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A Foto de Clarissa Pedro Cabeça
Hoje, acordei com uma certa nostalgia, aquela sensação estranha que se entranha. Impaciente, sem o que fazer, corri as estantes da biblioteca, à procura de um livro ao acaso. Sem saber bem porquê parei a minha mão no mais famoso livro de Jonathn Swift, que fez as delicias do meu final de infância. Abri o livro, e caiu ao chão uma fotografia, apanhei-a e sorri. Era aquela foto da Clarissa, que eu tinha tirado, quando a levei ao ballet, entre a pressa do trabalho e a desorganização do tempo, naqueles tempos em que tudo era confuso por ausência de uma mãe.
Estava completamente desalinhada, coitada, ajudei-a a vestir à pressa, ainda em casa, foi assim no carro.
Quando chegou as primas donas ainda ensaiavam.
Para ela o balett era um sacrifício, que acabou duas semanas depois quando me convenceu que o ballet não era para ela. Este momento da foto revelava já esse desígnio. Mas eu queria cumprir o papel de pai e mãe, o que fazia ainda desajeitadamente. A mãe da Clarissa saíra de casa há cerca de dois meses, para nunca mais voltar. Para nunca mais voltar. Curioso recordo perfeitamente estes dias, e o dia desta foto, mas não recordo a face da mãe da Clarissa.
A Clarissa estava bem disposta, e completamente descontraída, mascava uma pastilha não autorizada, e provocadora, nem ela nem eu estávamos concentrados na pastilha que eu não autorizava. Olhei para aquela imagem, corri ao carro, onde tinha a minha velhinha maquina fotografica, e fixei o momento que ora me faz sorrir. Sem saber porquê, porque aqueles tempos , eram tempos que não me faziam sorrir, ainda tinha comigo a mágoa de quem é preterido por uma aventura de vida, nunca entendi a mãe da Clarissa, como será ela agora?.
Mantenho o sorriso idiota. A Clarissa cresceu, tenho saudades da Clarissa, desde que foi para Londres, só estamos juntos uma vez por ano. Está igual, irreverentemente igual. Mas já não acredita que a mãe fez uma viagem de barco naufragando na ilha de lilliput . Na altura foi o que me veio à memória, justificando assim o facto da mãe da clarissa ter partido, quase sem aviso.
A verdade é que a nossa vida, a minha e a da mãe da Clarissa, tinha se iniciado muito cedo, éramos ,extremamente pequenos, e estávamos constantemente em guerra por futilidades, tal como os habitantes de lilliput. Enfim não fora acaso a minha nostalgia e a escolha do livro, nem o facto de ai ter deixado a fotografia, naqueles tempos, também relia as viagens de Guliver, talvez com esperança, de rever a mãe da Clarissa. Tal como as Primas donas que serviram de cenário nesta foto que tirei à clarissa, também eu vivia, naquela época, em pontas.