Capítulo
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Filtração Glomerular Antonio Carlos Seguro e Luis Yu
DETERMINANTES DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR
HIPERFILTRAÇÃO GLOMERULAR
FILTRAÇÃO GLOMERULAR POR NEFRO
MEDIDA DA FILTRACÃO GLOMERULAR
REGULAÇÃO HORMONAL DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
PERMEABILIDADE SELETIVA GLOMERULAR
ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET
Os rins recebem normalmente 20% do débito cardíaco, o que representa um fluxo sanguíneo de 1.000 a 1.200 ml/ min para um homem de 70-75 kg. Este alto fluxo é ainda mais significativo se considerado pelo peso dos rins, cerca de 300 gramas. Assim, o fluxo sanguíneo por grama de rim é de cerca de 4 ml/min, um fluxo 5 a 50 vezes maior que em outros órgãos. Este sangue que atinge o rim passa inicialmente pelos glomérulos, onde cerca de 20% do plasma é filtrado, totalizando uma taxa de filtração glomerular de 120 ml/min ou 170 litros/dia. Os estudos de micropunção mostraram que o líquido filtrado tem composição iônica e de substâncias cristalóides (glicose, aminoácidos etc.) idêntica ao plasma, porém sem a presença de elementos figurados do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas) e com quantidades mínimas de proteínas e macromoléculas, constituindo-se, portanto, em um ultrafiltrado do plasma.
onde K é o coeficiente de permeabilidade hidráulica do capilar glomerular; P é a diferença entre a pressão hidrostática do capilar glomerular (Pcg) e a pressão hidrostática do fluido da cápsula de Bowman, que é igual à pressão intratubular (PT); é a diferença entre a pressão oncótica do capilar glomerular ( cg), que é uma força que se opõe à ultrafiltração, e a pressão oncótica do fluido da cápsula de Bowman, esta última igual a zero, uma vez que este fluido é um ultrafiltrado, portanto, isento de proteínas. Assim, a equação pode ser estendida para:
DETERMINANTES DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR A passagem de água e moléculas através do capilar glomerular é governada pelas mesmas forças que atuam em qualquer outro capilar do organismo. Tomando-se um determinado ponto do capilar glomerular, o ritmo de ultrafiltração (Jv) neste local é dado pela equação: Jv K ( P )
Jv K (Pcg PT cg), onde Pcg PT cg é igual à pressão de ultrafiltração (Puf). Com a descoberta de uma raça mutante de ratos Wistar (ratos Wistar de Munique), que apresentam glomérulos na superfície renal, portanto, acessíveis à micropunção, foi possível fazer medidas diretas da pressão capilar glomerular e estimar todos os determinantes da ultrafiltração. Desta forma, a pressão capilar glomerular, em condições de hidropenia, tem um valor de 45 mmHg e se mantém praticamente constante ao longo do capilar glomerular. A pressão intratubular é em torno de 10 mmHg. A pressão oncótica no início do capilar glomerular é de 20 mmHg, sendo igual à pressão oncótica da artéria renal. À medida que vai havendo saída de água ao longo do capilar glomerular, aumenta a concentração de proteína intracapilar, traduzindo-se por uma pressão oncótica mais elevada (Fig. 3.1). A determinação direta da pressão oncóti-
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intermediário do capilar glomerular. A Fig. 3.2 mostra duas das infinitas possibilidades de valores da Puf na condição de equilíbrio.
Pontos-chave: • A pressão capilar glomerular é uma força que favorece a filtração glomerular • A pressão intratubular e a pressão oncótica do capilar glomerular são forças que se opõem à filtração • A filtração glomerular depende da permeabilidade do capilar glomerular
Fig. 3.1 Determinantes da pressão de ultrafiltração. Representação esquemática de um capilar glomerular. Pcg é a pressão hidrostática do capilar glomerular, constante ao longo de toda sua extensão. Pt é a pressão intratubular e cg é a pressão oncótica das proteínas do capilar glomerular, que aumenta progressivamente ao longo do capilar, à medida que a água vai sendo filtrada, concentrando-se as proteínas.
ca do capilar glomerular ao nível da arteríola eferente, através de ultramicrométodo, revela uma pressão em torno de 35 mmHg. A pressão de ultrafiltração pode, então, ser calculada em dois pontos: Puf no início do capilar glomerular 45 mmHg 10 mmHg 20 mmHg 15 mmHg. Puf no fim do capilar glomerular 45 mmHg 10 mmHg 35 mmHg 0 mmHg. A esta condição observada em ratos e macacos, em que a pressão de ultrafiltração chega a zero no fim do capilar glomerular, chama-se de equilíbrio de pressão de filtração. A pressão de filtração, nesta condição de equilíbrio, não pode ser calculada, pois poderia ser 0 em qualquer ponto
FILTRAÇÃO GLOMERULAR POR NEFRO Considerando-se a filtração glomerular de um único glomérulo (RFGn), pode-se escrever: RFGn Kf Puf onde Kf, o coeficiente de permeabilidade glomerular, é igual ao produto de k e S, sendo k o coeficiente de permeabilidade hidráulica do capilar glomerular, anteriormente descrito, e S é a área, ou superfície filtrante de todo o glomérulo. Vários estudos mostraram que a filtração glomerular por nefro nos ratos Wistar é altamente dependente do fluxo plasmático glomerular, isto é, o aumento do fluxo plasmático glomerular leva ao aumento da filtração glomerular por aumento da pressão de ultrafiltração, deslocando o ponto de equilíbrio para mais próximo do fim do capilar glomerular, como, por exemplo, na Fig. 3.2, levando da condição A para a condição B. Através de infusões endovenosas isoncóticas de plasma em ratos, pode-se aumentar o fluxo plasmático glomerular a níveis três vezes maiores que o normal, até um ponto em que a pressão oncótica não se iguala à pressão hidros-
Fig. 3.2 Equilíbrio da pressão de filtração. Em abscissa está representada a distância do capilar glomerular. Zero corresponde ao início do capilar, e 1, ao fim. Em ordenadas, os valores de pressão em mmHg. A diferença de pressão hidrostática (∆p) é praticamente constante ao longo do capilar. A diferença de pressão oncótica (∆π) aumenta progressivamente. A pressão de ultrafiltração (Puf) é representada pela área entre as duas curvas. Os gráficos A e B representam duas das infinitas possibilidades de valores de Puf em condição de equilíbrio de filtração. Em ambas (A e B), se iguala a P antes do fim do capilar glomerular.
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Filtração Glomerular
Fig. 3.3 Desequilíbrio da pressão de filtração. Nesta condição, como vemos, não se iguala a ∆P no fim do capilar glomerular, podendo-se calcular um único valor da pressão de ultrafiltração (Puf), correspondente à área entre as duas curvas.
tática no fim do capilar glomerular, como pode ser visto na Fig. 3.3. Nesta condição, denominada de desequilíbrio de pressão de filtração, induzida no rato, porém encontrada normalmente no cão, pode-se calcular a Puf e, conseqüentemente, o Kf. Valores calculados de Kf são da ordem de 0,08 nl/s mmHg. Tomando-se uma superfície média (S) de 0,0019 cm2 do glomérulo do rato, obtém-se um coeficiente de permeabilidade hidráulica (k) em torno de 42,1 nl/(s mmHg cm2) para o capilar glomerular, coeficiente este 10 a 100 vezes maior que qualquer outro capilar do organismo, o que permite ao capilar glomerular manter um alto ritmo de filtração, apesar de uma pressão de ultrafiltração baixa.
Pontos-chave: • A filtração glomerular depende do coeficiente de permeabilidade glomerular (k), da superfície da membrana filtrante e da pressão de ultrafiltração • O Kf é o produto do coeficiente de permeabilidade glomerular e a área filtrante • A permeabilidade do capilar glomerular é 10 a 100 vezes maior do que a de qualquer outro capilar do organismo • A filtração glomerular por nefro depende diretamente do fluxo plasmático glomerular
REGULAÇÃO HORMONAL DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR Alterações da perfusão vascular são em última análise mediadas pelas células musculares lisas através de contra-
ção ou relaxamento, ocasionando modificações do diâmetro dos vasos e da resistência vascular. Toda a vasculatura está alinhada sobre uma camada contínua de células endoteliais que previnem a ocorrência de trombose intravascular e atuam como barreira na difusão de solutos e fluidos através dos capilares. As células endoteliais são unidades metabólicas dinâmicas que possuem receptores e enzimas acopladas às suas membranas. Estas enzimas formam ou degradam substâncias vasoativas circulantes como a angiotensina II (enzima de conversão), bradicinina (cininase II), adeninonucleotídeos (nucleotidases) e endotelina (metalopeptidase). Estas células participam diretamente dos mecanismos contráteis e dilatadores através da resposta a vários estímulos, e também formando e liberando substâncias vasoativas. Entre os fatores relaxadores encontram-se o fator relaxador do endotélio (EDRF), identificado como o óxido nítrico e a prostaciclina; e entre os fatores contráteis, destacam-se a endotelina, tromboxane, angiotensina II e os radicais livres de oxigênio. Além dos efeitos vasculares, a angiotensina II e o hormônio antidiurético, in vitro, ligam-se às células mesangiais, causando contração destas células, pois elas possuem microfilamentos intracelulares contráteis. É possível que estes hormônios, in vivo, provoquem contração das células mesangiais, causando diminuição da superfície glomerular filtrante (S) e conseqüente redução do Kf e da própria filtração glomerular. Outros hormônios, como o hormônio da paratireóide e a prostaglandina E2, não agem diretamente sobre a célula mesangial, porém aumentam, via AMP cíclico, a síntese local de angiotensina II. Desta forma, o paratormônio pode reduzir a filtração glomerular por diminuição do Kf. A prostaglandina E2, apesar de aumentar o fluxo plasmático glomerular, não altera a filtração glomerular devido à diminuição do Kf, efeito este devido à liberação local de angiotensina II induzida pela prostaglandina. Os hormônios glicocorticóides no homem aumentam a filtração glomerular. Estudos em ratos Wistar mostraram que esta ação dos glicocorticóides se faz seletivamente por aumento do fluxo plasmático renal. O fator atrial natriurético promove vasodilatação renal com aumento do fluxo plasmático glomerular e conseqüente aumento da filtração glomerular. O óxido nítrico é produzido pelas células mesangiais e é importante na manutenção do fluxo plasmático renal e da filtração glomerular. O bloqueio da síntese de óxido nítrico aumenta a resistência das arteríolas aferente e eferente e diminui o Kf, causando queda da filtração glomerular. A filtração glomerular diminui com a infusão de endotelina1. A endotelina-1 contrai a célula mesangial, diminuindo o Kf, e aumenta proporcionalmente as resistências das arteríolas aferente e eferente, reduzindo o fluxo plasmático renal sem alterar a pressão capilar glomerular. Existem, portanto, várias evidências de que os hormônios têm um papel importante na regulação da filtração
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glomerular e podem também estar envolvidos nas alterações da filtração glomerular, observados em condições patológicas ou induzidas por drogas. O uso crônico da gentamicina induz queda da filtração glomerular. Estudos com ratos Wistar mostraram que esta queda ocorre principalmente devido à redução do Kf, efeito este que pode ser atenuado por ingestão de dieta rica em sal, ou pela administração crônica de captopril, situações estas que diminuem a geração de angiotensina II, sugerindo um papel deste hormônio na insuficiência renal aguda nefrotóxica causada por aminoglicosídeos. A ciclosporina diminui a filtração glomerular por nefro devido ao aumento das resistências das arteríolas aferente e eferente com diminuição do fluxo plasmático glomerular e do Kf. Em modelos experimentais de obstrução renal parcial, demonstrou-se que a filtração glomerular por nefro pouco se altera, embora ocorra queda do Kf, e esta é contrabalançada por aumento do gradiente de pressão hidrostática (∆P). Entretanto, se a síntese de prostaglandina for inibida pela indometacina, os valores da filtração glomerular por nefro no rim parcialmente obstruído caem intensamente, sugerindo que durante a obstrução ureteral parcial o efeito vasodilatador da prostaglandina antagoniza o efeito vasoconstritor simultâneo, provavelmente da angiotensina II. Experimentalmente, tem sido demonstrado que nas lesões glomerulares primárias há mediação da angiotensina II. O aminonucleosídeo puromicina, quando administrado em ratos, causa proteinúria, acompanhada por queda da filtração glomerular devido principalmente à diminuição do Kf, que pode ser parcialmente revertida pela infusão de um antagonista da angiotensina II (saralasina). Em resumo, a filtração glomerular é regulada por uma série de substâncias vasoativas sistêmicas ou localmente sintetizadas pelas células glomerulares, incluindo-se as células endoteliais e musculares lisas. A célula mesangial pode ser o alvo destas substâncias devido à sua capacida-
Pontos-chave: • A angiotensina II e o hormônio antidiurético promovem contração das células mesangiais e redução do Kf • A endotelina-1 e o bloqueio do óxido nítrico diminuem o Kf • O fator atrial natriurético aumenta o fluxo plasmático glomerular • Os glicocorticóides aumentam o fluxo plasmático glomerular • A gentamicina diminui o Kf • A ciclosporina diminui o fluxo plasmático glomerular e o Kf
de de contração, com conseqüente redução da área filtrante (S) e do Kf. Estes mecanismos reguladores podem estar afetados e contribuir para a queda da filtração glomerular observada em doenças renais.
PERMEABILIDADE SELETIVA GLOMERULAR Os capilares glomerulares permitem a passagem livre de pequenas moléculas como a água, uréia, sódio, cloretos e glicose; mas não permitem a passagem de moléculas maiores como eritrócitos ou proteínas plasmáticas. O capilar glomerular comporta-se como uma membrana filtrante contendo canais aquosos localizados entre as células e a membrana basal do capilar glomerular. Além destes componentes, as células epiteliais com seus podócitos também fazem parte desta barreira filtrante. Estima-se que o diâmetro desses canais varie entre 75 e 100 Å devido à permeabilidade seletiva que eles apresentam. Vários estudos foram feitos, tanto no homem como em animais, para se estudar a permeabilidade seletiva do capilar glomerular. A maioria destes estudos foram feitos utilizando-se macromoléculas, como o dextran, uma substância homogênea quanto à estrutura química e forma molecular, porém encontrado em tamanhos diferentes, os quais podem ser utilizados para o estudo da permeabilidade glomerular. O dextran, uma vez filtrado, não é reabsorvido nem secretado pelos túbulos renais. Pode-se comparar o clearance do dextran com o clearance de inulina, molécula pequena que é filtrada pelo rim, cuja concentração no fluido da cápsula de Bowman é a mesma do plasma, e também não é reabsorvida nem secretada pelos túbulos. Desta forma, a razão entre o clearance do dextran e o clearance de inulina é uma medida indireta da permeabilidade seletiva. Esta razão pode variar de 0 (zero), quando determinada molécula de dextran não é filtrada pelo rim, até 1 (um), quando a molécula atravessa livremente o filtro glomerular, como a inulina. A Fig. 3.4 mostra a variação do clearance fracional de dextran em função do raio da molécula. Verifica-se que não ocorre qualquer restrição à passagem de dextran com raio molecular até 20 Å (clearance fracional igual a 1). A partir deste valor, à medida que se aumenta o raio molecular, a molécula vai sendo menos filtrada pelo rim até se tornar impermeável (raio de 42 Å). Estes dados não explicam por que uma molécula como a albumina, de raio molecular de aproximadamente 36 Å, não é filtrada pelo rim, visto que uma molécula de dextran de mesmo raio ainda atravessa o filtro glomerular. Outros estudos mostraram que a permeabilidade glomerular não depende só do tamanho da molécula, mas também da forma, flexibilidade, e especialmente da carga
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Filtração Glomerular
Fig. 3.4 Em abscissa está representado o raio molecular e em ordenada o clearance fracional de dextran neutro (sem cargas elétricas). Como vemos, não existe qualquer restrição à filtração de moléculas com menos de 20 Å de raio. À medida que aumenta o tamanho da molécula, esta vai sendo menos filtrada até se tornar impermeável com 42 Å de raio. Por esta figura, vemos que moléculas de raio de 36 Å ainda seriam parcialmente filtradas (clearance fracional 0,2). (Adaptado de Brenner, B.M.)
elétrica. A Fig. 3.5 mostra as medidas do clearance fracional de dextran sulfato, portanto, com cargas negativas, em animais normais. Verifica-se que para moléculas de 18 Å de raio molecular ocorre certa restrição à filtração, que aumenta mais acentuadamente do que demonstrado na figura anterior, tornando-se impermeável para moléculas de 36 Å. Entende-se, então, o fato de a albumina ser pouco
Fig. 3.5 Nesta figura está representado o clearance fracional de dextran sulfato (carregado com cargas negativas) em função do raio molecular, em ratos normais (䊉) e ratos com nefrite por soro nefrotóxico — NSN — (䊊). Como vemos, nos ratos normais existe uma maior restrição à filtração de moléculas aniônicas, quando comparados ao dextran neutro (Fig. 3.4). Os animais com nefrite por soro nefrotóxico apresentam um maior clearance fracional de dextran aniônico do que os normais para qualquer raio molecular. (Adaptado de Brenner, B.M.)
filtrada, já que se trata de uma molécula aniônica, isto é, carregada com cargas negativas como o dextran sulfato. Esta maior barreira às moléculas aniônicas ocorre devido à presença de glicoproteínas carregadas negativamente, as sialoproteínas, que revestem todos os componentes do capilar glomerular, especialmente o endotélio, membrana basal e os podócitos. Este conhecimento é de grande importância na compreensão da proteinúria maciça, que ocorre na síndrome nefrótica. Vários estudos mostraram que a perda das cargas negativas da membrana glomerular pode ser a causa da proteinúria em algumas formas de glomerulonefrites. Na mesma Fig. 3.5, observando-se a curva do clearance fracional de dextran sulfato em ratos com nefrite por soro nefrotóxico, constata-se maior clearance fracional de dextran sulfato para qualquer raio molecular nos animais nefríticos quando comparados aos normais, sugerindo que as cargas negativas do filtro glomerular nos animais nefríticos podem estar diminuídas. Além disto, cátions polivalentes, como as protaminas, podem produzir alterações estruturais nos podócitos, semelhantes às observadas na síndrome nefrótica de lesões mínimas. É interessante notar que estas alterações produzidas pelas protaminas podem ser revertidas ou normalizadas experimentalmente pela administração de um ânion polivalente, como a heparina. Embora não haja um modelo definitivo quanto à natureza da barreira filtrante glomerular, muitos admitem que o endotélio atua como um filtro grosseiro que separa as células e controla o acesso ao filtro principal, a membrana basal. O epitélio se constitui em uma barreira adicional importante, podendo fagocitar macromoléculas que ultrapassarem a membrana basal. E finalmente, as células mesangiais que envolvem as alças capilares podem influen-
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ciar o fluxo plasmático e conseqüentemente a filtração glomerular devido às suas propriedades contráteis.
Pontos-chave: • A permeabilidade seletiva da barreira glomerular depende do tamanho, da forma e especialmente da carga da molécula • A albumina tem raio molecular de 32 Å e é muito pouco filtrada por se tratar de molécula aniônica • Nas glomerulonefrites a perda das cargas negativas da membrana glomerular aumenta a filtração de proteínas
Tem sido demonstrado que a redução da ingesta protéica retarda a deterioração da função renal nestas condições, assim como a hiperfiltração do diabetes pode ser normalizada com um tratamento adequado com insulina.
Pontos-chave: • Na redução de massa renal, no diabetes mellitus e no aumento da ingestão protéica ocorre hiperfiltração glomerular • O aumento do fluxo plasmático glomerular e da pressão capilar glomerular são os responsáveis pelo aumento da filtração glomerular por nefro
HIPERFILTRAÇÃO GLOMERULAR
MEDIDA DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR
A redução da massa renal, cirúrgica ou por lesão do parênquima renal, induz aumento da filtração glomerular dos nefros remanescentes, principalmente devido ao aumento do fluxo plasmático glomerular e do gradiente de pressão hidrostática (∆P). O aumento da filtração glomerular por nefro é tanto maior, quanto maior a redução da massa renal. A hiperfiltração glomerular é também observada em crianças e adultos jovens com diabetes mellitus e parece contribuir com o início e a manutenção da glomerulopatia freqüentemente encontrada na doença. Estudos em ratos com diabetes induzido pela administração de estreptozocin mostraram que estes animais apresentam aumento da filtração glomerular devido ao aumento do fluxo plasmático e da pressão capilar glomerular. Outro fator que pode levar ao aumento da filtração glomerular é a ingestão protéica. Ratos mantidos em dieta com 35% de proteínas apresentam filtração glomerular 70% maior que animais mantidos com apenas 6% de proteínas na dieta. Este efeito parece ser devido à vasodilatação renal induzida pelas proteínas ou aminoácidos. Há evidências recentes sugerindo que este efeito seja mediado via liberação de óxido nítrico. Vários estudos sugerem que a hiperfiltração leva, ao longo do tempo, à lesão glomerular com aumento da permeabilidade glomerular às macromoléculas aniônicas, resultando no aparecimento de proteinúria. Este aumento de proteínas no mesângio serve como estímulo para a proliferação das células mesangiais e maior produção de matriz mesangial, causando a glomeruloesclerose. A esclerose glomerular reduz ainda mais o número de nefros funcionantes, com conseqüente maior redução de massa renal, conduzindo a uma progressão inexorável para a insuficiência renal crônica terminal.
A quantidade de plasma filtrado por minuto pode ser determinada pela depuração plasmática de alguma substância livre no plasma, que não esteja ligada às proteínas plasmáticas, com diâmetro menor que 75 Å, sem cargas elétricas e que passe prontamente pela membrana capilar glomerular. Além disso, não deve ser reabsorvida, secretada ou metabolizada pelos túbulos renais. Uma destas substâncias é a inulina, que possui um diâmetro aproximado de 30 Å. Assim, a filtração glomerular pode ser avaliada pela medida da depuração ou clearance da inulina. Esta medida é feita após infusão endovenosa contínua de inulina, envolvendo as seguintes etapas, conforme o exemplo abaixo em seres humanos: 1) Medida do fluxo urinário (V) em ml/min: 1,0 ml/min 2) Medida da concentração urinária de inulina (Uin): 60 mg/ ml 3) Cálculo da quantidade de inulina excretada por minuto: Uin V 60 mg/ml 1,0 ml/min 60 mg/min Uma vez que toda a inulina alcançou os rins por filtração e não foi secretada, reabsorvida ou metabolizada pelos túbulos renais e a concentração plasmática de inulina (Pin) medida foi de 0,5 mg/ml, pode-se afirmar que 120 ml de plasma foram filtrados por minuto para haver uma excreção urinária (Uin V) de 60 mg/min, ou seja: 60 mg/min 5 mg/ml 60 mg/min 1 ml/0,5 mg 120 ml/min Desta forma, em 1 minuto, 120 ml de plasma e os solutos foram separados por ultrafiltração do sangue e das proteínas plasmáticas. Esta medida da filtração glomerular é o clearance de inulina, cuja fórmula é esta: Cin Uin V/Pin
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Filtração Glomerular
O resultado é expresso em ml/min/1,73 m2 de superfície corpórea, significando o volume de plasma no qual toda a inulina é retirada em 1 minuto. O clearance de inulina é muito utilizado para estudos experimentais e clínicos, porém é pouco utilizado na prática médica diária devido à necessidade de infusão plasmática contínua da inulina. Por esta razão, geralmente utiliza-se o clearance de creatinina, que é uma substância endógena e não necessita de infusão venosa, para avaliação rotineira da filtração glomerular. A creatinina não é um marcador ideal da filtração glomerular, pois existe uma pequena secreção tubular desta substância. Como outras substâncias endógenas do plasma interferem com a dosagem sérica de creatinina superestimando sua concentração plasmática, estes dois efeitos contrários acabam se compensando, o que faz com que o clearance de creatinina seja uma medida bastante razoável da filtração glomerular na clínica, exceto em pacientes com filtração glomerular muito baixa, situação na qual a secreção tubular de creatinina aumenta muito. Mais recentemente um outro composto endógeno, a cistatina C, tem-se mostrado promissor como marcador da filtração glomerular. A cistatina C é produzida por todas as células nucleadas e seu ritmo de produção é constante. A cistatina C é livremente filtrada pelo glomérulo e primariamente catabolizada pelos túbulos, de tal forma que como molécula intacta não é reabsorvida nem secre-
tada pelos túbulos. Os níveis plasmáticos da cistatina C já aumentam quando a filtração glomerular cai para 88 ml/min/1,73 m2, sugerindo que a medida da cistatina C sérica pode ser importante na clínica para se detectar a insuficiência renal inicial que acontece em uma série de doenças renais para as quais um tratamento precoce é crítico.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA BOIM, M.A.; TEIXEIRA, V.P.C.; SCHOR, N. Rim e compostos vasoativos. In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal. Atheneu 2000, p. 21-39. BRENNER, B.M. The Kidney., 6th ed. W.B. Saunders Company, 2000. COLL, E.; BOTEY, A.; ALVAREZ, L. et al. Serum cystatin C — a new marker for noninvasive estimation of glomerular filtration rate and as a marker for early renal impairment. Am. J. Kidney Dis., 36:29-34, 2000. STANTON, B.A.; KOEPPEN, B.M. Elements of renal function. In: Berne, R.M.; Levy, M.N. Physiology, 4th ed. Mosby, 1998, p. 677-698. VALTIN, H. and SCHAFER, J.A. Renal Function, 3rd ed. Little, Brown and Company, 1995, p. 41. ZATZ, R. Distúrbios da filtração glomerular. In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal. Atheneu, 2000, p. 1-20. ZATZ, R. Proteinúria. In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal. Atheneu, 2000, p. 41-55.
ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET www.renalnet.org