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E o mar logo ali Ana Gomes

É A IDADE

Dirão que é a idade em que o homem ainda se aflige, a morte baloiça diante dos olhos, já não romanceada e ilustre, mas material, hospitalar, com o seu séquito de marcações, recepcionistas, enfermeiros, doutores que não estão, dores que vão e vêm, que são e não são nada.

Luísa Costa Gomes, “O Grande Azul”, do livro Afastar-se (treze contos sobre água), 2021, Dom Quixote **

Primeiro era idade que não lhe permitia fazer o que fazia a irmã mais velha. Depois, o género, que não lhe permitia cumprir os sonhos também perseguidos pelo irmão mais novo. Já esse irmão era juiz havia cinco anos quando Nádia passou a decidir os conflitos dos outros com o entusiasmo de quem ia mudar o mundo e com a certeza de que a sua sentença faria a diferença na vida de alguém – objetivo ambicioso, esse, de que nunca se desviou.

Está para breve a primeira visita ao seu novo gabinete no Supremo Tribunal de Justiça, onde irá tomar posse mais de 180 anos depois dos primeiros que ali entraram.

- É tarde - desabafa à colega que vem com a mesma finalidade de conhecer o espaço onde irá trabalhar.

- É verdade, já não vamos encontrar muita gente a esta hora do dia, mas olha que assim temos mais tempo para nos apresentarmos ao espaço, só conhecemos o salão nobre – tentou sossegá-la.

- Não, é tarde, percebes? É tarde para subir a escadaria, não tarda vou precisar de algum apoio. É tarde para solucionar os problemas novos de uma forma criativa quando só penso nas

E O MAR LOGO ALI

Ana Gomes

dores que vêm e que ficam. É tarde, porque é grande a responsabilidade e já são muitas as limitações ….

À chegada, ainda antes de passar a grande porta de entrada, já todas as pessoas as cumprimentam, antecipando os sorrisos acolhedores que ambas receberão aquando da tomada de posse como Juízas do Supremo Tribunal de Justiça.

O sol põe-se. As janelas novas, fechadas, não permitem que se perceba o som do exterior. As cortinas escuras, pesadas e opacas não deixam entrar a luz. Tudo é um convite à concentração.

- Preciso de ouvir, preciso de ver, preciso de sons e de luz – pensa Nádia, desesperada.

Num repente, puxa as cortinas, abre as janelas e sente a cidade …

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