Capítulo
8
Compartimentos Líquidos do Organismo Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella
UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS Peso atômico Peso molecular Equivalente eletroquímico Pressão osmótica, osmol e miliosmol Concentração molar ou molaridade (M) Concentração molal ou molalidade (m)
Plasma Volume intersticial-linfático Volume dos líquidos transcelulares Determinação do volume intracelular (VIC) COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS
DIFUSÃO E OSMOSE
Adição de água ou solução hipotônica
OSMOLALIDADE E TONICIDADE
Adição de solução hipertônica de NaCl
Soluções isotônicas, hipertônicas e hipotônicas Soluções isosmóticas, hiperosmóticas e hiposmóticas ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO Determinação da água corporal total COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS Determinação do volume extracelular (VEC)
Adição de solução isotônica de NaCl TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO EXERCÍCIOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Determinação do volume dos subcompartimentos extracelulares
A água é o principal constituinte do corpo humano e de todos os organismos vivos. O próprio organismo é uma solução aquosa na qual estão dissolvidos vários íons e moléculas. Em circunstâncias normais, mesmo havendo variações na dieta, o conteúdo de água e eletrólitos é mantido estável au6évés de modificações na excreção urinária.1 A distribuição desta solução aquosa e de seus vários constituintes no organismo é objeto de discussão nas páginas seguintes.
UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS O corpo humano é formado por uma solução aquosa que representa 45 a 60% do peso corporal.2 Nesta solução, o solvente é a água e o soluto está representado por substâncias orgânicas e inorgânicas. Para melhor compreensão das unidades que expressam a concentração dos solutos, os seguintes conceitos são importantes:
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capítulo 8
2). Por exemplo, no cloreto de cálcio 1 mol de Ca combina-se com 2 moles de Cl e é igual a 2 equivalentes.1
Peso Atômico Peso atômico é o peso total de um átomo ou a média das massas dos isótopos naturais de um elemento químico. O peso de 1 átomo de oxigênio é 16 e serve como referência para o peso atômico de todas as substâncias. Assim, o peso atômico do potássio é 39, em relação ao peso atômico do oxigênio.1
Por sua pequena concentração no organismo, os eletrólitos são comumente expressos em miliequivalentes (mEq). Um miliequivalente é igual a 10 3 equivalentes.
Peso Molecular
Pressão Osmótica, Osmol e Miliosmol
É a soma dos pesos atômicos de todos os elementos encontrados na fórmula de uma substância. O peso molecular expresso em gramas é igual a mol (M) e, em miligramas, é igual a milimol (mM).1 Exemplo:
Outra maneira de expressar o número de partículas de soluto presentes é através da pressão osmótica, que determina a distribuição de água entre os compartimentos. A pressão osmótica é proporcional ao número de partículas por unidade do solvente e não se relaciona à valência ou peso das partículas.1 As unidades utilizadas são o osmol (Osm) e o miliosmol (mOsm). Um osmol é o número de íons por mol ou a quantidade de substância que se dissocia em solução para formar um mol de partículas osmoticamente ativas. Por exemplo, 1 mol de NaCl tem 2 osmóis de soluto, pois se dissocia em Na e Cl. Um mol de glicose contém apenas 1 osmol de soluto, pois a glicose não é ionizável. A pressão osmótica determina a distribuição de água entre os espaço intra- e extracelular, como será discutido ao se abordar tonicidade (v. a seguir).
SUBSTÂNCIA
Cloreto de Potássio
FÓRMULA
PESO MOLECULAR
MOL (M)
MILIMOL (mM)
KCl
39 35,5 74,5
74,5 g
74,5 mg
Equivalente Eletroquímico Partículas com carga positiva são chamadas cátions (por exemplo, Na e K ) e partículas com carga negativa são chamadas ânions (Cl e HCO3 ). Quando cátions e ânions se combinam, eles o fazem de acordo com sua carga iônica (valência) e não de acordo com seu peso.1 Equivalência eletroquímica se refere ao poder de combinação de um íon. Um equivalente é definido como o peso em gramas de um elemento que se combina com ou substitui 1 g de íon hidrogênio (H ). Também se obtém o equivalente de uma determinada substância dividindo-se o peso molecular por sua valência.1 Para íons monovalentes, 1 mol é igual a 1 equivalente. Para íons divalentes, 1 mol é igual a 2 equivalentes. 1 Eq
peso molecular valência iônica
Como 1 g de H é igual a 1 mol de H (contendo aproximadamente 6,02 1023 partículas), um mol de qualquer ânion monovalente (carga –1) se combinará como H e será igual a um equivalente (eq). 1 mol H (1 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮 1 mol HCl (36,5 g) Da mesma forma, 1 mol de um cátion monovalente (carga 1) também é igual a 1 equivalente, pois pode substituir o H e combinar-se com 1 equivalente de algum ânion. 1 mol Na (23 g) 1 mol Cl (35,5 g) 씮 1 mol NaCl (58,5 g) Já o cálcio ionizado (Ca ) é um cátion divalente (carga
1 mol Ca (40 g) 2 mol Cl (71g) 씮 1 mol CaCl2 (111 g)
Concentração Molar ou Molaridade (M) É o número de moles do soluto por litro de solução, a uma dada temperatura.
Concentração Molal ou Molalidade (m) É o número de moles do soluto por 1.000 gramas do solvente.
DIFUSÃO E OSMOSE A difusão é dividida em dois subtipos: a difusão simples e a difusão facilitada. Na difusão simples, a passagem de íons ou moléculas através de uma membrana ocorre devido ao movimento cinético aleatório destas partículas, sem a necessidade de ligação com proteínas de transporte. A taxa de difusão simples depende da quantidade de substância disponível, velocidade de movimento cinético e número de aberturas na membrana celular através das quais as moléculas ou íons podem se mover. Na difusão facilitada, há necessidade de interação com uma proteína transportadora, a qual se liga quimicamente às moléculas e facilita sua passagem através da membrana.5 A osmose ocorre quando duas soluções de concentrações diferentes encontram-se separadas por uma membra-
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Compartimentos Líquidos do Organismo
na semipermeável. Há então um movimento de água da solução menos concentrada para a mais concentrada, a qual sofre uma diluição progressiva, até que as duas soluções atinjam um equilíbrio. A
OSMOLALIDADE E TONICIDADE É importante diferenciar os conceitos de osmolalidade e tonicidade. A osmolalidade é determinada pela concentração total de solutos numa determinada solução ou compartimento. Tonicidade é a capacidade que os solutos têm de gerar uma força osmótica que provoca o movimento de água de um compartimento para outro.3,4 Para que ocorra aumento da tonicidade no espaço extracelular, por exemplo, é necessário que solutos permaneçam confinados neste espaço sem atravessar livremente as membranas celulares e sem migrar para os demais compartimentos. Isto provocará o movimento de água do compartimento intracelular para o extracelular (osmose) para estabelecer um equilíbrio osmótico, gerando também diminuição do volume das células. Alguns dos solutos capazes de produzir este movimento de água (osmóis efetivos) são: sódio, glicose, manitol e sorbitol. O sódio permanece no espaço extracelular sem movimentar-se para outros compartimentos devido à ação da bomba sódio-potássio ATPase, que continuamente bombeia o sódio para fora das células. A glicose é um osmol efetivo, mas é normalmente metabolizada no interior das células, e desta forma não contribui significativamente para a tonicidade sob circunstâncias normais. No diabetes mellitus descontrolado, a concentração elevada de glicose no plasma pode levar a um aumento significativo da osmolalidade e da tonicidade, causando movimento de água para dentro do espaço extracelular. A uréia contribui para a osmolalidade, mas atravessa livremente as membranas e não influi no movimento de água entre compartimentos.3,4
Soluções Isotônicas, Hipertônicas e Hipotônicas As soluções isotônicas apresentam a mesma tonicidade que o plasma, e conseqüentemente não induzem movimento de água através das membranas celulares e não provocam variação do volume celular. Exemplo de solução isotônica: solução salina a 0,9%; solução glicosada a 5%. Soluções hipertônicas geram o movimento de água em direção ao espaço extracelular, provocando diminuição do volume celular. Exemplo: solução salina em concentração superior a 0,9%. As soluções hipotônicas provocam o movimento de água em direção ao compartimento intracelular, provocando edema celular.5 Exemplo: solução salina em concentra-
B
C
Fig. 8.1 Efeito do contato de diferentes soluções com hemácias: solução isotônica (A); solução hipertônica (B); e solução hipotônica (C).
ção inferior a 0,9%. A Fig. 8.1 exemplifica os efeitos descritos.
Soluções Isosmóticas, Hiperosmóticas e Hiposmóticas A osmolalidade de uma solução é determinada pela quantidade total de partículas dissolvidas, incluindo os solutos que atravessam as membranas celulares. Os termos isosmótico, hiperosmótico e hiposmótico se referem a uma comparação com o fluido extracelular normal. Por exemplo, a solução salina a 0,9% é ao mesmo tempo isotônica (não provoca movimento de água) e isosmótica (apresenta o mesmo número de partículas de soluto) em relação ao espaço extracelular.
Pontos-chave: • A osmolalidade depende do número total de solutos numa solução ou compartimento • Tonicidade é a capacidade que os solutos têm de provocar movimento de água de um compartimento para outro. Esta propriedade define o que são soluções isotônicas, hipotônicas e hipertônicas
ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO A água total do organismo varia entre 45 e 60% do peso corporal, de acordo com a idade, o sexo e a composição corporal do indivíduo.3,7 Esta proporção variável é devido às diferentes quantidades de gordura presentes no organismo, pois em gordura neutra quase não existe água. Assim, indivíduos obesos, embora mais pesados, possuem menos água no organismo. Da mesma forma, por possuírem maior quantidade de gordura no organismo, as mulheres têm menor proporção de água corporal (50%). Já os idosos, por apresentarem menor massa muscular, têm um menor conteúdo de água.3 Nas crianças, a água corporal total equivale a cerca de 70%-80% do peso, pois apresentam menor conteúdo de tecido adiposo.
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capítulo 8
Para efeitos práticos de cálculo, consideraremos a água total como sendo 60% do peso corporal, independentemente das variações anteriormente mencionadas.
Determinação da Água Corporal Total O método laboratorial que determina a água total do organismo baseia-se na técnica de diluição,5,8 fundamentada no seguinte princípio: quando se adiciona uma quantidade conhecida de soluto a um volume desconhecido de solvente, e dosa-se a concentração final da substância, é possível calcular o volume do solvente. Por exemplo, adicionando 1 kg (1.000 mg) de uma substância a um volume de solvente, e obtendo-se uma concentração final de 100 mg/litro, chega-se à conclusão de que o volume do solvente é igual a 10 litros. Acompanhe com a fórmula abaixo: Ci/Vf Cf e Vf Ci/Cf Onde: Ci: concentração (quantidade) inicial da substância adicionada; Cf: concentração final da substância adicionada; Vf: volume final da solução. 1.000 mg/Vf 100 mg/litro Vf 1.000/100 10 litros A determinação da quantidade de água do organismo in vivo só foi possível após o emprego de isótopos da água: estáveis (deutério) ou radioativos (trítio). Um destes compostos é injetado na circulação e aguarda-se um determinado período para que haja equilíbrio no plasma. Naturalmente, a quantidade da substância que é metabolizada e excretada durante este período de equilíbrio deve ser considerada. A antipirina foi também uma substância bastante utilizada na determinação da água total do organismo.
COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS A água do organismo se distribui em compartimentos, em parte devido a diferentes composições iônicas (Fig. 8.2). No entanto, estes compartimentos não são estanques, havendo um constante intercâmbio hidroeletrolítico. Basicamente, identificam-se dois grandes compartimentos: intracelular e extracelular. O compartimento intracelular é composto pela água existente no citoplasma de todas as células. Já o compartimento extracelular, como o próprio termo indica, referese a toda a água externa às células e possui subcompartimentos: plasma, líquido intersticial e linfa, água dos ossos e líquidos transcelulares (Fig. 8.2). Os líquidos transcelulares representam coleções de líquidos que não são simples transudatos, mas são líquidos secretados e incluem: secreções das glândulas salivares, pâncreas, fígado e árvore biliar, além dos líquidos nas cavidades pleurais, oculares, peritoneal, no lúmen do trato gastrintestinal e líquido cefalorraquidiano.4 Terceiro espaço é um termo proposto por Randall, em 1952, para descrever a situação na qual o líquido extracelular é perdido ou seqüestrado numa área do corpo onde não participa das trocas, e conseqüentemente não satisfaz às necessidades hídricas do paciente. Exemplos: líquido no intestino na presença de íleo, líquido peritoneal na peritonite, líquido peripancreático na pancreatite aguda e o edema do queimado. Por exemplo, no paciente com obstrução intestinal ou íleo intenso, vários litros de fluidos ricos em eletrólitos podem estar confinados ao intestino, sem que o paciente possa utilizá-los, mesmo que esteja hipovolêmico.
Determinação do Volume Extracelular (VEC) O método utilizado também se baseia no princípio da técnica de diluição, preferindo-se uma substância que seja excluída das células e permaneça no espaço extracelular. Várias substâncias têm sido utilizadas: 36Cl, sulfato, tiossulfato e tiocianato, além de certos sacarídeos (manitol, inulina e sucrose).8 Nenhuma destas substâncias é considerada ideal. Elas variam na sua capacidade de penetração nas células e os resultados da determinação do VEC são, portanto, diversos, variando de 16 a 28%. Na prática, considera-se que o volume extracelular corresponde a 20% do peso corporal.5
Determinação do Volume dos Subcompartimentos Extracelulares PLASMA Fig. 8.2 Compartimentos líquidos do organismo (percentual do peso corporal).
O volume plasmático é determinado empregando-se substâncias que ficam confinadas ao leito vascular. A al-
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Compartimentos Líquidos do Organismo
bumina ou eritrócitos podem ser utilizados. A albumina marcada com 131I é a mais empregada, e o volume de distribuição determinado está em torno de 4,5% do peso corporal. Entretanto, alguma 131I-albumina escapa do leito vascular para o interstício. Quando se empregam eritrócitos, eles são previamente marcados com crômio-51 (51Cr).
VOLUME INTERSTICIAL-LINFÁTICO É calculado indiretamente, subtraindo-se o volume plasmático do volume extracelular, e aproxima-se de 20% da água total ou 12% do peso corporal.
VOLUME DOS LÍQUIDOS TRANSCELULARES É calculado pela soma das várias secreções e aproximase de 1,5% do peso corporal ou 2,5% da água total (Quadro 8.1).
Determinação do Volume Intracelular (VIC) O volume intracelular não pode ser determinado diretamente e é calculado subtraindo-se o volume extracelular da água corporal total. Na prática, considerando-se a água total do organismo como sendo 60% do peso corporal e o volume extracelular 20%, conclui-se que o volume intracelular é de 40% do peso total.5
Quadro 8.1 Distribuição da água total num adulto jovem* % do Peso Corporal
% da Água Total
Plasma
4,5
7,5
Líquido intersticial linfático
12,0
20,0
Tecido conjuntivo denso e cartilagem
4,5
7,5
Água do osso (inacessível)
4,5
7,5
Transcelular
1,5
2,5
Extracelular total
27,0
45,0
Extracelular funcional**
21,0
—
Água total
60,0
100,0
Água intracelular
33,0
55,0
Compartimento
*Modificado de Edelman, I. S. e Leibman, J.11 **O líquido extracelular funcional representa o extracelular total menos a água do osso e do líquido transcelular.
Pontos-chave: • Regra 60:40:20 • Água corporal total 60% do peso corporal. • Compartimentos: Intracelular 40% do peso corporal Extracelular 20% do peso corporal
COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS A composição eletrolítica do plasma e dos líquidos intersticial e intracelular pode ser apreciada no Quadro 8.2. No líquido extracelular o cátion mais abundante é o sódio, e o cloro é seu principal ânion. Em menor concentração no líquido extracelular, observamos K , Ca e Mg e os ânions HPO 4 , H 2 PO 4 e SO 4 . Além disso, muitos ácidos orgânicos (láctico, pirúvico, cítrico) existem no líquido extracelular como ânions e podem estar elevados em diversas enfermidades.5 O sódio no líquido extracelular representa a metade de sua osmolalidade. No líquido intracelular o cátion mais abundante é o potássio, e os ânions prevalentes são compostos orgânicos como os fosfatos, sulfatos e proteínas. Observam-se ainda Mg , Ca e os ânions inorgânicos Cl e HCO3 . Note que o total de íons intracelulares excede o do plasma e, no entanto, a osmolalidade intra- e extracelular é a mesma. Acredita-se que alguns destes íons intracelulares sejam osmoticamente inativos, isto é, ligados a proteínas e a outros constituintes celulares. Metade da osmolalidade do líquido intracelular é dada pelo K . A determinação de eletrólitos no interior das células é tecnicamente difícil, além de variar de acordo com a origem do tecido estudado. Por exemplo, apesar da possibilidade de acesso às hemácias do sangue periférico, a dosagem dos eletrólitos nestas células, que não possuem núcleos e mitocôndrias, pode não refletir o que ocorre no tecido muscular.6 O líquido intersticial é um ultrafiltrado do plasma. Sendo assim, não contém os elementos celulares (hemácias, leucócitos, plaquetas), e sim um líquido ultrafiltrado que praticamente não contém proteínas. Note-se que a soma total de íons no plasma é maior que a do líquido intersticial. A explicação está na distribuição de Gibbs-Donnan5,7,9 (Fig. 8.3): a) quando há um ânion pouco difusível num dos lados da membrana (no caso, as proteínas no lado vascular), a concentração de um íon positivo difusível será maior neste lado, e a concentração de um ânion difusível será menor;
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capítulo 8
Quadro 8.2 Composição iônica do plasma, líquido intersticial e intracelular
Íons
mEq/L
Plasma mEq/kg/H2O
Líquido Intersticial mEq/L
Cátions
Líquido Intracelular mEq/kg/H2O
Sódio (Na ) Potássio (K ) Cálcio (Ca ) Magnésio (Mg )
142,0 4,0 5,0 3,0
151,0 4,3 5,4 3,2
144,0 4,0 2,5 1,5
10,0 156,0 3,3 26,0
Total
154,0
163,9
152,0
195,3
103,0
109,7
114,0
2,0
27,0 2,0 1,0 5,0 16,0
28,7 2,1 1,1 5,3 17,0
30,0 2,0 1,0 5,0 0,0
8,0 95,0 20,0 — 55,0
154,0
163,9
152,0
180,0
Ânions Cloro (Cl ) Bicarbonato (HCO3 ) Fosfato (HPO4 ) Sulfato (SO4 ) Ácidos orgânicos Proteínas Total
las e de uma eliminação ativa de outros íons do interior da célula. Assim, a concentração de sódio no líquido extracelular é alta e no interior das células é baixa, porque o sódio é ativamente eliminado das células por meio de bombas iônicas.
Pontos-chave: Fig. 8.3 Equilíbrio de Gibbs-Donnan. No diagrama, os compartimentos A e B estão separados por uma membrana permeável ao Na e Cl , mas impermeável à proteína. Após o equilíbrio final, observa-se que: 1.º) O produto da concentração de íons difusíveis num compartimento é igual ao produto dos mesmos íons no outro compartimento (94 no compartimento A e 66 no compartimento B); 2.º) Em cada compartimento, a soma dos cátions deve ser igual à soma dos ânions (9 Na e 4 Cl 5 Pr no compartimento A; 6 Na e 6 Cl no compartimento B); 3.º) A concentração de cátions difusíveis será maior no compartimento que contém a proteína (carga negativa) não difusível que no outro compartimento, e a concentração de ânions difusíveis será menor no compartimento A que no B; 4.º) A osmolalidade é maior no compartimento A, que contém a proteína. (Obtido de Valtin, H.9)
b) o número total de íons difusíveis será maior no lado que contiver o ânion pouco difusível. A diferente concentração iônica nos diversos compartimentos não é devido a uma impermeabilidade iônica entre um compartimento e outro. A diferença é o resultado de uma acumulação ativa de certos íons dentro das célu-
• Os solutos dissolvidos na água não se distribuem igualmente no intracelular e no extracelular, devido à ação de bombas iônicas • Partículas restritas a um compartimento determinam seu volume. Exemplo: o sódio, restrito ao espaço extracelular por meio de bombas iônicas, determina o volume deste espaço. O mesmo vale para o potássio em relação ao espaço intracelular
DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS As membranas celulares permitem o livre movimento de água em qualquer direção. Este movimento depende da distribuição dos íons. É a quantidade de soluto e não de solvente que define o volume do compartimento. Cada compartimento líquido no organismo tem um soluto que, devido a seu confinamento àquele espaço, determina o volume do compartimento: proteínas séricas para o volu-
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Compartimentos Líquidos do Organismo
me intravascular, sódio para o compartimento extracelular e potássio para o intracelular. A rápida distribuição proporcional de água entre os compartimentos assegura uma concentração osmolar intra- e extracelular essencialmente idêntica. A osmolalidade plasmática de um indivíduo normal está em torno de 289 mOsm/kg H2O, atribuída principalmente ao sódio e aos ânions uréia e glicose. A osmolalidade plasmática é igual a duas vezes a concentração plasmática do sódio, mais a osmolalidade da uréia, mais a osmolalidade da glicose. A osmolalidade plasmática poderá ser deduzida, considerando-se as seguintes concentrações normais: sódio plasmático — 140 mEq/L; uréia plasmática — 30 mg/100 ml, e glicemia — 90 mg/100 ml. Osmolalidade plasmática (Na 2) (
Glic Uréia 10) ( 10) 180 60
por uma camada de células e uma membrana pouco permeável à água. Desta forma, secreções gastrintestinais e o suor são hiposmóticos. Como a osmolalidade é a mesma dentro e fora das células, a passagem de água do interior para fora das células, ou vice-versa, só ocorre se houver mudança de osmolalidade e tonicidade. As seguintes circunstâncias, ilustradas na Fig. 8.4 e baseadas na discussão de Robert Pitts, traduzem situações em que se alteram a osmolalidade e o volume dos compartimentos extra- e intracelular.10
Pontos-chave: • Osmolalidade plasmática (Na 2) ( Uréia 10) ( Glic 10) 60 180 • Osmolalidade plasmática normal ⬵ 290 mOsm/kg H2O
Na 2 140 mEq/L 280 mOsm/kg H2O Uréia:
30 mg / 100 ml 10 5 mOsm/kg H2O 60
90 mg / 100 ml Glicemia: 10 5 mOsm/kg H2O 180 Então, a osmolalidade plasmática estimada com os dados acima é de 290 mOsm/kg H2O. Para o cálculo da contribuição da uréia para a osmolalidade, dividimos a concentração plasmática da uréia por 60, que é seu peso molecular. Da mesma forma, dividimos a glicose por seu peso molecular, que é 180. Multiplicamos ambos os cálculos por 10, a fim de convertermos mg/100 ml em mg/L. Quando não se dispõe das concentrações de uréia e glicose, a osmolalidade do plasma pode ser estimada multiplicando-se a concentração de sódio por dois. Alguns líquidos transcelulares têm uma osmolalidade muito diferente dos outros compartimentos. Isto se deve ao fato de estarem separados dos outros compartimentos
Adição de Água ou Solução Hipotônica Se administrarmos água ou solução hipotônica a um indivíduo, seja por via oral ou endovenosa, e se considerarmos que não haverá diurese durante o período do estudo, a água distribui-se rápida e proporcionalmente entre os dois compartimentos. Observa-se uma redução uniforme na osmolalidade e um aumento no volume dos dois compartimentos (aumento maior no intracelular por ser maior que o extracelular)5,7 (Fig. 8.4).
Adição de Solução Hipertônica de NaCl A infusão endovenosa de uma solução hipertônica de NaCl expande o compartimento extracelular e provoca um movimento passivo de água do compartimento intracelular (osmolalidade menor) para o extracelular (os-
Fig. 8.4 Alterações no volume e na osmolalidade dos compartimentos intra- e extracelulares, quando se adiciona: A) apenas água ao organismo; B) uma solução salina hipertônica; C) uma solução salina isotônica. O estado inicial dos compartimentos intracelular (I) e extracelular (E) está representado pelas linhas contínuas e no final está representado por linhas interrompidas. A altura do compartimento representa a osmolalidade, e a largura, o volume. (Modificado de Pitts, R.10)
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capítulo 8
molalidade maior devido à solução adicionada), até que ambos os compartimentos se equilibrem e se tornem isosmóticos. A saída de água reduz o volume do compartimento intracelular e, conseqüentemente, aumenta a osmolalidade deste compartimento. No final, ambos os compartimentos terão uma osmolalidade maior que a inicial5,7 (Fig. 8.4).
Adição de Solução Isotônica de NaCl Como o sódio permanece principalmente no compartimento extracelular, há uma expansão do volume deste compartimento, mas não ocorre alteração na osmolalidade intra- e extracelular e, tampouco, no volume intracelular5,7 (Fig. 8.4).
Pontos-chave: • Soluções de diferentes tonicidades provocam variações no volume dos compartimentos intra- e extracelular • Soluções isotônicas de sódio aumentam o extracelular, pois o sódio se mantém neste compartimento • Soluções hipotônicas e água se distribuem no intra- e extracelular (maior proporção no intracelular) • Soluções hipertônicas causam movimento de água do intra- para o extracelular, diminuindo o primeiro e aumentando o segundo
TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO A nutrição das células e a remoção dos produtos do metabolismo celular somente são possíveis devido à existência de uma circulação capilar. Ela permite uma rápida troca de nutrientes entre a circulação e as células através do líquido intersticial. O transporte dos nutrientes e catabólitos pelo sangue depende da adequação da função circulatória e do volume líquido circulante. Portanto, manter o volume plasmático é essencial. A pressão hidrostática determinada pela bomba cardíaca num compartimento (vascular) altamente permeável à água e aos solutos poderia determinar a passagem de todo o líquido intravascular rapidamente para o interstício. Isto não ocorre porque a esta pressão hidrostática se opõe uma outra pressão — a pressão osmótica determinada pelas proteínas, principalmente albumina, também conhecida como pressão coloidosmótica ou pressão oncótica. A pressão oncótica está em torno de 25 mmHg. Já o líquido intersticial tem pouca proteína, tendo uma pressão oncótica em torno de 5 mmHg.2 A diferença, portanto, entre a pressão osmótica do plasma e a do interstício é de 20 mmHg e esta força se opõe à pressão hidrostática.5,7 Foi Starling quem primeiro formulou o mecanismo de distribuição de líquido entre os compartimentos vascular e intersticial (Fig. 8.5). Segundo ele, o sangue chega aos capilares com uma certa força (pressão hidrostática), capaz de determinar o retorno venoso ao coração. A pressão hidrostática é determinada pela pressão mecânica gerada pelo coração. A pressão média nas grandes artérias é de 95 mmHg, mas, quando o sangue chega ao leito capilar, a
Fig. 8.5 Hipótese de Starling para troca de líquido entre plasma e interstício. Os fatores que determinam esta troca são denominados forças de Starling. (Obtido de Valtin, H.9)
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Compartimentos Líquidos do Organismo
pressão hidrostática cai para 40-45 mmHg. Esta pressão hidrostática de 40-45 mmHg determina a passagem de líquido intravascular para o interstício e a ela se opõem a pressão oncótica das proteínas, em torno de 25-30 mmHg, e uma pressão do turgor intersticial de 2-5 mmHg. Desta forma, o balanço dessas forças resulta numa pressão de filtração positiva, em torno de 10-15 mmHg.5 Uma pequena quantidade de proteínas atravessa os capilares, mas quase tudo retorna à circulação através do sistema linfático. No entanto, uma fração permanece no interstício e é responsável pela pressão oncótica intersticial de 3 mmHg. Quando a coluna de sangue atinge o lado venoso do capilar, a pressão hidrostática está reduzida a 10-15 mmHg e o balanço das forças é negativo, determinando a reabsorção do líquido filtrado no lado venoso capilar.5 Acredita-se que o principal mecanismo que altera a pressão hidrostática intracapilar não é a resistência ao longo do capilar e sim a atividade de esfíncteres pré-capilares (Fig. 8.5). Quando há um relaxamento do esfíncter, a pressão hidrostática intracapilar aumenta, favorecendo a filtração ao longo do capilar; quando o esfíncter se contrai, a pressão hidrostática cai, e talvez só ocorra reabsorção ao longo do capilar. Também é importante a área de superfície dos capilares. Quando o esfíncter se contrai, muitos capilares são desviados da circulação arterial, reduzindo a área de superfície capilar; quando o esfíncter se relaxa, ocorre o inverso. Além do mais, o ritmo de fluxo líquido através do capilar endotelial não depende só das forças de Starling, mas também do coeficiente de filtração, expresso pela seguinte fórmula:9 q Kf(Pc – Pt) – (pp – pt), onde: q ritmo de fluxo através do capilar; Kf coeficiente de filtração; Pc pressão hidrostática intracapilar; Pt pressão do turgor tecidual; pp pressão oncótica do plasma; pt pressão oncótica intersticial. Conclui-se que se a pressão hidrostática for excessiva, ou a pressão oncótica do plasma reduzida, haverá um excesso de filtração de líquido para o interstício e, se for ul-
Pontos-chave: • A pressão hidrostática é a principal força que provoca o movimento de líquido para fora da luz do capilar • A pressão coloidosmótica ou oncótica (determinada principalmente pela albumina) é a principal força que se opõe à hidrostática e provoca o movimento de líquido para dentro da luz do capilar sanguíneo
trapassada a capacidade de remoção pelos linfáticos, haverá edema.
EXERCÍCIOS (Respostas no final do capítulo.) 1) Adulto jovem de 70 kg. Calcular a água corporal total, espaço extracelular, volume plasmático e volume intracelular. 2) Em relação à proporção de água corporal total, que diferenças existem em pacientes obesos, mulheres, crianças e idosos? 3) Qual a osmolalidade plasmática de um paciente que apresenta as seguintes dosagens plasmáticas: uréia 240 mg/dl; glicose 360 mg/dl; sódio 133 mEq/litro. 4) Frente à osmolalidade encontrada na questão anterior, o que ocorre com os compartimentos intra- e extracelular? 5) O que ocorre com as forças de Starling em presença de hipoalbuminemia? 6) Cite um exemplo de solução endovenosa que deve ser administrada quando se deseja aumentar o volume do espaço extracelular. 7) Cite um exemplo de solução endovenosa que se administra para expandir o espaço extracelular e contrair o espaço intracelular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ROSE, B.; POST, T.W. Units of solute measurement. Up to Date, vol. 9, n. 1, Cap. 1B. 2000. 2. HAYS, R.M. Dynamics of body water and electrolytes, Cap. 1, pág. 1. In: Clinical Disorders of Fluid and Eletrolyte Metabolism. Eds. Morton H. Maxwell and C. R. Kleeman. McGraw-Hill Book Co., 1972. 3. PRESTON, R.A. Acid-Base, Fluids and Electrolytes Made Ridiculously Simple. Cap.1, pág. 3. MedMaster Inc., Miami, 1997. 4. OH, M.S. and CARROLL, H.J. Regulation of intracellular and extracellular volume. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Disorders. Eds. Arieff, A.I. and DeFronzo, R.A. Cap. 1, pág. 1. Churchill Livingstone Inc. New York, 1995. 5. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. The body fluid compartments: extracellular and intracellular fluids; interstitial fluid and edema. In: Textbook of Medical Physiology. Cap. 25, págs. 297-313. W.B. Saunders Co., 1996. 6. MAFFLY, R.H. The body fluids: volume, composition and physical chemistry, Cap. 2, pág. 65. In: The Kidney. Eds. B. M. Brenner and F. C. Rector Jr. W. B. Saunders Co., 1976. 7. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physiology. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology — A Problem-Based Approach. Cap. 6, pág. 217. W.B. Saunders Co., 1994. 8. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal. EPU, 1986. 9. VALTIN, H. Renal Function: Mechanisms Preserving Fluid and Solute Balance in Health. Cap. 2, pág. 20, Little, Brown and Co., Boston, 1995. 10. PITTS, R.D. Physiology of the Kidney and Body Fluids. Cap. 2, pág. 11. Year Book Medical Publishers Inc., 3rd edition, 1974. 11. EDELMAN, I.S. and LEIBMAN, J. Am. J. Med., 27:256, 1959.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET Química e soluções http://dbhs.wvusd.k12.ca.us Forças de Starling www.liv.ac.uk/⬃petesmif/teaching/1bds - mb/notes/fluid/ text.htm
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capítulo 8
Outros www.physio.mcgill.ca/209A/Body - fluids/Body - fl3.htm www.umds.ac.uk/physiology/rbm/bodyflu
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS 1) Num adulto jovem de 70 kg: a. Água corporal total 60% de 70 kg 42 litros b. Volume do espaço extracelular 20% de 70 kg 14 litros c. Volume plasmático 4,5% de 70 kg 3,15 litros d. Volume do espaço intracelular 40% de 70 kg 28 litros 2) A água corporal total encontra-se diminuída (menos que 60% do peso corporal) em pacientes obesos e mulheres, devido ao maior conteúdo de gordura que apresentam. Os idosos apresentam menor massa muscular, e conseqüentemente menor proporção de água em relação ao peso. As crianças apresentam conteúdo de gordura reduzido, e então a proporção de água corporal total é maior em relação ao peso. Uréia Glic 3) Osmolalidade plasmática (Na 2) ( 10) ( 10), 60 180 então:
Osmolalidade plasmática (133 2) (240/60 10) (360/180 10) 326 mOsm/kg H2O 4) No exemplo acima, com o aumento da osmolalidade e tonicidade do plasma (a osmolalidade normal oscila entre 280 e 290 mOsm/ kg H2O), ocorre a passagem de água do espaço intracelular para o extracelular até haver um equilíbrio osmótico entre os dois compartimentos. Como resultado final, o volume do espaço intracelular sofre redução (pela perda de água) e o extracelular sofre o acréscimo de água, inclusive diluindo o sódio do intravascular. 5) Em presença de hipoalbuminemia, existe redução da pressão oncótica, o que favorece a filtração de líquido para o interstício no lado venoso do capilar e dificulta a reabsorção de líquido intersticial no lado venoso do capilar; caso seja ultrapassada a capacidade de absorção pelos linfáticos, isto resultará em edema. 6) Solução salina a 0,9% (chamada solução salina isotônica). 7) Solução salina hipertônica (concentração maior que 0,9%).