ALÉM DAS DIFERENÇAS

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Francisco Batista Menezes Júnior Organizador

2016, Goiânia Edição Independente


Fraternidade na Casa Espírita – Além das diferenças Copyright by Francisco Júnior 1ª edição - 1000 exemplares – DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Organização: Francisco Júnior Autoria: Airton Veloso de Matos, Ângela Moraes, Cíntia Vieira Soares, Edvard Corrêa, Elzi Nascimento e Elzita Melo Quinta; Eurípedes Veloso, Francisco Júnior, José Robinson Gomes, Juliano Pimenta Fagundes, Márcia Ramos, Régina Oliveira, Silvana Prestes. Assessoria editorial: Fátima Salvo Projeto gráfico, capa e diagramação: Juliano Pimenta Fagundes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP A351

Além das diferenças: fraternidade na casa espírita. Além das diferenças: fraternidade na Casa Espírita/ Francisco Batista Menezes Júnior, organizador; Fagundes, Juliano Pimenta, Ilustrador. - Goiânia: Edição Independente, 2016.

1. Espiritismo. 2. Fraternidade. 3. Diferenças sociais. 4. Inclusão social. I. Menezes Júnior, Francisco Batista. II. Fagundes, Juliano Pimenta. CDU: 133.9:316.34 DIREITOS RESERVADOS - o organizador autoriza a reprodução de trechos da obra para fins de estudo e aplicação nas Casas Espíritas, desde que citada a sua origem e autoria conforme a Lei de Direitos Autorais nº 9610/98. Impresso no Brasil Printed in Brazil 2015 FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO ESTADO DE Goiás – FEEGO Rua 1133 nº 40- Setor Marista – Goiânia-GO CEP: 74.180-120.Fone (62) 3281-5114/3281-0200 www.feego.org.br


AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

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sta nova obra, também gratuita, apresenta uma dívida de gratidão com inúmeras pessoas. Sem o apoio delas, nem o conteúdo nem a gratuidade da edição teriam sido possíveis. No que se refere ao conteúdo, reafirmamos nossa gratidão aos amigos e irmãos de ideal cuja contribuição não apenas forneceu subsídios para este estudo como ajudou a nortear toda a abordagem. Aos amigos Fátima Salvo, por sua assessoria editorial e Juliano Pimenta Fagundes por seu trabalho com capa e diagramação; ambos conferiram qualidade a este trabalho; Ao Augusto Francisco Silva, do CEGAL; Aos nossos familiares, em especial nossos cônjuges, que mais uma vez nos perdoaram a ausência, liberando-nos de muitas obrigações de família para que pudéssemos nos dedicar quase exclusivamente ao trabalho de organização deste novo livro; Em especial, agradecemos às pessoas e empresas que


mais uma vez tornaram possível a gratuidade desta obra, por meio de doações e patrocínios que, relacionados a seguir, estão também estampados na contracapa como sinal de nossa gratidão: • Grupo Espírita Mensageiros da Luz, na pessoa de sua Presidente, Sr.ª Márcia Ramos; •AME - Associação Médico-Espírita de Goiás, na pessoa do irmão José Robinson; • DOCE PALADAR, na pessoa do Elcival, grande apoiador na cidade de Anápolis; • Francisco Bueno Engenharia, na pessoa do irmão Edson (Edinho); • Centro Espírita Paz e Amor, nas pessoas de diretores e trabalhadores; • BRV Consultoria e Assessoria Ltda., na pessoa do jovem Bruno Raoni; • Farmácia Homeopática Santa Efigênia Ltda., na pessoa do Saulo Oliveira; • Federação Espírita do Estado de Goiás, nas pessoas de seus diretores que colaboraram com seus artigos; • Petrópolis Ind. de Produtos de Limpeza Ltda.- PROEZA -, na pessoa do Uelson; • MEGA Supermercados, na pessoa de Roney Rodrigues. • Agradecemos, sobretudo, aos amigos espirituais que nos confiaram semelhante empreendimento, ao qual não faltou sua assistência durante toda a realização.


APRESENTAÇÃO

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o rol das vertiginosas mudanças que vão amalgamando a era de Regeneração da Terra, o Espiritismo se apresenta como roteiro de renovação de conceitos e comportamentos a burilar uma humanidade mais aperfeiçoada, mais harmônica. Há algumas décadas, o cenário era bem diverso do atual. Ao desconhecimento sobre a proposta espírita aliavamse o preconceito e as hostilidades aos seus profitentes. Julgava-se que os espíritas viessem trazer crendices malévolas, espalhar cizânia nas aglomerações consideradas cristãs, nas famílias. O paciente trabalho de esclarecimento e os testemunhos de amor e fraternidade dos espíritas, sem distinção de credo, classe ou qualquer outra forma de sectarismo, aos poucos veio despertando o interesse das pessoas. Há apenas alguns anos, a evolução tecnológica no campo da informação amplia o alcance das comunicações ao mesmo tempo em que acelera o tempo em que elas se dão. O Espiritismo, por sua vocação evolutiva, ganhou es-


paço na mídia de uma forma jamais vista, além dos meios que tradicionalmente têm sido utilizados, como os livros, palestras, ações sociais e doutrinárias. São eventos, programas, novelas, filmes, aplicativos, redes sociais, blogs e uma infinidade de suportes que alcançam rincões inimagináveis em todo o planeta. Como as comunicações atuais possuem características democráticas, onde qualquer pessoa publica o que bem quer, ao trigo se mistura o joio. E o que este cenário nos traz? Uma leva de seres humanos, antes incrédulos ou adeptos de religiões diversas, sedentos de esclarecimento para suas dúvidas existenciais e consolação para suas dores, aportam às Casas Espíritas levados por uma mensagem, um post, uma cena de novela, um livro, algo assim. Dirigentes e trabalhadores, estaremos preparados para acolhê-los fraternalmente, amorosamente? Como estará o nosso conhecimento doutrinário? Estarão harmoniosas as nossas relações interpessoais? Como as casas espíritas podem se preparar para estes novos tempos? A obra que ora apresentamos, organizada por Francisco Júnior traz a contribuição de companheiros experientes em suas respectivas áreas, da recepção fraterna ao intercâmbio espiritual, passando pelas reflexões sobre as atividades e formas de atendimento às diversas fases da vida dentro


das casas espíritas: infância, juventude, maturidade, terceira idade. Lançam, também, um olhar atento às diferenças, à diversidade, as quais precisam ser compreendidas e acolhidas dentro dos parâmetros inerentes a cada uma. Os textos redigidos por eles e as referências para o aprofundamento do estudo aqui proposto fazem deste livro um roteiro para o aprimoramento da vivência espírita em nossas casas. Apreciemos e, sobretudo, apliquemos o que aqui nos é exposto. Ivana Raisky Presidente da Federação Espírita do Estado de Goiás.



INTRODUÇÃO

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m nossa jornada na Seara Espírita temos observado que muitas casas espíritas apresentam dificuldades nas várias áreas de atuação, quer seja doutrinária ou assistencial por falta de um norteamento em seus conceitos e atividades. A FEB e as federativas têm procurado oferecer capacitação, orientação em forma de eventos, publicações e outros recursos. Por outro lado, há companheiros que desenvolveram estudos e acumularam experiências capazes de minimizar ou até eliminar estas dificuldades. Basta que cada casa as adapte à sua realidade. Convidamos alguns destes companheiros para compartilhar conosco o que aprenderam, o que vêm desenvolvendo em suas instituições no âmbito do Movimento Espírita Goiano, cada um em sua área de ação. A resposta foi bastante positiva e é assim que, nas próximas páginas poderemos refletir sobre temas que nos são


caros como a recepção fraterna, a atenção às crianças e jovens, o acolhimento aos idosos, aos portadores de necessidades especiais, nossa postura perante o exercício da mediunidade, a gestão de nossas casas, as ações de unificação. Não temos a pretensão de ditar regras, mas de iniciar um diálogo sobre o acolhimento dos que nos chegam todos os dias e alavancar projetos que tragam melhorias à nossa vivência espírita.


AUTORES

AIRTON VELOSO DE MATOS - Historiador, expositor e escritor espírita com larga experiência doutrinária e assistencial, tanto em sua mocidade em Minas Gerais quanto posteriormente ao radicar-se em Goiás. Co-fundador e também um dos coordenadores do Projeto Memória Espírita do Estado de Goiás. Conhece bem as raízes do Movimento Espírita e os vários aspectos da diversidade de instituições e pessoas que o compõem. ÂNGELA MORAES - Jornalista e expositora espírita. Possui mestrado e doutorado em filosofia da linguagem, com ênfase em análise de discurso. É professora de comunicação dos cursos de graduação e pós-graduação da UFG e PUC-GO. Nessas universidades coordena grupos de pesquisa sobre jornalismo, comunicação, espiritismo e sociedade. E-mail: atmoraes@uol.com.br.


CÍNTIA VIEIRA SOARES - Diretora do Departamento de Infância e Juventude da Federação Espírita do Estado de Goiás, escritora, (Evangelizando Bebês, A Arte de Educarbebês e crianças na evangelização) professora de música, mestre em educação, evangelizadora atuando com bebês fora e dentro do Movimento Espírita Nacional. EDVARD CORRÊA - Participa ativamente do Movimento Espírita do Estado de Goiás, desde a sua infância, sendo um dos assinantes da ata de fundação da União Espírita Goiana, antecessora da Federação Espírita do Estado de Goiás, em 1950. Sócio fundador da Casa Espírita Fonte de Luz em Senador Canedo. Há décadas trabalha em prol da Unificação, percorrendo o Estado junto com vários companheiros para esclarecer, apoiar e aproximar as casas espíritas. ELZI NASCIMENTO - Psicóloga clínica e escritora. Assessora da Coordenação Nacional Adjunta da Área de Estudo do Espiritismo da Federação Espírita Brasileira; Diretora da Comunicação Social Espírita e Coordenadora adjunta do Nepe da Federação Espírita do Estado de Goiás; membro do Conselho deliberativo da FEEGO e do Conselho de Administração da Associação Campo da Paz.


ELZITA MELO QUINTA - Pedagoga especialista em Educação, escritora. Coordenadora Nacional Adjunta da Área de Estudo do Espiritismo da Federação Espírita Brasileira; Diretora da Área de Estudos e Cursos e Coordenadora Geral do Nepe da FEEGO; membro do Conselho deliberativo da FEEGO e presidente do Conselho de Administração da Associação Campo da Paz. Elzi e Elzita são responsáveis pelo Blog Espírita: luzesdoconsolador.com. E-mail: iopta@iopta.com.br. Fone: (62) 3251 8867. EURÍPEDES VELOSO - Palestrante, dirigente e escritor espírita. Coordenador do Projeto Memória Espírita do Estado de Goiás; membro da equipe de assessores da Federação Espírita do Estado de Goiás colabora nas atividades de unificação do Movimento Espírita Goiano. FRANCISCO BATISTA DE MENEZES JÚNIOR - Sócio efetivo e membro do Conselho Deliberativo da Federação Espírita do Estado de Goiás e Sócio efetivo do Hospital Espírita Eurípedes Barsanulfo - Casa de Eurípedes. E-mail: franciscomjr@yahoo.com.br. Fone: (62) 9624 – 3556.


JOSÉ ROBINSON GOMES - Sanitarista CREA 4306/D SANEAGO. Membro do Conselho Deliberativo da FEEGOFederação Espírita do Estado de Goiás. É um dos diretores da AME -Associação Espírita/GO, vice-presidente do CERLUZ e do CEIBEM. É orador e participante do Movimento Espírita e possui cursos de Gestão/Coaching - FGV. E-mail: robinson.ame@hotmail.com. JULIANO PIMENTA FAGUNDES - Designer gráfico, coordenador de marketing; Membro do Conselho Diretor do Centro Educacional Nosso Lar (Casa da Sopa); coordenador de sopa fraterna, evangelizador de jovens e intérprete em LIBRAS, atuando no Congresso Espírita do Estado de Goiás; palestrante e médium psicofônico/ psicográfico o que lhe permitiu receber o romance do espírito Célia, A Hora do Espelho, publicado pela FEEGO. Possui outros livros ainda não publicados, tanto de lavra própria quanto psicografados. E-mail: julianovento@gmail.com. MARCIA MARIA RAMOS - Diretora da área de Assistência e Promoção Social Espírita da FEEGO. Fundadora e atual presidente do Grupo Espírita Mensageiros da Luz. RÉGINA MARIA DE OLIVEIRA - Odontóloga. Expositora espírita. Coordenadora da Área de Atendimento Fraterno/Espiritual da Federação Espírita do Estado de Goiás.


SILVANA PRESTES - Expositora espírita. Atualmente é diretora da área da mediunidade da Federação Espírita do Estado de Goiás. Participa também da Casa de Eurípedes, coordenando o curso de Mediunidade, Estudo e Prática.



SUMÁRIO O ESPÍRITA PERANTE A TERCEIRA IDADE Airton Veloso de Matos RELAÇÕES INTERPESSOAIS SÃO INTERAÇÕES COMUNICATIVAS Ângela Moraes CRIANÇAS E JOVENS COMPANHEIROS DE JORNADA Cíntia Vieira Soares FUNDAMENTOS DA UNIFICAÇÃO ESPÍRITA Edvard Corrêa AFINIDADES ESPIRITUAIS Elzi Nascimento e Elzita Melo Quinta PRECONCEITOS Eurípedes Veloso ALÉM DAS DIFERENÇAS EXERCÍCIO DA TOLERÂNCIA NA CASA ESPÍRITA Francisco Batista de Menezes Júnior GESTÃO, INOVAÇÃO E FRATERNIDADE José Robinson Gomes INCLUSÃO SOCIAL DOS SURDOS NA CASA ESPÍRITA Juliano Pimenta Fagundes CARIDADE PARA COM OS FILHOS DE DEUS Marcia Maria Ramos RECEPÇÃO FRATERNA NA CASA ESPÍRITA Régina Maria de Oliveira A FRATERNIDADE E OS GRUPOS MEDIÚNICOS Silvana Prestes CONCLUSÃO

23 33 45 55 61 67 79 85 107 127 145 151 157



O ESPÍRITA PERANTE A TERCEIRA IDADE Airton Veloso de Matos



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s descobertas científicas, principalmente da moderna tecnologia, a aceleração dos meios de comunicação, levaram o homem ao ponto máximo. É como nos afirma Nobre (1997) em Lições de Sabedoria “o desenvolvimento tecnológico exacerbado de nossos tempos, sem a necessária expansão da fraternidade entre as criaturas, vem colocando em risco permanente a vida do planeta”. Emmanuel, retomando o ensinamento de Jesus à mulher samaritana, afirma que “a religião é o sentimento divino que prende o homem ao Criador”1. Diante de tantas descobertas e aperfeiçoamento tecnológico tivemos como consequência o aumento da média de vida do ser humano. Em épocas passadas era rotina as pessoas desencarnarem com poucos anos de vida. As pessoas diziam: “o fulano desencarnou de repente”. Com o aumento da média de vida, conselhos e reco1 NOBRE, Marlene Rossi Severino. In: Lições de Sabedoria. Editoria Jornalística Fé, São Paulo, 1997.


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mendações começam a ser feitos pelos especialistas em gerontologia para que a pessoa idosa preserve ao máximo a saúde física e psíquica. Este fato determinou o aparecimento do termo idoso em substituição ao termo velho. Entendem os especialistas, principalmente os gerontologistas, que o termo velho nos dias atuais em muitas colocações é empregado de forma pejorativa, trazendo a conotação daquilo que é ultrapassado, fora de uso e desatualizado. Incontri no seu livro A Educação segundo o Espiritismo fazendo alusão ao emprego da referida palavra assim se manifesta: “Essa mania de inventar palavras para mudar um conceito, coisa muito comum em nossa época, parece-nos prejudicial, na medida em que a palavra usual vira um tabu”. O que nos interessa é mudar a mentalidade e até resgatar o sentido original de uma palavra e não retirá-la do vocabulário. Velho, por exemplo, é um termo com força própria que aparece na literatura, na poesia, no cancioneiro popular e representa uma imagem forte e quase nunca pejorativa. Não é por causa do abuso de alguns que o usam com menosprezo no cotidiano que devemos aboli-lo. Consoante o que afirma a educadora, chegamos à conclusão de que não é simplesmente com a mudança de termos ou palavras que haverá transformações. A fase da terceira idade ou idoso pode ser de grande beleza espiritual, vejamos alguns exemplos que a História nos proporciona:


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Cora Coralina, octogenária, apresentava poemas de beleza ímpar; Chico Xavier, já com os seus quase noventa anos legava uma obra espiritual imorredoura; o mesmo podemos afirmar em relação à Madre Tereza de Calcutá, Divaldo Pereira Franco e tantos outros no cenário mundial. Em nosso Estado, citamos um entre tantos casos: quem se esquece de Militão, que em avançada idade, ainda percorria as ruas e repartições levando pequenas mensagens espíritas que chegaram a tempo de impedir ações desastrosas como aborto, suicídio e tantas outras mazelas humanas? Diziam os poetas em épocas passadas: “A velhice é uma sobra da juventude”; “A velhice é o outono da vida”; E apesar de tudo, é uma das belezas da vida, e certamente uma de suas mais altas harmonias. Como índice de senilidade improdutiva ou enfermiça constitui apenas um estado provisório da mente que desistiu de aprender, e de progredir, nos quadros de luta redentora e santificante que o mundo nos oferece. “A velhice é uma escola rigorosa de meditação”2. A Doutrina Espírita tem por campo de ação corresponder às necessidades do espírito, sem descurar as do corpo, despertando o homem para valores que lhe mostrem a vida por um prisma repleto de esperança, amor, possibilidade de 2 NAPOLI, Allan Eurípedes. IN O Espiritismo de A a E, FEB, Rio de Janeiro, RJ, 1995.


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boas realizações, independente das condições (ou limitações) impostas pela idade . A partir do movimento iluminista, em meados do século 18, cria-se o homem novo, especialmente na área do Direito, com o advento de regalias individuais como o habeas corpus, inviolabilidade do domicílio, e desenvolvimento de ciências como psicologia, psiquiatria e psicanálise. Essas mudanças tinham por escopo valorizar o ser humano, a família, a qualidade de vida. Infelizmente, as leis e os conceitos são desprezados por grande parte da humanidade. Há avanços, é inegável, porém, em relação à terceira idade, o que se vê nos dias atuais são os abrigos de velhos, casas de repouso, abarrotadas de pessoas idosas abandonadas pelos familiares, que ali vão uma única vez para internarem os parentes e nunca mais voltarem. No campo do trabalho apressam-se os dirigentes a substitui-los por gente mais nova, quando o ideal seria promover a interação entre um e outro para que ambos complementassem o escopo de recursos necessários à consecução das tarefas: um com a força, energia, conhecimentos novos; o outro com sabedoria, equilíbrio e experiência. Existe também o abandono dos idosos dentro do próprio lar, instalando-os nos piores quartos da casa, segregando-os do convívio social, em troca da felpuda aposentadoria. Isto nos faz lembrar a singela história de Wallace Rodri-


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gues no livro E para o resto da vida (1979, Ed. O Clarim): uma criança sempre procurava seguir os exemplos de seus pais. Ao observá-los tratando mal o velho avô, especialmente à hora das refeições, relegando-o a um canto da cozinha com uma tigela tosca, entalhou um cocho para que seus pais pudessem se alimentar quando a velhice chegasse para eles. O procedimento dos filhos para com os pais precisa ser consoante com o que nos recomenda o Evangelho: gratidão, amor, respeito, estima e obediência. Mas se estes não forem plantados no período educacional, não florescerão na maturidade, o que levaria a uma convivência mais justa e amorosa com aqueles que chegaram à chamada terceira idade. Aos governantes, legisladores, religiosos e à sociedade em geral cabe o dever de colaborar em suas respectivas áreas para o alcance deste objetivo. E, em nosso caso, como espíritas, cumpre criar atividades no campo doutrinário e de promoção social que contemplem a inserção do idoso nos trabalhos conforme sua capacidade de resposta. Assim, apenas para exemplificar, três pessoas com 70 anos podem participar das tarefas de maneiras diferentes; o primeiro traz energia para as tarefas como a montagem de cestas básicas, o transporte de caldeirões de sopa; o segundo possui a lucidez para a direção de grupos doutrinários, a preleção; o terceiro, mais frágil, pode distribuir mensagens aos frequentadores, comentar a pági-


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na de estudo, cuidar da papelada administrativa e assim por diante. Enfim, há lugar para todos. Sobretudo, é importante aproximá-los das crianças e jovens para que estes possam absorver a sabedoria adquirida ao longo de toda uma vida; assim formam atitudes de respeito e consideração a serem multiplicados em suas existências com os idosos com os quais convivam para que, a seu turno, possam ser merecedores da mesma atenção. Teremos aí uma sociedade mais justa, mais fraterna.

REFERÊNCIAS AMORIM, Deolindo E. Espiritismo e os problemas humanos. São Paulo: [s.ed], 1985. BITTAR, Eduardo C. B. Doutrinas e Filosofias Políticas. São Paulo: Atlas, 2002. INCONTRI, Dora. A Educação segundo o Espiritismo. Bragança: Comenius, 2006. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013. NAPOLI, Allan Eurípedes. O Espiritismo de A a E. Rio de Janeiro: FEB, 1995. NAZARETH, Joamar. Um desafio chamado família. Araguari: Minas Editora, 2003.


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NOBRE, Marlene Rossi Severino. Lições de Sabedoria. São Paulo: Editora Jornalística Fé, 1997. PERROT, Michele (ORG). História da vida privada, v. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. RODRIGUES, Wallace Leal V. E para o resto da vida. Matão: O Clarim, 1979. SALES, Mione Apolinário e outros (organizadores). Política Social, Família e Juventude. São Paulo: Cortez Editora, 2010.



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RELAÇÕES INTERPESSOAIS SÃO INTERAÇÕES COMUNICATIVAS Ângela Moraes



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ste artigo trata das relações interpessoais enquanto interações comunicativas, ou seja,“toda a ação conjunta, conflituosa ou cooperativa, que coloca em presença dois ou mais atores” (Vion, 1992, p.17). Por causa disso, elas são um processo de influências mútuas que os interlocutores exercem uns sobre os outros na troca comunicativa, um lugar onde há um jogo de ações e reações. Essas interações podem ser verbais ou não verbais. Podem dar-se pela mediação das palavras escritas ou orais e, ainda, pelos gestos, expressões faciais, imagens, tom de voz, e outros sons. Todos esses elementos presentes nas relações entre pessoas e grupos carregam significados que podem ser apreendidos de forma diferenciada pelos sujeitos da comunicação. Isso nos leva a estabelecer uma primeira distinção entre efeito pretendido e efeito produzido na circulação dos sentidos do processo de interação. Nem sempre os efeitos pretendidos pelas pessoas que dizem alguma coisa são os produzidos naquelas que ouvem essa mesma coisa dentro da relação comunicativa.


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Essa constatação, corroborada em vários estudos sobre as interações humanas, é muito importante para o contexto espírita. Os espíritas constantemente se veem em situações onde há muita troca de sentidos e interações sociais: reuniões públicas, intercâmbio mediúnico, grupos de estudo, ações sociais, divulgação doutrinária. Mesmo nas situações informais de conversação não é incomum as expressões “não é bem isso que eu quis dizer”, “você não entendeu o que eu disse”, mostrando que pode haver mal-entendidos, desconfortos e até desavenças, mesmo não intencionais. Isso ocorre por dois motivos: um relacionado à forma, outro ao conteúdo da comunicação. A forma adotada pelos interlocutores nem sempre é a mais adequada para alcançar a mútua compreensão. Citemos algumas situações hipotéticas para exemplificar. Um orador erudito não adéqua o seu discurso para falar a uma plateia de semialfabetizados. Além de ele não se fazer entendido, pode passar uma imagem de “pedante” e “orgulhoso”, mesmo que não o seja. Outro exemplo: uma senhora está bastante ocupada fazendo um almoço beneficente, alguém faz uma pequena observação sobre a falta de tempero. Ela entende como crítica negativa, ao passo que a outra achou que estivesse ajudando. Em relação ao conteúdo, os problemas do mal-entendido dizem respeito às diferenças de pontos de vista sobre


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alguma questão, apesar de os interlocutores terem compreendido o que realmente um ou outro quis dizer. Nesse caso, podemos imaginar um leitor espírita que gosta de determinado médium psicógrafo e dos espíritos com os quais esse trabalha. Tais espíritos fornecem uma informação sobre o mundo espiritual que diverge ou não encontra similar em outros livros mais consagrados. Isso pode gerar constrangimentos explícitos ou não, rupturas, distanciamentos e até fanatismos. Tanto na dimensão da forma quanto do conteúdo, a situação de conflito deve ser resolvida dialogicamente. Uma intercompreensão pode ser alcançada mediante algumas técnicas, mas principalmente, mediante uma ética comunicacional. Comecemos pelas primeiras, cujo autor fonte é um filósofo da linguagem inglês, Paul Grice, que teorizou sobre o princípio cooperativo nas interações.

As máximas de Grice A forma comunicacional proposta por Grice (1975) compõem-se de quatro máximas: quantidade, qualidade, relevância e modo. A máxima da quantidade diz respeito à suficiência de informações para que algo seja entendido. Em grupos de estudo, por exemplo, algumas pessoas levam mais tempo


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para compreender determinados conceitos, ou precisam de mais exemplos. Repetições ou abordagens alternativas são, às vezes, necessárias. A máxima da qualidade diz que as informações alocadas na interação devem ser verdadeiras. É importante não dizer o que se acredita ser falso ou sem evidências comprobatórias. Credibilidade é tudo. Boatos, ou mesmo mentiras intencionais, comprometem as relações interpessoais assim que descobertas, além do que podem prejudicar a dignidade de terceiros e propagar conceitos equivocados. A máxima da relevância tem a ver com a adequação do conteúdo e pertinente ao contexto da interação. Deve-se evitar a inserção de assuntos desviantes do tema objeto da conversação, pois isso, além de ser improdutivo, pode causar cansaço e desinteresse por parte dos interlocutores. A máxima do modo tem relação com as formas de expressão. Linguagem clara, precisa, concisa e ordenada evita confusão de sentidos. Evitam-se, assim, a obscuridade (uso de palavras excessivamente técnicas e desconhecidas pela maioria), a ambiguidade (elementos que permitem dupla interpretação), a prolixidade (oposto da objetividade) e a desordem (ideias sem sequência coerente). Essas “regras” idealizadas pelo autor têm o propósito de auxiliar os interlocutores em relação à melhor construção e compreensão dos significados das palavras e ideias, mi-


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nimizando os mal-entendidos advindos desse aspecto das interações comunicativas. Evidentemente que nem todos têm essa habilidade desenvolvida de maneira completa. Por isso, é importante ressaltar que ninguém deve ser impedido de manifestar seu pensamento por não dominar uma ou outra técnica aqui apresentada. Como dissemos, o mais importante é adotarmos uma ética na comunicação.

Ética nas relações Discutiremos, agora, alguns princípios e valores que convém observarmos para construirmos práticas comunicacionais mais responsáveis e, por consequência, melhorarmos a qualidade de nossas relações interpessoais e sociais. O autor que nos ajuda a pensar sobre isso é Plaisance (2011), pesquisador e professor de ética estadunidense. Ele aborda o tema a partir de seis princípios: transparência, justiça, dano, autonomia, privacidade e comunidade. O princípio da transparência não diz respeito apenas à possibilidade de deixarmos visíveis nossas ideias. Transparência é deixar em evidência nossas motivações, aspirações e intenções para os demais sujeitos que integram nosso grupo de relações, a fim de que possam, como seres racionais, avaliarem nossas ações. Ao negarmos informações, estamos negando a possibilidade de racionalização do outro, portanto, estamos tornando o outro um mero meio ou objeto.


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No contexto da casa espírita, isso pode ser aplicado em várias situações: prestação de contas e debates sobre as diferentes decisões tomadas pelos dirigentes aos demais trabalhadores e frequentadores; não mentir quanto às razões de determinadas ações; não pressupor que as pessoas são incapazes de avaliar e ajudar; e construir um ambiente de confiança mútua. O princípio da justiça é, para o autor, analisado em duas dimensões: a conservadora e a transformadora. Na primeira dimensão, a justiça se preocupa na manutenção da ordem e das instituições sociais que trabalham na conciliação de interesses concorrentes. A justiça transformadora esforçase na correção de erros e de transgressões sociais percebidas de modo a incluir novos grupos sociais historicamente marginalizados. Na casa espírita - os que lidam diretamente com as atividades de gestão - devem perceber o pluralismo das origens, experiências e formação cognitiva dos membros que a integram. Conciliar os diferentes interesses, integrando, cada vez mais, as minorias sociais ou intelectualmente divergentes, demonstra amadurecimento e permitem relações mais democráticas. O conceito de dano é pensado a partir de uma avaliação da dignidade e da integridade pessoal. Nossos atos têm implicações morais e somos responsáveis por qualquer dano


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que venha a se apresentar durante uma determinada relação. Nesse sentido, devemos prever e minimizar qualquer prejuízo que possa advir de nossas ações. Problemas, nesse sentido, são muito comuns quando adotamos discursos moralistas que mais têm a ver com questões culturais do que propriamente espirituais. Preconceitos e purismos podem ferir as pessoas, intensificando o desprezo que a sociedade já alimenta. Além disso, afasta as pessoas das casas espíritas, por essas não encontrarem acolhimento e aceitação. A autonomia se refere às forças de autodeterminação que cada ser humano possui como ser racional, isto é, nossa natureza deliberativa. Noutras palavras, é a nossa capacidade de definir a própria natureza e assumir as responsabilidades de nossas ações e das identidades que assumimos. Não se trata se estabelecermos uma liberdade livre de restrições, mas da necessidade de controlar as razões de nossas ações. É quando assumimos o domínio das ações ao contrário de ter apenas a liberdade de fazê-las. Assim, podemos prejudicar nossas relações interpessoais com posturas controladoras e radicais. Os indivíduos podem e devem ter acesso aos códigos e pensamentos que valorizamos, mas devem ter seu livre-arbítrio preservado e garantidas suas oportunidades de manifestação. Diálogos e debates racionais são bem-vindos e fazem crescer o conhecimento.


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A privacidade ajuda a assegurar a segurança individual. Mas Plaisance (2011) apresenta uma pergunta instigante para aprofundar o conceito. Será simplesmente a privacidade o direito de ser deixado em paz? A resposta a essa pergunta é desafiadora ao dizer que temos a privacidade como valor instrumental (e não como valor em si) que vai permitir que a individualidade se constitua, como ser social e moral. A privacidade é importante para alcançarmos objetivos morais. Para clarear esse princípio, precisamos considerar o anterior. É importante e constitui um direito a liberdade de expressão e de opinião. Todavia, manifesta-se se o quiser. As pessoas não podem se sentir obrigadas a fazê-lo como se estivessem em um confessionário. Instigar frequentadores e trabalhadores a exporem assuntos que só dizem respeito a eles mesmos, e que não se sintam confortáveis em falar, não é atitude respeitosa. Momentos solitários de reflexão fazem parte do autodescobrimento. O último princípio é o do comunitarismo. O autor entende que a comunidade não se baseia unicamente no senso de pertencimento, mas também nos laços emocionais que estimulam o arejamento e a tolerância das diferenças. Todos devem participar da comunidade para que todos possam desenvolver suas identidades individuais. As pessoas desejam fazer parte de grupos para desen-


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volverem suas habilidades relacionais, se sentirem protegidas e amparadas. Mas o grupo não pode engessar normas e sufocar iniciativas criativas, apenas porque a “tradição” convencionou determinados procedimentos. Em um país multicultural como o Brasil, as diferenças sociais, culturais e políticas são abundantes. Se os gestores souberem lidar com isso, o movimento espírita só tem a crescer e ganhar em pluralidade. A unificação será, enfim, alçada pelo sentimento do amor e não pela padronização de práticas exteriores.

REFERÊNCIAS

VION, R. La communication verbale: Analyse dês interactions. Paris: Hachette, 1992. GRICE, P. Logic and Conversation. IN: COLE, P; MORGAN, J (Orgs). Sintax and Demantics. New York: Academic Press, 1975. PLAISANCE, Patrick Lee. Ética na Comunicação: princípios para uma prática responsável. Tradução de Joice Elias Costa. Porto Alegre: Penso, 2011.



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CRIANÇAS E JOVENS COMPANHEIROS DE JORNADA Cíntia Vieira Soares



Crianças e Jovens - Companheiros de Jornada

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“Jesus foi o maior educador que o mundo já conheceu e conhecerá (...) Conhecedor da natureza humana em suas mais íntimas particularidades, sabia que o trabalho da redenção se resume em acordar a divindade oculta na psique humana.” Vinícius

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eceber crianças e jovens no ambiente espírita parece ser, atualmente, uma atribuição clara dentre tantos papéis desempenhados pelo Centro Espírita. Tendo a função de templo de oração, hospital, e mais do que nunca, de escola, o centro espírita vem enfrentando os desafios de como melhor acolher crianças, jovens e suas famílias em seu espaço religioso. Observa-se muitas vezes, em atividades desenvolvidas junto aos centros espíritas, que as crianças são vistas como barulhentas e inquietas, e os evangelizadores voluntários tidos como “babás”. Estes, geralmente munidos de boa vonta-


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de, mas às vezes, sem formação para a tarefa, realizam suas atividades em espaços precários e inadequados às necessidades infantis, e muitas vezes com recursos próprios para os materiais pedagógicos. Os jovens que “ainda não sabem nada” ou “não têm condições de realizar nenhuma atividade ainda”, têm pouco espaço para dizer o que pensam ou para contribuir com sugestões e ações na rotina da instituição, se restringindo a uma participação passiva no cotidiano das atividades espíritas. A criança que não é compreendida e o jovem que não se sente pertencente, mostram-se desmotivados em participar das atividades da instituição, e muitas vezes, a família não tem forças para incentivá-los a continuar “frequentando” o centro espírita. Ancorado neste contexto, a família se sente impotente e o afastamento pode ser inevitável. Para conduzir nossas reflexões acerca da temática relembramos Paulo em sua epístola aos Coríntios quando diz: “Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?”1. A trombeta, antigamente chamada de shofar, era instrumento musical sagrado utilizado pela tradição judaica para juntar o povo, reunir a multidão, preparar para batalhas, anunciar vitórias e guerras. Com seus diferentes toques, o 1 Paulo (I Coríntios, 14:8)


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som da trombeta tinha outras funções ainda mais importantes: chamava ao despertamento da alma, acordando as pessoas da letargia mental pelas questões terrenas; inspirava a alma, provocando vibrações extraordinárias nos corações; ativava os sentimentos; enfim, era um alerta para a dimensão espiritual. Escrita antiga e ao mesmo tempo tão atual, esta epístola é bem pertinente à proposta deste artigo, pois se refere à grande batalha. Aquela à qual fomos convocados, desde o início, ao exercício do bem, como espíritos em luta moral nas diversas encarnações. Assim como nós, crianças e jovens são espíritos na batalha moral, em momento de reeducação de sentimentos e pensamentos, para que as ações se concretizem no bem. Estão no momento de serem ‘acordados’ para a dimensão espiritual para que se preparem para a batalha moral. Entretanto isso só se torna possível, se a trombeta der ‘sonido certo’. O que vem a ser o ‘sonido certo’? É o sinal que vai ativar a alma, que vai provocar vibrações extraordinárias no coração, acionando a dimensão espiritual. É a melodia que se forma a partir da escuta sensível das necessidades espirituais da criança e do jovem, e que alcança seus corações possibilitando que o conhecimento espírita lhes faça sentido.


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Para tanto, é preciso percebê-los como seres espirituais em aprimoramento, que trazem em seu coração o código divino, o gérmen fecundo e latente, clamando pela possibilidade do terreno fértil do nosso amparo e incentivo, a fim de que ‘germine e floresça, frutifique em abundância’. É preciso ativar a Lei de Deus que já existe no coração. Isso significa, que a criança e o jovem trazem uma herança reencarnatória, composta de conquistas e aprendizados espirituais, assim como de necessidades de aprimoramento moral; que têm potencial de ação e são capazes de contribuir e compartilhar suas experiências e conhecimentos, sendo portanto, participantes ativos da evangelização e da mocidade. Em se tratando da infância, o “sonido certo” é articular os conhecimentos de Jesus à forma lúdica. É contemplar as múltiplas linguagens, próprias da criança, respeitando suas singularidades. É fazer da evangelização o momento inesquecível em que são vivenciados os ensinamentos de Jesus, propondo o aprendizado dos conhecimentos espíritas de forma encantadora e atrativa. O jovem, por sua vez, quer fazer. Para ele, não basta ficar ouvindo, assistindo, observando... o “sonido certo” é a realização. Ele precisa ser o protagonista de sua história, mesmo se apoiando na experiência do adulto. O jovem anseia por ser ouvido, necessita de espaço para falar, sugerir, planejar, executar, enfim, contribuir com sua visão de mundo, aprendendo com a integração do estudo, convivência e ação.


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Desta forma, asseveram os espíritos à Kardec que “a educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém exige muito tato, muita experiência e profunda observação”2. E nós, evangelizadores, educadores, pais, dirigentes e trabalhadores em geral, onde estamos nesta história? Nós somos as trombetas, somos os medianeiros da mensagem, somos os instrumentos capazes de compartilhar o amor de Jesus e os ensinamentos da doutrina espírita. Temos portanto, que conhecer profundamente a partitura. Temos que saber a mensagem, senti-la e buscar exercitá-la. Sem conhecer a ‘verdade’, o evangelizador pode arriscar-se em equívocos doutrinários. E como estamos na base da formação do ser, é imprescindível que tratemos da doutrina com zelo e cuidado para que ela possa ser impregnada verdadeiramente na memória espiritual das crianças e jovens, facilitando assim a compreensão dos valores espirituais rumo à evolução. Segundo Joanna de Ângelis3, “ao educador (...), são indispensáveis os conhecimentos da psicologia infantil, das leis da reencarnação, alta compreensão afetiva junto aos 2 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, FEB 2010. p. 917. 3 FRANCO, Divaldo. SOS Família. Educação. Pelo espírito de Joanna de Ângelis. Salvador, BA: 2002, p. 85.


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problemas naturais do processo educativo e harmonia interior, valores esses capazes de auxiliar eficientemente a experiência educacional.” Precisamos ainda, ser instrumentos afinados com o diapasão do Mestre, ou seja, sintonizar a nossa fala com a nossa ação. A vibração que toca a alma da criança e do jovem vem do acorde consonante da palavra com o exemplo. Somos exemplos o tempo todo. Somos ação educativa em sentido mais amplo, seja dentro ou fora do Centro Espírita. A criança e o jovem estarão sempre a nos observar enquanto pais ou educadores, criando seu próprio arcabouço de ações baseadas nos aprendizados do espírito e no que aprendeu conosco. Amélia Rodrigues reafirma que “todos somos educadores. Educamos pelo que fazemos, educamos com o que dizemos. Quem não educa no sentido positivo, edificando, educa, no sentido negativo, danificando o caráter”4. Sendo assim, nos esforcemos em sermos para nossos jovens e crianças, exemplos dignos de serem observados e inspiradores de novas ações. Que o Centro Espírita, seja sempre um campo educativo, não somente para jovens e crianças, mas para todos nós, espíritos em aprimoramento moral. Que seja espaço para 4 FRANCO, Divaldo. Sementeira da Fraternidade. Pedacinho de Gente. Pelo espírito de Amélia Rodrigues. Salvador BA: Leal, 1979. Apud DUSI, Miriam. Sublime Sementeira. FEB, 2012, p.94.


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se exercitar a Lei de Amor, despertar bons sentimentos em convivência fraterna e amorosa, internalizar princípios e comportamentos assertivos, conquistando nos atos generosos a transformação moral da própria realidade de espírito em processo de reeducação.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1. Coríntios, 14:8. 2002. CAMARGO, Pedro (Vinícius). O Mestre na Educação. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 44. FRANCO, Divaldo. JOANNA DE ÂNGELIS (espírito). SOS Família: Educação. Salvador: LEAL, 2002. p. 85. __________. AMÉLIA RODRIGUES (espírito). Sementeira da Fraternidade: Pedacinho de Gente. Salvador: Leal, 1979. Apud DUSI, Miriam. Sublime Sementeira. Brasília: FEB, 2012, p.94. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Brasília: FEB, 2010. p. 917.



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FUNDAMENTOS DA UNIFICAÇÃO ESPÍRITA Edvard Corrêa



Fundamentos da Unificação Espírita

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A

unificação tem origem Divina. Está estampada na estrutura e no mecanismo da vida de todos os seres inorgânicos e animados, representando a vontade exercida pelo Criador de todas as coisas. Tudo se encadeia no Universo de maneira admirável, revelando uma causa, uma intencionalidade: o equilíbrio. Desde o microcosmo ao macrocosmo, tudo está interligado. A lei de gravitação universal enunciada por Sir Isaac Newton (1642-1727) está a mostrar a interdependência existente entre os corpos celestes, e, ampliando nossa visão mental, percebemos que os princípios desta lei estão em toda a Natureza, estabelecendo a união das forças e valores semelhantes. Para o bom êxito das atividades desenvolvidas nas casas espíritas, faz-se imprescindível que seus dirigentes e demais trabalhadores conscientizem-se quanto à necessidade da prática da unificação dentro e fora de cada instituição. Dentro, promovendo um relacionamento fraterno, em


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que cada um veja os outros como irmãos muito queridos ao seu coração, sinta as dificuldades dos outros como se fossem suas próprias dificuldades, desenvolvendo apoio mútuo na execução de cada tarefa que lhes compete realizar. Fora, realizando intercâmbio com trabalhadores em outras casas, de forma a ampliar as possibilidades de acerto, somar experiências, aumentar conhecimentos, colhendo como resultado desse esforço, a segurança no estudo, na prática, e na divulgação da Doutrina Espírita. Allan Kardec sugere a aproximação entre as casas espíritas, declarando em O Livro dos Médiuns, item 334, último parágrafo. “A dificuldade ainda grande, de reunir crescido número de elementos homogêneos deste ponto de vista, nos leva a dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa mesma, as reuniões espíritas devem tender antes, à multiplicação de pequenos grupos, do que à constituição de grandes aglomerações. Esses grupos, correspondendo-se entre si, visitando-se, permutando observações, podem, desde já, formar o núcleo da grande família espírita, que um dia consorciará todas as opiniões e unirá os homens por um único sentimento: o da fraternidade, trazendo o cunho da caridade cristã”. Há algum tempo, ficamos admirados quando tivemos a informação de que alguns dirigentes espíritas, talvez por falta de estudo, de experiência e de maturidade, estariam isolando das demais, as instituições que “comandavam”. Na-


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quela época, chegavam-nos, também, informações de que alguns dirigentes resolviam realizar movimento de “unificação” a parte, ignorando os órgãos de unificação já existentes. Quanto a isso, recordemos as exortações do iluminado Espírito Dr. Adolfo Bezerra de Menezes em seu artigo publicado no jornal O País, transcrito para o livro: Espiritismo Básico, de autoria de Pedro Franco Barbosa: [...] “Já é tempo de se ligarem todos os espíritas para que se cumpra nesta parte do Planeta a tarefa que lhes foi distribuída. Compreendese que é pela união dos espíritas que se pode dar a ligação, a harmonia de seus esforços, sem a qual, diz o Mestre, cada um cavará o sulco por onde hão de correr as lágrimas de seu arrependimento”. Pelo bem da causa que abraçamos, sugerimos que os dirigentes e demais trabalhadores das casas espíritas, deem maior importância às atividades de unificação. Entendemos que o estudo da unificação espírita merece a mesma atenção, a mesma dedicação que aplicamos ás diversas áreas de ação, pois, consideramos essa atividade como uma das poderosas alavancas propulsoras na propagação da Doutrina Espírita em base segura. “Unificar significa reunir num só todo, fazendo convergir para um só fim. Unificação espírita é a reunião de valores para a melhor difusão e propagação do pensamento dos Espíritos, pensamentos coletados e comentados pelo insuperável


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professor de Lion, definindo os rumos seguros e elevados de cada um, no campo de serviço onde foi situado”... (Francisco Spinelli – Crestomatia da Imortalidade). A Unificação, relacionando-se com todas as áreas de atividade da casa espírita, estabelece aproximação e entendimento entre todos os trabalhadores , gerando um clima de contentamento, de alegria, de paz e fraternidade, onde o amor ao trabalho está presente fornecendo o combustível que impulsiona cada trabalhador a encontrar no desenvolvimento de cada tarefa a maneira própria de agir, produzindo o melhor.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Pedro Franco. Espiritismo Básico. Rio de Janeiro: FEB,1986. Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns - Item 334. 41ª Ed. FEB. _____. Obras Póstumas: O Projeto 1868. 13ª Ed.Rio de Janeiro: FEB, 1973. SPINELLI, Francisco. Crestomatia da Imortalidade: cap. 50. Rio de Janeiro: FEB. 1969. WIKIPEDIA. Isaac Newton. In https://pt.wikipedia. org/wiki/Isaac_Newton


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AFINIDADES ESPIRITUAIS Elzi Nascimento e Elzita Melo Quinta



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Afinidades Espirituais

S

e temos na saga do Espírito Imortal o foco de todo projeto de estudo dentro da casa espírita, não se pode negar que a “educação da alma é a alma da educação” conforme sugere André Luiz1. Nessa lógica, a convivência dentro do meio espírita deve primar por uma abordagem focada na reeducação de sentimentos e pensamentos. O que indica um trabalho profundo nos processos de intra e inter-relação. A intra-relação fala do contato da criatura com ela mesma; das condições daquele que corajosamente mergulha em si e traz à tona a análise de suas vivências . Quem assim busca viver tem melhores chances de facear o mundo à sua volta, com mais desenvoltura e amabilidade. Indica a possibilidade de um renascimento proveitoso, pois ao relacionar-se positivamente consigo mesmo, enten2

1 Waldo Vieira/André Luiz – Conduta Espírita. Rio de Janeiro,FEB 1998. 2 Kardec, Allan . O Livro dos Espíritos - questão 909. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: 1973


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de que “a boca fala do que está cheio o coração” e dessa forma a palavra de ordem é renovar-se. Buscar novos padrões mentais, desenvolver hábitos saudáveis que sinalizem para a vivência do bem, do amor e da caridade. Ao chegar a essa vivência plena, entende a máxima da filosofia universal: “nenhum mal que os outros me fazem me faz mal, porque não me faz mau – somente o mal que eu faço aos outros me faz mal porque me faz mau”4. A inter-relação sinaliza a forma de contato dos seres entre si. A vivência baseada no respeito mútuo reflete a intensidade de um BIP ALERTA pautado na Benevolência para com as imperfeições alheias, na Indulgência para com todos, no Perdão das ofensas5. Esta ação transformadora define bem o conceito do verdadeiro espírita que encontramos no Evangelho Segundo o Espiritismo6. Quanto mais conhece, mais entende que pouco sabe. Quanto mais busca os tesouros que as traças não roem e os ladrões não roubam7, mais preparado estará o Espírito para a marcha ascensional na Espiral Evolutiva. Francisco Cândido Xavier, o iluminado missionário 3

3 Mateus 12:34 – A Bíblia de Jerusalém. 2002. 4 Rodhen. Huberto. Rumo a Consciência Cósmica. Fundação Educacional e Editorial Universalista. Porto Alegre.1978 5 Kardec, Allan . O Livro dos Espíritos - questão 886. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: 1973 6 Kardec, Allan . O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo XVII, item 4. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: 1973. 7 Mateus 6:19 – A Bíblia de Jerusalém. 2002


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de Pedro Leopoldo, era enfático ao afirmar “que se tivesse qualquer autoridade, por mínima que fosse, repetiria para si mesmo e para todos os irmãos em humanidade, as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, que trouxe a superação do amor ao próximo como a si mesmo”8. Referia-se, o maior médium de todos os tempos, à recomendação do Mestre de todos os mestres ao enunciar o seu próprio mandamento, concitando os discípulos ao “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”9. Nessa máxima Jesus estabelece a norma augusta para o interrelacionamento humano. Ensina que o foco deve ser o vir-à-ser de cada criatura. Sinaliza que a base maior para a compreensão será sempre o respeito à individualidade de cada um. Mostra que cada qual, em sua dimensão, só terá condição de dar o que tem. Alerta que a exigência com o outro seja pautada no mesmo diapasão aplicado à harmonia interna de cada ser. Fraternidade com Jesus é sintonia perene com a luz. É geração de vínculos profundos, enraizados no que há de mais nobre, belo, puro e bom. Adote, no seu círculo de convivência fraterna, os ajustes da paciência que escuta, da palavra que consola e da percepção que amplia os horizontes. 8 Francisco Cândido Xavier – vídeo - https://youtu.be/Fku_HFA3QaM 9 João 15:12 – A Bíblia de Jerusalém. 2002


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No dia a dia da casa espírita veja em cada irmão de fé uma pérola preciosa, geradora e catalizadora de uma rede de simpatias que fortalece laços e define afinidades espirituais.

REFERÊNCIAS

A BÍBLIA DE JERUSALÉM. João 15: 12; Mateus 6:19 e 12:34. São Paulo: Paulus, 2002. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XVII, item 4. Rio de Janeiro:FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro. _____. O Livro dos Espíritos - questões 886. E 909., Rio de Janeiro: FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro. RODHEN, Huberto. Rumo a Consciência Cósmica. Porto Alegre: Fundação Educacional e Editorial Universalista, 1978. VIEIRA, Waldo. André Luiz. Conduta Espírita. Rio de Janeiro: FEB, 1998. XAVIER. Francisco Cândido. vídeo - https://youtu.be/ Fku_HFA3QaM


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PRECONCEITOS Eurípedes Veloso



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Existe, nas infinitas galerias da obra divina, uma arte única a maior de todas - intitulada: “O PRÓXIMO”. Na parte inferior da indescritível tela que a retrata, do lado direito de quem a deleita, está escrito: DEUS. O autor

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otória característica nos seres encarnados, o preconceito é um dos maiores impedimentos ao preceito: “Amai-vos uns aos outros”. A começar das experiências iniciais nos reinos inferiores, as instintivas escolhas, na definição das companhias, são fatores determinantes para as afinidades. Os girinos se sobrepõem uns aos outros, à busca de oxigênio e temperatura. Adaptam-se, sobrevivendo, fazendo parte de uma nova colônia. Numa alcateia, o lobo que nasce aleijado pode ser ata-


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cado pelos seus pares, tão logo percebido em deformidade. A sua deformação fere os sentidos dos outros. Contudo, será acolhido por sua mãe, na magistral mostra do que se pode fazer no âmago dos instintos – um instinto animal, transformando em amor materno. É nessa ordem que, numa evolução anímica, a adoção ou rejeição define os avanços. Contemplam os que, nas compartilhas com os considerados diferentes, deles absorvem conteúdos que só eles detêm, pois afinal trazem diferenças. Gabriel Delanne, notável pesquisador das ciências, ousado à época ao desvendar as transcendências, despertado pela magnânima propositura deixada por Allan Kardec, em 1895 fez publicar a obra “A Evolução Anímica” – estudos sobre psicologia fisiológica segundo o Espiritismo. Ali, ele narra vários eventos, decifrando a alma animal, destacando a solidariedade e aceitação dos diferentes entre eles. Cita, dentre outros, o ocorrido em 1757: um cavalo, parte do plantel da cavalaria de certo regimento militar, perdeu os dentes pelo avançar da idade. Dois outros equinos tomaram para si a tarefa de mastigarem o feno e a aveia, possibilitando a alimentação ao similar em espécie. Essa evolução de espécies animais traz os primeiros rudimentos para a decifração do meio. Um encaixe para que o 1

1 DELLANE, Gabriel – A Evolução Anímica – 4ª edição – Tradução de Manuel Quintão. Original em francês. Rio de Janeiro: FEB, 1976


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ente criado aprimore-se num princípio inteligente. Vai dotar-se, aos poucos, da razão norteadora da evolução. Nessas experiências rudimentares, envolve-se com estímulos que lhes serão eternos e apreende, aos poucos aprendendo: ninguém vive só e dependemos uns dos outros, mesmo com as nossas diferenças. Com o aprimoramento da razão, aos poucos, o ser se descobre, situa-se ante a dinâmica incessante e esplendorosa da vida! Desenvolve os sentidos, descobre a vontade, desvenda o seu potencial na liberdade de agir até moldar os primeiros caracteres da moral. Aí, no reino hominal, a evolução é traduzida na adaptação ao meio e às pessoas, como o segredo da nossa evolução. Despertando-nos, Jesus – O Nosso Mestre Divino - sintetizaria todo o ministério das nossas expectativas à busca da felicidade, nos ensinando: Amarás ao senhor teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento.2 Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este é: - Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas2. (Mateus, XIV, Vs. 34 a 40). Algo distinto a ser observado na proposição de Jesus, é 2 KARDEC, Allan – O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª edição compacta: A codificação da Doutrina Espírita – Obras completas de Allan Kardec. Tradução de Salvador Gentile, Revisão de Elias Barbosa. Original em francês. Araras (SP): IDE, 1997


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o desmembrar do mandamento, tornando-o uma sentença pedagógica definitiva, para a nossa evolução. São dois tópicos. Na primeira sentença, amplia universalmente o ambiente do nosso progresso. Na segunda, define o laboratório das nossas experiências. Pela natureza da matéria prima, determina-se o grau de dificuldades, dos zelos, dos desconfortos, das aparas. São essas as barreiras nas experiências de cada dia, na convivência com os semelhantes. Não mais absorvendo as experiências dos girinos, dos cavalos ou dos lobos. Agora, deparo-me com o semelhante. No laboratório da vida, às vezes sou matéria prima, noutras sou o experimentador, ou seja, precisamos um do outro. Conviver, segurando as diferenças, este é o segredo. Convivendo, aprendendo a amar o próximo. A dilatação dos estímulos faz parte dos desígnios do Criador, que ao nos criar, estabeleceu um eterno crescimento. À medida que a razão se desenvolve, os estímulos mais crescem. É o fenômeno da cultura. Das tribos, das províncias, das cidades, dos estados, das nações, chegamos à globalização nas civilizações. Estabelece-se uma nova ordem nessa evolução. Novo paradigma se assenta e em meio à dinâmica que assola os planetas nas maiores convulsões sociais, a evolução anímica antevê a espiritual. No palco terreno, enquanto o homem é arremetido às


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coisas da alma, com notórios estímulos dessa era do espírito, há uma conjugação profunda das diferenças entre as criaturas. Vários gostos, tendências, vocações, biótipos, atavismos e várias outras. Nessa de nascer e renascer, vivendo de tudo, assumindo diversos perfis nas múltiplas romagens, como que “na marra”, aprendemos a aceitar os outros. Aceitação inevitável, sem a qual não evoluímos. Pela natureza do nosso planeta, onde ainda prevalece mais imperfeição do que perfeição, é natural que tenhamos manifestações de desagravos, entre criaturas, principalmente de classes corporificadas. Uma mania nos é inerente: se algum perfil difere dos nossos gostos, da nossa estrutura estética, dos nossos ideais mais acentuados, da nossa religião, preconcebemos egoística e presunçosamente. E o pior! Chegamos às vezes, a incluir características por nossa conta à criatura alvejada. Há pré-concepções sobre a estrutura do outro. A isso, chamamos de Preconceito. Os julgamentos correm por conta da nossa incapacidade em conhecer o ente, prevalecendo uma ótica caolha e senso crítico degenerado. Não podemos julgar as criaturas, não apenas por uma questão de moralidade, mas por não termos a mínima possibilidade de conhecermos a essência de cada um. A planta


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que caracteriza o indivíduo na sua estrutura anímica e os registros da sua biografia espiritual se encontra nos arquivos superiores, nas moradas do espírito. Não faltam estímulos ao nosso senso crítico, pois as diferenças são infinitas. Em sociedade, porém, as rejeições são mais contundentes quando envolvem confortos das criaturas. Ao se julgar superior, simplesmente por deter uma condição bem aceita nas convenções humanas, como um predicado, um patrimônio cultural ou físico, a criatura estampa um dos maiores defeitos – o egoísmo. Marta Antunes traz, na edição de março de 2010, na Revista3 “Reformador”, informações interessantes sobre o Preconceito, destacando os atinentes às etnias, às diferenças sociais e às preferências sexuais, dentre outros. As convulsões sociais que mancharam, e ainda mancham a história da humanidade, são frutos da intolerância, dos preconceitos. Com o passar dos séculos, no entanto, as desigualdades diminuem. Pelo avanço cultural, pelas miscigenações, pelo desvendamento psicológico dos indivíduos sexualmente assim denotados. Com a fraternidade, que aos poucos conquistaremos, o planeta desenvolverá o processo regenerativo e as criaturas se aceitarão independente das desigualdades. A resposta 3 Reformador – Rio de Janeiro: FEB, março 2010


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à pergunta nº 349 do livro “O Consolador”4 - Fraternidade e igualdade podem na Terra merecer um só conceito?expressa: Já observamos que o conceito igualitário absoluto é impossível no mundo, dada a heterogeneidade das tendências, sentimentos e posições evolutivas no círculo da individualidade. A fraternidade, porém, é a lei da assistência mútua e da solidariedade comum, sem a qual todo progresso no planeta, seria praticamente impossível. Se quisermos alcançar o verdadeiro sentimento de fraternidade, o melhor passo é “Conviver para Amar e Servir”. Transformar a criatura em parte do nosso coração. Na medida em que convivemos, absorvemos interesses, compartilhamos, dividimos, na preciosa alegria de, mutuamente, oferecermos algo de nós, na benção de percebermos que mais oferecendo, sem nada exigir em troca, mais receberemos. Por outro lado, observemos a nossa infantilidade espiritual, ao nos julgarmos superiores, com as temporárias vestimentas com as quais nos cobrimos aqui na Terra, recorrendo às anotações contidas no item 36 do capítulo 1 – do livro A Gênese : 5

4 XAVIER,Francisco Cândido, Autor espiritual Emmanuel – O Consolador, 29ª Edição. Brasília (DF): FEB, 2013 5 A Gênese - 1ª edição compacta: A codificação da Doutrina Espírita – Obras completas de Allan Kardec. Tradução de Salvador Gentile, Revisão de Elias Barbosa. Original em francês. Araras (SP): IDE, 1997.


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Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da escravidão e da servidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhuma há que prime em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal é fundada na mesma lei da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade. Se quisermos, pois, descobrir valores que não são expressos ainda nas cátedras, nas academias universitárias, nas cúpulas científicas ou dentro das nossas casas, busquemos na criatura diferente e rejeitada, a fonte dos ensinos que só as almas anônimas, perseguidas, simples, detêm. Quem sabe, talvez assim fazendo, chegará o dia em que, aos pés de Jesus, Dele ouviremos: — O que fizestes ao mais pequenino da Terra, foi a Mim que fizestes. Aí responderemos: — Ah... Senhor! Chegou o dia em que pude entender o Seu exemplo, quando aceitavas e acolhias os cegos, os maltrapilhos, os decaídos e até os considerados de má vida.


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REFERÊNCIAS ANTUNES, Marta. Artigo in Reformador. Rio de Janeiro: FEB, março 2010. DELLANE, Gabriel. A Evolução Anímica. 4 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1976. Tradução de Manuel Quintão. Original em francês. KARDEC, Allan. - A Gênese. 1ª ed. compacta: A codificação da Doutrina Espírita – Obras completas de Allan Kardec. Araras: IDE, 1997. Tradução de Salvador Gentile, Revisão de Elias Barbosa. Original em francês. _____. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª ed. compacta: A codificação da Doutrina Espírita – Obras completas de Allan Kardec. Araras: IDE, 1997. Tradução de Salvador Gentile, Revisão de Elias Barbosa. Original em francês. XAVIER, Francisco Cândido; Autor espiritual Emmanuel. O Consolador. 29ª Ed. Brasília: FEB, 2013



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ALÉM DAS DIFERENÇAS EXERCÍCIO DA TOLERÂNCIA NA CASA ESPÍRITA Francisco Batista de Menezes Júnior



Além das Diferenças - Exercício de Tolerância na Casa Espírita

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“Diante da diversidade no relacionamento humano, precisamos vivenciar a fraternidade.” José Robinson Gomes

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olerância é uma atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adotada por si mesmo. No âmbito da convivência dentro da casa espírita, ou no intercâmbio com a sociedade, exige-se que as atitudes de pensar e agir espíritas estejam bem definidas e estruturadas no que é chamado por muitos de coerência doutrinária e, por outros, de pureza doutrinária. A interação humana é fato básico nos relacionamentos, embora, muitas vezes nos tornemos barreiras para o aprimoramento e dinâmica desta. É preciso que admitamos as diferenças para que não constituam geratrizes de conflitos; temos que compreender a diversidade do conhecimento, atitudes, habilidades. Estamos a caminho do


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Mundo de Regeneração, na Era do Espírito. Tolerar o outro, conviver com as diferenças faz parte do processo evolutivo e reencarnatório. Trabalho, Solidariedade, Tolerância. O Codificador a inseriu por último na tríade talvez por seguir uma razão didática: a tolerância se exerce com o trabalho contínuo para aquisição do saber; a solidariedade que desenvolvermos em nosso mundo interior expande os relacionamentos humanos para além da convivência social, levando-nos a conviver com as diferenças em ambiente de harmonia. Entre os trabalhadores espíritas necessário também é o exercício da tolerância, uma vez que, infelizmente, este não é natural e nem espontâneo entre os seres humanos. Um cuidado especial se faz no relacionamento entre os que estão em posição de atividades laborativas da casa espírita e aqueles que se encontram como frequentadores. Não cabe ao lidador espírita ditar modelos ou avaliar a conduta alheia, mas exemplificar por suas atitudes a cada instante. Como ser social e participativo, é instado a responder ao convite do Codificador, Kardec, e do Apóstolo da Unificação, Bezerra de Menezes: “Os agrupamentos espiritistas necessitam entender que o seu aparelhamento não pode ser análogo ao das associações propriamente humanas, tendo em vista que é a partir principalmente desses agrupamentos, que os valores humanos e virtudes devem ser vivenciados.” “Um grêmio espírita-cristão deve ter, mais que tudo, a


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característica familiar, onde o amor e a simplicidade figurem na manifestação de todos os sentimentos”. (Emmanuel) “Os espíritas podem divergir nas ideias, mas não podem afastar-se da fraternidade, porque, se o fizerem, não são espíritas”. Não há por onde fugir, ou o Evangelho é assimilado, ou não há Espiritismo”. (Espíritos Bittencourt Sampaio, Pedro Richard e Romualdo de Seixas)

REFERÊNCIAS

MENEZES JR. Francisco B; DAHER, Jorge Cecílio Júnior. Além das Diferenças: o exercício da tolerância nas instituições espíritas. Goiânia: ed. do autor, 2004. SAMPAIO, Bittencourt; RICHARD, Pedro; SEIXAS, Romualdo de (espíritos). No Oásis de Ismael. Rio de Janeiro: FEB, 1989. XAVIER, Francisco; Emmanuel (espírito). O Consolador. 29 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2013



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GESTÃO, INOVAÇÃO E FRATERNIDADE José Robinson Gomes



Gestão, Inovação e Fraternidade

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“Procuremos fazer com que esteja presente em nossas realizações, em nossas atitudes a mensagem do Evangelho” “De nada vale o brilho da inteligência se o coração permanecer às escuras” Dr.Bezerra de Menezes

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estão, Inovação e Fraternidade são três pilares de fundamental importância na sustentação e condução de nossas instituições espíritas, bem como em qualquer outra organização, para desenvolvimento de um trabalho transformador, inovador e fraterno. É essa abordagem que pretendemos nesse artigo. Sem esquecer que em toda e qualquer atividade no planeta Terra, temos que compreender acima de tudo a dimensão espiritual da vida, onde o propósito maior é o aprimoramento moral e espiritual de nossa alma. Diante das constantes mudanças que a globalização e as inovações tecnológicas vem impondo ao mundo, de-


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vemos estar conectados com as transformações do século XXI, buscando sempre o embasamento doutrinário, espiritual, filosófico e científico no desenvolvimento e evolução do Ser Humano de forma integral. Em pleno século XXI, as formas tradicionais de gestão devem ser revistas. Não se conduz mais as instituições como no passado, os paradigmas não são os mesmos, muitos conceitos que deram certos no passado, agora são outros. Novos paradigmas estão surgindo em todos os segmentos da sociedade humana. Gestão e Inovação tem sido preocupação no meio corporativo e nas instituições espíritas não será diferente. É salutar desenvolver ferramentas e procedimentos com boas práticas e sólida fundamentação doutrinária, deixando o campo fértil para vivenciarmos a mensagem do Mestre JESUS, através da Luz que é a Doutrina Espírita, embora ainda enfrentemos as limitações de nossas imperfeições para vivenciá-la. Não se pode viver em função das circunstâncias, sem plano, sem rumo, e sem metas a serem alcançadas. Embora seja importante, nem sempre cuidar de rotinas administrativas significa boa gestão, assim como liderar vai além da gestão. Liderar com relação à Fraternidade, um dos princípios fundamentais da disciplina espiritual e importante atributo das Leis Divinas/Universais, não se revela apenas por senti-


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mentos, mas pelas atitudes e ações que nos dão sustentação na caminhada evolutiva e deve fazer parte de todas as atividades humanas, sem exceção. É importante que líderes, gestores e trabalhadores criem nas instituições uma Cultura de Paz, além de metas e objetivos para inovar. Ainda encontramos melindres, comportamentos e atitudes anti fraternas. Nada substitui as ações fraternas na valorização do ser humano. Nas corporações hoje já se fala em gestão humanizada, capital humano e espiritual, portanto é a valorização da vida, é a fraternidade, é a espiritualidade presente fazendo a diferença, fazendo as pessoas mais felizes no trabalho. O gestor e líder devem rever suas competências, e habilidades; ter postura, maturidade, despertar sua liderança para enfrentar os desafios, e agregar valor ao desempenho das equipes, para que tenham atitudes e comportamento assertivos, sem ferir ninguém em seus sentimentos, e nas relações interpessoais. Às vezes, de forma inconsciente ou impensada, toma-se atitudes indevidas ou desagradáveis. Em qualquer situação devemos nos comportar com respeito ao outro, e nos alinharmos com o que tem de mais inovador e fraterno. Diante do requisito de inovação, inúmeras mudanças estão sempre ocorrendo e onde todos necessitam se adaptar e evoluir de forma contínua. Deve-se preparar para os de-


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safios de gestão de pessoas e desenvolvimento organizacional das instituições. Estamos diante de um contexto onde as mudanças, as estratégias e a cultura incidem na era da informação, na interação entre instituições e pessoas que dela participam (Chiavenato 1999). Portanto, reiteramos a necessidade de mudanças e de novas atitudes de forma a os obter melhores resultados. As pessoas formam a energia geradora do desenvolvimento nas organizações, necessitam de bom ambiente de trabalho para liberar o potencial da instituição humana. A nova organização será diferente, onde a informação é fundamental. Diante desse novo modelo, a gestão será baseada no conhecimento (Dusker 2004). Devemos encarar os problemas como desafios e oportunidades para melhorar algo, focando sempre nas soluções e nos resultados. Não basta ter capacidade e competências profissionais, mas preparo para lidar com pessoas, e equilíbrio no trato com os liderados. As ações fraternas são imprescindíveis.

Liderança “O maior líder de todos os tempos foi JESUS: liderou, inspirou e conduziu multidões com plena sabedoria, através de sua mensagem transformadora e iluminada”. Liderança como essência da gestão, tem grande im-


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portância no século XXI. É importante nas instituições a formação de líderes para conduzir, influenciar e motivar pessoas, convocando a novos desafios: adotar metodologias para transformar o comportamento humano e gerar resultados positivos; buscar pessoas voltadas para inovação e criatividade, repletas de atitudes e iniciativas humanitárias. A base da liderança não é o poder, mas a autoridade conquistada com fraternidade, sacrifícios e exemplo. Todo líder deve ter consciência de que sua liderança só será efetiva se, antes de liderar alguém ele aprender a liderar a si mesmo. A função de liderança é uma das principais buscas da sociedade contemporânea no intuito de fortalecer pessoas e instituições. Disposição para mudar e inovar é ponto forte nos líderes. Lidar com pessoas com perspectiva e hábitos diferentes, e adequar sempre a gestão à cultura da criatividade, da inovação e da fraternidade. Para Peter Drucker, um dos maiores pensadores sobre gestão de pessoas, é impossível traçar o perfil ideal de um líder. Certo é que o fator relações humanas ganhou mais espaço no século XXI com ênfase aos relacionamentos interpessoais. O valor da Liderança, da Inovação e da Fraternidade deve ser entendida como imprescindível em qualquer organização. A liderança é entendida também como o caráter,


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os valores do indivíduo, e não apenas sua capacidade ou carisma. Aperfeiçoar habilidades é base para se tornar Líder de Sucesso. O gestor necessita de habilidades de liderança para lidar com suas equipes, às vezes com dificuldades para se comunicar, e mediar conflitos, criando relações saudáveis que conduzam ao caminho da superação de qualquer situação e desafios, alterando modelos mentais e desenvolvendo o potencial humano. A credibilidade do líder é, principalmente, sustentada pela qualidade de suas relações interpessoais. Evoluímos não só com palavras mas com ações. Inovar sempre, sem a contaminação da vaidade e do orgulho, conquistando a todos com bons exemplos, dando vida às ideias, sempre com ética e capacidade de articulação; mudar a si mesmo e valorizar o ponto forte das pessoas, traçando objetivos, planejamento e ação. Sair dos problemas e focar nas soluções e nos resultados. O líder é também um educador e tem um perfil que se sente atraído pelo dinamismo, conforme os pensadores na área do desenvolvimento. Transformar conhecimento em habilidades e atitudes. O exercício da liderança deve melhorar as técnicas para o comportamento humano e os processos de aprendizagem. Através do autoconhecimento e autoconfiança, poderá descobrir que tipo de líder é você e onde pode se aprimorar.


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Deverá ser dotado de sabedoria, princípios humanitários, para produzir mudança e transformação nas pessoas; autocontrole, credibilidade e se colocar acima dos ressentimentos, para que as mesmas tenham comprometimento com o Ideal e Instituições. Se apoiar nos cargos para mandar e comandar pessoas não é, na essência, atitude de um líder. Liderar não é apenas gerenciar. Alguém pode ser um bom gerente mas não um bom líder. O bom líder gera outros líderes.

Ferramentas de Gestão No desenvolvimento de habilidades e competências para gestão, inovação, liderança e fraternidade, somos sabedores da necessidade de ferramentas e metodologias substanciais para conduzir e inovar as instituições. A seguir citaremos algumas delas: 1- Planejamento e organização; 2- Trabalho em equipe/cooperação/sinergia; 3- Saber ouvir/saber delegar; 4- Decisões compartilhadas com equipe; 5- Motivação de pessoas e equipes; 6- Administração do tempo/oportunidades; 7- Relações interpessoais/controle;


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8- Inovação/criatividade; 9- Administração de conflitos; 10- Comunicação/ Tecnologia da informação; 11- Integração/ entre equipes e áreas; 12- Fraternidade. Desenvolver uma visão, missão e propósitos, com metodologias e ferramentas que transformem comportamento e consequentemente as instituições, com foco na solução, e não nos problemas. Procurar obter excelência na realização de metas e objetivos claros e alcançáveis, explorando o potencial criativo, intelectual e emocional, gerando mudanças e maximizando a performance humana, que faz sentido na vida das pessoas. Nunca fazer uma crítica ao próximo se não estiver apoiado por uma sugestão a ser dada superior à crítica realizada. O gestor deve, tendo na Mensagem do Evangelho - fonte de inspiração, agir com fraternidade e humildade. Uma Instituição Espírita é também uma sociedade humana, e como tal apresenta várias competências a serem implementadas através do desenvolvimento organizacional e gestão. Adotar ferramentas importantes como planejamento, trabalho em equipe, saber ouvir, saber delegar, motivar a estratégia educativa e ao mesmo tempo integrar metas no processo estratégico de mudanças.


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A motivação, associada ao auto conhecimento, elemento agregador é um dos principais alicerces do comprometimento do trabalhador com o trabalho. A Instituição onde o mesmo se insere deve propiciar um ambiente satisfatório para o desempenho das pessoas, sempre intercedendo com palavras de ânimo e encorajamento (ver Gana 2007). Por meio dessas ferramentas de gestão - devemos proceder a intervenções, diagnósticos, mapeamentos de dados para entender a situação e promover as mudanças apropriadas, permitindo maior eficácia organizacional. Maslow - estudioso da motivação humana - afirma que a motivação é um processo interior do indivíduo, no entanto, o ambiente é responsável por seu afloramento. Podemos nos sentir influenciados pelo entusiasmo de um líder motivador.

Inteligência Emocional “A sua vida será sempre o que você esteja mentalizando constantemente. Em razão disso, qualquer mudança real em seus caminhos virá unicamente da mudança de seus pensamentos” . André Luiz/C. Xavier


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Inteligência Emocional, habilidade importante para o gestor, para o líder, bem como para todo ser humano, em qualquer de suas competências, seja para vida pessoal, profissional e principalmente para caminhada evolutiva e espiritual. Para lidar com as emoções, conhecer e compreender nossos sentimentos e os sentimentos dos que nos cercam o autor (Maslow), descreve como o indivíduo, dotado de inteligência emocional, pode gerenciar suas próprias emoções e reagir às emoções dos outros, resolver conflitos, e manter suas próprias emoções. Nas relações interpessoais, quantas atribulações e conflitos, podem ser conduzidos de forma harmônica e equilibrada. Devemos alcançar o autodomínio e nos livrarmos da escravidão do Ego. Ser capaz de manter as emoções sob controle mesmo diante de estado perturbador, e comportamentos adversos. Calmamente discutir as divergências, que costumam nos tirar do controle quando não temos tempo para processá-las. Canalizando nossa energia emocional sempre para o bem, conseguiremos os melhores resultados. O pensador Daniel Goleman parte de uma pesquisa científica para afirmar que o controle das emoções contribui de forma essencial para o desenvolvimento da inteligência do indivíduo. Essa tese científica revela de que modo a incapacidade de lidar com as próprias emoções pode dificultar ou até destruir nossa vida.


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Ressalta também que a crise que a humanidade vive hoje, com aumento da criminalidade, violência e infelicidade é o reflexo de uma Cultura que se preocupou apenas com o intelecto, esquecendo o lado emocional da pessoa. Destaca, portanto (Goleman), que existem duas mentes: a Mente Racional e a Mente Emocional que interagem, se coordenam, e na maior parte do tempo operam em harmonia, na construção de nossa vida mental para que nos orientemos no mundo, no curso da evolução humana. • A Mente Racional: que raciocina, que compreende, que quase sempre tem consciência, tem mais atenção, capacidade para ponderar e refletir. • A Mente Emocional: é um sistema de conhecimento impulsivo, é mais rápida, leva à ação sem dar tempo para pensar, não permite a reflexão. Mas quando surgem as paixões, o equilíbrio se desfaz, e a mente emocional assume o comando e muitas de nossas ações são determinadas pela mesma, de forma não salutar. O autor (Goleman), cita cinco domínios principais sobre inteligência emocional: • Conhecer as próprias emoções e nossos sentimentos; • Lidar com as emoções; • Motivar-se; • Reconhecer as emoções dos outros; • Lidar com relacionamentos. E ressalta bem a importância de conhecermos nossos


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sentimentos. E como bem sabemos, do ponto de vista doutrinário e espiritual, são os sentimentos de Fraternidade, (que faz parte do título deste artigo), presentes em nosso coração, que irão nos dar sustentação ao nosso processo de autotransformação moral e espiritual, e para convivermos bem em nossas instituições e na sociedade em geral. Portanto, precisamos ampliar o conhecimento sobre nós mesmos, estágio em que o indivíduo toma conhecimento de um novo comportamento e identifica seus próprios valores e virtudes, canalizando toda energia benéfica”. O evangelho de JESUS nos ensina: “Conhece-te a ti mesmo”.

Promovendo Mudanças “A sua vida será sempre o que você esteja mentalizando constantemente. Em razão disso, qualquer Mudança real em seus caminhos virá unicamente da Mudança de seus pensamentos.” André Luiz/C. Xavier “Não são as espécies mais fortes que sobrevivem, nem as mais inteligentes, mas sim, as que respondem melhor às Mudanças.” Charles Darwin “Se você quiser fazer inimigos tente mudar alguma coisa.”


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Woodrow Wilson-Ex-pres.EUA/1856 “Nada no mundo é permanente, exceto a Mudança.” Heráclito - Filosófo grego O mundo passa por um contexto de inúmeras mudanças. As conquistas científicas passam por grandes avanços, todos nós necessitamos evoluir de forma contínua, superar as resistências. A liderança é instrumento necessário, bem como é necessário toda organização liderar as mudanças. “Para ser líder não é necessário ser um gestor, ele pode ser um membro da equipe, mas possuir características naturais de líder, tais como caracteres comportamentais, de personalidade, influências no grupo, bem alinhados com os bons propósitos da Instituição” (Maslow). “A mente é a origem de tudo, por isso trabalhar a mente é o inicio do processo de desenvolvimento humano, tão necessário hoje para um Mundo em constantes mudanças. Gestores resistentes às mudanças tendem a desaparecer” (Benton 2000). É preciso desenvolver capacidade de adaptação às mudanças, ter inovação e criatividade. Mudanças são inevitáveis para gerar resultados positivos, com o objetivo de aprimorar atitudes e habilidades, inovar com a aplicação de ferramentas de gestão. A disposição de mudar deve ser ponto forte no gestor e no líder, mas encontra muita resis-


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tência nas Instituições, por não despertar a consciência para inovação, e para autotransformação como Ser Humano. Transformar com novas ideias, criatividade e motivação dá força e vitalidade às equipes. Uma equipe é formada por seres humanos que têm sentimentos, motivações, planos, valores, sonhos e objetivos de vida diferentes, portanto ter o comprometimento e engajamento de todos, necessita flexibilidade e habilidades, para unir as diferenças. A inteligência interpessoal, ou capacidade de se relacionar bem com as pessoas, é importante para a mudança. Procure ter o controle dos seus sentimentos, caminhos e emoções. Quem não muda é punido pela vida. Acredite em você, busque seus sonhos e ideais, plante as sementes da mudança e inovação, vamos transformar ideias em ação. Ser entusiasta das causas que acredita e ir à luta, faz parte daqueles que querem um Mundo Melhor. “É preciso lutar, não deixar de lutar”. (Emmanuel)

Educação “É imprescindível empenhar as nossas energias a serviço da Educação. Ajudando o povo a pensar, a crescer e a aprimorar-se”. Emanuel/C.Xavier


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“É pela Educação, mais do que pela instrução, que se transformará a Humanidade”. Allan Kardec “Educação, é desenvolver progressivamente as faculdades espirituais do homem”. Pestalozzi Pesquisas indicam que Educação será uma das grandes preocupações, e um dos principais caminhos, nas próximas décadas a nível global. Daí a grande importância que a mesma exercerá em todos os segmentos, seja no mundo corporativo, nas religiões, nas doutrinas, e enfim na vida em geral das pessoas e organizações no Planeta. O conceito de Educação tem grande relevância nesta Era do conhecimento. O fluxo de informações/conhecimento que se recebe das diversas formas é muito intenso, mas a Educação não está se dando na mesma proporção. É suporte para evolução humana, em todos os aspectos, educar para transformar, para mudar, moldar o comportamento. Com tanta informação sobre o homem, precisamos nos conhecer, saber quem somos, para nos educar. A difusão e evolução do conhecimento tem avançado muito, mas ao adquiri-lo juntamente com as informações,


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temos que nos educar, vivenciá-lo, praticá-lo, torná-lo parte do nosso comportamento, de nossas habilidades e atitudes. Muitas vezes buscamos a vasta literatura, e o estudo, mas não nos educamos nos Princípios Doutrinários, estágio em que o indivíduo toma conhecimento mas ainda não desenvolve na prática. É a essência da não conciliação e do intercâmbio da teoria com a prática. Treinamento e desenvolvimento têm o objetivo de educar, orientar e no caso da gestão de pessoas, fornecer as competências, habilidades e intervir na dinâmica interpessoal para gerar mudança comportamental, com motivação/ educação, desenvolvendo o autoconhecimento e a capacidade de aprender. O líder em sua principal essência é também um educador, treinando, desenvolvendo e educando os liderados, criando um ambiente de aprendizagem. “Ser bom e aprender a compartilhar só traz vantagens, se o egoísta soubesse disso, até mesmo por egoísmo ele seria bom e compartilharia mais com seu próximo” (Santo Agostinho).

Comunicação “As pessoas mais felizes raramente são as mais ricas, ou as mais bonitas, ou mesmo as mais talentosas, mas sim, as que têm a capacidade de Amar.” Jane Canfield


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A capacidade de se expressar clara e objetiva é fundamental. Comunicação é uma ferramenta importante de Gestão para troca de informação, integração e aprendizado. Dificuldade de se comunicar prejudica as habilidades de gestão, liderança e fraternidade frente às instituições. O autor Charles Clarke dizia: “a era da informação oferece muito à humanidade, mas é vital lembrar que a informação no sentido de dados brutos não é conhecimento, que conhecimento não é sabedoria e que sabedoria não é sapiência, mas um passo essencial para tudo isso. A boa comunicação é excelente ferramenta em trabalho de equipes. Muitos conflitos nas instituições se dão pela dificuldade das pessoas conseguirem se comunicar, portanto, devem-se desenvolver habilidades para se expressar corretamente e propiciar mudanças pessoais e no ambiente de trabalho. Estamos na era da informação, devemos estabelecer e utilizar nas Instituições, meios adequados para transmitir e receber informações, sejam faladas, escritas, visuais, presenciais, impresso e eletrônico de forma clara e objetiva, garantindo o entendimento e facilitando a compreensão e disseminação de objetivos. A divulgação nas instituições de eventos, literatura, e do que está acontecendo no meio espírita, é importante, mas nem sempre as informações chegam à equipes, trabalhadores e frequentadores.


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É importante buscar a tecnologia da informação/comunicação, inteirar-se sobre a forma mais adequada de se expressar, como colocar as decisões, conduzir reuniões, como gerir conflitos . Enfim, contribuir para o alinhamento do relacionamento pessoal e eficácia para melhorar e desenvolver a comunicação da equipe e da instituição em geral. Quando discordarmos de algo deve-se proceder com elegância e fraternidade, para não causar ressentimentos. Descobrir formas de se relacionar bem com o público interno e externo, treinar a equipe, que muitas vezes deixa a desejar em aspectos de comunicação e fraternidade por falta de treinamento e orientação.

REFERÊNCIAS

CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. São Paulo: Elsevier, 2004. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Gestão de pessoas. Rio de Janeiro: FGV, 2011. _____.Fundamentos de Marketing. Rio de Janeiro: FGV, 2012. _____.Negociação e Administração de Conflitos. Rio de Janeiro: FGV, 2012.


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GOLEMAN, Daniel. Trabalhando a Inteligência Emocional. São Paulo: Objetiva, 1999. MEDEIROS, José R. Liderança Coaching. São Paulo: Vozes , 2010.



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INCLUSÃO SOCIAL DOS SURDOS NA CASA ESPÍRITA Juliano Pimenta Fagundes



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onta-nos João, o evangelista, que certa vez, estava em Jerusalém, Jesus, juntamente com seus discípulos. Enquanto caminhavam pelas ruas da cidade, se depararam com um homem, que todos sabiam ter nascido com grave deficiência visual1. Eles, então, curiosos, entendendo que aquela situação poderia ser oportunidade para mais um aprendizado, rogaram uma explicação do Mestre: “Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego”? Jesus, então, pacientemente responde: “Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”. As palavras de Jesus são muito ricas de significado e o Cristo vem nos ensinar que a deficiência física pode ser encarada como uma oportunidade de manifestação da obra divina que, no caso, foi o milagre da cura empreendida pelo Mestre. Da mesma forma que Jesus levou a luz aos que não podiam ver, o som aos que não podiam ouvir nem falar ou 1 A BÍBLIA DE JERUSALÉM. João 9:2-3. São Paulo: Paulus, 2002.


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o movimento àqueles que não podiam andar, nos ensina, que ao nosso modo, nós também podemos levar esse alívio aos que necessitam. Seus exemplos são céleres e cabe a nós o entendimento de que somos portadores de infinitas capacidades e, tal qual o Mestre nos exemplificou com sua vida e sua obra, podemos ser instrumentos das bênçãos do Mais Alto na vida de nossos semelhantes. O entendimento que devemos ter a respeito de quem nos visita em nossa casa espírita obedece às palavras do Espírito De Verdade: “Em verdade vos digo: os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem amados meus. Instrui-vos na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas e vos mostra o sublime objetivo das provações humanas”2. Lembro-me de quando ainda era criança, no início da década de 80 e fomos convidados em família para o casamento de parente próximo. Após a cerimônia, houve a recepção, em salão de festas destinado a tal, quando tive oportunidade de conhecer alguns parentes próximos e outros mais distantes. Lembro-me que uma das convidadas, apresentada como prima de meu pai, mostrava-se um pouco diferente dos demais convidados e, além da destoante aparência física, não parecia estar em sua completa lucidez. 2 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo VI, item 6. Rio de Janeiro: FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro.


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Após os cumprimentos iniciais, me foi informado a posteriori, que a mulher tinha “problema”. E aí se encerra um triste preconceito da sociedade: a não aceitação daquele indivíduo que é diferente. A dificuldade em lidar com o outro é elevada à máxima potência quando precisamos lidar com aquele ser que, para nós, parece incompreensível, como é o caso dos deficientes físicos e mentais. Carl Jung disse, certa vez que: “Tudo depende de como vemos as coisas e não de como elas são”3. Onde os apóstolos enxergaram um pecado, um erro ou, simplesmente, “problema”, Jesus encarou como uma oportunidade. Os judeus, como narra João na passagem descrita no início deste texto, já tinham uma noção de que as atitudes tomadas em uma vida pregressa, influenciam diretamente em nossa vida atual, para o bem ou para o mal. Se o deficiente vive expiações por erros cometidos em passado não muito distante, o encontro com esse ser humano em recuperação não se configura para nós provação, oportunidade para reajuste e progresso ou como diz Jesus “[...] para que se manifestem nele as obras de Deus?”. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, em seu segundo capítulo, temos uma lição sobre essa mesma questão: “A ideia clara e precisa que se faça da vida futura dá uma fé ina3 JUNG, Carl Gustav. Frases. Domínio Público.


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balável no porvir, e essa fé tem consequências enormes sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista pelo qual eles encaram a vida terrena”4. Após o entendimento das palavras de Kardec, poderemos, agora, iniciar nossa incursão em tema tão polêmico: a inclusão. Podemos dizer que inclusão social é o conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pela classe social, educação, idade, deficiência, sexualidade, religião ou preconceitos raciais. Inclusão social é oferecer, aos mais necessitados, oportunidades de acesso a bens e serviços dentro de um sistema que beneficie a todos e não apenas aos mais favorecidos no sistema meritocrático vigente na sociedade. O entendimento da questão dos deficientes auditivos faz parte da própria história de nosso país. Em 1857, através da Lei 839 foi fundado o Imperial Instituto dos Surdos-mudos que em 1957 passou a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos5. Data de 2010 a Lei 12.319 que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS6. A questão da inclusão social no caso dos portadores de 4 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo II, item 5. Rio de Janeiro:FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro. 5 GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007. 6 D.O.U. de 02/09/2010, P. 1


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deficiência auditiva merece especial atenção pois entre os tipos de deficiência física essa é uma das mais excludentes. Os paraplégicos, paralíticos, deficientes visuais e amputados, em sua maioria, podem gozar de uma vida relativamente normal no que tange, por exemplo, à educação, religiosidade, práticas esportivas ou aquisição cultural e até os portadores de tetraplegia apresentam mais facilidade na aquisição de conhecimento do que os surdos. A surdez incapacita o indivíduo de ouvir e automaticamente de falar (em sua maioria) e ao mesmo tempo em que a LIBRAS torna-se sua língua mãe, a dependência do intérprete distancia-o naturalmente da língua portuguesa enquanto segundo idioma. Por isso é muito comum os surdos formarem comunidades entre si, a exemplo do que ocorre quando grupos de imigrantes de mesma etnia e cultura se encontram fora de seu país de origem. Principalmente nos últimos 50 anos, a necessidade de Inclusão Social orientou a elaboração de políticas e leis na criação de programas e serviços voltados ao atendimento das necessidades especiais de deficientes. Este parâmetro consiste em criar mecanismos que adaptem os deficientes aos sistemas sociais comuns e, em caso de incapacidade por parte de alguns deles, criar-lhes sistemas especiais em que possam participar ou tentar acompanhar o ritmo dos que não tenham alguma deficiência específica.


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Assim, a sociedade modificará suas estruturas e serviços oferecidos, abrindo espaços conforme as necessidades de adaptação específicas para cada pessoa com deficiência ser capaz de interagir naturalmente na sociedade. Todavia, este parâmetro não promove a discriminação e a segregação na sociedade. A pessoa com deficiência passa a ser vista pelo seu potencial, suas habilidades e outras inteligências e aptidões. Chegamos, então, nas questões ligadas à acessibilidade, que consiste na possibilidade de acesso a um lugar ou conjunto de lugares. Significa não apenas permitir que pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida participem de atividades que incluem o uso de produtos, serviços e informação, mas a inclusão e extensão do uso destes por todas as parcelas presentes em uma determinada população, visando sua adaptação e locomoção, eliminando as barreiras. Consiste também em ter acesso a todo e qualquer material produzido, incluindo áudio ou vídeo, para tanto adaptando todos os meios que a tecnologia permite. Desta forma, é proposto o paradigma da inclusão social. Este consiste em tornar, toda a sociedade, um lugar viável para a convivência entre pessoas de todos os tipos e inteligências na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades. Processa-se uma evolução moral e social a favor de tais minorias e nós, como espíritas-cristãos temos


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como dever estar à frente dessas transformações profundas que se passam no cerne da sociedade em que vivemos. Lembramo-nos o quanto a preocupação da própria FEB é relevante quando o assunto é o atendimento fraterno e o acesso e a inclusão de todos os seres humanos no ambiente da casa espírita, mostrando o quanto a Federação Espírita Brasileira e federativas estão alinhadas com o que há de mais moderno em termos de atitude inclusiva, pensando no ser humano, além das diferenças que existem entre todos nós. Em orientação à casa espírita, o CFN/FEB instrui: 1. O QUE SÃO OS CENTROS ESPÍRITAS: 1.2 São núcleos de estudo, de fraternidade, de oração e de trabalho, praticados dentro dos princípios espíritas; 1.3. São escolas de formação espiritual e moral, que trabalham à luz da Doutrina Espírita; 1.4. São postos de atendimento fraternal para todos os que os buscam com o propósito de obter orientação, esclarecimento, ajuda ou consolação; 1.5. São oficinas de trabalho que proporcionam aos seus frequentadores oportunidades de exercitarem o próprio aprimoramento íntimo pela prática do Evangelho em suas atividades;


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1.6. São casas onde as crianças, os jovens, os adultos e os idosos têm oportunidade de conviver, estudar e trabalhar, unindo a família sob a orientação do Espiritismo; 1.7. São recantos de paz construtiva, que oferecem aos seus frequentadores oportunidades para o refazimento espiritual e a união fraternal pela prática do “amai-vos uns aos outros”; 1.8. São núcleos que se caracterizam pela simplicidade própria das primeiras casas do Cristianismo nascente, pela prática da caridade e pela total ausência de imagens, símbolos, rituais ou outras quaisquer manifestações exteriores; e 1.9. São as unidades fundamentais do Movimento Espírita. 2. SEUS OBJETIVOS - Os Centros Espíritas têm por objetivo promover o estudo, a difusão e a prática da Doutrina Espírita, atendendo as pessoas que: 2.1. Buscam esclarecimento, orientação e amparo para seus problemas espirituais, morais e materiais; 2.2 Querem conhecer e estudar a Doutrina Espírita; 2.3. Querem trabalhar, colaborar e servir em qualquer área de ação que a prática espírita oferece.


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3. SUAS ATIVIDADES BÁSICAS - Os Centros Espíritas tem por atividades básicas: 3.1. Realizar Palestras Públicas destinadas ao público em geral, nas quais são desenvolvidos temas abordados à luz da Doutrina Espírita; 3.2. Realizar reuniões de Estudo Sistematizados da Doutrina Espírita - ESDE, de forma programada, metódica e constante, destinadas às pessoas de todas as idades e de todos os níveis culturais e sociais, possibilitando um conhecimento abrangente e aprofundado do Espiritismo em todos os seus aspectos; 3.3. Realizar atividades de Atendimento Espiritual no Centro Espírita para as pessoas que procuram esclarecimento, orientação, ajuda e assistência espiritual e moral, abrangendo as atividades de: recepção, atendimento fraterno, explanação do Evangelho à luz da Doutrina Espírita, passe e magnetização de água, irradiação e Evangelho no lar; 3.4. Realizar reuniões de Estudo e Educação da Mediunidade, com base nos princípios e objetivos espíritas, esclarecendo, orientando e preparando trabalhadores para as atividades mediúnicas; 3.5. Realizar Reuniões Mediúnicas destinadas à prática da assistência aos espíritos desencarnados necessitados de orientação e esclarecimento;


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3.6. Realizar atividades de Evangelização Espírita da Infância e da Juventude, de forma programada, metódica e sistematizada, atendendo a criança e o jovem, esclarecendo-os e orientando-os dentro dos princípios da Doutrina Espírita; 3.7. Realizar atividades de Divulgação da Doutrina Espírita utilizando todos os veículos e meios de comunicação social compatíveis com os princípios espíritas, tais como: palestras, conferências, livros, jornais, revistas, boletins, folhetos, mensagens, rádio, televisão, internet, cartazes, fitas de vídeo e áudio; 3.8. Realizar atividades do Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita – SAPSE, destinado a pessoas carentes que buscam ajuda material: assistindo-as em suas necessidades mais imediatas; promovendo-as por meio de cursos e trabalhos de formação profissional e pessoal; e esclarecendo-as com os ensinos morais do Evangelho à luz da Doutrina Espírita; necessitados de orientação e esclarecimento; 3.9. Realizar Atividades Administrativas necessárias ao seu normal funcionamento, compatíveis com a sua estrutura organizacional e com a legislação do seu país; 3.10. Participar das atividades que têm por objetivo a União dos Espíritas e das Instituições Espíritas e


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a Unificação do Movimento Espírita, conjugando esforços, somando experiências, permutando ajuda e apoio, aprimorando as atividades espíritas e fortalecendo a ação dos espíritas. E reproduzimos aqui, na íntegra, o texto do Conselho Federativo Nacional destinado aos centros espíritas para que possamos, juntos refletir sobre a condição de nossa casa, respondendo a questões primárias do dia a dia, sobre nosso papel na inclusão: 1. O processo de nossos trabalhos e/ou estudos responde à diversidade dos frequentadores e trabalhadores? 2. Os trabalhos e/ou estudos são preparadas para o trabalho na diversidade? 3. Os trabalhos e/ou estudos são acessíveis a todos? Os materiais contemplam os diferentes contextos e culturas? A linguagem usada é acessível a todos? 4. As aulas contribuem para maior compreensão das diferenças? 5. Os frequentadores e trabalhadores são estimulados a ouvir opiniões diferentes? Os trabalhos e/ou estudos estimulam o entendimento das diferenças de cultura, gênero, deficiência, religiões etc.?


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6. Os frequentadores e trabalhadores são ativos no seu processo de aprendizagem? São estimulados a dirigir sua própria aprendizagem? São estimulados a ajudar os companheiros? 7. Há oportunidades de, em equipe, avaliar o trabalho realizado? Os resultados das avaliações servem para introduzir mudanças? 8. As disciplinas estudadas e/ou trabalhadas, inspiram-se no respeito mútuo? Os frequentadores e trabalhadores são consultados sobre como podem melhorar sua atenção para aprender? As normas de comportamento são explícitas? 9. Os evangelizadores planejam, revisam e ensinam em colaboração? Os instrutores compartilham do planejamento dos trabalhos? Os trabalhadores mudam suas práticas a partir das sugestões recebidas? 10. Os evangelizadores preocupam-se em apoiar a aprendizagem e participação de todos e reconhecem a importância de tratar a todos com equidade? Os instrutores procuram desenvolver a independência e a autonomia de todos? 11. Os profissionais de apoio preocupam-se com a participação de todos? Existe uma descrição clara acerca das funções e tarefas do pessoal de apoio? 12. Os deveres da casa contribuem para a aprendizagem


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de todos? Os deveres da casa têm sempre um objetivo claro? São todos estimulados a participarem de diferentes atividades? As visitas, quando feitas, são acessíveis para todos? A nossa sociedade é formada por diversas pessoas com diferentes crenças, culturas e valores. É perfeitamente normal, no ambiente da casa espírita, a diversidade, então é exigido, do trabalhador cristão, que saiba lidar com a mesma, reconhecendo, no deficiente, suas virtudes e facilidades e não as dificuldades, dando à pessoa com necessidades especiais as mesmas responsabilidades que os demais a fim de construir um conhecimento único entre todos, tornando, assim, a educação igual para todos conforme a própria Lei da Constituição Federal7. No dia 10 de Dezembro comemora-se o Dia da Inclusão Social. Antigamente, a sociedade não aceitava bem os portadores de deficiência - e até hoje algumas famílias têm vergonha de ter um familiar assim. Estas pessoas não estudavam nem trabalhavam, isso porque a sociedade tinha um padrão em relação às pessoas e todos os que fossem diferentes sofriam preconceitos. Antigamente os deficientes eram considerados inúteis, 7 Constituição Federal. Artigo 1º, incisos II e III e Artigo 3º, inciso IV. Barueri: Manole, 2015.


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pois não havia recursos para incluí-los na sociedade. Em resultado da evolução nos campos da tecnologia e da ciência, no século XX, particularmente no campo da surdez, a educação dos surdos, em seu início nos EUA, passou a ser dominada pelo oralismo (que encara a surdez como algo que pode ser corrigido). No entanto, sem a cura da surdez, os insucessos do oralismo começaram a ser evidenciados, pois os surdos oralizados não tinham mais facilidades em, por exemplo, conseguir um emprego, comunicar-se com ouvintes desconhecidos ou manter uma conversa fluída8. Abrir os olhos para as questões espirituais não quer dizer fechá-los para as determinações terrenas no âmbito legal. A sociedade avança como um todo em prol do ser humano em várias instâncias e é gratificante quando vemos os valores humanos defendidos por Jesus tornando-se valores legais de nosso conjunto de leis. Entender os valores do Cristo significa, também, estar em sintonia com as necessidades de nosso povo e o que está sendo feito a favor daqueles que necessitam de reajuste. Muitas vezes não seremos nós, os espíritas, a ponta de lança das transformações sociais, mas, acompanhando o trabalho da espiritualidade no âmbito da administração pública e das discussões sociais, poderemos ser agentes de mudança na vida de muitos. Ainda sobre a questão do conceito destacado no Evan8 CARVALHO, Paulo Vaz de. Breve História dos Surdos no Mundo e em Portugal. Lisboa: Surd’Universo, 2007.


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gelho Segundo o Espiritismo e tão valorizado por Jung, lembramo-nos de uma das primeiras lições que recebemos quando ainda éramos estudantes da Língua Brasileira de Sinais: “Aprendam, todos vocês, a não enxergarem o deficiente auditivo como alguém desprovido de um dos sentidos, porque, na prática, o surdo não se vê desprovido de nada. Não é algo que lhe faça falta, pois a maioria dos surdos nasceram nessa condição e a compensam, naturalmente, com uma acuidade visual quase sobre-humana. Nós os chamamos de surdos - ou, alguns, ainda adeptos de ultrapassadas concepções, de surdos-mudos, o que é uma incongruência, pois os mudos são raros e a grande maioria dos surdos é capaz de falar se tiver determinação em aprender – e eles nos chamam de ouvintes, não nos tratando como privilegiados, apenas como diferentes. Explicar para o surdo o que seja música, é o mesmo que tentar descrever para um cego como é a cor amarela. Para o deficiente auditivo o som, muitas vezes, é uma abstração que lhes força a imaginação, e mesmo aqueles que se utilizam de aparelhos auditivos ainda não podem discernir palavras faladas ou melodias sonoras. Havendo som ambiente, “ouvem” mais pela vibração física das notas graves do que pelos tímpanos. Para entender o indivíduo surdo, devemos aprender a vê-lo, não como deficiente físico, mas como uma espécie de estrangeiro que visita nosso país e que fala um idioma diferente, no caso, a LIBRAS, que não é língua portuguesa sinalizada, é outro idioma, com gramática e regras próprias, o


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segundo idioma oficial do Brasil. Todo surdo se torna bilíngue, porque aprende na escola os dois idiomas, assim como os intérpretes em LIBRAS. Tratando o surdo como alguém procedente de outra cultura estaremos dando o primeiro passo para entendê-lo e aceitá-lo”. E como é válido esse ensinamento para ser aplicado a outros tipos de deficiência, senão todas! Na prática, a vivência com os deficientes físicos vem nos ensinar que, na maioria das vezes, os verdadeiros deficientes somos nós, com nossa falta de entendimento sobre as diferenças entre os seres e quanto ainda temos que melhorar para superarmos nossos preconceitos.

REFERÊNCIAS

A BÍBLIA DE JERUSALÉM. João 9:2-3. São Paulo: Paulus, 2002. Constituição Federal. Artigo 1º, incisos II e III e Artigo 3º, inciso IV. Barueri: Manole, 2015. D.O.U. de 02/09/2010, P. 1. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo VI, item 6. Rio de Janeiro: FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro. JUNG, Carl Gustav. Frases. Domínio Público.


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KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo II, item 5. Rio de Janeiro:FEB, 1973. Tradução de Guillon Ribeiro. GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007.



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Caridade para com os Filhos de Deus

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esus, quando nos ensinou a orar, utilizou em sua sublime alocução o adjetivo possessivo na primeira pessoa do plural ao dizer: “Pai NOSSO”. Não disse Pai dos judeus, ou dos samaritanos, romanos, ou ateus. Disse tão somente “Pai NOSSO.” Simples! NOSSO - não é excludente, uma vez que significa de todos. Portanto, Pai de Maria Madalena, de Zaqueu, de Pedro, de João ou Tiago. Mas, também, de Judas, Anás, ou Caifás. Embora oremos o Pai NOSSO com muita frequência, a grande maioria das pessoas ainda não parou para pensar na extensão dessa palavra - NOSSO. O objetivo destas singelas linhas é refletir sobre a questão. Ora, conquanto tenhamos um mesmo Pai, somos diametralmente diferentes uns dos outros. Cada ser humano é dotado de uma personalidade, trazendo dentro de si uma bagagem de experiência, com alguns acertos e muitos equívocos. Entretanto, sempre caminhando para a Luz. NOSSO, nunca poderá representar o apego, mas, a sublimação, a fraternidade, vez que, filhos do mesmo Pai, somos irmãos.


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Foi com esse sentimento de irmandade que os apóstolos Pedro e Tiago edificaram a Casa do Caminho, marco do cristianismo primitivo. A primeira atitude dos abnegados condutores daquela Casa, era acolher. Acolhiam-se a todos. Na sequência, consolavam, esclareciam, orientavam. Foi graças a esse trabalho iluminado dos dois abnegados apóstolos e outros, não menos dignos, que se somaram a eles que surgiu a figura impoluta de Estevão. Por intermédio dele e pelas injunções do próprio Mestre Jesus, emerge o corajoso e destemido de Paulo de Tarso, estandarte da divulgação da Doutrina Cristã em seus primórdios, que se perpetuou pelo tempo, nos dando a bendita oportunidade de conhecer a Segunda Revelação do Senhor. As Casas Espíritas se espelham, mesmo que palidamente, no labor da Casa do Caminho. E aí nos vem a pergunta: Estamos acolhendo de forma fraterna todos os que aportam ao Educandário de Luz que é a Casa Espírita, até os que achamos diferentes? O papel do Templo Espírita como pronto socorro é acolher com o mais desvelado amor o necessitado do pão material e com mais cuidado ainda o faminto de paz. A ausência de serenidade conduz às mais atrozes moléstias da alma: à depressão, à drogadição, à obsessão, ao homicídio, ao suicídio, cujas consequências, para a evolu-


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ção do espírito, poderão levar anos ou séculos para serem minimizadas ou mesmo sanadas. Recebemos nos templos espíritas irmãos nossos em Cristo Jesus trazendo no âmago de seus seres, mazelas de ordem econômica e existencial. Para os desprovidos do alimento físico, as campanhas do gênero amenizam suas necessidades. Para os dramas da existência, as soluções são mais complexas. Vai exigir daqueles que se propõem a realizar tal trabalho uma dose maior de abnegação, de intuição para perceber a orientação dos espíritos amigos e de amor. Como ninguém dá o que não tem, se ainda não adquirimos o equilíbrio necessário para direcionar a nossa vida, como poderemos auxiliar outrem, exatamente esses que nos procuram? Jesus, Guia e Modelo da Humanidade, estabeleceu, nas palavras do evangelista Lucas, no capítulo 16, versículo 2, que cada um deve dar conta da sua própria administração e mais, àquele que muito foi dado, muito será pedido, capítulo 12, versículo 48. Afirmamos, sem medo de errar, ninguém recebeu e recebe mais que os espíritas. Temos a benção da revelação kardequiana, que relembra os Divinos ensinamentos de Jesus. Lições que são patrimônio imperecível, que nos guiará pelas sendas da vida e nos levará ao porto seguro das con-


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quistas imorredouras do espírito. Portanto, a responsabilidade é grande. Para sermos eficientes e eficazes na tarefa que nos propomos fazer, do acolhimento e etapas subsequentes mencionadas em linhas anteriores, o roteiro é buscarmos dentro do ser imortal que existe em nós a essência da vida, perquirir a sabedoria que nos levará à harmonização e à misericórdia para com o outro. Misericórdia, nas palavras de Guimarães Rosa é “colocar o coração na miséria alheia”1. Poderemos conseguir esse desiderato de paz e equilíbrio através da oração, da vigilância, da disciplina e força de vontade. A vontade é tão imperiosa que o nobre espírito Emmanuel, pelo lápis iluminado de Chico Xavier, afirma no livro Pensamento e Vida: “Só a vontade é suficientemente forte para sustentar a harmonia do espírito”2. Ainda dentro da procura da auto serenidade lembremos que o trabalho no bem favorece essa conquista da paz interior. À tarefa da auto iluminação, segue-se o esforço da paz familiar. O venerando espírito Neio Lúcio, em psicografia de Chico Xavier, no livro Jesus no Lar, afirma que “o Lar é a escola das almas” , devendo, portanto ser o objeto das nossas atenções. 3

1 Frases de Guimarães Rosa - Domínio Público 2 Xavier – Francisco C. Emmanuel – Pensamento e Vida - FEB – 1972 3 Neio Lúcio – Jesus no Lar - FEB – 1972


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A constituição de uma família se faz inicialmente com dois seres que envolvidos pelo encantamento, que já é a presença de Deus, visando a continuidade da vida, se enlaçam pelos sagrados sentimentos do matrimônio e, naqueles momentos de enlevo, não percebem as diferenças de personalidade, cultural, econômica e outras tantas. Se as veem, sentem-se mais motivados a conviver com elas, as idiossincrasias, peculiares de cada indivíduo. Com o passar do tempo, assomando as dificuldades e desafios caraterísticos do grau de evolução da Terra, surgem muitas vezes as decepções, desavenças, ressentimentos, deserções, traições, ódios, vinganças, homicídios, suicídios, o que é lamentável. Nesse emaranhado de provas, chegam os filhos, cada um com uma tendência e necessidade, portanto também diferentes. É no cadinho do lar que começamos a exercitar a convivência com as diversidades e não poderia ser de outra forma. São espíritos que se encontram com o propósito maior da evolução, em graus diferenciados de aprimoramento espiritual. O que segura a união familiar é o amor, que, por sua vez, se ancora na paciência, tolerância, compreensão e perdão. A prática dessas virtudes, por imprescindíveis à fraternidade doméstica, levou o médium Chico Xavier a ensinar:


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“Que eu não perca o AMOR por minha família, mesmo sabendo que ela muitas vezes me exigiria esforços incríveis para manter a sua harmonia”4. Desnecessário se torna enumerar outros tantos estorvos que surgem perante as famílias, vez que sabemos do leque de problemática que enfrentamos com habitualidade. Contudo, é no reduto doméstico, através do respeito, renúncia, paciência, oração e exemplificação cristã que podemos e devemos “desatar algemas de ódio e substitui-las por laços sagrados de amor”5, como sabiamente leciona André Luiz no livro Nosso Lar, quando coloca na boca do enfermeiro Lísias, o aconselhamento em epígrafe. Somos instados sempre a conviver com antagônicos por onde andarmos, no trabalho, na sociedade e nessa diferença, quando estamos receptivos a respeitá-las, vamos aprendendo, crescendo, evoluindo. Progredir espiritualmente é objetivo da existência humana, segundo inscrição, que se encontra inserida no dólmen druida, no cemitério Père-Lachaise, em Paris, onde repousam os restos mortais do preclaro Codificador da abençoada Doutrina dos Espíritos: ‘Nascer, morrer, renascer as vezes, evoluir sempre”. Quando nos referimos à tarefa em prol da benemerên4 http:// pensador. uol. com.br 5 Xavier – Francisco C. André Luiz – Nosso Lar – FEB – 1996


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cia, nos lembramos da Casa Espírita. Ela, de fato, pela gama de atividades que realiza, nos dá a condição para desenvolvermos a nossa potencialidade de amor. Entretanto, do mesmo modo que nos deparamos com divergências no seio da família ou da sociedade, vamos encontrá-las entre os tarefeiros e frequentares da Casa Espírita. Embora toda Casa Espírita seja assistida pela espiritualidade amiga, não se pode esperar que uma comunidade espírita seja constituída de uma assembleia de anjos. Mesmo porque, muitos dos que hoje cerram fileira nas lides espiritistas, lá estão, por acréscimo da piedade Divina, devido a débitos contraídos com a própria consciência em roupagens reencarnatórias anteriores. Em busca da acolhida e do consolo, aportam nos Centros Espíritas, centenas de mães, desesperadas em buscam de notícias de filhos que retornaram ao Plano do Espírito. É dever do espírita consolar. A melhor maneira é lembrar àquela genitora, ou mesmo a outra pessoa que pranteia o desencarne de um ser querido, que todos somos filhos de Deus e objeto da mesma solicitude, indicando obras da literatura espírita que servirão de refrigério para amarguras e saudades. Também chegam à Casa Espírita os que se sentem desventurados pelo abandono, por um casamento, namoro ou


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noivados desfeitos, por acreditarem que perderam o grande amor de suas vidas. Estender-lhes os braços, mostrar-lhe a grandeza da misericórdia de Deus é o mesmo que lhes dizer - dê tempo ao tempo, como está inserido no Eclesiastes “há tempo para plantar e para colher, a tempo para nascer e para morrer”6. É reavivar-lhes a esperança. Ninguém vive sem esperança Nesse sentido a mentora Joana de Ângelis, pela psicografia de Divaldo Franco, no livro Alegria de Viver, preleciona: “Seja qual for o capítulo das aflições em que estagies, reconforta-te com a esperança, na certeza de que, suportando-as bem, amanhã elas te constituirão títulos de luz encaminhados à contabilidade divina, que então te alforriará da condição de precito e devedor, conduzindo-te à plenitude da paz, completamente liberado”7. Quanto aos que enveredaram pelo caminho tortuoso e triste da drogadição, restabelecer-lhes a autoestima é tarefa da mais relevante caridade. Oferecer-lhes oportunidade de tratamento espiritual, favorecê-los com indicação de acompanhamento médico ou de organizações que se especializaram em auxiliar e socorrer os envolvidos em qualquer tipo de dependência é o papel de um cristão. No reduto da Casa Espírita estão também os que bus6 Eclesiastes 3.2 – Bíblia 7 Franco – Divaldo/ Joanna De Angelis - Alegria de Viver - LEAL - 2009


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cam consolo para suportar a dor de ver filhos, irmãos, companheiros com suas liberdades cerceadas devido a desatinos cometidos em momentos tormentosos. Ou, mesmo internados em clínicas psiquiátricas. A sinalização é mais uma vez, acolher, esclarecer, consolar, orientar. Neste caso, sobre os procedimentos pertinentes à legislação específica à luz do Direito. Temos observado que é cada vez mais crescente o número de pessoas que assumiram suas opções sexuais diferenciadas, frequentando e/ou trabalhando nas casas espíritas. Que sejam bem vindos, acolhidos com carinho e sem censura. Não nos compete julgar as jovens, movidas pelo despreparo e invigilância, que cometeram a ilicitude do aborto, mas acolhê-las e orientá-las. condenando sempre o aborto, porém, amparando quem o praticou. Condenando o “pecado”, não o “pecador”. Vejamos a orientação do iluminado Dr. Bezerra de Menezes: “Quando alguém cair em erro, estendamos os braços em socorro do irmão equivocado, evitando a crítica que apenas o precipita a quedas ainda maiores”8. Que dizer dos portadores de mediunidade desorientada, que chegam em avantajado número ao Centro Espírita? Mais uma vez, acolher, esclarecer e orientar. Tarefa que 8 http://pensador.uol.com.br/poesias_para_irmao/5/


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muita vez não se torna fácil, devido ao grau de comprometimento dessa sensibilidade mediúnica. Com certeza não alcançamos a plenitude de dificuldade que conduz uma pessoa, ou uma família ao Santuário Espírita em busca do consolo para as suas consciências, pois, a escala de problemas que assola a humanidade é de extensão imensurável. Os que discorremos sobre eles, são os mais comuns. Assim, apresentadas as dificuldades que poderemos deparar frente à seara espírita, devemos estar preparados para os embates, na sublimada tarefa de acolher, consolar, esclarecer e orientar, pois, isso é caridade. E para equacionar a questão, mais uma vez nos reportamos ao ensinamento do amorável Emmanuel: “Espírito algum construirá a escada de ascensão sem atender às determinações do auxílio mútuo”9. Todos sabemos do ensinamento trazido do insigne Codificador, insculpido no capítulo XV do Evangelho Segundo o Espiritismo, que assevera que “Fora da Caridade não há Salvação” . Talvez tenhamos dificuldade em assimilar o que seja a caridade. Kardec já antevendo esse entrave, questiona os espíritos sobre o que seria caridade no entendimento de Jesus e 10

9 Xavier – Francisco C. / Emmanuel – Antologia da Caridade – GEFE - 1994 10 Kardec – Alan – Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo XV


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a portentosa resposta vem a lume, por meio da questão 886 de O Livro dos Espíritos: “Benevolência, para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas”. – É o BIP Divino - B de benevolência, I – de indulgência e P – de perdão . A orientação da Doutrina Espírita sobre a tarefa caritativa é muito mais profunda e abrangente, vez que é para a eternidade. A caridade que, por muito tempo entendemos e fizemos, a material, é valiosíssima, enquanto necessária. Dia chegará que todas as pessoas terão a dignidade de prover as suas próprias subsistências. Essa afirmação se ampara na própria Lei do progresso, magistralmente apresentada por Kardec nas perguntas 779 a 785 . Ouvimos várias vezes o nosso saudoso confrade Wolney da Costa Martins, ex-presidente da Federação Espírita do Estado de Goiás, com quem tivemos a honra de trabalhar, dizer: “A caridade também evolui”. Da mesma forma que existem diferenças de personalidade, que conduzem a outras tantas, conforme exposto em letras anteriores, a prática da caridade deve ser conduzida observando os diferentes. Essa é a orientação do instrutor Emmanuel: “A caridade para com o instrutor não é a mesma que de11

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11 O Livro dos Espíritos 12 O Livro dos Espíritos


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vemos prestar ao aprendiz, e a assistência ao homem enfermo não é igual a que nos cabe dispensar ao homem robusto. A essência do bem é una em suas raízes fundamentais, mas os seus métodos de manifestação variam infinitamente”13. (Reformador - 2/953) [55 - página 97]. Do mesmo modo que somos um universo em nós mesmos, os espíritos que aportam ao centro espírita, também o são. Portanto, a abordagem nos trabalhos mediúnicos, necessita de esclarecedores preparados, com vasto conhecimento de Doutrina e enlevados no mais sublime sentimento de amor. Uma maneira fácil de encaminharmos as nossas ações face ao trabalho da caridade, visando atender os diferentes, que na verdade são todas as pessoas, vez que criados simples e ignorantes, segundo a orientação trazida pela codificação, na questão 115 de O Livro dos Espíritos14, estamos caminhando para a Luz, cada um em seu ritmo, mas essa jornada é inexorável. Respeitar o passo do outro é receita que deve ser aviada, cujo sucesso é garantido. Foi exatamente assim que procedeu Cidália, o anjo bom que amparou a infância sofrida do apóstolo Chico Xavier, conforme fato narrado pelo próprio Chico à nossa estimada amiga, a mineira Juselma Coelho, 13 (Reformador - 2/953) [55 - página 97] - FEB 14 Kardec In O Livro dos Espíritos. FEB


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que no-lo transmitiu e que peço vênia, por pertinente, para registrar: “Quando eu caminhava com a minha madrinha, pelas ruas de Pedro Leopoldo, ela andava muito depressa, e eu, com as minhas perninhas de criança mirrada de cinco anos de idade, tinha dificuldade para acompanhar os seus passos. “Quando Cidália chegou, observei que ela era alta e tinha pernas longas, maiores que as de minha madrinha. “Pensei, não vou conseguir acompanhar os passos de Cidália. Mas, qual foi a minha surpresa e felicidade, quando percebi que Cidália, sempre que caminhava comigo, diminuía os passos para que eu pudesse acompanhá-la...” Diminuir o passo, mas continuar caminhando, pode ser uma maneira de respeitar o diferente. Ver a necessidade do outro e esforçar para fazer a nossa parte é estar indo ao encontro da sublimar lição trazida pelo venerável Emmanuel na página que transcrevemos: IRMÃOS NECESSITADOS É preciso compreender - mas compreender substancialmente - que nem todo mendigo é aquele que te requisita socorro material. Muito mais que os irmãos em penúria do corpo, solicitam-te amparo àqueles outros companheiros em aflição


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ou desvalimento, na vida íntima, a te pedirem apoio e consolação. Muita vez, alcançam-te a esfera pessoal expectantes ou irritadiços, ansiosos ou arrogantes, qual se de coisa alguma necessitassem. Entretanto, é preciso estender-lhes o verbo amigo para que se habilitem à paz e ao refazimento. Acolhe-os, pois, no clima da própria alma e dá-lhes do que puderes em fraternidade e ternura para que se restaurem. Justo entender que, de maneira geral, quantos nos rogam orientação e conselho, no imo de si mesmos já sabem, à saciedade, o que lhes compete fazer. Se cansados, não desconhecem que a fadiga não se lhes extinguirá num toque de mágica. Se enfermos, estão cientes de que precisarão de remédio. Se desiludidos, conhecem as farpas de angústia que lhes atormentam o coração, farpas essas que é imperioso retirar e esquecer. Se carregam remorso, não ignoram que a dor da culpa não se lhes desaparecerá da consciência lesada, assim como por encanto. O que semelhantes irmãos necessitados esperam de nós, quase sempre, é um tanto mais de força, afim de que possam seguir adiante. Compadece-te de quantos te procuram, mergulhados em


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dúvida ou desespero. Eles não aguardam de nós um milagre, cuja existência não admitem. Procuram simplesmente a caridade de uma palavra compreensiva ou um gesto de paz que lhes propiciem renovação e bom ânimo. Em suma, aspiram tão somente a saber que não se encontram sozinhos e que Deus, por intermédio de alguém, não lhes terá esquecido as necessidades do coração.” 15 [117 - páginas 129/130] – Emmanuel

REFERÊNCIAS

BÍBLIA SAGRADA - Eclesiastes 3.2. https://www.bibliaonline.com.br/acf/ec FRANCO, Divaldo; DE ÂNGELIS, Joanna (espírito). Alegria de Viver. Salvador: LEAL, 2009. KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo: – Capítulo XV - Além das Diferenças. Rio de Janeiro: FEB, 1973. _____. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1973. MENEZES, Bezerra de. in http://pensador.uol.com.br/ poesias_para_irmao/5/ 15 Xavier – Francisco C./ Emmanuel – Rumo Certo – FEB – 1971


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ROSA, GUIMARÃES. Frases. Domínio Público. XAVIER, Francisco C. ANDRÉ LUIZ (espírito). Nosso Lar. Rio de Janeiro: FEB, 1996. _____. EMMANUEL (espírito). Rumo Certo. Rio de Janeiro: FEB, 1971. _____.Pensamento e Vida. Rio de Janeiro: FEB, 1972. _____.Antologia da Caridade. GEFE, 1994. _____. In (Reformador - 2/953) [55 - página 97] - FEB . _____.NEIO LÚCIO (espírito). Jesus no Lar. Rio de Janeiro: FEB, 1972.


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RECEPÇÃO FRATERNA NA CASA ESPÍRITA Régina Maria de Oliveira



Recepção Fraterna na Casa Espírita

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“Vinde a mim todos vós que estais aflitos e sobrecarregados e eu vos aliviarei” MT XI, 28 a 30 “Baseados nesta assertiva de Jesus, os apóstolos iniciaram as atividades da casa do Caminho...Eis aí o atendimento fraterno, ontem, hoje e sempre”. Manoel Philomeno de Miranda

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Espiritismo é o consolador prometido por Jesus. Quando Ele fez a afirmativa que nos “enviaria um consolador que nos faria lembrar o que Ele disse e que ficaria eternamente conosco”, se referia a todas as luzes que nos trouxe, que não soubemos compreender. De maneira paciente, amorosa e incansável os Espíritos amigos nos relembram desta, nos esclarecem procurando nos ajudar a descortinar o Universo infinito, perfeito, maravilhoso que é a Lei de Deus da qual fazemos parte.


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Segundo Francisco Cândido Xavier a mais elevada função da Doutrina Espírita é restaurar os ensinamentos de Jesus com as elucidações de Kardec para a felicidade real da criatura, de conformidade com o objetivo da reencarnação citado à questão 132 do LE, que nos diz que o objetivo das nossas encarnações é o nosso aprimoramento moral. Ao refletir sobre estes postulados vislumbramos a imensa misericórdia de Deus com nossos equívocos, permitindo nosso aprendizado em quantas reencarnações forem necessárias, determinando que “cargas pesadas não estarão em ombros fracos”. Oferece-nos um planejamento de todas as nossas dificuldades reencarnatórias junto aos benfeitores espirituais, minuciosamente, objetivando nosso aprimoramento e consequente felicidade; considerando a brevidade do infortúnio, a certeza de que tudo nesta nossa passagem terrena é efêmero, de que só as conquistas verdadeiras do Bem seguem conosco, que somos sim os artífices da nossa própria imortalidade, não é seguramente ter elementos certos para “oferecer o consolo aos que sofrem, levantar a coragem dos caídos, arrancar o homem de suas paixões, do suicídio, detê-lo talvez no limiar do crime”? (Kardec em Bordeaux-1862). Neste trecho do discurso encontramos o objetivo do Atendimento Fraterno , não só na casa espírita, mas em todo o nosso cerco de relações. Queridos amigos e irmãos leitores, o Espiritismo como


Recepção Fraterna na Casa Espírita

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Terceira Revelação da Lei de Deus é, de maneira inquestionável, acréscimo de bondade e misericórdia divina a toda CRIAÇÃO! Seguramente, é de origem humana, fruto do personalismo, irmão gêmeo daqueles íntimos de todos nós – o orgulho e o egoísmo – toda prática equivocada acerca de seus postulados luminosos que transcendem a toda a genialidade e entendimento humano. É necessário que cuidemos do Espiritismo com o mesmo desvelo que dedicamos a toda dádiva bendita do Pai para que atendamos aos nossos planejamentos reencarnatórios tomando a parte que nos cabe na obra. O atendimento fraterno na casa espírita, mais precisamente a recepção, é a porta de entrada para toda luz e amor que a nossa acanhada compreensão pode abraçar. É a porta por onde receberemos todos “aqueles pequeninos a que se referia Jesus”, percebendo em cada um, um irmão legítimo, conscientes das diferenças que nos transformam a cada um em individualidades únicas, característica esta digna da mais perfeita Criação. Onde a nossa visão míope enxerga diferenças, a Lei nos confere a perfeição e bondade do Criador. É a oportunidade de oferecermos “a regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida pública e da vida privada, o princípio básico de todas as relações sociais


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que se funda na mais rigorosa justiça e, finalmente, e acima de tudo o roteiro infalível para a felicidade vindoura” (Introdução do ESE). Nosso trabalho árduo será em primeira instância nos convencermos dessas verdades. O amigo leitor poderá perguntar: “ na prática, como faço para implantar o Atendimento Fraterno no Centro que dirijo? Como oriento os trabalhadores para receber as pessoas, fazer triagem e posso medir se os procedimentos estão adequados”? Todas as dúvidas e roteiros práticos para o desenvolvimento desta tarefa já foram suficientemente abordados em obras que recomendamos como Orientação ao Centro Espírita (FEB); Atendimento Fraterno, de Manoel Philomeno de Miranda ( LEAL). Até o fechamento deste livro estavam em produção, portanto, certamente já estejam à disposição do público, o Atendimento Espiritual (FEB) e Diálogo Fraterno - ética e técnica, de Marlon Reikdal ( FEEGO). A recepção fraterna é, enfim, a porta de entrada, quiçá a única oportunidade que nosso irmão que adentra a casa espírita, terá para o contato com as Luzes do Consolador Prometido por Jesus!


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A FRATERNIDADE E OS GRUPOS MEDIÚNICOS Silvana Prestes



A Fraternidade e os Grupos Mediúnicos

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“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.” Paulo - II CORÍNTIOS, 4:7

E

m vários grupos mediúnicos, quiçá em sua grande maioria, observa-se uma surda competição entre os participantes. Existe uma disputa de conhecimentos, mascarada pelo louvor ao estudo; um “Kardec” frio e distante, com citações de obras básicas, capítulos e itens decorados, mas não sentidos. Reclama-se uma posição de destaque não merecida, exaltando a importância pessoal e desmerecendo os demais. Louva-se o esforço próprio, mas não o reconhece no outro, sempre a exigir maior colaboração dos que caminham conosco. Usamos uma “carteira de trabalho de espírita profissional”, onde queremos impor nosso valor pelo número de anos dedicados à doutrina.


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Além das Diferenças

Nossa frieza é mascarada por uma fraternidade hipócrita. Muitos de nós sequer conhecemos o companheiro que nos senta ao lado toda semana. Não sabemos quem ele é, como é sua vida, seus objetivos e temores. Estamos tão preocupados em bater “nosso ponto” comprovando nossa ida à reunião, como se isso fosse garantia de sermos médiuns sérios e dedicados. Se não existe confiança entre os membros do grupo não poderá haver sintonia na reunião. Se não formos verdadeiros, não atrairemos os bons que se interessam pelo nosso esforço. Geralmente, vestimos uma máscara de bonzinhos quando vamos à casa espírita. Infelizmente, em vez de nos tornarmos uma única força, somos ilhas distantes. Quantos de nós, em momentos difíceis, não omitimos nossa dor para que não fôssemos taxados de “obsidiados”? Quantas vezes buscamos tratamento em outra casa espírita, a fim de que os amigos de nossa casa não saibam o que se passa conosco? Será essa a verdadeira fraternidade preconizada pelo Espírito de Verdade: “Espíritas, amai-vos e instrui-vos”? Lemos profundas mensagens, extasiados pela beleza do Plano Espiritual, mas só ficamos nisso. Sabemos intelectualmente o que se é para fazer, mas ainda não transformamos em sentimento. Somos espíritas materialistas, que ainda precisam ver para crer. Sabemos para fora, e não para dentro.


A Fraternidade e os Grupos Mediúnicos

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Escutamos nosso irmão, mas não aprendemos a ouvi-lo, sequer o olhamos profundamente nos olhos. Queremos ser caridosos sem ao menos sermos gentis, bondosos, sem termos empatia, sem sentirmos a dor do outro. Tratamos os desencarnados com benevolência, mas somos incapazes de relevar as faltas dos irmãos encarnados do nosso grupo de trabalho, tecendo críticas ácidas e julgamentos precipitados. Não descemos do nosso pedestal para realmente acolher. No fundo, preocupamos mais com nossa imagem e nos ferimos quando somos desaprovados por nossos confrades. Esquecemos que nossa consciência é com o Pai, e se estamos verdadeiramente com Ele, a opinião do mundo não nos importa. No entanto, como priorizamos nosso orgulho e vaidade, estamos sempre disputando elogios, reconhecimento e cargos dentro da casa, sem darmos chance para tantos que chegam com sede de trabalho. No íntimo, pensamos que temos maior capacidade que esses. É de extrema urgência que modifiquemos isso agora. Não podemos mais protelar. Nosso orgulho deve ser barreira a ser vencida, pois estamos na mesma escada, alguns, poucos degraus acima, outros, ligeiramente abaixo. Somos todos eternos aprendizes. É necessário humanizarmos o espiritismo, simplificar sem alterar o que a doutrina ensina. Descomplicar para que ela nos chegue à alma, e nos toque profundamente a com-


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Além das Diferenças

preensão e o entendimento. Irmos ao encontro daqueles que têm sede de Jesus, e acolhê-los a fim de que o amor sincero os desperte. É passar o conhecimento sem ostentá-lo, é trazer o outro para beber conosco da fonte viva do Mestre. Calar para permitir que o outro se abra. O momento é decisivo. É preciso implantar o amor, o acolhimento, a verdadeira fraternidade dentro dos grupos mediúnicos. Saber quem é o irmão que encontramos semanalmente. Conhecer suas alegrias e dificuldades. Sermos pilares uns dos outros. Elos que não se desfazem por diferenças de opiniões. Aceitar o outro como ele é, lembrando que todos temos nossos momentos de desequilíbrio, e que ninguém está isento disso. Tudo isso é um processo de mudança, mas que sejamos seus semeadores. Despir do orgulho para somar. Unir para unificar. Fortalecer para exemplificar. Amar para seguir Jesus. Que seja esse nosso lema, a verdadeira fraternidade. Que por muito amarmos, modifiquemos a nós mesmos. Que tenhamos coragem e perseverança para seguir em frente. Encontraremos obstáculos, resistências, mas tenhamos a certeza que saberemos contorná-los se agirmos com paciência e constância. Que nos conheçam não por tempo de serviço “espírita”, mas por sermos tão fraternos que o Cristo brilhe por intermédio de nós. E que assim seja uma nova era. Jesus conosco sempre.


CONCLUSÃO

“Vinde a mim todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo”. Jesus (Mateus, 11:28 a 30) “A caridade é a nossa abençoada tenda de luz, edificada em toda parte onde existe alguém que clama por auxílio e compreensão”. Bezerra de Menezes

F

raternidade, trabalhar além das diferenças, exercício cotidiano que nos cabe, a partir de nossas casas espíritas, ganhando a sociedade pelo exemplo, modificando os modelos de relacionamento interpessoal pela compreensão do próximo, pela sustentação dos vínculos


nos lares, pelo devotamento ao menos favorecido. O Espírito Meimei, através da mediunidade de Chico Xavier, ditou pequena sentença para orientar os trabalhadores da Seara Espírita, que reproduzimos: “Trabalha, ora em silêncio, esperando pela Providência Divina, pois Deus tem estradas onde o mundo não tem caminhos”. Trabalho espírita é trabalho de amor que se materializa, a exemplo de Jesus, na disposição sincera de estar com o outro, agindo com ele, em seu próprio ambiente, na mais efetiva demonstração de serviço ao próximo, quer seja nosso companheiro de lida espírita, quer seja frequentador de palestras, assistidos dos dois Planos – material e espiritual. Ao desempenharmos, pois, com seriedade e amor, nossas tarefas na casa espírita, sejam elas quais forem, estaremos cumprindo o que nos assevera o Espírito de Verdade em O Evangelho segundo o Espiritismo: “Em verdade vos digo: os que carregam seus fardos e assistem os seus irmãos são bem amados meus. Instruí-vos na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas e vos mostra o sublime objetivo da provação humana”. Que os ensinamentos e sugestões dos autores que colaboram com este projeto possam, pois, inspirar novas atitudes de real fraternidade em nossas casas espíritas e entre nós, independente da posição que ocupemos, do conhe-


cimento que detenhamos ou atĂŠ da falta dele, para que se cumpra a tarefa que nos foi incumbida pelo Mestre Jesus, de sermos reconhecidos por muito nos amarmos.



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