi. Não conseguimos ir a fundo e saber a causa do mau cheiro, mas fomos marcados pela referência desagradável à marca. A preocupação de Fernando Viana ao alertar sobre a presença do agronegócio na região tange à poluição e à superexploração de recursos hídricos, apesar da geração de empregos. Ele fala sobre estas agroindústrias serem nômades: extraem os recursos da terra, depositam seus resíduos e se mudam para uma nova área. É visto que, sobre isso, ele não está sozinho. Esta é uma preocupação emergencial para as pessoas ligadas ao meio. Ao sondar o cenário da agricultura em outras cidades da região, visitei o Assentamento Padre Cícero em Lençóis, onde a líder Núbia Rodrigues apresenta um panorama semelhante ao de Iraquara: produção dividida entre consumo interno, uma pequena venda em feiras (inclusive a de Iraquara) e principalmente para atravessadores. Ela explica que a comunidade tem duas queixas principais: a dificuldade e falta de apoio no escoamento da produção; e a diminuição do volume do rio usando na irrigação, o rio Utinga, componente da APA Marimbus/Iraquara na formação do pantanal de Marimbus. - A gente mediu toda a área e dividimos pra as 25 famílias igualmente. O rio é aqui. A bomba fica lá embaixo e a gente faz irrigação em toda a área. E a bomba é uma só pra compartilhar com todo mundo. - O que aconteceu com o rio, a responsabilidade é da prefeitura de Lençóis ou de Utinga? - Na verdade a responsabilidade do rio era pra ser do Governo Federal. Porque é responsabilidade do Inema, é ela que tem que fiscalizar e corrigir. E em Utinga a quantidade de bombas pra captação de água é muito grande e o rio não suporta. [...] 2015 que foi a primeira vez que o rio secou. E a gente vem fazendo reuniões, fazendo protestos. Protestos em que já aconteceu do governo mandar tirar o pessoal da pista a troco de bomba e bala. E a gente vê

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diante disso que eles não estão fazendo nada, que a produção de banana em Utinga está crescendo a cada dia e a quantidade de bomba é imensa. E o rio vai desaparecendo. [...] Quando a gente chegava pra o Inema e falava que tava acontecendo isso e aquilo, nada acontecia. O que nós mesmos fizemos foi ir lá registrar, tirar foto, fazer vídeo. Chegava em fazenda que a gente era ameaçado. Tinha um rapaz que tava com a gente que foi ameaçado de morte porque ia lá pra registrar os fazendeiros de Utinga que não aceitavam de maneira alguma! Nem na nascente, eles não queriam que a gente fosse lá olhar. E de lá pra cá a gente tem feito reunião, foi em Salvador pra ter reunião com o secretário de governo, mas a gente vê que não tem resultado de nada. Eles não tomam providência nenhuma. Porque na verdade são muitas bombas. E são bombas de porte grande, são de 1500.00 cavalos, que o rio não suporta. A gente esteve numa fazenda mesmo, que com a bomba ligada o rio não descia, a água voltava todinha pra a bomba e a parte de baixo seca. Engolia eu dentro da bomba! A água não descia. - E a daqui é de quanto? - A daqui é de 5 cavalos. São 5 pra 25 áreas. [...] Se a gente observar o que mais está destruindo os rios da Bahia é o agronegócio por conta disso.

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Capítulo 4 INVERNO


HORA DE PREPARAR O FUTURO

Tendo visto a movimentação da comunidade para fazer acontecer semanalmente a feira grande e farta em Iraquara, não poderia levantar qualquer hipótese de que ela deixe de existir num futuro próximo. Mas tendo visto e escutado relatos e queixas, afirmo com certeza que esta feira está passando por mudanças abruptas importantes, por mais que ainda não se tenha consciência das consequências do processo. Se na mocidade de Nenzinha e Dige as mudanças na feira eram sobre a saída de um feirante ou a chegada de outro, ou as mudanças sazonais de ofertas de vegetais - a colheita do tomate é no verão, a da tangerina é no inverno, etc -; o curso do trabalho de Edson e de Dimas já se relaciona assiduamente com os atravessadores que apareceram como uma forma mais segura para escoar a produção, mesmo que a preços baixos, e a partir daí os produtos viajam quilômetros até chegar em outras feiras ou mercados de cidades por vezes desconhecidas por quem produziu. Ou como no caso da mamona que Dimas explica com orgulho do seu produto ir longe, mas também com o distanciamento de quem não sabe realmente os processos pelos quais aqueles frutos manualmente colhidos passam. - Eles [atravessadores] saem aí nas roças apanhando em tudo quanto é casa. E aí leva. E de lá não sei te dizer. Antigamente era pra Salvador, mas agora acredito que fica tudo dentro de Iraquara mesmo por causa da Biodiesel[1], né? Porque tem a Biodiesel aí que fabrica óleo e tudo, né? Então fica tudo aí em Iraquara mesmo. Os primos que vieram de uma família que comprava na feira apenas o que por ventura não conseguia cultivar na própria roça, passam então a produzir o que tem melhor chance no mercado, reconhecendo que ao longo do tempo a necessidade de pagar por itens básicos ficou maior. De forma indissociável vieram as mudanças técnicas nas lavouras e os agrotóxicos: o produtor passou a pensar seu trabalho como um meio para o consumo, e agora que escoa a produção pelos atravessadores, está 1 A Biodiesel a que Dimas se refere é a Usina Oleoplan BA, uma das maiores na América a produzir diesel livre de origens fósseis, cerca de 468 mil m³ por ano.

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mais prático se especializar em uma ou poucas culturas; junto a isso, está a chegada da agroindústria e suas monoculturas de larga extensão na região; e o apoio de meios de comunicação de massa e de publicidades2. Sobre o assunto, Fernando Viana responsabiliza o Estado: - Isso é um papel que o Estado está omisso de forma criminosa. Acho que a nível de Brasil. Hoje, Jessica, existe até agrotóxicos que o cara usa hoje e o período de carência[3] é de quinze dias. Ele usa e o preço tá alto do tomate, do pimentão, ele usa agora, de tarde tá no caminhão, no outro dia tá na nossa mesa. Nós estamos comendo, estamos com nossa camada adiposa reservando substâncias cancerígenas, e digo mais: a nossa terra de Iraquara, a nossa querida terra já está chamando atenção também pelo alto índice de câncer. A terceira geração, a dos filhos e filhas de Edson e Dimas, representa a pequena possibilidade de escolha que chegou nas roças da região. Para estas pessoas a lavoura não foi passada por herança. Por mais que tenham algum conhecimento sobre o funcionamento da plantação, puderam acessar melhor os espaços que antes eram de intensa disputa, sendo relegados ao segundo plano, como o da escolarização. As filhas de Dimas que seguiram como agricultoras acreditam que o trabalho como colhedoras em médias e grandes lavouras lhes proporciona maior segurança do que a alternativa de fazer roça junto ao pai, por exemplo. Os que partiram para a vida urbana, às vezes saindo da terra natal, investiram na mesma busca por segurança. Um ponto em comum no relato das pessoas que trabalham como agricultoras é a imprevisibilidade da safra, especialmente nas lavouras de sequeiro. Se valer da ascensão dos pais e da sociedade em que estão inseridas, aproveitando oportunidades de estudo e de emprego formal, é uma estratégia de força na busca por condições de vida mais estáveis e aparentemente confortáveis. Para Amanda, que faz parte desta mesma geração, a melhor alternativa foi integrar ao trabalho tradicional as inovações que seu tempo pode proporcionar. Ela é o elo entre o artesanal e o moderno, sem deixar de ser tradicional. Amanda trabalha na feira, mas reveza o posto na barraca de biscoitos com interesses pessoais, vai ao salão de beleza e visita lojas; não tem um dia de folga, mas, por ser autônoma, decide quando precisa de uma pausa ou de remanejar o horário para cumprir outros compromissos; trabalha na feira, na cozinha, na distribuição e na sala de aula; é cozinheira, comerciante, professora, esposa, mãe, filha, neta, irmã, amiga e… Amanda. Por mais repetitivos que sejam os processos de agricultura e de produção artesanal de alimentos em torno da feira que se repete infindamente toda semana, é preciso ir além, reconhecer o fato de que nada é uma coisa só: os produtos 2 A Rede Globo foi citada como referência principal em diversos momentos das conversas desta pesquisa. Desde o Globo Rural que se propõe a ser o programa amigo do homem do campo, até as propagandas ostensivas do Agro é Pop. 3 Intervalo de tempo para a segurança entre a última aplicação de agrotóxico e o momento de colheita ou manipulação do vegetal.

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não são os mesmos, os produtores também não. A oferta pode ter se mantido farta e variada ao longo das gerações, mas vegetais como o tomate, por exemplo, hoje não são compostos apenas por “tomate”, sua constituição apresenta agora agrotóxicos ministrados sem orientação dos órgãos públicos de vigilância sanitária, e várias vezes, sem qualquer tipo de orientação além de informações levianas passadas ao produtor, que fica diretamente - e duplamente - exposto a esse tipo de substância. O então secretário diz com orgulho que se dispõe a acordar mais cedo nos dias de feira para aproveitar a pequena oferta de vegetais orgânicos. Falas desse caráter reacendem a relevância da advertência da socióloga Sabrina Fernandes de que não existem soluções individuais para problemas coletivos. O agrônomo Fernando Viana pode estar se afastando do desenvolvimento de um câncer, doença cientificamente associada à presença de agrotóxicos na alimentação, e em última instância, estar apoiando pequenos produtores que resistem à convencionalização dos venenos. Mas para garantir um real estado de segurança alimentar4 e de saúde nesse sentido, as mudanças precisam ser democráticas: é necessário, antes, que as pessoas agricultoras tenham condições seguras de trabalho em que possam, de fato, escolher a modalidade de plantio que melhor se adequa à sua prática ao mesmo tempo que está integrada ao meio biológico que a cerca. Dessa forma, plantações de mamona não fariam sentido para um produtor que tem apenas uma vaga ideia sobre seu uso: Dimas comenta que “acha” que viram combustível de avião, mas não sabe se tem outros usos e não sabe realmente a quê um avião é movido. Outro sintoma da insegurança desse trabalho, é a importação do polvilho que Amanda usa no avoador: numa consulta rápida descobri que entre o estado do Paraná, localizado na região sul do Brasil, e a cidade de Iraquara, no meio do estado da Bahia, há 2.473,2 quilômetros a serem percorridos por caminhões movidos a diesel, enquanto a própria combinação de clima e solo da região em que Amanda mora é propício para o cultivo da raiz, que já é realizado há pelo menos seis gerações. - Como são vários padrões de consumo diferentes distribuídos de forma desigual ao redor do mundo, não adianta fazer uma abordagem simples focada no consumo. É necessário mexer na produção, em especial no sistema econômico que alimenta um ciclo de produção infinita, para consumo infinito, para acumulação infinita por parte dos donos dos meios de produção. Isso significa que, enquanto alterarmos formas de consumir, a produção segue em parte como antes e em parte se adapta a novas demandas de mercado. A produção como um todo não passa a ser sustentável com essa mudança na demanda, mas cria um nicho de produção “verde” desde que seja, na maioria, atrelada a lucro. A contradição do sistema é mantida e, se a contradição sistêmica persevera, não há como fugir, individualmente, da contradição formal e simbólica de ser contra a ordem vigente enquanto ela vigora. Por isso, creio ser fundamental falar das contradições da realidade e nunca as esconder. (FERNANDES, 2020, p. 25). 4 Segundo a Oxfam Brasil, a segurança trata de um estado de garantia de todos os aspectos que impedem a ocorrência da fome, como a disponibilidade e o acesso permanente a alimentos ricos em nutrientes e coerentes com o meio social de consumo e com aspectos de sustentabilidade.

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Por mais que os agrotóxicos sejam anunciados com conotação positiva chamados de “defensivos agrícolas”, “remédio”, ou até pela fala de Dimas garantindo que, sem eles, as pragas abatem toda a lavoura, estas substâncias, regulamentadas em 1997 com o termo “agrotóxico”, são mais do que pesticidas, pois geram efeitos também na saúde humana e de outros animais. E não são inerentes à lavoura, como demonstra Edson ao explicar que a própria necessidade de uso destas substâncias é recente e se deu pelo surgimento de pragas antes desconhecidas. Hoje os assuntos agrícolas de Iraquara não estão mais na mesma pasta que o turismo, mas configura a Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sob liderança do biólogo Jorge Paulo de Miranda, conhecido como Jorginho. O site oficial da Prefeitura Municipal de Iraquara não apresenta os projetos em curso na pasta e é carente de notícias. Em 2017 o então secretário, Fernando Viana finalizou nossa entrevista com uma fala pessimista: - Não tem um plano, uma previsão de fazer algum tipo de controle do uso desse material? - Jessica, eu vou falar isso aí e você pode publicar: seria eu um sonhador. Isso aí não é feito em Iraquara, isso aí não é feito na Bahia, no Nordeste, não existe critério. E nós, os grandes centros talvez já tenham alguma coisa, alguma política para dizer que faz-de-conta que lá tem receituário agronômico. Mas se você for observar de perto, não existe. Existe um faz-de-conta. Chega lá um fiscal faz-de-conta: “Cadê o defensivo?” E o cara mostra, faz-de-conta que mostrou mas tá usando outros mais potentes e mostram o papel com o receituário agronômico. Mas aquilo não corresponde à realidade. A verdade é que no afã de ganhar dinheiro, nessas dificuldades que a nação atravessa, as pessoas esquecem os valores humanos, os valores ambientais, o respeito ao próximo e o dinheiro passa a ser mais forte que tudo. Em 2020, integrantes da comunidade quilombola de Velame, na cidade de Morro do Chapéu, a cerca de 124 km de Iraquara, foram hospitalizados por diferentes graus de envenenamento. O ocorrido foi noticiado como um “surto” de contaminação por agrotóxicos. Mas, ao contrário do que possa parecer, especialmente após as falas de Fernando Viana que colocam todos os produtores de produtos não-orgânicos no mesmo grupo, esta contaminação não se deu por uso de agrotóxicos na própria comunidade quilombola, mas pela proximidade, entre 500m e um quilômetro de distância, com uma extensa plantação de cebola na Fazenda Nova Velame 3, onde está a Cebolas Romero. As pessoas contaminadas durante este surto reclamaram, além do mau cheiro e de uma nuvem branca na direção da lavoura, de dor de cabeça e de barriga, falta de ar e tosse. Na época, o gerente da fazenda garantiu não haver abuso no uso dessas substâncias e o Ministério Público da Bahia, em investigação sobre uso indevido de agrotóxicos desde 2019, passou a apurar o caso.

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De acordo com o documento Diretrizes para Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos publicado pelo Ministério da Saúde em 2010, o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Sendo estas substâncias, reconhecidamente fatores de risco para a saúde da população em geral. Este documento apresenta dados de uso e de risco por agrotóxicos historicamente, analisando a cultura de aplicação e a substância aplicada. Chama atenção, por exemplo, a constatação de que houve irregularidade em cultivos de tomate: o estudo detectou a presença de um agrotóxico proibido no Brasil por alto teor de toxicidade e neurotoxicidade, e em seguida o documento reconhece a necessidade de um sistema de vigilância em saúde efetivo no país. Talvez você pense ser impossível imaginar a população totalmente alimentada por alimentos seguros, livres de tóxicos. Sobre isso, é importante considerar dados como os da Organização das Nações Unidas (ONU) traduzidos pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre a fome em 2020, que relatam 2,3 bilhões de pessoas, equivalente a 30% da população mundial sem acesso à alimentação adequada. Se focarmos no Brasil de 2020, o estudo “Olhe para a Fome” indica 116,8 milhões de pessoas em insegurança alimentar, sendo 19,1 milhões passando fome no mesmo país que exportou, em 2020, aproximadamente 45,22 bilhões de dólares apenas no setor de agropecuária, de acordo com o Comex Stat, ferramenta do Governo Federal para consultas sobre o comércio exterior brasileiro. Estes são dados atuais, frutos e inseridos na modalidade de produção de alimentos que, em maioria, utiliza agrotóxicos no plantio e induz pequenos produtores como Edson e Dimas a adaptarem suas produções a um padrão que parte das grandes lavouras, como as que envenenou a comunidade do Velame. O uso de agrotóxicos na produção de alimentos seguramente não está ligado ao propósito de erradicar a fome do mundo, mas se relaciona diretamente à acumulação de riquezas e a prova mais simples disso passa por olhar para os valores das cabeças do agronegócio brasileiro: o Portal do Agronegócio, numa publicação sobre as turbulências da pandemia do Covid-19 no setor, listou o rendimento das maiores empresas em 2020. Desta escala, para demonstrar a acumulação de riquezas, sequer é necessário olhar para os 100 nomes. Apresento três: 1º - JBS: grupo de Gilberto Tomazoni, maior empresa de proteína animal no Brasil e segunda maior de alimentos no mundo. Acumulou R$ 204,5 bilhões de receita em 2020; 2º - Raízen Energia: do executivo Ricardo Dell Aquila Mussa, principal fabricante de etanol de cana-de-açúcar no Brasil e a maior exportadora individual do produto no mercado internacional. Acumulou R$ 120,6 bilhões de receita em 2020; 3º - Consan: representada pelo executivo Luis Henrique Cals de Beauclair Guimarães, um dos principais nomes em bioenergia no país, atuando no fornecimento de gás encanado, na logística de açúcar e outros granéis sólidos para exportação, e exporta lubrificantes e especialidades para mais de 40 países. Acumulou R$ 73,0 bilhões de receita em 2020.

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Os números são alarmantes e nos ajudam a visualizar como a nossa realidade social se forma num encadeamento tão conectado quanto as estações do ano. Pensar em adaptar hábitos de consumo aproveitando para si a pequena oferta de alimentos orgânicos não é o bastante, pois tudo que é exclusivo carrega junto um caráter excludente: na mesma medida em que é cruel induzir comunidades e populações inteiras a consumir alimentos envenenados, é criminoso, como Fernando Viana disse em entrevista - criticando autoridades superiores e eximindo a si da autoridade conferida na secretaria -, nossas lideranças estatais ficaram omissas quanto à falta de educação técnica e sanitária a que os agricultores são relegados, enquanto gigantes da agroindústria são eximidas de suas culpas e se tornam cada vez maiores. Volto a levantar os argumentos de Sabrina Fernandes (2020) sobre não ser o bastante pensar apenas na ponta da cadeia comprando orgânicos. Precisamos reconhecer que o nosso sistema econômico é opressivo e excludente. As mudanças individuais dos que têm alguma possibilidade de escolha podem ajudar individualmente, mas somente a transformação sistêmica de tornar obsoleto o modelo vigente hoje garantirá que as próximas gerações vivam em estabilidade de direitos básicos, dentre eles, a segurança de trabalho. Por mais que as histórias de gente como Edson ou Amanda sejam bonitas e eles as narrem de forma serena entre sorrisos, eles, junto com todos os outros - Dige, Nenzinha e Dimas sempre dizem: “não é fácil”. - A reforma agrária, necessária para o combate ao agronegócio e à insegurança alimentar no meio rural e para promover autonomia sobre o que se planta. A reforma agrária de que precisamos consiste em mais que a redistribuição de terras improdutivas dos latifundiários para os pequenos produtores. Como trabalhada pelo MST[5], é necessário que seja agroecológica e popular; ou seja, com recursos para a infraestrutura dos produtores, com autonomia de movimentos e produtores associados, com incentivo para a economia solidária e maior proximidade entre produtor e consumidor e pauta em cima de princípios de produção orgânica, eficiente nos recursos naturais e integrada com os biomas.6 Com isso, torna-se possível trabalhar com soberania alimentar, passando por outro modelo de produção de alimentos, que integra o campo com as cidades, educa sobre alimentação, garante que todas as pessoas tenham comida - boa comida, que seja nutritiva e gostosa - na mesa. (FERNANDES, 2020, p. 130). Acreditar na transformação é o primeiro passo para que ela aconteça. É preciso que haja algo melhor, uma realidade em que as agressões sofridas por Dige, as censuras a que Nenzinha foi submetida ou a romantização do trabalho sol a sol de Amanda não passem de registros e, principalmente, não sejam meramente substituídas, mas superadas. É do presente que nasce a esperança e esta, tal como 5 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 6 Lucas Henrique Pinto, “Procesos de Ambientalización y Transición Agroecológica En El MST: Reforma Agraria Popular, Soberanía alimentaria y ecología política”, Intexto, nº 34 (2015): 294.

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Paulo Freire advertiu em “Pedagogia da Esperança” (1992), pouco tem a ver com o ato passivo de esperar; a esperança para os que lutam precisa da prática, da força da ação para se realizar. *** Ó donos do agrobis, ó reis do agronegócio Ó produtores de alimentos com veneno Vocês que aumentam todo ano sua posse E que poluem cada palmo de terreno E que possuem cada qual um latifúndio E que destratam e destroem o ambiente De cada mente de vocês olhei no fundo E vi o quanto cada um, no fundo, mente E vocês desterram povaréus ao léu que erram E não empregam tanta gente como pregam Vocês não matam nem a fome que há na terra Nem alimentam tanto a gente como alegam É o pequeno produtor que nos provê E os seus deputados não protegem, como dizem Outra mentira de vocês, pinóquios véios E vocês já viram como tá o seu nariz, hem? Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve Sem o agrebis feroz, desenvolvimentista Mas até hoje, na verdade, nunca houve Um desenvolvimento tão destrutivista É o que diz aquele que vocês não ouvem O cientista, essa voz, a da ciência Tampouco a voz da consciência os comove Vocês só ouvem algo por conveniência Para vocês, que emitem montes de dióxido Para vocês, que têm um gênio neurastênico Pobre tem mais é que comer com agrotóxico Povo tem mais é que comer, se tem transgênico É o que acha, é o que disse um certo dia Miss motosserrainha do desmatamento Já o que eu acho é que vocês é que deviam Diariamente só comer seu alimento Vocês se elegem e legislam, feito cínicos Em causa própria ou de empresa coligada O frigo, a multi de transgene e agentes químicos Que bancam cada deputado da bancada Até comunista cai no lobby antiecológico Do ruralista cujo clã é um grande clube Inclui até quem é racista e homofóbico Vocês abafam, mas tá tudo no YouTube

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Vocês que enxotam o que luta por justiça Vocês que oprimem quem produz e que preserva Vocês que pilham, assediam e cobiçam A terra indígena, o quilombo e a reserva Vocês que podam e que fodem e que ferram Quem represente pela frente uma barreira Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra O extrativista, o ambientalista ou a freira Vocês que criam, matam cruelmente bois Cujas carcaças formam um enorme lixo Vocês que exterminam peixes, caracóis Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho E que rebaixam planta, bicho e outros entes E acham pobre, preto e índio tudo chucro Por que dispensam tal desprezo a um vivente? Por que só prezam e só pensam no seu lucro? Eu vejo a liberdade dada aos que se põem Além da lei, na lista do trabalho escravo E a anistia concedida aos que destroem O verde, a vida, sem morrer com um centavo Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes Tal como eu vejo com amor a fonte linda E além do monte um pôr do sol, porque Por sorte vocês não destruíram o horizonte ainda Seu avião derrama a chuva de veneno Na plantação e causa a náusea violenta E a intoxicação ne’ adultos e pequenos Na mãe que contamina o filho que amamenta Provoca aborto e suicídio o inseticida Mas na mansão o fato não sensibiliza Vocês já não tão nem aí com aquelas vidas Vejam como é que o ogrobis desumaniza Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso Infecta solo, rio, ar, lençol freático Consome mais do que qualquer outro negócio Um quatrilhão de litros d’água, o que é dramático Por tanto mal, do qual vocês não se redimem Por tal excesso que só leva à escassez Por essa seca, essa crise, esse crime Não há maiores responsáveis que vocês Eu vejo o campo de vocês ficar infértil Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito E eu vejo a terra de vocês restar estéril Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto O que será que os seus filhos acharão De vocês diante de um legado tão nefasto? Vocês que fazem das fazendas hoje Um grande deserto verde só de soja, de cana ou de pasto?

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Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão Mortos pelo grão-negócio de vocês Pelos milhares dessas vítimas de câncer De fome e sede, e fogo e bala, e de AVCs Saibam vocês, que ganham com um negócio desse Muitos milhões, enquanto perdem sua alma Que eu me alegraria, se afinal, morresse Esse sistema que nos causa tanto trauma Eu me alegraria, se afinal, morresse Esse sistema que nos causa tanto trauma Eu me alegraria, oh Esse sistema que nos causa tanto trauma Ó donos do agrobis, ó reis do agronegócio Ó produtores de alimento com veneno Reis do agronegócio Composição: Chico César e Carlos Renno

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