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Mรกrio de Andrade

Cartas do Modernismo


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Mário de Andrade

Cartas do Modernismo Curadoria | Curatorship: Denise Mattar CENTRO CULTURAL CORREIOS SÃO PAULO

19 de Setembro a 15 de Novembro de 2015 September 19 - November 15, 2015

realização

C O M U N I C A Ç Ã O

APOIO

patrocínio


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Mário de Andrade - Cartas do Modernismo “Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta” – disse Mário de Andrade em um de seus mais famosos poemas. A frase é afirmativa de uma personalidade múltipla e complexa, porém, soa modesta quando pensamos no legado sempre surpreendente que ele nos deixou. E modestíssima quando deparamos com os rios de cartas que trocou, seja com ilustres desconhecidos, seja com os mais importantes artistas e pensadores brasileiros de sua época. Ao longo de décadas, os resultados de sua escrita compulsiva e inspirada vêm-se tornando de conhecimento geral, em publicações que desvelam parte de uma das personalidades mais ricas de nosso Modernismo. Agora, como cúmplice da História, o Centro Cultural Correios ajuda a quebrar o sigilo de parte dessa correspondência. Em Cartas do Modernismo, com curadoria de Denise Mattar, chegam a São Paulo cápsulas da memória desse eterno turista aprendiz que Mário de Andrade ainda é, em uma mostra que coloca em diálogo cartas, obras de arte, cartas que são obras de arte e recursos tecnológicos que ajudam a tornar mais próximas essas mensagens tão cheias de significados. Mas não estamos diante de um simples exercício de voyerismo, embora seja ótimo “ouvir esses suspiros [...] que são violinos alheios”, penetrar na intimidade da escrita pessoal não só do poeta, mas de seus correspondentes, gente como Tarsila, Anita, Di Cavalcanti, Portinari, Brecheret, Drummond... O que se desenha em letras e figuras e sussurra por trás das palavras é a própria construção de um momento ímpar da história do Brasil e de sua arte. Assim, sempre atentos ao seu compromisso de entregar o melhor, os Correios convidam a todos que se correspondam também com esse artista que sempre fala para o futuro.

Centro Cultural Correios - São Paulo

Letters from Modernism “I am three hundred, I am three hundred and fifty” – said Mario de Andrade in one of his most famous poems. This phrase reveals his multiple and complex personality, though it sounds modest when we think of the ever surprising legacy that he has left us. It is extremely modest when we note the river of letters that he exchanged both with illustrious unknowns and with the most important Brazilian artists and thinkers of his time. Over the decades, the results of his compulsive and inspired writings have become widely known, in publications that unveil a side of one of the most splendid personalities of our Modernism. Now, as an accomplice in History, the Centro cultural Correios helps to break the secrecy of a portion of this correspondence. In Cartas do Modernismo (Letters from Modernism), under the curatorship of Denise Mattar, memory capsules reach the Central Plains from the eternal apprentice-tourist that Mário de Andrade still is, in an exhibition that discusses letters, works of art, letters that are works of art, and technological resources that help to bring these meaningful messages closer to us. But we are not faced only with a simple exercise of voyeurism, though it is wonderful to “listen to these sighs [...] that are foreign violins”, penetrating the intimacy of the personal writings not only of the poet, but of his correspondents, people like Tarsila, Anita, Di Cavalcanti, Portinari, Brecheret, Drummond... What is designed in letters and figures, and whispered behind the words, is the actual construction of a unique moment in the history of Brazil and its art. Thus, always aware of its commitment to deliver the best, the Correios invite you to also correspond with this artist who always speaks to the future. Centro Cultural Correios - São Paulo

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Índice | Index Gigantismo Epistolar Marcos Moraes e Telê Ancona Lopez - IEB/USP................................................................................ 9 Mário de Andrade - Cartas do Modernismo Denise Mattar...........................................................................................................................................15 De Mário para Anita | From Mário to Anita No atelier (1922)......................................................................................................................................28 De Anita para Mário | From Anita to Mário 27 de outubro 1923.................................................................................................................................30 De Mário para Anita | From Mário to Anita 3 de janeiro 1924..................................................................................................................................... 32 De Di Cavalcanti para Mário | From Di Cavalcanti to Mário 18 de dezembro 1925.............................................................................................................................. 35 Di Cavalcanti por Mário de Andrade | Di Cavalcanti by Mário de Andrade Mário de Andrade...................................................................................................................................36 De Mário para Tarsila | From Mário to Tarsila 19 de dezembro de 1922........................................................................................................................38 11 de janeiro de 1923.............................................................................................................................. 40 15 de novembro de 1923........................................................................................................................42 De Mário para Portinari | From Mário to Portinari Eliane Hatherly Paz................................................................................................................................59 O violinista | The Violinist Marcelo Téo..............................................................................................................................................64 De Mário para Portinari | From Mário to Portinari 30 de abril de 1937.................................................................................................................................66 De Mário para Drummond | From Mário to Drummond 30 de abril de 1937.................................................................................................................................68 De Mário para Portinari | From Mário to Portinari 23 de outubro de 1940.......................................................................................................................... 72 23 de março de 1935.............................................................................................................................. 74 De Mário para Henriqueta Lisboa | From Mário to Henriqueta Lisboa 11 de julho de 1941.................................................................................................................................... 76 Carta ao pintor moço | Letter to a young painter 11 de julho de 1942.................................................................................................................................. 80 De Di Cavalcanti para Mário | From Di Cavalcanti to Mário 24 de abril de 1922..................................................................................................................................86 1º de setembro de 1930........................................................................................................................ 88 As cartas de Mário de Andrade | The Letters of Mário de Andrade Affonso Romano de Sant’Anna............................................................................................................96 Dos visitantes para Mário | From visitors to Mário.................................................................... 102 Cronologia | Cronology....................................................................................................................... 108

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THIAGO SABINO

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arquivo ieb

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Gigantismo epistolar “Eu sofro de gigantismo epistolar”, escreve Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade em novembro de 1924. Nas mensagens que se espraiam por muitos cantos do Brasil, entre os anos de 1920 e 1945, para chegar às mãos de escritores, músicos e pintores de várias gerações, vigora o sentido pleno da partilha intelectual, mobilizada pela amizade. Essas cartas, hoje conhecidas em expressivo número de edições, configuram-se como a expressão de um notável projeto intelectual de largo alcance no movimento modernista. A correspondência desenha a rede da atuação empenhada do criador de Macunaíma nos debates de seu tempo, colocando em pauta a literatura, as artes, assim como a vida social e política do país. Entre tantos assuntos presentes nas missivas, em linguagem desataviada, cobrindo páginas e mais páginas, ganham relevo a caracterização do nacionalismo crítico no campo estético, a reflexão sobre patrimônio histórico nacional, os meandros da experiência do artefazer e os caminhos da formação do artista, em bases consistentes e autocríticas. Textos, partituras, croquis seguiam endereçados a Mário de Andrade, com pedido de opinião, alimentando a engrenagem crítica do diálogo epistolar. Tensões e consensos, colaboração e resistências, no debate sobre obras em processo não apenas mostram a configuração de gestos inventivos singulares e o confronto de perspectivas de interpretação, como também resultam na definição de um ideário artístico coletivo, caracterizando as suas linhas de força. Nestas Cartas do modernismo, selecionadas no diálogo do crítico severo com artistas plásticos brasileiros, caminhos e sentidos da arte brasileira são dimensionados, no compasso das amizades que se constroem. Cartas e obras, traços, tintas e palavras trazem à cena a fecunda interlocução de Mário de Andrade com Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Manuel Bandeira, Pedro Nava e Enrico Bianco. Completada nos comentários confiados aos poetas Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa. Marcos Moraes e Telê Ancona Lopez Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo

Epistolary Gigantism “I suffer from epistolary gigantism “, wrote Mario de Andrade to Carlos Drummond de Andrade in November, 1924. In messages dispatched to many corners of Brazil, between the years of 1920 to 1945, and which arrived to the hands of writers, musicians and painters spanning several generations, one can feel the full sense of intellectual experience driven by friendship. These letters, today found in an impressive number of editions, express the important and far-reaching, intellectual project of the modernist movement. This correspondence defines the network of activity carried out by the creator of Macunaíma in debates at that time, expounding on literature and the arts as well as the country´s social and political life. Among the many topics present in his missives, written in unadorned language and covering pages and pages, he highlights the characterization of critical nationalism in the field of aesthetics; reflections on the national historic heritage; the meanders in the experience of “doing-art”; and the paths that form an artist with consistent and self-critical elements. Texts, music sheets and sketches were addressed to Mario de Andrade, asking for his opinion and feeding the critical engine of this epistolary dialogue. Tension and consensus, collaboration and resistance fuel the debate regarding works in process show not only the face of singular inventive gestures and the confrontation of interpretative perspectives, but also result in the definition of a collective artistic ideal, characterized in his forceful lines. In these Cartas do modernismo (Letters from modernism), selected from the dialogue of the austere critic with Brazilian painters, paths and meanings of Brazilian art were designed, paced by the rhythm of the friendship that had been formed. Letters and works of art, strokes, paintings and words bring to the forefront the fertile dialogue with Mario de Andrade and Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Manuel Bandeira, Pedro Nava and Enrico Bianco complemented by comments dedicated to poets Carlos Drummond de Andrade and Henriqueta Lisboa. Marcos Moraes and Telê Ancona Lopez Institute of Brazilian Studies of the University of São Paulo

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Thiago Sabino

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Mário de Andrade Cartas do modernismo

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urante alguns anos empreendi extensa pesquisa sobre o modernismo, que resultou nas exposições Di Cavalcanti (1997), Flávio de Carvalho (1999), Ismael Nery (2000), Anita Malfatti (2001) e D. Olívia Penteado (2002). Cada um destes trabalhos, me proporcionou uma visão muito próxima do período que vai do início do século XX até os anos 30. Posso dizer que vislumbro as pessoas por trás dos personagens e que consigo ouvir os risos, o ritmo frenético das construções e do fox-trot, contraposto à residências com espessos tapetes, gobelins e móveis vindos de Paris. Nas crônicas de Di Cavalcanti, nos textos de Flávio de Carvalho e de Ismael Nery, em jornais e revistas da época é possível delinear esse momento especial dentro da história mundial e brasileira, pleno de mudanças, políticas, artísticas, sociais e comportamentais, e cuja face mais conhecida no Brasil é o chamado Primeiro Modernismo. O protagonismo de Mário de Andrade dentro desse período é inegável: suas poesias, textos, críticas e análises influenciaram artistas, apontaram talentos e abriram os caminhos modernistas. Dono de muitos talentos, foi poeta, escritor, crítico literário, teórico de arte, musicólogo, folclorista e fotógrafo. Dentro de sua extensa produção, nada porém é mais saboroso, revelador e rico em detalhes pessoais, do que suas cartas. Uma das histórias que Mário contava, quase justificando sua extensa produção epistolar, era a de que, por volta de 1914, enviara seus primeiros versos para o poeta parnasiano Vicente de Carvalho, e ficara muito decepcionado por nunca ter recebido uma resposta. Segundo ele, a partir dessa experiência decidiu que, quando ficasse famoso, sempre responderia aos jovens – e, de fato cumpriu essa promessa. A partir de uma conversa com Celso Rabetti aceitei sua sugestão de fazer uma exposição sobre essa correspondência, que resultou na mostra Mário de Andrade - Cartas do Modernismo. Como recorte curatorial foquei as artes plásticas, priorizando a correspondência com artistas como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari, ou comentários sobre arte encontrados em cartas a Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa, entre outros. Dentro dessa proposta seria impossível deixar de mostrar ao menos parte da preciosa coleção de artes plásticas que Mário de Andrade reuniu ao longo dos anos, quase sempre comprando os trabalhos. Em carta a Oneida Alvarenga, datada de 1940, escrevia Mário: quando aos 16 anos e muito, resolvi me dedicar à música, me fez concluir instantaneamente que a música não existe, o que existia era a Arte?... E desde então, desde esse primeiro momento de estudo real (...) assim como estudava piano, não perdia concerto e lia a vida dos músicos, também não perdia exposições plásticas, devorava histórias de arte, me atrapalhava em estéticas mal compreendidas, estudava os escritores e a língua, e, com quê sacrifícios nem sei pois vivia de mesada miserável, comprava o meu primeiro quadro!. E de fato, o jovem Mário comprou um quadro de Torquato Bassi, um artista acadêmico. Em 1917, depois de haver publicado, com o pseudônimo Mário Sobral, o livro Há uma gota de sangue em cada poema, Mário de Andrade conheceu Oswald de Andrade e Di Cavalcanti. A modernidade que já estava latente em sua produção encontrou eco no novo grupo e Oswald levou os escritos de Mário para o Jornal do Commércio. Foi também com os dois que visitou a exposição de Anita Malfatti. Ao ver os trabalhos sua primeira reação foi de um riso incontido, mas depois voltou várias vezes e tornouse amigo de Anita. A artista apresentava obras de tendência expressionista e cubista, entre as quais figuravam “O Homem Amarelo” , “A Estudante Russa” e “O Japonês”, pinturas que posteriormente Mário iria adquirir.

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A vasta correspondência trocada entre Mário e Anita ao longo de 15 anos mostra sobretudo a grande e duradoura amizade que os uniu. Mário era carinhoso e atento à sensibilidade exacerbada de Anita, mas também firme em suas convicções e bastante crítico do trabalho da artista. A partir de 1923, quando ela passa a residir em Paris, ele acompanha passo a passo as atividades da amiga, dando conselhos e sugestões. Anitinha, Anitoca queriquerida, Anitoca do coração, Nitoca são algumas das formas de tratamento que ele usa para se dirigir a ela. Essas cartas não têm o caráter documental que marca a correspondência dele com outros artistas e escritores; em contrapartida, por ela desfilam os principais personagens do modernismo em suas disputas, brigas, sucessos e conquistas. Como é sabido a exposição de Anita Malfatti, em 1917, suscitou o artigo de Monteiro Lobato intitulado Paranoia ou Mistificação? no qual ele criticava violentamente a exposição. Esse ataque fortaleceu os incipientes modernistas, que cerraram fileiras em torno da artista e passaram a se reunir e trocar experiências com frequência. Nos anos 1920 Mário frequentava o atelier de Victor Brecheret, recém-chegado da Europa, e lá fez sua primeira aquisição moderna, a escultura “Cabeça de Cristo”. A obra causou comoção em sua casa por mostrar uma imagem nada doce e suave do messias. Essa reação está na gênese do livro Paulicéia Desvairada, cuja primeira escrita é de 1920, tornando-o um dos textos pioneiros da literatura modenista no Brasil. A amizade de Mário com Brecheret também se estendeu por muitos anos, mas da correspondência entre eles restaram apenas algumas interessantes cartas do artista. Os textos delas são quase ilegíveis, escritos com letra miúda numa pitoresca miscelânea de português e italiano; em contrapartida, as cartas são ilustradas por belíssimos desenhos, esboços de trabalhos que o artista enviava para a apreciação do amigo e crítico, cuja opinião respeitava muito. Nos anos 1920 as esculturas de Brecheret chocavam os acadêmicos, mas o artista era celebrado pelo jovem grupo modernista como um gênio. Dentro desse espírito de profissão de fé em novas ideias, foi realizada a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo de 13 a 17 de Fevereiro de 1922, concebida a partir de uma sugestão de Di Cavalcanti. O evento reuniu pintura, escultura, literatura, poesia e música, e causou escândalo na cidade. Entre os participantes estavam Anita Malfatti, Victor Brecheret, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet e Heitor Villa-Lobos. O cartaz e o catálogo do evento foram realizados por Di Cavalcanti que trabalhou ativamente para trazer os modernistas cariocas. Mário de Andrade tinha especial carinho por Di Cavalcanti, seu companheiro desses tempos heroicos do Modernismo. Estima-se que a correspondência entre eles deva ter sido grande, mas Di não arquivava nada, e mudava-se com frequência. Assim, nada existe das cartas de Mário para ele, mas restaram cartas enviadas pelo artista, com frases espirituosas como esta, escrita tortuosamente em meio a um belíssimo desenho: Mário, felizmente eu não me apresso, não quero nunca realizar obras primas como [querem] o Brecheret, o Villa e mesmo já o Celso Antônio. O que acontece é que eles sem autocrítica já estão paus e eu me sinto de uma mocidade comovente. Não é orgulho, é vaidade. Eles não amam a vida. E eu amo sobretudo a vida, esta vida que me vem como os calores sexuais de baixo para cima. Delicioso também é o poema-retrato que, entretanto, nunca se transformou numa pintura... Mário divertia-se com o hedonismo do amigo com o qual às vezes se identificava. E, sobretudo, apreciava na obra de Di Cavalcanti a sua brasilidade, tema que defendia ardorosamente. Na coleção de Mário há vários trabalhos do início da carrreira de Di, que também realizou para ele a capa do livro Losango Caqui e um projeto para Paulicéia Desvairada, que não se concretizou.

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Mário... um Homem Desinfeliz Docudrama 25 min 1993 Diretor | Director: Adilson Ruiz Produtora | Producer: Estúdio AR Cinema e Vídeo Idealizado e realizado pelo Itaú Cultural, em 1995, em comemoração ao centenário do escritor Conceived and carried out by Itaú Cultural, in 1995, celebrating the centenary of the writer

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Logo após a Semana, Anita Malfatti encontrou Tarsila do Amaral. Recém chegada de Paris a artista fazia uma pintura impressionista que pode ser vista na obra “Chapéu Azul” de 1922. Surgiu então uma turma inseparável conhecida como o Grupo dos Cinco, composto por Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. Nesse período Tarsila e Anita pintavam juntas muitas vezes, e Mário de Andrade foi um de seus modelos preferidos. Entre as obras desse momento está “As Margaridas de Mário”, de Anita, retratando as flores enviadas por Mário a Tarsila e que integra a coleção do crítico. Com o mesmo nome e pintada no mesmo dia, a obra de Tarsila pertence hoje ao Museu de Grenoble, França. Naquele período efervescente o Grupo dos Cinco se reunia para discutir arte, ouvir música e dizer poesias. Oswald tinha um Cadillac verde e desfilava pela cidade com todos a bordo. O livro Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade reúne um conjunto de poemas no qual ele espelha esse momento frenético de construção de um ideário modernista. Mas, de repente tudo mudou. Em 1923, Oswald e Tarsila assumiram sua paixão e foram embora para Paris, onde ela foi estudar com Léger. Anita seguiu para a Europa, com bolsa do Pensionato Artístico. Di, Brecheret e Cícero Dias também se foram. Mário de Andrade, sozinho no Brasil, escrevia a todos incessantemente, pedindo notícias e conclamando-os a voltar. A correspondência trocada entre Mário e Tarsila é muito desigual pois foram muito maiores e mais longas as cartas enviadas por Mário do que as respondidas por Tarsila. Mário deixava transparecer toda a sua admiração e encantamento pela pintora, que respondia-lhe muitas vezes de forma bastante sucinta. Algumas são cartas de um homem apaixonado e saudoso, mas em outras ele faz sua perene defesa da brasilidade. Em 1924 D. Olivia Penteado organizou uma viagem a Minas Gerais para visitar as cidades históricas (que Mário de Andrade já conhecia). Segundo ela seria a primeira de uma série de viagens de “descoberta do Brasil”. Com seu poder de convocatória ela chamou Tarsila e Oswald, que vieram de Paris, acompanhados do poeta francês Blaise Cendrars. Essa viagem de fato abriu para eles um novo entendimento do país. Na volta Oswald de Andrade publicou o livro Pau-Brasil, Tarsila iniciou a fase de mesmo nome e Mário de Andrade escreveu Noturno de Belo Horizonte, considerado um de seus mais importantes poemas. Blaise Cendrars, de quem Mário não gostava, encantou-se com a viagem, e, embora sempre mantivesse uma postura um pouco irônica para com os jovens modernistas, convidou Tarsila a ilustrar seu livro Feuilles de Route, editado em Paris. Na viagem, as fazendas e paisagens mineiras foram registradas em desenhos por Tarsila e também por Mário de Andrade, que era bom desenhista. Mas se o escritor os encarava apenas como um diário de viagem, para a artista eram esboços de suas novas pinturas, entre elas “O Mamoeiro”, que integra a coleção de Mário. Em Minas um jovem poeta local veio se apresentar a Mário, e, em 28 de Outubro de 1924, enviou-lhe uma tímida carta: Procure-me nas suas memórias de Belo Horizonte: um rapaz magro, que esteve consigo no Grande Hotel. Ora, eu desejo prolongar aquela fugitiva hora de convívio com seu caro espírito.(...). Mário respondeu com uma longa carta e isso foi o início de uma correspondência literária, criativa e afetiva que durou 21 anos. O nome do poeta era Carlos Drummond de Andrade. Em 1927 Mário de Andrade foi convidado por D. Olívia Penteado a acompanhá-la numa viagem ao Amazonas. A experiência foi marcante para ele aumentando ainda mais seu interesse pela música, lendas e tradições brasileiras. O escritor voltaria ao Norte no ano seguinte. No final de 1926 ele já escrevera Macunaíma - O herói sem nenhum caráter, sobre o qual dizia em carta ao folclorista Luís

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da Câmara Cascudo: Escrevi um romance. Romance ou coisa que o valha, nem sei como se pode chamar aquilo. Em todo caso chama-se Macunaíma. É um herói taulipangue bastante cômico. Minha intenção foi esta: aproveitar no máximo possível lendas e tradições costumes frases feitas etc. Brasileiros. E tudo debaixo dum caráter sempre lendário porém como lenda de índio e negro. O livro tem uma estrutura inovadora e faz um retrato debochado e irônico do povo brasileiro, tornando-se um marco de nossa literatura. Aprofundando sua pesquisa iniciada com “A Negra”, Tarsila pintou, em 1928, a tela “Abaporu” (“homem que come gente” em tupi-guarani). Inspirado por ela Oswald de Andrade descobriu na antropofagia uma metáfora original e surpreendente para legitimar a absorção da cultura europeia e sua transformação em cultura brasileira. Mais do que uma teoria o seu Manifesto Antropófago é um verdadeiro grito de guerra. De maio de 1928 a março de 1929 a Revista de Antropofagia teve duas fases, ou duas “dentições”, como queriam seus autores. Mário participou apenas da primeira; na segunda já estavam rompidas suas relações com Oswald. Em outubro de 1929 a quebra da Bolsa de Nova York iniciou um período político, econômico e social sombrio que se estendeu até 1945. No Brasil a derrocada da economia do café levou à falência a aristocracia rural paulista evaporando as fortunas de Tarsila e Oswald que se separaram. Foi o fim de uma era, e o momento em que se encerrou, melancolicamente, o Primeiro Modernismo no Brasil. No início da década de 1930, o primeiro sopro do modernismo já havia passado, sem ter sido reconhecido no Rio de Janeiro, então capital do país. Em 1931, o arquiteto Lúcio Costa, à frente da Escola Nacional de Belas Artes, mudou esse quadro convidando os principais modernistas do Rio e de São Paulo a participar do chamado Salão Revolucionário. Entre eles havia artistas de diferentes gerações, como Tarsila, Brecheret, Anita, Ismael Nery, Cícero Dias e Guignard. O evento causou polêmica e levou à demissão de Lúcio Costa. Mário de Andrade visitou o Salão onde dois trabalhos chamaram sua atenção: o “Retrato de Manuel Bandeira” e “O Violinista”, ambos do jovem pintor Cândido Portinari. Conhecendo a sua produção o crítico viu no artista as principais qualidades que apreciava: o cuidado com os valores plásticos, a qualidade artesanal da pintura, o interesse pelo assunto nacional e o compromisso com o social. Ficaram amigos, trocaram longa correspondência, e Mário procurou elevá-lo ao posto de maior artista nacional. Entre 1935 e 1938, Mário de Andrade exerceu o cargo de diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Abdicando de projetos pessoais criou uma intensa programação cultural para a cidade. Sua demissão, em 1938, por motivos políticos e não justificados, foi um choque (do qual nunca se recuperou) e Mário decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro. Sua chegada coincidiu com a ascensão de Getúlio Vargas e o início da Segunda Guerra. Ele assumiu o cargo de professor de Filosofia e História da Arte, na Universidade do Distrito Federal, onde Portinari tinha a cátedra de Pintura. Apesar de estar em funcionamento, a UDF havia sido nominalmente extinta e já estava em curso sua incorporação à Universidade do Brasil, atendendo à vontade de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde de Vargas. Assim, Mário de Andrade, que chegara ao Rio fugindo de intrigas políticas, veio parar em meio a outras, muito mais complexas, e que tornaram sua situação bastante instável. Com a extinção da UDF Mário tornou-se consultor técnico do Instituto Nacional do Livro e colaborador do SPHAN, do qual foi um dos criadores. Mas ele não se sentia à vontade em participar do governo de Vargas, mesmo cercado de colegas como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Rodrigo de Mello Franco.

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Nesse período difícil, Portinari e sua esposa Maria tornaram-se a família de Mário e ele teve a oportunidade de assistir ao triunfo do amigo. Sucessivamente o artista foi convidado a criar os afrescos e azulejos do prédio do MEC, teve uma exposição individual no MOMA de Nova York, e foi para os Estados Unidos pintar os painéis da Biblioteca do Congresso em Washington. Em 1941 Mário decidiu voltar para São Paulo, amargurado com a situação política e artística do país, e sem nunca ter se adaptado verdadeiramente à cidade. Deixou no Rio os jovens amigos de farras e conversas, Murilo Miranda, Lúcio Rangel, Carlos Lacerda e Moacir Werneck de Castro, com quem passou a se corresponder intensamente. Mário de Andrade voltou ao Rio em 1942, a convite da Casa do Estudante, para realizar, no Itamaraty, a conferência O movimento modernista. A palestra foi um importante balanço daquele período, mas seu tom já prenunciava a morte de Mário, que ocorreu em São Paulo a 25 de Fevereiro de 1945. Para contar essa história a exposição Mário de Andrade – Cartas do Modernismo foi dividida em núcleos: “Primeiro Modernismo” apresentava uma cronologia do movimento através de reproduções de obras, livros e textos, e, nas cartas para Mário ilustradas pelos artistas. “Segundo Modernismo” tratava da relação de Mário de Andrade com Portinari. Neste segmento, em vitrines, foram apresentadas as cartas originais de Mario a Portinari, analisadas neste catálogo em artigo de Eliane Hatherly Paz. As obras de arte de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari e Bianco, majoritariamente da coleção de Mário, eram acompanhadas por cartas gravadas colocadas em totens com fones de ouvido. Interpretadas por João Paulo Lorenzón elas ressaltavam os diferentes tons que Mário usava para os seus correspondentes: carinhoso para Anita, severo com o jovem Bianco, caloroso para Portinari, professoral com Drummond, cúmplice com Manuel Bandeira e apaixonado por Tarsila. O recurso tornou as cartas vivas e de mais fácil entendimento pelo público. Na sala apresentamos o docudrama Um Homem Desinfeliz, de Adilson Ruiz, produzido pelo Itaú Cultural, e uma instalação de Guilherme Isnard que brincava com a enorme quantidade de cartas escrita por Mário, convocando o público a escrever para ele. Em mídia eletrônica, letras giravam no ar, como que expelidas da máquina de Mário, formando palavras, frases e poesias do autor. Nas mesas de consulta o público tinha acesso à correspondência com Anita, Tarsila, Câmara Cascudo, Drummond, Portinari, Manuel Bandeira, e podia escrever suas próprias cartas. A resposta do público à nossa proposta, apoiada no cuidadoso trabalho dos mediadores, foi surpreendente, e por isso anexamos ao catálogo algumas poucas cartas, das muitas que foram coletadas. Agradeço ao IEB - Instituto de Estudos Brasileiros da USP, instituição que abriga a memória e a herança de Mário de Andrade e ao sr Carlos Augusto de Andrade Camargo, herdeiro do autor, certa de que sem seu apoio esta exposição não seria possível. Agradeço também aos Correios que tiveram a sensibilidade de patrocinar esta mostra, tão afinada com o trabalho da empresa. Igualmente fundamentais foram o Projeto Portinari, o Itaú Cultural e os colecionadores que emprestaram obras. Mas, à equipe, que tanto trabalhou para tornar essa ideia uma realidade, e que são tantos que não dá para nominar a todos, vai meu maior agradecimento.

Denise Mattar - Curadora

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Mário de Andrade Letters from Modernism For some years I had carried out an extensive research on modernism, which resulted in exhibitions such as Di Cavalcanti (1997), Flávio de Carvalho (1999), Ismael Nery (2000), Anita Malfatti (2001) and D.Olívia Penteado (2002) .Each of these offered me a very close view of the period from the beginning of the XX century up to the thirties. I can say that I am able to envision the people behind the characters and hear their laughter, the frenetic rhythm of their construction and the foxtrot, set against the thickly carpeted houses with Gobelins and furniture arriving from Paris. In the chronicles by Di Cavalcanti, the texts by Flávio de Carvalho and Ismael Nery, and in newspapers and magazines from that time, it is possible to define this special moment in the history of the world and of Brazil, filled with political, artistic, social and behavioral changes, and its most apparent semblance in Brazil is the so-called First Modernism. The important part played by Mário de Andrade during this period is undeniable, his poetry, texts, critiques and analysis influenced artists, unveiled talents and opened the way for modernism. A man of many talents, he was a poet, writer, literary critic, art theorist, music specialist, folklorist and photographer. However, within his extensive production, nothing is more tasty, revealing and rich in personal detail than his letters. One of the stories that Mario told, almost to justify his extensive epistolary production, was that in around 1914, he had sent his first verses to the Parnasian poet Vicente de Carvalho, and had been very disappointed never to receive a reply. According to him, after this experience, he decided that when he became famous, he would always answer letters from young people – and, in fact, he kept this promise. As a consequence of a conversation with Celso Rabetti, I accepted his suggestion to organize an exhibition of this correspondence which resulted in Mário de Andrade – Cartas do Modernismo. As a curatorial touch I focused on the fine arts, giving priority to his correspondence with artists such as Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti and Portinari, or his commentaries on art found in letters to Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade and Henriqueta Lisboa, among others. With this purpose in mind, it would have been impossible not to show at least part of the precious collection of fine arts that Mario de Andrade gathered over the years, almost always having purchased the works of art. In a letter to Oneida Alvarenga, dated 1940, Mário wrote: “when I was just over 16 years old, I decided to dedicate myself to music, and instantly concluded that music doesn´t exist, what exists is Art?...And from then on, from that first moment of real study (...) just as I studied the piano, I never missed a concert and avidly read the lives of the musicians, so also I never missed exhibitions of the fine arts, devoured histories of arts, was confused by badly understood aesthetics, studied writers and language, and, with unknown sacrifice since I lived on a miserly allowance, bought my first painting!”. And, in fact, young Mario bought a painting by Torquato Bassi, a learned artist. In 1917, after having published, under the pseudonym of Mario Sobral, the book Há uma gota de sangue em cada poema (There is a drop of Blood in each poem), Mario de Andrade met Oswald de Andrade and Di Cavalcanti. Modernism, that was already latent in its production, found an echo in the new group and Oswald took Mario´s writings to the Jornal do Commércio newspaper. It was also with these two that Mario visited Anita Malfatti´s exhibition. When observing these works his first reaction was uncontained laughter, but he later returned several times and became Anita´s friend. The works being shown by the artist had expressionist and cubist tendencies, among which were O Homem Amarelo (The Yellow Man), A Estudante Russa (The Russian Student) and O Japonês (The Japanese), paintings that Mario would later acquire. The vast correspondence exchanged between Mario and Anita during 15 years shows, above all, the great and lasting friendship that united them. Mário was affectionate and attentive to Anita´s exacerbated sensitivity, but he was also firm in his convictions and very critical of the artist´s work. After 1923, when she began to live in Paris, he followed his friend´s activities step by step, giving her advice and suggestions. Anitinha, deardear Anitoca, Anitoca of my heart, Nitoca are some of the endearing forms he used to address her. These letters do not have the documental character that mark his letters to other artists and writers; but, on the other hand, in these we find the main characters of modernism with their disputes, fights, successes and conquests. . As is known, Anita Malfatti´s exhibition, in 1917, triggered the article by Monteiro Lobato, under the title of Paranoia ou Mistificação (Paranoia or Mistification) in which he violently criticized the exhibition. This attack strengthened the

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incipient modernists who closed ranks around the artist and began to meet frequently to exchange their experiences. In the 1920s, Mário visited the studio of Victor Brecheret, who had recently arrived from Europe, and there he made his first modern acquisition, the sculpture Cabeça de Cristo (Head of Christ). This work caused some commotion at home since it showed an image of the Messiah that was neither sweet nor soft. This reaction was documented in the preface of his book, Paulicéia Desvairada (Wild São Paulo), first written in 1920, and which became one of the pioneer texts of modernist literature in Brazil. The friendship between Mario and Brecheret also lasted many years, but from their exchange of correspondence there remain only a few interesting letters from the artist. The texts of these letters are almost illegible, written in tiny handwriting and in a picturesque medley of Portuguese and Italian though beautifully illustrated with drawings and sketches that the artist sent for the appreciation of his friend and critic, whose opinion he greatly respected. In the twenties, Brecheret´s sculptures shocked the scholars, but the artist was celebrated by the young Modernist group as a genius. In this spirit of faith in new ideas, the Week of Modern Art was held from February 13 to 17, 1922, at the Municipal Theater of São Paulo, instigated by Di Cavalcanti. The event brought together paintings, sculptures, literature, poetry and music, and caused a scandal in the city. Among the participants were Anita Malfatti, Victor Brecheret, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet and Heitor Villa-Lobos. The poster and the catalogue of the event were made by Di Cavalcanti, who worked actively to bring to the event the Modernists from Rio de Janeiro. Mário de Andrade had a special affection for Di Cavalcanti, his companion from the heroic days of Modernism. It is thought that the correspondence between them must have been abundant, but Di never kept anything, and moved around frequently. Thus, there are no letters from Mario to him, but the letters sent by the artist have been kept, with witty phrases like the one written sinuously inside a beautiful drawing: “Mario, happily, I am not in a hurry, I never want to make masterpieces like Brecheret, Villa and even Celso Antônio[do]. What happens is that they with no self-criticism are already old cudgels and I feel piteously young. It´s not pride, it´s vanity. They don´t love life. And I love life above all, this life that comes to me like the sensual warmth from below upward.” Delightful, also, is the portrait-poem of Mario, which, however, never became a painting. Mario was amused by his friend´s hedonism, with which he at times identified. And, above all, he admired in Di Cavalcanti´s work his Brazilianism, a theme that he ardently defended. Mario´s collection includes several works from the beginning of Di´s career, and he also illustrated the cover of Mario´s book Losango Caqui (Persimmon Lozenge) and a project for Paulicéia Desvairada that did not materialize. Soon after the Week, Anita Malfatti met Tarsila do Amaral. Having recently arrived from Paris, the artist was painting an impressionist picture that can be seen in Chapéu Azul (Blue Hat), from 1922. Thus was formed the inseparable group known as the Group of Five, composed of Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade and Menotti del Picchia. During this period, Tarsila and Anita often painted together, and Mário de Andrade was one of their favorite models. Among the works painted at this time is As Margaridas de Mário (Mário´s Daisies), by Anita, depicting the flowers sent by Mario to Tarsila, now part of the critic´s collection. With the same name and painted on the same day, the work by Tarsila now belongs to the Museum of Grenoble, in France. During that effervescent period, the Group of Five met to discuss art, listen to music and recite poetry. Oswald owned a green Cadillac and drove around the city with all of them aboard. The book, Pauliceia Desvairada, by Mario de Andrade, contains a set of poems in which he reflects this frenetic moment during the construction of the modernist ideal. However, everything suddenly changed. In 1923, Oswald and Tarsila confessed their passion and left for Paris, where she began to study under Léger. Anita went off to Europe, with a scholarship from the Pensionato Artístico. Di, Brecheret and Cícero Dias also left. Mário de Andrade, alone in Brazil, wrote incessantly to them all, asking for news and demanding that they return. The correspondence exchanged between Mário and Tarsila is very one-sided, since the letters sent by Mario were much lengthier and more frequent than those answered by Tarsila. Mario demonstrated all his admiration and enchantment for the artist, who often replied very succinctly. Some of these letters are from a man passionately in love and nostalgic, but in others he makes his eternal defense of Brazilianism.

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In 1924, D. Olivia Penteado organized a trip to Minas Gerais to visit the historic cities (which Mário de Andrade already knew). According to her, it would be the first of a series of trips to “discover Brazil”. With her masterly power she called Tarsila and Oswald, who came from Paris, accompanied by French poet Blaise Cendrars. This trip in reality offered them a new understanding of the country. Upon his return, Oswald de Andrade published his book, Pau-Brasil (Brazil Wood), Tarsila began her phase of the same name and Mário de Andrade wrote Noturno de Belo Horizonte, (Nocturnal of Belo Horizonte) considered one of his most important poems. Blaise Cendrars, who Mario did not like, was enchanted by the trip, and, though she always held a slightly ironic attitude towards the young modernists, she invited Tarsila to illustrate her book Feuilles de Route, published in Paris. During the trip, the farms and scenery of Minas Gerais were recorded in sketches by Tarsila and also by Mario de Andrade, who was good at drawing. But, if the writer saw them only as a travel diary, to the artist they were sketches for her new paintings, among which O Mamoeiro (The Papaw Tree) found in Mario´s collection. In Minas, a local young poet introduced himself to Mario, and on October 28, 1924, sent him a timid letter: Look for me in your memories of Belo Horizonte: a thin young man who was with you at the Grande Hotel. How I would like to prolong that fleeting hour I spent with your dear soul. (...). Mario replied with a long letter and this was the beginning of a literary, creative and warm correspondence that lasted for 21 years. The poet´s name was Carlos Drummond de Andrade. In 1927, Mario de Andrade was invited by D. Olívia Penteado to accompany her on a trip to the Amazon. The experience was striking, further increasing his interest in Brazilian music, legends and traditions. The writer would return to the North the following year. At the end of 1926 he had already written “Macunaíma – O herói sem nenhum caráter” (Macunaima, the characterless hero), about which he wrote in a letter to folklorist Luís da Câmara Cascudo: “I have written a novel. A novel or something like one, I don´t really know what it could be called. Anyway, it´s called Macunaíma. It´s about a very comical Taulipangue hero. My intention was this: to take advantage as much as possible of Brazilian legends and traditions, customs and sayings, etc. And all this through an ever mythical character, such as the legend of the Indian and the black man.” The book had an innovative structure and painted a mocking and ironic picture of the Brazilian people, becoming a milestone in our literature. Furthering the research that began with A Negra (The Black Woman), in 1928, Tarsila painted the canvas Abaporu (people-eating man in Tupi-Guarani). Inspired by her, Oswald de Andrade discovered in anthropophagi an original and surprising metaphor to legitimize the absorption of the European culture and its transformation into Brazilian culture. More than a theory, his Manifesto Antropófago (Anthropophagic Manifest) is a true battle cry. From May, 1928 to March, 1929, the Revista de Antropofagia (Anthropophagic Magazine) had two phases, or two “teethings”, as its authors liked to say. Mario participated only in the first; in the second, he and Oswald had already broken their ties. In October 1929, the crash of the New York stock market initiated a somber political, economic and social period that lasted until 1945. In Brazil, the decline of the coffee market led the rural aristocracy in São Paulo to bankruptcy, decimating the fortunes of Tarsila and Oswald, who then separated. It was the end of an era, and the moment of the melancholic demise of the first modernism in Brazil. At the start of the decade of 1930, the first breeze of Modernism had already passed, without having been recognized in Rio de Janeiro, the country´s capital at that time. In 1931, architect Lúcio Costa, head of the Escola Nacional de Belas Artes, altered this picture when he invited the main modernists from Rio and São Paulo to take part in the so-called Salão Revolucionário (Revolutionary Salon). Among these, were artists from different generations, such as Tarsila, Brecheret, Anita, Ismael Nery, Cícero Dias and Guignard. The event was controversial and led to Lucio Costa´s dismissal. Mário de Andrade visited the Salon where two works of art captured his attention: Retrato de Manuel Bandeira (Portrait of Manuel Bandeira) and O Violinista (The Violinist), both by the young painter, Cândido Portinari. Becoming acquainted with his production, the critic perceived in the artist the main qualities that he admired: care with visual values, the artisan quality of the painting, an interest in Brazilian themes and a commitment to social issues. They became friends, exchanged lengthy correspondence, and Mario attempted to elevate him to the highest position as the greatest Brazilian artist. Between1935 and 1938, Mário de Andrade held the position of director of the Department of Culture of the Municipality of São Paulo. Abdicating from his personal projects, he created an intense cultural program for the city. His dismissal in

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1938, for political and unjustified reasons was a shock (from which he never recovered) and Mário decided to move to Rio de Janeiro. His arrival coincided with the ascension of Getúlio Vargas and the beginning of the Second World War. He assumed the position of Professor of Philosophy and History of Art at the University of the Federal District, Brasilia, where Portinari held a chair in Painting. Although the UDF was still active, it had been nominally extinguished and was already being incorporated in the University of Brazil, attending the wishes of Gustava Capanema, Minister of Education and Health in the Vargas government. Thus, Mário de Andrade, who arrived in Rio to escape political intrigue, found himself in the midst of another, this one even more complex, which made his situation extremely untenable. With the extinction of the UDF, Mário became a technical consultant for the National Book Institute and a collaborator of the SPHAN, of which he was one of the founders. However, he did not feel comfortable participating in the Vargas government, although he was surrounded by colleagues such as Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira and Rodrigo de Mello Franco. During this difficult time, Portinari and his wife, Maria, became Mario´s family and he was able to witness his friend´s triumph. Later, Portinari was invited to create the frescos and tiles of the MEC building; held a solo exhibition at MOMA, in New York; and went to the United States to paint the panels of the Library of Congress, in Washington. In 1941, Mário decided to return to São Paulo, disillusioned by the country´s political and artistic situation, and without ever having adapted to the city. He left behind, in Rio, his young companions of parties and conversations, Murilo Miranda, Lúcio Rangel, Carlos Lacerda and Moacir Werneck de Castro, with whom he began an intense correspondence. Mário de Andrade returned to Rio in 1942, at the invitation of the Casa do Estudante, to participate in the conference O movimento modernista (The modernist movement) at the Itamaraty. His lecture was an important assessment of that period, but his tone already predicted his death, which occurred in São Paulo on February 25, 1945. To tell this story, the exhibition Mário de Andrade – Cartas do Modernismo has been divided into segments: Primeiro Modernismo (First Modernism) which presents a timeline of the movement through the reproduction of works, books and texts, and in the letters to Mario, illustrated by artists. Segundo Modernismo (Second Modernism) deals with Mario de Andrade´s relationship with Portinari. In this segment, in display cases, are shown Mario´s letters to Portinari, analyzed in this catalogue in an article by Eliane Hatherly Paz. The works of art by Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari and Bianco, mostly from Mario´s collection, are accompanied by recordings of letters that can be heard on earphones. Interpreted by João Paulo Lorenzón they emphasize the different tones that Mário used with each of his correspondents: affectionate with Anita; severe with young Bianco; warm with Portinari; professorial with Drummond; as an accomplice with Manuel Bandeira; and passionate with Tarsila. In Room we also presented the dramatic documentary Um Homem Desinfeliz (A not unhappy man) by Adilson Ruiz, produced by Itaú Cultural, and an installation by Guilherme Isnard which plays with the enormous amount of letters written by Mario, inviting the public to write to him. Through electronic media, letters spin in the air like those written on Mario’s machine, forming the author´s words, sentences and poetry. In the exhibition held at the Centro Cultural Correios in Rio de Janeiro, the public had access to his correspondence with Anita, Tarsila, Câmara Cascudo, Drummond, Portinari, Manuel Bandeira, and were invited to write their own letters. The public´s response to our proposal, supported by the careful work of the mediators, was surprising, and this is why we have attached to this catalogue a few of the many letters collected and that are presented in the exhibition in Brasília. We are grateful to IEB - Institute of Brazilian Studies of the University of São Paulo, an institution that harbors the memory and heritage of Mario de Andrade, and to Mr. Carlos Augusto de Andrade Camargo, the author´s heir, without whose support this exhibition would certainly not have been possible. I also thank the Correios for their sensibility in sponsoring this exhibition that is so in tune with the company´s work. Equally important were the Projeto Portinari, Itaú Cultural and the collectors who loaned the works. However, it is to the team that has worked so hard to make this idea a reality, and that are so many that they cannot all be personally to whom named, to whom I address my greatest thanks. Denise Mattar - Curator

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guilherme isnard

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No Atelier Estávamos os dois na penumbra oleosa do atelier. Ela arranjara a tela, preparara as cores, e, gestos nervosos, serpentinos, esboçara o meu retrato. Havia uma alegria, de milagre lá fora. tínhamos-nos encontrado no porão, ridentes, despreocupados, longe da vida como a manhã infantil que cambalhotava pelos morros, em frente, como a própria paisagem silvestre que, numa ironia feminina da natureza, sorria seus lábios verdes junto ao civilizado perfil da cidade. Anita dera-me a mão, num “bom dia” primaveril. Toda de branco! Eu, embora de negro, não trazia o coração “vestu du noir” como o de Charles d’Orleans. Sentia-me feliz. Agora, no crepúsculo do atelier havia como que um desapontamento entre nós dois. É que as alegrias exteriores, passageiras, não cabem nas penumbras. Abandonáramos a nossa, lá, nas mãos da manhã infantil; e sentíamos, na pouca luz que desnuda, um amargor remanescente de vida quotidiana. E eu falei: - Como é bom , Anita, a gente separar-se, assim, por umas horas, da caravana. Abandonar trabalhos e preocupações, abandonar a própria felicidade que a todos abraça num ou noutro instante, para viver esse limbo de lazer em que estamos agora. - Mário, uma senhora disse-me ontem que jamais vira nas águas um reflexo de céu... (...) E o nosso diálogo politonal continuava. A pintora, com as pálpebras semicerradas, trabalhava rápido, febril. Sua mão agílima abandonava pincéis, misturava cores, criava tons inebriantes, imateriais, num frenesi potente de criação. Toda entregue ao prazer de pintar, não me escutava, direi mesmo que não me via. Isso consolava-me um pouco da minha pobre figura esguicho, sem cores, muito morna. Anita criava! Como inconsciente, na exaltação que a possuía, na divina loucura de inspiração, murmurava frases sem sentido, contradiziase, respondia perguntas inexistentes. Às vezes silenciava. Parava. Contemplava a obra ou examinava o modelo. Depois era de novo o trabalho inspirado, feliz. Escondia novamente a luz dos olhos entre as pálpebras apertadas, trementes. Quando descobria um tom mais inédito, mais exato, sorria, cantava frases de ópera fácil, numa clarinada de vitória. (...) Não sei se percebeu minha fuga. Pintava. Pintava sempre. Pintava de cor, trêmula de ânsia, gloriosa de força divinatória. Suas cores eram fantasmagorias simbólicas, eram sinônimos! Por trás da minha face longa, divinizada pelo traço do artista, um segundo plano arlequinal, que era minha alma. Tons de cinza que eram minha tristeza sem razão... Tons de oiro que eram minha alegria milionária... Tons de fogo que eram meus ímpetos entusiásticos... Eu vibrava, como que recoando a ressonância anímica da artista. E o atelier era como que uma sinfonia de vidas incriadas, inexistentes, em acordes físicos sobrefortes, em melodias espirituais sobre-elevadas! Lá fora a manhã infantil cambalhotava pelos morros. Era a vida num momento de rir! Na penumbra do atelier um entusiasmo artificial, um lirismo sem nexo, fantasias sem modelo, colocava-nos para além das alegrias e das dores, Era a arte num momento de sonhar! - Não pinto mais. Estou cansada. (...) S. Paulo - Carnaval de 922

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Anita Malfatti Retrato de Mário de Andrade Carvão e pastel s/ papel | Charcoal and pastel on paper 36,5 x 29,5cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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14 1 bis Hotel Paris 27 de

(AM) Rue du Maine Central XIV outubro [1923]

Caro Mário. Escrevo-te novamente depois de muito ver, e muito mudar. Não reli tua carta, e lia-a mesmo muito depressa. Recebi-a acompanhada de muitas outras do Brasil, ao chegar do teatro. Chove e não saí para jantar fora, estou descansada, sem sono e como vês aproveitando uma hora quieta para dizer-te coisas um pouco difíceis. [...] Acho que fazes mal e que és sentimental para com o teu passado. Cuidado, podes ficar “passadista”. Deve-se nascer todos os dias, para a Arte e para a vida. Bem não danes comigo. Passemos às notícias de Paris. Moro no mesmo hotel com Brecheret o glorioso, Di e Maria. Di, cubista, cheio de coisas, entrevistas ao princípio nos víamos sempre, agora tendo todos o que fazer, quase nunca. Tarsila vejo-a raramente faz cubismo absoluto, vais gostar. Oswald é o Homem da Hora, sempre apressado, não se zangue, adeusinho e some-se no Metro. Tarsila e Oswald são íntimos de grandes modernos. Eles te darão notícias em dezembro. O monumento Mise au tombeau de Brecheret é um colosso – uma vitória definitiva da arte brasileira em Paris – mas o melhor que B. tem é Simone a noiva dele. Não chegamos a tempo para ouvir os versos cantados pela Vera. Paulo Prado ficou danado conosco mas acabamos felizes no Café de la Paix. No concerto da Vera a música do Villa foi muito bem aceita. Vi-o só 2 vezes. Está a compor o bailado. O livro novo do Oswald é engraçadíssimo. Penso porém que ele não nos acha à altura, pois não o lê para nós, também ele vai muito aos dancings e diz que ama uma arquiduquesa russa. Isto tudo distrai muito. O monumento Brecheret tem 2 metros de alto sobre uma base de 2 metros também. 4m. de comprimento e somente 75 cm. de espessura. Ficou colocado entre as 2 grandes escadarias da “rotonde” do Grand Palais. Considerado por todos como “obra prima”. Mandar-te-ei uma foto. Simone é grande e loura e maravilhosamente boa. É moça distintíssima, prevejo um futuro feliz para ambos. Precisam esperar até o fim da pensão, coitados, tenho pena. Não o contou aos amigos de S. P. de medo que isto o prejudique. Outra noite me iniciaram nos cabarés de Montmartre. Fomos todos com o Paulo Prado. Fiquei tão atordoada com tudo, que acabei não falando mais. O Oswald parece um “édredron” dançando. O Vicky (Brecheret) um “tank” sério “qui va jusqu’au bout” e mesmo P.P. está tomando lições de dança. Nos teatros de variedades muitas mulheres completamente nuas. Tive a impressão de precisar aproveitar a pose. Fiquei com um ateliê perto do do Brecheret, mas precisa de tantos consertos e reformas que só confiando na divina providência. Mas, Mário, aqui pintor sem ateliê, não é pintor. Quem não tem coragem não merece viver. Terei portanto a coragem. Mande-me teu livro e tuas poesias, isto me encherá de prazer. Estou tão cansada, escrevo em posição forçada, no colo. Mando-te todo meu carinho num grande abraço, parisiense (sem ser fraternal). Annita [...]

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Anita Malfatti As Margaridas de Mário, 1922 Óleo s/ tela | Oil on canvas 51,5 x 53 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção | Collection of de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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S. Paulo 3 de Janeiro 1924 Anita querida: Recebi ontem um teu recado de boas festas. Tão pequenino! Tão lacônico! Que impiedade essa dos amigos que viajam. Vêem tanto, contam tão pouco! Manda-me dizer como e quanto trabalhas. Que fazes, que fazes, QUE FAZES????? Eu me sinto glorioso. Sei que trabalhas, pelo Oswaldo. Disse-me ele que fizeste já umas coisas muito boas. Que teu último trabalho já recorda o bom tempo do Homem Amarelo, do Japonês... Bravíssimo! Lembras-te? Tu mesmo me confessaste que depois desse período nada fizeras que te satisfizesse totalmente... Foi uma das últimas frases tuas, quando conversamos pela última vez, na tua casa. Creio que agora estarás de novo contente. Eu estou satisfeitíssimo. Paulo Prado, vi ontem. Trouxe um Juan Gris maravilhoso. O Survage, não me agradou. O do Oswaldo é muito milhor. Oswaldo trouxe também um Léger admirável. Milhor que o meu – embora o meu seja bom também. Quem me surpreendeu inteiramente foi Tarsila. Que progresso, para tão pouco tempo! Puxa! Estou entusiasmado. Ainda não vi os quadros dela, que estão presos na Alfândega. Mas vi estudos e magníficos desenhos. E penetrei-lhe sobretudo a inteligência. Aquela Tarsila curiosa de coisas novas, mas indecisa, insapiente que eu conhecera, desapareceu. Encontrei uma instrução desenvolvida, arregimentada e rica. Vê-se que muito ouviu, muito leu e muito pensou. Tu e ela são a esperança da pintura brasileira. Tu no teu expressionismo, ela no teu cubismo. E o Brecheret vencendo... Que prazer! Sinto-me aos pulos. Vivo em eterna dança indígena, tam-tam, chacoalhos de jararacas sagradas, a cantiga bem ritmada e eu aos pulos, a dançar. Vocês fazem a minha felicidade. Trabalho como um doido. Termino o meu romance. Mais umas cem páginas e estará pronto. Não tenho tempo para recopiar o teu Losango Cáqui. Bem sabes, creio, que o livro te é dedicado. Perdoa a falta de tempo. Mando-te aqui o meu último poema. Vê si gostas dele. Ah! dize à noiva do Brecheret, que só ontem, catalogando as cartas de 1923 o delicado cartão dela caiu da sobrecarta em que o mandaras junto com tua carta. Não tive culpa. Peço-lhe perdão. As musicas seguirão breve. Abraços a todos. A ti o mais apertado, o mais íntimo, o mais desejado abraço. Mário

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Anita Malfatti La Chambre Bleue, c. 1925 Óleo s/ tela | Oil on canvas 55 x 46 cm Coleção | Collection Simão Mendel Guss-SP

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Di Cavalcanti Mulher Sentada com Mão no Queixo, s.d Nanquim e pastel s/ papel | China ink and pastel on paper 38,5 x 26,5 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Di Cavalcanti por Mário de Andrade (...) essa fidelidade ao mundo objetivo e esse amor de significar a vida humana em alguns dos seus aspectos detestáveis salvaram Di Cavalcanti de perder tempo e se esperdiçar durante as pesquisas do modernismo. As teorias cubistas, puristas, futuristas, passaram por ele, sem que o descaminhassem. Di Cavalcanti soube aproveitar delas o que lhe podia enriquecer a técnica, e a faculdade de expressar a sua visão ácida do mundo se enriqueceu habilmente, sem perder tempo. Nacionalizou-se conosco, ao mesmo tempo que o modernismo o fazia mudar de hora e estação. Abandonou os tons velados de outono e crepúsculo, pra se servir de todas as vibrações luminosas da arraiada e da possível primavera. Principalmente com sua admirável série de mulatas, de que soube revelar o rosado recôndito, Di Cavalcanti conquistou uma posição única em nossa pintura contemporânea. Em nossa pintura brasileira. Sem se prender a nenhuma tese nacionalista é sempre o mais exato pintor das coisas nacionais. Não confundiu o Brasil com paisagens, e em vez do Pão de Açúcar nos dá sambas, em vez de coqueiros, mulatas, pretos e carnavais. Analista do Rio de Janeiro noturno, satirizador odioso e pragmatista das nossas taras sociais, amoroso cantador das nossas festinhas, mulatista-mor da pintura, este é o Di Cavalcanti de agora, mais permanente e completado, que depois de onze anos, vai nos mostrando de novo o que é. Mário de Andrade, Diário Nacional, São Paulo, 8 de maio de 1932

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Di Cavalcanti Menina de Circo, 1937 Óleo s/ cartão | Oil on cardboard 56 x 47 cm Coleção | Collection Jones Bergamin – RJ

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São Paulo, 19 de dezembro de 1922 A Exma. Sra. Tarsila do Amaral Querida Amiga, Escrevo-lhe para dizer que evoco de vez em quando sua imagem. É um prazer. Sinto-me tão feliz ao seu lado. Essa felicidade que vem da confiança mútua. Nada de preocupações ou de dúvidas. Uma amizade muito grande, lindo oásis nesta vida de lutas, de ambições, invejas e segundas-intenções. Tarsila, você não imagina o bem que me faz. Sua passagem foi tão leve no meio de nós, não há dúvidas minha amiga. Mas... pense um pouco no destino dos sulcos das barcas no imenso mar. Segue uma barca sem rumo. em torno tudo é mar oceano. E a barca faz um leve sulco nas águas movediças. O sulco desapareceu. Não se vê mais. Acabou. Acabaria? Não. Para destruírem os sulcos as ondas empolaram-se e encheramno. Mas se não existisse o sulco elas não teriam feito aquele esforço, não teriam tomado aquela forma.E as novas ondas que vem depois, também são modificadas no seu aspecto, por encontrarem as ondas, que encheram o sulco, numa forma determinada? E as outras ondas depois? E depois ainda as outras? E todo o mar oceano? de forma, Tarsila, que se poderá dizer sem erro, que um pequeno sulco modificou o aspecto exterior do mar. Você foi como um sulco. Será vaidade comparar minha alma de poeta a um mar? Mário de Andrade.

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Anita Malfatti Grupo dos Cinco, 1922 Oswald e Menotti no chão, Mario e Tarsila no piano, Anita no sofá. Oswald and Menotti on the floor, Mário and Tarsila at the pianno, Anita at the coach. Tinta de caneta e lápis de cor s/ papel | Pen ink and colored pencil on paper 26,5 x 36,5 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Exma. Sra. Tarsila Amaral Paris São Paulo, 11 de janeiro de 1923. Querida amiga Se é mesmo verdade que os gregos e os romanos tratavam seus deuses com familiaridade amiga, creio que foi o cristianismo que trouxe para os homens ocidentais o temor pelas entidades divinas. Aproximo-me temeroso de ti. Creio que é uma deusa: NÊMESIS, senhora do equilíbrio e da medida dos excessos. Quando um homem da Terra era demasiado feliz, via crescerem-lhe terras e riquezas, e tinha em torno de si braços, lábios de amor, coroas de glória e alegrias somente, Nêmesis aparecia. Vinha lenta, com seu passo lento, sem rumor. Mas ao homem-da-Terra fugiam-lhe riquezas, alegrias. Perdia amor, glória e riso. És Nêmesis, sem dúvida. Eu era são. Alegre, confiante, corajoso. Mas Nêmesis aproximou-se de mim, com seu passo lento, muito lenta. Depois partiu. Doenças. Cansaços. Desconsolos. Ainda todo o final de dezembro estive de cama. Venho agora da fazenda onde repousei 10 dias. Mas será mesmo Nêmesis? Que és deusa, tenho certeza disso: pelo teu porte, pela tua inteligência, pela tua beleza. Mas a deusa que reprime o excesso dos prazeres? Não creio. Tua recordação só me inunda de alegria e suavidade. És antes um consolo que um pesar. A verdadeira, a eterna Nêmesis, são as horas implacáveis que passam dia e noite, dia e noite, sol e escuridão. Estou nos meses da escuridão. Foi a fraqueza que me fez pensar que eras tu Nêmesis. Perdão. Estou a teus pés, de joelhos. Mais uma vez: perdão!

__________________ Espero tua carta longa, contando coisas breves de Paris. Já estou a imaginar a lindeza do meu Picasso. Obrigado. Dize-se alguma coisa da Arte. Já estás trabalhando? Pintas muito? Recebeste KLAXON n. 7? Adeus. Mário de Andrade.

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Tarsila do Amaral Chapéu Azul, 1922 Óleo s/ tela | Oil on canvas 67 x 50 cm Coleção | Collection Simão Mendel Guss - SP

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[São Paulo] , 15 de novembro de [1923] - Viva a República! Tarsila, minha querida amiga: (Agora a letra corrente da conversa:) Cuidado! fortifiquem-se bem de teorias e desculpas e coisas vistas em Paris. Quando vocês aqui chegarem, temos briga, na certa. Desde já, desafio vocês todos juntos, Tarsila, Oswald, Sérgio para uma discussão formidável. Vocês foram a Paris como burgueses. Estão épates. E se fizeram futuristas! hi! hi! hi! Choro de inveja. Mas é verdade que considero vocês todos uns caipiras em Paris. Vocês se parisianizaram na epiderme. Isso é horrível! Tarsila, Tarsila, volta para dentro de ti mesma. Abandona o Gris e o Lhote, empresários de criticismos decrépitos e de estesias decadentes! Abandona Paris! Tarsila! Tarsila! Vem para a mata-virgem, onde não há arte negra, onde não há também arroios gentis. Há MATA VIRGEM. Criei o matavirgismo. Sou matavirgista. Disso é que o mundo, a arte, o Brasil e minha queridíssima Tarsila precisam. Se vocês tiverem coragem venham para cá, aceitem meu desafio. E como será lindo ver na moldura verde da mata, a figura linda, renascente de Tarsila Amaral. Chegarei silencioso, confiante e te beijarei as mãos divinas. Um abraço muito amigo do Mário.

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Tarsila do Amaral Esboço para Negra, 1923 Lápis e aquarela s/ papel | Pencil and watercolor on paper 23,4 x 18 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Mário de Andrade Fazenda do Barreiro, 1924 Lápis s/ papel | Pencil on paper 10,6 x 15,1 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Mário de Andrade Mateus Leme, 1924 Lápis s/ papel | Pencil on paper 15,1 x 10,6 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Mário de Andrade Gruta do Capão da Traição, 1924 Lápis s/ papel | Pencil on paper 15,1 x 10,6 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Mário de Andrade Papel Quadriculado nº1, 1924 Lápis s/ papel | Pencil on paper 14,4 x 10,3 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Lasar Segall Marinheiro 121, 1927 Gravura em metal s/ papel | Etching on paper 27,5 x 32,6 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Lasar Segall Duas Mulheres do Mangue com Persiana, 1928 Gravura em metal s/ papel | Etching on paper 23,5 x 17,5 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Cândido Portinari Torso de homem, s.d Litografia s/papel | Lithograph on paper 33,2 x 29,8 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Zina Aita Retrato de Mário de Andrade, 1923 Nanquim s/ papel | China ink on paper 28,1 x 21,9 cm Coleção | CollectionMário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Outras obras integrantes da exposição Other works in the exhibition

Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP Manuel Bandeira Igreja de São João,1928 Aquarela s/ papel | Watercolor on paper 10,7 x 15 cm Manuel Bandeira Casa colonial na rua Aurora, s.d Nanquim s/ papel | China ink on paper 21,9 x 14,4 cm Manuel Bandeira Velho beco, s.d Nanquim s/ papel | China ink on paper 23,2 x 14,2 cm Carlos Leão Composição, s.d. Lápis s/ papel | Pencil on paper 22,6 x 15,7 cm Carlos Leão Bordel, s.d. Lápis s/ papel | Pencil on pape 22,8 x 15,8 cm Carlos Leão Homem sentado, s.d. Lápis s/ papel | Pencil on paper 22x6 x 15,8 cm Augusto Rodrigues Retrato de homem, 1934 Nanquim s/ papel | China ink on paper 43,2 x 30,0 cm Ismael Nery Duas mulheres pensam em mim, cujo nome viram impresso num jornal e num programa, s.d Lápis s/ papel | Pencil on paper 25,9 x 20,3 cm Mário de Andrade Papel quadriculado nº 2, 1927 Lápis s/ papel | Pencil on paper 14,4 x 10,3 cm Candido Portinari Mulher de calção, 1936 Carvão s/ papel | Charcoal on paper 56,5 x 36,5 cm Candido Portinari Flagelados com moringa e baú, s.d Litografia s/ papel | Lithograph on paper 14,2 x 18 cm Candido Portinari Duas mulheres e duas crianças. s.d Litografia s/ papel | Lithograph on paper 13,0 x 15,3 cm

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Ismael Nery Homem e mulher, 1928 Guache s/ papel | Gouache on paper 22 x 12,2 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Portinari com Mário de Andrade e Oscar Simon, na calçada de sua casa no Leme. Portinari with Mário de Andrade and Oscar Simon on the sidewalk of his home in Leme. Rio de Janeiro, 1941. Foto | Photo: Hart Preston Coleção | Collection Associação Cultural Cândido Portinari

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De Mário para Portinari Eliane Hatherly Paz1

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m tempos de correio eletrônico e amizades virtuais, adentrar o mundo epistolar é voltar a uma época em que os laços humanos deixavam rastros por escrito. No Brasil, a tradição epistolar atingiu seu auge com os modernistas. Somente Mário de Andrade trocou mais de sete mil cartas com seus 1.100 correspondentes, material que cobre duas décadas da vida cultural nacional. Missivista tomado de “paixão sublime” pelo fazer epistolográfico, através de suas cartas Mário exerceu uma poderosa influência sobre os artistas mais relevantes de sua época e alçou a epistolografia a gênero literário no país. A Portinari, Mário endereçou 60 cartas. A amizade entre o pintor e o escritor começou no Salão de 1931, quando Mário se encantou pelo retrato de Manuel Bandeira exposto por Portinari. Nessa ocasião, outro retrato do poeta, do pintor alemão Frederico Maron, também participava da exposição, o que gerou uma comparação imediata por parte de Mário a favor do quadro de Portinari. Naquela época, Mário de Andrade, vivendo o segundo momento do Movimento Modernista, buscava um artista brasileiro ideal que correspondesse às novas diretrizes do movimento – dentre elas a questão da identidade nacional nas artes. Apesar de suas restrições iniciais à temática portinaresca – Mário confidenciou ao crítico Antonio Bento, após ver suas obras no Salão de 31, que achava que Portinari “não estava voltado para os problemas de uma arte de temática brasileira. Pintava muitos retratos.”2 –, o escritor, ao reencontrar Portinari em seu ateliê em fins de 1932, reviu sua opinião e passou a apoiar o pintor, em quem identificou a “impulsividade nacionalística” que o Papa do Modernismo tanto procurava nas artes plásticas. As cartas de Mário para o pintor nos introduzem nessa amizade já em andamento, sendo sua primeira missiva datada de 25.3.1935. Mário principia por declarar sua preocupação com a ausência do amigo: “Já estava assustado com o seu silêncio” para, em seguida, desculpá-lo: “Mas tem-se que dar razão aos pintores, que pintam melhor os setes das belezas plásticas que os agás e jotas tão pouco plásticos da escritura”3. O amigo, esse Outro que é semelhante a nós, através dos quais vislumbramos as nossas próprias qualidades e vulnerabilidades, é afagado dez linhas adiante, quando Mário registra, em tom de confissão, suas impressões sobre o retrato dele que Portinari havia acabado de pintar: “(...) você me revelou o meu lado angélico (...). Porque de-fato você mais que ninguém, não apenas percebeu, mas me revelou que eu... sou bom”4. De início atento às formalidades – “... si já não lhe mandara um cartãozinho foi apenas porque não sabia a sua residência”5 –, o contínuo estreitamento dos laços fraternais de Mário para com Portinari vai sendo percebido à medida que, mais evidentemente, as formas de tratamento vão sugerindo intimidade, com o acréscimo, junto ao nome do destinatário, dos adjetivos caro, querido, amigo, nas mais diversas combinações, além do uso do pronome possessivo meu, que “timidamente” aparece na carta de 25.3.35, em italiano (“Portinari, amico mio”), e assume a língua materna a partir da 11ª carta. “Portinari meu velho”, “Meu querido Portinari”, “Potinari querido” e “Meu caro Portinari” serão os vocativos preferidos por Mário para saudar o amigo. Também o tom da conversa vai se tornando mais fraternal, chegando Mário a assumir “o papel” de irmão mais velho do pintor, dando-lhe conselhos sobre sua vida particular e assuntos financeiros, e até criticando, em tom de “pito”, sua extrema generosidade monetária: (...) Mas eu insisto naquela conversa que tivemos em Brodósqui: você precisa regularizar a sua vida e acabar com essa casa de Orates onde há sempre muita gente que entra a qualquer hora e almoços e jantares diaários que são banquetes. (...) Você precisa regularizar sua vida.6 Ou sua despreocupação financeira, como revela esta carta enviada a Portinari quando de sua viagem aos Estados Unidos, entre julho e setembro de 1940, para a mostra Potinari of Brazil, no Museu de Arte Moderna de Nova York: 1 Eliane Hatherly Paz é jornalista e Doutora em Letras pela PUC-Rio. 2 BENTO, Antonio, p. 68. 3 MA/CP, 25.3.35, p. 47. 4 Idem, ibidem, p. 48. 5 MA/CP, 25.3.35, p. 47. 6 MA/CP, 20.4.41, p. 86.

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Grupo de alunos e colegas de Portinari, na Universidade do Distrito Federal. Entre eles: Group of Portinari‘s students and colleagues, at the University of the Federal District. Among them: Mário de Andrade, Roberto Burle Marx, Enrico Bianco, Héris Guimarães e Ignez Correa da Costa. Rio de Janeiro, 1938. Coleção | Collection Associação Cultural Cândido Portinari

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Você diz na sua carta que já está pensando na volta. Mais uma vez insisto com você para aproveitar o mais possível e sugar quanto puder dos Estados Unidos. Si receber encomendas aceite e vá ficando enquanto a coisa render. O meu maior desejo é que você volte daí com uns bons cobres que garantam um futuro firme pra você com Maria, para você então pintar descansado o que quiser, livre das imposições financeiras da vida. Não se afobe nem deixe se levar pelas saudades. Você precisa antes de mais nada garantir um futuro mesmo que seja modesto, pra não ter mais que a preocupação feliz de viver e educar o nosso querido João Candido.7 O assunto é recorrente em carta de novembro de 1941: (...) Mas veja si desta vez consegue economizar alguns cobrinhos, pra guardar depois, comprar uma casa, coisa assim. Sempre penso muito em você, e me preocupa essa sua situação de gastar tudo quanto ganha, sem pensar no dia de amanhã. Bom, não quero “passar pito”, que você sabe muito bem o que deve fazer da sua vida.8 As notícias sobre sua saúde são tema constante na correspondência. Acusaçãozinha nos rins, desinteria amebiana, gripe, oeração das amígdas, tratamento dental, erupção na pele, intoxicação alimentar, sinusite, dores internas esqusitas, mal-estar, dores horríveis no fígado, dores de cabeça e úlcera no duodeno constituem a lista das doenças de corpo de Mário, que se somam às doenças de alma que constantemente afligem o poeta: desânimo, falta de vontade de viver, angústia e desgosto moral, e neurastenia. A descrição desses males – pormenorizada para alguns correspondentes – é pouco detalhada para Portinari, como se Mário poupasse o amigo de seus problemas de saúde: (...) vivo numa afobação danada, (...), dormindo quase nada, comendo forçado, e já com uma acusaçãozinha dos rins. [MA/CP, 30.5.35, p. 50] Estive gravemente doente. (...) largado na cama, já sem forças pra nada, já com o médico a todo momento me auscultando o coração, com medo que falhasse. Tudo por causa duma disenteria amebiana que me pegou enfraquecidíssimo. [MA/CP, 8.7.36, p. 55] Tive ultimamente um grande desgosto moral que não vale a pena contar por carta. Faz uns quinze dias que não consigo dormir direito, sempre com a idéia no mesmo sofrimento. [MA/CP, 23.10.43, p. 93] Quanto ao fechamento das cartas enviadas por Mário de Andrade, este evolui do tom casual, onde um simples “Ciao” encerra a missiva, para despedidas mais elaboradas e repletas de emoção, como na carta de 7.7.1942, onde o escritor se despede com um “Sempre você ficando certo que de qualquer forma estou ao lado de você e sou o seu amigo certo, Mário”.

O credo modernista Mário de Andrade sempre praticou a pedagogia modernista através da epistolografia. Entretanto, o escritor pouco registrou nas cartas que escreveu para Portinari suas concepções sobre as artes plásticas em geral e sobre a arte do amigo em particular. O espaço para essa crítica foram outros – os inúmeros artigos para jornais, revistas, livros e catálogos que escreveu sobre o pintor e dos quais sempre lhe deu notícias: (...) já escrevi a nota sobre você prá Revista Acadêmica, que mandei ontem. [MA/CP, 3.5.38, p. 60] Recebi sua carta e fiquei contente de você ficar contente com o artigo. [MA/CP, 8.6.38, p. 66] As ocasiões em que trata nas cartas da pintura de Portinari, criticamente ou não, o faz de maneira corriqueira e coloquial, como quando comenta suas obras, mostras e exposições, ou apóia seus projetos: Portinari, já tive notícia do sucesso da sua exposição e nem esperava outra coisa. [MA/CP, 30.4.35, p. 49] Seus quadros vi (...) no intervalo do concerto. Minha primeira sensação adorou a menina. Lhe direi mais tarde (...) si a sensação se conservou. [MA/CP, s/d, provavelmente maio/junho.37] (...) recebi as duas remessas de fotografias e fiquei delirando. Há coisas que mesmo assim em ruins fotografias me parecem admiráveis (...). Estou louco para ver tudo isso e também vou escrever sobre para a rotogravura do Estado. [MA/CP, 10.3.41, p. 82] 7 MA/CP, 23.10.40, pp. 8 MA/CP, 7.9.41, p. 91.

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Intelectuais e artistas em jantar homenageando Portinari. Entre eles: Iintellectuals and artists at a dinner in honoring Portinari. Among them: Guignard, Rachel de Queiroz, Santa Rosa, Ismailovitch, Jorge de Lima, Mário de Andrade, Enrico Bianco e Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, 1939. Coleção | Collection Associação Cultural Cândido Portinari

Portinari, Antonio Bento, Mário de Andrade e Rodrigo de Melo Franco. Rio de Janeiro, 1939 c Coleção | Collection Associação Cultural Cândido Portinari

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A idéia de um álbum de quadros seus de cavalete é ótima. Mas não deixe de botar umas duas ou três tricomias, é tão importante para se conhecer na verdade um pintor. [MA/CP, 23.5.38, p. 63] Mário também demanda constantemente notícias das atividades do pintor: Mas fiquei morto de curiosidade sabendo que você tem coisas novas e processos novos que ainda não conheço. [MA/CP, 30.4.35, p. 49] Mande sempre contar a marcha dos trabalhos. [MA/CP, 23.5.38, p. 63] (...) Estou numa curiosidade quase esfomeada de ver as pontas-secas: Com a sensibilidade do seu traço imagino o que elas podem ser. [MA/CP, 7.1.41, p. 79] (...) Como vamos de pintura? Mande me contar que quadros novos fez e, si puder, algumas fotografias. [MA/CP, 28.4.41, p. 89] Portinari, naturalmente, comenta com maior frequência os seus trabalhos, mas escreve antes para dar notícias a Mário do que anda fazendo do que para discutir questões estéticas. Nas cartas trocadas entre ambos temos um exemplo bastante consistente do intercâmbio de ideias e, ao mesmo tempo, de demonstração recíproca de profundo apreço intelectual. Nelas, constatamos que Mário não buscou doutrinar Portinari no seu credo modernista: Candido Portinari já era moderno muito antes de conhecer Mário de Andrade. Passando por cima de suas importâncias políticas e sociais – ma non troppo – ambos investiram na construção desse relacionamento, e na elaboração de “verdades” sobre si mesmos, sobre o outro e sobre o mundo nos dez anos em que escreveram e trocaram cartas. O clima íntimo desenvolvido pelos missivistas resistiu aos inúmeros afastamentos e deveu-se ao investimento efetuado por ambos nas palavras e gestos que estão para além das obrigações e das formalidades. O espaço em que se inscreveu essa amizade epistolar nos deixa entrever fragmentos da personalidade de um e de outro, elineada em uma linguagem transparente e direta. Mesmo que, ao contrário de Mário, “correspondente que não se furtava a confidências sobre si próprio”9, Portinari ‘escondesse seus pensamentos em um baú secreto’, como confessou em um de seus poemas, conseguimos vislumbrar sua personalidade passional e apaixonante como artista – na sua dedicação à pintura, sua obsessão pela busca da perfeição, seu apreço pelo conhecimento, sua dedicação ao ensino e sua coerência artística; e como homem – na sua bondade, sua paixão pela família e seu apego aos pais e aos amigos, sua simplicidade, sua fragilidade, seu caráter e sua humildade. Ao longo desse intenso diálogo, Portinari, talvez espelhando-se em Mário, passou a escrever cartas mais detalhadas – mesmo tendo medo de se abrir sem “ter os braços e [a] cara” para ajudá-lo e se declarar “muito burro” para se “expressar escrevendo”. Porém, diferentemente de Mário, que se esparramava nas cartas, Portinari nunca deixou de se resguardar no que o editor José Olympio definiu como um “retraimento de velho urso desconfiado”.10 Envolvidos de maneira intensa nas questões um do outro, Portinari e Mário de Andrade foram amigos até o fim. Mais do que compartilhar segredos e afinidades, depositaram um no outro uma confiança ilimitada.

Referências bibliográficas: ANDRADE, Mário de. Portinari, amico mio: cartas de Mário de Andrade a Candido Portinari. Organização, introdução e notas Annateresa Fabris. Campinhas: Mercado de Letras / Projeto Portinari / Autores Associados, 1995. BENTO, ANTONIO. Portinari. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1980. PORTINARI, Candido. Poemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964.

9 MA/MB, p. 9. 10 OLYMPIO, J.

“Nota da editora”, in Poemas de Candido Portinari, p.7.

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O Violinista | The Violinist Mário de Andrade

“Três figuras novas me parecem se firmar definitivamente no Salão: Vittorio Gobbis, Candido Portinari e Alberto da Veiga Guignard. Não é possível estudá-los aqui e o farei em tempo, são para mim revelações do Salão (...)Portinari com O Violinista nos dá talvez a melhor obra do Salão. Obra notável, de um encanto impregnante, que a gente não esquece mais...” Diário Nacional, 13 de Setembro de 1931

“Minha vaidade é a de ter sido dos primeiros a descobrir o valor deste grande artista. Sua obra, ainda que muito cuidada, apurada na técnica e pouco afirmativa, obtinha então um respeito passivo e silencioso, mais que uma verdadeira admiração. Por certo não passou por minha imaginação todo o variado e extraordinário caminho que Portinari iria percorrer em seguida. O Violinista era já uma obra admirável pela composição e a firmeza extraordinária do desenho, e me deixei arrastar pelo entusiasmo. [...] Havia nela uma ‘necessidade’ interior impossível de confundir-se com o prazer da novidade e as preocupações de originalidade. E depositei no pintor uma confiança sem reservas...” Portinari - 1943: Imprensa Nacional, RJ - 1945

Candido Portinari O violinista - Retrato de Oscar Borgerth, 1931 Óleo s/ tela | Oil on canvas 110 x 80 cm Coleção | Collection Marta e Roberto Siqueira

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Paulo 30 - IV - 37 Portinari Ia, pretendia ir pro Rio hoje, mas estou gripado e tenho ocupação no dommingo aqui no Departamento, não posso ir. Preciso sua colaboração pro Congresso da Língua Nacional Cantada!!! em que um pintor pode contar no Congresso? Cristo: O Congresso vai dar vários concertos na semana dele, pelo menos três. Ora os programas devem ter capa, uma capa única, que quero firmada pelo maior pintor e maior desenhista do Brasil: você. O tamanho da capa é o que vai junto. Você faça o que quiser: desenho em branco e preto, desenho colorido, aquarela, guache, o que quiser. Nessa capa devem estar os seguintes dizeres: “Teatro Municipal” (sem h) e “Congresso da Língua Nacional Cantada”. E além disso o desenho que você quiser desse gênero. E faço questão da sua assinatura. Pagamos pelo desenho 200$000. Não é nada, sei, mas você faz por amizade. Irão os cobres com os últimos quinhentos paus que estou devendo pra você agora e agora já estou, uf! em condições de pagar. Como vai você? e Maria? e todos? Vi seus quadros pro Salão de Maio. O da menina é simplesmente um soco na gente, cem por cento de admirável. Um abraço besta de entusiasmo.

E ciao com abraço fraterno deste seu

Mário

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Candido Portinari Capa de convite para Congresso da Língua Nacional Cantada, 1937 Nanquim preto e vermelho s/ papel | Black and red China ink on paper 25,7 x 18,4 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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São Paulo, 10 de novembro de 1924 Meu caro Carlos Drummond, (...) Eu conto no meu “Carnaval Carioca” um fato a que assisti em plena avenida Rio Branco. Uns negros dançando o samba. Mas havia uma negra moça que dançava melhor que os outros. Os jeitos eram os mesmos, mesma habilidade, mesma sensualidade, mas ela era melhor. Só porque os outros faziam aquilo um pouco decorado, maquinizado, olhando o povo em volta deles, um automóvel que passava. Ela não. Dançava com religião. Não olhava para lado nenhum. vivia a dança. E era sublime. Esse é um caso em que tenho pensado muitas vezes. Aquela negra me ensinou o que milhões, milhões é exagero, não me ensinaram. Ela me ensinou a felicidade. (...) Mário

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Candido Portinari Cabeça de mulata, 1934 Lápis s/ papel | Pencil on paper 21,2 x 16,8 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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thiago sabino

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Rio 23-X-40 Meu caro amigo Portinari Acabo de receber sua carta a que respondo imediatamente. Aliás não estava esperando carta pra mandar resposta, só não lhe escrevi antes por vadiação besta. Sempre me lembrava de escrever porque você não me sai da lembrança. A verdade é que você deixou um vazio danado aqui em nosso grupo familiar e ficamos assim como baratas tontas, de cá pra lá, meio sem destino. Além disso havia a curiosidade de saber o que estava acontecendo aí com você, até que as primeiras boas notícias nos sossegaram mais. O meu curso na sua casa vai continuando regularmente. Amanhã mesmo dou mais uma aula e depois só ficarão faltando duas. Aliás eu saio deste curso mais convencido que nunca que estas coisas não adiantam nada e que a nossa dinâmica e vibrante Lota está redondamente enganada. No meio de tanta gente as próprias alunas de você que são o que interessa, ficam envergonhadas, não perguntam, não discutem e em vez de aula pra aprender a coisa vira conferência na A.B.I., grã finagem pura. Não interessa.(...) Também o Bianco abriu agora a exposição dele. Muita coisa fraca, muita influência de você, o que é natural, mas o rapaz tem talento e já apresenta algumas coisas bem boas. E uns desenhos excelentes, embora muito escola francesa demais. Vou escrever sobre ele pra animá-lo e pôr em relevo a escola de você. Guardarei o artigo aqui pra você ler quando vier. Você diz na sua carta que já está pensando na volta. Mais uma vez insisto com você pra aproveitar o mais possível e sugar quanto puder nos Estados Unidos. Si receber encomendas aceite e vá ficando enquanto a coisa render. O meu maior desejo é que você volte daí com uns bons cobres que garantam um futuro firme pra você com Maria, para você então pintar descansado o que quiser, livre das imposições financeiras da vida. Não se afobe nem deixe se levar pelas saudades. Você precisa antes de mais nada garantir um futuro mesmo que seja modesto, pra não ter mais que a preocupação feliz de viver e educar o nosso querido João Cândido. Como vai ele? E a Olga que já deve estar valente no inglês? Bem vou parar com estas conversas que já está na hora do meu almoço. A terra vai correndo sem novidade. Infelizmente sem novidades... E eu curtindo essa minha eterna angústia de viver longe da família e dos meus livros. Pra mim, então, a falta de você e de Maria, tem sido enorme, pois era no seu meio que eu encontrava um eco carinhoso da minha vida familiar. Si não fosse a casa da Liddy Chiaffarelli com o Mignone, creio que não me aguentava neste deserto de afeições verdadeiras que é o Rio de Janeiro. Mas sei fazer das tripas coração. Vá ficando aí, meu amigo, quanto puder e enquanto a América... der. Uma lembrança muito afetuosa pra Maria com Olga e que Deus dê saúde ao João Cândido. Com o abraço velho do Mário 74


Candido Portinari Enterro, 1940 Óleo sobre tela | Oil on canvas 81 x 100 cm Coleção | Collection Jones Bergamin - RJ

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Paulo, 25 - III - 35 Portinari amico mio, já estava assustado com o seu silêncio. Mas tem-se que dar razão aos pintores, que pintam melhor os setes das belezas plásticas que os agás e jotas tão pouco plásticos da escritura. Aliás si já não lhe mandaram um cartãozinho foi apenas porque não sabia a sua residência. Aqui tudo na mesma. Depois de amanhã dou uma reunião aos amigos e uns professores franceses, pra que venham ver o meu retrato que todos anseiam por ver. Lhe escreverei depois contando os gritos de entusiasmo do pessoal. Todos que aparecem por aqui se assombram com o retrato. Si eu pudesse e houvesse uma boa revista que publicasse tricromias, escrevinhava como o Manuel um ensaio sobre os Meus Dois Pintores, você e o Segall. Mostraria então o que foi pra mim uma revelação, um verdadeiro soco na barriga quando descobri: é que você me revelou o meu lado angélico, ao passo que o Segall me revelou o meu lado diabólico, as tendências más que procuro vencer. Às vezes me paro em frente do seu quadro e fico, fico, fico, não só perdido na beleza da pintura, mas me refortalecendo a mim mesmo. Porque de-fato você mais que ninguém, não apenas percebeu, mas me revelou que eu... sou bom. Seu quadro me dá uma confiança em mim, me dá mais vontade de trabalhar, de continuar, é um verdadeiro tônico. Foi um bem enorme que você me fez, palavra. O Carnaval aqui esteve bem divertido, apesar da frieza paulista. Eu pelo menos me diverti à larga e os bailes estiveram colossais, todos dizem. Mas nem assim deixava de imaginar de vez em quando no que estariam fazendo vocês aí os do grupinho. Vejo pela sua carta que a coisa não foi tão divertida assim e lastimo por vocês. Agora aqui está fazendo uma delícia de dias claros, mornos, sem chuva e noites quasi frias, gostosas da gente dormir. Vai chegar a grande época de S. Paulo, abril, maio, com tardes que a gente chega a pensar que vai arrebentar de tanta gostosura. É o tempo aliás em que levo um pouco flauteadamente a vida porque não há meio, para um gozador que nem eu, de ficar encerrado dentro de casa, com um tempo assim lá fora. Viro passarinho, viro flor, não sei o que viro, sei é que me esqueço de ser Mário, nestas tardes sublimes. Venha com Maria apreciar a coisa. No resto, continuo na minha vidinha, sempre com saudades de vocês dois e dos nossos momentos de convívio, infelizmente tão pequenos. Escrevi hoje pro Antônio Bento também, e agora vou trabalhar um bocado, dar conta das correções de provas dum livro que a Revista Acadêmica aí do Rio está publicando. E ciao. Um grande abraço pra você e outro pra Maria. Mário

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Candido Portinari Retrato de Mário de Andrade, 1935 Óleo s/ tela | Oil on canvas 73,5 x 61 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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São Paulo, 11 de julho de 1941 Henriqueta, (...) Uma coisa que tem me dado horas de pensamento é me contemplar juntamente nos dois retratos que o Segall e o Portinari fizeram de mim. Tenho muitos retratos meus, vários deles completamente sossobrados como o de Tarsila, o de Hugo Adami. O Di Cavalcanti e o Reis Júnior, então, pararam no meio sem poder solucionar os seus problemas. Ou meus problemas, nem sei! Anita Malfatti, nos tempos do Modernismo, talvez tenha feito uns vinte retratos meus. Eu, com a Semana de Arte Moderna, perdera todos os alunos, tinha dias inteiros vazios sem o que fazer. Anita também. Eu ia pro ateliê dela e como não tínhamos o que fazer ela fazia o meu retrato, muitas vezes tornando a me pintar sobre uma tela em que eu já estava e ela reputava inferior. De toda essa retrataria, três ficaram: o primeiro, feito mesmo com a intenção de retrato, creio aliás que anterior a 1922, muito ruim como pintura, mas curioso como época e como... como eu. Sou bem eu e somos bem nós daqueles tempos, gente em delírio, lançada através de todas as maluquices divinas e minha magreza espigada um pouco com ar messiânico de quem já jejuou quarenta dias e quarenta noites. Além desse, guardo um pastelzinho, mais croquis propriamente, mas que é de um flagrante, de uma expressividade desenhística e poética bem forte. Anita, por sua vez, guardou um que preferiu aos mais, um eu mais desiludido, mais “desmilinguido”, já dos fins do nosso excesso de camaradagem e da fase aguda dos combates de arte. A camaradagem fora de fato excessiva assim de dias inteiros homem com mulher. A discrição em mim: paulista, nela: puritana, jamais nos permitira chegar a muito íntimas confissões, ela sabia sem por mim oficialmente saber, das cavalarias que eu andava fazendo por fora, e eu vagamente suspeitava nela a existência de um amor não correspondido. Naquele contato diário prolongado viera se entremeter uma como que... desilusão do sexo. Pra salvarmos a amizade, nos afastamos cautelosamente mais, um do outro. E além dessa razão pra explicar o retrato tão “escorrido” que ela fez de mim, havia também outra desilusão, e esta era de todos nós, a desilusão da vitória. Embora muito combatidos e insultados ainda, o grupo modernista aumentara, as adesões de todo o Brasil chegavam numerosas, três salões dos mais ilustres nos recebiam com carinho e aplauso semanalmente, o de dona Olívia Penteado, o de Paulo Prado e o de Tarsila e era festa muita, alegria muita. Se passara pra sempre o tempo de exaltação em que assustados, batidos de todas as partes e apenas três ou quatro, nós, pela simples e primeira exigência de nos sabermos vivos, nós nos achávamos invariavelmente uns gênios e cada obra que fazíamos uma obra-prima imortal. Ainda não havia sombra de dissolução do grupo, mas era, sim, era exatamente a desilusão da vitória. Já nos examinávamos com maior franqueza e verdade, já nos entrecriticávamos, já chegávamos à frígida calma de não gostar. (...) 80


Lasar Segall Retrato de Mário de Andrade, 1927 Óleo s/ tela | Oil on canvas 73 x 60 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Carta de Mário para Henriqueta Lisboa | Letter from Mário to Henriqueta Lisboa 02 de julho de 1941 Coleção | Collection Acervo dos Escritores Mineiros da UFMG

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Carta de Mário para Henriqueta Lisboa | Letter from Mário to Henriqueta Lisboa 02 de julho de 1941 Coleção | Collection Acervo dos Escritores Mineiros da UFMG

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Carta ao pintor moço São Paulo, 11 Junho de 1942. Meu caro B.

Você bem sabe o carinho com que tenho seguido a sua carreira artística. Mas estou, no momento, na impossibilidade total de escrever artigo público sobre você. (...) Ora você me aparece com uma exposição só preocupada com problemas estéticos de arte. Isso provocou em mim, aliás em nós, o grupo dos que comigo nos interessamos pela sua arte, um grande desinteresse inicial e uma desilusão.(...) Veja bem, B. : eu não exijo que você faça arte de combate. (...) A bem dizer, não existe uma arte de combate. Mas se não existe uma “arte de combate”, toda arte é essencialmente combativa por definição. Pois ela nunca foi um exclusivo problema de beleza; a beleza não é senão o elemento transpositor de que a arte se serve pra funcionar dentro da vida humana coletiva. Eu não nego que existam exemplares e mesmo pequenas fases de arte (pequenas, note bem) que cuidem da realização exclusiva da beleza e da técnica estética, porém mesmo essas manifestações foram participantes, foram derrotistas, foram não-conformistas, foram anti-acadêmicas, foram sociais. Ora você, preocupado exclusivamente com os seus problemas técnicos, se esqueceu que você existe. A arte, os quadros que você apresenta, neste sentido, são muito piores que os mostrados na exposição anterior! E quer saber por quê? Porque da última vez a sua arte era uma festa, era um cântico de felicidade, era a alegria, era a leviandade, a riqueza das formas sensuais, do gostoso, do bonito. (...) Agora não. (...) Você está em busca da Beleza, fazendo uma arte muito mais séria. Você não está cumprindo a sua função de artista que é viver funcionalmente a vida com a sua arte. (...) Você é muito solicitado pelos prazeres do mundo. E pelas dificuldades econômicas do mundo... Mas a arte nada tem a ver com isso. Mário de Andrade

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Enrico Bianco Retrato de Mário de Andrade, 1941 Óleo s/ tela | Oil on canvas 72,2 x 59 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Para Mรกrio To Mario

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Victor Brecheret Composição - Nú feminino com leque, 1924c Lápis s/ papel | Pencil on paper 19,5 x 15,1 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Cícero Dias Carta ilustrada para Mário de Andrade, 1930 Guache s/ papel | Gouache on paper 27,7 x 21,1 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Cícero Dias Cortejo, 1930 Nanquim e Aquarela s/ papel | China ink and watercolor on paper 47 x 30 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Anita Malfatti Carta Desenho (com John Graz), 1925c Crayon, nanquim e guache s/ papel | Crayon, China ink and gouache on paper 30,5 x 29,8 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Victor Brecheret Pietá (carta para Mário de Andrade), 1924 Lápis de cor s/ papel | Colored pencil on paper 26,6 x 21 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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1 de IX-930 Meu muito querido Mário

saudades

Então velho ingrato nem um bilhete para o seu amigo e mestre nas festanças... mas o melhor é não ligar e ir de vez em quando escrevendo para o mago da rua Lopes Chaves. V. perdeu o enterro do sinhô que eu assisti e vou fazer um quadro para matar o greco na cabeça elle que fez o enterro do conde de Argaz. Manoel está gozando as delícias de Bello Horizonte e Cícero dias apaixonou-se por Miss Russia. Abandonei o gordo Schimidti definitivamente elle possue o ordinarismo de O. Andrade sem nenhum encanto creador. Apenas a persistência na baixeza é que faz que a gente julgue-o engraçado. Abandonando o Schimidti vejo pouco o Ovalle. Agora dedico-me à solidão produtiva nem vou a casa do Alvaro quasi. Espero que os meus trabalhos dêem me qualquer cousa porque parece-me já mereço tempo de realizar o que sei que realizarei: Mário felizmente eu não me apresso, não quero nunca realizar obras primas como quiz o Brecheret o Villa e mesmo já o Celso Antonio o que acontece é que elles sem autocrítica já estão paus. E eu me sinto de uma mocidade comovente. Não é orgulho é vaidade. Elles não amam a vida. Amam a arte como a um mytho. E eu amo sobretudo a vida esta vida que me vem como os calores sexuaes de baixo para cima. recado do Di

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Di Cavalcanti Carta Ilustrada para Mário de Andrade, 1930 Nanquim sobre papel | China ink on paper 30,4 x 22,4 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Rio 24 IV 922 MARIO querido Hoje recebi tua carta de felicitações, que também traz-me a participação que o grupo vae ter uma revista! “Klaxon”. Muito bem, as felicitações eu e Maria agradecemos com todo coração e à revista uma vida eterna. Mandarei breve o desenho pedido com todo prazer. Eu também ando com ideas de fazer aqui uma pequena revista, que absolutamente não prejudicará a do grupo, pelo contrário...mas tudo depende. Tenho trabalhado bastante e com muito amor. Chega-nos da Europa mais um do grupo, é o Alberto Cavalcanti (parente) decorador e architecto. Elle é extraordinário de modernismo. Quando fôr a S. Paulo com exposição irei com elle provavelmente isto lá para Setembro em fuga das festas do Centenário cruel. Verás então o que tenho de novo. Aqui todos vão bem e dahi desejava saber se os illustríssimos SRS: Rubens de Moraes Oswaldo de Andrade Luiz Aranha Guilherme de Almeida Serge Milliet e Pedro Rodrigues de Almeida, ainda existem e se estão dispóstos a responder novas remeças de correspondência. Radiante como esta bahianinha assigno esta carta. Radiante por saber-te feliz e sempre amigo do seu Di Cavalcanti Um abraço da Maria

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Di Cavalcanti Carta ilustrada para Mário de Andrade, 1922 Lápis de cor, tinta de caneta e nanquim s/ papel | Colored pencil, pen ink and China ink on paper 33,7 x 17,7 cm Coleção | Collection Mário de Andrade Coleção de | Collection of Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP

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Dos visitantes Para Mรกrio From visitors to Mรกrio

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Guilherme Isnard

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Cronologia | Chronology

Mário de Andrade, 1917

Nasce Mário Raul de Moraes Andrade a 9 de outubro, na casa da Rua Aurora, 320, no centro de São Paulo. É o segundo filho do casal Maria Luísa de Almeida Leite Moraes e Carlos Augusto de Andrade.

1893 Mário Raul de Moraes Andrade is born on October 9th, at the house on Aurora Street, 320, in the center of São Paulo, the second son of Maria Luísa de Almeida Leite Moraes and Carlos Augusto de Andrade.

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A infância de Mário decorre na companhia de tios e primos. Seu irmão Renato nasce em 1899 e sua irmã Maria de Lourdes em 1901. Aos 6 anos, Mário entra para o Grupo Escolar da Alameda do Triunfo. A seguir no Ginásio Nossa Senhora do Carmo dos irmãos maristas, formando-se em 1909. Estuda piano em casa com a mãe e a tia.

1895/1909 Mario’s childhood is spent in the company of his aunts and uncles and cousins. His brother Renato is born in 1899 and his sister Maria de Lourdes in 1901. At 6, Mario starts school at the Grupo Escolar da Alameda do Triunfo. Next, he attends the Ginásio Nossa Senhora do Carmo run by the Marist brothers, finishing in 1909. He studies piano at home with his mother and aunt.

Ingressa na Escola de Comércio Álvares Penteado, mas permanece por apenas dois meses. Frequenta o 1° ano da Faculdade de Filosofia e Letras da Faculdade de São Paulo, no Mosteiro de São Bento. Entra para o Conservatório Dramático e Musical, habilitado para o 3° ano de piano. Deseja ser concertista.

1910/11 He begins his studies at the Escola de Comércio Álvares Penteado, but attends for only two months. He completes the first year at the Philosophy and Letters College of São Paulo, at the São Bento Monastery. He begins forming his library. He joins the Dramatic and Musical Conservatory in the 3rd year of piano. He wishes to become a concert pianist.

Professor de piano e História da Música no Conservatório.

Reservista do exército, faz exercícios militares como voluntário, durante a 1ª Guerra Mundial. Morte do pai, a 15 de fevereiro de 1917. Publica, sob o pseudônimo Mário Sobral, “Há uma gota de sangue em cada poema”. Encontro com Oswald de Andrade que leva artigos seus para o Jornal do Commercio.

Publica seu primeiro texto na imprensa. Uma crítica musical no Jornal do Commercio.

Visita com Di Cavalcanti a exposição de Anita Malfatti. Volta várias vezes, tornando-se amigo da pintora.

A morte do irmão Renato, a 22 de junho abala muito Mário. Desiste da carreira de concertista, já que, após a grave crise emocional suas mãos ficam trêmulas.

1913/1915 The death of his brother Renato, on June 22, leaves Mario deeply distressed. He gives up his career as a concert pianist, since, due to a serious emotional crisis his hands begin to tremble. Piano and History of Music Professor at the Conservatory. He publishes his first text in the press, a musical criticism in the Jornal do Commercio newspaper.

1916/1917 As an army reserve officer, he takes part in military exercises as a volunteer during the First World War. His father dies on February 15. He publishes, under the pseudonym of Mario Sobral, Há uma gota de sangue em cada poema (There is a drop of blood in each poem). He meets Oswald de Andrade, who takes some of his articles to the Jornal do Commercio. Visits with Di Cavalcanti, Anita Malfatti´s exhibition. Returning several times, he becomes the painter´s friend.


Mário de Andrade. Conservatório Dramático e Musical, 1918

Mário de Andrade. Conservatório Dramático e Musical, 1918

Escreve em A Gazeta como crítico de música. É colaborador de A Cigarra, o Echo e A Gazeta. Viagem a Minas Gerais, onde conhece a obra de Aleijadinho.

1918/1919 He writes for the A Gazeta newspaper as a musical critic. He collaborates with newspapers A Cigarra, O Echo and A Gazeta. Travels to Minas Gerais, where he becomes acquainted with the works of Aleijadinho.

Semana de 22, Teatro Municipal, SP. René Thiollier, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Manoel Vilaboin, Francesco Pettinati, Motta Filho, Paulo Prado, Graça Aranha, Afonso Schmidt, Goffredo da Silva Telles, Couto de Barros, Tácito de Almeida, Luís Aranha, Oswald de Andrade e Rubens Borba de Moraes

Mário de Andrade, Baby, Guilherme de Almeida, Antonio Carlos Couto de Barros, Rubens Barbosa de Moraes, Yan de Almeida Prado, Tácito de Almeida.

Colabora em várias revistas; entre elas, Papel e Tinta; Revista do Brasil e Ilustração Brasileira. Frequenta o estúdio do escultor Victor Brecheret e compra um exemplar do bronze Cabeça de Cristo. Em dezembro escreve os poemas de Paulicéia desvairada, primeiro livro modernista e moderno brasileiro.

1920 He collaborates with several magazines; among which, Papel e Tinta; Revista do Brasil and Ilustração Brasileira. He frequents the studio of sculptor Victor Brecheret and purchases a bronze copy of Cabeça de Cristo (Head of Christ). In December, he writes the poems for “Paulicéia desvairada (Wild São Paulo), the first Brazilian modernist and modern book.

Mário de Andrade, Zina Aita, Anita Malfatti, 1922

Muda-se para a casa da Rua Lopes Chaves em companhia da mãe e da tiamadrinha, com quem viverá até o final da vida. A 27 de maio Oswald de Andrade publica “Meu poeta futurista”, no Jornal do Commercio, elogiando Mário, que responde em 6 de junho com o artigo “Futurismo?” Conhece Manuel Bandeira no Rio, em outubro. Uma amizade que motivará longa correspondência.

1921 He moves to the house on Lopes Chaves Street with his mother and his aunt and godmother, with whom he would live until the end of his life. On May 27th, Oswald de Andrade publishes Meu poeta futurista (My futurist poet), in the Jornal do Commercio, praising Mario, who replies, on June 6th , with his article Futurismo? (Futurism?). He meets Manuel Bandeira, in Rio de Janeiro, in October. A friendship is formed that would lead to abundant correspondence.

Ajuda a organizar e participa da Semana de Arte Moderna lendo trechos de “Pauliceia desvairada” e “A escrava que não é Isaura”. Publica “Pauliceia desvairada” às suas custas. Faz parte de Klaxon, revista modernista de São Paulo. Escreve “Losango cáqui”. Forma com Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia o Grupo dos Cinco. Escreve o poema “Carnaval carioca”. Publica “Crônicas de Malazarte”. Escreve para a revista Ariel. Completa a redação de “A escrava que não é Isaura”, poética modernista. Professor catedrático de Estética e História da Música, no Conservatório.

1922/23 He helps to organize and participates in the Week of Modern Art, reading excerpts from Paulicéia desvairada and A escrava que não é Isaura (The slave who is not Isaura). He publishes Paulicéia desvairada at his own expense. He participates of Klaxon, a modernist magazine from São Paulo. He writes Losango cáqui (Persimmon Lozenge). He forms with Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Oswald de Andrade and Menotti del Picchia the Group of Five. He writes his poem Carnaval carioca (Rio de Janeiro Carnival). Publishes Crônicas de Malazarte (Malazarte Chronicles). Writes for the magazine Ariel and finishes writing A escrava que não é Isaura, a modernist poem. Lecturer of Aesthetics and History of Music , at the Conservatory.

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Rua Lopes Chaves, São Paulo

Integra a caravana modernista que vai a Minas conhecer as cidades históricas. Blaise Cendrars faz parte do grupo. Encontra Anibal Machado, Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade, com se corresponderá por muitos anos. Compra a máquina de escrever Remington, batizada Manuela, em homenagem ao amigo Bandeira

1924 He joins the modernist caravan that travels to Minas Gerais to visit the historical cities. Blaise Cendrars is also part of this group. Meets Anibal Machado, Pedro Nava and Carlos Drummond de Andrade, with whom he corresponds from many years.

Mário de Andrade, Praia do Chapéu Virado, Belém, 1927

Faz a primeira redação de “Macunaíma”. Publica “Losango cáqui”, poesia e “Primeiro andar”, contos. Colabora na Revista do Brasil e em Terra Roxa e outras Terras; torna-se crítico do jornal carioca A Manhã, suplemento de São Paulo. Mário de Andrade, 1927

Colabora n’ A Revista do modernismo de Belo Horizonte. Publica “A escrava que não é Isaura”. Compõe “Louvação matinal” e “Louvação da tarde”, de “Remate de Males”.

1925 He collaborates with A Revista do modernismo from Belo Horizonte. Publishes A escrava que não é Isaura. Composes Louvação matinal (Morning Praise) and Louvação da tarde (Evening Praise), from Remate de Males (Finishing touch of Evil).

Buys a Remington typewriter, that he names Manuela, in honor of his friend Bandeira. Realizada por Denise Mattar a partir da cronologia completa de Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo, da Equipe Mário de Andrade do IEB - Instituto de Estudos Brasileiros USP. Organized by Denise Mattar from the complete chronology by Telê Ancona Lopez and Tatiana Longo Figueiredo, of the Mário de Andrade Team at the IEB- Institute of Brazilian Studies at USP.

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Viaja para a Amazônia chegando a Iquitos no Peru. Realiza mais de 500 fotos. Escreve o diário do Turista aprendiz, mas não o publica em vida. Colabora na revista Verde de Cataguases. Publica à suas custas, “Amar Verbo Intransitivo” e “Clã do Jabuti”. Escreve para o Diário Nacional (até 1932).

1926

Sombra Minha, Santa Tereza do Alto, 1928

Publica “Macunaíma o herói sem nenhum caráter”, 800 exemplares. Redige o libreto de Pedro Malazarte, ópera cômica. Entre dezembro de 1928 e março de 1929, segunda viagem ao nordeste, destinada a recolher dados sobre a música, o folclore e a cultura popular da região.

1928

First writing of Macunaíma. Publishes Losango cáqui, poetry and Primeiro andar (First Floor), short stories. Collaborates with the Revista do Brasil and Terra Roxa e outras Terras and becomes a literary critic of the Rio de Janeiro newspaper A Manhã, a supplement from São Paulo.

He publishes Macunaíma o herói sem nenhum caráter (Macunaima, the characterless hero), 800 copies. He writes the libretto Pedro Malazarte, a comical opera.

He travels to the Amazon arriving in Iquitos, Peru. He takes over 500 photographs. He writes his diary Turista aprendiz (Apprentice Tourist) that is not published during his lifetime.

Between December 1928 and March 1929, he takes a second trip to the Northeast in order to gather data regarding the music, folklore and popular culture of the region.

He collaborates with the magazine Verde, from Cataguases. At his own expense, he publishes Amar, verbo intransitivo (Love, an intransitive verb) and Clã do Jabuti (Jabuti Clan). He writes for the Diário Nacional (until 1932).

Mário, 1929

Publica o “Compêndio de história da música”. Escreve os “Poemas da negra” e os “Poemas da amiga”. Inicia o romance “O café”, que ficará inacabado. Rompimento da amizade com Oswald de Andrade. Publica “Modinhas imperiais” e “Remate de males” e o ensaio “Origens do fado”.

1929/30 He publishes Compêndio de história da música(Compendium of the history of music) . Writes Poemas da negra (The Black woman´s poems) and Poemas da amiga (The friend´s poems). Starts his novel O café (Coffee) , which remains unfinished. He ends his friendship with Oswald de Andrade. Publishes Modinhas imperiais (Imperial popular songs), Remate de males and the essay Origens do fado (Origins of the fado).


Escreve os poemas de “Rito do irmão pequeno” e de “Girassol da madrugada”. Dirige com Paulo Prado e Antônio de Alcântara Machado a Revista Nova. Início da correspondência com Oneida Alvarenga. Apoia a Revolução Constitucionalista. Completa 40 anos; adoece com nefrite. Angústia e doença moldam os poemas escritos nesse ano: “Grã Cão do outubro” e “O Grifo da Morte”.

1931/34 He writes the poems for Rito do irmão pequeno (Rite of the younger brother) and Girassol da madrugada (Sunflower at day-break). He directs, with Paulo Prado and Antônio de Alcântara Machado, the Revista Nova magazine. Starts corresponding with Oneida Alvarenga. Supports the Constitutionalist Revolution. At 40 years old, he is taken ill with nephritis. Anguish and sickness mold the poems written that year: Grã Cão do outubro (Great October Dog) and O Grifo da Morte (The Enigma of Death).

A convite do Prefeito de São Paulo, Fábio Prado torna-se Diretor do Departamento Municipal de Cultura. Inaugura a Discoteca Pública, cria parques infantis e projeta casas de cultura. Elabora com Paulo Duarte o anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Cria a Sociedade de Etnografia e Folclore; organiza o Congresso de Língua Nacional Cantada. Eleito membro da Academia Paulista de Letras. Deixa a direção do Departamento de Cultura. A frustração de ver seu trabalho interrompido lança Mário em dura crise. Sua saúde piora. Muda-se para o Rio de Janeiro.

1935/38 At the invitation of the mayor of São Paulo, Fábio Prado, he becomes the Director of the Municipal Department of Culture. He inaugurates the Public Discotheque, creates children´s parks and designs cultural spaces. He elaborates, with Paulo Duarte, the preliminary study for the SPHAN – National Historic and Artistic Heritage Service . He creates the Ethnographic and Folkloric Society and organizes the National Language Song Congress. Is elected a member of the São Paulo Academy of Letters. Leaves the direction of the Department of Culture. The frustration at seeing his work interrupted, throws Mario into a deep crisis. His health worsens. He moves to Rio de Janeiro.

Mário de Andrade, Universidade Federal, RJ, 1938

Em julho de 1938 assume a diretoria do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, no Rio, onde ministra o Curso de Filosofia e História da Arte. É consultor técnico do Instituto Nacional do Livro, onde elabora projeto para uma enciclopédia brasileira. Participa da programação cultural do Ministério Capanema. Frequenta grupo de jovens escritores: Murilo Miranda, Carlos Lacerda, Moacir Werneck de Castro, da Revista Acadêmica. Viaja a Belo Horizonte para pronunciar conferências. Inicia correspondência com Henriqueta Lisboa e Moacir Werneck Castro.

1938/40 In July, he takes on the direction of the Institute of Arts of the University of the Federal District, in Rio de Janeiro, where he teaches the Philosophy and History of Art Course. As technical consultant for the National Book Institute, he elaborates a project for a Brazilian encyclopedia. He participates in the cultural program of the Capanema Ministry. He mixes with a group of young writers: Murilo Miranda, Carlos Lacerda, Moacir Werneck de Castro, from the Revista Acadêmica. Travels to Belo Horizonte to give conferences. Starts corresponding with Henriqueta Lisboa and Moacir Werneck de Castro.

Mário de Andrade, Portinari, Oscar Simão, Maria Portinari, RJ, 1941

Regressa a São Paulo, à casa da rua Lopes Chaves e ao cargo de professor no Conservatório. Trabalhando no SPHAN, inicia a pesquisa sobre o pintor e padre Jesuíno do Monte Carmelo. Publica “A Nau Catarineta” e “Música do Brasil”.

1941 Returns to São Paulo to the house on Lopes Chaves street, and to the position of professor at the Conservatory. Working at the SPHAN, he begins a research on painter and priest Jesuíno do Monte Carmelo. Publishes A Nau Catarineta (The Catarineta vessel) and Música do Brasil (Music from Brazil).

Conferência “O movimento modernista” no Rio de Janeiro. Reassume o cargo de Catedrático no Conservatório. Inicia a publicação das “Obras Completas”, “Aspectos da literatura brasileira”, “Os filhos da Candinha”, “O baile das quatro artes” e “Obra imatura”, esta reunindo “Há uma gota de sangue em cada poema”, “Contos selecionados de Primeiro andar” e “A escrava que não é Isaura”. Escreve “Lira paulistana”, poesia. Inicia a redação do poema “Meditação sobre o Tietê”, que termina às vésperas da morte. Participa do I Congresso Brasileiro de Escritores. A 25 de fevereiro, em sua casa, em São Paulo, morre Mário de Andrade, de infarto do miocárdio. É enterrado no Cemitério da Consolação. Neste ano sai “Lira paulistana”.

1942/45 His conference O movimento modernista (The modernist movement) is held in Rio de Janeiro. Once again takes on the position of Lecturer at the Conservatory. Begins publishing his Complete Works, Aspectos da literatura brasileira (Aspects of Brazilian Literature), Os filhos da Candinha (Candinha´s children), O baile das quatro artes (The dance of the four arts) and Obra imatura (Immature Work), and is organizing Há uma gota de sangue em cada poema, selected short stories from Primeiro andar and A escrava que não é Isaura. He writes Lira paulistana (Paulistana lyre), poetry. Begins to write the poem Meditação sobre o Tietê (Meditation upon the Tietê), which he finishes on the eve of his death. Participates in the I Congress of Brazilian Writers. On February 25th , Mario de Andrade dies at home, in São Paulo, of a heart attack. He is buried at the Consolação Cemetery. That year Lira paulistana is published.

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CuradorIa: Denise Mattar Cenografia: Guilherme Isnard Programação Visual: Ana Lucas Locução: João Paulo Lorenzón Design de luz: Guilherme Isnard Multimidia: Rafael Renzo Produtor Executivo: João Batista Dória Isnard Produtor Local: Caroline de Paula Assessoria de Imprensa: A4 Comunicação Educativo Arte Próspera Empreendimentos Culturais Coordenador: Joseph Motta Mediadores: Dieli Monique Novaes e Camila Visentainer Fotos da exposição: Guilherme Isnard Silvana Garzaro

Acervo de Escritores Mineiros - UFMG Carlos A. C. Camargo Celeste Bartoletti Celso Rabetti Bianca Dettino David Guss Eduardo Saron IEB - Instituto de Estudos Brasileiros USP Itaú Cultural Jhony Arai João Candido Portinari Jones Bergamin Lucia Elena Thomé Marcos A. Moraes

Fotos históricas: Arquivo IEB Associação Cultural Cândido Portinari

Marcus Vinicius de Freitas

Museologia: Bianca Dettino - IEB USP Lúcia Elena Thomé - IEB - USP Luciana Colombo - SP

Projeto Portinari

Iluminação: Facto Arte Cenotecnia: Fire Flux - Padô

Telê Ancona Lopes

Versão em inglês: Monica Mills Montadores: André Cruz e Maurício Cruz Transporte: Alves Tegam Seguro: Affinité Corretora de Seguros Produção: Kaminari Comunicação

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Agradecimentos:

Marta e Roberto Siqueira Noelia Coutinho Sandra Margarida Nitrini Simão Mendel Guss - in memoriam


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venda proibida. distribuição gratuita realização

C O M U N I C A Ç Ã O

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