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Caravaggio Jorge Soledar

Caravaggio

Jorge Soledar

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No 65º Festival internacional de cinema de Berlim, Caravaggio (1986), do britânico Derek Jarman, recebeu o Urso de Prata de melhor filme na categoria “outstanding single achievement”. Razoável entender o porquê. Flashbacks são usados pelo cineasta, que assinou o roteiro juntamente com Suso Cecchi D’Amico e Nicholas Ward-Jackson (responsável também pelo argumento), para nos apresentar um imaginário obscuro e não linear do célebre pintor, atingindo assim uma cinebiografia particular. Contudo, se por um lado a singularidade contida no filme reside no modo pelo qual seu roteiro e sua direção contrastam com clássicos do gênero biográfico nas telas, a condução de Caravaggio corresponde ao que se esperaria de uma leitura de Derek Jarman sobre Michelangelo Merisi da Caravaggio, a dizer em linhas gerais, o conflito existencial diante do erotismo.

Desse modo, as passagens sobre o pintor italiano são reveladas ao longo de memórias que se confundem entre ilusão e realidade, sonho e pesadelo - – dado interessante se levado em conta o realismo formal e obscuro de sua própria iconografia. Nela, destaca-se em primeiro plano, a preferência de Caravaggio pelo conflito humano em vez do retrato de alguma purificação ou redenção em nome do sagrado. O underground lhe interessa. E poucos cineastas confundiram tanto obra e vida à guisa do pintor italiano, cujo trabalho foi imerso às sombras de seus retratos. Jarman fez assim, ao longo de sua própria trajetória, como aquilo que artista barroco o fez em tela, exteriorizando alegorias de seus próprios dramas e desejos em torno da vida e da morte. E então, em 1994, oito anos após estas filmagens, Derek Jarman morria em decorrência da AIDS.

Neste sentido, não é à toa que a morte seja elegida como elemento central a desencadear a curva dramática do filme. Pois o leito de morte do pintor é o lugar escolhido simbolicamente por Jarman como metáfora de sua própria fonte de vida. Simbolicamente, o que torna a história tão sensível quanto confessional. Percorre-se, então, da entrega do jovem Michelangelo da Caravaggio aos padres até seu amor por Ranuccio (interpretado por Sean Bean), modelo vivo e envolvido com Lena (Tilda Swinton), passagens de uma vida conduzida pelo risco. E, como se à revelia do protagonista, parece que Derek Jarman o obriga a matar seu próprio amor na trama (seria o amor de Jarman ou de Caravaggio?), expondo o erotismo e, em particular, o desejo homoafetivo como conflito próximo da tragédia. Mas não será mais dado ao amor romântico se perder às sombras da paixão?

Jorge Soledar (1979, nascido em Porto Alegre, vive e trabalha no Rio de Janeiro) é artista e doutorando em Linguagens Visuais (PPGAV-EBA/UFRJ), e bacharel em História, Teoria e Crítica pelo IA-UFRGS. Atualmente é professor substituto das disciplinas de Teoria da Arte Contemporânea e Performance no bacharelado em Artes Visuais/ Escultura da UFRJ. Realizou diversas exposições, destacando-se as individuais “Como me tornei insensível” (Galeria Ibeu, Rio de Janeiro, 2013) e “Retratos” (MAC/PR, Curitiba, 2005), bem como coletivas, destacando-se a I Bienal do Barro do Brasil em Caruaru/PE, o panorama Rumos das Artes Visuais no Itaú Cultural intitulado "Trilhas do Desejo" (2009) e a mostra "Vias da Dúvida" no Centro de Artes Hélio Oiticica (2010). Tem ainda textos publicados sobre teoria da arte em periódicos indepentendes e acadêmicos, destacando-se artigo sobre a teoria do não-objeto na historiografia do neoconcretismo.

Caravaggio - 1986 BFI National Archive

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