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The Angelic Conversation Marcio Harum

The Angelic Conversation

Marcio Harum

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“Love is too young to know what conscience is yet, who knows not conscience is born of love.”

Sonnet 151, Shakespeare, 1609

Como a imaginação que delineou a vida cultural do período post-punk na região do East End de Londres em meados dos anos 1980 pode ter sido tão bem representada pelo conjunto de filmes de um único artista?

Com produção do The British Film Institute, The Angelic Conversation (1987) é permeado pela leitura de sonetos de William Shakespeare em voice over pela atriz Judi Dench e trilha original do projeto de música industrial Coil. Derek Jarman, que fez a câmera desta obra, conseguiu reunir em um só trabalho o que havia por excelência de mais inglês e de mais cool àquela época, nesta que foi uma reduzidíssima equipe de trabalho, formada por amigos e amantes colaboradores. Um dos editores do filme é simplesmente ninguém menos que o artista Cerith Wyn Evans. Os dois atores, Paul Reynolds e Philip Williamson foram convocados para as filmagens no meio da pista de dança do Heaven, o clube gay número 1 da Londres de então.

A primorosa experimentação com os recursos de stop motion, e a mescla de granulações a partir de fusões e transferências de imagem de Super-8 para vídeo e consequentemente para película 35 mm, dá um tratamento esmaecido, trêmulo mas estático, mesmo amarelecido, como se houvesse sido desorganizado incondicionalmente os processos fílmicos de correção de cor.

Imagens quase idênticas vão surgindo com intensidades distintas e repetidamente, e são acentuadas pelos ruídos incidentais da trilha, produzida sob forte inspiração das condições variáveis reais: meteorológicas, tecnológicas e espirituais ao alcance da mão, no momento e no entorno de sua concepção.

What’s your substance?

Be your slave.

Amar as paisagens das antenas, reflexos no espelho d’água, as pedreiras. Viver com a respiração ofegante, ouvir os apitos dos navios que zarpam, o vento, os barulhos das fábricas. Ver os anjos na neblina.

Jovem figura masculina que caminha solitária e lentamente sobre rochas soltas, flutuando na poeira.

A dor de se carregar o desejo reprimido e o coming out, a vida dura nas cidades pequenas. O peso, o fardo, a pedra.

Imagens em movimento, solarizadas pelo esquecimento, abandono e separação. A falta de alegria da carne. Tochas de fogo e fumaça, gongos e tambores.

O isolamento numa caverna, o sacerdócio em uma missa de magia.

O cheiro das flores no jardim em meio a uma luta contra a sua própria sombra no apocalipse.

As moscas que voam as flores mortas no jardim dos Ofélios afogados.

A ressurreição com um banho de água e sabão entre rapazes, em que beijos de paixão erótica eletrizam todo o seu corpo santificado.

Marchas militares e cavalos relinchando que ecoam no silêncio da floresta profunda, dois corpos que dançam no escuro da noite uma luta contra a morte.

Axilas, lábios, orelhas, mamilos, mãos, línguas, toques, carícias, em trajes negros de peles eriçadas brancas.

Rituais de acumulação e troca de energia sexual entre homens.

Gaivotas sobrevoam praias de rocas.

Como destruir anjos.

Sweet love forever.

Marcio Harum é curador de artes visuais do Centro Cultural São Paulo. Integra a comissão nacional da 5a edição do Prêmio CNI SESI SENAI Marcantonio Vilaça para as Artes 2014-15 e o grupo de crítica da Temporada de Projetos do Paço das Artes. Vive em São Paulo.

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