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The Last of England, ou errar o desejo Cezar Bartholomeu

The Last of England, ou errar o desejo

Cezar Bartholomeu

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Se The Last of England (1989) parece referir-se continuamente ao olhar de Stan Brakhage, talvez seja necessário notar que em vez da experimentação formal que relaciona o cinema ao problema da abstração, de fato propõe-se, de modo bastante atual, o cinema como uma experiência concreta de errância do olhar. O título, nesse sentido, nos fala de olhar para aquilo que se abandona, ou para aquilo que está por acabar, remetendo-nos a um duplo: testemunhar a destruição da Inglaterra (de fora) e, ao mesmo tempo, sua decadência (de dentro). Não se trata, assim, de errar simplesmente, mas também de deter-se em situações simbólicas, e essa dialética constrói a forma do filme.

Logo no início, Jarman nos apresenta dois personagens que terminam por se complementar: um artista em seu gabinete, narrador poético de quem se ouve a pomposa voz, e um jovem punk, alegoria homo(erótica) de quem o filme guarda a visada. Essa complementaridade está na base de todo o trabalho de Jarman. Entre o angst adolescente erotizado e a cegueira dos pensadores, podemos apenas lidar com o mundo como um prazer tão convulsivo quanto decadente. Nesse sentido, o trabalho de Jarman situa-nos diretamente no problema da geração dos new romantics, punks caracterizados pela ironia, cuja atitude agressiva e desiludida é mascarada por um hedonismo estetizante que aprecia o passado como imagem.

Antes que uma narrativa linear ou uma progressão de imagens, The Last of England apresenta-nos um cinema multifocal, experiência na qual sons e temas reincidem e reverberam uns em relação aos outros. Ainda que condicionada a um único quadro, percebe-se no filme claramente a necessidade de multiplicar temporalidades, acelerando e desacelerando imagem e som, criando assim sucessivamente momentos líricos e hiatos extremamente violentos – o que explica não apenas o cuidado com o som, mas também a multiplicação de técnicas de produção e conversão das imagens às quais o filme foi submetido para chegar-se ao produto final. Nesses momentos, imagens breves de um passado idealizado (normalmente imagens de uma família clássica) são contrapostas ao presente destruído e desiludido, no qual os sujeitos não se encontram nos papéis sociais tradicionais (já que não há nos anos 80 alternativa a uma visão vitoriana de família que os possa incorporar), e confrontam-se com o poder, revelando a impossibilidade de futuro.

A falta de uma utopia não é apenas um problema psicanalítico, ainda que possamos interpretar o filme e suas diversas alegorias a partir de tal visada, incorrendo finalmente na questão da sexualidade de Jarman e aproximando o filme de sua biografia. É também um problema concreto, identificado política e economicamente com o detestável pragmatismo de direita de Margaret Thatcher, com o qual hoje convivemos na versão cínica e globalizada. Nesse sentido, a cena dos homens fazendo sexo sobre a bandeira da Inglaterra, um despido e o outro anônimo, completamente coberto em roupas militares, talvez seja a mais importante do filme, por evidenciar radicalmente a filiação pasoliniana que finalmente o constitui; seu problema é a contradição persistente entre erotismo e poder.

Cezar Bartholomeu é artista plástico; professor da Escola de Belas Artes da UFRJ na área de História da Fotografia, Teoria da Imagem e Teoria da Arte; editor da revista Arte & Ensaios, revista do programa de pós-graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ.

The Last of England - 1989 Hollywood Classics Ltd.

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