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união
31 - Grupo do MCV depois de entregar um abaixo-assinado em Brasília, 1978.
Sobre o Movimento Custo de Vida ver: MONTEIRO, Thiago William Nunes Gusmão. 'Como pode um povo vivo viver nesta carestia': o movimento do custo de vida em São Paulo (19731982). 2015. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.8.2016.tde-11032016132815.
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Entre as reivindicações do Clube de Mães, destaca-se a implantação de escolas e creches na periferia. Dentro deste movimento, a creche era uma necessidade para deixar as crianças, de forma a liberar a força de trabalho feminina. O trabalho é fundamental, não só como fonte de renda familiar, mas para autonomia das mulheres, pois permite a independência financeira, fator importante para a abertura de possibilidades nos casos comuns de violência doméstica; ou seja, a mulher deixa de ser subjugada ao homem financeiramente dentro de casa. O movimento feminista (em sua maioria mulheres de classe média com acesso à informação) também defendia na época a criação de creches, mas divergia do movimento das periferias quanto as motivações, que já eram relacionadas as questões de equidade de gêneros: o pai e a mãe têm responsabilidade pela criação dos filhos, assim como capacidade de trabalhar e prover renda para a família, com salários justos independente do gênero; as mulheres não nascem com vocação para serem mães e têm poder de escolha sobre isso. As creches até então eram vistas como abrigo de crianças “abandonadas” por mães que escolhiam trabalhar ao invés de cumprir uma obrigação construída e imposta pela sociedade patriarcal. Posteriormente, como consequência das reflexões do movimento feminista a ideia da creche passou a ser associada ao direito da criança à educação, à socialização e cuidados, considerando a maternidade como função social. (ROSEMBERG, 1984; TELES,2015)
32 - Arquivo Cedem de caderno de uma das mulhes do clube de mães.
Sobre os Clubes de Mães: SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo – 1970-80. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. DIAS, Luciana. Santo Dias: quando o passado se transforma em história / Luciana Dias, Jo Azevedo, Nair Benedicto. – 2. ed. – São Paulo: Fundação Perseu Abramo: Expressão Popular, 2019.
Era uma coisa muito boa sim, porque só do bate-papo, que isso me lembra a Lica – uma senhora do nosso grupo, ela dizia “onde vocês aprendem a falar tanta coisa”? E, quando a gente ia para os grupos e começava a conversar, era importante uma trazer a sua história e a outra trazer outra, então, a escola era ali; cada uma era a escola da vida, né?! E nessa escola da vida a gente aprendeu a fazer política, né?! Aprendeu a enfrentar a rua, enfrentar os maridos, enfrentar a polícia, até a parar de apanhar do marido! (Ana Maria do Carmo Silva, ex integrante do Clube de Mães do Jardim São Joaquim, In: AZEVEDO; BARLETTA, 2011, p. 140)
identificação
No campo cultural, o movimento Hip Hop, de origem nos centros urbanos dos Estados Unidos, chega ao Brasil por volta de 1980. A cultura Hip Hop tem quatro pilares: DJ (discotecagem), MC (rimas), Break e o Grafite. A dança foi o primeiro a chegar ao Brasil, por meio de filmes e clipes estadunidenses. Os passos de break influenciaram dançarinos de funk e soul que frequentavam os bailes Black, porta de entrada para os outros elementos; o RAP (a combinação da discotecagem, a batida, com os versos rimados) e o grafite. Os pontos centrais do movimento em São Paulo foram a Rua 24 de maio, o Largo São Bento e a Praça Roosevelt. Locais de encontro para as pessoas, residentes nas periferias, que trabalhavam na região central da cidade e onde passavam o intervalo de almoço. (GOMES, 2008)
Neste momento, o Brasil vivia uma época de crise econômica e informalização do trabalho. A Zona Sul de São Paulo era noticiada pela mídia como uma área degradada, pobre e perigosa: “o triângulo da morte” formado por Jd. Ângela, Jd. São Luís e Capão Redondo. Nesse contexto, as letras de autores da periferia narravam situações de pobreza, tráfico de drogas, cárcere, violência e morte. Em sua dissertação de mestrado, Eleilson Leite (2014) destaca a característica de narrativa dos RAPs produzidos, que incentivaram os jovens a uma criação poética e crítica, descrevendo a realidade local da periferia.
O grupo Racionais MC’s ganhou destaque na década seguinte e se tornou referência no cenário musical com composições do Mano Brown, um dos integrantes do grupo residente no Capão Redondo. O álbum “Sobrevivendo ao Inferno” (1997) foi a obra com maior alcance.
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Esse lugar é um pesadelo periférico Fica no pico numérico de população De dia a pivetada a caminho da escola A noite vão dormir enquanto os manos “decola” Na farinha... hã! Na pedra... hã! Usando droga de monte, que merda, hã! Eu sinto pena da família desses cara (...)Nas ruas áridas da selva Eu já vi lágrimas demais, o bastante pra um filme de guerra
Aqui a visão já não é tão bela... Não existe outro lugar... Periferia...Gente pobre...
Aqui a visão já não é tão bela... Não existe outro lugar... Periferia é periferia... (ROCK, Edy, 1997)
Livros também registravam o cotidiano e as vivências; Leite (2014) ressalta a obra “Capão Pecado” do autor Ferréz (2000) como uma “espécie de versão romanceada do RAP”. Outros autores publicaram depois, como Alessandro Buzo e Sacolinha. A divulgação desses RAPs e livros dentro do movimento Hip Hop contribui para o reconhecimento de uma mesma condição, desenvolvendo uma identidade coletiva associada ao pertencimento à periferia. O uso do termo nesse contexto é uma forma de legitimar a si mesmo e a sua produção, em reação e proteção à imagem figurada pela mídia e pelos grupos dominantes, tomando o lugar de enunciação para si. O Hip Hop impulsionou assim outras iniciativas que cresceram e tomaram força na periferia nos anos 2000. Além da produção em prosa, dois autores de poesia foram importantes para o movimento literário na região: Sérgio Vaz, que publicou seu primeiro livro de poesias “Subindo a ladeira mora a noite” em 1988; e Robinson Pardial, conhecido como Binho, que promoveu as “Noites da Vela” onde tocava em seu bar “músicas que não tocavam nas rádios”, desde 1995.
Ferréz é o escritor de “Capão Pecado”, compositor e cantor. Criou a 1daSul, marca de roupas e acessórios feitos na periferia, como geração de renda e utilização da moda como forma de identidade e expressão.
Em 2000, Sérgio Vaz e Marcos Pezão ocuparam pela primeira vez uma fábrica desativada no Taboão da Serra, com apresentações em várias linguagens artísticas. Depois disso, com a impossibilidade de utilizar esse espaço, começaram a fazer encontros a noite em bares às quintas-feiras para recitar e escutar poesias e consumir as comidas e bebidas vendidas. Em 2002, o Sarau mudou de local novamente, para o Bar do Zé Batidão (Jd. São Luís), onde ocorre até hoje, às quartas-feiras. O Binho também criou em seu bar no Campo Limpo um sarau em 2004, a partir das “Noites de Vela”, com recitação de poesias e músicas à noite. Ele já era conhecido como agitador cultural na região e o público do Sarau da Cooperifa passou a frequentar ambos os locais; assim como outros que surgiram depois, como Sarau da Vila Fundão no Capão Redondo; e não só na Zona Sul, mas também em outras regiões da cidade, formando uma rede articulada de produção e divulgação de ações e eventos culturais fora do circuito tradicional.
O sarau do Binho acontece no espaço Clariô de Teatro, no Taboão da Serra uma vez por mês. Promovem uma interação com as escolas com o projeto “Matéria Poética” de incentivo a literatura.
Outras obras publicadas de Sérgio Vaz são “Colecionador de Pedras” e “Antropofagia Periférica”.
O Sarau da Cooperifa tem até hoje a dinâmica de receber as pessoas no Bar do Zé Batidão; as que querem recitar um poema (de autoria própria ou não) se inscrevem numa lista. Os temas são diversos, e muitas vezes são manifestações e denúncias das condições e experiências cotidianas, ou protestos direcionados às pautas raciais, de classe, da educação e de gênero. Outras atividades que acontecem na Cooperifa são: a projeção de filmes na laje, a presença de uma biblioteca dentro do Bar e encontros de leitores e oficinas nas escolas públicas em busca de facilitar o acesso das crianças à leitura e ao pensamento crítico. (LEITE, 2014; TAVANTI, 2018) Diversas outras iniciativas e organizações do terceiro setor oferecem atividades na região, exercendo funções sociais, educacionais e culturais. Aqui destaco como exemplo o Bloco do Beco, que atua na região do Jd. Ibirapuera (Distrito Jd. São Luís), defendendo o acesso na perspectiva integrada da arte, cultura e educação. Oferece oficinas diversas para todas as idades (como capoeira, ballet, violão e percussão), possuem um local especial de brincadeiras para as crianças (brinquedoteca, biblioteca e ateliê), além da promoção do carnaval de rua junto aos grupos de samba da região. Participando dessas experiências fora do currículo escolar comum, as crianças e adolescentes criam noções de como interagir em grupo, desenvolvem um sentimento de valorização a si próprio e o desejo de serem reconhecidos como iguais na sociedade. Muitas vezes, são essas organizações que acolhem as crianças no contraturno e contribuem para o desenvolvimento de novas habilidades e a diminuição da violência e evasão escolar.
33 - Sérgio Vaz em visita a escola 34 - Sarau da Cooperifa