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GAZETA BMA Década de 1945 a 1955

MACHISMO: A IMAGEM DA MULHER NA PUBLICIDADE NACIONAL

A influência da mídia na construção do papel social da mulher e seus efeitos para a cultura da misoginia Propaganda da “Mrs. Leggs”.

A carta de Joe Generic para o seu eu do futuro Na infância, Joe Generic envia uma correspondência a ele mesmo no futuro

Uma leitora assídua

A primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo

Minissérie “O tempo e o vento”, de 1985.

Em dezembro de 1951, um grande evento de arte nacional e internacional ocorre na cidade de São Paulo

Entrevista com Felicia Ficher, a leitora que mais emprestou livros do Acervo Circulante da Biblioteca Mário de Andrade

Das páginas para as telas Acervo Circulante, em 1950.

Cartaz do evento.

A adaptação de obras literárias brasileiras das décadas de 1940 e 50 para a televisão e o cinema

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tábua, capiche?”. Esse é meu avô por parte de pai. Estamos fazendo churrasco, vovô Generic e eu. Ele veio da Itália nos visitar. Eu gosto dele e do que ele cozinha. Ele fala e faz tudo de um jeito engrasado, mas mamãe pediu pra que não lhe falasse sobre isso.

engraçado

o ônibus que traz minha mãe.

gente

vovó veio morar com a jente. Mamãe quase não saía do quarto nesse tempo e tinha dias que eu achava que ela não estava em casa. Um tempo depois mamãe melhorou e começou a frequentar a faculdade de história. Ela estava sempre lendo e vovó e eu tentávamos não fazer muito barulho. Nós brincávamos bastante e jogávamos damas sentados na frente de casa. O meu outro avô não fala com mamãe, apesar de ser o pai dela. Ele me esplicou

explicou

vovó às vezes, quando mamãe não está. Um pouco depois, mamãe começou a trabalhar e a passar bastante tempo fora. Apesar da faculdade, mamãe não sabia histórias muito divertidas, mas eu as escutava mesmo assim e tentava não dormir. Às vezes ela vinha para casa com outras mulheres para conversar. Parecia que estavam muito bravas. Vovó disia dizia que ela estava "brigando pelos direitos". Eu sempre lhe perguntei por que os direitos não podiam brigar por eles mesmos, mas vovó nunca soube responder. Os direitos deviam ser fraquinhos, pois mamãe estava sempre cançada cansada nessa época!

diZ

Outra pessoa de quem eu gostava muito era o tio Ted. Ele conheceu papai na guerra. Tio Ted tem uma moto barulhenta e está sempre com uma jaqueta preta que cheira a óleo. Ele levava mamãe para passear e às vezes para a faculdade. De vez em quando muitos amigos vinham com ele até a nossa casa e faziam uma barulheira com as motos. Quando mamãe não estava perto, tio Ted


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deixava eu passear na moto com ele e me contava histórias do papai. Ele colocava brilhantina no meu cabelo e ouvíamos discos de rock and roll. Ele também sabia andar de moto sem as mãos. Nos divertíamos à beça. Quando não estava brincando com vovó ou com Ted, eu brincava com os meninos da rua. Os irmãos Parker, nossos vizinhos, têm bastante dinheiro e brinquedos legais. O chato é que eles vivem me aporrinhando por não ter pai. Quando brincamos de guerra, sobra para mim e Jimmy (um garoto negro do bairro) fazer o papel dos nazistas. Mas eu não me importo muito. Os Parker dizem que Ted é um comunista, e por isso que o FBI lhe tirou o emprego e ele não tem onde morar. Todo mundo vive falando que os outros são espião do exército vermelho. Eu achava engraçada a ideia de um soldado vestido de vermelho, mas não contava pra ninguém. Um dia, depois de um casal de espiões

espiões

preocupado. Os Parker construíram um quarto debaixo da terra, e de vez em quando nós brincamos nele. Vovó me disse que essa carta já tem bastante coisa. Pode ser que no futuro eu não goste tanto de ler. Como será o Joe Generic do futuro? Será que os carros voam, como na TV? Vovó me disse pra eu escrever como eu gostaria que foce o meu futuro. No meu futuro, mamãe é a minha professora. Tio Ted voltou da sua viajem com os amigos. Todos uniformes são verdes e não existem bombas. Vovô voltou a conversar com mamãe e nas brincadeiras eu posso ser do ezercito exército dos aliados. E vovó sempre me deixa comer bastante sorvete antes do almoço. Vovó me disse pra acrescentar que essa foi uma boa tentativa e que espera que eu continue espertinho no futuro.

fosse

g

Joe Generic .


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Usuários do Acervo Circulante, em 1947.

crítico à burocracia, principalmente a acadêmica. Ainda assim, atuou como professor A Biblioteca e seus dos cursos de graduação usuários e pós-graduação da PUC, Unicamp e FGV, nesta última, No final dos anos 40, o foi homenageado e nomeou a então metalúrgico Maubiblioteca em seu discurso. ricio Tragtenberg, foi um Em 1950, verificou-se que frequentador assíduo da Biblioteca Mário de Andrade D. Felicia Ficher foi a leitora mais assídua da Seção para realizar seus estudos Circulante, tendo realizado de forma autodidata. o empréstimo de 186 livros Neste ambiente, dentre ao longo do ano. Por este tantos intelectuais que o motivo, ela foi convidada pela frequentavam, conheceu o biblioteca para uma entreprofessor Antonio Candido, que o convenceu a entrar no vista e ela fez as seguintes declarações: mundo acadêmico, e assim “Eu soube da existência tornou-se sociólogo. Defida Biblioteca Circulante por nia-se como um intelectual intermédio de uma amiga, que independente e sempre

sabendo que eu lia muito, a indicou. Até essa época me utilizava de bibliotecas de aluguel, o que ficava bastante caro. [...] Nasci em Viena e lá morei até jovem. Estudei dois anos na Suíça e depois de casada me mudei para Istambul, onde vivi durante dois anos. Na Europa as possibilidades de ler são muito grandes. Há bibliotecas por todas as partes e todo bairro tem uma que te emprestam livros, mas mediante uma


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pequena taxa. baixas do balcão semi-circular. Creio Há também diversas organizações que seria preferível as estantes das que editam e distribuem mensalmente paredes fossem mais altas e auxiliadas livros, uma espécie de clube do livro. por pequenas escadas corrediças. Lembro-me que recebia todo mês [...] Freqüento tanto a biblioteca um volume, de uma série destinada à que já conheço quase todos os romanadolescência. Na Europa, de um ces que possuem nas línguas que me modo geral, os livros eram são familiares. Um dos que mais muito baratos, qualquer me agradou, dentre tantos que um podia comprá-los. “Para mim, uma li foi Hotel Shangai* de Vicki No entanto, esta é a das melhores coisas Baum. primeira biblioteca que Não conheço nenhuma da vida é ler” vejo emprestar sem nedas outras seções da Bibliotenhuma contribuição. Uma ca, pretendo no entanto visidas coisas que acho de mais tá-las e creio que me interessarei notável nela, é o controle que existe muito pela parte de referente a Arte. para satisfazer aos pedidos de reser[...] Para mim uma das melhores vas de livros que se encontram emcoisas da vida é ler.” prestados. Toda vez que uma obra que reservei é devolvida, recebo em minha casa, por telefone, aviso de que posso ir buscá-la. Considero a organização da Biblioteca Circulante perfeita, apenas me desagradam as estantes muito

Mauricio Tragtenberg em 1956, aos 27 anos e em 1997, aos 68 anos.


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Do livro para as telas

Cena do filme O auto da compadecida, de 2000.

No período de 1945 a 1955, escritores já consagrados como Jorge Amado, João Cabral e Graciliano Ramos continuam sua vasta produção. Surgem ainda no cenário literário, novos autores que também se tornarão reconhecidos pelo grande valor artístico de suas obras. É interessante observar que diversas obras publicadas nesse período receberam adaptação para o cinema, como Auto da compadecida ou para a televisão, como A muralha e a trilogia O tempo e o vento que viraram minisséries, além de Sinhá Moça e Ciranda de pedra que inspiraram telenovelas.

Cena da minissérie A muralha, de 2000.

Cena da novela Ciranda de pedra, de 1981. A obra de teve ainda outra readaptação para a TV em 2008.

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bma 07 Cena da minissérie O tempo e o vento, de 1985.

Cena da novela Sinhá Moça, exibida em 2006.


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1947 O amor do soldado, de Jorge Amado Insônia, de Graciliano Ramos

1948 Coronelismo, enxada e voto, de Vitor Nunes Leal

1946 Seara vermelha, de Jorge Amado Poemas, sonetos e baladas ou O encontro do cotidiano, de Vinícius de Moraes Sagarana, João Guimarães Rosa


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1949 O continente, de Érico Veríssimo Margarida La Rocque: a ilha dos demônios, de Diná Silveira de Queiroz

1954 Ciranda de pedra, de Lygia Fagundes Telles Os subterrâneos da liberdade , de Jorge Amado A muralha, Diná Silveira de Queirós

1955 Auto da compadecida, de Ariano Suassuna

1953 Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles

1951 Sobrados e Mocambos, de Gilberto Freyre Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade

1950 O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto Sinhá Moça, de Maria Dezonne Pacheco Fernandes Sagarana, João Guimarães Rosa


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Você se lembra da minha voz… Já vivemos um período em que havia anúncios onde crianças fumavam e bebiam cerveja e onde os homens batiam nas suas mulheres para ficarem em seus lugares! Sim, já vivemos em uma época onde as mães sonhavam em receber presentes elétricos e a anemia era a doença popular e elixir era eficaz. Na década de 50, as propagandas eram ousadas e preconceituosas, algumas empresas estão até hoje fortes com suas marcas, outras nem devem ter passado para a próxima década.

Algumas apelavam para imagens mais fortes.

“Antes de brigar comigo, mãe... talvez fosse melhor acender um Malboro.” Propaganda norte-americana de 1952.

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Amélia, a “rainha do lar” Foi só na década de 1950 que a dona de casa brasileira entrou na cozinha para fazer doces e comidas mais delicadas, já que até então esse era um espaço reservado às criadas. A mudança de hábito se deu graças à diminuição do trabalho doméstico proporcionado pelo surgimento e popularização de eletrodomésticos e produtos industrializados, que tornaram mais rápida a preparação de alimentos.

Retrato de mães que esperavam por seus “presentes” eletrônicos para o lar.

Propaganda do liquidificador Walita e outros utensílios domésticos.

p Equipe editorial Redação Ciculante

Virgínia Markelene Lopes de Araújo

Jéssica de Souza Farjado

Walsandra Rocha Monay

Juliana Almeida Marina Pereira da Silva

Designers gráficos

Raoni Denaro de Souza

Gabriela Lissa Sakajiri

Renata Cristina de Melo

Kaio Cassio dos Santos


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Machismo e violência contra a mulher Outros anúncios, como estes de calças e de sapatos, defendiam que o homem deveria manter a mulher no lugar “onde ela pertence”, ou seja, no chão, como capacho.

correria para arrumar o cenário do próximo programa recomeçava. A pressa fazia as moças cometerem gafes: num comercial da Probel, por exemplo, a garota devia demonstrar a “facilidade” com que o sofá se transformava em Segundo esta marca de café, se uma esposa não preparasse a bebida com o seu produto, supostamente o melhor, o marido teria todo o direito de lhe dar uns tapas. cama. Diante das câmaras, porém, o Primeiro patrocinador patrocinou o “Circo Bomsofá enguiçou. Depois de programa de uma autêntica luta bril”, com apresentação de Walter Stuart, pai do cineasta livre entre a moça e o Entre os convidados Adriano Stuart, e tinha como sofá, veio um bompara o show de estréia do garota propaganda Elisabeth beiro ajudá-la. programa “TV na Taba” da Darci, mãe do comentarista TV Tupi, estava Mazzaropi esportivo Silvio Luiz. que com isso tornou-se o primeiro humorista da TV, e Garota propaganda em poucos dias a emissora lançou-o à frente do prograA primeira garota propama “Rancho Alegre” que ia ao ganda, Rosa Maria, foi ao ar na ar toda 4ª feira, às 21h, sob a seção “Tentação do Dia”, para direção de Cassiano Gabus anunciar ofertas da loja Marcel Mendes e patrocínio da Phil- Modas. Num canto ficava uma co, a primeira patrocinadora mesa com a mercadoria e um de programas da televisão cartaz ao fundo. Todos tinham brasileira. de ficar em silêncio no estúAparelho Philco, 1950. Nos anos 50, a Bombril dio. O comercial acabava e a


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