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universidade necessária e propedêutica

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Imagem (07) Esquina democrática sob lona cedida pelo MST, EREA Grande Porto, 2019 Acervo do Encontro

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universidade necessária e propedêutica

Darcy Ribeiro e Lina Bo Bardi

Na revisão bibliográfica, recorreu-se a autores que analisaram o cenário das instituições de ensino superior no Brasil e como elas se relacionaram com a cidade e sociedade, investigações entendidas como precedentes à compreensão da necessidade de uma escola complementar.

Sob o título “Universidade Necessária”, de 1969, portanto, sob o cenário de ditadura e guerra fria, o antropólogo, historiador e sociólogo, Darcy Ribeiro, dissertou sobre o papel da universidade no processo de desenvolvimento nacional, elaborando um preciso diagnóstico sobre os problemas da universidade na condição do subdesenvolvimento, e diante desse panorama, propôs um novo modelo universitário. Os movimentos estudantis da época foram um elemento presente na obra, como sentido de crise, de esgotamento dos regimes vigentes. Verificou-se que, tanto no Brasil, quanto nos demais países latino-americanos, houve a adoção de projetos de desenvolvimento subalternos aos países capitalistas, assim, Darcy aponta para a necessidade da adoção de um projeto de desenvolvimento autônomo como o único caminho para superar a miséria na américa-latina. Portanto, a partir da noção de crise da universidade, Darcy Ribeiro apontou um dilema: a universidade se mantém enquanto um instrumento da nossa modernização reflexa e não soluciona as crises apresentadas ou se transforma em um instrumento do nosso crescimento autônomo.

Ainda que decorridos mais de 50 anos da publicação, a obra é atual e permite a reflexão sobre a forma de acesso e a transmissão do conhecimento. São tratados os desafios dos tempos

presentes em um parâmetro de universidade-reflexo como meio de transformação social, e, nas palavras do autor:

Ser um guia na luta pela reestruturação de qualquer das universidades das nações subdesenvolvidas, sem o que estarão propensas a cair na espontaneidade das ações meritórias em si mesmas, mas incapazes de somarem-se para criar a universidade necessária. Poder converter-se em programas concretos de ação que considerem as situações locais, as possibilidades de cada país e, com a capacidade de transformar a universidade em agente de mudança intencional da sociedade. (DARCY RIBEIRO, 1969).

De acordo com o autor, para a compreensão da instituição de ensino como instrumento de transformação social, palco da ciência e do pensamento crítico, deve-se estabelecer uma comunicação desimpedida entre todos aqueles que possuam o desejo de formação intelectual e a instrumentalização técnica necessárias ao exercício da cidadania.

Evidencia-se, segundo Ribeiro, que uma universidade tanto pode desempenhar o papel de instrumento da consolidação da ordem social vigente como, em certas circunstâncias afortunadas, atuar na qualidade de órgão transformador desta mesma ordem. Nessa direção, as instituições de ensino que atuarem como simples guardiãs do saber tradicional só poderão sobreviver enquanto suas sociedades se mantiverem estagnadas, e, ainda, sob a compreensão de que a universidade já é uma estrutura que perpetua instituições sociais, faz-se necessária uma alternativa autônoma. Esta autonomia prescrita por Ribeiro para as universidades, ganha

forma quando se aproxima do “Sistema Tripartido”, com a organização da instituição dividida em institutos centrais, faculdades profissionais e órgãos complementares. Na definição do autor, o tripé fundamental é constituído por:

- Os Institutos Centrais são concebidos como entidades dedicadas à docência e à pesquisa nos campos fundamentais do saber humano;

- As Faculdades Profissionais são organizadas para receber estudantes que já tenham formação universitária básica e lhes oferecer cursos de treinamento profissional e de especialização para o trabalho; - Os Órgãos Complementares são instituídos para prestar serviços a toda a comunidade universitária e para pôr a universidade em contato com a sociedade global.

Este modelo universitário, pensado principalmente para a Universidade de Brasília (UNB), não foi executado, pois, à época, o país esteve sob uma ditadura militar que impediu sua implantação. Todavia, o diagnóstico sobre as universidades brasileiras e latino-americanas como perpetuadoras da ordem social junto à organização institucional, é levado adiante, no entendimento proposto para a escola ser uma unidade complementar às universidades.

Ainda prospectando a revisão bibliográfica sob o aspecto da metodologia de ensino no campo da arquitetura e urbanismo, a arquiteta brasileira nascida em Roma, Lina Bo Bardi, dispõe seus ideais no livro “Contribuição Propedêutica ao ensino da

Teoria da Arquitetura”, de 1957. De acordo com um diagnóstico descrito pela autora sobre a carência de autonomia e pensamento crítico dentro da graduação em arquitetura e seu ensino de teoria, há como alternativa proposta:

(...) acreditamos que seja oportuno estabelecer escolas de aperfeiçoamento para profissionais, espécies de cursos livres e sobretudo práticos que poderiam ser uma integração de grande utilidade. Estabelecer um método que possa sugerir como assenhorear-se dos instrumentos aptos à projeção de qualquer edifício, trata-se de escola ou estação, de estádio, arranha-céu ou galinheiro, tornase, pois, a condição necessária de um ensino eficiente. (LINA BO BARDI, 1957)

O pensamento de Lina se refere a um contexto relacionado a mecanização do conhecimento científico em detrimento da construção de saberes filosóficos. Desta forma, é colocada a adoção da metodologia da propedêutica junto a alternativas autônomas, como meio de superação dos saberes engessados.

Segundo a autora, o método propedêutico aplicado ao curso de arquitetura e urbanismo, seria o responsável pela construção de saberes empíricos e debates sociais que dão início à formação profissional dos agentes de cidade, de modo a promover a conquista da emancipação acadêmica dos moldes europeus e a criação de repertório próprio.

Lina escreve que o domínio dos espaços ocupados pelo homem real deve ser associado a uma coleta de dados que descrevam a sociedade atual, não ancorada a teorias históricas passadas como manuais. Deixando claro que, para ela, ética da

profissão se relaciona com a responsabilidade moral diante da sociedade e deve atendêla com espaços qualificados e duráveis. Desta forma:

A tarefa máxima da escola - explicitar claramente ao estudante que a imparcialidade histórica não é “conciliação”, que o “vanguardismo” chegou, hoje, à academia, que o internacionalismo não significa cosmopolitismo, não sendo a linguagem internacional abstrata que pode resolver os problemas, mas antes a consideração, baseada num método rigoroso, dos problemas reais que devem ser resolvidos com meios efetivos e não com os da crítica abstrata, trata-se, ou não, de interpretação espacial ou da forma; é necessário, pois, igualmente, esclarecer ao estudante que não será a “bela solução plástica” de um arquiteto bem dotado - ainda que grande artista - que nos poderá consolar quanto à existência das tristes moradias dos campos, das favelas e das choupanas. O arquiteto que sai da Escola tem a responsabilidade moral coletiva, como urbanista e como construtor, de se basear na indagação efetiva e nas necessidades reais de cada país. (LINA BO BARDI, 1957)

A preocupação educacional de Lina está relacionada a construção social de formação dos arquitetos como profissionais construtores de cidade e preocupados com a sociedade.

A partir da leitura e da reflexão apresentadas por Lina sobre a metodologia propedêutica, tem-se nessa direção, a possibilidade de aplicação na escola livre da cidade a metodologia semelhante como alternativa questionadora à ordem social vigente atrelada aos cursos livres, oferecendo disciplinas amplas e difusoras de conhecimento técnicocientífico, que auxiliem as demais instituições de ensino

Imagem (08) Desenho de observação da arquiteta Lina Bo Bardi para projeto de mobiliário fonte: livro - Lina Bo Bardi, 1993

na capacitação dos projetos de cidade.

Tanto Darcy quanto Lina, cada qual com sua especificidade, debruçaramse sobre o desempenho do papel da instituição de ensino como questionadora da ordem social, voltada a atuações construtivas no campo das artes e arquitetura. Experiências históricas se propuseram aos mesmos questionamentos e trouxeram propostas importantes que contribuem também com esta análise.

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