8 minute read

aproximações

Imagem (26) Detalhamento luminárias fonte:VERRI JÚNIOR 2001

06

Advertisement

aproximações

Para intervir no patrimônio moderno e respeitar a memória da cidade, elegeu-se dois exemplares que poderão dar suporte às interpretações e metodologias adotadas. São exemplares de relevância arquitetônica de projetos moderno e contemporâneo em preexistências. Serão, portando, analisados o Solar do Unhão e a Escola de Arquitetura LOCI Tournai.

Solar do Unhão, Lina Bo Bardi – Salvador, BA, 1960

“Tem por base o respeito absoluto por tudo aquilo que o monumento representa como poética dentro da interpretação moderna de continuidade histórica, procurando não embalsamar o monumento, mas integrá-lo ao máximo na vida moderna.” (BARDI, Lina Bo, 1963)

Lina Bo Bardi, de 1960 a 1964, projetou no conjunto de edificações chamado Solar do Unhão, localizados em Salvador, Bahia, constituído por casa-grande, engenho, senzalas e capela, datados do século XVI. A intervenção proposta foi realizada sob o conceito de atestar pela perenidade das construções, propondo as inserções de forma delicada com a inserção de novos elementos, e, simultaneamente, com precaução, mas com certo desprendimento, e fez com que o projeto viabilizasse o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM). A autora, que se referia ao trabalho como o Trapiche Unhão afirmava a importância da intervenção como conjunto e assim busca remarcar, nas suas decisões, cada um dos edifícios existentes acompanhados pelos espaços abertos. A ideia de conjunto é tão forte e imprescindível para a compreensão desse trabalho, que a arquiteta, após minuciosa análise das edificações, classificou-as por relevância, avaliou suas histórias e decidiu por eliminar o que localizou como os acréscimos desnecessários, tanto no fundo como nas laterais da igreja, tornando-a livre. Demole, também, um galpão contíguo ao mar, dando espaço a uma praça. Todas as subtrações, ou apagamentos, foram atitudes que buscaram a valorização da vista do conjunto. A “limpeza” do pátio proposta por Lina, objetivando imprimir continuidade e abertura adequadas à escala

pretendida para o conjunto foi a decisão mais significativa do projeto, ao lado da escada escultórica e poética, uma das mais lindas estruturas da história da arquitetura brasileira.

A entrada principal do museu se localiza ao centro do volume maior à sudeste, que corresponde ao eixo transversal do edifício, marcado por dois pilares, que o divide em dois lados idênticos ocupados por quatro pilares cada. A escada se localiza no centro do lado direito ao acesso, e marca o eixo longitudinal do edifício.

Ainda que tenha havido certa transformação após o projeto, a identidade do prédio foi mantida, mas recebeu o registro de uma arquitetura ancorada em seu tempo, caracterizada assim por uma arquitetura de contornos modernos. O protagonismo dos elementos utilizados é a escada instalada no interior do solar, com desenho escultórico, de formato helicoidal e planta quadrada, inserida num vão de quatro pilares existentes de madeira maciça. Há, de certa forma, a instalação de moderno elemento, detalhado pelo entendimento de como se encaixavam as madeiras dos carros de boi. Passado e presente coexistindo, erudição e cultura popular convivendo em harmonia.

Ainda sob a intervenção no conjunto, Lina, mantém os galpões industriais, que são edifícios não originários erigidos quase cem anos mais tarde e contíguos ao solar, que fazem com que a permanência deles possibilitasse uma narrativa do tempo. As decisões projetuais adotadas são extraídas do aprofundamento do entendimento das próprias edificações, sob caráter histórico, técnico e arquitetônico.

Com tal postura, Lina Bo Bardi acaba executando intervenções de grande vigor, capazes de estabelecer um contraponto a muitas intervenções em patrimônios nacionais, pautadas em uma compreensão da história carregada de imobilismo e passividade. Sua atitude, pelo contrário, afirma a necessidade do rompimento com esse panorama. Para ela, o projeto tem que ser capaz de respeitar as preexistências, tem que ser hábil ao inserir novas intervenções, além de ter que se mover ao mesmo tempo com precaução e desprendimento, transformando o passado, o presente e o futuro.

LOCI Tournai, Lacaton e Vassal, Bélgica, 2014

O escritório francês, Lacaton & Vassal, fundado em 1987, conduzido por Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal, estabelece como conceito de trabalho de arquitetura a ideia que, um edifício, um lugar ou o entorno têm valor e que o papel que a arquitetura deve desempenhar é o de apreciar, compreender e abraçar a pré-existência, agregando respeitosamente novo valor por meio de cada intervenção.

Os arquitetos foram os vencedores do prêmio Pritzker, em 2021, e são conhecidos pelo princípio de “nunca demolir” as edificações, explorando profundamente a noção de sustentabilidade incorporada ao equilíbrio de três pilares fundamentais: o econômico, o ambiental e o social. O corpo de jurados do Pritzker, ao analisar o conjunto da obra desses arquitetos, reconheceu sua “humildade na abordagem que respeita tanto os objetivos do projeto original, como as aspirações dos atuais ocupantes”, independentemente da escala do projeto, desde uma pequena praça em Bordeaux, como a “Place Léon Aucoc” (1996), cuja intervenção é de grande delicadeza, até uma galeria de arte contemporânea em Paris, como a “Palais de Tokyo” (2012-2014)

Lacaton (2021), em entrevista ao portal Archidaily comenta:

O pré-existente tem valor se você tomar o tempo e o esforço para analisá-lo cuidadosamente. Na verdade, é uma questão de observação, de se aproximar de um lugar com olhos frescos, atenção e precisão... para compreender os valores e as carências, e para ver como podemos mudar a situação, mantendo todos os valores do que já existe. (ANNE LACATON, 2021).

Imagem (29) Perspectiva da Escola de Arquitetura LOCI Tournai Acervo do escritório Lacaton e Vassal. 75

Além da trajetória conceitual adotada e aplicada pelos autores, elementos que motivaram os caminhos desse trabalho, Lacaton & Vassal, projetaram uma escola de arquitetura na condição de preexistência. É significativo registrar que ambos arquitetos são vinculados à docência, Anne Lacaton é professora no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, e Jean Philippe Vassal na Universidade de Berlim, e juntos, foram professores visitantes na Itália, França e Suíça.

Acerca desse projeto correlato, que se refere a uma requalificação e ampliação da escola de arquitetura LOCI, Tournai, localizada na Bélgica, o produto é fruto de um concurso de projetos que a dupla venceu em 2014, com 11.124,0m2 e pertence a Universidade Católica de Louvain, porém, o projeto ainda não foi construído. Na óptica dos autores, o conceito da escola de arquitetura é a de que deva ser um lugar extraordinário, direcionando a reflexão para o fato de que o espaço é pedagógico, estimulante e acolhedor. Para o desenvolvimento do projeto, fizeram uso da cultura das adaptações e imprimiram unidade nas várias e diversas edificações que compõem o conjunto projetado, próximas umas das outras, havendo, inclusive, um teatro e uma igreja. A justaposição das edificações criou uma escola atípica, que exigiu para o desenvolvimento do trabalho, a ideia de adaptação e apropriação permanentes entre as preexistências e possibilitando que as mesmas interagissem com a urbanidade, com o entorno, fazendo com que a escola de arquitetura fosse um espaço aberto à cidade, e o seu projeto, o primeiro laboratório (prático) da escola.

Imagem (30) Imagem de ocupação da Escola de Arquitetura LOCI Tournai Acervo do escritório Lacaton e Vassal.

Sob a premissa de que a escola devesse ser um lugar aberto e de debate sobre a cidade, o habitar, o ambiente, o clima, a ecologia, a economia e os seus usos, o projeto proposto foi uma consequência do próprio projeto das uniões das preexistências e da cidade, transformando o local fragmentado em um lugar único que pode se abrir e se conectar. Os autores tornaram o pavimento térreo da escola em uma extensão do espaço urbano, garantindo a continuidade da rua para o interior das edificações e criando porosidade em relação à vizinhança, por meio da transparência e emergindo a vida escolar para fora de seus limites.

Quando se deparou com a necessidade de se instalar novas estruturas ao projeto, os autores escolheram os sistemas pré-fabricados e materiais que favorecessem a montagem, ganhando tempo no desenvolvimento da obra.

Os dois projetos apresentados como correlatos, acompanhados das intenções projetuais dos seus respectivos autores, permitiram direcionar o projeto desse trabalho e seu desenvolvimento considerando-se, dentro das técnicas possíveis, a ideia de perenidade da construção. Essa permanência é acompanhada de critérios que propõem operações de inserções e apagamentos, sendo que as inserções buscaram formas delicadas e respeitosas na coexistência das informações históricas e da (pré) existência, e as subtrações ou apagamentos, naquilo que se pôde eliminar, classificandoos, elementos desnecessários e/ou anacrônicos. Essas ações poderão ser chamadas de “limpeza”, constituídas por subtrações ou apagamentos e que poderão imprimir a noção de sustentabilidade incorporada ao equilíbrio de três pilares fundamentais, que de acordo com Lacaton & Vassal, são o econômico, o ambiental e o social.

Buscou-se também que a proposta seja acompanhada por locais abertos, imprimindo continuidade dos espaços externos públicos aos internos, portanto, que a escola livre da cidade interagisse com a urbanidade, com o entorno, fazendo com que a escola se apresentasse como uma extensão da cidade, garantindo a continuidade da rua para o interior da edificação e criando porosidade. Premissa que valoriza o conceito de arquitetura em que um edifício, um lugar e o entorno têm valor e que o papel que a arquitetura deve desempenhar é o de apreciar e compreender essa vizinhança.

A partir desses dois exemplares, com os quais mais se pretendeu o entendimento do projeto na preexistência,

Imagem (31) Fotografia do Solar do Unhão Autor: Nelson Kon Imagem (32) Imagem do sítio do projeto Escola de Arquitetura LOCI Tournai Acervo do escritório Lacaton e Vassal.

que as soluções projetuais e de desenhos de forma pontuais. A atividade do projeto arquitetônico exige, inevitavelmente, uma série de outros referenciais que são as camadas de informações acumuladas nas aulas, vivências, bibliografias e viagens e não compõem o resultado de forma literal, mas como rondam o subconsciente dessa autora, e poderão constituir elementos que foram apropriados e podem se acomodar na proposta apresentada.

This article is from: