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O canto da memória Breno Marques Ribeiro de Faria

O canto da memória

Breno Marques Ribeiro de Faria

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O filme Aria (1987) é uma obra composta por dez diferentes curtasmetragens de diferentes diretores, cada um independente do outro; é a visão de cada diretor acerca de uma ária ou trechos de algumas árias de uma ópera. O primeiro, Un ballo in maschera, com trechos da ópera composta por Giuseppe Verdi, é dirigido por Nicolas Roeg. O segundo, La Vergine degli angeli, da ópera La forza del destino, também de Giuseppe Verdi, é dirigido por Charles Sturridge. O terceiro, Armide, com trechos da ópera de Jean-Baptiste Lully, é dirigido por Jean-Luc Godard. O quarto, Rigoletto, novamente com músicas de Giuseppe Verdi, é dirigido por Julien Temple. O quinto, Glück, das mir verblieb, da ópera Die tote Stadt composta por Erich Wolfgang Korngold, é dirigido por Bruce Beresford. O sexto, Abaris ou les Boréades, de Jean-Philippe Rameau, é dirigido por Robert Altman. O sétimo, Liebestod, da ópera Tristan und Isolde composta por Richard Wagner, é dirigido por Franc Roddam. O oitavo, Nessun dorma, da ópera Turandot composta por Giacomo Puccini, é dirigido por Ken Russell. O nono e penúltimo é Depuis le jour, da ópera Louise composta por Gustave Charpentier, é a sequência dirigida por Derek Jarman. E o décimo, que permeia todo o filme entre uma sequência e a seguinte, Vesti la giubba da ópera Pagliacci de Ruggero Leoncavallo é dirigido por Bill Bryden.

O filme, na união de suas partes, dá a impressão de um sonho composto por flashes de cenas e principalmente fragmentos de lembranças. Os episódios de cada um dos diretores têm em comum a ambientação operística e o uso mínimo ou nulo de diálogos. E apesar de muito diferentes entre si estilisticamente, a sensação que perpassa por todos é de serem frutos da memória – em estado de vigília, como se entre acordado e dormindo, viessem à tona através das músicas reminiscências de outros tempos, outros lugares e outras vidas.

Na sequência dirigida por Jarman a música e a imagem servem como metáforas uma da outra. A famosa ária Depuis le jour é a mais conhecida da ópera Louise, que trata de um amor coibido, mas é o momento quando essa paixão poderá ser vivida plenamente. É quando a heroína concretiza seu desejo de viver junto ao seu amado e relembra o momento do primeiro beijo, de quando essa paixão começou.

O segmento de Jarmam começa com uma chuva de pétalas e uma senhora de cabelos brancos e vestido de gala fazendo reverência, como se recebendo

essa chuva estivesse sendo ovacionada. Após a introdução da imagem de uma jovem caminhando, o semblante da senhora muda, ela passa do contentamento para a contemplação, como quem começa a se lembrar de algo. O filme é sobre memorar, do mesmo modo que a música, uma mulher feliz de pensar no amor vivido. Essa jovem está acompanhada de um rapaz, as imagens parecem cenas amadoras, um teria filmado o outro, ou são as visões um do outro e daquele momento.

O mar, a praia e uma cidade portuária. São férias, ou uma fuga, o momento de viver intensamente o prazer do sol, do calor e da paixão. A lembrança é o caloroso acalento da saudade. Entre o frio da noite e da luz branca, e o calor dourado do sol, há a memória, o pôr do sol.

Breno Marques Ribeiro de Faria é graduado em História pela UFMG e tem mestrado na mesma área pela UNICAMP.

Aria (Depuis le jour) - 1987 Hollywood Classics Ltd.

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