Capítulo
9
Metabolismo da Água Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly
MECANISMO DA SEDE
Manejo do paciente com hipernatremia
VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO) Mecanismo de ação do hormônio antidiurético (HAD) —
Linhas gerais Cálculo do déficit de água
aquaporinas OUTROS HORMÔNIOS
Tipo de fluido Ritmo de correção
Catecolaminas Hormônio tireoidiano Hormônios adrenocorticais Sistema renina-angiotensina MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA Considerações anatômicas Vascularização da medula renal Concentração da urina — mecanismo de contracorrente
Evolução EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO HIPOSMOLAR Causas de hiponatremia Pseudo-hiponatremia Redistribuição de água Intoxicação aguda pela água Hiponatremia crônica
Fluxo sanguíneo medular Papel da uréia no mecanismo de concentração
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA Diagnóstico
urinária Recirculação medular da uréia
TRATAMENTO DA HIPONATREMIA Linhas gerais
Diluição da urina DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA
Cálculo do excesso de água Tratamento da hiponatremia sintomática
DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO HIPEROSMOLAR
Ritmo de correção Complicações do tratamento
Causas de hipernatremia e estado hiperosmolar Hipernatremia com hipovolemia
EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hipernatremia com hipervolemia Hipernatremia com volemia aparentemente normal
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Manifestações clínicas de hipernatremia
No dia-a-dia, a ingesta de líquidos deve igualar-se às perdas através da respiração, suor, trato gastrintestinal e diurese.*1 Nos adultos, a água corresponde a 60% do peso *O termo diurese refere-se a um fluxo de urina maior do que o normal, isto é, superior a 1 ml/min no adulto; antidiurese refere-se a um fluxo urinário reduzido, geralmente inferior a 0,5 ml/min no adulto.
corporal, sendo a maior parte localizada no espaço intracelular. Para evitar que haja variações na osmolalidade plasmática, a qual é determinada principalmente pela concentração plasmática de sódio, devem ser feitos ajustes adequados na ingesta e excreção de água. Estes ajustes são realizados de forma mais significativa sobre o controle da sede,
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secreção do hormônio antidiurético (HAD) e mecanismos renais de conservação ou eliminação de água.1 Quando existe déficit de água no organismo, os rins participam de um sistema de retroalimentação com osmorreceptores e hormônio antidiurético, minimizando a perda de água. Já quando existe excesso de água no organismo, estes mecanismos se dirigem a uma maior excreção de água pelos rins. 2
MECANISMO DA SEDE Para equilibrar as perdas diárias de água, é necessário haver ingesta de líquido, que é regulada pelo mecanismo da sede. Sede é definida como o desejo consciente de ingerir água.2 Acredita-se que os estímulos para a sede se originam tanto no compartimento intracelular como no extracelular. A sensação de sede origina-se no centro da sede, localizado nas porções anterior e ventromedial do hipotálamo. Na verdade, os neurônios que compõem o centro da sede são especializados na percepção de variações de pressão osmótica do plasma, e por isso recebem a denominação de osmorreceptores. Um dos mais importantes estímulos para a sede é o aumento da osmolaridade do líquido extracelular, e o “limiar” para o surgimento da sede é em torno de 290 mOsm/L. Nesta situação, os osmorreceptores sofrem certo grau de desidratação, gerando impulsos que são conduzidos por neurônios especializados até centros corticais superiores, onde então a sede se torna consciente.2,3 Este mecanismo é ativado nas situações em que há aumento da osmolalidade do plasma, como no déficit de água e na administração de soluções hipertônicas cujos solutos não penetram nas células. Por sua vez, déficits no volume extracelular e na pressão arterial também desencadeiam a sede, por vias independentes das estimuladas pelo aumento da osmolaridade do plasma. Por exemplo, depleção do espaço extracelular (diarréia, vômitos) e a perda de sangue por hemorragia estimulam a sede mesmo sem haver modificação na osmolaridade do plasma. O mecanismo para que isto ocorra está relacionado ao estímulo de barorreceptores, que são receptores de pressão existentes na circulação torácica.2 Um terceiro importante estímulo à sede é a angiotensina II. Fitzsimons acredita que a angiotensina e outras substâncias vasoativas atuem em estruturas vasculares periventriculares (seriam receptores mecânicos da sede no cérebro), reduzindo o volume vascular a esse nível e causando sede.4 Como a angiotensina II também é estimulada pela hipovolemia e baixa pressão arterial, seu efeito sobre a sede auxilia na restauração do volume sanguíneo e pressão arterial, juntamente com as ações renais da angiotensina II, reduzindo a excreção de fluidos.2 Alguns outros fatores influenciam a ingesta de água. Por exemplo, a falta de umidade da mucosa oral e do esôfago
desencadeia a sensação de sede. Nesta situação, a ingestão de água pode provocar alívio imediato da sede, mesmo antes de ter havido absorção da água no trato gastrintestinal ou qualquer modificação na osmolaridade do plasma. Porém este alívio da sede é de curta duração, e o desejo de ingerir água só é efetivamente interrompido quando a osmolaridade plasmática ou o volume extracelular retornarem ao normal. De modo geral, a água é absorvida e distribuída no organismo cerca de 30-60 minutos após a ingestão. O alívio imediato da sede, apesar de temporário, é um mecanismo que impede que a ingestão de água prossiga indefinidamente, o que levaria ao excesso de água e diluição excessiva dos fluidos corporais. 2 Estudos experimentais demonstram que os animais não ingerem quantidades de água superiores às necessárias para restaurar a osmolaridade plasmática e volemia ao normal.2 Já em humanos, a quantidade de água ingerida varia de acordo com a dieta e a atividade do indivíduo, e em geral é excessiva em relação às necessidades diárias. Esta ingestão excessiva, que não é induzida por um déficit de água e cujo mecanismo é desconhecido, é extremamente importante, pois assegura as necessidades futuras do indivíduo. Habitualmente, a sede e a ingesta líquida representam uma resposta normal a um déficit de água. Isto é o que ocorre nos exemplos já mencionados, de vômitos, diarréia, diabetes insipidus, diabetes mellitus, hipocalemia, hipercalcemia etc. No entanto, em algumas situações, o paciente tem sede, mas não há um déficit de água. Este estado patológico pode ser devido à irritação contínua dos neurônios da sede por tumor, trauma ou inflamação, ingestão compulsiva de água, hiper-reninemia etc. Hipodipsia (diminuição ou ausência de sede) é usualmente causada por tumor (p.ex., craniofaringioma, glioma, pinealoma ectópico etc.) ou trauma. Além de afetarem o centro da sede, estes exemplos podem também ocasionar lesão do sistema supra-óptico-hipofisário, causando diabetes insipidus, o que agrava o déficit de água e dificulta o manejo clínico.
VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO) O hormônio antidiurético (HAD) interage com porções terminais do nefro, aumentando a permeabilidade destes segmentos à água, desta forma aumentando a conservação da água e a concentração urinária. Além do aumento da permeabilidade à água nos túbulos coletores, o HAD tem uma importante participação na recirculação da uréia entre o ducto papilar e a porção fina ascendente da alça de Henle, pois aumenta a permeabilidade do ducto coletor à uréia, e este mecanismo auxilia na manutenção da hipertonicidade da medula renal.5
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O HAD é um hormônio sintetizado no hipotálamo por grupos de neurônios que formam os núcleos supra-óptico e paraventricular, próximos ao centro da sede. Após a síntese, este decapeptídio (arginina-vasopressina em humanos) é armazenado em grânulos e transportado ao longo dos axônios, em direção à neuro-hipófise (lobo posterior da hipófise). No interior dos grânulos, o hormônio forma um complexo com uma proteína chamada neurofisina A ou neurofisina II. Parte destes grânulos pode ser liberada rapidamente, através de exocitose, enquanto os demais serviriam de estoque.3 A liberação deste hormônio está condicionada a estímulos, que podem ser osmóticos ou não-osmóticos. O estímulo osmótico refere-se a uma alteração da osmolalidade. Quando ocorre déficit de água no organismo, há um aumento na osmolalidade, reduzindo o volume das células por desidratação celular* (inclusive das células dos núcleos supra-óptico e paraventricular), estimulando assim a liberação do HAD. É necessário ressaltar que os osmorreceptores são estimulados apenas por variações reais da tonicidade plasmática, isto é, por solutos que não atravessam as membranas. Solutos que atravessam as membranas celulares, como a uréia (e glicose nas células cerebrais), não aumentam a secreção de HAD.5,6 Por outro lado, quando há excesso de água no organismo, a hiposmolalidade que se estabelece inibe a liberação do hormônio antidiurético. Tudo indica que a alteração do volume celular altera a atividade elétrica dos neurônios dos núcleos hipotalâmicos, afetando assim a liberação de vasopressina. A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser apreciada na Fig. 9.1. Observem que, à medida que aumenta a osmolalidade plasmática, aumenta a concentração plasmática de HAD (Fig. 9.1 A). Com pressões osmóticas plasmáticas superiores a 280 mOsm/L (limiar osmótico) a concentração plasmática de HAD aumenta de modo linear com a pressão osmótica. Mesmo com variação de 1 mOsm ou menos, a secreção de HAD varia.3,7 A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser ainda melhor avaliada quando se examina a relação entre o HAD plasmático e a osmolalidade urinária. Observem na Fig. 9.1 B que, para cada aumento de uma unidade na concentração plasmática de HAD, a osmolalidade urinária aumenta em média 25 mOsm/kg. Isto significa que pequenas alterações na osmolalidade plasmática são rapidamente seguidas por grandes alterações na osmolalidade urinária. Assim sendo, uma alteração na osmolalidade plasmática de 1 mOsm/kg normalmente acarreta uma alteração na osmolalidade urinária de 95 mOsm/kg. Isto é muito importante, permitindo que o organismo altere rapidamente o volume urinário, compensando a variação na *O termo desidratação é empregado aqui para indicar um déficit isolado de água. V. Cap. 10 para miores detalhes sobre a conotação genérica do termo desidratação.
ingesta líquida e mantendo, assim, a água total constante. Desta forma, a tonicidade da água total do organismo é preservada dentro de uma estreita margem, cujo limite superior é regulado pelo osmorreceptor da sede, e o inferior, pelo osmorreceptor do HAD. Dentro destes limites (280-294 mOsm/kg), a tonicidade da água total ainda é regulada por ajustes na excreção de água livre (v. a seguir) controlada pelo HAD. A liberação de ADH pode ser desencadeada por estímulos não-osmóticos, entre os quais destacamos: diminuição da pressão arterial; diminuição da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias pulmonares; dor, náusea, hipóxia, hipercapnia, hipoglicemia, ação da angiotensina, estresse emocional; aumento da temperatura do sangue que perfunde o hipotálamo e drogas: colinérgicas e betadre-
Fig. 9.1 A. Representação esquemática dos efeitos de pequenas alterações na osmolalidade plasmática sobre os níveis plasmáticos de vasopressina. B. Repercussões de alterações na vasopressina plasmática sobre a osmolalidade urinária. Ver texto para interpretação da figura. (Obtido de Robertson, B.L. e col.6)
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nérgicas (acetilcolina e isoproterenol, respectivamente), morfina, nicotina, ciclofosfamida, barbitúricos etc.2,7 Entre os estímulos não-osmóticos para a liberação do HAD, estão os provenientes de áreas onde se encontram receptores de pressão (barorreceptores): seio carotídeo, átrio esquerdo e veias pulmonares. Eles respondem a variações da pressão sobre a parede do órgão receptor, emitindo impulsos nervosos que modulam a liberação hipotalâmica de HAD. Quando há uma menor tensão na parede do órgão, há transmissão de estímulos para a liberação central de HAD. Isto pode ocorrer, por exemplo, na contração do volume extracelular ou volume circulante efetivo e hipotensão arterial.8 Ao contrário, uma inibição não-osmótica da liberação de ADH ocorre quando há: aumento da pressão arterial, aumento da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias pulmonares, diminuição da temperatura do sangue que perfunde o hipotálamo e uso de algumas drogas (norepinefrina, clonidina, haloperidol, difenil-hidantoína, álcool).2
O HAD é o principal hormônio atuante na regulação da excreção de água. No entanto, outros hormônios afetam a excreção de água, como veremos na seção seguinte.
Mecanismo de Ação do Hormônio Antidiurético (HAD) — Aquaporinas
Catecolaminas
O HAD modifica a membrana luminal das células principais dos túbulos distal final e coletor, causando aumento da permeabilidade à água. O HAD interage com receptores específicos da superfície (receptores V1 e V2), localizados na membrana basolateral. Esta interação produz efeitos sobre o cálcio e o AMPc intracelulares, que por sua vez modificam a permeabilidade da membrana luminal à água. O receptor V1 existe também no músculo liso vascular, sendo responsável pelo efeito vasoconstritor do HAD, que por isto também recebe o nome de vasopressina.5,7 Recentemente, foi evidenciada a existência de uma família de proteínas de membrana que exercem a função de canais de água em tecidos transportadores de fluidos (por exemplo, no cristalino, nos túbulos renais, etc).3,9 Estes canais de água são hoje conhecidos como aquaporinas. Até o momento, já foram identificadas cinco aquaporinas que se expressam nos rins (AQP 1, 2, 3, 4 e 6).10 Nas células principais dos túbulos distais e ductos coletores, está presente a aquaporina 2, que é um canal de água sensível ao HAD. Na presença de HAD, o receptor V2 é estimulado e ativa a adenil ciclase e o AMP cíclico. Com isto, vesículas específicas no citoplasma se movem e se fundem com a membrana apical (luminal). Estas vesículas contêm a aquaporina 2, que, uma vez inserida na membrana luminal das células principais dos túbulos distais e coletores, permite a passagem de água para dentro da célula.11 No bordo basolateral das células principais, estão presentes as aquaporinas 3 e 4, que permitem o transporte de água de dentro da célula para o interstício, porém neste ponto sem a participação do HAD.5 As aquaporinas 1 e 6 estão relacionadas à absorção de água, mas em outros segmentos tubulares, também sem dependência do HAD.10
Pontos-chave: • A sede e a liberação de HAD são desencadeadas por um aumento da osmolalidade plasmática e têm por objetivo manter a osmolalidade estável • No rim, o HAD ativa a fusão de canais de água (aquaporina 2) com a membrana luminal dos túbulos coletores, permitindo a reabsorção de água
OUTROS HORMÔNIOS
As catecolaminas afetam a excreção de água através de um mecanismo intra-renal e outro extra-renal. No mecanismo intra-renal, os agentes adrenérgicos alteram a resposta da membrana tubular renal ao HAD. Assim, os agonistas alfadrenérgicos tipo norepinefrina causam aumento do volume urinário, por diminuírem o efeito do HAD sobre a permeabilidade da membrana tubular renal à água. Já a estimulação betadrenérgica aumenta a permeabilidade tubular à água, causando diminuição do volume urinário.12 No mecanismo extra-renal, a ação das catecolaminas se faz através de alterações na liberação de HAD, como já mencionado. Várias outras substâncias vasoativas (angiotensina II, prostaglandina E1, nicotina) têm efeitos sobre os barorreceptores atriais, alterando a liberação de HAD.
Hormônio Tireoidiano Sabe-se que pacientes hipotireóideos têm comprometida a sua capacidade de excretar uma carga de água. Por outro lado, são desconhecidos os mecanismos pelos quais o hormônio tireoidiano facilita a excreção de água. Uma das hipóteses é a de que o hormônio tireoidiano altera a sensibilidade do túbulo renal ao HAD. Há evidência de que a maioria dos pacientes com hipotireoidismo e hiponatremia têm elevada concentração plasmática de HAD. Como o hipotireoidismo cursa com débito cardíaco habitualmente diminuído,13 nestes casos a liberação de HAD pode estar sendo estimulada pela redução associada do volume arterial efetivo. Também se encontrou queda da taxa de filtração glomerular nestes pacientes, o que é revertido com a terapia hormonal apropriada.14
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Metabolismo da Água
Hormônios Adrenocorticais Na insuficiência adrenal, pode ser observado um comprometimento na excreção de água, cuja causa não está esclarecida. Alguns autores acreditam que a deficiência de glicocorticóides seja responsável pela deficiente excreção de água. Segundo eles, a deficiência de glicocorticóides produziria alguns efeitos hemodinâmicos sistêmicos (taquicardia, diminuição do volume sistólico), e estas alterações estimulariam o mecanismo barorreceptor de estímulo ao HAD, causando retenção de água. Também tem sido investigada a participação da deficiência dos mineralocorticóides na diminuição da excreção de água existente na insuficiência adrenal. Acredita-se que os mineralocorticóides influenciam a secreção de HAD indiretamente, pois ao manter o volume extracelular evitam a liberação nãoosmótica de HAD observada na depleção de volume.
Sistema Renina-Angiotensina O sistema renina-angiotensina também participa no controle da secreção de HAD, principalmente quando a osmolalidade plasmática está aumentada. A angiotensina estimula a liberação de HAD e aumenta a sensibilidade do sistema de osmorregulação.8
MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA O tremendo progresso nesse campo deve-se basicamente à aplicação de técnicas de micropuntura in vivo no rim de mamíferos, principalmente o rato, e mais recentemente pelo avanço da biologia molecular. Para que seja mantida a homeostase do organismo, é necessário que o rim apresente a capacidade de variar o volume urinário de modo a reter ou eliminar água, ou seja, concentrar ou diluir a urina. Diariamente o organismo humano necessita eliminar produtos tóxicos resultantes do metabolismo (p.ex., uréia, ácidos orgânicos) e solutos em excesso (sódio, potássio, cálcio, magnésio). A média diária a ser eliminada é de cerca de 750 mOsm/dia. Com a ingestão usual de água (2-2,5 L/dia), a osmolaridade urinária encontra-se entre 400 e 450 mOsm/L, o que requer um volume urinário de 1,5 litro/dia. Caso a ingestão de água seja deficiente, a osmolaridade da urina pode subir até 1.300 mOsm/L, e então o volume urinário vai variar correspondentemente, da seguinte forma: 750 mOsm a serem eliminados osmolaridade de 1.300 volume urinário de 0,6 litro.3 Esta variação decorre do efeito do HAD, conforme já discutido, causando a reabsorção de água no ducto coletor. Da mesma forma, a capacidade de diluir a urina é importante para que o organismo elimine excessos de água. Isto é obtido através da redução da osmolaridade da urina até valores como 50 mOsm/L.3
Para melhor compreensão dos mecanismos de concentração e diluição da urina, vale a pena relembrar alguns conceitos anatômicos.
Considerações Anatômicas Como sabemos, cada nefro (unidade funcional básica do rim) é constituído pelo glomérulo e por uma formação tubular longa, onde os sucessivos segmentos apresentam diferentes características quanto a estrutura e função. Em sua maior parte, os nefros são superficiais, contendo alças de Henle curtas e sem ramo ascendente delgado. Os nefros restantes são justamedulares, e seus glomérulos estão situados próximo à junção corticomedular, possuindo longas alças de Henle com ramo ascendente delgado (Fig. 9.2). Os trabalhos experimentais mostraram que o transporte de água e solutos no nefro distal ocorre em pelo menos cinco segmentos morfologicamente distintos: a) Ramo ascendente espesso da alça de Henle; b) Mácula densa; c) Túbulo contornado distal; d) Ductos coletores corticais e e) Ductos coletores papilares. O ramo ascendente espesso da alça de Henle estendese da medula externa até a mácula densa. Este segmento reabsorve NaCl através de uma membrana impermeável à água, elaborando, portanto, um líquido hipotônico. A mácula densa é um segmento mais curto, cujas células parecem agir como sensoras no mecanismo regulador do feedback túbulo-glomerular (v. Cap. 10). Na mácula densa, inicia-se o túbulo contornado distal. O túbulo distal clássico sempre foi considerado como o segmento que se estende da mácula densa até a junção com
Fig. 9.2 Relação dos vários segmentos do nefro com o córtex e a medula renal.
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outro túbulo distal. Recentemente, foi mostrado que este segmento, na verdade, está formado por dois segmentos distintos: segmento proximal, cujo epitélio é similar ao do ramo ascendente espesso, e segmento distal (também denominado túbulo coletor), cujo epitélio é similar ao do ducto coletor cortical15 (v. também Cap. 1). O segmento distal (túbulo coletor) do túbulo contornado distal só responde à ação do hormônio antidiurético em algumas espécies de animais. Já o segmento cortical do ducto coletor tem uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e uma permeabilidade baixa na ausência deste. A permeabilidade à uréia do segmento cortical do ducto coletor é baixa, mesmo na presença de HAD. O segmento medular interno-papilar do ducto coletor tem uma permeabilidade à uréia mais alta que a do segmento cortical e, na presença de HAD, ela aumenta mais. A permeabilidade deste segmento medular interno-papilar à água é alta na presença de HAD e baixa na ausência deste.
Vascularização da Medula Renal A medula renal pode ser dividida em: a) Medula externa, com uma faixa externa e outra interna (a faixa externa é também conhecida como zona subcortical), e b) Medula interna (v. Fig. 9.2). O sangue chega à medula renal através das arteríolas eferentes de glomérulos justamedulares. Estes vasos dividem-se na zona subcortical para formarem os vasa recta arteriais, que atravessam a medula em feixes em forma de cone e, às vezes, deixam estes feixes para suprirem um plexo capilar adjacente. Os plexos capilares são drenados por vasa recta venosos que entram num destes feixes e ascendem até a base do cone, na zona subcortical (Fig. 9.3). No rato, uma secção transversal da medula externa mostra três zonas concêntricas: a) área central, contendo vasa recta arterial e venoso; b) anel periférico, contendo vasa recta venosos e a maioria dos ramos descendentes das alças de Henle, e c) por fora do anel, o ramo ascendente da alça de Henle, ducto coletor e plexo capilar.16 Acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o líquido absorvido dos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. O fluxo de plasma na parte terminal dos vasa recta ascendentes é maior que o fluxo de plasma na entrada dos vasa recta descendentes, e esta diferença é igual ao ritmo de absorção de líquido do segmento descendente da alça de Henle e do ducto coletor. Isto é necessário, pois não se conhece nenhuma outra via pela qual a água reabsorvida possa chegar da medula à circulação sistêmica.
Concentração da Urina — Mecanismo de Contracorrente Recorde-se que são 180 litros de líquido filtrados pelos rins diariamente e que apenas 1,5 litro é excretado na urina. Isto
Fig. 9.3 Esquema da estrutura da medula renal no rato (zona interna e zona externa). VRA = vasa recta arteriais; VRV vasa recta venosos; RD ramo descendente da alça de Henle; RA ramo ascendente da alça de Henle; DC ducto coletor. (Modificado de Kriz, W. e Lever, A.F.16)
significa que, num adulto, aproximadamente 100 ml de filtrado glomerular chegam aos túbulos proximais a cada minuto. A maior parte da água filtrada (60 a 70%) é reabsorvida no túbulo contornado proximal, acompanhando a reabsorção de NaCl. Portanto, neste segmento a absorção de água é passiva. Cerca de 10% são reabsorvidos na pars recta do túbulo proximal pelo mesmo mecanismo. No ramo descendente delgado da alça de Henle, ocorre a reabsorção (10 a 15%) de água livre (sem soluto), devido ao gradiente osmótico existente entre o túbulo e o interstício medular. Este gradiente osmótico se estabelece graças a um sistema de contracorrente multiplicador (v. a seguir). O restante é reabsorvido nos ductos coletores, sob a influência do hormônio antidiurético. O líquido que atinge o túbulo contornado distal é sempre hipotônico e a eliminação de urina concentrada ou diluída depende da reabsorção de água nos ductos coletores. Foi observado inicialmente, em vários mamíferos, que o grau de concentração urinária por eles alcançado estava relacionado com o comprimento do segmento delgado das alças de Henle. Posteriormente, comprovou-se que apenas mamíferos e alguns pássaros podiam elevar a concentração de urina acima da do plasma e que estes animais possuíam alças de Henle medulares (portanto, longas). Este fato sugeriu que a concentração de urina deveria ocorrer no interior das alças de Henle.
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A hipótese do sistema de contracorrente multiplicador para explicar a concentração de urina ao longo dos túbulos foi sugerida em 1942 por Werner Kuhn, baseada na configuração em U da alça de Henle. Ele observou que, devido a esta configuração, o líquido tubular fluiria em ramos adjacentes, mas em direções opostas. Sendo um físico-químico familiarizado com termodinâmica, ele sabia que um fluxo contracorrente poderia estabelecer grandes gradientes de temperatura ao longo do eixo longitudinal de canais adjacentes, enquanto são pequenos os gradientes de temperatura entre canais transversais (v. Fig. 9.5).17 Transportando estes princípios para a pressão osmótica, ele imaginou que pequenas diferenças na concentração de solutos entre os dois ramos da alça de Henle poderiam resultar em grandes diferenças de concentração ao longo dos túbulos. Além do mais, ele achou que estas grandes diferenças de concentração poderiam ser transmitidas ao interstício que cerca os túbulos, criando assim um aumento progressivo na concentração de soluto, paralelo aos túbulos. Haveria necessidade, no entanto, de três fatores básicos para que o sistema de contracorrente multiplicador funcionasse: a) fluxo contracorrente (proporcionado pela alça de Henle); b) diferenças de permeabilidade entre os túbulos (o ramo ascendente é praticamente impermeável à água), e c) uma fonte de energia (atualmente atribuída ao transporte ativo de cloro no ramo ascendente espesso).
Na presença destes elementos, o líquido tubular seria concentrado da seguinte maneira (Fig. 9.4): 1. No segmento espesso ascendente da alça de Henle, há uma reabsorção ativa de cloro. Esta reabsorção ativa cria uma diferença transtubular de potencial elétrico, que é responsável pela remoção passiva de sódio. 2. O segmento ascendente espesso tem uma baixa permeabilidade à água, o que permite que o fluido tubular neste segmento se torne hiposmótico em relação ao do interstício. No entanto, a uréia permanece no interior do túbulo, pois este segmento tem uma permeabilidade baixa à uréia. 3. No ducto coletor cortical já existe ação do HAD, e, na presença deste, a água é reabsorvida, tornando o líquido tubular isosmótico com o sangue. A permeabilidade deste segmento à uréia é baixa, e, com a perda de água, a concentração intraluminal de uréia aumenta ainda mais. 4. Na medula externa, o interstício hiperosmolar (osmolalidade determinada em parte pela reabsorção de NaCl no segmento ascendente espesso) retira mais água do líquido tubular, aumentando ainda mais a concentração de uréia. 5. Na medula interna, tanto a água como a uréia são reabsorvidas do ducto coletor na presença do HAD. Este
Fig. 9.4 Sistema de contracorrente multiplicador.* O diagrama mostra os ramos descendente e ascendente da alça de Henle, o túbulo distal e o ducto coletor. O contorno mais espesso do ramo ascendente da alça de Henle indica que este ramo é impermeável à água. 1. Reabsorção ativa de cloro e passiva de sódio, mecanismo que dilui o líquido tubular e torna o interstício medular hiperosmótico. 2. No segmento distal (túbulo coletor) do túbulo distal (em algumas espécies de animais) e 햴 no ducto coletor, ocorre reabsorção de água através de um gradiente osmótico. A presença de HAD (v. texto) facilita este transporte passivo. Com a reabsorção de água, ocorre concentração intratubular da uréia. Na medula interna, a água e a uréia são reabsorvidas. 3. O acúmulo da uréia no interstício medular cria o gradiente osmótico para a reabsorção passiva de água no ramo descendente da alça de Henle 햵 e, assim, concentra o NaCl no ramo descendente da alça de Henle. O tamanho das letras dos solutos indica-lhes a concentração relativa. *Baseado na hipótese de Stephenson19 e Kokko e Rector.20
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segmento (medular interno do ducto coletor) tem uma permeabilidade mais alta à uréia do que o segmento cortical do ducto coletor; esta permeabilidade aumenta mais na presença de HAD. Este segmento apresenta uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e baixa na sua ausência. 6. O cloreto de sódio e a uréia no interstício exercem uma força osmótica para retirar água do segmento delgado descendente da alça de Henle. Este segmento é relativamente impermeável a uréia e NaCl. Esta perda de água faz aumentar a concentração de NaCl no ramo descendente delgado, de tal forma que, na curva da alça, a concentração de NaCl será maior no interior do túbulo do que no interstício. No entanto, o líquido tubular a esse nível é isosmótico com o interstício papilar, cuja concentração total de soluto está na maior parte constituída pela uréia. 7. Quando líquido tubular atingir o ramo ascendente delgado da alça de Henle (segmento impermeável e permeável ao NaCl), o NaCl passará passivamente para o interstício (devido ao gradiente de concentração). Como a permeabilidade deste segmento é mais alta para o NaCl do que para a uréia, o NaCl sai do túbulo para o interstício mais rapidamente que a uréia quando esta passa do interstício para o interior do túbulo. Com o aumento da concentração de NaCl no interstício, haverá maior absorção de água na porção fina descendente da alça, com conseqüente maior hipertonicidade do fluido tubular, o que gera um maior fluxo de Na e Cl no ramo fino ascendente da alça de Henle, constituindo assim um sistema de contracorrente multiplicador, aparentemente passivo na medula interna, que foi iniciado e mantido pelo transporte de Na e Cl na porção espessa da alça na região medular externa. 8. O ramo espesso ascendente recebe, portanto, um fluido diluído, que se tornará ainda mais diluído em virtude da reabsorção de NaCl neste segmento. A urina final pode alcançar uma concentração próxima, mas não exceder a concentração do interstício medular. No homem, em condições de antidiurese, a concentração urinária máxima alcançada é de aproximadamente 1.200-1.300 mOsm/kg, ou seja, quatro vezes a osmolalidade do plasma. Apesar do progresso alcançado nos últimos anos em relação aos mecanismos de concentração da urina, muitos aspectos ainda permanecem sem solução. Atualmente, aceita-se que a alça de Henle é o elemento multiplicador no sistema de contracorrente e que o segmento delgado da alça é o multiplicador na medula interna.18 Pouca dúvida resta também de que o segmento delgado ascendente da alça é a fonte de NaCl responsável pelo aumento na concentração de NaCl desde a base da medula interna até a papila.18 A incerteza permanece em relação ao mecanismo de reabsorção do NaCl no segmento delgado ascendente: se ativo ou passivo. Nos últimos anos, vários modelos experimentais tentaram solucionar o problema, como os de
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Stephenson,19 e ainda de Kokko e Rector.20,21 A descrição utilizada acima para o mecanismo de concentração do líquido tubular baseou-se no modelo de Kokko e Rector, que parte do pressuposto que não há um transporte ativo na medula interna (segmento delgado ascendente), no que diz respeito ao mecanismo de concentração.
FLUXO SANGUÍNEO MEDULAR Como já mencionamos, acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o líquido absorvido nos ductos coletores e segmento descendente da alça de Henle. Naturalmente, o fluxo sanguíneo medular deve ser de tal ordem que os solutos do interstício não sejam excessivamente removidos, o que eliminaria o gradiente osmótico medular, tão importante na concentração urinária. Sabe-se, pois, que a concentração osmolar na ponta da papila é inversamente proporcional ao fluxo sanguíneo para esta área. A manutenção deste interstício hiperosmolar deve-se: a) a um baixo fluxo sanguíneo medular (apenas 5% do fluxo plasmático renal passam pela área medular e papilar); b) à presença dos vasa recta, responsáveis por um sistema de contracorrente trocador. A disposição anatômica da circulação capilar na medula tem todas as características de um sistema de contracorrente trocador. O princípio deste sistema, conhecido em termodinâmica, tem sido aplicado a sistemas biológicos e está ilustrado na Fig. 9.5. Suponhamos um tubo ao qual fornecemos água a 30°C e a um fluxo de 10 ml/min (Fig. 9.5 A). Esta água passa por uma fonte de calor e recebe 100 calorias por minuto. Logo, a água que sai do tubo está a uma temperatura de 40°C. A seguir, dobramos o tubo, introduzindo, portanto, um fluxo contracorrente no sistema e mantendo a fonte de calor no mesmo local (Fig. 9.5 B). O sistema é montado de tal maneira que o fluxo de saída passa próximo do fluxo de entrada, propiciando a troca de calor entre os dois fluxos (entrada e saída). Desta forma, a água aquecida (que está saindo) encontra a água fria (que está entrando) e perde calor para ela. Portanto, a temperatura da água que entra se eleva antes de atingir a fonte de calor. O processo continua até que se atinja um estado de equilíbrio. A temperatura máxima alcançada no sistema de contracorrente é maior que no fluxo retilíneo. As mesmas considerações são válidas para a adição de soluto em vez de calor (Fig. 9.5 C). O soluto (NaCl) é adicionado ao interstício e o equilíbrio entre os capilares se faz através do interstício. A finalidade deste sistema é facilitar ao máximo a transferência de uma molécula permeável entre canais adjacentes, evitando o movimento das moléculas ao longo desses canais. A arquitetura vascular da medula renal facilita a troca de água e solutos entre os vasa recta ascendentes e descendentes, minimizando a entrada de água e saída de soluto da medula renal da seguinte maneira22 (v. Fig. 9.6). 1. O sangue circula pelos vasa recta através do interstício medular, progressivamente mais hiperosmolar em dire-
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Fig. 9.5 Princípios do sistema de contracorrente trocador. Observem que a temperatura máxima obtida no sistema de contracorrente (B) é maior que a obtida no sistema de fluxo linear (A). Em (C), representamos uma alça capilar em contato com o líquido intersticial. Notem que, no início (flechas), os sais de sódio penetram no capilar e, no final, retornam para o interstício (v. texto para uma explicação mais detalhada). (Modificado de Berliner R.W. e col.17)
ção à papila. A pressão hidrostástica transcapilar favorece a saída de líquido do capilar, e a pressão oncótica transcapilar favorece a entrada de líquido para o capilar. Como o sangue circula rapidamente, não há tempo para um equilíbrio osmótico entre o capilar e o interstício.
2. Como a concentração dos solutos no interstício é maior, a pressão osmótica transcapilar favorece a saída de água do capilar descendente, aumentando a concentração das proteínas plasmáticas. 3. Como os capilares são permeáveis a NaCl e uréia, e a concentração destes no interstício é maior que no capilar, eles entram no capilar descendente. 4. Quando o sangue atinge o capilar ascendente, a concentração de solutos no plasma excede a do interstício (que se torna progressivamente menos hiperosmolar em direção ao córtex), e os solutos, então, deixam o capilar. 5. Da mesma forma, a pressão oncótica (determinada pelas proteínas plasmáticas) está elevada quando o sangue atinge o capilar ascendente. A soma da pressão oncótica e da pressão osmótica (determinada pelos solutos não-protéicos) determina a entrada de líquido no capilar. 6. A quantidade de líquido que entra no capilar ascendente é maior que a quantidade de líquido removida do capilar descendente, e a diferença é igual ao volume de líquido reabsorvido no ramo descendente da alça de Henle e nos ductos coletores. 7. Em resumo, os vasa recta preservam os solutos e removem a água, mantendo a hiperosmolalidade da medula renal.
PAPEL DA URÉIA NO MECANISMO DE CONCENTRAÇÃO URINÁRIA Fig. 9.6 Sistema de contracorrente trocador pelos vasa recta. Pr proteína plasmática. O tamanho das letras dos solutos indica a concentração relativa de cada soluto com relação à sua localização na medula (v. texto para detalhes de funcionamento do sistema). Obtido de Jamison, R.L. e Maffly, R.H.22
A uréia é o produto final do metabolismo protéico nos mamíferos, sendo excretada quase unicamente pelos rins. Além da água e dos gases sanguíneos, a uréia é a substância mais difusível no organismo. Investigações passadas já haviam demonstrado que a presença de uréia era essencial para a obtenção de uma
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osmolalidade urinária máxima. Se um animal deficiente em proteínas recebia uréia, a capacidade de concentração urinária aumentava.
RECIRCULAÇÃO MEDULAR DA URÉIA 1. Uma quantidade mais ou menos constante de uréia é reabsorvida no túbulo proximal, independentemente do balanço de água. 2. No ducto coletor cortical (e, em algumas espécies, no túbulo coletor), sob a influência do hormônio antidiurético, a água é reabsorvida, o que determina um aumento da concentração intraluminal de uréia (Fig. 9.4). 3. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor, a permeabilidade à uréia aumenta mesmo na ausência do HAD, o qual, quando presente, parece aumentar ainda mais esta permeabilidade. Desta forma, devido à diferença transtubular da concentração de uréia, esta se difunde para o interstício medular. 4. A uréia, então, torna a entrar no túbulo renal na pars recta do túbulo proximal ou ramo descendente de nefros superficiais e justamedulares. Como a alça delgada justamedular está numa região contendo uma alta concentração de uréia no interstício, mais uréia entra no nefro justamedular do que no superficial. Portanto, o fluxo de uréia que deixa o túbulo distal justamedular é maior do que o que deixa o nefro superficial.
Pontos-chave: • Quando existe déficit de água, os rins reabsorvem mais água pelo mecanismo de concentração urinária, estimulado pelo HAD • A concentração urinária depende da manutenção de uma medula renal hipertônica pelo mecanismo de contracorrente e recirculação de uréia
Diluição da Urina Não importa se a urina final será hiper- ou hipotônica: o líquido tubular que chega ao túbulo contornado distal será sempre hipotônico. Os ductos coletores (segmento cortical e medular interno-papilar) e o segmento distal do túbulo contornado distal são segmentos sensíveis à ação do HAD. Quando há uma redução ou cessação na liberação de HAD, estes segmentos tornam-se relativamente impermeáveis à água. Em conseqüência, no sistema coletor o líquido hipotônico permanece hiposmótico em relação ao plasma. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor, ocorre reabsorção de água, pois o segmento ainda é permeável à água (embora menos) na ausência de HAD.
Devido à ausência de HAD, a permeabilidade à uréia do segmento medular interno-papilar do ducto coletor diminui; logo, a reabsorção de uréia também diminui. Além disso, como há redução geral na reabsorção de água, o gradiente transtubular de uréia também diminui (recorde-se que é a reabsorção de água dos segmentos pouco permeáveis à uréia que determina o aumento de sua concentração intratubular), e logo se reduz a recirculação medular do sistema coletor para a alça de Henle. E, como já foi exposto, a uréia exerce um papel fundamental no sistema de contracorrente. A capacidade de um indivíduo ingerir grande quantidade de água, sem desenvolver um excesso de água, traduz a capacidade renal de excretar grande quantidade de urina diluída. A osmolalidade mínima que pode ser alcançada pelo rim humano é de aproximadamente 50 a 60 mOsm/ kg, permitindo volumes de urina de 15 a 20 litros por dia. É necessário frisar alguns pontos importantes no mecanismo de diluição da urina e expor os conceitos de clearance osmolar e clearance de água livre. Baseando-se no que já foi exposto nas páginas precedentes, conclui-se que a formação e a excreção de uma urina diluída dependem de três fatores básicos: a) oferta adequada de líquido tubular ao segmento diluidor do nefro; b) reabsorção adequada de soluto no segmento diluidor do nefro; c) impermeabilidade do segmento diluidor do nefro à água. Se analisarmos a urina, veremos que ela está constituída por uma fase aquosa na qual vários solutos estão dissolvidos. Os solutos são ânions e cátions não-voláteis e os produtos do metabolismo nitrogenado. Se relacionarmos a concentração destes solutos na urina (ou seja, a osmolalidade urinária) com a osmolalidade plasmática, poderemos ter três tipos de tonicidade urinária: urina isotônica, hipotônica e hipertônica em relação ao plasma (v. Fig. 9.7). Foi Homer Smith quem originalmente considerou a urina como contendo dois volumes virtuais: um volume contendo uma quantidade de soluto excretado numa concentração igual à do plasma (isotônica) e um outro volume contendo água sem soluto.23 Quando se considera o fluxo urinário (ml de urina por minuto), o volume de urina que contém os solutos numa concentração igual à do plasma é denominado de clearance osmolar e o volume de urina sem solutos refere-se ao clearance de água livre. O termo clearance de água livre é errôneo, pois, na verdade, não indica a depuração de uma substância e não é calculado pela fórmula clássica U V/P, e sim pela fórmula: CH2O V Cosm Onde: CH2O clearance de água livre V volume de urina (fluxo urinário em ml/min) Cosm clearance osmolar
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Fig. 9.7 Relação do clearance de água livre com a tonicidade da urina (v. texto). (Modificado de Hays, R.M. e Levine, S.D.33)
Considerando de outra maneira, podemos dizer que o clearance de água livre refere-se à quantidade de água livre (água sem solutos) que precisa ser adicionada ou retirada da urina para que a urina se torne isosmótica com o plasma. Observem na Fig. 9.7 B que, quando a urina é isotônica, isto é, tem a mesma concentração osmolar que o plasma, o clearance de água livre é zero. Já na urina hipotônica, o clearance de água livre é positivo e, na hipertônica, negativo. Costuma-se empregar a expressão TCH2O quando o clearance de água livre for negativo. A letra C indica que a reabsorção ocorre nos ductos coletores. Portanto, TCH2O CH2O. O clearance osmolar, que se refere ao volume de urina necessário para excretar todos os solutos urinários numa proporção isosmótica, é calculado através da fórmula clássica do clearance: Cosm
Uosm V Posm
Onde: Cosm osmolalidade urinária (mOsm/L) V fluxo urinário (ml/min) Posm osmolalidade plasmática (mOsm/L) Vejamos, nos dois exemplos seguintes, o cálculo do clearance osmolar e do clearance de água livre. 1. Calcular o Cosm de um paciente que apresenta osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L, osmolalidade urinária de 100 mOsm/L e fluxo urinário de 5 ml/min: Cosm
100 5 1,66 ml/min 300
2. Calcular o clearance de água livre de um paciente cuja urina apresenta osmolalidade de 600 mOsm/L, osmolalidade plasmática de 300 mOsm/L e fluxo urinário de 1 ml/min: CH O 1 2
600 1 1 300
(significa urina hipertônica)
Interpretação do clearance osmolar e do clearance de água livre É óbvio que variações na ingesta e na excreção osmolar não causarão alterações na osmolalidade plasmática (pois a fração osmolar é sempre isosmótica). No entanto, para que a osmolalidade seja mantida, a fração de água livre ingerida deverá ser igual ao clearance de água livre. Se a ingestão de água livre exceder o clearance de água livre, haverá uma diminuição da osmolalidade plasmática. Fica claro, portanto, a importância do mecanismo renal de diluição da urina (excreção de água livre) na preservação da osmolalidade plasmática.
Pontos-chave: • A diluição urinária é resultado da impermeabilidade dos túbulos coletores à água na ausência de HAD • A excreção dos excessos de água é realizada através da elaboração de urina final diluída
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DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA A integração do sistema sede-HAD-rim permite que mesmo com grandes variações na ingesta líquida a osmolalidade no organismo seja mantida mais ou menos constante. Quando há déficit de água, ocorre aumento da osmolalidade no organismo, a qual estimula a sede e a liberação de HAD; esta altera a permeabilidade do epitélio do ducto coletor, permitindo maior conservação de água. Na presença de excesso de água, ocorre o inverso: hiposmolalidade, ausência de sede e menor liberação de HAD e conseqüente menor permeabilidade à água no ducto coletor, causando, portanto, maior diurese. Daí se deduz que alterações no mecanismo de concentração e diluição da urina provocam distúrbios no metabolismo da água, que são a hipernatremia e a hiponatremia. É importante também relembrar que os distúrbios do metabolismo da água estão relacionados a alterações na osmolalidade plasmática e são evidenciados pela dosagem do sódio plasmático, o qual estará concentrado ou diluído no plasma, de acordo com a água corporal total do indivíduo. Já os distúrbios do metabolismo do sódio são verificados pela avaliação do estado do espaço extracelular, através do exame físico (v. Caps. 8 e 10).24 O termo desidratação refere-se à perda de água que leva a uma elevação do sódio plasmático e a um déficit de água intracelular devido ao movimento de água das células para o líquido extracelular. Já o termo depleção de volume se refere à diminuição do espaço extracelular devido à perda de sódio e água, como ocorre, por exemplo, nas diarréias.24,25
DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO HIPEROSMOLAR Hipernatremia ocorre quando a concentração plasmática de sódio encontra-se acima de 145 mEq/L. A hipernatremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns em pacientes hospitalizados. Chega a ser preocupante que, nesta população, uma importante causa de hipernatremia é a iatrogenia, por reposição inadequada das perdas em pacientes com acesso restrito à água.26 Um déficit de água no organismo é acompanhado por um aumento na concentração plasmática de sódio. Como já foi abordado no Cap. 8, o sódio é o principal íon determinante da osmolalidade no compartimento extracelular, de forma que a hipernatremia tem grande importância clínica, por sua associação com hiperosmolaridade e conseqüentes efeitos sobre o conteúdo celular de água. A hipernatremia é a principal causa de hiperosmolaridade. Uma série de adaptações ocorre em todo o organismo para minimizar o efeito da hiperosmolaridade sobre a es-
trutura e a função da célula, especialmente no cérebro. Os sintomas de hiperosmolaridade aparecem quando estes mecanismos de adaptação são ultrapassados.27 A membrana celular é de modo geral altamente permeável à água, o que torna o volume intracelular muito suscetível às variações da osmolaridade do extracelular. A hiperosmolalidade induz um movimento de água do intracelular para o extracelular, reduzindo o volume celular. Esta alteração no volume celular leva a mudanças no volume e função celulares. Por razões anatômicas, o cérebro é especialmente vulnerável às alterações no volume celular. Reduções agudas no volume cerebral podem levar a uma separação entre o cérebro, as meninges e o crânio, com ruptura de vasos sanguíneos e hemorragia. Porém, no cérebro, os astrócitos são capazes de restaurar o volume cerebral ao normal após transtornos osmóticos. No caso da hipernatremia, após algum tempo estas células respondem com um aumento na concentração intracelular de vários solutos osmoticamente ativos, incluindo o sódio, o potássio, o cloro. Além destes, progressivamente há acúmulo também dos chamados osmóis idiogênicos, que incluem aminoácidos (glutamato, glutamina, taurina, ácido gama-aminobutírico), creatina, fosfocreatina, mioinositol e glicerofosforilcolina. Na hipernatremia aguda, por não ter havido tempo suficiente para o acúmulo destas substâncias, que manteriam o volume celular, é mais provável ocorrer variação do volume celular cerebral, com manifestações clínicas importantes. Na hipernatremia crônica, estes osmóis acumulados no interior das células levam à manutenção do volume celular, com menor sintomatologia.27 Os outros mecanismos de adaptação à hipernatremia são a liberação de HAD e a ativação do mecanismo da sede.27 Normalmente, o centro da sede é muito sensível mesmo a pequenos aumentos da osmolalidade, da ordem de 1 a 2%. Porém, mesmo que o mecanismo da sede seja ativado, muitos pacientes podem não expressar a sede adequadamente ou não ter acesso à água. Isto é observado em crianças pequenas e adultos com alterações do nível de consciência, principalmente idosos. Além disso, a capacidade de concentração urinária e conservação de água diminuem com a idade, e, nos idosos, a osmolalidade urinária máxima pode ser de apenas 500-700 mOsm/kg.28-30 Então, vários fatores tornam estes indivíduos mais propensos ao desenvolvimento de hipernatremia significativa.
Pontos-chave: • Hipernatremia é diagnosticada com concentração plasmática de sódio maior que 145 mEq/L • Hipernatremia produz hiperosmolalidade, uma vez que o sódio é o principal determinante da osmolalidade plasmática
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Metabolismo da Água
Fig. 9.8 Relação entre a osmolalidade plasmática e a ingesta e excreta osmolar e de água livre. Como a fração osmolar é sempre uma fração isotônica, não há alterações na osmolalidade plasmática quando se modifica a ingesta ou excreta da fração osmolar. No entanto, variações na ingesta ou excreta de água livre modificam a osmolalidade plasmática. (Baseado no diagrama de Hays, R.M. e Levine, S.D.33)
Causas de Hipernatremia e Estado Hiperosmolar No Quadro 9.1 podem ser observadas as principais causas de hipernatremia. Uma abordagem também bastante didática se baseia na determinação do estado do espaço extracelular nos pacientes com hipernatremia, agrupando as causas mais prováveis do distúrbio de acordo com a volemia do paciente e o sódio urinário31 (v. Quadro 9.10). A hipernatremia é uma das causas de estado hiperosmolar, o qual pode também ser ocasionado por uréia, glicose e etanol.
HIPERNATREMIA COM HIPOVOLEMIA Hipernatremia com depleção do espaço extracelular e hipovolemia pode ser decorrente de perdas extra-renais ou
Quadro 9.1 Causas de hipernatremia Perda de água • Perdas insensíveis (respiração e sudorese) • Hipodipsia • Diabetes insipidus central • Diabetes insipidus nefrogênico Perda de fluido hipotônico • Perdas renais • Diurese osmótica • Diuréticos de alça • Fase poliúrica de NTA • Diurese pós-obstrutiva • Perdas gastrintestinais • Vômitos, sondagem nasogástrica • Diarréia • Catárticos osmóticos • Perdas cutâneas • Queimaduras Sobrecarga de sódio • Administração de soluções hipertônicas de sódio • Enemas ricos em sódio • Hiperaldosteronismo primário • S. de Cushing
renais de fluidos hipotônicos.31 Há uma perda concomitante de água e sódio, embora haja proporcionalmente uma maior perda de água. Clinicamente, observam-se sinais de contração de volume: veias jugulares invisíveis, hipotensão ortostática, taquicardia, pobre turgor da pele e mucosas secas. Devido à hemoconcentração, o hematócrito e as proteínas plasmáticas estão elevados. Perdas extra-renais podem ser decorrentes de sudorese excessiva ou diarréia, particularmente em crianças. Em alguns tipos de diarréia, principalmente nas osmóticas, ocorre perda de fluido hipotônico em relação ao plasma, provocando aumento na concentração plasmática de sódio. Isto pode ser observado também em crianças em que o fluido de reposição é hipertônico. Como resposta às perdas, os rins são estimulados a conservar água e sódio, a urina mostra-se hipertônica e a concentração urinária de sódio é baixa, menor que 20 mEq/L.31 Por sua vez, perda de fluidos hipotônicos pelos rins pode ser observada durante a diurese osmótica, como ocorre na administração de manitol e no paciente diabético descompensado, com glicosúria. A glicosúria é a principal causa de diurese osmótica em pacientes ambulatoriais. Não se evidencia conservação renal de água e sódio, pois a urina é justamente a fonte de perda. A urina pode ser isoou hipotônica e o sódio urinário é maior que 20 mEq/L. Em pacientes hospitalizados, outras causas de diurese osmótica são encontradas: alimentação hiperprotéica (a uréia age como agente osmótico); expansão do volume por solução salina e liberação de obstrução urinária bilateral. A osmolalidade urinária nestas situações está geralmente acima de 300 mOsm/kg, ao contrário da urina diluída da diurese aquosa. Além do mais, a excreção de solutos (produto da urina de 24 h volume osmolalidade) é normal na diurese aquosa (600-900 mOsm/kg/dia) e aumentada na diurese osmótica.
HIPERNATREMIA COM HIPERVOLEMIA Esta categoria de hipernatremia é pouco freqüente. Geralmente ocorre em pacientes que receberam grandes quantidades de cloreto ou bicarbonato de sódio hipertônico. Ao exame físico há sinais do excesso de extracelular,
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como congestão pulmonar e ingurgitamento dos vasos do pescoço.31
HIPERNATREMIA COM VOLEMIA APARENTEMENTE NORMAL Este é o tipo mais freqüente de hipernatremia, e se deve a perdas de água sem eletrólitos. Ao exame, o espaço extracelular pode ser considerado normal. Devido à permeabilidade das membranas celulares à água, um terço da água perdida provém do extracelular, e dois terços, do intracelular. É por isso que a principal conseqüência da perda de água é a hipernatremia, e não a depleção do extracelular.31 Hipernatremia com volemia normal pode ser decorrente de perdas insensíveis pelo suor e respiração, que, se não forem apropriadamente repostas, elevam a concentração plasmática de sódio. Estas perdas em geral somam 0,6 ml/ kg/hora, mas aumentam muito nas queimaduras, febre, taquipnéia e exercícios intensos.32 É causada principalmente por distúrbios que prejudicam os mecanismos normais de conservação renal de água, por baixa concentração plasmática de hormônio antidiurético (diabetes insipidus pituitário ou central) ou por comprometimento da resposta renal a níveis máximos de HAD (diabetes insipidus nefrogênico). Se a perda líquida for através da pele e do trato respiratório, a urina será hipertônica. A quantidade de sódio urinário é variável e reflete a ingesta diária. Se a perda líquida for de origem renal (diabetes insipidus central ou nefrogênico), a urina será hipotônica, e a quantidade de sódio urinário, também variável.
Ponto-chave: • Hipernatremia pode cursar com espaço extracelular normal, diminuído ou aumentado Diabetes insipidus (DI) pituitário ou central Caracteriza-se por uma alteração central na síntese ou secreção de HAD, limitando a capacidade renal de concentrar a urina e causando graus variados de poliúria e polidipsia. A falta de HAD pode ser induzida por distúrbios em um ou mais locais de secreção do HAD: osmorreceptores hipotalâmicos, núcleos supra-óticos ou paraventriculares; ou a porção superior do trato supra-ótico hipofisário. Por outro lado, lesão do trato abaixo da eminência média ou da parte posterior da hipófise produz apenas uma poliúria transitória. Nestes casos, o HAD produzido no hipotálamo ainda pode ser secretado na circulação sistêmica através dos capilares portais da eminência média. CAUSAS. As cirurgias de hipófise, tumores supra-selares e traumatismo craniano são causas de DI central33 (v. Quadro 9.2). As neoplasias primárias ou secundárias do
Quadro 9.2 Causas de diabetes insipidus pituitário Pós-hipofisectomia Idiopático Pós-traumático Tumores supra- e intra-selares — metastático (pp. mama) craniofaringioma pinealoma Cistos Histiocitose Granulomas — tuberculose, sarcoidose Vasculares — aneurismas, trombose, síndrome de Sheehan Infecciosas e imunológicas — meningite, encefalite síndrome de Guillain-Barré
cérebro, que envolvam a região pituitário-hipotalâmica, podem cursar com DI central. Isto ocorre mais freqüentemente com metástases de câncer de pulmão, leucemia ou linfoma. A incidência de DI varia com a extensão da lesão: 10-20% na remoção transesfenoidal de adenoma hipofisário restrito à cela e até 60-80% nos casos de grandes tumores que requerem hipofisectomia total. Alguns pacientes apresentam um padrão trifásico de polidipsia-poliúria no pós-operatório: na primeira fase, imediata à cirurgia, os pacientes apresentam polidipsia-poliúria; segue-se a segunda fase, caracterizada por quatro a cinco dias de antidiurese; e, após vários dias, uma terceira fase, na qual a poliúria reaparece. Acredita-se que, na primeira fase, ocorra uma lesão aguda dos núcleos hipotalâmicos e que, portanto, não haja síntese e liberação de vasopressina. Já a segunda fase ocorreria devido à liberação de vasopressina pelo tecido neuro-hipofisário necrosado. Nesta fase, entre os dias 6 e 11, ingestão excessiva de água pode causar hiponatremia. Pacientes com lesões menos graves podem ter um DI central transitório que começa 24-48 horas depois da cirurgia e melhora em uma semana. Além disto, nem todos os pacientes passam pelas três fases. É importante frisar que a maioria dos casos de poliúria após neurocirurgia não são decorrentes de DI central, mas devidos a um excesso de líquidos durante a cirurgia e diurese osmótica pelo uso de manitol e corticosteróides para minimizar o edema cerebral (que podem causar hiperglicemia e glicosúria). A diferenciação pode ser feita pela osmolalidade urinária, resposta à restrição de água e administração exógena de HAD. Aproximadamente 30% dos casos de DI central são de natureza idiopática, por um processo auto-imune com inflamação linfocítica da haste hipofisária e da parte posterior. Uma causa mais rara é o diabetes insipidus central familiar, habitualmente transmitido como um traço autossômico dominante. O DI central familiar parece estar associado a uma mutação do gene que controla a síntese de HAD: preprovasopressina-neurofisina II. O precursor não é clivado em HAD, acumulando-se localmente e causando a morte de células produtoras de HAD.
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A encefalopatia hipóxica (ou isquemia grave, como ocorre na parada cardiocirculatória ou choque) causa uma diminuição da liberação de HAD. A gravidade do defeito pode ser variável, desde uma discreta e assintomática poliúria até uma forma mais evidente. Exemplo: síndrome de Sheehan, onde a secreção de HAD é subnormal, mas a manifestação clínica é discreta. Após um quadro de taquicardia supraventricular pode ocorrer poliúria transitória devido à liberação aumentada do fator atrial natriurético e secreção diminuída de HAD. As alterações hormonais parecem ocorrer devido à ativação de receptores locais de volume devido ao aumento da pressão no átrio esquerdo e da pressão sistêmica. Na anorexia nervosa a liberação de HAD é subnormal ou errática, talvez devido à disfunção cerebral. É um defeito geralmente discreto, e quando ocorre poliúria, esta é decorrente do aumento na sede.
Quadro 9.4 Causas de diabetes insipidus nefrogênico Congênito Adquirido Nefropatia crônica Doença policística Doença cística medular Amiloidose Pielonefrite Uropatia obstrutiva Anemia de células falciformes Distúrbios eletrolíticos (hipercalcemia, hipocalemia) Alterações na dieta — redução na ingesta de proteína e sódio — ingestão crônica excessiva de água Agentes farmacológicos: lítio, metoxiflurano, demeclociclina etc.
Diabetes insipidus nefrogênico Refere-se à diminuição da capacidade de concentração urinária que resulta da resistência à ação do HAD. Isto pode refletir uma resistência no local de ação do HAD nos ductos coletores ou interferência com o mecanismo contracorrente devido à lesão medular ou diminuição na reabsorção de NaCl no segmento medular espesso ascendente da alça de Henle. CAUSAS. As principais causas de DI nefrogênico estão agrupadas no Quadro 9.4. O diabetes insipidus nefrogênico hereditário é um distúrbio infreqüente que resulta em graus variados de resistência ao HAD. Há dois receptores diferentes para o HAD: os receptores V1 e V2. Ativação dos receptores V1 induz va-
Quadro 9.3 Diferenciação de distúrbios poliúricos por desidratação e administração exógena de vasopressina
Normal (N = 9) Diabetes insipidus (N = 18) Diabetes insipidus incompleto (N = 12) Polidipsia primária (N = 7)
Uosm antes*
Uosm depois**
1,067 ± 68,7
987,0 ± 79,4
168 ± 13,0
445,0 ± 52,0
437 ± 33,6
548,0 ± 28,2
738 ± 52,9
779,8 ± 73,1
Modificado de Berl, T. e cols.29 após adaptação do trabalho de Miller, M. e cols.38 N indica o número de casos estudados em cada grupo. Uosm osmolalidade urinária. *antes — ao término do período de privação líquida e antes de receber vasopressina. **depois — após a administração de vasopressina.
soconstrição e aumento da liberação de prostaglandinas, enquanto receptores V2 se relacionam a resposta antidiurética, vasodilatação periférica e liberação do fator VIII e fator de von Willebrand das células endoteliais. A transmissão é ligada ao sexo (X-linked). Como a mutação é no receptor V2, estão comprometidas as respostas antidiuréticas, vasodilatadoras e do fator de coagulação, enquanto os efeitos vasoconstritores e nas prostaglandinas estão intactos. A herança ligada ao sexo significa que os homens têm marcada poliúria e as mulheres variam de um estado portador a uma importante poliúria. Recentemente uma forma autossômica recessiva foi descrita na qual o receptor V2 está intacto, assim como as respostas sobre a vasodilatação e a coagulação; o defeito está nos “canais de água” coletores (chamados aquaporina-2). Estes canais normalmente armazenados no citosol, sob influência do HAD, movem-se e se fundem com a membrana luminal, permitindo a reabsorção de água. O diabetes insipidus nefrogênico adquirido é mais comum que o congênito e também menos grave, porque a capacidade renal de concentrar a urina até a osmolalidade do plasma está preservada. Assim, a polidipsia e a poliúria são moderadas: 3-5 litros por dia. As principais causas de DI nefrogênico são abordadas a seguir. As nefropatias crônicas podem causar DI nefrogênico, com comprometimento da capacidade renal de concentração máxima da urina (geralmente quando a TFG for menor que 60 ml/min). Embora se possa encontrar hipostenúria (osmolalidade urinária menor que a plasmática) em nefropatias crônicas avançadas, uma poliúria sintomática é rara. No entanto, a evidência mais precoce e mais grave deste comprometimento na concentração urinária ocorre em enfermidades que afetam a região medular e papilar do rim, tais como: doença policística, doença cística medular, amiloidose, pielonefrite, uropatia obstrutiva, anemia de células falciformes, etc. As causas deste defeito na con-
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centração urinária são múltiplas: destruição na medula renal das inter-relações anatômicas entre a alça de Henle, vasa recta e ducto coletor; talvez a presença de toxinas urêmicas na circulação, que antagonizam a ação da vasopressina, e a diurese osmótica a que são submetidos os nefros remanescentes. Alterações na dieta podem causar diabetes insipidus nefrogênico. Em reduções crônicas na ingesta protéica, a concentração máxima da urina está comprometida, e isto parece estar relacionado com a menor formação de uréia, que representa mais ou menos 50% da tonicidade do interstício medular. Da mesma forma, a restrição de sódio compromete o mecanismo de concentração, pois o primeiro passo no mecanismo de contracorrente multiplicador é a reabsorção ativa de cloro (e passiva de sódio) no segmento espesso ascendente da alça de Henle. A restrição de cloreto de sódio resulta num aumento da reabsorção proximal destes íons, e, portanto, a quantidade que chega à alça de Henle é menor. Por fim, a ingestão crônica de excessos de água, como ocorre nos bebedores compulsivos de água (polidipsia primária), reduz a tonicidade do interstício medular e compromete a capacidade de concentração máxima da urina 34 (v. Quadro 9.4). Alguns distúrbios eletrolíticos também são causa de diabetes insipidus nefrogênico. Entre eles, a hipercalcemia e a hipocalemia. O mecanismo pelo qual a hipercalcemia compromete a concentração urinária ainda não está esclarecido. A deposição de cálcio na medula renal e a contração de volume que geralmente acompanha a hipercalcemia são fatores a considerar. Uma ação direta a nível celular alterando o equilíbrio osmótico também tem sido considerada. O defeito na concentração torna-se clinicamente aparente quando a concentração plasmática de cálcio está persistentemente acima de 11 mg/dl. Com concentração plasmática de potássio persistentemente abaixo de 3 mEq/L, há indícios de que ocorre redução da reabsorção de NaCl no segmento ascendente espesso da alça de Henle e uma menor resposta do túbulo coletor ao HAD. Tanto na hipercalcemia como na hipocalemia, o defeito no mecanismo de concentração é discreto, e, para explicarem a ingesta líquida superior às vezes a 3-5 litros, alguns autores sugerem um efeito destes eletrólitos no mecanismo da sede. Uma outra causa de DI nefrogênico é a anemia de células falciformes, em que há uma tendência das hemácias em adquirir a forma de foice no ambiente hipertônico e de baixa tensão de oxigênio na medula renal. Esta alteração na forma das hemácias compromete a circulação dos vasa recta e causa edema e infartos da papila renal, ocasionando a incapacidade de concentrar adequadamente a urina. Existem drogas que interferem com a ação renal do HAD, prejudicando a reabsorção de água. Entre estas drogas, destacamos o lítio, a dimetilclortetraciclina, o metoxifluorano e as sulfoniluréias. O lítio é uma droga muito usada em psiquiatria no manejo de psicose maníaco-depressiva. Aparentemente esta droga inibe a ação da
vasopressina na formação de adenosina-monofosfato cíclico (cAMP) e induz poliúria reversível.35 Pacientes com acne tratados com doses altas de dimetilclortetraciclina (demeclociclina) podem apresentar poliúria e polidipsia.36 Esta droga inibe a ação da vasopressina, possivelmente através de uma interferência na geração e ação de cAMP. Ela também se liga a uma proteína específica da célula epitelial, que é importante na ação do HAD. O metoxifluorano é um agente anestésico que pode causar diabetes insipidus nefrogênico por induzir redução da permeabilidade do ducto coletor ou diminuição da tonicidade do interstício medular.37 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO DI CENTRAL E NEFROGÊNICO. Além da poliúria, noctúria e da polidipsia que pode chegar a 15 litros ao dia, a maior parte dos pacientes portadores de DI central apresenta níveis de sódio plasmático normal ou pouco aumentado, uma vez que o mecanismo da sede está intacto, repondo pelo menos parcialmente a perda de água. Porém, pode ocorrer hipernatremia no DI central em que o paciente não tenha acesso à água ou que tenha seu mecanismo da sede alterado. Com o tempo, pode ocorrer grande dilatação vesical e dos ureteres, a ponto de não haver mais noctúria. Além disso, outras manifestações decorrem da doença de base.
Pontos-chave: • Diabetes insipidus central é causado por alteração da produção e/ou liberação do HAD • Diabetes insipidus nefrogênico decorre da insensibilidade renal ao HAD DIAGNÓSTICO DO DI CENTRAL, NEFROGÊNICO E OUTRAS FORMAS DE POLIÚRIA. Além da poliúria, polidipsia e hipernatremia com volemia normal, no diabetes insipidus central a densidade da urina é bastante baixa (1,001-1,005), embora formas parciais de DI, na vigência de desidratação intensa, possam formar urina hipertônica. Há alguns testes para o diagnóstico de DI, como a restrição de água, administração de solução salina hipertônica e administração exógena de hormônio antidiurético, como veremos a seguir. A restrição simples de água é o teste mais utilizado e determina a capacidade de o paciente elaborar HAD em resposta à hipertonicidade do plasma. O paciente é pesado e, a seguir, restringe-se a água por 12-16 horas ou até que ele perca 3-5% do peso corporal. Cada amostra de urina é coletada para determinação do volume e densidade urinária e/ou osmolalidade. Um indivíduo normal reduz o volume urinário para menos de 0,5 ml/min e aumenta a osmolalidade urinária (superior a 800 mOsm/kg). O paciente com DI mantém um alto volume urinário e uma osmolalidade urinária em torno de 200 mOsm/kg. Alguns
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autores preferem um teste mais curto (6-8 horas) e comparam a osmolalidade sérica e urinária inicial com a final. Um longo período de restrição líquida deve ser evitado devido ao risco de depleção de volume e hipernatremia, e alguns autores sugerem períodos de restrição de água de apenas 2-3 horas. O volume e a osmolalidade urinária são determinados a cada hora, e o sódio plasmático, a cada 2 horas. Com a administração de solução salina hipertônica (300 ml de NaCl a 5%), ocorre aumento da osmolalidade plasmática e, nos indivíduos normais, há uma liberação de HAD e conseqüente redução do volume urinário. Este teste não tem sido utilizado de rotina. O aumento da osmolalidade plasmática em indivíduos normais conduz a uma elevação progressiva da liberação do HAD e, portanto, da osmolalidade urinária. Quando a osmolalidade plasmática atinge 295-300 mOsm/kg (normal 275-290 mOsm/kg), a ação endógena do HAD no rim é máxima. Neste ponto, administrar HAD não eleva a osmolalidade urinária, a menos que haja um problema central na liberação de HAD, ou seja, DI central. O teste de restrição da água continua até que a osmolalidade urinária atinja um nível normal (acima de 600 mOsm/kg), indicando liberação e ação intactas do HAD, a osmolalidade urinária fique estável em duas medidas consecutivas, apesar de um aumento na osmolalidade plasmática, ou se a osmolalidade plasmática exceder 295-300 mOsm/kg. Nestas duas últimas situações, administra-se HAD exógeno (10 mg de DDAVP por spray nasal). Monitora-se o volume e a osmolalidade urinária. Os padrões de resposta à restrição de água e à administração de DDAVP são distintos, dependendo da causa do DI.29,38 No DI central, que é geralmente parcial, a liberação de HAD e a osmolalidade urinária podem aumentar com o aumento da osmolalidade plasmática. Porém, como a liberação de HAD é inadequada, a concentração urinária obtida não é máxima, e neste caso o HAD exógeno leva a um aumento da osmolalidade urinária e queda no débito urinário. No DI nefrogênico a restrição de água causa elevação submáxima na osmolalidade urinária. O aumento da osmolalidade plasmática estimula a liberação de HAD, mas como os pacientes com DI nefrogênico de modo geral são parcialmente resistentes ao HAD, pode haver um aumento pequeno na osmolalidade urinária. A administração de HAD exógeno também pode aumentar a osmolalidade urinária. Na polidipsia primária, a restrição de água aumenta a osmolalidade urinária. Como a liberação de HAD está normal, não há resposta ao HAD exógeno. A capacidade de concentração urinária está diminuída, pois a poliúria e a polidipsia crônicas retiram solutos da medula renal, diminuindo o gradiente intersticial medular.39 Talvez no futuro os resultados do teste de restrição à água e administração de HAD possam ser confirmados
pela medida da excreção urinária de aquaporina-2, que é o “canal de água” do túbulo coletor. A excreção de aquaporina-2 aumenta muito após a administração de HAD em indivíduos normais e naqueles com DI central, podendo ser usada como um índice da ação deste hormônio no rim.39,40
Ponto-chave: • Ο diagnóstico diferencial entre diabetes insipidus central, nefrogênico e outras formas de poliúria é realizado através da história clínica e dos testes de restrição de água, infusão de salina hipertônica e administração de HAD TRATAMENTO DO DI CENTRAL. O tratamento do DI central visa a diminuição do débito urinário, através do aumento na atividade do HAD e reposição adequada das perdas líquidas. O DI central é tratado com a administração do hormônio antidiurético (HAD) ou com o uso de outros medicamentos não-hormonais.41 Atualmente, está disponível a desmopressina (DDAVP), que tem efeito antidiurético potente, sem efeito vasopressor. A desmopressina é apresentada na forma líquida e pode ser utilizada pela via intranasal, aplicada através de um pequeno tubo plástico ou na forma de spray. Inicia-se com dose de 5 µg à noite; dependendo dos efeitos sobre a noctúria, a dose pode ser aumentada em 5 µg e depois acrescentadas doses diurnas. Nos EUA está disponível uma apresentação oral de DDAVP, mas que tem potência de apenas 10-20% da forma nasal.41 O risco da administração do DDAVP é a retenção de água e hiponatremia, já que, sob o efeito desta droga, o paciente é incapaz de excretar normalmente a água ingerida. Para os pacientes que têm resposta incompleta à desmopressina, pode ser necessário acrescentar drogas que aumentem a liberação de ADH, aumentem o efeito do ADH no rim (em DI central parcial) ou diminuam o débito urinário de maneira independente do HAD. Entre estas drogas, podem ser utilizadas a clorpropamida, clofibrato, acetaminofen e tegretol, diuréticos tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais. A clorpropamida é uma droga utilizada no manejo de diabetes mellitus, mas também é eficaz no tratamento do DI central. Esta droga é capaz de reduzir o volume urinário e elevar a osmolalidade urinária em pacientes portadores de DI central. Acredita-se que potencialize os efeitos do HAD circulante, talvez sensibilizando o túbulo renal à ação da HAD. Ainda não está esclarecido se a clorpropamida tem uma ação central (estimulando a liberação de HAD). Após o diagnóstico, administram-se 250 mg de clorpropamida uma ou duas vezes ao dia, e o efeito será observado entre o terceiro e o sétimo dia após a administração. Ela não é
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efetiva na forma nefrogênica do DI e é menos efetiva quanto mais grave for o DI. O maior problema é a hipoglicemia que causa, sobretudo em crianças. O clofibrato (droga usada no tratamento de dislipidemias) parece aumentar a secreção pituitária de vasopressina e não possuir nenhuma ação sensibilizante ao nível de túbulo renal. Por não ter efeitos colaterais (como a hipoglicemia da clorpropamida), pode ser utilizado no manejo do DI parcial. A dose de 500 mg cada 6 horas pode reduzir a poliúria em DI central. A carbamazepina (usada no tratamento da epilepsia) parece aumentar a resposta tubular ao HAD. A carbamazepina é utilizada numa dose de 100 a 300 mg duas vezes ao dia. A clorpropamida, clofibrato e carbamazepina podem reduzir o débito urinário no DI central em até 50%.41 A indução de discreta depleção de volume com uma dieta baixa em sódio e diuréticos tiazídicos (hidroclorotiazida, 25 mg uma ou duas vezes ao dia) são medidas eficazes no tratamento do DI, reduzindo o débito urinário em cerca de 50%. A hipovolemia induzida aumenta a reabsorção proximal de água e sódio, reduzindo assim a oferta de água aos locais HAD-sensíveis dos ductos coletores.41 Os antiinflamatórios não-hormonais (principalmente o ibuprofeno) causam inibição da síntese de prostaglandinas renais, e isto aumenta a capacidade de concentração urinária, já que as prostaglandinas normalmente antagonizam a ação do HAD. Podem reduzir o débito urinário em 2550%.41 TRATAMENTO DO DI NEFROGÊNICO. O tratamento se dirige à correção da doença de base e à diminuição da poliúria. Os pacientes com DI nefrogênico não se beneficiam da administração de HAD ou drogas que aumentem sua secreção ou resposta renal, pois o defeito é justamente uma resistência renal (parcial ou completa) ao HAD. Ao invés disso, apresentam efeitos favoráveis no tratamento do DI nefrogênico: diuréticos tiazídicos, antiinflamatórios nãohormonais e dieta hipossódica e baixa em proteínas. Como já mencionado, os diuréticos tiazídicos induzem uma depleção do extracelular, aumentando a reabsorção proximal de sódio e água, com isso diminuindo a oferta de água aos locais sensíveis ao HAD nos túbulos coletores. Esta resposta é potencializada com o uso concomitante de amiloride ou outro diurético poupador de potássio. Os diuréticos de alça induzem uma resistência relativa ao ADH e não devem ser usados.42 Os antiinflamatórios não-hormonais apresentam no DI nefrogênico os mesmos efeitos já discutidos com relação ao tratamento do DI central. O débito urinário no DI nefrogênico pode ainda ser reduzido com a utilização de uma dieta com pouco sal e pouca proteína, que induz uma diminuição na excreção de solutos (sal e uréia) e no volume de água necessário para excretá-los. Para os pacientes com DI nefrogênico parcial, talvez a utilização de níveis suprafisiológicos de HAD possa au-
mentar a resposta renal a este hormônio. Dessa forma, a desmopressina pode ser utilizada em pacientes com poliúria persistente após a utilização das outras medidas.
Pontos-chave: • Ο princípio do tratamento do diabetes insipidus central é a utilização de análogos do HAD (DDAVP). Também são úteis: clorpropamida, clofibrato, acetaminofen, carbamazepina, tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais • No diabetes insipidus nefrogênico, recomenda-se dieta com baixo teor de sal e proteínas, e o uso de tiazídicos e antiinflamatórios não-hormonais
Manifestações Clínicas de Hipernatremia As manifestações clínicas de um estado hiperosmolar dependem da existência ou não de alterações no volume dos compartimentos líquidos. Isto, por outro lado, depende de a substância que determina o estado hiperosmolar ter livre acesso à água intracelular. O estado hiperosmolar pode ser classificado em dois grupos: devido à substância com fácil acesso à água intracelular (uréia, etanol) e devido ao acúmulo de solutos habitualmente excluídos do compartimento intracelular (glicose, sódio).43 Como já mencionamos, a hipernatremia é uma das causas mais importantes de estado hiperosmolar. Como a uréia é altamente difusível, alterações na concentração plasmática de uréia não são acompanhadas de mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Apenas quando é administrada rapidamente e em grandes doses, a uréia pode causar um gradiente osmótico transcelular e produzir mudanças nos compartimentos líquidos. A ingestão de etanol é uma causa comum de hiperosmolalidade, mas, da mesma forma que a uréia, tem fácil acesso à água intracelular e, portanto, não causa mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Apenas o álcool etílico pode causar um aumento da osmolalidade de significação clínica, pois cada 100 mg/100 ml elevam a osmolalidade em 22 mOsm/L. A glicose, por sua vez, é uma substância osmoticamente ativa, pois atravessa as membranas celulares muito lentamente. Diabetes mellitus e diálise peritoneal com glicose hipertônica são situações clínicas comuns de hiperosmolalidade plasmática. Durante a fase inicial de descompensação do diabetes mellitus, ocorre hiperglicemia sem glicosúria, enquanto o limiar renal de excreção da glicose não foi excedido. Esta hiperglicemia inicial causa um aumento da osmolalidade plasmática, e o desvio da água do compartimento intracelular para o extracelular torna os dois com-
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partimentos isosmóticos. O resultado final é um aumento da osmolalidade nos dois compartimentos, aumento do volume do compartimento extracelular e hiponatremia devido à diluição do sódio no extracelular pela água proveniente do compartimento intracelular. Na segunda fase de descompensação do diabetes mellitus, a hiperglicemia excede o limiar de excreção renal e aparece a glicosúria. Nesta fase ocorre uma diurese osmótica, com grandes perdas urinárias de água e cloreto de sódio e conseqüente contração do volume plasmático. No coma diabético hiperglicêmico não-cetótico, a depleção de água pode ser tão grande que, apesar da hiperglicemia (1.000 mg/100 ml), o sódio plasmático está normal ou elevado. O organismo reage à contração do volume plasmático, desviando líquido do interstício e, mais importante, desviando líquido das células para expandir o compartimento extracelular. A água intracelular sai, acompanhada de eletrólitos (K , Cl , HPO4 ), para que a isosmolalidade transcelular seja mantida. O manejo desses pacientes requer, além da administração de insulina, a administração de líquidos e eletrólitos. Se a osmolalidade inicial não for muito elevada, administra-se solução salina isotônica, a fim de restaurar o volume plasmático. Particular atenção deve ser dada à reposição de potássio, pois, mesmo na presença de hipercalemia, a administração de insulina e líquido é seguida de rápida queda na concentração plasmática de potássio. Quando a osmolalidade plasmática inicial for muito elevada, recomenda-se a administração de uma solução salina hipotônica (NaCl a 0,45%). O sódio tem um acesso limitado ao compartimento intracelular, e o estado hiperosmolar que acompanha a hipernatremia reflete um déficit de água total, sobretudo da água intracelular. Este déficit de água pode ser acompanhado de um déficit de sódio, mas sempre em menor quantidade que a perda de água29 (v. Quadros 9.6 e 9.10). Além da associação com hipovolemia, também é possível encontrar hipernatremia com volemia normal ou aumentada. É necessário avaliar o espaço extracelular através de um cuidadoso exame físico, conforme será abordado no Cap. 10. Entre as manifestações clínicas da própria hipernatremia, predominam aquelas que refletem disfunção do sistema nervoso central, principalmente se o aumento na concentração do sódio se fez de forma rápida, ao longo de algumas horas. A maior parte dos pacientes não internados que apresentam hipernatremia é muito jovem ou idosa. Estes grupos etários apresentam alterações do mecanismo da sede, redução da capacidade de concentração máxima da urina e falha na resposta normal ao ADH.44 Em crianças, são comuns a hiperpnéia, fraqueza muscular, inquietude, choro, insônia, letargia e até mesmo coma. As crianças geralmente não apresentam sintomas até que a concentração plasmática de sódio exceda 160 mEq/L. Se o paciente está consciente, a sede pode ser intensa. O nível de consciência se correlaciona com a gravidade da hipernatremia. Convulsões não ocorrem, a menos que o pa-
Quadro 9.5 Mecanismos renais necessários para o clearance de água A. Produção de um gradiente osmótico 1. Número suficiente de nefros funcionantes 2. Oferta suficiente de NaCl aos segmentos medulares 3. Transporte suficiente de NaCl nos segmentos medulares 4. Conservação suficiente de uréia na medula renal B. Utilização do gradiente osmótico 1. Fluxo sanguíneo renal apropriado 2. Ação apropriada da vasopressina nos ductos coletores 3. Resposta apropriada da vasopressina pelos ductos coletores 4. Fluxo urinário apropriado
ciente receba sobrecarga de sódio ou reidratação muito intensa. Entre os pacientes hospitalizados, as manifestações podem não ser tão nítidas, pois muitos deles apresentam doença neurológica preexistente. Na maioria das vezes, há alterações sensoriais, como confusão mental, estupor e, eventualmente, coma. Pode haver hipotensão, taquicardia e até hipertermia. O volume urinário é pequeno, a menos que haja uma diurese osmótica ou uma síndrome poliúrica. A concentração plasmática das proteínas está elevada e, se houver um déficit de sódio associado, verifica-se uma elevação da hemoglobina e do hematócrito. O líquido cefalorraquidiano pode ser xantocrômico ou sanguinolento, graças a um aumento da permeabilidade ou mesmo ruptura dos capilares cerebrais devido à redução de volume do cérebro.
Pontos-chave: • As principais manifestações da hipernatremia se relacionam ao sistema nervoso central e dependem da idade do paciente e da rapidez de instalação • Os sintomas são mais intensos na hipernatremia aguda que na crônica, pois o mecanismo de compensação (ganho intracelular de osmóis) não está ativado
Manejo do Paciente com Hipernatremia LINHAS GERAIS O tratamento da hipernatremia depende de dois fatores importantes: volume do compartimento extracelular e ritmo de aparecimento da hipernatremia. Na hipernatremia associada à depleção do volume extracelular, o primeiro objetivo é restaurar a volemia com
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Quadro 9.6 Interpretação e manejo da hipernatremia* Distúrbio básico
Sódio total do organismo
Perda de água e sódio
Sódio total reduzido
Causas clínicas
Osmolalidade urinária e NaU**
Tratamento Solução salina isotônica
Perdas extra-renais: sudorese
Urina iso - ou hipotônica; NaU 20 mEq/L Urina hipertônica NaU 10 mEq/L
Perdas renais: (diurese osmótica)
Perda de água
Sódio total normal
Perdas renais: diabetes insipidus, central ou nefrogênico Perdas extra-renais: pele e trato respiratório
Urina iso-, hipo- ou hipertônica NaÜ variável Urina hipertônica NaÜ variável
Água ou soro glicosado a 5%
Adição de sódio
Excesso de sódio total
Hiperaldosteronismo primário; síndrome de Cushing; diálise hipertônica; bicarbonato de sódio hipertônico
Urina iso - ou hipertônica NaU 20 mEq/L
Água ou soro glicosado a 5% diuréticos
*Modificado de Berl, T. e cols.8 **NaÜ indica a concentração urinária de sódio.
soro fisiológico. Se houver sinais de colapso circulatório pela contração de volume, a solução salina isotônica deve ser administrada até que a instabilidade hemodinâmica seja corrigida. Posteriormente, podem ser utilizados o soro glicosado a 5% ou uma solução hipotônica (0,45%) de cloreto de sódio. Se não houver instabilidade hemodinâmica inicial, inicia-se a administração simultânea de soro glicosado a 5% e solução salina isotônica. Quando se dispuser de uma solução salina hipotônica (NaCl 0,45%), esta será preferida. O manejo dos pacientes com hipernatremia associada a um excesso de volume extracelular baseia-se na reposição de água por via oral ou parenteral e na remoção do sódio com diuréticos de alça. Na presença de insuficiência renal, hipernatremia e excesso de volume são manejados através de diálise. Finalmente, naqueles pacientes com hipernatremia e volemia normal o manejo baseia-se na interrupção da perda continuada de líquido e na administração de água sob a forma de soro glicosado a 5%. A administração de líquido pode ser feita por via oral, via sonda nasogástrica ou via parenteral.46
CÁLCULO DO DÉFICIT DE ÁGUA Considere um paciente com peso usual de 70 kg, apresentando sódio plasmático atual de 155 mEq/L e sódio normal de 140 mEq/L: 1.º passo: Calcular a água total normal deste paciente: 70 kg x 60% 42 litros (alguns autores consideram a água total do homem como 60% do peso corporal, e 50% nas mulheres, por possuírem mais tecido adiposo e, logo, menos água. Além disso, consideram a água total atual como
sendo menor em pacientes hipernatrêmicos e que estão com déficit de água; logo usam, em vez de 60% e 50%, valores de 50% e 40% para homens e mulheres, respectivamente). 2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este paciente possui com o sódio em 155 mEq/L. Água atual
Água normal Sódio normal Sódio atual
42 140 155
⬵ 38 litros
3.º passo: Calcular o déficit de água: Água atual água normal 38 42 4 litros de déficit de água. Esta é a quantidade de fluido hipotônico que o paciente necessita receber para que seu sódio plasmático retorne a 140 mEq/L.
TIPO DE FLUIDO A escolha do fluido a ser infundido para a correção da hipernatremia depende da via de administração e da necessidade de corrigir outro distúrbio hidroeletrolítico coexistente. Para uso enteral, podem ser utilizadas a água destilada ou soluções eletrolíticas hipotônicas.27 Para reposição endovenosa, o fluido ideal é aquele que não contém osmóis efetivos e ao mesmo tempo não ocasione o risco de hemólise por exposição dos eritrócitos a um fluido excessivamente hipotônico. Alguns autores sugerem que a correção com solução contendo glicose está associada a acidose láctica intracelular cerebral, devendo por isto ser evitada.27 Em alguns casos, a solução salina a 0,9%, contendo 154 mEq de sódio por litro, pode ser útil. Isto é verdadeiro quando coexiste depleção do espaço extracelular com a
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hipernatremia. Esta solução (154 mEq/L) terá ainda um certo efeito diluidor sobre o plasma em condições de hipernatremia muito intensa. Na maioria das vezes, entretanto, a correção de hipernatremia somente com solução salina isotônica é um procedimento inadequado. É preferível repor uma solução salina a 0,45%, o que pode ser obtido pela infusão simultânea de volumes iguais de SG 5% (ou água destilada) e solução salina isotônica (a 0,9%).27 Há autores que recomendam que a solução glicosada a 5% seja utilizada nas situações em que existe a possibilidade de sobrecarga de volume com a infusão de fluidos contendo sódio, como na insuficiência cardíaca.27
RITMO DE CORREÇÃO Uma correção rápida da hipernatremia é perigosa. Com a hipernatremia ocorre saída de líquido das células cerebrais. Dentro de 1-3 dias o volume cerebral é restaurado por líquido cefalorraquidiano (aumentando o volume intersticial) e pela entrada de solutos nas células (atraindo água para o interior das células e logo restaurando o volume). Em casos de hipernatremia aguda, que se desenvolve em algumas horas, a correção rápida é relativamente segura e eficaz. Porém, nas hipernatremias que se instalam ao longo de várias horas ou dias, é necessária uma abordagem mais cautelosa. Nesta situação crônica, uma correção rápida causa movimento osmótico de água para dentro do cérebro, aumentando o seu volume.27 Este edema cerebral pode causar convulsões, lesão neurológica irreversível e morte. Há evidência de que existe segurança com um ritmo de correção entre 0,5-0,7 mEq/L por hora, acima do qual reações adversas ocorrem.47 Nenhuma reação adversa ocorre quando o ritmo de correção não excede 0,5 mEq/L por hora. Assim, se o sódio plasmático for de 168 mEq/L, o excesso de 28 mEq/L (168-140) deve ser corrigido em 56 horas (28 divididos por 0,5 mEq).27 Algumas vezes, a taxa de correção não se iguala àquela que foi calculada. Isto provavelmente se deve a perdas continuadas de fluidos hipotônicos. Nestas circunstâncias, o tratamento da doença de base deve ser revisado e todas as perdas fluidas devem ser reavaliadas e acrescentadas à reposição já calculada. Idealmente, deve ser feita uma monitorização laboratorial a cada 4-6 horas para avaliar a eficácia do tratamento.27 A piora do quadro neurológico durante a reposição de fluido hipotônico pode significar o desenvolvimento de edema cerebral e requer reavaliação imediata e interrupção temporária da reposição.44
EVOLUÇÃO Aparentemente, a morbidade e a mortalidade pela hipernatremia se relacionam principalmente com a rapidez de instalação do distúrbio, e não com sua intensidade. Mesmo com o tratamento, a mortalidade em adultos ultrapassa 40%, o que em parte pode ser conseqüência da do-
ença de base. Muitos dos pacientes que sobrevivem desenvolvem algum grau de dano cerebral permanente.27 Além disso, alguns autores relatam a possibilidade de a hipernatremia crônica acionar um processo catabólico sistêmico. A hipótese é que a diminuição do volume das células hepáticas e musculares pela hipernatremia desencadearia um processo de catabolismo protéico, caquexia e degradação tecidual.27
Pontos-chave: • Ο tratamento da hipernatremia é feito com soluções hipotônicas • Para evitar edema cerebral, a correção dos níveis plasmáticos de sódio não deve exceder 0,5 mEq/L por hora
EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO HIPOSMOLAR Em condições normais, a concentração plasmática de sódio é mantida dentro de limites estreitos, 135 a 145 mEq/L, devido à regulação da sede e adequada secreção e ação do HAD. A capacidade de o rim excretar água sem solutos (controlada pelo HAD) é um ponto fundamental no controle da tonicidade do organismo.45 A osmolalidade efetiva ou tonicidade se refere à contribuição de solutos que não podem atravessar livremente todas as membranas celulares (como o sódio e a glicose), induzindo assim desvios transcelulares de água (v. Cap. 8).48 A dificuldade na excreção de água livre é uma das causas mais comuns de hiponatremia ou estado hiposmolar encontrado no paciente hospitalizado, correspondendo a 1-2% dos pacientes admitidos por doença aguda ou crônica.45 Os idosos apresentam diminuição da capacidade de eliminação de uma carga de água, o que pode explicar em parte a suscetibilidade deste grupo ao desenvolvimento de hiponatremia.44 As principais situações clínicas associadas à hiponatremia estão agrupadas no Quadro 9.7. A hiponatremia pode resultar de liberação excessiva de HAD, anormalidades na diluição urinária e/ou desordens do mecanismo da sede.45 Enquanto a hipernatremia sempre implica hipertonicidade e hiperosmolalidade, a hiponatremia pode cursar com tonicidade baixa, normal ou aumentada.48 A hiponatremia dilucional ou hipotônica (também chamada de hiponatremia real), que é a forma mais comum de hiponatremia, é causada por retenção de água e cursa com osmolalidade plasmática menor que 275 mOsm/kg. Se a ingesta ou aporte de água é superior à capacidade de excreção renal, ocorrerá diluição dos solutos do organismo,
capítulo 9
Quadro 9.7 Situações clínicas associadas com hiponatremia* 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
Pseudo-hiponatremia Insuficiência cardíaca congestiva Cirrose hepática avançada Síndrome nefrótica Insuficiência renal crônica Contração de volume intravascular ou extravascular Estresse emocional e físico Distúrbios endócrinos Agentes farmacológicos Síndrome de secreção inapropriada de vasopressina
*Obtido de Berl, T. e col.8
resultando em hiposmolalidade e hipotonicidade. São causas deste tipo de hiponatremia: insuficiência cardíaca, secreção inapropriada de HAD e depleção do espaço extracelular.48-50 A hiponatremia hiperosmolar ou hipertônica ocorre na hiperglicemia e infusão de manitol e cursa com osmolalidade plasmática habitualmente superior a 290 mOsm/kg.48,50 Por fim, a hiponatremia isosmolar ou isotônica é a causada por hiperproteinemia ou hiperlipidemia graves (pseudo-hiponatremia) e cursa com osmolalidade plasmática normal, de 275-290 mOsm/kg.49 A hiponatremia também pode ser classificada de acordo com sua duração, sendo chamada de aguda, quando dura menos que 48 horas, e crônica, quando ultrapassa este período.51
Causas de Hiponatremia PSEUDO-HIPONATREMIA Tanto a hiperproteinemia (por exemplo, no mieloma múltiplo) como a hiperlipidemia podem resultar em dosagens aparentemente baixas de sódio, devido ao espaço que estas substâncias ocupam na fase aquosa de uma amostra de sangue.45,52 Se grandes quantidades de macromoléculas ou lipídios estão presentes, a quantidade de água por unidade de volume de plasma está diminuída. Os laboratórios apresentam os resultados da dosagem de sódio por unidade de volume de plasma. Entretanto, a concentração real de sódio é a quantidade (mEq) em uma unidade de volume (1 litro) de plasma dividida pela percentagem de água no plasma (cerca de 93%). Os 7% restantes do plasma correspondem às proteínas e lipídios. Uma vez que os íons sódio estão dissolvidos somente na fase aquosa do plasma, uma concentração de sódio de 143 mEq/L no plasma total equivale a uma concentração de 154 mEq/L na água do plasma (143 0,93). Para evitar avaliações errôneas, o plasma pode ser centrifugado para separar e remover as proteínas e os lipídios, ou a dosagem pode ser feita diretamente com eletrodos sensíveis a íons, que somente reconhecem a quantidade de sódio dissolvido na água do plasma.45
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A redução na dosagem de sódio causada por hipertrigliceridemia pode ser calculada multiplicando-se a concentração plasmática dos triglicérides (mg/dl) por 0,002. Por exemplo, para uma concentração de triglicérides de 5.000 mg/dl, a concentração de sódio diminuiria de 144 para 134 mEq/L.45 Para pacientes com hiperproteinemia, calcula-se a repercussão sobre a dosagem plasmática de sódio multiplicando-se a quantidade de elevação da proteína total acima de 8 g/dl por 0,25. Por exemplo, para uma concentração plasmática de proteína de 17 g/dl, a concentração de sódio diminui apenas 2,25 mEq/L. A pseudo-hiponatremia é tratada com a correção da doença que ocasiona o distúrbio.45 Em todo caso, para uma conclusão correta sobre uma baixa concentração de sódio, é prudente verificar que método está sendo utilizado pelo laboratório para a dosagem deste íon.
REDISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA Outra causa de hiponatremia em que a diminuição na concentração de sódio não está associada com uma diminuição na osmolalidade plasmática também merece um comentário especial. Quando está presente no plasma grande quantidade de um soluto (que não o sódio) que não se difunde livremente através das membranas celulares, criase um gradiente osmótico que favorece o movimento de água do intracelular para o extracelular, resultando em hiponatremia com hipertonicidade. A causa mais comum deste tipo de hiponatremia é a hiperglicemia, mas também tem sido relatada durante terapia com manitol hipertônico. Ao contrário do que ocorre com a hiperlipidemia e hiperproteinemia, a baixa concentração de sódio nestas circunstâncias é um reflexo real da concentração de sódio no espaço extracelular. O que ocorre é a passagem de água do intracelular para o extracelular, diluindo o sódio do plasma. O tratamento deste tipo de hiponatremia deve ser dirigido à correção das concentrações elevadas de glicose ou manitol, o que resultará no movimento de água para o intracelular, com restauração da concentração do sódio plasmático ao normal.45 Outra causa é a irrigação durante cirurgia de próstata, com grandes volumes de manitol, sorbitol, glicina ou água destilada, que acabam sendo absorvidos através do leito cirúrgico cruento. Inicialmente, o soluto absorvido fica confinado ao espaço extracelular, trazendo água do intracelular, a qual dilui o sódio plasmático, resultando num estado de hiponatremia isotônica. O manitol é imediatamente excretado na urina, mas o sorbitol e a glicina são metabolizados, causando severa hipotonicidade e desvio de água para o intracelular. Sintomas neurológicos graves podem ocorrer, especialmente com a glicina, devido à neurotoxicidade direta do aminoácido e níveis elevados de amônio gerados durante seu metabolismo.45 Para calcular a contribuição da glicose ou do manitol para a osmolalidade plasmática, basta dividir a concentra-
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Metabolismo da Água
ção plasmática (mg/100 ml) pelo peso molecular da substância (glicose e manitol têm peso molecular de 180). Multiplica-se a concentração plasmática da substância por 10 para transformar mg/100 ml em mg/L. Exemplo: se a concentração plasmática da glicose for 180 mg/100 ml, a contribuição para a osmolalidade será: 180 10 180 10 mOsm/L. Pode-se também considerar que para cada 100 mg/dl de elevação na glicemia acima de 200 mg/dl, há uma redução de 1,6 mEq/L no sódio plasmático. Exemplo: a glicemia passou de 200 a 1.200 mg/dl. A concentração de sódio plasmático deve cair de 140 para 124 mEq/L sem alteração no conteúdo total de água ou de eletrólitos, mas apenas com desvio de água do intracelular para o extracelular (1,6 mEq/L 10 16 mEq).
INTOXICAÇÃO AGUDA PELA ÁGUA Hiponatremia pode desenvolver-se agudamente em pacientes que ingerem grandes quantidades de fluido hipotônico. Isto ocorre em três situações: pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) normal que ingerem grandes quantidades de água (polidipsia psicogênica); pacientes com TFG muito reduzida que ingerem quantidades moderadas de água; e pacientes bebedores de cerveja.45 A polidipsia psicogênica ou ingestão compulsiva de água é relatada em pacientes psiquiátricos, sendo que parte deles desenvolve hiponatremia sintomática. A ingesta aguda de líquidos pode exceder 15-20 litros ao dia, superando a capacidade máxima do rim em eliminar a sobrecarga de água. De modo geral, a interrupção da ingesta excessiva e uma diurese volumosa são suficientes para a correção da hiponatremia; estes pacientes raramente desenvolvem sintomas. Porém, um grupo de pacientes psiquiátricos desenvolve hiponatremia sintomática. Nestes, estudos demonstraram sensibilidade aumentada ao HAD, defeito na diluição urinária independente do HAD ou mesmo níveis elevados de HAD. Alguns fatores, tais como a própria psicose, náuseas, nicotina e várias drogas psicotrópicas, estimulam a secreção de HAD.45 Hiponatremia é bem descrita em indivíduos que ingerem grandes quantidades de cerveja, sem aporte nutricional adequado. Nesta situação, há redução da quantidade de urina diluída que pode ser formada, pois há poucos solutos na urina. Na insuficiência renal, a diluição urinária não está comprometida, mas a quantidade total de urina que pode ser excretada está muito reduzida devido ao comprometimento da TFG. Por exemplo, num paciente com TFG de 5 litros ao dia, apenas 30% do filtrado glomerular alcançam os segmentos diluidores do nefro, resultando em 1,5 litro de urina ao dia. Mesmo que os níveis de HAD estivessem completamente suprimidos, e que os 5 litros de filtrado alcançassem o segmento diluidor, o volume urinário não poderia exceder 5 litros. Então, no paciente com insuficiência renal severa, a ingestão excessiva de água pode fa-
cilmente exceder a capacidade do rim de excretar uma carga de água, mesmo que o mecanismo de diluição esteja intacto.45
HIPONATREMIA CRÔNICA A abordagem racional ao paciente com hiponatremia envolve uma avaliação correta do sódio corporal total e espaço extracelular (através do exame físico),31 osmolalidade urinária e sódio urinário (v. Quadros 9.11 e 9.12). A avaliação e a classificação do paciente hiponatrêmico com base na volemia têm sido utilizadas desde a década de 1960.
Hiponatremia com Sódio Corporal Total Aumentado Hiponatremia com um aumento no sódio corporal é observada em três situações: cirrose, síndrome nefrótica e insuficiência cardíaca congestiva. O exame físico destes pacientes demonstra sinais de sobrecarga e excesso do extracelular (v. Cap. 10). O denominador comum entre estas condições é um volume circulante efetivo diminuído, ao qual o rim responde como se estivesse sendo hipoperfundido, com menor TFG e retendo sódio proximalmente. Esta diminuição do volume circulante efetivo ativa a liberação não-osmótica de HAD, o sistema reninaangiotensina-aldosterona e o sistema simpático. A concentração urinária encontra-se aumentada, como resultado da secreção excessiva de HAD e pelo menor fluxo urinário, que tem maior tempo de contato com o epitélio do ducto coletor, permitindo maior retrodifusão passiva de água para o interstício. Com aumento da gravidade da cirrose, síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca congestiva, perde-se a capacidade de concentrar a urina, e uma urina isotônica com o plasma, e com alto teor de sódio, é elaborada. Deve-se tomar cuidado ao avaliar a dosagem de sódio urinário nos pacientes que recebem diuréticos, particularmente os diuréticos de alça, pois também produzem urina hipotônica e com sódio alto.45
Hiponatremia com Sódio Corporal Total Diminuído Hiponatremia associada com diminuição do espaço extracelular pode ocorrer por perdas renais ou não-renais. A semiologia evidencia sinais de contração do espaço extracelular (v. Cap. 10). As perdas não-renais incluem as perdas gastrintestinais (diarréia e vômitos), perdas cutâneas excessivas (queimaduras, raramente sudorese) ou acúmulo de terceiro espaço (pancreatite, peritonite, queimaduras, esmagamento muscular). Em todas estas situações, a redução do espaço extracelular resulta em hipoperfusão renal e diminuição da TFG. Isto provoca aumento da reabsorção de sódio no túbulo proximal, com menos sódio disponível para os segmentos diluidores distais. Também existe um estímulo ao HAD, com maior reabsorção de água. Recentemente tem sido descrita a síndrome de hiponatremia dos maratonis-
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capítulo 9
tas, em que os atletas perdem grandes quantidades de sódio pelo suor e de modo geral ingerem fluidos de reposição que contêm água, glicose e pouco sódio.45,53,54 Perdas renais de sódio são observadas com o uso de diuréticos, doença renal intersticial crônica e deficiência de aldosterona. Todos os diuréticos, independentemente de seu local de ação, induzem um balanço negativo de sódio. Esta depleção de sódio, por sua vez, desencadeia a liberação não-osmótica de HAD. Na nefrite intersticial crônica, há lesão direta das células tubulares nos segmentos diluidores distais e alteração da arquitetura renal normal. Disso resultam uma perda renal de sódio e diminuição do clearance de água livre. Por fim, na deficiência de aldosterona, o defeito na diluição urinária está relacionado ao balanço negativo de sódio, que resulta em diminuição do sódio que chega aos segmentos diluidores distais, e à liberação não-osmótica de HAD induzida pela depleção do EEC.45
Hiponatremia com Sódio Corporal Aparentemente Normal Hiponatremia em um paciente com o espaço extracelular aparentemente normal pode resultar de secreção inapropriada de HAD (SIHAD) ou de um reajuste de osmostato.45 A SIHAD foi inicialmente descrita em 1957.55 É assim chamada, pois a secreção de HAD não se deve a um estímulo osmótico ou não-osmótico. Tem como características a hiponatremia, hipotonicidade, urina inapropriadamente concentrada, sódio urinário elevado e, freqüentemente, ácido úrico plasmático em níveis baixos.56 As causas desta síndrome podem ser observadas no Quadro 9.8. O mecanismo básico da SIHAD é atividade HAD ou HAD-símile excessiva, causando aumento da reabsorção de água no ducto coletor, resultando em expansão do espaço extracelular. Como apenas um terço da água retida é distribuída no espaço extracelular, sinais de hipervolemia, como edema ou ingurgitamento das veias do pescoço, não estão presentes. Porém, uma discreta expansão do intravascular resulta em aumento do fluxo plasmático renal e TFG e diminuição da reabsorção proximal de sódio. Como a secreção de aldosterona é normal ou tende a ser suprimida pela expansão crônica de volume, uma quantidade significativa de sódio deixa de ser reabsorvida na alça de Henle e túbulo distal. Conseqüentemente, quantidades aumentadas de sódio chegam ao túbulo coletor, que possui capacidade limitada de absorver sódio, e a excreção de sódio está aumentada.45 A hipouricemia encontrada na SIHAD se deve a uma menor reabsorção proximal de ácido úrico.57 Cabe aqui um comentário a respeito da hiponatremia em pacientes com SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida). A hiponatremia é encontrada em 35-55% dos pacientes aidéticos internados e é geralmente causada por SIHAD relacionada a pneumonia, neoplasia ou infecção do sistema nervoso central. Eventualmente perdas por diar-
Quadro 9.8 Situações clínicas associadas com SIHAD* 1. Produção excessiva de HAD por tumor • Pulmão, gastrintestinal, timo, próstata, linfoma 2. Aumento da liberação hipotálamo-hipofisária de HAD a) Doença pulmonar • Tuberculose, pneumonia, abcesso b) Doenças do sistema nervoso central • Trauma, convulsões, meningite, encefalite, abcesso • Tumor • Hemorragia subdural, subaracnóide, aneurisma • Acidente vascular encefálico c) Doenças endócrinas • Deficiência de glicocorticóides • Mixedema d) Drogas • Opiáceos e barbitúricos • Ecstasy • Sulfoniluréias (clorpropamida, tolbutamida) • Nicotina • Clofibrato • Antidepressivos tricíclicos • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina, sertralina) • Carbamazepina • Drogas antineoplásicas (vincristina, vinblastina) • Tiazídicos e) AIDS 3. Administração exógena de HAD 4. Drogas que potencializam o efeito do HAD ou têm efeito HAD-símile • Clorpropamida • Ciclofosfamida64 • Ocitocina *SIHAD = Síndrome da secreção inapropriada de HAD.
réia podem causar depleção de volume circulante efetivo, ativando a liberação de HAD pelos mecanismos já descritos. Uma causa menos comum de hiponatremia em aidéticos é a insuficiência de adrenais, relacionada com infecção por citomegalovírus, micobactérias, pelo próprio HIV ou ainda por infiltração e hemorragia por sarcoma de Kaposi.58 Os pacientes com um quadro compatível com reajuste do osmostato possuem um limiar de osmorregulação em torno de uma hiposmolalidade plasmática. Estes pacientes conseguem suprimir o HAD adequadamente quando a osmolalidade plasmática está baixa e a diluição urinária é adequada. Em situação de hipertonicidade, há aumento apropriado na secreção de HAD e concentração urinária. O reajuste de osmostato pode ser encontrado em qualquer uma das causas de SIHAD, estados hipovolêmicos, quadriplegia, psicose, desnutrição e tuberculose.45,59 A hiponatremia não é progressiva e melhora espontaneamente com a resolução da doença básica.45
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Metabolismo da Água
Pontos-chave: • Ο diagnóstico de hiponatremia é feito com concentrações plasmáticas de sódio 135 mEq/L • Hiponatremia pode cursar com volemia normal, aumentada ou diminuída
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA O nível de hiponatremia que pode causar sinais e sintomas varia com o ritmo de queda do sódio plasmático e com a idade do paciente. Em geral, um paciente mais jovem tolera melhor um determinado nível de hiponatremia que um mais idoso. Entretanto, hiponatremia aguda pode determinar importantes sinais e sintomas do sistema nervoso central: depressão do nível de consciência, convulsões e morte, mesmo com níveis de sódio plasmático entre 125 e 130 mEq/L. Estas manifestações são atribuídas principalmente a um edema cerebral, causado pela rápida redução na concentração plasmática de sódio.60 Isto ocorre porque não há tempo para as células cerebrais eliminarem partículas osmoticamente ativas do seu interior, reduzindo assim o edema celular. Por outro lado, este mecanismo protetor contra o edema cerebral é muito efetivo na hiponatremia crônica, de forma que um paciente pode estar assintomático com um sódio plasmático inferior a 110 mEq/L. Os sinais e sintomas se correlacionam com o grau de edema cerebral. Náuseas e mal-estar são sintomas precoces e podem ser observados quando a concentração plasmática de sódio cai para 125-130 mEq/L. Na seqüência ocorrem cefaléia, letargia, obnubilação e eventualmente convulsões, coma e parada respiratória, caso o sódio caia para 115-120 mEq/L.60 Outros sinais e sintomas incluem câimbras e anorexia, diminuição dos reflexos tendinosos profundos, reflexos patológicos, hipotermia e paralisia pseudobulbar. São particularmente suscetíveis ao edema cerebral mulheres jovens em pós-operatório, mulheres idosas usando diuréticos tiazídicos, crianças e pacientes hipoxêmicos.51 Estão presentes também os sinais e sintomas relacionados à doença de base que ocasionou a hiponatremia.45
Diagnóstico Na avaliação de um paciente hiponatrêmico, a história clínica é de grande importância, assim como a verificação do balanço hídrico, perdas e aporte de fluidos nos dias precedentes.50 Além da dosagem do sódio plasmático e do sódio urinário, a osmolalidade plasmática, osmolalidade urinária,
potássio plasmático e gasometria são de utilidade no diagnóstico diferencial das hiponatremias. A osmolalidade plasmática encontra-se diminuída na maior parte dos pacientes hiponatrêmicos, uma vez que é basicamente determinada pela concentração plasmática de sódio. Mas, em alguns casos, a osmolalidade (e não a tonicidade) do plasma está normal (como na hiperlipidemia e na hiperproteinemia) ou elevada (hiperglicemia, administração de manitol). Quando há osmolalidade plasmática elevada, ocorre movimento osmótico de água para fora das células, e a concentração de sódio no plasma diminui por diluição.57 A resposta renal apropriada em presença de um excesso de água é excretar urina maximamente diluída. Quando isto não ocorre, deve-se suspeitar de que exista ação do ADH ou anormalidade renal.61 Na urina, a osmolalidade auxilia a diferenciar entre uma alteração na capacidade de excretar urina diluída (presente na maior parte dos casos) e a polidipsia primária, na qual a excreção de água é normal, mas a ingesta é tão volumosa que ultrapassa a capacidade de excreção. Na polidipsia primária, a resposta à hiponatremia é a supressão do HAD, resultando numa urina com osmolalidade abaixo de 100 mOsm/kg e densidade menor que 1,003. No restante dos casos, a secreção de HAD continua apesar da hiponatremia, prejudicando a diluição urinária e mantendo a osmolalidade urinária maior ou igual a 300 mOsm/kg.57 Concentrações urinárias de sódio menores que 25 mEq/L sugerem a participação de perdas não-renais de sódio na gênese da hiponatremia, enquanto concentrações superiores a 40 mEq/L sugerem secreção inapropriada de HAD.57 A dosagem do potássio e a verificação do estado ácidobásico podem auxiliar a diferenciar algumas situações: por exemplo, alcalose metabólica e hipocalemia indicam uso de diuréticos ou vômitos; acidose metabólica e hipocalemia sugerem diarréia ou uso de laxantes, e acidose metabólica e hipercalemia sugerem insuficiência adrenal.57
TRATAMENTO DA HIPONATREMIA Linhas Gerais Com exceção da pseudo-hiponatremia e da hiperglicemia, a hiponatremia implica um desvio de água para dentro das células e edema das células. Este desvio é particularmente importante no sistema nervoso central, uma vez que o cérebro está alojado no espaço inextensível da caixa craniana e o edema cerebral causa sintomas graves.61 A idade do paciente, rapidez de instalação da hiponatremia, avaliação do volume do compartimento extracelular e a concentração do sódio urinário são muito importantes no planejamento terapêutico dos pacientes com hiponatremia (Quadros 9.9 e 9.11).45 A doença básica deve ser
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capítulo 9
Quadro 9.9 Interpretação e manejo da hiponatremia* Distúrbio básico
Compartimento extracelular
Déficit de água total e déficit maior de sódio total
Depleção do volume extracelular
Causas clínicas Perdas renais: excesso de diuréticos; Deficiência de mineralocorticóide; Nefrite perdedora de sal; Acidose tubular renal com bicarbonatúria Perdas extra-renais: vômitos, diarréias, terceiro espaço; queimaduras, pancreatite
Concentração urinária de sódio (NaU)** NaÜ > 20 mEq/L
Tratamento Solução salina isotônica
NaÜ 10 mEq/L
Excesso de água total
Discreto excesso de volume extracelular (sem edema)
Defic. de glicocorticóide; Hipotireoidismo; Dor, emoção, drogas; Síndrome de secreção inapropriada de HAD
NaÜ 20 mEq/L
Restrição de água
Excesso de sódio total e maior excesso de água total
Excesso do volume extracelular (edema)
Síndrome nefrótica; Insuf. cardíaca; Cirrose hepática
NaÜ 10 mEq/L
Restrição de água
Insuf. renal aguda e crônica
NaÜ 20 mEq/L
*Modificado de Berl, T. e cols.8 **NaÜ indica a concentração urinária de sódio.
avaliada e tratada adequadamente. Deve ser interrompido o uso de qualquer agente farmacológico que interfira com o manejo renal da água.45 A maior parte dos pacientes hiponatrêmicos são assintomáticos e apresentam concentração plasmática de sódio maior que 120 mEq/L. Nestes, a correção da hiponatremia pode ser feita de modo mais lento e gradual, através da restrição de água livre,62 e o tratamento com solução salina hipertônica não é indicado.45 Com a restrição de água livre para menos de 1 litro ao dia, ocorre balanço negativo de água, e o sódio plasmático é corrigido lentamente. Em pacientes que se alimentam normalmente por via oral, a taxa de correção do sódio com a restrição de água raramente excede 1,5 mEq/dia. Já nos que não estão recebendo nutrição via oral, e são mantidos apenas com fluidos intravenosos, o balanço entre as perdas insensíveis e a reposição pode estar próximo de zero, e será ainda mais difícil obter um balanço negativo de água.45 Em um paciente hiponatrêmico com depleção do extracelular concomitante, a solução salina isotônica (154 mEq de sódio por litro) é a solução escolhida. A solução salina causa repleção do extracelular, interrompendo o estímulo
para a liberação de HAD, permitindo que a água em excesso seja eliminada. Além disso, a solução salina também auxilia na correção da hiponatremia por possuir uma concentração de sódio mais elevada (154 mEq/L) que o plasma hiponatrêmico.62 Se o paciente apresenta excesso do extracelular concomitantemente, ou se o paciente estiver perdendo o sódio infundido através da urina, pode ser administrado diurético de alça juntamente com a salina hipertônica. Nesta situação, é necessário avaliar a dosagem do sódio na urina após início do tratamento, para que este sódio seja reposto, ao menos parcialmente. Se a correção do sódio plasmático for menor que a esperada, a infusão deve ser reajustada. 45 Na hiponatremia que ocorre no diabetes, a correção da hiperglicemia fará a água retornar para o interior das células, normalizando a concentração plasmática de sódio. A hiponatremia associada a um excesso de sódio total no organismo ocorre na insuficiência cardíaca, insuficiência renal, cirrose ou síndrome nefrótica. O manejo destes pacientes com excesso de água e sal baseia-se na restrição
126
Metabolismo da Água
Quadro 9.10 Diagnóstico diferencial da hipernatremia HIPERNATREMIA
AVALIAR VOLEMIA
NORMOVOLEMIA – Água corporal total 앗 – Sódio corporal total ↔
HIPOVOLEMIA – Água corporal total 앗앗 – Sódio corporal total 앗
NaU 20
NaU 20
Perda Renal de H2O Na Diurético osmótico de alça Pósdesobstrução Doença renal
Perda Extra-renal de H2O Na Sudorese excessiva Queimaduras Diarréia Fístulas
NaU variável
Perda Renal de H2O D insipidus Hipodipsia
Perda Extra-renal de H2O Perda insensível Pele Respiratória
HIPERVOLEMIA – Água corporal total 앖 – Sódio corporal total 앖앖
NaU 20
Ganho de Sódio Primário Hiperaldosteronismo S. Cushing Diálise hipertônica Bic. sódio hipertônico Comprimidos de NaCl
Adaptado de Schrier, R.W.31 NaU sódio urinário (mEq/L).
Quadro 9.11 Diagnóstico diferencial da hiponatremia HIPONATREMIA
AVALIAR VOLEMIA
HIPOVOLEMIA – Água corporal total 앗 – Sódio total 앗앗
NaU 20
Perda Renal – Diuréticos – Deficiência de mineralocorticóide – Nefrite intersticial crônica – Diurese osmótica Adaptado de Schrier, R.W.31 NaÜ sódio urinário (mEq/L).
NaU 20
Perda Extra-renal – Vômitos – Diarréia – Terceiro espaço
EUVOLEMIA – Água corporal total 앖 – Sódio total ↔
NaU 20
– Deficiência de glicocorticóide – Hipotireoidismo – Drogas – Estresse – SIHAD
HIPERVOLEMIA – Água corporal total 앖앖 – Sódio total 앖
NaU 20
– Insufic. renal aguda ou crônica
NaU 20
– Síndrome nefrótica – Cirrose – Insufic. cardíaca
127
capítulo 9
de água e sal e no uso apropriado de diuréticos. Considerar hemodiálise nos casos de concomitante insuficiência cardíaca congestiva ou síndrome nefrótica. O manejo dos pacientes com hiponatremia e depleção do volume extracelular baseia-se na expansão do volume circulante com solução salina isotônica. Os diuréticos, se em uso, deverão ser suspensos, e potássio deverá ser administrado, se houver hipocalemia. No caso da insuficiência de adrenal, deve ser feita a adequada reposição hormonal. Nos pacientes com hiponatremia e sem sinais de alteração do sódio total do organismo, como ocorre na SIHAD e reajuste do osmostato, o manejo básico é a restrição líquida, que geralmente normaliza a concentração plasmática do sódio. Apenas quando há sintomas de intoxicação aquosa, há necessidade de uma correção mais rápida (estupor, coma, convulsões). Em caso de necessidade de uso de solução contendo sódio, considerar que o manejo renal do sódio na SIHAD está intacto, ao contrário da depleção do extracelular, em que o sódio é retido. Isto significa que o sódio administrado será eliminado na urina, e para isso necessitará de um volume de água. Por exemplo, ao se administrar 1 litro de solução salina isotônica (300 mOsm), o sódio será eliminado juntamente com cerca de 500 ml de água. Os 500 ml restantes terminarão por diluir ainda mais o plasma hiponatrêmico. Se for administrada uma solução hipertônica a 3% (1.026 mOsm/L), o sódio será eliminado pela urina, mas para isso necessitando de um volume maior de água, o que produz um balanço negativo de água, colaborando para a correção da hiponatremia. Concluindo, na hiponatremia sintomática da SIHAD a osmolalidade do fluido administrado deve exceder a osmolalidade da urina (que nesta síndrome geralmente é superior a 300 mOsm/L). Portanto, a solução salina é de pouca utilidade nesta situação. Pode haver benefício também na administração de diurético de alça, o qual inibe a reabsorção de cloro no ramo ascendente espesso da alça de Henle, o que interfere com o mecanismo de contracorrente e induz um estado de resistência ao ADH. A demeclociclina e o lítio diminuem a responsividade do túbulo coletor ao HAD e aumentam a excreção de água.62 Para os pacientes hiponatrêmicos com insuficiência cardíaca, cirrose ou SIHAD, uma perspectiva para o futuro é a utilização de um antagonista seletivo dos receptores V2 (antidiuréticos) do HAD, atualmente em fase de testes. Este agente produziria um balanço negativo de água sem produzir mudanças na excreção de sódio e potássio.62,63
Cálculo do Excesso de Água Calcular qual o excesso de água em um paciente de 70 kg, com sódio plasmático de 120 mEq/L. 1.° passo: Calcular qual seria a água total normal deste paciente: 70 kg 60% 42 litros.
2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este paciente possui com o sódio em 120 mEq/L. Água atual
Água normal Sódio normal Sódio atual
42 140 120
49 litros
3.º passo: Excesso de água: Água atual água normal 49 42 7 litros de excesso de água.
Tratamento da Hiponatremia Sintomática A hiponatremia sintomática é uma emergência médica, e muitas vezes os pacientes necessitam de suporte avançado de vida, dada a intensidade do edema cerebral. Os sinais neurológicos e sintomas já foram descritos. Esta síndrome pode ocorrer em qualquer estado hiposmolar, independente do volume extracelular do paciente. Mesmo pacientes com hiponatremia e grave depleção de volume podem desenvolver edema cerebral. Nestas circunstâncias, é necessária correção mais ágil do distúrbio (v. Quadro 9.12). Por isso, a restrição de água não é considerada terapia adequada para a hiponatremia sintomática, uma vez que promove correção lenta do sódio plasmático.45 Nos indivíduos com hiponatremia sintomática, o tratamento de escolha é a administração de solução salina hipertônica (a 3%). O cálculo da quantidade de sódio necessária para elevar a concentração plasmática a um determinado valor é feito com a fórmula a seguir: Na necessário (mEq) Água corporal normal (Na desejado Na atual) Por exemplo, quantos mEq de sódio são necessários para elevar o sódio plasmático de 110 para 120 mEq/L num paciente de 70 kg? Na necessário (mEq) 42 L (120 110) 420 mEq Então, são necessários 420 mEq de sódio. Uma vez que a solução salina a 3% contém aproximadamente 514 mEq de sódio por litro, serão necessários cerca de 800 ml desta solução para atingir o objetivo, o que pode causar sobrecarga de volume, principalmente nos pacientes com baixa reserva cardíaca. Quando a solução salina a 3% não estiver disponível, pode ser preparada a partir da solução salina isotônica a 0,9%, acrescentando 10 ml de cloreto de sódio a 20% para cada 100 ml de salina isotônica. Observe que, no exemplo acima, a correção de 10 mEq estaria dentro do limite de segurança para as 24 horas, mas, na presença de sintomas, a correção inicial pode chegar a 1,5-2 mEq nas primeiras 3-4 horas, até a melhora dos mesmos (v. Quadro 9.12). Este modo de correção não deve ser usado para restaurar o sódio plasmático a níveis normais! A utilização da salina hipertônica visa a melhora dos sintomas neurológicos mais graves. Durante o intervalo em que a correção da hiponatremia sintomática estiver sendo feita, devem ser monitorados os
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Metabolismo da Água
Quadro 9.12 Tratamento da hiponatremia, com base na duração e nos sintomas HIPONATREMIA
SINTOMÁTICA
AGUDA
Solução salina hipertônica 1-2 ml/kg/h Furosemide A correção não deve ultrapassar 2 mEq/L por hora
ASSINTOMÁTICA
CRÔNICA
Solução salina hipertônica 1-2 ml/kg/h Furosemide
AGUDA
CRÔNICA
Restrição de água livre
Não é necessária correção imediata
A correção não deve ultrapassar 10-12 mEq/dia
Baseado em Berl, T.51
eletrólitos plasmáticos, até que o paciente esteja neurologicamente estável.45 Além disso, há necessidade de se monitorar a volemia, se possível com medida da pressão central venosa (considerando suas limitações potenciais) ou pressão em capilar pulmonar com o cateter de SwanGanz. Em 1973, Hantman e colaboradores propuseram o emprego de furosemida no manejo da hiponatremia.64 Isto se aplica sobretudo aos pacientes que não podem tolerar uma expansão do compartimento extracelular. A administração endovenosa de furosemida induz um balanço negativo de água, quando ao mesmo tempo se repõem as perdas eletrolíticas (sódio e potássio) através de uma solução mais concentrada. Os autores propõem a administração inicial de 1 mg/kg de furosemida. A concentração urinária de sódio e potássio é determinada a cada hora, e a quantidade excretada é reposta através de uma solução salina hipertônica (3%) com a quantidade apropriada de potássio. Nesta circunstância, a infusão de salina hipertônica deve ser igual às perdas de sódio, potássio e cloro. O balanço negativo de água assim obtido é a diferença entre o fluxo urinário e a quantidade de solução hipertônica administrada. Doses subseqüentes de furosemida são administradas para manter o balanço líquido negativo. No caso de uma correção muito rápida ocorrer e ser prontamente reconhecida, deve-se suspender temporariamente a correção da hiponatremia e administrar DDAVP para os pacientes com osmolalidade urinária baixa, pois o ADH é suprimido pela hiponatremia. No caso da SIHAD, suspender a salina hipertônica. Os dados obtidos experimentalmente sugerem que o benefício deste tipo de abor-
dagem ocorre se o tratamento for iniciado antes do aparecimento de sintomas neurológicos, ou seja, nas primeiras 24 horas. Não há benefício se a desmielinização já se instalou.62
Ritmo de Correção Não se sabe ao certo com que rapidez se deve corrigir uma hiponatremia grave. Em pacientes assintomáticos, considera-se adequado corrigir cerca de 10-12 mEq/dia (0,5 mEq/hora). Já os pacientes sintomáticos necessitam de uma correção mais rápida, com outra estratégia, mas mantendo os limites de segurança. Nos pacientes sintomáticos, com convulsões ou outros sintomas graves, recomenda-se uma correção inicial mais rápida, cerca de 1,5-2 mEq/hora, nas primeiras 3-4 horas, ou até melhora dos sintomas neurológicos. A correção no primeiro dia também não deve ultrapassar 12 mEq.
Complicações do Tratamento A adaptação que preserva o volume cerebral na hiponatremia crônica protege contra o aparecimento de edema cerebral, mas cria problemas no momento do tratamento, pois um aumento rápido na concentração de sódio no plasma durante a correção pode levar à mielinólise pontina central (ou desmielinização osmótica). O termo mielinólise pontina central pode não ser o mais adequado, uma vez que a desmielinização é geralmente mais difusa e muitas vezes não envolve a ponte. Estas al-
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capítulo 9
terações podem ocasionar graves repercussões neurológicas que permanecem transitória ou definitivamente após o tratamento. Na hiponatremia crônica (desenvolve-se em mais de 48 horas) há perda de osmóis intracelulares como proteção contra o edema cerebral. Porém, estes osmóis não podem ser rapidamente repostos quando o cérebro diminui de volume durante a elevação do nível de sódio no sangue. Como resultado, o volume do cérebro diminui durante a correção rápida da hiponatremia. É nas áreas onde o reacúmulo de osmóis é mais lento que as lesões de mielinólise são mais intensas. Um mecanismo possível é que a diminuição de volume dos axônios induzida pela variação osmótica produza a desmielinização pela ruptura de conexões dos axônios com sua bainha de mielina.60 De maneira geral, as manifestações clínicas de desmielinização osmótica ocorrem 2-6 dias após a correção dos níveis de sódio. Os sintomas incluem disartria, disfagia, letargia, paraparesia ou quadriparesia e até coma. Estes sintomas podem não ser reversíveis.62 Evidências demonstram que é a rapidez de correção nas primeiras 24 horas que determina a ocorrência de lesões desmielinizantes. Estas lesões são mais freqüentes quando a correção ultrapassa 20 mEq/dia ou quando o sódio se eleva para mais de 140 mEq/L, e mais raras com correções abaixo de 0,5 mEq/hora ou 10-12 mEq/dia. Lesões desmielinizantes não são vistas quando a correção é mais lenta.62 A tomografia computadorizada e a ressonância magnética detectam as lesões de desmielinização, sendo este último método o preferido.65 Às vezes são necessárias até quatro semanas para as lesões serem detectadas.62 Encontram-se em maior risco para o desenvolvimento da desmielinização osmótica: mulheres na fase pré-menopausa usando tiazídicos, etilistas, desnutridos, queimados, pacientes depletados em potássio e crianças pré-púberes e pacientes em insuficiência respiratória.51,66 Os pacientes psiquiátricos que desenvolvem polidipsia com hiponatremia de modo geral corrigem rapidamente a hiponatremia, sem seqüelas.60,62
EXERCÍCIOS 1) Um paciente de 35 anos sofreu trauma cranioencefálico grave e foi internado em coma, escala de Glasgow 5, evoluindo para Glasgow 3. Seu débito urinário nos primeiros dois dias foi de aproximadamente 7 litros/dia. Além de receber 2 litros de solução salina isotônica e 1 litro de solução glicosada a 5% a cada dia, manitol era administrado na dose de 70 ml a cada 8 horas. Seus exames atuais demonstraram: Na 165 mEq/litro. Responda: a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual? b) Qual a causa mais provável para o mesmo? c) Como você corrigiria este distúrbio? 2) Para um sódio plasmático de 150 mEq/litro, num paciente de 70 anos de idade, com 60 kg e assintomático, calcule: a) Qual a água normal? b) Qual a água atual? c) Como corrigir este distúrbio? 3) Mulher de 55 anos, usuária de fluoxetina, internada por broncopneumonia. Na admissão, espaço extracelular aparentemente normal, contactuando adequadamente. Na 128 mEq/litro. Durante a internação atual, tornou-se confusa e progressivamente sonolenta. Na 117 mEq/litro. Peso = 55 kg. a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual? b) Qual a causa mais provável? c) Como tratar? 4) Homem portador de síndrome nefrótica, em anasarca, internado por tromboflebite em membro inferior. Sem outros sintomas. Peso = 72 kg. Na 125 mEq/L. a) Qual a água normal? b) Qual a água atual? c) Qual o tratamento?
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Pontos-chave: • O tratamento da hiponatremia depende da gravidade dos sintomas e rapidez de instalação. Os sintomas mais graves decorrem de edema cerebral • A hiponatremia sintomática é corrigida com a administração de solução salina hipertônica a 3% • A correção da hiponatremia sintomática não deve ultrapassar 0,5 mEq/L/hora
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RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS OBS.: Nestes exercícios utilizaremos 60% como a percentagem de água em relação ao peso corporal, para homens e mulheres. 1) 35 anos, trauma cranioencefálico, sódio 165 mEq/litro. a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Sim. Qual? Hipernatremia. b) Qual a causa mais provável? Este paciente apresenta pelo menos três causas em potencial para o desenvolvimento de hipernatremia. A primeira é o trauma cranioencefálico, que pode causar dano à secreção ou liberação de HAD, tornando o paciente incapaz de concentrar a urina, o que explicaria a poliúria apresentada. Em segundo lugar, a administração de manitol induz à produção de urina hipotônica. E por último, as perdas de água livre através da respiração e pela urina não estão sendo adequadamente repostas. c) Para corrigir esta hipernatremia, deveria ser reposta uma solução hipotônica. O déficit de água que o paciente apresenta é de: Sódio atual água atual sódio normal água normal Água atual 140 (70 0,6)/165 35,6 litros Déficit de água água atual água normal 35,6 42 6,36 litros Portanto, para que o sódio retorne ao normal (140 mEq/litro), é necessário administrar 6,36 litros de solução salina hipotônica ou SG 5%. A correção não deve ultrapassar 0,5 mEq/litro/hora, em pelo menos 50 horas (a dosagem de sódio está 25 mEq/litro acima do normal; 25 divididos pela taxa de 0,5 50 horas).
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2) 70 anos de idade, 60 kg, sódio 150 mEq/litro. a) Água normal 60% do peso 60 0,6 36 litros b) Sódio atual água atual sódio normal água normal Água atual 140 36/150 33,6 litros Déficit de água 33,6 36 2,4 litros c) Deve ser administrada solução salina hipotônica (2,4 litros) em 20 horas (a dosagem de sódio está 10 mEq/litro acima do normal; 10 divididos pela taxa de 0,5 20 horas). 3) 55 anos, broncopneumonia. Sódio 117 mEq/litro. a) Trata-se de hiponatremia. b) Existem algumas possibilidades: a primeira é que a paciente tenha uma SIHAD pela broncopneumonia, daí a impossibilidade de eliminar urina diluída. Em segundo lugar, está em uso de fluoxetina, que pode induzir aumento na liberação de HAD. Neste caso, deveria ser cuidadosamente verificado o balanço de fluidos dos dias antecedentes, para excluir a participação de uma reposição excessiva de soro glicosado a 5%. c) Como a paciente tornou-se agudamente sintomática, deve receber solução salina hipertônica (3%). A quantidade de sódio necessária para elevar o sódio plasmático para 125 mEq é: Sódio necessário água corporal normal (sódio desejado atual) Sódio necessário (55 60%) (125 117) 33 8 264 mEq Sabendo que a solução salina hipertônica tem 514 mEq/litro, serão necessários aproximadamente 500 ml desta solução. Nas primeiras 3-4 horas, o ritmo de correção pode ser mais rápido (1,5-2 mEq/hora), e depois manter 0,5 mEq/hora. Observe que em 264 ml desta solução há tanto sódio como em 1.700 ml de salina isotônica. Além de corrigir a hiponatremia sintomática, este sódio também estará provocando expansão do extracelular, com o risco de congestão circulatória. 4) Paciente com síndrome nefrótica, em anasarca. Sódio 125 mEq/ litro. a) Água normal (72 0,6) 43 litros. b) Água atual 43 140/125 48 litros. c) Este paciente apresenta excesso de 5 litros de água e está assintomático. Deve ser restrita a ingestão de água e administrado diurético, pois apresenta extracelular aumentado.