Tékhne histórico

Page 1

12 de setembro a 14 de novembro de 2010 Salão Cultural - MAB-FAAP

Curadoria Denise Mattar e Christine Mello Cenografia Guilherme Isnard

fundação armando alvares penteado 1


exposição Curadoria Denise Mattar Christine Mello Cenografia Guilherme Isnard Programação visual Ana Lucas Kaminari Comunicação Iluminação Jorge Kugler

catálogo Produção executiva Celso Rabetti

Organização Denise Mattar

Totem virtual Alexandre Rangel

Textos Christine Mello

Equipe de curadoria Fernanda Lopes Izabel Ferreira João Isnard Luisa Moser Renata Carreto

Coordenação Editorial Jhony Arai - Kaminari Comunicação design Ana Lucas - Kaminari Comunicação Editora assistente Andréia Ferreira Tradução John Norman, Kratos Traduções e Ricardo Silveira

Assistente de cenografia Alexandre Rennar Montagem de iluminação Stage Luz e Magia Áudio e vídeo Focco Áudio e Vídeo Sinalização Sign Vision Élcio Miazaki Montadores Equipe MAB-FAAP Cenotécnica Pigari Cenografia

Montagem das obras La Diferencia - Inês Raphaelian Mobile Crash - Paloma Oliveira Como-ver-se - Albert Ambelakiotis Horizontes - Geraldo Felix Túnel - Guilherme Steger Pincel - Alberto Baumstein Pedra-luz - Estúdio Preto e Branco Torre Eiffell -Marcelo Ferreira, Nacho Durán e Taylor Lewis Planta digital Arkitito Arquitetura Etiqueta digital Alexandre Rangel e Andrea Inforzato

Assistentes de iluminação Wel Ribeiro Marcos Freire Daniel Christo Assistente de cenotécnica Fátima de Souza Produtor de cenotécnica Chiara Santos Assistente de Áudio e Vídeo Alexandre Caraviello Transporte Alves Tegam Seguro Grupo Interbrok

Produção: Curatorial Denise Mattar

2

assistentes editoriais Izabel Ferreira (Rio de Janeiro) João Isnard, Luisa Moser e Renata Carreto (São Paulo) fotos de obras Fernando Silveira, Paula Pape, Vicente de Mello fotos de exposição Fernando Silveira/FAAP e Guilherme Isnard fotos dos artistas Edouard Fraipont, Márcio Lima e Mila Petrillo Imagens históricas Arquivo FAAP Revisão do português Cristiane Garcia


fundação armando alvares penteado CONSELHO DE CURADORES Presidente Celita Procopio de Carvalho Integrantes Benjamin Augusto Baracchini Bueno Octávio Plínio Botelho do Amaral José Antonio de Seixas Pereira Neto Maria Christina Farah Nassif Fioravanti Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima DIRETORIA EXECUTIVA Diretor Presidente Antonio Bias Bueno Guillon Diretor Tesoureiro Américo Fialdini Jr. Diretor Cultural Victor Mirshawka

Diretoria Maria Izabel Branco Ribeiro Administração Cláudia Caroli e Karina Polycarpo (Ed. Lutetia) Acervo José Luis Hernández Alfonso e Laura Suzana Rodríguez Conservação Maria Cristina Ribeiro dos Santos e Ana Carolina Cunha Boaventura Serviço Educativo Denise Pollini e Luciana Chen Secretaria Maria R. O. Menezes Montagem André Cruz da Silva e Rafael Filipe da Silveira Estagiários Fernanda Pucciarelli, Julia Ramos e Tassia Arrais de Campos Coordenação de Eventos Fernanda Celidonio Assistentes Ana Paula Fescina e Luanna de Moraes Fotografia Fernando Silveira, Pedro Vertulli e Polini Prizmic Alves Assessoria de Imprensa Anamaria Lattes Comunicação WN&P Comunicação Segurança Impacto

3


Fundação Armando Alvares Penteado’s Museu de Arte Brasileira (Brazilian Art Museum) was created in 1960, and the first director was Lucia Pinto de Souza, my mother. The proposal was to compose a collection of Brazilian art and present national and international temporary exhibitions. Since then, MAB has put around five hundred exhibitions together, some of which have been fundamental for the history of Brazilian art. Besides the traditional categories – painting, etching and sculpture – the museum welcomed and organized exhibition of avant garde oeuvres, of the most current ones, and in many different media. One of the factors differentiating MAB from its peers is the interaction with the Visual Arts course programs, which has always enabled it to remain in touch with the paths of the art circuit, both nationally and internationally. Tékhne makes a review of five historical exhibitions held by MAB that were milestones for the Brazilian art. The contemporary core brings a group of artists together whose oeuvres pervade the issue of art and technology, and it is with great pride that I observe the work of ex-faculty members as well as alumni amongst them. The exhibition pays homage to artist Julio Plaza and critic Walter Zanini, personalities of our history, who represent here all of the FAAP faculty members. Certain that the proposals by Lucia Pinto de Souza have been thoroughly implemented, I have the honor of being able to continue with her oeuvre, and to now offer this exhibition to the public, as it commemorates the 50th anniversary of the work done by two generations.

Celita Procopio de Carvalho President of the Board of Curators


O Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado foi criado em 1960, tendo como primeira diretora Lucia Pinto de Souza, minha mãe. Sua proposta era compor um acervo de arte brasileira e apresentar mostras temporárias nacionais e internacionais. Desde então, o MAB realizou cerca de quinhentas exposições, sendo algumas delas fundamentais para a história da arte brasileira. Além das tradicionais categorias – pintura, gravura e escultura – o museu acolheu e organizou mostras de trabalhos de vanguarda, das mais diversas correntes, e em muitas mídias. Um dos fatores que diferenciam o MAB de seus congêneres é a interação com os cursos de Artes Plásticas, o que sempre possibilitou ao museu estar conectado com os rumos do circuito de arte, nacional e internacional. Tékhne faz uma revisão de cinco exposições históricas realizadas pelo MAB e que foram marcos para a arte brasileira. O núcleo contemporâneo reúne um grupo de artistas cuja obra permeia a questão da arte e da tecnologia, e é um orgulho constatar o grande número de ex-professores e ex-alunos nele presentes. A exposição homenageia o artista Julio Plaza e o crítico Walter Zanini, personagens de nossa história, que aqui representam todos os professores da FAAP. Certa de que as propostas de Lucia Pinto de Souza foram plenamente rea­ lizadas, tenho a honra de poder continuar sua obra, e de hoje oferecer ao público esta exposição comemorativa de 50 anos de trabalho de duas gerações.

Celita Procopio de Carvalho Presidente do Conselho de Curadores


T

ékhne was conceived after some research and reflection about the exhibitions made by the MAB-FAAP along its 50 years of existence. Studying the exhibitions of the 1960’s, at first I only came across the title A Instabilidade (The Instability), which immediately called my attention.

I requested material from the research team and, from the small catalog of that period, nearly a folder, the importance of the exhibition and of GRAV’s (Groupe de Recherches d´Art Visuel) innovative position dawned on me. The exhibition was a major Le Parc, Morellet, Sobrino, Yvaral, Rossi and Stein’s installation (though this designation was not yet in use), which had been presented in the 1963 Paris Biennial. A Instabilidade gathered oeuvres that, today, would be called immersive and interactive, such as Julio Le Parc’s Lumière en Mouvement. A text in the catalog synthesized the group’s position: Relinquishing the closed, definitive and static nature of traditional oeuvres was a first step for GRAV towards revaluing the viewer, until then always submitted to merely contemplating the work of art. The group consider the viewer as a being capable of reacting. Capable of reacting, with his/her normal perceiving capacities. The viewer is the one giving meaning to the proposed experiences. Studying the 1970’s, I came across the emblematic exhibition Arteônica, made by Waldemar Cordeiro, at FAAP, in 1971. Leader of the concrete art movement in São Paulo in the 1950’s, Cordeiro actively participated in the changes and transformations of that period. Between the late 1960’s and early ‘970’s, he made the first experiences in Brazil with electronic art. Arteônica brought a significant group of international artists together and pushed the development of computer arts in Brazil. Finding the sold-out and rare catalog of the exhibition brought new information on the participants and on the partnership made by Cordeiro with the then director of MAB, art critic Carlos von Schmidt. Between 1974 and 1985, FAAP’s Brazilian Art Museum had a moment of intense integration with the School of Visual Arts, which brought together a group of teachers/artists/theoreticians, whose endeavors would be a determining factor for the direction of visual arts in the country. About this moment, Tadeu Chiarelli wrote: In late 1970’s early 1980’s, the situation of arts in São Paulo looked stationary. True movement could be found in the tip of a low profile circuit that always attracts limited interest: the art schools. Though teachers are virtually all the same, the most active core is undoubtedly found at FAAP. Many more students, better physical conditions for art education and a less timid profile on the part of the student body, FAAP was then going through effervescent creativity which, comparing to that at ECA, seemed like an overwhelming roar. On one side, there teachers who were crucial for the students’ theoretical and practical training – Walter Zanini, Nelson Leirner, Regina Silveira, Julio Plaza – all of whom opened up doors to the discussion of art and its nature, of art as a concept and merchandize; on the dematerialization of art. Tadeu Chiarelli, art critic, curator and Visual Arts professor at the ECA/USP, in the book Leda Catunda (1998, Cosac Naify) In this intense period, Daisy Peccinini, also a faculty member, was invited by director Roberto Pinto de Souza to create FAAP’s Research and Documentation Institute of Brazilian Art. Based on extensive research that brought important texts together and conducted interviews and studied


T

ékhne foi idealizada a partir de uma pesquisa e reflexão sobre as exposições realizadas pelo MAB-FAAP ao longo dos seus 50 anos. Ao estudar as mostras da década de 1960, deparei-me inicialmente apenas com o título A Instabilidade, que chamou imediatamente a minha atenção. Solicitei material à equipe de pesquisa, e, a partir do pequeno catálogo da época, quase um folder, dei-me conta da importância da exposição e do posicionamento inovador do G.R.A.V. (Groupe de Recherches d´Art Visuel). A mostra era uma grande instalação (embora essa designação ainda não fosse usada) de Le Parc, Morellet, Sobrino, Yvaral, Rossi e Stein, que havia sido apresentada na Bienal de Paris de 1963. A Instabilidade reunia obras que hoje seriam chamadas de imersivas e interativas, como Lumière en Mouvement, de Julio Le Parc. Um texto do catálogo sintetizava a posição do grupo: O abandono do caráter fechado, definitivo e estático das obras tradicionais foi para o G.R.A.V. um primeiro passo na direção da revalorização do espectador, até então sempre submetido a apenas contemplar a obra de arte. O grupo considera o espectador como um ser capaz de reagir. Capaz de reagir com suas faculdades normais de percepção. E é ele quem dá seu sentido às experiências propostas. Estudando a década de 1970, encontrei a emblemática mostra Arteônica, realizada por Waldemar Cordeiro, na FAAP, em 1971. Líder do movimento da arte concreta em São Paulo nos anos 1950, Cordeiro participou ativamente das mudanças e transformações daquele período. Entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970, realizou as primeiras experiências no Brasil com arte eletrônica. Arteônica reunia um significativo grupo de artistas internacionais e impulsionou o desenvolvimento das artes computacionais no Brasil. A localização do catálogo da mostra, esgotadíssimo e raro, trouxe novas informações sobre os participantes e sobre a parceria feita por Cordeiro com o então diretor do MAB, o crítico de arte Carlos von Schmidt. Entre os anos 1974 e 1985, o Museu de Arte Brasileira da FAAP teve um momento de intensa integração com a Faculdade de Artes Plásticas, que reunia um grupo de professores/artistas/teóricos, cuja atuação iria ser determinante para os rumos das artes plásticas no país. Sobre esse momento escreveu Tadeu Chiarelli: No final da década de 1970 e início da década seguinte, a situação das artes em São Paulo parecia estacionária. A agitação de fato encontrava-se numa ponta do circuito de pouca visibilidade, e que desperta sempre pouco interesse: as escolas de arte. Apesar dos professores serem praticamente os mesmos, o núcleo mais ativo encontrava-se, sem dúvida, na FAAP. Muito mais alunos, melhores condições físicas para o ensino da arte e um perfil menos tímido por parte do corpo discente, a FAAP naquela época vivia um burburinho de criação que, comparado àquele que rolava na ECA, parecia um estrondo impressionante.[Lá] estavam professores fundamentais para a formação teórica e prática dos alunos – Walter Zanini, Nelson Leirner, Regina Silveira, Julio Plaza – todos eles abrindo as portas da discussão sobre a arte e sua natureza, sobre a arte enquanto conceito e enquanto mercadoria; sobre a desmaterialização da arte. Tadeu Chiarelli, crítico de arte, curador e professor de Artes Plásticas da ECA/USP, no livro Leda Catunda (1998, Cosac Naify). Nesse período intenso, Daisy Peccinini, também docente da instituição, foi convidada pelo diretor Roberto Pinto de Souza a criar o Instituto de Pesquisa e Documentação da Arte Brasileira da FAAP. A partir de uma extensa pesquisa que reuniu textos importantes, realizou


artists actions and insertion, the curator produced the anthological exhibitions O Objeto na arte – Brasil anos 60, in 1978, Arte novos meios/multimeios: Brasil 70/80, in 1985, and Projeto Vermelho/Progetto Rosso, in 1986. O Objeto na arte – Brasil anos 60 brought together 54 artists and drew a broad picture of the object in the Brazilian artistic scene, in the 1960’s and 1970’s. the exhibition indicated different genealogies for the multiple and heterogeneous production and presented the neoconcrete non-objects, the New Figuration and other objects with a more political, sensorial and kinetic nature. It is important to notice that the appearance of the category Object, beside Painting, Sculpture, Drawing, Etching in the many saloons of those days opened up another avenue for the artists and that is where the new emerging technologies inserted themselves. Arte novos meios/multimeios: Brasil 70/80 made a vast assessment of the then new artistic manifestations. It brought 65 artists from different regions of the country together, as well as 1,500 oeuvres, divided in the segments computer Art, micro Art, Mail Art, Videotext, Audioart, Stamps, Slides/Audiovisual, Fac-simile Art, Heliography, Holography, Installation, Mimeograph, Off-set, Super-8, Videoart, and Photocopy. The catalog to the exhibition is, to date, the most extensive material ever published on the relations of art and technology, and is being re-issued now in fac-simile edition. The Projeto Vermelho was made from an idea by Bruno Talpo. Seventy Brazilian and foreign artists were invited to send oeuvres or projects that conceptualized “red”. Submissions included, mostly, site specific installation projects and performances. The exhibition took on characteristics that were different from a traditional assemble and a lot closer to curatorial practices. As these five exhibitions were selected, it was clear that the issues related with the use of technology in the work of art have always pervaded FAAP’s efforts, and I proposed to work on that theme in this exhibition that pays homage to Walter Zanini and Julio Plaza. The title of the exhibition came up even before it was totally formatted. I have always been intrigued to know that in Ancient Greece there was no muse for the visual arts, and that they were called Tékhne (mastery, dexterity). Actually, in Ancient Times there wasn’t even a concept of work of art. Sculptures and paintings were serving a ritual—they were experienced. Only in the Renaissance did the idea appear of an artist, an oeuvre to be contemplated, and that was when the words Art and Technique were separated. In the 1960’s-1970’s, artists started to challenge the aura of a work of art, increasing the fields of art by means of greater interaction with the viewers. In the text of the exhibition A Instabilidade, the G.R.A.V. group proposes that the work of art should be an experience... Is Art Tékhne again? I thought of starting the exhibition from a historical core, revisiting the indicated exhibitions; however, to be loyal to an always renewing institution, the exhibition could not speak only of the past, so a contemporary nucleus was created. I then started to gather a group of artists from different age groups and origins, trying to draw a trajectory for the binomial art/technology, from 1986 to date, and I realized I needed to have a critic and historian whose research was connected to these paths. The invitation was made to Christine Mello on the basis of the interesting curatorship she made in the exhibition Galeria Expandida, and only then did I discover that Christine is also a FAAP professor. Our partnership was one of those that hardly ever happens, because we have complementary thoughts and actions, and the result of the


entrevistas e estudou a atuação e inserção dos artistas, a curadora produziu as antológicas mostras O Objeto na arte – Brasil anos 60, em 1978, Arte novos meios/multimeios: Brasil 70/80, em 1985, e o Projeto Vermelho/Progetto Rosso, de 1986. O Objeto na arte – Brasil anos 60 reunia 54 artistas e traçava um amplo panorama do objeto no meio artístico brasileiro, nas décadas de 1960 e 1970. A mostra apontava diferentes genealogias para a produção múltipla e heterogênea e apresentava os não objetos neoconcretos, a Nova Figuração, e objetos com caráter mais político, sensorial e cinético. É importante observar que o surgimento da categoria Objeto, ao lado da Pintura, Escultura, Desenho, Gravura, nos muitos Salões da época, abriu outra via para os artistas e foi nela que se inseriram as novas tecnologias que estavam no seu início. Arte novos meios/multimeios: Brasil 70/80 fazia um amplo levantamento das, então novas, manifestações artísticas. Reunia 65 artistas de diferentes regiões do país e cerca de 1.500 obras, divididas nos segmentos Arte Computador, Artemicro, Arte Postal, Arte Videotexto, Audioarte, Carimbo, Diapositivos/Audiovisual, Fac-símile Arte, Heliografia, Holografia, Instalação, Mimeógrafo, Off-set, Super-8, Vídeoarte e Xerox. O catálogo que acompanhava a mostra é até hoje o mais extenso material já publicado sobre as relações de arte e tecnologia, e está sendo relançado agora em edição fac-similar. O Projeto Vermelho foi realizado a partir de uma ideia de Bruno Talpo. Setenta artistas brasileiros e estrangeiros foram convidados a enviar trabalhos ou projetos que conceituassem “vermelho”. As adesões recebidas foram, na sua maioria, de projetos de instalações site specific e performances. A exposição assumiu características diferentes de uma montagem tradicional e muito mais próxima das atuais práticas curatoriais. A partir da seleção dessas cinco exposições ficou claro que as questões relativas à utilização da tecnologia na obra de arte sempre permearam a atuação da FAAP, e me propus a trabalhar o tema nesta exposição que homenageia Walter Zanini e Julio Plaza. O título da mostra surgiu antes mesmo dela estar inteiramente formatada. Sempre me intrigou saber que na Grécia Antiga não havia uma musa para as artes plásticas; e que elas eram chamadas de Tékhne (maestria, destreza). Aliás, na Antiguidade nem sequer havia o conceito de obra de arte. Esculturas e pinturas estavam a serviço de um ritual – elas eram vivenciadas. Apenas no Renascimento é que surgiu a ideia do artista, da obra a ser contemplada, e foi o momento em que as palavras Arte e Técnica se separaram. Nos anos 1960/70, os artistas começaram a questionar a aura da obra de arte, ampliando os campos da arte por meio de uma interação maior com os espectadores. No texto da exposição A Instabilidade, o grupo G.R.A.V. propõe que a obra de arte deve ser uma experiência... Arte é novamente Tékhne? Pensei em iniciar a exposição com um Núcleo Histórico, revisitando as mostras apontadas, entretanto, para ser fiel a uma instituição sempre inovadora, a exposição não poderia falar apenas do passado, e assim foi criado um Núcleo Contemporâneo. Comecei a reunir um grupo de artistas de diferentes faixas etárias e origens, buscando traçar um percurso do binômio arte/tecnologia, de 1986 até hoje, e me dei conta da necessidade de ter ao meu lado um crítico e historiador cuja pesquisa estivesse ligada a esses caminhos. O convite para Christine Mello foi feito a partir da interessante curadoria realizada por ela na mostra Galeria Expandida, e só depois descobri que Christine é também professora da FAAP. Nossa parceria foi do tipo que raramente


exhibition reflects that encounter of people who have added to each other, in a process that is not always easy. It is a pleasure to perceive the “conversation” we can imagine between the oeuvres in the exhibition. Lumière en Mouvement by Le Parc, has a magic and ethereal result which comes near the Pedra-luz, a dive into Amelia Toledo’s always bright and colorful imagination. Ethereal are also the multiples of our eyes, which look at us intermittently, in the oeuvre of Anaisa Franco, and the small pulsating cloud where Caetano Dias struggles in a stormy Mar, maybe the same in Luiz duVa’s Tormenta, which then ceases to reveal a contrasting quiet Horizonte like that of Amelia’s, or smoothingly mutant like Karina Dias’s lake. Alexandre Rangel and Rodrigo Paglieri bring us back to the frenetic reality of the city, where Bambozzi’s cell phones abound and Regina Silveira’s shots resound. Meanwhile, the net seeks new tourists for Denise Agassi’s Subindo a Torre Eiffel and we see nearly the same stairs that move about Ana Maria Tavares’s crystalline spaces, de-structuring the notions of perspective and removing the ground from beneath our feet, like Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti do, as well, in their Túnel. A likely “conversation”, but not the only one. In her historical text, Christine Mello draws a panorama of the paths covered in Brazil by the artists who have enhanced the fields of art, increasing the use of new electronic and digital media. In the curatorial text, she outlines a reflection about the process of conceiving the exhibition, about the oeuvre of participating contemporary artists, and about the relations and reflections that the exhibition entices. I have therefore considered myself free to write only about some constituting and constructing aspects of the exhibition and to speak about the many companions I had along the journey. Guilheme Isnard, my constant partner, did scenography work that afforded the artists with exceptional conditions to present their oeuvres, but that resulted in authorial work – an immersive and intriguing space. The Preto e Branco studio was a crucial partner in producing some of the most magic moments of the event. Ana Lucas created the beautiful logo for the exhibition and remarkable visual concept of this catalog. Jorge Kugler did the dramatic lighting, and Alexandre Rangel, the interactive map of the exhibit. Sérgio Carneiro resolved the complex installations of the technological apparatus, and Jhony Arai had the similar task of resolving the editorial tasks. Celso Rabetti, as usual, had the difficult mission of letting us free to create, resolving payments and paperwork. Alexandre Rennar, Andréia Ferreira, Andrea Inforzato, Alexandre Caraviello, Fernanda Lopes, Izabel Ferreira, João Isnard, Luisa Moser, Renata Carreto, Regina Rosa e Tito Ficarelli with their dedication and utmost endeavors, were essential in the process of making the Tékhne. I particularly thank Celita Procopio de Carvalho and Antonio Bias Bueno Guillon for trusting me to make the Tékhne; an exhibition that commemorates the 50th anniversary of the MAB, demonstrating the importance of the museum operations, but mostly reiterating the quality of Brazilian Art.

Denise Mattar Curator


acontece, pois temos pensamentos e formas de ação complementares, e o resultado da exposição reflete esse encontro, de pessoas que se acrescentaram, num processo que, às vezes, não é fácil. É um prazer perceber a “conversa” que podemos imaginar entre os trabalhos da mostra. Lumière en Mouvement, de Le Parc, tem um resultado mágico e etéreo que se aproxima da Pedra-luz, um mergulho no imaginário sempre pleno de luz e cor de Amelia Toledo. Etéreos são também os múltiplos de nossos olhos, que nos olham intermitentes, na obra de Anaisa Franco, e a pequena nuvem pulsante na qual Caetano Dias se debate num Mar tempestuoso, talvez o mesmo da Tormenta, de luiz duVa, a qual quando cessa nos revela um contrastado Horizonte, calmo como o de Amelia, ou suavemente mutante como o do lago de Karina Dias. Alexandre Rangel e Rodrigo Paglieri nos trazem de volta à realidade frenética da cidade, na qual explodem os celulares de Bambozzi e ecoam os tiros de Regina Silveira. Enquanto isso, a rede busca novos turistas Subindo a Torre Eiffel, de Denise Agassi, e vemos quase aquelas mesmas escadas que se movem nos espaços cristalinos de Ana Maria Tavares, desestruturando as noções de perspectiva e tirando o nosso chão, como o fazem também Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti no seu Túnel. Uma “conversa” possível, mas não a única... No seu texto histórico, Christine Mello traça um panorama dos caminhos percorridos no Brasil pelos artistas que ampliaram os campos da arte, incluindo cada vez mais o uso dos novos meios eletrônicos e digitais. No texto curatorial, ela faz uma reflexão sobre o processo de elaboração da mostra, sobre os trabalhos dos artistas contemporâneos que dela participam e sobre as relações e reflexões que a exposição suscita. Considerei-me assim livre para escrever apenas sobre alguns aspectos constitutivos e construtivos da exposição e para falar sobre os muitos acompanhantes que tive nessa jornada. Guilheme Isnard, meu parceiro de sempre, realizou uma cenografia que ofereceu aos artistas condições excepcionais para a apresentação de suas obras, mas que resultou num trabalho autoral – um espaço imersivo e intrigante. O Estudio Preto e Branco foi um parceiro essencial na produção de alguns dos momentos mais mágicos do evento. Ana Lucas criou a bela logomarca da exposição e a marcante concepção visual deste catálogo. Jorge Kugler fez a dramática iluminação, e Alexandre Rangel, o interativo mapa da mostra. Sérgio Carneiro resolveu as complexas instalações do aparato tecnológico, e Jhony Arai teve tarefa parecida ao resolver as questões editoriais. Celso Rabetti, como sempre, teve a difícil missão de nos deixar livres para criar, resolvendo pagamentos e papéis. Alexandre Rennar, Andréia Ferreira, Andrea Inforzato, Alexandre Caraviello, Fernanda Lopes, Izabel Ferreira, João Isnard, Luisa Moser, Renata Carreto, Regina Rosa e Tito Ficarelli foram essenciais no processo de realização de Tékhne por sua dedicação e empenho. Agradeço especialmente a Celita Procopio de Carvalho e a Antonio Bias Bueno Guillon a confiança em mim depositada na realização de Tékhne; uma exposição que comemora os 50 anos do MAB demonstrando a importância da atuação do museu, mas, principalmente, reiterando a qualidade da Arte Brasileira.

Denise Mattar Curadora


TÉKHNE

A

pós uma longa conversa com Denise Mattar, quem idealizou e conceituou Tékhne, ela me contou que o título da exposição foi extraído da noção de tékhne, da Grécia Antiga, para evidenciar a não distinção entre arte e técnica e mostrar o potencial de estarem juntas. Coloca em atenção, com isso, o quanto esse potencial as torna mais complexas tanto quanto as reconfigura. Ela afirmou também que em pleno século XXI, no mundo altamente codificado que vivemos, torna-se importante a possibilidade de explorálas de modo integrado, ou melhor, reconectá-las. A partir desses pressupostos e tendo como princípio um Núcleo Curatorial Histórico e um Contemporâneo, ela explicou que o primeiro trabalho a ser apresentado ao público seria Lumière en Mouvement (1963), de Julio Le Parc, por conta do conceito de instabilidade inerente à obra, conceito esse tão complexo e vibrante associado à presença na atualidade. A abordagem poética da exposição estava clara: “Eu quero que o público entre e saia tocado pelas obras, e tenha uma experiência, é uma vivência”, disse ela. Em seguida, na conversa que tivemos com Guilherme Isnard, cenógrafo da exposição, surgiram os percursos e ambientes imersivos de Tékhne. Foi dessa forma que iniciei um processo colaborativo, com eles, de pensar sobre as experiências artísticas. A base conceitual para as escolhas dos artistas e obras de Tékhne foi assim lançada: uma exposição que aborda a sociedade da informação, em que a questão tecnológica é vista como um conjunto de processos efêmeros e instáveis que desestabilizam a ação corpórea habitual. Sob esse ponto de vista, são organizados ambientes imersivos e participativos como constituição de presença, sendo a interação do público em tempo real, associada ao espaço virtual, sob uma esfera sensorial e envolvente. Os artistas reunidos em Tékhne problematizam, desse modo, a experiência sensível, que passa necessariamente pelo corpo. Em suas proposições, a noção que o termo grego tékhne invoca é uma forma de apresentar situações de troca com o outro por meio de visões desestabilizadoras do sujeito, que subvertem a informação asséptica, isenta de conflitos, encontrada muitas vezes em tais contextos. Esse gesto, para eles, causa estranhamento, proporcionando um maior confronto e uma maior experiên­cia por conta de uma estética mais aberta ao desconcerto com o espaço social e de linguagem, fazendo dos seus trabalhos um tipo de arte mais relacionada à vida, aos processos de negociação e à experiência humana. A presente curadoria não tem como problema, portanto, refletir o dispositivo tecnológico e as linguagens dele advindas, mas sim mostrar certos modos nos quais o pensamento tecnológico tem a capacidade de criar relações com a vida contemporânea,

12

After a long conversation with Denise Mattar, who created and conceptualized Tékhne, she told me that the exhibition title was taken from the notion of tékhne, from ancient Greece, in order to evidence the nondistinction between art and technics, and to demonstrate their potential for being together. This underscores how this potential makes both fields more complex, while reconfiguring them. Denise also pointed out the current importance, in the highly codified 21st-century world in which we are living, of the possibility of exploiting – or reconnecting – them in an integrated way. Based on these assumptions and taking as a principle a Historical and Contemporary Curatorial Segment, she explained that the first work to be presented to the public would be Lumière en Mouvement [Light in Movement] (1963), by Julio Le Parc, in light of the work’s inherent concept of instability, a very complex and vibrant concept associated to the presence in contemporaneity. The exhibition’s poetic approach was clear: “I want the public to enter and to leave the exhibition touched by the works, and to have an experience; it is a moment of lived experience,” she said. Then, during the talk we had with Guilherme Isnard, the exhibition’s scenographer, some of Tékhne’s paths and immersive environments emerged. I thus began a collaborative process, with them, of thinking about the artistic experiences. The conceptual basis for selecting the artists and artworks of Tékhne was set forth as: an exhibition that concerns the information society and the question of technology as a set of ephemeral and instable processes that destabilize the normal corporeal action. From this standpoint, immersive and participative environments are organized as a constitution of presence, the public’s interaction in real time being associated with the virtual space, under a sensory and engaging sphere. In this way, the artists gathered at Tékhne problematize the sensible experience, which passes necessarily through the body. In their proposals, the notion that the Greek term tékhne invokes is a means of presenting situations of exchange with the other, through destabilizing views of the subject, subverting the aseptic information, free of conflict, often found in such contexts. This gesture, for them, gives rise to a feeling of unfamiliarity, providing a greater confrontation and more intense experience due to an aesthetics that is more open to the uneasiness with the social space and language, transforming their work into a kind of art more related to life, to the processes of negotiation and to human experience. The present curatorship seeks, therefore, not to propose a reflection on the technological device and the languages stemming from it, but rather to show certain ways in which


mover os sentidos, o corpo e as práticas de arte. Trata-se de efetuar uma reflexão que traga à luz o que está antes de toda tecnologia e perceber em quais circunstâncias ela implicitamente ocorre. Tékhne afirma, com isso, que a base determinante das relações entre arte e tecnologia não é exclusiva ao uso dos meios tecnológicos, mas ao modo como a informação é tornada perceptível. Ou seja, implica observar o modo como o artista se posiciona diante de uma dada realidade e o modo crítico como ele articula a presença do sujeito no espaço, tarefa desde sempre fundamental nas experiências e políticas da arte. Tékhne constitui uma plataforma sólida de reflexão com a qual é possível associar o conjunto de artistas e obras do seu Núcleo Contemporâneo com os artistas e obras do Núcleo Histórico. O objetivo é tornar visível a contribuição das práticas artísticas do Núcleo Histórico sob a forma de uma consciência crítica sobre os processos que integram as práticas do presente. Nos diálogos produzidos entre o Núcleo Histórico e o Contemporâneo, a exposição associa obras como Lumière en Mouvement (1963), de Julio Le Parc, e Objeto Cinético CK-8 (1966), de Abraham Palatnik, a obras como Pedra-luz (1999), de Amelia Toledo, e Túnel (2010), de Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti, na tentativa de mostrar relações na História da Arte entre a arte virtual, a imersão e a interatividade, que prescindem do computador como interface técnica. No caso, a atitude artística diante dos meios e linguagens, o modo como o corpo se organiza no espaço, o movimento e a luz são elementos vitais na criação da diferença e produção de pensamento. Como constituímos a presença hoje? Talvez seja esta uma das perguntas mais desafiadoras que os artistas de Tékhne suscitam.

the technological thinking is able to create relationships with contemporary life, to move the senses, the body and the practices of art. The aim is bring about a reflection that sheds light on what is prior to all technology and to perceive the circumstances in which it implicitly takes place. With this, Tékhne affirms that the basis which determines the relations between art and technology does not lie exclusively in the use of technological media, but rather concerns how information becomes perceptible. In other words, it aims to observe the stance the artist takes in regard to a given reality and the critical way the artist enunciates the presence of the subject in space, a task that has always been fundamental in the experiences and politics of art. Tékhne constitutes a solid platform of reflection that makes it possible to associate the set of artists and works of its Contemporary Segment with those of its Historical Segment. The aim is to reveal the contribution of the artistic practices of the Historical Segment in the form of a critical awareness about the processes that integrate current practices. In the dialogues produced between the Historical and Contemporary segments, the exhibition associates works such as Lumière en Mouvement [Light in Movement] (1963), by Julio Le Parc, and Objeto Cinético CK-8 [Kinetic Object CK-8] (1966) by Abraham Palatnik, with works such as Pedra Luz [Light Stone] (1999), by Amelia Toledo, and Túnel [Tunnel] (2010), by Rejane Cantoni and Leonardo Crescenti, with the aim of demonstrating art-historical relations between virtual art, immersion and interactivity that do not require the computer as a technical interface. In this case, the concept of instability, the artistic attitude in regard to media and languages, the way the body is organized in space, movement, and light are vital elements in the creation of difference and the production of thought. How do we constitute presence

Aspectos da experiência artística no núcleo histórico As relações entre meios tecnológicos e experiência artística trazem à tona o embate direto do sujeito com uma dada situa­ção comunicacional, produzindo para alguns artistas, como afirma Julio Plaza1, uma estética da recepção (2006: 455). De natureza relacional, nessas circunstâncias, o que vale é o modo como o sujeito processa e vivencia a ação com o outro, cuja experiência é mediada, provisória e em tempo real. Tais relações produzidas entre o campo da arte e da comuni1 - Nascido em Madri, Espanha, em 1938. Viveu e trabalhou entre 1973 e 2003 em São Paulo, SP, Brasil, quando veio a falecer. A presente afirmação foi proferida por Julio Plaza em seu texto de apresentação da mostra especial sobre Arte Postal da 16ª Bienal de São Paulo (1981), em que foi curador a convite de Walter Zanini, sendo aqui referendada a partir da publicação Escritos de artistas: anos 60/70, pp. 452-456, organizada por Glória Ferreira e Cecília Cotrim (Jorge Zahar Editor, 2006).

nowadays? This is perhaps one of the most challenging questions raised by the artists of Tékhne.

Aspects of the artistic experience in the Historic Segment The relations between technological media and artistic experience sheds light on the direct contact of the subject with a determined communicational situation, producing for some artists, as Julio Plaza1 affirms, an aesthetics of reception, (2006: 455).

1. Born in Madrid, Spain, in 1938. Lived and worked between 1973 and 2003 in São Paulo, SP, Brazil, when he died. This statement was made by Julio Plaza in his introductory text for the show’s special about Mail Art in the 16th São Paulo Biennial (1981), where he was curator at the invitation of Walter Zanini, being referenced here from the publication of Writings of the artist: Years 60/70, pp. 452-456, organized by Gloria Ferreira and Cecilia Cotrim (Jorge

13


cação abrangem noções de desconstrução do objeto artístico. Baseiam-se, principalmente, em procedimentos que questionam a autonomia da arte. Em atitudes artísticas como essas, a pertinência das proposições reside na tomada de consciência do sujeito de sua própria presença no contexto da obra e na consciência do espaço coletivo em que ele e a ação situam-se. As experiências produzidas sobre essa perspectiva revelam um tipo de problema da arte desenvolvido ao longo de todo o século XX: a questão da recondução das práticas de arte como práticas vitais. Como sabemos, a experiência tecnológica é determinante para nossa visão de mundo. Embora oferecida de modo amplo e descentralizado na sociedade atual, sabemos também que se situa, em boa parte, sob a forma de controle, sendo difícil atribuir a ela, muitas vezes, relações diferentes das oferecidas no plano hegemônico. É justamente nesse momento que o artista é impelido a questioná-la e a produzir, a partir dela, instâncias outras de reflexão. A possibilidade do artista dotar de outros significados os circuitos da informação, de modo alternativo aos sistemas oficiais da cultura, é o que faz com que o mesmo forneça perspectivas tanto de intervenção, neles, quanto de redimensionamento do seu plano ideológico. Tais tipos de estratégias artísticas dialogam com proposições produzidas, por exemplo, nos anos 1960-80, por artistas que integram o Núcleo Histórico de Tékhne, como Julio Le Parc, Waldemar Cordeiro, Abraham Palatnik, Julio Plaza, Cildo Meirelles, Antonio Manuel, Lygia Pape, Anna Bella Geiger, Regina Silveira, Carmela Gross, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Nelson Leirner, Paulo Bruscky, Hudinilson, Moysés Baumstein, José Roberto Aguilar, Otávio Donasci, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Roberto Sandoval, Betty Leirner, entre outros. Eles se inscrevem no campo da história da arte por meio de práticas experimentais relacionadas a campos variados, como o cinetismo, o conceitualismo, o Pop, o Grupo Rex, o Fluxus, a arte postal2 (mail art), assim como nos procedimentos da arte computacional, da holografia, da videoarte, do videotexto, do carimbo, da xerox e da audioarte. Supõem conhecer experiências abertas, processuais, cujos produtores se organizam para uma “troca ativa de informações”3 com o outro, que dialogam entre espaços da vida pública e espaços informacionais na segunda metade do século XX. Julio Le Parc, por exemplo, nos anos 1960, emprega em sua obra a noção de participação, guerrilha cultural e motor, no sentido de chamar a atenção da dependência e da passividade das pessoas, procurando despertar nelas a capacidade adormecida de decidir por si mesmas seu destino4. Ideias, por2. PRADO, Gilbertto. Arte telemática: dos intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário. São Paulo: Itaú Cultural, 2005. 3. PLAZA, Julio. Mail Art: arte em sincronia. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (orgs.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, pág. 452. 4. Nascido em Mendoza, Argentina, em 1928. A presente afirmação foi proferida por Julio Le Parc em texto publicado originalmente na revista Robho 3 (1968), sendo aqui referendada a partir da publicação Escritos de artistas: anos 60/70, pp. 198-202, organizada por Glória Ferreira e Cecília Cotrim (Jorge Zahar Editor, 2006).

14

Of a relational nature, in these circumstances, what counts is the way the subject processes and experiences the action with the other, whose experience is mediated, temporary and in real time. Such relations produced between the field of art and communication involve notions concerning the deconstruction of the art object. They are based, mainly, in procedures that question the autonomy of art. In artistic attitudes like these, the relevance of the propositions lies in the subject’s awareness of his/her own presence in the context of the artwork as well as in the awareness of the collective space in which the subject and the action are located. The experiences produced in this sort of perspective reveal a problem of art developed throughout the 20th century: the question of extending the practice of art as vital practices. As we know, the technological experience is determinant for our worldview. Although offered in a broad and decentralized way in today’s society, we also know that it lies largely in the form of control, it being often difficult to attribute relations to it that are different from those offered on the hegemonic plane. It is precisely at this moment that the artist is compelled to question it and to produce, based on it, other instances of reflection. The artist’s possibility to provide the information circuits with other meanings, as alternatives to those of the official systems of culture, is what opens prospects for the redimensioning of their ideological plane. These types of artistic strategies dialogue with propositions produced, for example, in the years 1960–80, by artists in Tékhne’s Historic Segment, such as Julio Le Parc, Waldemar Cordeiro, Abraham Palatnik, Julio Plaza, Cildo Meirelles, Antonio Manuel, Lygia Pape, Anna Bella Geiger, Regina Silveira, Carmela Gross, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo, Nelson Leirner, Paulo Bruscky, Hudinilson, Moysés Baumstein, José Roberto Aguilar, Otávio Donasci, Tadeu Jungle, Walter Silveira, Roberto Sandoval, Betty Leirner, and others. They are inscribed in the field of art history by means of experimental practices related to various fields such as kinetic art, conceptualism, pop, the Rex Group, Fluxus, mail art2, as well as the procedures of computational art, holography, video art, video text, rubber stamping, photocopying and audio art. They were aimed at fostering open, processual experiences, in which the producers organized themselves for an “active exchange of information”3 with the other, which dialogued between spaces of public life and informational spaces in the second half of the 20th century. Julio Le Parc, for example, in the 1960s, applied in his works the concept of participation, cultural guerrilla warfare and driver in the sense of calling attention to people’s passivity, seeking to awaken in them the dormant ability to decide their own destiny. 4 Zahar Editor, 2006). 2. PRADO, Gilbertto. Telematic art: the exchange point to multi-user virtual environments. São Paulo: Itaú Cultural, 2005. 3. PLAZA, Julio. Mail Art: art in synchrony In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (orgs.). Writings of the artist: years 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, page. 452. 4. Born in Mendoza, Argentina, in 1928. This statement was made by Julio Le Parc in text originally appeared in robh 3 (1968) and referenced here from publication Writings of the artist: years 60/70,


tanto, como a de desestabilização em suas obras, de desorganização sensória de uma dada realidade corpórea-espacial, aguçam os seus interesses em torno da produção crítica e sensível de compreensão da presença do sujeito no mundo. Waldemar Cordeiro, por outro lado, envolve-se na arte computacional a partir de 1968. Busca, no cruzamento entre os meios de produção industrial e as relações sociais, engajamento na luta por um novo humanismo. Para ele, os recursos eletrônicos de comunicação podem aproximar o sujeito da obra e aumentar o número de fruidores, tornando “a situação da cultura mais diversificada e o feedback mais complexo.”5 Já para Cildo Meirelles, o trabalho não se funda mais numa prática “artística” que produz objetos únicos e isolados. Como ele afirma, em 1969, “as Inserções em circuitos ideo­ lógicos nasceram da necessidade de se criar um sistema de circulação, de troca de informações, que não dependa de nenhum tipo de controle centralizado (como é o caso da televisão, do rádio e da imprensa, que são mídias que atingem de fato um público imenso, mas onde está sempre presente um determinado controle e um determinado afunilamento da inserção. Quer dizer, a inserção é exercida por uma elite que tem acesso a esses níveis em que ela se desenvolve: sofisticação tecnológica envolvendo uma alta soma de dinheiro)”.6 No caso de Paulo Bruscky, a Arte Correio dos anos 1970 surge numa época de dificuldade de comunicação e, com ela, a arte retoma suas principais funções: a informação, o protesto e a denúncia. Pelo seu ponto de vista, o “correio é usado como veículo, como meio e como fim, fazendo parte/sendo a própria obra. Sua burocracia é quebrada e seu regulamento arcaico é questionado pelos artistas.”7 Em depoimento oferecido a Daisy Peccinini, por meio do Instituto de Pesquisa da FAAP, Moysés Baumstein fala sobre os limites da arte em relação aos meios tecnológicos: “Quantas vezes as pessoas estão fazendo arte sem saber que estão fazendo arte? Pode acontecer, é raro, mas pode o contrário também… Então a holografia existe como arte, como ciência, como documentação, como tudo…”8 Em 1975, com a experiência da videoarte Where is South America, José Roberto Aguilar observa que “o vídeo é uma visão do olho, que partiu para o corpo inteiro: o olho se transfor-

Ideas, therefore, similar to the destabilization in his works, the sensory disorganization of a given corporeal-spatial reality, sharpened his interests concerning the production of a critical and sensitive understanding of the subject’s presence in the world. Waldemar Cordeiro, on the other hand, was involved in computational art from 1968 on. He sought, in the crossing between the means of industrial production and social relations, engagement in the struggle for a new humanism. For him, the electronic communication resources can provide proximity with the artwork’s subject and increase the number of users, making “the situation of culture more diversified and the feedback more complex.”5 For Cildo Meirelles, in turn, the work is no longer based on an “artistic” practice that produces unique and isolated objects. As he stated in 1969, “the insertions into ideological circuits were born from the need to create a system of circulation, of information exchange, which does not depend on any kind of centralized control. (As is the case of television, radio and print media, which are media that reach a huge audience, but in which a determined control and funneling of the insertion is always present. That is, the insertion is performed by the elite that has access to those levels by which it is developed: technological sophistication involving a large sum of money.)”6 In the case of Paul Bruscky, the mail art from the 1970s arose in an era of communication difficulties, and with it, art reassumed its main functions: information, protest and denouncement. From his own point of view, the “mail is used as a vehicle, as means and as an end, it takes part/it is the work itself. Its bureaucracy is broken and its archaic regulation is questioned by the artists.”7 In a statement given to Daisy Peccinini, through the FAAP Research Institute, Moysés Baumstein talks about the limits of art in relation to the technological media: “How many times are people making art without knowing that they are actually making art? It can happen, it is rare, but the opposite can also happen… Thus, holography exists as art, science, documentation, everything...”8 In 1975, with the video art experiment Onde fica a América do Sul? [Where is South America?], José Roberto Aguilar

pp. 198-202, organized by Glória Ferreira and Cecília Cotrim (Jorge Zahar Editor, 2006). 5. Nascido em Roma, Itália, em 1925. Viveu e trabalhou entre 1946 e 1973 em São Paulo, SP, Brasil, quando veio a falecer. A presente afirmação foi proferida por Waldemar Cordeiro em texto publicado originalmente no catálogo da exposição Arteônica 3 (1971), sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 55-56, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

5. Born in Rome, Italy, in 1925. Lived and worked between 1946 and 1973 in São Paulo, SP, Brazil, when he died. This statement was made by Waldemar Cordeiro text originally appeared in the exhibition catalog Arteônica 3 (1971) and referenced here from the publication of Art New Means / Multimedia - Brazil 70-80, pp. 55-56, hosted by Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985)

6. Nascido no Rio de Janeiro, RJ, Brasil, em 1948. A presente afirmação foi proferida por Cildo Meirelles em depoimento do artista registrado na pesquisa Ondas do corpo, de Antonio Manuel, sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 292, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

6. Born in Rio de Janeiro, RJ, Brazil, in 1948. This statement was uttered by Cildo Meirelles in the artist’s statement recorded in the survey waves of the body of Manuel Antonio and is referenced here from the publication of Art New Means / Multimedia - Brazil 70-80, pp. 292, hosted by Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

7. Nascido em Recife, Brasil, PE, em 1949. A presente afirmação foi proferida por Paulo Bruscky em texto publicado originalmente em 1976, sendo aqui referendada a partir da publicação Escritos de artistas: anos 60/70, pp. 374-376, organizada por Glória Ferreira e Cecília Cotrim (Jorge Zahar Editor, 2006).

7. Born in Recife, PE, Brazil, in 1949. This statement was made by Paul Bruscky text originally published in 1976, being referenced here from publication Writings of the artist: years 60/70, pp. 374-376, organized by Glória Ferreira and Cecília Cotrim (Jorge Zahar Editor, 2006).

8. Nascido em São Paulo, em 1931. Viveu e trabalhou em São Paulo até 1991, em São Paulo, SP, Brasil, quando vem a falecer. A presente afirmação foi proferida por Moysés Baumstein em depoimento proferido em 1985, sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 157, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Álvares Penteado, 1985).

8. Born in São Paulo, in 1931. He lived and worked in São Paulo, SP, Brazil, until 1991, when he died. This statement was made by Moysés Baumstein in 1985, and is referenced here from the publication Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 157, organized by Daisy Peccinin (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

15


mou no corpo inteiro e basicamente ficou sendo a performance. O vídeo me levou para a performance.”9 A relação do corpo com os procedimentos do xerox, a partir de 1978, tomam contornos absolutamente inéditos em Hudinilson Jr.. Conforme seu depoimento: “passei a trabalhar com a xerox, já baseado no estudo que é o meu trabalho, que é essa coisa do corpo (…) Comecei a colocar o corpo em cima da máquina. Criei essa relação de afetividade com a máquina, uma troca. Às vezes as pessoas me perguntam se essa relação corpo-máquina é uma coisa fria. Muito pelo contrário, a máquina é quente, tem até um calorzinho…”10 E Julio Plaza, artista homenageado em Tékhne, traz uma imagem reveladora sobre aspectos da sinestesia na contemporaneidade: “A tecnologia eletrônica, orientalmente superposta à paisagem exterior (landscape), cria em nós uma paisagem interior ou inscape, que também irradia energia-luz, criando seus próprios espaços-ritmos e alterando a nossa percepção. A luz como informação sem conteúdo ilumina-nos e recria, inscape e landscape (o interior subjetivo e o exterior ambiente) integrados, pois o circuito elétrico é a extensão de nosso sistema nervoso central, incluindo o cérebro.”11 Tendo como princípio o âmbito vivencial proporcionado pelos meios tecnológicos e a noção de ação corpórea relacionada à instabilidade, Tékhne reúne em seu Núcleo Histórico, dessa forma, experiências artísticas distintas que redimensionam, sob diversos aspectos, as práticas de arte. Com isso, os artistas trazem as bases de reflexão do nosso contemporâneo diante da necessidade, cada vez maior, da sociedade travar diálogos com um mundo moldado sensorialmente, perceptivamente e ideologicamente pelos meios tecnológicos. Muitos desses artistas vivenciaram entre os anos 1960 e 1980 um momento tenso de desafios e rupturas políticas. No campo das práticas artísticas, o uso de processos desmaterializados, como os existentes nos meios tecnológicos, foi uma marca constante, por exemplo, no questionamento ao estatuto do objeto e da unicidade da obra. Tais práticas foram incentivadas no contexto brasileiro por críticos de arte e curadores como Walter Zanini, Aracy Amaral e Daysi Peccinini. Eles promoveram importantes investigações, leituras críticas e exposições que desmistificaram as práticas artísticas produzidas com dispositivos tecnológicos, trazendo para os debates da arte novos procedimentos e linguagens. Entre as suas exposições que geraram grandes reflexões e debates, podemos referendar as JACs – Jovem Arte Contemporânea (com curadoria de Walter Zanini, que aconte-

16

observes that “video is a view from the eye, which went on to the entire body: the eye has been transformed into the entire body and basically became the performance. The video took me to performance.”9 The relationship of the body with the procedures of photocopying, from 1978 on, assumed entirely new outlines in the work of Hudinilson Jr. According to his statement: “I started to work with photocopying, already based on the study that is my work, which is this thing about the body (…). I started to put the body on top of the machine. I created an affectivity with the machine, an exchange. Sometimes people ask me if this body/machine relation is a cold thing. It is quite the opposite, the machine is warm, it actually has some heat...”10 And Julio Plaza, an artist Tékhne renders homage to, brings a revealing picture of synesthesia in contemporaneity: “electronic technology, orientally superimposed to the outer landscape, creates in us an interior landscape or inscape, which also radiates light-energy creating its own spacesrhythms and altering our perception. Light as information without content enlightens us and re-creates integrated inscape and landscape (the subjective interior and the external environment), since the electrical circuit is an extension of our central nervous system, including the brain.”11 Having as a principle the experiential context provided by technological means and the notion of bodily action related to instability, in its Historic Segment Tékhne thus includes different artistic experiences that redimension the practices of art in several respects. With this, the artists present bases for the reflection of our contemporary life in light of the increasing need to engage in dialogues with a world shaped sensorially, perceptually and ideologically by technological means. Many of these artists experienced the tense era between the 1960s and the 1980s, replete with challenges and political ruptures. In the field of artistic practices, the use of dematerialized processes, such as those existing in the technological media, was a constant mark, for instance, in the questioning of the statute of the object and the oneness of the artwork. Such practices were motivated in the Brazilian context by art critics and curators such as Walter Zanini, Aracy Amaral and Daysi Peccinini. They promoted important investigations, critical readings and exhibitions that demystified artistic practices produced with technological devices, bringing new procedures and languages to the discussions about art. Among their exhibitions, which generated enormous

9. Nascido em São Paulo, Brasil, em 1941. A presente afirmação foi proferida por José Roberto Aguilar em depoimento do artista, em 1985, sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 141, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

9. Born in São Paulo, Brazil, in 1941. This statement was made by Jose Roberto Aguilar testified by the artist, in 1985, being referenced here from publication Arts New Means/Multimedia – Brazil 70-80, pp. 141, organized by Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

10. Nascido em São Paulo, em 1957. A presente afirmação foi proferida por Hudinilson Jr. em depoimento proferido em 1985, sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 245, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

10. Born in São Paulo, in 1957. This statement was made by Hudinilson Jr in 1985, and is referenced here from the publication Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 245, organized by Daisy Peccinin (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

11. A presente afirmação foi proferida por Julio Plaza em seu texto de apresentação da mostra Arte e Videotexto, da 17ª Bienal de São Paulo (1983), em que foi curador, a convite de Walter Zanini, sendo aqui referendada a partir da publicação Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80, pp. 118, organizada por Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).

11. This statement was made by Julio Plaza in his introductory text for the exhibition Art and Videotext, the 17th São Paulo Biennial (1983), in which he was curator the invitation of Walter Zanini, being here referenced from publication Arts New Means/ Multimedia - Brazil 70-80, pp. 118, hosted by Daisy Peccinini (Fundação Armando Alvares Penteado, 1985).


ceram no MAC-USP, em São Paulo, no decorrer dos anos 1970), Expoprojeção (realizada por Aracy Amaral, em 1973, na Galeria GRIFE, em São Paulo) e Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70-80 (com curadoria de Daysi Peccinini, em 1985, na FAAP, em São Paulo). Além da possibilidade de reconfigurarmos hoje em dia tais experiências, com o Núcleo Histórico de Tékhne há também a intenção de promover a preservação de obras constituídas sob a lógica de modelos operacionais já superados, obsoletos. Como exemplo, a transcrição realizada, especialmente para a exposição, do vídeo Figuras da Memória (1981), de Otávio Donasci, do formato VHS-N’ para o formato digital. Assim como o método desenvolvido de recriação, ou emulação tecnológica, apresentado pelo pesquisador Agnus Valente, em relação aos videotextos de Julio Plaza, Carmela Gross e Regina Silveira, da arte em painel eletrônico de Regina Silveira e da sky art (ou arte telemática) de Julio Plaza. Tais critérios de migração tecnológica oferecem contribuições importantes em relação aos aspectos museológicos e de conservação de obras produzidas ao longo de mais de cinco décadas em contextos eletrônico-digitais.

reflections, we can cite the JACs – the various editions of Jovem Arte Contemporânea [Young Contemporary Art] (curated by Walter Zanini, which took place at MAC-USP, in São Paulo, throughout the 1970s), Expoprojeção [Expo-Projection] (curated by Aracy Amaral, in 1973, at GRIFE Gallery, in São Paulo) and Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70–80 [New Media/Multimedia Art – Brazil 70–80] (curated by Daysi Peccinini, in 1985, at FAAP, in São Paulo). Besides the possibility of reconfiguring these experiences today, Tékhne’s Historical Segment aims to promote the preservation of works created under the logic of already surpassed, obsolete operational models. For example, the transcription made, especially for the exhibition, of the video Figuras da Memória [Memory Figures] (1981), by Otávio Donasci, from VHS-N’ to digital format. And the methodology developed in the recreation, or technological emulation, presented by researcher Agnus Valente, regarding the video texts of Julio Plaza, Carmela Gross and Regina Silveira, the electronic panel art by Regina Silveira, and the sky art (or telematic art) by Julio Plaza. Such criteria of technological migration offer important contributions regarding museological aspects and the conservation of works produced over more than five decades in electronic and digital contexts.

Processos intensivos e o núcleo contemporâneo Durante as últimas décadas, as práticas artísticas com os meios tecnológicos ampliaram a noção de presença ao incorporarem as redes de trocas de transmissão on-line e os dispositivos de comunicação móvel. Elas referem-se a uma nova dimensão do sujeito no espaço. Traz-nos a dimensão de um espaço conectado a espacialidades e temporalidades simultâneas, cuja natureza presencial é transitória, híbrida, entre a presença física e a virtual, entre o lugar fixo e o móvel. Acentuam experiências de interação do corpo entre diferentes espaços. Nesse sentido, perguntar como constituímos hoje a presença talvez seja uma das questões mais desafiadoras do nosso tempo. Ao atribuir à presença um significado mutável, os artistas têm por objetivo mostrar que ela está sempre em suspenso, prestes a acontecer dependendo de uma dada ação corpórea e um determinado contexto apresentado, não sendo, portanto, de índole fixa, estável. Desse modo, invocam sua instabilidade e interação com o espaço. Para o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, em um contexto histórico como o do século XXI, em “que há uma transformação de fundo no campo da vida, do trabalho e da linguagem”12 por conta do mundo digital e do acesso ao virtual, trata-se da “criação de uma outra cultura, com outros referenciais, com uma outra cientificidade operatória”13. 12. DOS SANTOS, Laymert Garcia. In: COHN, Sergio; SAVAZONI, Rodrigo (orgs.). Cultura digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009, p. 286. 13 Ibid, p. 285.

Intensive processes and the Contemporary Segment Over the last decades, the artistic practices with technological media have enlarged the notion of presence by incorporating the exchange networks of online transmission and mobile communication devices. Thus, such processes refer to a new dimension of the subject in space, presenting us with the dimension of a space connected to simultaneous spaces and times with a transitory, hybrid presential nature, between virtual and physical presence, between the fixed and the mobile place. They emphasize experiences of the interaction of the body between different spaces. In this sense, asking how we constitute presence nowadays is perhaps one of the most challenging issues of our time. By attributing a mobile meaning to presence, artists aim to show that it is always suspended, ready to happen but depending on a certain body action and a determined context presented, not possessing, therefore, a fixed, permanent nature. In this way, they invoke its instability and interaction with the space. In the point of view of the sociologist Laymert Garcia dos Santos, in a historical context like that of the 21st century, in which “there is a deep transformation in field of life, in the field of work and also in the field of language”12 due to the digital world and virtual access, this involves the “creation of another culture, with other references,

12. DOS SANTOS, Laymert Garcia. In: COHN, Sergio; SAVAZONI, Rodrigo (orgs.). Digital culture. br. Rio de Janeiro: Azougue Alley, 2009, p. 286.12 Ibid, p. 285.

17


Na sociedade informacional, os sistemas de comunicação são compartilhados de modo dialógico e coletivo – como nas redes digitais da internet, do GPS e da telefonia móvel – por meio de uma série de circunstâncias comunicacionais interligadas em tempo real. Tal tipo de fenômeno implica constatar que a alta tecnologia que nos cerca no cotidiano lida com a dimensão virtual das relações humanas e, portanto, do espaço social. Diante dessa realidade, é possível afirmar que a experiência produzida hoje em dia por proposições artísticas no contexto do espaço virtual gera, em si mesma, situações paradoxais sobre a questão da presença. Em ocasiões como essas, o sujeito é deslocado constantemente do âmbito pessoal para o coletivo, tomando, muitas vezes, as duas direções ao mesmo tempo por conta da forte associação entre produção e vida. Amelia Toledo, Ana Tavares, Anaisa Franco, Caetano Dias, Denise Agassi, Karina Dias, Lucas Bambozzi, luiz duVa, Regina Silveira e as duplas Alexandre Rangel-Rodrigo Paglieri e Rejane Cantoni-Leonardo Crescenti são artistas que problematizam questões como essas e que fazem parte do Núcleo Contemporâneo de Tekhné. Neles, os problemas da vida e da intensidade de sensações que dela fazem parte, integram-se. O presente conjunto de artistas reafirma em Tékhne que arte é algo que não existe como a priori, mas algo que se experimenta, sendo, portanto, de caráter intensivo e indeterminado. Os artistas acentuam, com isso, a dimensão fenomenológica e subjetiva dos meios tecnológicos, bem como a questão da obra que acontece em seu estado de latência, processual. Por essa compreensão, a proposição artística só acontece a partir do contato com o outro, da própria experiência. Desse modo, é possível observar que o aspecto vivencial e a interatividade são parâmetros importantes na estruturação dos sentidos em seus trabalhos. São considerados processos intensivos da arte aqueles em que o sujeito imerge no contexto da obra e tem a sensação de vivenciar um dado espaço temporalizado. Neles, a atenção recai sobre a experiência vivida, exercendo o corpo um papel de mediador, já que é posto em permanente contato com o plano da experiência e a reprocessa continuadamente. As experiências artísticas apresentadas sob a lógica de processos intensivos, como as de Amelia Toledo, Ana Tavares e luiz duVa (que reorganizam a noção de horizonte e paisagem), as de Regina Silveira, Karina Dias, Lucas Bambozzi e a dupla Alexandre Rangel-Rodrigo Paglieri (que instigam de modo intensivo confrontos com a experiência urbana), as de Denise Agassi, Anaisa Franco e Caetano Dias (que ressemantizam sentidos da imagem, do olhar e da suspensão) e da dupla Rejane Cantoni-Leonardo Crescenti (que reconfigura a noção de movimento e instabilidade, fazendo-nos experimentar novos desígnios sobre a nossa presença no espaço), são como não objetos, não locais em constante transformação. Seus ambientes são desterritorializados e presentificados ao vivo. Encontramos mudanças no processo da criação ar-

18

with another operative scientific approach.”13 In the current informational society, communication systems are shared in a dialogic and collective way – such as in digital networks on Internet, GPS and mobile telephone – through a series of communicational details connected in real time. This sort of phenomenon makes it clear that the high technology around us on a daily basis involves the virtual dimension of the human relations and, therefore, of the social space. In light of this reality, we can say that the experience produced nowadays by artistic proposals in the context of virtual space creates, in itself, paradoxical situations concerning the issue of presence. On occasions like these, the subject is constantly shifted from the personal to the collective sphere, often taking the two directions at once due to the strong association between production and life. Amelia Toledo, Ana Tavares, Anaisa Franco, Caetano Dias, Denise Agassi, Karina Dias, Lucas Bambozzi, luiz duVa, Regina Silveira and the artist duos Alexandre Rangel–Rodrigo Paglieri and Rejane Cantoni–Leonardo Crescenti are artists that problematize issues like these and are part of Tékhne’s Contemporary Segment. In the works of these artists, the problems of life and of the intensity of sensations that are a part of life are integrated. The present set of artists reaffirms in Tékhne that art is not something that exists a priori, but is rather something that is experienced, having, therefore, an intensive and indeterminate character. Artists thus accentuate the phenomenological and subjective dimension of the technological media, as well as the question of the work that takes place in its latent, processual state. For this understanding, the artistic proposal only takes place through contact with the other, in the experience itself. Thus, one can observe that the experiential aspect and the interactivity are important parameters in the structuring of the meanings in their work. Intensive art processes – such as those presented in Tékhne’s Contemporary Segment – are considered to be those in which the subject is immersed in the context of the artwork and has the sensation of experiencing a temporalized space. In them, the attention falls on the experience that takes place, the body playing a mediating role as it is put into continuous contact with the plane of experience and reprocesses it constantly. Artistic experiences presented under the logic of intensive processes, such as those by Amelia Toledo, Ana Tavares and luiz duVa (which reorganize the notion of horizon and landscape), those by Regina Silveira, Karina Dias, Lucas Bambozzi and the artist duo Alexandre Rangel–Rodrigo Paglieri (which instigate, in an intensive way, confrontations with the urban experience), those by Denise Agassi, Anaisa Franco and Caetano Dias (which 13Ibid, p. 285.


tística, no modo de articular as relações de autoria e na maneira como se propõem novas formas de estabelecer contato. Uma escritura descontínua, aberta e em tempo presente: um tipo de experiência capaz de fazer circular a informação por meio de fluxos e geografias inusitadas. Nessas situações, o contexto do trabalho é de base informacional, e o conteúdo, o modo como a experiência é agenciada pelo corpo no espaço da ação. O artista se firma como provedor de conteúdo e seu trabalho denota uma performance coletiva. Ele não está isolado no processo criativo, é na copresença e na troca com o outro que a obra se realiza. É sob a forma de processamentos simultâneos entre homem e mediação tecnológica que a organização da experiência se estabelece, tendo como princípio trânsitos comunicacionais contínuos. Esse tipo de organização do trabalho artístico baseia-se no modo como se estrutura o sistema e se configura a arquitetura de dados. O sistema é identificado como o conjunto das relações de diferenças e semelhanças, e o processo artístico, como o conjunto de agenciamentos dos elementos selecionados14. O sistema passa a ser a construção, e a obra, uma prática viva. Experiências em meios tecnológicos como essas pressupõem estratégias de presentificação do corpo de forma compartilhada no espaço, circunscritas em uma dimensão social por meio dos ambientes interativos. Trata-se de arquiteturas sugeridas por uma trama relacional de afetos, informações, conexões, links e dados que ativam o sujeito no espaço virtual (ou o espaço em potência) e organizam a vivência. As experiências apresentadas em Tékhne dizem respeito a pensar, portanto, nos modos como os ambientes sensórios refletem hoje em dia não só uma complexa arquitetura de dados, mas também os sujeitos que dela fazem parte. Como o viajante do labirinto, perde-se nesses ambientes a “visão global e panorâmica do espaço total a ser percorrido”15, e é só por intermédio da experiência vivida que se recuperam os sentidos. Muitos dos artistas que fazem uso de tais tipos de operações perseguem a noção de instabilidade nos ambientes de interação comunicacional. Eles são motivados não só por seu potencial social, mas também por seu potencial perturbador. Nesses casos, em vez de ocultarem conflitos nelas existentes, revelam outros níveis de contato, promovendo uma espécie de crítica da cultura dominante. As relações transmitidas por esses artistas produzem o elemento vivencial que vai além do problema da experiência pessoal. Diz respeito à experiência em seu caráter de descentramento do sujeito, que passa a atuar de modo coletivo e temporário diante de um dado contexto, agenciado muitas vezes de modo colaborativo e em tempo real. Na socie-

resignify senses of the image, the gaze and the suspension) and those by the duo Rejane Cantoni–Leonardo Crescenti (which reconfigure the notion of movement and instability, making us experience new intentions in relation to our presence in space), are like nonobjects, nonplaces in continuous change. Their environments are deterritorialized and made present in real time, live. We find changes in the process of artistic creation, in the manner of articulating the relations of authorship and in the way they propose new ways of establishing contact. A discontinuous writing, open and in present time: a sort of experience that circulates information by way of flows and uncommon geographies. In these situations, the work’s context consists of its informational basis, while its content is the way the experience is mediated by the body in the space of the action. The artist is established as a content provider and his/her work denotes a collective performance. He/she is not alone in the creative process; the work takes place through the co-presence and exchange with the other. The organization of experience is established in the form of concurrent processings between the human subject and technological mediation, founded on communicational flows. This type of organization of the artistic work is based on the way the system is structured and the data architecture is configured. The system is identified as the set of relations of differences and similarities, and the artistic process as the set of mediations of the elements selected14. The system becomes the construction, and the work, a live practiceExperiences in technological media like these assume strategies for the presentification of the body in a shared way in space, circumscribed in a social dimension through interactive environments. This involves architectures suggested by a relational web of feelings, information, connections, data and links that activate the subject in the virtual space (or potential space) and organize the experience. The experiences presented in Tékhne therefore concern thinking about the ways in which sensorial environments nowadays reflect not only a complex data architecture, but also the subjects that are part of it. As in the case of a traveler in a maze, in these environments, the “global overview of the total space to be traversed”15 is lost, and it is only through the experience that the senses are recovered. Many artists who use such types of operations follow the notion of instability in the environments of communicational interaction. They are motivated not only by their social potential but also by their potential for perturbation. In these cases, instead of hiding conflicts existing within them, they reveal other levels of contact, fostering a sort of criticism of the dominant culture.

14. Extraído de uma citação sobre J. M. Floch, In: BETTS, Nancy. A Intertextualidade na obra de Nelson Leirner. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Programa de Comunicação e Semiótica, PUC/SP, 2002.

14. Extracted from the quote about J. M. Floch, In: Nancy BETTS, Intertextuality in the work of Nelson Leirner. Master´s thesis, São Paulo, Communication and e Semiotics Program, PUC/SP, 2002.

15. LEÃO, Lucia. A Estética do Labirinto. Tese de Doutorado, São Paulo, Programa de Comunicação e Semiótica, PUC/SP, 2001.

15. LEÃO, Lucia. Aesthetics of the Labyrinth. Doctorate Thesis, São Paulo, Communication and e Semiotics Program, PUC/SP, 2001.

19


dade informacional do século XXI, na qual os processos de troca com o outro são, por natureza, reconduzidos por novos mecanismos de comunicabilidade e perturbação, reunimos possíveis perguntas que transpassam experiências como as promovidas pelos artistas contemporâneos de Tékhne, tais como: que universo é esse que intriga, instiga o sujeito nas arquiteturas informacionais? Como os artistas respondem aos novos enfrentamentos do corpo? De que modo é possível, em seus trabalhos, observar reconfigurações entre experiência pessoal e coletiva? Nessa direção, nossos artistas Amélia Toledo, Ana Tavares, Anaisa Franco, Caetano Dias, Denise Agassi, Karina Dias, Lucas Bambozzi, luiz duVa, Regina Silveira, Alexandre Rangel, Rodrigo Paglieri, Rejane Cantoni e Leonardo Crescente menos oferecem respostas sobre tais questões do que nos convidam a estarmos abertos às experiências por eles propostas, e, mais que tudo, a participarmos dos contínuos trânsitos entre espaços tecnológicos e espaços de reflexão da vida contemporânea. Há também em Tékhne a escolha por um tipo de situação expositiva que atua como interface, como uma membrana, ou um organismo de sensorialidade entre as obras. Significa acolher o espaço físico da exposição como um espaço mental em que coexistem propostas e experiências imersivas. O espaço da exposição é permeado, desse modo, tanto por ambientes fluidos e envolventes que permeiam os espaços instalativos como pela preservação da experiência singular que cada uma das obras produz, fazendo com que o público as experimente de modo heterogêneo e não-linear. A opção por um tipo de projeto cenográfico, concebido por Guilherme Isnard, sob a forma da chamada “caixa preta”, como o revés do espaço neutro produzido no cubo branco, revela a tentativa de criar um espaço de imersão para a melhor acolhida de obras multisensoriais e sinestésicas. A escolha por esse formato expositivo, ou por essa configuração de espaço, é, portanto, baseada na apresentação de um ambiente expositivo que dê conta dos requisitos conceituais de cada uma das obras. O desafio em Tékhne de apresentar experiências artísticas em ambientes interativos objetiva, mais que tudo, situações imaginárias produzidas no corpo do visitante. Tem como desejo a abertura de possibilidades para que processos intensivos constituam não apenas problemas culturais e comunicacionais da nossa época, mas também problemas relacionados à consciência crítica e à poética. Como é possível notar, trata-se de abordar em Tékhne a linguagem entendida como modalidade de corpo, no caso, corpo aberto aos sentidos, a uma infinidade de possíveis, corpo multisensório.

The relations provided by these artists produce the experiential element that goes beyond the issue of personal experience. This concerns the experience in its character of decentering the subject, who now operates in a collective and temporary way before a given context, often mediated collaboratively and in real time. In the informational society of the 21st century, in which the exchanging processes are, by nature, reconducted by new mechanisms of communicability and perturbation, we gathered possible questions that go beyond experiences such as those promoted by the contemporary artists of Tékhne, such as: which universe is this one that intrigues, instigates the subject in informational architectures? How do artists respond to the body’s new confrontations? By which means is it possible, in their works, to observe reconfigurations between personal and collective experience? In this direction, our artists Amélia Toledo, Ana Tavares, Anaisa Franco, Caetano Dias, Denise Agassi, Karina Dias, Lucas Bambozzi, luiz duVa, Regina Silveira, Alexandre Rangel, Rodrigo Paglieri, Rejane Cantoni and Leonardo Crescente offer less answers about such issues and instead invite us to be open to the experiences they propose, and, more than anything else, invite us to take part in continuous transmissions between technological spaces and spaces of reflections regarding contemporary life. There is also in Tékhne the choice for a type of exhibition situation that performs as an interface or as a membrane or organism of sensoriality among the works. This implies the sheltering of the physical space of the exhibition as a mental space in which immersive proposals and experiences coexist. Thus, the space of the exhibition is pervaded not only by fluid and involving environments that pervade the installation spaces, but also by the preservation of the singular experience that each one of the works produces, making the public experience it in a heterogeneous and nonlinear way. The option for a type of scenographic design, conceived by Guilherme Isnard, in the form of a “black box,” like the reverse of the neutral space produced in the white cube, reveals the attempt to create a space of immersion to better accommodate multisensory and synesthetic works. The choice for this exhibition format or for this configuration of space is, therefore, based on the presentation of an exhibition environment that meets the conceptual requests of each one of the works. The challenge in Tékhne is to present artistic experiences in objective interactive scenarios, imaginary situations produced in the visitor’s body. The aim is to open possibilities for intensive processes to constitute not only cultural and communication problems of our time, but also issues related to critical and poetic awareness. As it is possible to note, the aim is to highlight in Tékhne the language understood as a modality of the body, in this case, a body open to the senses, to an infinity of possibilities, a

Christine Mello curadora Outubro de 2010

multisensory body.

Christine Mello curator

20

October, 2010 .


Totem virtual criado por Alexandre Rangel com mapa interativo fornecendo informaçþes sobre artistas e suas obras/ Virtual totem created by Alexandre Rangel with interactive map providing information about artists and their oeuvres

21


Novos circuitos para a arte no Brasil: Anos 1950-1980 New circuits for art in Brazil: 1950-1980

Por Christine Mello

H

á muitas formas de perceber uma linguagem e seus contextos criativos, assim como há também muitas formas de investigá-los. Contudo, há uma experiência subjetiva no cerne de cada leitura. Neste estudo, a experiên­cia dos novos meios no Brasil – no período compreendido entre os anos 1950 e 1980 – é analisada como uma estratégia de pluralismo, hibridização cultural e abertura de novos circuitos para a arte. Essa forma de percepção é aqui observada a partir de um conjunto de práticas discursivas heterogêneas e não hegemônicas existentes no ambiente criativo brasileiro durante esse período. É a partir do surgimento do cinema de vanguarda no Brasil que se inicia um cruzamento criativo entre as imagens em movimento e as artes visuais. Assim, para compreendermos a presença dos novos meios no Brasil, em seus trânsitos e em seus diálogos, é preciso, antes de qualquer coisa, compreendêla como processo híbrido de significação e como pensamento, como uma manifestação que coexiste num fluxo contínuo em torno das circunstâncias de sua aparição histórica. As leituras críticas a seu respeito encontram-se em movimento, em processo, nos deslocamentos. Saem da observação das especificidades exclusivas, tanto ao seu país de origem, no caso o Brasil, quanto à sua linguagem, e entram na análise de suas influências no âmbito cultural. Da Antropofagia de Oswald de Andrade (1920-1930) à Tropicália de Hélio Oiticica, Torquato Neto, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os Mutantes (1960-1970), é possível verificar que a produção experimental com os novos meios no Brasil está e não está relacionada com o passado. Vivencia simultaneamente reverberações do modernismo e passagens para a contemporaneidade. No campo cinematográfico, o filme Limite (1929-1931), de Mário Peixoto, fruto de intercâmbios intelectuais com as vanguardas europeias durante os anos 1920, instaurou um discurso limítrofe nos diálogos entre o cinema e as artes visuais. Por seu caráter poético, fragmentário, descon-

22

There are many ways to perceive a language and its creative contexts, just as there are also many ways to investigate them. However, there is a subjective experience in the core of each reading. In this study, the experience of new media in Brazil—between the 1950’s and the 1980’s—is analyzed as a strategy of pluralism, cultural hybridization and opening of new circuits for art. This form of perception is observed here from the perspective of a set of heterogeneous and nonhegemonic discursive practices which existed in the creative Brazilian environment during that period. It is after the appearance of avant-garde cinema in Brazil that this creative cross-breeding starts between the moving pictures and the plastic arts. So, in order to understand the presence of new media in Brazil, in its transiting and dialogs, it is necessary, before anything else, to understand it as a hybrid process of significance and as a thought, as a manifestation that co-exists in a continuous flow around the circumstances of its historical appearance. Critical readings about it are found in movement, in process, in displacements. They leave the observation of exclusive specificities, concerning both their country of origin, Brazil in this case, and their language, and enter the analysis of their influences in the cultural environment. From Oswald de Andrade’s Antropofagia (Anthropophagy, 1920-1930) to Hélio Oiticica, Torquato Neto, Gilberto Gil, Caetano Veloso and Os Mutantes’s Tropicália (1960-1970), one may observe that experimental production with new media in Brazil is related to the past just as much as it is not. It shares reverberations of modernism simultaneously with passages to contemporariness. In the field of moviemaking, Mário Peixoto’s Limite (Limit, 1929-1931), resulting from intellectual exchanges with European avant-garde fronts in the 1920’s, started a threshold discourse in the dialogs between cinema and plastic arts. For its poetic, fragmentary, discontinuous and non-linear nature, this film shares conceptual affinities


tínuo e não linear, essa obra tem afinidades conceituais com o ideário das vanguardas russas e francesas, encontradas nos filmes de Eisenstein, Man Ray, Fernand Léger e René Clair, produzidos no mesmo período. O campo das poéticas tecnológicas1 no Brasil associa-se não só ao modernismo no cinema como também ao cinetismo por meio de gestos precursores de artistas como Abraham Palatnik, que nos anos 1950 investiga a problemática do espaço sob a perspectiva do processo industrial e da produção de máquinas de movimento. Com isso, Palatnik mescla uma dinâmica de mídias, entre elas as oriundas de experiências ópticas, com base no cinema e na fotografia. São também desse período as formulações feitas pelos concretistas brasileiros nos anos de 1950 acerca da essência da linguagem, dos códigos e dos seus significados. Vale ressaltar que é por intermédio da arte concreta que se instaura no Brasil a reflexão sobre o impacto das mídias na arte e a problematização do uso de novos meios e suportes. O meio videográfico como prática de arte no Brasil tem origem no ano de 1956, por conta da intervenção e performance do artista Flávio de Carvalho (1899-1973) na televisão brasileira. Pesquisadores como Eduardo Kac e Rui Moreira Leite relatam apresentações performáticas de Flávio de Carvalho em programas de talk-show com o ator Paulo Autran e a atriz Tônia Carrero, conhecidas como Experiência social número 3, em que o artista produz uma performance diante das câmeras de televisão, transmitida ao vivo, surpreendendo a cidade de São Paulo ao mostrar na TV a “indumentária do futuro”, ou o traje “new look”, conforme noticia o jornal Diário de São Paulo de 19 de outubro de 1956. Embora não tenha sido possível a documentação videográfica de tal material2, existindo apenas

with the ideas of Russian and French avant-garde, found in Eisenstein, Man Ray, Fernand Léger and René Clair films, produced in the same period. The field of technological1 poetry in Brazil is associated not only with modernism in the movies but also with kineticism by means of precursor gestures by artists like Abraham Palatnik, who, back in the 1950’s, investigated the issue of space from the perspective of industrial progress and the production of moving machines. With that, Palatnik mixes a media dynamics, which included the ones coming from optical experiences, based on the movies and on photography. Also from that period are the formulations made by Brazilian concretists in the 1950’s about the essence of language, codes and their meanings. Remarkably, it is by means of concrete art that Brazil starts to reflect upon the impact of media on art and the issue of using new media and supports. The videographic medium as a practice of art in Brazil started in 1956, on account of the intervention and performance by artist Flávio de Carvalho (1899-1973) on Brazilian television. Researchers such as Eduardo Kac and Rui Moreira Leite recount performances by Flávio de Carvalho in talk shows with actor Paulo Autran and actress Tônia Carrero, known as Experiência Social número 3 (Social Experience number 3), where the artist makes a live performance in front of TV cameras, catching São Paulo City by surprise as he shows the “outfit of the future”, or the “new look” clothes as announced by the Diario de São Paulo on October 19, 1956. Though that material could not be documented on video2, and only photographic documentation is available to prove the feat, that intervention reveals a new starting point for

1. Termo designado por Arlindo Machado, segundo o qual abrange “todas as atividades culturais que lançam mão de novas tecnologias – holografia, vídeo, computador, redes telemáticas – para dar forma a novas ideias estéticas” (Machado, 2001. p. 57-58).

1. A term designated by Arlindo Machado, who says it covers “all cultural activities that rely on new technologies—holography, video,” computer, telematic networks—to shape new aesthetic ideas.” (Machado, 2001. p. 57-58).

2. Conforme explica Eduardo Kac, a televisão brasileira da época transmitia a programação sem registro, pois ainda não usava o videotape.

2. As Eduardo Kac explains, the Brazilian television of the time transmitted their program without any records, because videotapes were not available then.

23


documentação fotográfica que comprova tal façanha, essa intervenção revela um novo ponto de partida para o início das ações artísticas com o vídeo no Brasil. No período dos anos 1960, os neoconcretistas, numa outra corrente de pensamento, suscitam a desmistificação do objeto artístico e de sua unidirecionalidade. Em 1961, ao fazer a série Bicho, Lygia Clark torna-se uma das primeiras brasileiras a reivindicar a participação do espectador em regime de coautoria e a chamar a atenção para as infinitas possibilidades de recriação de um mesmo trabalho. É possível observar uma série de rupturas no painel brasileiro em relação ao modernismo e passagens para a contemporaneidade. Nessa direção, Hélio Oiticica afirma ser Tropicália (nome de uma obra sua realizada em 1967, que deu nome ao movimento tropicalista) a obra mais antropofágica da arte brasileira, porque propicia a definitiva derrubada da cultura universalista, criando um ideário próprio na condução do pensamento artístico no Brasil. Essas rupturas na arte trazem o foco para o indivíduo, para a vida cotidiana, para o fragmento, para os processos de apropriação, para a reciclagem, para a indústria cultural e para um novo repertório originado das mais diversas mídias de massa. A dimensão desse novo tipo de atitude híbrida e tropicalista marcou os mais variados campos: na literatura, José Agrippino de Paula publica PanAmérica (1967); na música, Caetano Veloso e Gilberto Gil empreendem o movimento da tropicália (19671968); no cinema, Andrea Tonacci realiza Bla Bla Bla (1968), Julio Bressane, Matou a família e foi ao cinema (1969) e Arthur Omar, Serafim Ponte Grande (1971). Renovar a concepção de arte no Brasil significa, nos anos de 1960, propor outras maneiras de se pensar o objeto artístico e a autoria, explorar a arte sob uma forma dessacralizada, movida pela apropriação, bem como proporcionar uma nova relação com o público (Buarque de Holanda e Gonçalves, 1984. p. 27) no agenciamento da obra, de ordem participativa. Hélio Oiticica apresenta, nesse contexto, sua proposta inovadora de abordagem da questão do ambiente por intermédio dos seus Penetráveis (1960) e Parangolés (1965), uma proposta imersiva, como um ambiente de trocas e de reconfiguração constante de significados. Em 1967, ele coloca em um dos seus penetráveis, ao final de um corredor labiríntico, um aparelho de TV ligado, com o qual o visitante experimenta o ambiente junto à programação televisiva de um canal de televisão broadcast. Esse gesto de Oiticica cria a segunda experiência do vídeo como prática de arte no Brasil: PN3 – Penetrável Imagético. Em PN3, Oiticica contesta a maneira passiva tradicional de assistir à televisão, criando novas possibilidades de contato com o meio televisivo e novas possibilidades de fruição. No início dos anos 1960, Wesley Duke Lee, em seu ideário Pop, introduz no Brasil os happenings (acontecimento, evento ou ação efêmera, fruto de improviso, participação espontânea do espectador e acaso) e, nessa perspectiva criativa, pro-

24

the onset of artistic actions with video in Brazil. In the 1960’s, on a new line of thought, neoconcretists entail the demystification of the artistic object and its unidirectionality. In 1961, as she makes the Bicho series (Animal), Lygia Clark becomes one of the first Brazilians to claim viewer participation in a regime of co-authorship and to call attention to the infinite possibilities of re-creating the same art piece. A series of disruptions may be observed in the Brazilian panel concerning modernism and passages to contemporariness. Along that line, Hélio Oiticica states that Tropicália (an art piece he made in 1967 that eventually named the tropicalist movement) was the most anthropophagic piece of Brazilian art because it enables the definitive debacle of universalist art, creating a mindset of its own in the conduction of artistic thinking in Brazil. These disruptions in art bring the focus to the individual, to everyday life, to the fragment, to the processes of appropriation, to recycling, to the cultural industry, and to a new repertoire stemming from the most diverse mass media. The dimension of this new type of hybrid and tropicalist attitude has marked the most varied fields: in literature, José Agrippino de Paula publishes PanAmérica (1967); in music, Caetano Veloso and Gilberto Gil engage in the Tropicália movement (1967-1968); in the cinema, Andrea Tonacci makes Bla Bla Bla (1968), Julio Bressane, Matou a família e foi ao cinema (1969) and Arthur Omar, Serafim Ponte Grande (1971). To renew the concept of art in Brazil means, in the 1960’s, to propose other ways to think the artistic object and authorship, to explore art in a desecrated manner, moved by appropriation, as well as to provide a new relation with the public (Buarque de Holanda and Gonçalves, 1984. p. 27) in marketing the oeuvre, of a participatory order. Hélio Oiticica presents, in this context, his innovative proposal to address the issue of the environment by means of his Penetráveis (Penetrables, 1960) and Parangolés (1965), an immersive proposal, as an environment of exchanges and constant re-configuration of meanings. In 1967, in one of his penetrables, at the end of a labyrinth-like corridor, he puts a turned-on TV set, with which the visitor experiences the environment alongside the television program of a television broadcast channel. This Oiticica gesture thus creates the second video experience as a practice of art in Brazil: PN3 – Penetrável Imagético. In PN3, Oiticica disputes the traditional passive manner of watching television, creating new possibilities of contact with the television medium and new fruition possibilities. In the early 1960’s, in his Pop mindset, Wesley Duke Lee introduces the happenings (ephemeral actions or events that are the outcome of improvisation, spontaneous participation of the spectator, and chance) in Brazil and, in this creative perspective, produces the piece O helicóptero


duz a obra O helicóptero, a terceira experiência de arte com o vídeo no Brasil. Entre agosto de 1967 e maio de 1969, Wesley Duke Lee concebe O helicóptero, uma videoinstalação, sob a forma de um ambiente multimídia, apresentada na exposição Dialogue Between the East and West, em junho de 1969, durante a inauguração do Museu de Arte Moderna de Tóquio, no Japão. Mais tarde, já no início dos anos de 1990, ele apresenta esse trabalho no Masp.3 Duke Lee insere na articulação dessa obra um circuito fechado de vídeo4 e proporciona, desse modo, uma intervenção efetiva do espectador/participante dentro do trabalho de arte por meio tecnológico. De forma pioneira e inédita, encontramos nessa proposição aquilo que pode ser considerado um embrião para as experiências instalativas no Brasil. O helicóptero de Duke Lee é um trabalho produzido como um circuito fechado de vídeo, sob a forma de um ambiente de 4m de diâmetro, em que há, além do circuito fechado de TV, “pinturas, espelhos e sons diferentes para cada ouvido” (Costa, 1992. p. 21). Para Cacilda Teixeira da Costa, o ambiente criado por Duke Lee revela-se uma paródia às máquinas e à tecnologia desenvolvida por Leonardo da Vinci, cujo objetivo “é induzir o espectador/participante a voar mentalmente e viajar para dentro de si” (op. cit, p. 21). Uma série de fatores impediu que O helicóptero de Wesley Duke Lee fosse apresentado no Brasil entre o ano de 1969 e 1992, mas o fator mais preponderante deve-se ao fato da alfândega brasileira não saber como lidar naquela época (final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, período em que não era permitida a entrada desse tipo de equipamento sem o pagamento de altas taxas de impostos) com a liberação do equipamento de vídeo para apresentação de práticas artísticas. O helicóptero de Duke Lee oferece o revés de um circuito de vigilância, numa experiência em que é dada ao visitante a oportunidade de partilhar sensorialmente tal aparato em vez de vivenciá-lo como sistema de controle social ou como uma prática de policiamento. O dispositivo em que se configura um circuito fechado de vídeo grava em tempo real a imagem do visitante, retransmitindo-a ao vivo no próprio ambiente em que ocorre a cena, permitindo ao visitante se ver, ao mesmo tempo ser visto, em tempo real dentro do trabalho. Como o Grande vidro (ou A Noiva Despida pelos seus celibatários, célebre instalação de Marcel Duchamp, produzida entre 1915 e 1923), trata-se de um modo de inserir o visitante de forma ativa para dentro de um sistema maquínico, dando-lhe a chance de conhecer o seu processo e engendramento criativo. O crítico, curador e historiador de arte Agnaldo Farias ressalta que os artistas brasileiros que atuaram ao longo desse período – “quando produzir arte significava operar na expansão do objeto artístico, seja pela apro-

(The helicopter), the third art experience with video in Brazil. Between August 1967 and May 1969, Wesley Duke Lee conceives O helicóptero, a videoinstallation, as a multimedia environment, presented in the exhibition Dialogue Between the East and West, in June 1969, during the inauguration of the Tokyo Modern Art Museum, in Japan. Later on, in the early 1990’s, he presents this art piece at the MASP3. In the articulation of this oeuvre, Duke Lee inserts a closed video circuit4 and thus provides an effective intervention of the spectator/participant within the work of art by a technological medium. In a pioneering and unprecedented manner, in this proposition we find that which can be considered an embryo for the installation experiences in Brazil. Duke Lee’s O helicóptero is a piece of work produced as a closed video circuit, in the form of a 4m diameter environment, where, apart from the closed TV circuit, there are “paintings, mirrors and different sounds for each ear” (Costa, 1992. p. 21). For Cacilda Teixeira da Costa, the environment created by Duke Lee reveals itself as a parody to the machines and to the technology developed by Leonardo da Vinci, whose objective “is to introduce the spectator/participant to mentally fly and travels inwards” (op. cit, p. 21). A series of factors kept Wesley Duke Lee’s O helicóptero from being presented in Brazil between 1969 and 1992, but the most prevailing factor is due to the fact that the Brazilian customs at that time (late 1960’s and early 1970’s, a period when this type of equipment was not allowed into the country without paying high excise rates) did not know how to clear the video equipment for the presentation of artistic practices. Duke Lee’s O helicóptero offers the counterpart of a surveillance circuit, in an experience where the visitor is given the opportunity of sensory sharing that apparatus instead of experiencing it as a system of social control or as a police practice. The device in which the closed video circuit is configured records the image of the visitor in real time, and broadcasts it live to the same environment where the scene takes place, enabling the visitor to see him/herself, and to be seen, in real time, within the very piece of work. Like the Grande vidro (or A Noiva Despida — The Fiacée Undressed — by her celibates, a renowned Marcel Duchamp installation, produced between 1915 and 1923), it is one way to actively insert the visitor in a machine-like system, giving him/her the chance to learn about the process and creative engendering. Critic, curator and art historian Agnaldo Farias underlines that the Brazilian artists who were active along that period —“when producing art meant operating in the expansion of the artistic object, even if it was by means of appropriating

3. Por meio de curadoria de Cacilda Teixeira da Costa, que posteriormente também resulta em vídeo de Walter Silveira, como uma leitura sensível sobre seu universo criativo.

3. By means of Cacilda Teixeira da Costa’s curatorship, which would later become a video by Walter Silveira, as sensitive reading of his creative universe.

4. Costa, Cacilda Teixeira da, Introdução e texto. Wesley Duke Lee. 2ª ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Arte e Cultura/Banco do Brasil., 1992, p.34.

4. Costa, Cacilda Teixeira da, Introdução e texto. Wesley Duke Lee. 2nd ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (Brazilian Institute of Art and Culture)/Banco do Brasil.,1992, p.34.

25


priação de coisas e imagens extraídas do cotidiano” – e que apostaram “numa relação mais próxima com o público”, assim o fizeram por se tratar também de um período político extremamente difícil pelo qual o país passava, a ditadura militar, e que “as obras abertas à manipulação conseguiam chegar aos museus e galerias junto da busca de lugares alternativos e de outros materiais e suportes expressivos, que punham em xeque a natureza e o papel da arte, de seu circuito, do aparato institucional que a legitimava e a veiculava” (Farias, 2002. p. 18). A partir de 1968, Waldemar Cordeiro investiga no Brasil processos de programação e digitalização da imagem e, em 1971, ele realiza a primeira exposição de arte por computador no país, intitulada Arteônica: o uso criativo de meios eletrônicos nas artes, na FAAP, em São Paulo. Sob a forma de um manifesto, Cordeiro escreve no texto de abertura do catálogo da exposição a seguinte afirmação: “As variáveis da crise da arte contemporânea são a inadequação dos meios de comunicação, enquanto transporte de informações, e a ineficácia da informação enquanto linguagem, pensamento e ação” (Cordeiro, 1985. p. 55).5 Waldemar Cordeiro instiga e problematiza novos circuitos para a arte sustentados pelo computador e pelas redes informacionais. Postula uma arte interdisciplinar, feita na convergência dos meios comunicacionais, sob o campo da relação homem-máquina, e propiciadora de uma nova cultura popular de massa substancializada pelos meios eletrônicos. Os gestos precursores de Limite a Tropicália produzidos pelas poé­ticas tecnológicas no Brasil são exemplos de um ideário próprio na condução do meio eletrônico e de suas relações com a arte contemporânea. Pela contaminação cultural e de linguagem, redimensionam as práticas midiáticas na arte a partir de uma visão limítrofe e descentralizada. É com essa nova atitude artística que surgem as primeiras experiências do vídeo no Brasil, como integrantes de uma plataforma plural e, como vimos, de um processo de mistura entre o cinema de vanguarda, o cinetismo, a performance, a televisão, o concretismo, o neoconcretismo, a música, o tropicalismo, o espírito pop, o conceitualismo, o computador e as artes visuais como um todo.

things and images extracted from everyday life”—and who bet on “a relationship that was closer to the public”, did so because it was also an extremely difficult political period that the country was going through, the military dictatorship, and that “the oeuvres open to manipulation managed to get to museums and galleries along with the search for alternative places and other expressive materials and supports, that checked the nature and the role of art, of its circuit, or the institutional apparatus that legitimated and expressed it” (Farias, 2001, p. 18). As of 1968, Waldemar Cordeiro investigates image programming and digitalization processes in Brazil and, in 1971, he holds the first computer art exhibition in the country, called Arteônica (Arteonics): the creative use of electronic media in the arts, at FAAP, in São Paulo. By means of a manifesto, Cordeiro writes the following statement in the opening text of the exhibition catalog: The variables of the contemporary art crisis are the inadequacy of the means of communication, as transport of information, and the inefficacy of information as language, thought and action (Cordeiro, 1985. p. 55)5. Waldemar Cordeiro instigates and problematizes new art circuits sustained by computer and information networks. He postulates an interdisciplinary art, made in the convergence of the means of communication, under the field of the manmachine relation, and an enabler of a new popular mass culture substantiated by the electronic media. The precursory gestures from Limite to Tropicália produced by the technological poetries in Brazil are examples of a mindset of their own in conducting the electronic medium and its relations with contemporary art. Through cultural and language contamination, they re-size media practices in art on the basis of a threshold and decentralized vision. It is with this new artistic attitude that the first video experiences appear in Brazil, as members of a plural platform and, as we have seen, of a process of mixture between avant garde movies, kineticism, performance, television, concretism, neoconcretism, music, tropicalism, the pop spirit, conceptualism, computer and plastic arts as a whole.

De dentro para fora da TV: os pioneiros 1970 O pensador argentino Tomás Maldonado, pioneiro do movimento da arte concreta em seu país, ao falar sobre a trajetória da arte ao longo do século XX na América Latina, revela a dialética sempre presente entre a noção de autonomia e heteronomia em relação à cultura europeia e norte-americana. Para ele, ao modo do poeta brasileiro Oswald de Andrade, há que se empreender gestos críticos e não submissos, ou seja, 5. O texto Arteônica foi originalmente apresentado no catálogo da exposição Arteônica: o uso criativo dos meios eletrônicos nas artes, São Paulo, março de 1971.

26

Inside out of TV: the pioneering 1970’s As he spoke of the trajectory of art along the 20th Century in Latin America, Argentinean thinker Tomás Maldonado, a pioneer in the concrete art movement in his country, reveals the always present dialectics between the notion of autonomy and heteronomy in relation to European and North American culture. To him, much like to the Brazilian 5. The text Arteônica was originally presented in the Arteônica exhibition catalog: the creative use of electroinic media in the arts. São Paulo, March 1971.


gestos antropófagos capazes de metabolizar a cultura do outro e, por conseguinte, torná-la híbrida. Se temos o ano de 1956 como a data da primeira intervenção artística com o vídeo no Brasil, por intermédio da performance midiática de Flávio de Carvalho na televisão, logo em seguida, nos anos de 1967 e 1969, temos os primeiros ambientes com o vídeo, como os de Hélio Oiticica (PN3 – Penetrável Imagético, 1967) e Wesley Duke Lee (O helicóptero, 1969). Dessas primeiras experiências até a década de 1980 acentuam-se pesquisas e ações artísticas com o vídeo sob diferentes perspectivas. Ao longo desse período, as práticas com o meio videográfico atingem um elevado grau de experimentação com a exploração das possibilidades expressivas da linguagem. No circuito dos meios de comunicação de massa, a televisão broadcast – um acontecimento público de caráter eminentemente político, cuja concessão de transmissão é dada pelos governantes – é largamente questionada nos anos de 1970 pelos artistas. Num país em conflito, sob a égide de um governo militar, ditatorial e promotor de censura política, surgem novas atitudes nos anos de 1970 diante da produção artística brasileira. Tais gestos influenciam de modo decisivo criadores com orientações conceituais, que acentuam deslocamentos nos circuitos tradicionais da arte por meio do circuito midiático, das performances e das mídias disponíveis até aquele momento. Nesse contexto, há a introdução da arte postal (arte produzida com fins específicos de circulação pelo correio), bem como do uso de uma profusão de mídias como o super-8, o 16 mm, o 35 mm, a fotografia, os diapositivos/audiovisuais, o xerox, o off-set e o computador. É nesse momento também que encontramos uma continuidade para os gestos pioneiros do vídeo no Brasil, cujos prenúncios advêm dos anos de 1950 e de 1960, com Flávio de Carvalho, Hélio Oiticica e Wesley Duke Lee. De acordo com o historiador Walter Zanini6, no mesmo período do ano de 1970 em que Artur Barrio participava da exposição Information Art, no MOMA de Nova York, com dois filmes experimentais, ele produziu também, muito provavelmente no mês de setembro, o vídeo-objeto De dentro para fora. Esse trabalho de Artur Barrio consistia da apropriação de um televisor colocado como um objeto, ou uma escultura, sobre um cubo de madeira coberto por um tecido transparente branco; a televisão transmitia repetitivamente a programação diária de um canal broadcast. De dentro para fora criticava o meio televisivo ao se apropriar de um produto da indústria cultural e nele inferir uma outra subjetividade, ou lógica sensível. Em 1973, Analivia Cordeiro, juntamente com a TV Cultura, realiza uma videodança intitulada M3x3. Esse trabalho é coreo­grafado e dirigido em tempo real especialmente para a televisão. A base da composição coreográfica (horizontal/vertical) é gerada com o auxílio de cálculos computacionais e en6. Em relato pessoal feito por telefone, em 2007, especialmente para essa investigação.

poet Oswald de Andrade, critical and non-submissive gestures are to be made, that is, anthropophagic gestures capable of metabolizing the culture of the other and, consequently, making it hybrid. If 1956 is the year of the first artistic video intervention in Brazil, by means of Flávio de Carvalho’s mediatic performance on TV, soon afterwards in 1967 and 1969, we have the first video environments, such as Hélio Oiticica’s (PN3 – Penetrável Imagético, 1967) and Wesley Duke Lee’s (O helicóptero, 1969). From these early experiences until the 1980’s, artistic research and actions with video from different perspectives become more intense. Along that period, practices with the videographic medium reach a high degree of experimentation as the expressive possibilities of the language are exploited. In the circuit of mass communication media, television broadcast—a public advent of an eminently political nature, whose transmission concession is given by the governing authorities—is largely challenged by the artists in the 1970’s. In a conflicting country, under the aegis of a military, dictatorial and politically censoring government, new attitudes come forth in the 1970’s in face of the Brazilian artistic production. These gestures have a decisive influence on conceptually oriented creative people, underlining shifts in the traditional circuits of art by means of the mediatic circuit, the performances, and the media available until then. In this context, postal art is introduced (with the specific purpose of circulating on mail) and a host of different media such as super-8, 16 mm, 35 mm, photography, slide/ audiovisual, photocopy, off-set, and computer. This is the moment when we also found continuity for the pioneering moves of video in Brazil, heralded since the 1950’s and 60’s, with Flávio de Carvalho, Hélio Oiticica, and Wesley Duke Lee. According to historian Walter Zanini6, just when in 1970 Artur Barrio participated in the Information Art exhibition at New York’s MOMA with two experimental films, he also produced, most likely in the month of September, the video-object De dentro para fora (Inside out). This art piece by Artur Barrio consisted of the appropriation of a television set placed as an object, or a sculpture, on a wooden cube covered by a white transparent fabric; the TV set repetitively transmitted the daily programs of a broadcast channel. De dentro para fora criticized the television medium as it appropriated a product from the cultural industry and inferred another subjectivity, or sensitive logic. In 1973, together with the TV Cultura, Analívia Cordeiro makes a videodance called M3x3. This oeuvre is choreographed and directed in real time especially for television. The base of the choreographed composition (horizontal/vertical) is generated with the support from

6. In a personal report made over the telephone, in 2007, particularly for this investigation.

27


tregue na forma de roteiro para o diretor de TV, que conduz o ponto de vista das câmeras pelo ritmo impresso em seu roteiro. Muito mais que uma coreografia, trata-se de um conjunto multimídia interligando dança, computador e vídeo. Embora o vídeo represente o mais puro campo do experimentalismo, uma tecnologia emergente, ou a vanguarda dos meios eletrônicos nos anos de 1970, o acesso aos equipamentos videográficos era muito restrito, sendo que, diferentemente de Analivia Cordeiro, a maior parte dos artistas pioneiros da videoarte no Brasil conseguiu acesso apenas a equipamentos de captação de imagem e som, sem, contudo, conseguir acesso a equipamentos de edição. Os equipamentos portáteis de vídeo disponíveis nos anos de 1970 eram raros e muito pesados (para os padrões atuais). Na maioria dos casos, os artistas utilizavam o Portapack7 da Sony, que ora lhes era disponibilizado por um amigo – vindo do exterior com a novidade –, ora por alguma instituição que o cedia para a produção específica de um trabalho. Quem aceitava o risco adquiria o Portapack clandestinamente. Em 1973, Hélio Oiticica aprofunda uma discussão sobre o não industrial em seus ambientes e introduz o conceito de Quase-cinema. Esse conceito designa a correlação de diversas mídias para a configuração de uma outra dimensão de linguagem – conhecida como arte intermídia – e a expansão do espaço de intervenção do artista para os meios de comunicação de massa.8 Oiticica cria, nesse mesmo período, as Cosmococas (1973), espaços vivenciais produzidos por meio de imagens, sons e variados elementos interativos. Esses trabalhos foram produzidos em parte nos Estados Unidos, sob a forma de ambientes multissensoriais. Há também nesse período pioneiro as pesquisas com diapositivos, cinema e vídeo de Antonio Dias durante a sua estada na Itália. As experiências de Dias integram a série The ilustration of art. Em 1971, ele realiza o vídeo experimental Music piece (12’) e, em 1974, Two musical models on the use of multimídia (15’). De acordo com o relato de Dias9, esses trabalhos foram realizados com equipamento Sony, em preto-e-branco. No caso do primeiro, ele não possui cópia, embora a fita matriz se encontre na Itália. No caso do segundo, ele possui uma cópia de rolo e a fita matriz está depositada no Arquivo Histórico da Bienal de Veneza. Em 1976, Dias realiza a filme-instalação A fly in my movie, que pode ser considerada um trabalho pioneiro e seguidor da mesma lógica sígnica em torno daquilo que denominamos hoje videoinstalação. Os procedimentos artísticos com o vídeo no Brasil nos anos de 1970 traduziam, em sua maior parte, o conceitualismo, a performance e a body art, assim como promoviam uma críti-

28

computer calculations and delivered in the form of a script to the TV director, who steers the cameras according to the rhythm printed on it. Much more than mere choreography, this is an interconnected multimedia ensemble of dance, computer and video. Though video represents the purest field of experimentalism, an emerging technology, or the avant garde of electronic media in the 1970’s, access to videographic equipment was rather restricted, and, unlike Analívia Cordeiro, most videoart pioneering artists obtained access only to image and sound capturing equipment, not to editing equipment. Portable video equipment available in the 1970’s were rare and fairly heavy (for current standards). In most cases, artists resorted to Sony’s Portapack7, which usually came to them by means of a friend who would bring it from abroad, or by some institution that lent it for the specific production of a single job. And those who were willing to take the risk would buy a Portapack clandestinely. In 1973, Hélio Oiticica delves into a discussion about the nonindustrial in his environments and introduces the concept of Quasi-cinema. This concept designates the correlation of various media for the configuration of another dimension of language—known as intermedia art—and the expansion of an artist’s intervention space to the means of mass communication8. In that same period, Oiticica creates the Cosmococas (1973), convivial spaces produced by means of images, sounds and various interactive elements. These pieces were produced, partly, in the United States, in the form of multisensory environments. In that pioneering period, also, there is Antonio Dias doing research with slides, cinema and video during his stay in Italy. Dias’s experiences compound the series The ilustration of art. In 1971, he makes the experimental video Music piece (12’) and, in 1974, Two musical models on the use of multimedia (15’). According to Dias’s report9, these oeuvres were made with Sony equipment, in black-and-white. There is no copy of the first one, thought the matrix tape is in Italy. There is a reel copy of the second one and the matrix tape is deposited in the Historical Archives of the Venice Biennial. In 1976, Dias makes the film-installation A fly in my movie, which can be considered a pioneering endeavor and a follower of the same signic logic around that which we now call videoinstallation. Artistic procedures with video in Brazil in the 1970’s translated, mostly, the conceptualism, the performance and the body art, just as they promoted criticism to TV and to the hegemonic channels of mass communication that,

7. Trata-se de “marca registrada do primeiro gravador/reprodutor portátil de meia polegada, fabricado pela Sony e responsável pelo sucesso do vídeo como meio de massa” (Machado, 1988. p. 216).

7. It is a “trademark of the first half inch portable player/recorder manufactured by Sony and responsible for the success of video as a mass medium” (Machado, 1988, p. 216).

8. Canongia, Ligia. Quase cinema: cinema de artista no Brasil, 1970/80. In: Arte brasileira contemporânea, Caderno de textos nº 2, cit., p. 9.

8. Canongia, Ligia. Quase cinema: cinema de artista no Brasil, 1970/80 In: Arte brasileira contemporânea, Caderno de textos nº 2, cit., p. 9.

9. Antonio Dias concedeu esse relato especialmente para a pesquisa de doutorado Extremidades do Vídeo, via internet, em 7 de julho de 2002.

9. Antonio Dias conceded this report especially for the doctorate research Extremidades do Vídeo, over the internet, on July 7, 2002.


ca à TV e aos canais hegemônicos de comunicação de massa que conviviam muitas vezes, naquele momento, com oficiais da Censura (funcionários públicos do Estado a serviço da Ditadura). A convite do historiador, curador e crítico de arte Walter Zanini, um grupo pioneiro participou, em 1974, da VIII Exposição Jovem Arte Contemporânea (8JAC’74), no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, e, em 1975, da mostra internacional Video Art, no Instituto de Arte Contemporânea, da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, EUA. Esse grupo, formado inicialmente por Anna Bella Geiger, Fernando Cocchiarale, Ivens Machado e Sonia Andrade, acrescido posteriormente pelas presenças de Letícia Parente, Miriam Danowski, Ana Vitória Mussi e Paulo Herkenhoff, reunia-se em torno de ações da videoperformance e das discussões conceituais do curso que Anna Bella Geiger promovia naquele período em seu ateliê e que acolhia uma série de artistas. Em 1976, por ocasião de uma mostra que a italiana Mirella Bentiolo organizava em Savoia, o grupo foi denominado Os conceituais do Rio.10 De acordo com Anna Bella Geiger, interessava trabalhar com o vídeo como um rascunho. Para ela11, esse tipo de experiência com o vídeo “não se tratava mais apenas do uso dos meios, das constituintes físicas do trabalho, mas de uma mudança, com o uso dessas mídias tecnológicas, de um outro teor” (Geiger, 2003. p. 76). Ela afirma: “[...] não necessariamente me interessa precisar ou determinar a priori o desdobramento do meu trabalho comprometido com seus meios técnicos, mas sim em termos da ideia, do conceito, isto sim, fundamental para mim” (op.cit., p. 75-76). Os primeiros trabalhos produzidos em 1975 por Letícia Parente (1930-1991) foram videoperformances como Preparação I, In e Marca registrada, que remetem à destruição da noção de um corpo meramente passivo e apontam para a urgência de um corpo ativo, que intervém de forma crítica. Em Marca Registrada, videoperformance de Letícia Parente, observamos um corpo feminino sentado num banco com as pernas cruzadas e um dos pés diante da câmera, no ambiente externo de uma casa. Nas mãos, agulha e linha preta. Com firmeza, a linha é passada pelo buraco da agulha e faz um nó em uma das pontas. A mão delicada, com as unhas pintadas de esmalte – em cor suave – deliberadamente inicia uma costura incomum. Aqui o suporte não é algodão ou linho, mas a própria pele da artista. Não há titubeios, são gestos precisos os de Letícia Parente em sua performance, em tempo real, frente a uma câmera de vídeo. Como resultado da ação, após dez minutos ininterruptos, sem cortes, vemos inscrito “Made in Brasil” na sola de seu pé. Segundo Parente, a marca registrada

back then, were often side by side with the Censors (public

10. Para uma melhor compreensão desse contexto, depoimentos de alguns dos artistas d’Os conceituais do Rio podem ser encontrados em Daisy Valle Machado Peccinini (org.). Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 1985.

10. For a better understanding of this context, statements by some artists from the Os conceituais do Rio may be found on Daisy Valle Machado Peccinini (org.). ARTE novos meios/multimeios – Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado, 1985.

11. Para uma melhor compreensão do trabalho de Anna Bella Geiger em vídeo, ler Anna Bella Geiger: um depoimento, em Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do video brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003, p. 76.

11. For a better understanding of the Anna Bella Geiger video oeuvre, please read Anna Bella Geiger: um depoimento, in Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do video brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003, p. 76.

servants at the service of the Dictatorship). At the invitation by historian, art curator and critic Walter Zanini, a pioneering group participated, in 1974, in the 8th Youth Exhibition of Contemporary Art (8JAC’74), in São Paulo’s Museum of Contemporary Art, and, in 1975, in the international Video Art exhibition, at the Institute of Contemporary Art in the University of Pennsylvania, Philadelphia, USA. Initially composed of Anna Bella Geiger, Fernando Cocchiarale, Ivens Machado and Sonia Andrade, and later increased to include Letícia Parente, Miriam Danowski, Ana Vitória Mussi and Paulo Herkenhoff, this group gathered around actions of videoperformance and the conceptual discussions held in the course promoted back then by Anna Bella Geiger in her studio that attracted a number of artists. In 1976, at the time of an exhibition organized by Mirella Bentiolo, from Italy, in Savoia, the group was named Os conceituais do Rio10 (The conceptuals of Rio). According to Anna Bella Geiger, it was interesting to work with video as a rough draft. For her11, this type of experience with video “was no longer the mere use of media, the physical constituents of work, but rather a change, with the use of those technological media,of another nature altogether” (Geiger, 2003. p. 76). She states, “[...] “[…] I am not necessarily interested in specifying or determining in advance the development of my work involved with its technical media, but rather in terms of the idea, the concept, this is what is crucial to me” (op.cit., p. 75-76). The early oeuvres produced in 1975 by Letícia Parente (1930-1991) were videoperformances such as Preparação I, In and Marca Registrada, which refer to the destruction of the notion of a merely passive body and point at the urgency of an active body, which intervenes in a critical manner. In Marca Registrada (Trade Mark), a videoperformance by Letícia Parente, we observe a female body sitting crosslegged on a bench with one foot sticking up in front of the camera, in the outer environment of a house. In her hands, a needle and black thread. The thread is firmly passed by the eye of the needle and a knot is tied at one end. The delicate hand, with fingernails painted in a light enamel color, deliberately starts an uncommon seamstress job. The support here is not cotton or linen, but the very skin of the artist. There is no hesitation; Letícia Parente makes precise gestures in her performance, in real time, in front of a video camera. As a result of the action, after ten subsequent minutes, without cuts, we see an inscription “Made in Brasil” on the sole of her foot. According to Parente, the trade mark

29


30

pode “se assemelhar ao ferro de posse do animal, mas ela também constitui a base de sua estrutura e acima da qual a pessoa sempre estará constituída em sua historicidade: quando de pé, sobre as plantas dos pés”.12 Nada mais simbólico para representar um sujeito dividido e atormentado por conflitos políticos, vivendo a mais pura crise de identidade. Sonia Andrade, uma das integrantes desse grupo carioca, faz, em 1976, sua primeira exposição individual no MAM-RJ e, no ano seguinte, apresenta uma série de oito videoperformances no MAC-USP. Conforme ela mesma destaca em sua biografia, sua produção artística inclui também trabalhos com outros meios, como desenho, fotografia, objetos, cartões-postais, sempre organizados em conjuntos e apresentados como instalações. Sonia Andrade é uma das artistas pioneiras mais inquietantes da videoarte no Brasil. Ela é proveniente da arte conceitual e integrou, em 1974, a exposição VIII JAC no MAC-SP, a primeira exposição em que a videoarte é apresentada oficialmente no Brasil. Sonia é também uma das introdutoras da videoinstalação no Brasil. Em 1977, convidada para a 14ª Bienal Internacional de São Paulo, realiza Os caminhos, os habitantes, o espetáculo, a obra, um trabalho que consiste em quatro etapas. Na primeira delas – conforme a sinopse escrita por Andréas Hauser –,13 num mapa antigo assinala-se o caminho do Rio de Janeiro para São Paulo até o local de exposição da Bienal. Na segunda etapa, a artista envia antigos postais do Brasil (do período de 1900 a 1960) a membros da organização da exposição, solicitando-lhes que os levassem ao local da instalação e lá os afixassem. Na terceira etapa, Sonia insere no espaço da instalação um monitor que exibe um vídeo com a documentação dos postais sendo enviados. Esse conjunto interligado de ações, disponibilizado no ambiente da exposição, compõe aquilo que a artista define como a quarta etapa ou a videoinstalação em si. Entre 1975 e 1978, em São Paulo, também impulsionados por Walter Zanini, ocorrem importantes e pioneiras produções em torno de artistas de base conceitual como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Gabriel Borba, Donato Ferrari, Marcelo Nitsche e Gastão de Magalhães, que se reuniam no MACUSP. A historiadora e crítica de arte Cacilda Teixeira da Costa ressalta a importância que teve na produção brasileira a compra para o MAC-USP, em 1977, de um equipamento de vídeo por meio de seu então diretor Walter Zanini. Em seguida à compra do equipamento, há a criação do Setor de Vídeo no museu, coordenado por ela. Esse setor foi organizado como um pequeno núcleo que seguia as orientações de Zanini, cujos objetivos eram: o estudo histórico do vídeo desde suas primeiras aplicações como uma mensagem artística e a organização

may be “similar to a brazen mark on an animal, but it is

12. Texto que integra a sinopse de seu trabalho, escrito pela própria artista, que foi gentilmente oferecido para a pesquisa de doutorado Extremidades do Vídeo, por intermédio de seu filho André Parente, em julho de 1998.

12. Text contained in the synopsis of his oeuvre, written by the very artist, which was kindly offered for the doctorate research work Extremidades do Video, by means of his son André Parente in July 1998.

13. Em Daisy Valle Machado Peccinini (org.). Arte Novos Meios/Multimeios – Brasil 70/80. São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, 1985, p.26.

13. In Daisy Valle Machado Peccinini (org.). ARTE Novos meios/multimeios – Brasil 70/80. São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, 1985, p.26.

also the base of her structure and above which the person will always be constituted in her historicity: when standing on the soles of her feet”12. There is nothing more symbolic to represent someone divided and tormented by political conflicts, living the purest sort of an identity crisis. A member of this Rio de Janeiro group, Sonia Andrade makes her first individual exhibition at MAM-RJ in 1976 and, in the following year, presents a series of eight videoperformances at MAC-USP. As she points out in her biography, her artistic production also includes work with other media, such as drawing, photography, objects, postcards, always organized in sets and presented as installations. Sonia Andrade a most restless pioneer of videoart in Brazil. She stemmed from conceptual art and joined, in 1974, the 8JAC exhibition at MAC-SP, the one where videoart is officially introduced in Brazil. Sonia also introduces videoinstallations in Brazil. In 1977, invited for the 14th International Biennial in São Paulo, she makes Os caminhos, os habitantes, o espetáculo, a obra, an art piece that consists of four steps. In the first one, according to the synopsis written by Andréas Hauser13, the road from Rio de Janeiro to São Paulo is highlighted on an old map all the way to the venue of the Biennial. In the second step, the artist sends old postcards from Brazil (dated between 1900 and 1960) to the organizers of the exhibition requesting them to take the postcards to the venue of the installation and to affix them there. In the third step, Sonia inserts a monitor in the space of the installation exhibiting a video with the complete documentation of the postcards being sent. This interconnected series of actions, placed in the venue of the exhibition, composes that which the artist defines as the fourth step or the videoinstallation itself. Between 1975 and 1978, in São Paulo, also encouraged by Walter Zanini, there are important and pioneer productions around conceptual artists such as Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Gabriel Borba, Donato Ferrari, Marcelo Nitsche and Gastão de Magalhães, who used to meet at MAC-USP. Art historian and critic Cacilda Teixeira da Costa underlines the importance, for the Brazilian production, of the MAC-USP acquisition in 1977 of a video equipment by the then director Walter Zanini. Following the purchase of the equipment, the museum Video Sector is created under her coordination. This sector was organized as a small nucleus that followed Zanini’s guidance, and the objectives were: to study the history of video, from the early applications as an artistic message and the organization of an information and documentation center; to hold exhibitions specifically


de um centro de informação e documentação; realização de exposições dedicadas especificamente a trabalhos em vídeo; organização de uma área operacional para a pesquisa dos artistas em colaboração com o museu (Costa, 2003. p.70-73). Entre as experiências mais limítrofes com o vídeo no Brasil nesse período, é possível exemplificar o trabalho Where is South América?, realizado em 1975 por José Roberto Aguilar. Nesse vídeo, ele empreende, num misto de documentário, ficção e reportagem, em uma procura multicultural, multifacetada e não linear de diferenças e identidades entre as duas Américas, a do Norte e a do Sul. Convidado em 1977 pela 14ª Bienal Internacional de São Paulo, Aguilar realiza o trabalho Circo Antropofágico, em que dois totens de TVs – com duas fontes diferenciadas de vídeo – entrecruzam apresentações de videoarte, teatro, música e performance, gerando uma nova categoria expressiva: a videoinstalação performática. Já ao final da década de 1970, surge a produção de Geraldo Anhaia Mello e Artur Matuck, também em São Paulo. Este último empreendeu em boa parte de sua produção inicial documentários ecológicos e ficções, realizados no período em que foi estudar nos Estados Unidos. Um introdutor de experimentações não tradicionais com o vídeo, o artista e pesquisador Artur Matuck realiza desde o início dos anos 1970 trabalhos no campo da arte-comunicação. Convidado em 1983 a participar da 17ª Bienal Internacional de São Paulo, sob curadoria de Walter Zanini, apresenta Alpha Centauri Stelo Binara, Ataris Vort no Planeta Megga e Teksto Televidisto. Esses trabalhos são videoinstalações associadas a sistemas de transmissão de televisores, câmeras, áudio, laser, hologramas e uma série de outros elementos disponibilizados no ambiente, que permitiam ao público alterar e manipular as imagens. Matuck vem desenvolvendo até hoje aquilo que denomina arte sistêmica, com o objetivo de gerar cada vez menos um enunciado e cada vez mais um sistema ou um evento comunicacional. Entre 1979 e 1980, Paulo Bruscky e Regina Vater realizam no Recife e em Olinda experiências conjuntas com a câmera de vídeo, no sentido de “desmistificar o seu papel de registro técnico neutro e objetivo” (Bruscki, 2003. p. 83-84).

dedicated to video work; to organize an operational area for

Passagens para os 1980

The pioneering period of video in the 1970’s in Brazil

artists’ research in collaboration with the museum (Costa, 2003. p.70-73). From the most borderline experiences with video in Brazil during that period, examples would include Where is South America?, na art piece made in 1975 by José Roberto Aguilar. In this video, he mixes documentary with fiction and report, in a multicultural, multifaceted and non-linear search for differences and identities between both North and South America. Invited in 1977 by the 14th International São Paulo Biennial, Aguilar does the Circo Antropofágico, where two TV totems — with two differentiated sources of video — pervade videoart, theater, music, and performance presentations, generating a new expressive category: the performance videoinstallation. In the late 1970’s, Geraldo Anhaia Mello and Artur Matuck’s production appear, also in São Paulo. The latter, in a good portion of his initial production, when he was studying in the United States, made ecological documentaries and fiction. An introducer of non-traditional experimentations with video, artist and researcher Artur Matuck has worked in the field of art-communication since the early 1970’s. Invited to participate in São Paulo’s 17th International Biennial, in 1983, with curatorship by Walter Zanini, he presents Alpha Centauri Stelo Binara, Ataris Vort no Planeta Megga and Teksto Televidisto. These are videoinstallations associated to transmission systems in television sets, cameras, audio, laser, holograms, and a host of other elements from the environment, which enabled the public to change and manipulate the images. Matuck has developed, to date, that which he calls systemic art, in order to generate one less heading and one more communicational system or event. Between 1979 and 1980, Paulo Bruscky and Regina Vater conduct joint experiences with a video camera in Recife and in Olinda in order to “demystify” its role as a neutral and objective technical record” (Bruscki, 2003. p. 83-84).

Passages into the 1980’s

is often viewed as isolated from the context of the

O período pioneiro do vídeo nos anos de 1970 no Brasil é muitas vezes analisado como isolado do contexto dos anos 1980. É necessário, porém, chamar a atenção para algumas conexões ou interfaces entre as experiências realizadas nas duas décadas. Nessa direção, podemos mencionar a produção artística de Rafael França, Otávio Donasci e Roberto Sandoval. No Brasil, é também nos anos de 1980 que as videoinstalações ganham um percurso profícuo. É quando a imagem sai da tradicional caixa de TV e faz os espaços instalativos com o vídeo

1980’s. It is necessary, however, to call attention to some connections or interfaces between the experiences carried out in both decades. In that sense, we may mention the artistic production by Rafael França, Otávio Donasci and Roberto Sandoval. In Brazil, it is also in the 1980’s that videoinstallations achieve a fruitful outlook. This is when the image leaves the traditional TV box and makes video installation spaces look often like the video walls (“the way salespeople pile TV sets one over the other on

31


asssemelharem-se muitas vezes a video walls (paredes de vídeo, “à moda dos vendedores de aparelhos de TV que os empilham uns sobre os outros para expô-los nas lojas”14). É nesse contexto que surge experiências como as do artista Rafael França (1957-1991). Rafael França idealizou um grande conjunto poético em torno da produção de vídeos e videoinstalações. Entre 1980 e 1981, ele faz suas primeiras três videoinstalações: Televisions sets (na Cooperativa de Artistas Plásticos de São Paulo), Polígonos regulares (na Pinacoteca do Estado, em São Paulo) e Third commentary (no Espaço NO, em Porto Alegre). Conforme analisa Helouise Costa sobre a obra de França: “Nesses trabalhos, ele empregou o recurso do circuito fechado de TV, em que séries de televisores interligados apresentavam um mesmo elemento geométrico em negro – um quadrado, um retângulo ou uma linha [...]. A pesquisa geométrica de Rafael França se situa na busca do momento fundante em que a geometria torna possível a criação do espaço, e é por isso que ele volta frequentemente o seu interesse para a história da arte, mais especificamente”.15 Em 1982, França apresenta Carta 23, na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, e Commentary IX, no Instituto de Arte de Chicago. Em 1984, ele realiza Projections (Homage a Holbein) e também a videoinstalação/performance Can you not hear the dreadful screaming all around that most people usually call silence?, como trabalho final de seu mestrado em vídeo em Chicago, época em que França abandona a problematização direta da geometria e incorpora o uso de novas tecnologias de controle de sistemas de vídeo por computador, o que lhe permite dispor, em suas novas videoinstalações, de diferentes imagens em diversos aparelhos, que interagem segundo intervalos de tempos programados.16 Em seus vídeos experimentais, misto de narrativas ficcionais, documentais e pessoais, geralmente França se autorreferencializava. Num trabalho complexo entre som, imagem e texto, ele realiza, de Du vain combat (1983) a Prelúdio de uma morte anunciada (1991), um conjunto de obras baseadas em relações polares, como as de vida e morte, amor e ódio, silêncio e ruído, sim e não, como campos que se interpenetram dialeticamente. Nos anos 1980, Otávio Donasci aprofunda sua pesquisa em meios eletrônicos advinda dos anos 1970, na medida em que intervém de forma mais direta no processo de captação e edição da imagem e do som. Donasci gera em 1981 as suas primeiras videocriaturas17 e desenvolve, desde então, a sua poética em torno das videoperformances interativas. Donasci trabalha sobre o conceito teatral de máscara. Como para ele o

their shopwindows”14). It is in this context that experiences like artist Rafael França’s appear (1957-1991). Rafael França conceived a vast poetic array around the production of videos and videoinstallations. Between 1980 and 1981, he makes his first three videoinstallations: Televisions sets (in the São Paulo Cooperative of Visual Artists), Polígonos regulares (in the São Paulo State Art Gallery) and Third commentary (in the Space NO, in Porto Alegre). As Helouise Costa analyses França’s oeuvre: “In these art pieces, he resorted to TV closed circuit, where series of interconnected television sets presented a single geometric element in black—a square, a rectangle or a line […]. Rafael França’s geometric research revolves around a search for the founding moment when geometry enables the creation of the space, and this is why he often turns his interest to the history of art, more specifically15. In 1982, França presents Carta 23, at the São Paulo State Art Gallery, and Commentary IX, at the Chicago Art Institute. In 1984, he makes Projections (Homage a Holbein) and also the videoinstallation/performance Can you not hear the dreadful screaming all around that most people usually call silence?, as a final paper for his master studies on video in Chicago, a time when he abandons the direct issue of geometry and incorporates new video system computer control technologies, which allow him to use, in his new videoinstallations, different images in various devices that interact according to pre-scheduled time intervals16. In his experimental videos, a mix of fictional, documental, and personal narratives, França usually engaged in selfreferencing. In a complex endeavor between sound, image, and text, he from Du vain combat (1983) to Prelúdio de uma morte anunciada (1991), an ensemble of oeuvres based on polar relations, such as life and death, love and hatred, silence and noise, yes and no, like fields that dialectically penetrate each other. In the 1980’s, Otávio Donasci elaborates on his 1970’s research into electronic media, insofar as he more directly intervenes in the process of capturing and editing image and sound. In 1981, Donasci generates his first videocreatures17 and has, since then, developed his own poetics around interactive viceoperformances. Donasci works on the theatrical concept of mask. Since the material of his time is, for him, the electron, he develops virtual electronic faces that are applied over the real face, like a second skin. In his first videocreatures, Otávio Donasci constructs 14. Rush, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 121.

14. Rush, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 121.

32

15. Costa, Helouise. Sem medo da vertigem – Rafael França. São Paulo: Paço das Artes. 1997, p. 54.

15. Costa, Helouise. Sem medo da vertigem – Rafael França. São Paulo: Paço das Artes. 1997, p. 54.

16. Ibid, p. 59

16. Ibid, p. 59

17. Videocriatura é, em descrição do próprio Otávio Donasci, um ser híbrido gerado a partir de máscaras eletrônicas, criadas com monitores de vídeo e acopladas ao corpo de performers por intermédio de próteses ortopédicas. Esse seu projeto poético vem sendo desenvolvido desde a década de 1980 até a atualidade, por meio de centenas de atuações e performances diferentes entre si, que são apresentadas tanto no Brasil quanto no exterior. Para um maior aprofundamento, procurar em http://www.videocriaturas.hpg. com.br

17. Videocreature is, as described by Otávio Donasci himself, a hybrid being generated from electronic masks created with video monitors coupled to the bodies of performers by means of orthopedic prosthesis. This poetic project has been developed since the 1980’s to date, by means of hundreds of different actions and performances, which are presented both in Brazil and abroad. For further information, please visit http://www. videocriaturas.hpg.com.br.


material do seu tempo é o elétron, ele desenvolve rostos virtuais eletrônicos que são aplicados sobre o rosto real, como uma segunda pele. Em suas primeiras videocriaturas, Otávio Donasci constrói máscaras eletrônicas a partir de televisores preto-e-branco fixados na cabeça, orientados de modo “vertical” (formato denominado por ele como “retrato”), acompanhando o formato do rosto e ligados por cabos a um videocassete ou câmera low-tech (de baixa performance tecnológica), único equipamento acessível a ele na época. Conforme explica, o figurino é uma malha preta de bailarino ou ginasta que, com um capuz do mesmo material cobre todo o equipamento agregado ao corpo e ao mesmo tempo, pela semitransparência, dá visão ao performer, permitindo sua movimentação pelo espaço. Desenvolvido desde os anos de 1980, esse ser híbrido criado por Donasci ainda hoje causa estranhamento. Como uma interface homem-máquina, mistura de vídeo, teatro e performance, revela o próprio princípio da intermídia, em que o trânsito existente entre uma e outra linguagem é capaz de conceber uma nova categoria expressiva. Vale ressaltar também a importância que têm – nesse momento de passagem entre os anos de 1970 e 1980, por volta de 1977 – as iniciativas de Roberto Sandoval em São Paulo e sua escola de Artes Visuais (Áster), que, de acordo com Cacilda Teixeira da Costa, reuniu Walter Zanini, Julio Plaza, Regina Silveira e Donato Ferrari como sócios, transformando-se mais tarde na experiência da produtora de vídeo Cockpit. A Áster é uma iniciativa importante no campo das artes visuais no Brasil, pois além de promover a produção, a exibição e a discussão crítica da videoarte (num momento que pouquíssimas instituições culturais apoiavam isso), promove também a própria produção experimental e abstrata de Roberto Sandoval, colocando artistas, como Regina Silveira e Julio Plaza, pela primeira vez em contato com os equipamentos de edição e pós-produção de imagem e som. Como resultados, são realizadas novas experiências de Regina Silveira com o vídeo (para além das empreendidas entre 1975 e 1978), como Sobre a mão (1980), A arte de desenhar (1980) e Morfas (1981). Até então inacessíveis aos artistas do Brasil, esses equipamentos geram uma nova relação simbólica entre os elementos estruturalizantes do vídeo por conta dos recursos rítmicos e temporais que disponibilizam, dos efeitos visuais e da montagem sincronizada da imagem com o som.

electronic masks from black and white television sets fixed on the head, vertically oriented (a format he called “portrait”) along the shape of the face and connected by cables to a low-tech videocassette or camera, the only type of equipment he had access to at the time. As he explains, the costume is a dancer’s or athlete’s black jersey that covers, with a hood of the same material, all of the equipment connected to the body and, at the same time, because of the semi-transparence, allows it to move in space. Developed since the 1980’s, this hybrid creation by Donasci still causes people to feel discomfited. As a man-machine interface, a mix of video, theater and performance, it reveals the very principle of intermedia, where the transit between one language and the other can actually conceive a new expression category. It is well to underline the importance, in a turning point between 1970 and 1980, of Roberto Sandoval’s 1977 initiatives in São Paulo and his Visual Arts school (Áster), which, according to Cacilda Teixeira da Costa, brought Walter Zanini, Julio Plaza, Regina Silveira, and Donato Ferrari as partners, in which later became the experience of the Cockpit video producer. Aster is an important initiative in the field of visual arts in Brazil, because not only did it promote the production, exhibition and critical discussion of videoart (when very few cultural institutions supported that) but it also promoted Roberto Sandoval’s experimental and abstract production, putting artists such as Regina Silveira and Julio Plaza in contact, for the first time, with image and sound editing and post-production equipment. As a result, Regina Silveira’s new experiences with video are made (further than those made between 1975 and 1978), including Sobre a mão (1980), A arte de desenhar (1980) and Morfas (1981). Inaccessible to Brazilian artist until then, this type of equipment generate a new symbolic relation between the structuring elements of video on account of the rhythmic and temporal resources, the visual effects and the synchronized assembling it enables between image and sound.

The independent video The big change with experimental production on video in

O vídeo independente

Brazil is enhanced along the 1980’s, when less hegemonic forms of production come into existence, such as local small range TV stations as well as community and free access

A grande mudança com a produção experimental em vídeo no Brasil é aprofundada ao longo dos anos de 1980, quando passam a existir formas menos hegemônicas de produção, como as televisões locais de pequeno alcance, as TVs comunitárias e de livre acesso, que despertam o interesse dos produto-

television, that will have independent producers interested in not only challenging the television medium but also qualitatively intervening on it. This phenomenon is called independent video. As it increases access to the production and dissemination

33


res independentes em não apenas questionar o meio televisivo como também nele intervir qualitativamente. Esse fenômeno é denominado como vídeo independente. Na ampliação do acesso à produção e difusão da informação, o poder comunicativo do vídeo é utilizado pelos criadores independentes na década de 1980 como ferramenta crítica na discussão do mundo contemporâneo e na exploração dos conceitos e particularidades da sua linguagem. As discussões em torno da arte eletrônica são ampliadas durante todo esse período. Enquanto os artistas dos anos 1970 revelam uma resistência e consciência crítica em torno do poder autoritário da mídia televisiva, a geração que surge nos anos 1980 – que, diferentemente da geração anterior, cresceu vendo TV – busca, por outro lado, acrescentar a essa perspectiva crítica uma linguagem própria para o meio e gerar alternativas estéticas de se relacionar com essa prática de forma ampliada agora à larga escala dos meios de comunicação de massa e ao espaço social. Grandes mentores das práticas artísticas com o vídeo nesse período no Brasil são figuras como Chacrinha, apresentador de programas de auditório de TV, e o cineasta Glauber Rocha. Eles exploram ao máximo o ruído da informação, a imagem conflituosa, a ruptura das regras tradicionais de se comportar diante de uma câmera de TV e a comunicação ao vivo permitida pela mídia de rede. Ambos conseguem, com suas participações libertárias na televisão brasileira, dizer que existe uma forma de produzir pensamento audiovisual não originado nem no cinema, nem nas regras rígidas concebidas pela própria televisão. Antes de tudo, eles chamam a atenção para o fato de que há uma nova linguagem a ser descoberta: o vídeo. Vale ressaltar também o lançamento em 1982, no mercado brasileiro, dos primeiros videocassetes domésticos fabricados no Brasil utilizando o formato VHS, de 1/2 polegada. Embora o videocassete já tivesse sido incorporado desde os anos de 1970 no Brasil, é por meio dessa iniciativa da Sharp que ele de fato se dissemina como equipamento doméstico nos lares brasileiros. Junto ao maior acesso ao videocassete doméstico por parte do público consumidor, há também o lançamento no mercado nacional, pela própria Sharp, das primeiras câmeras VHS de vídeo comercializadas de forma oficial no Brasil. Essa oferta da indústria permite que haja pouco a pouco a substituição dos processos caseiros de captação e edição de imagens em super-8 pela captação e edição de imagens em vídeo. Tal tipo de fenômeno permite também um maior acesso às explorações com o meio eletrônico. É nesse momento que artistas como Moysés Baumstein, com uma larga produção experimental em super-8, adotam o meio videográfico em suas criações. Baumstein migrou não apenas do cinema para o vídeo, mas também para a holografia, campo em que desenvolveu um trabalho pioneiro no Brasil. Diana Domingues, artista que atua no campo das novas tecnologias, inicia sua trajetória artística no meio videográfico.

34

of information, the communicative power of video is used by independent creators in the 1980’s as a critical tool in discussing the contemporary world and exploring the concepts and particularities of its language. Discussions around the electronic art are expanded during the entire period. While artists in the 1970’s reveal resistance and critical awareness of how authoritarian the television medium can be, the 1980’s generation that grew up in front of a TV set, unlike its preceding generation, tries, on the other hand, to add an appropriate language to this critical perspective and to generate aesthetic alternatives to relate with this practice in a manner that is now increased to the scale of the mass communication media and to the social space. Great mentors of artistic practices with video in that period in Brazil include famous TV talk show host Chacrinha and moviemaker Glauber Rocha. They thoroughly explore the din of information, the conflicting image, the breaking of traditional rules on how to behave in front of a TV camera and the live communication enabled by network media. With their libertarian participation on Brazilian television, they both manage to say that there is one way to produce audiovisual thinking originated neither from the cinema nor from the strict rules conceived by the very television. More than anything else, they call attention to the fact that there is a new language to be discovered: Video. It is also worth pointing at the 1982 launch in the Brazilian market of the early household ½ inch videocassette recorders manufactured locally with the VHS format. Though videocassettes had already been incorporated in Brazil since the 1970’s, it is by means of this Sharp initiative that it indeed gets a foothold as a household appliance. Together with this greater consumer access to household videocassette recorders, there is also Sharp’s launch nationwide of the first official VHS video cameras in Brazil. This industry offer allows for gradual replacement of homemade processes of capturing images on super-8 with capturing and editing images on video. That type of phenomenon also allows for greater access to explorations with the electronic medium. It is at this moment that artists like Moysés Baumstein, with vast experimental super-8 production, adopt the videographic medium in their creations. Baumstein migrated from the cinema not only to video but also to holography, a field where he developed pioneer work in Brazil. Diana Domingues, an artist working in the field of new technologies, starts her artistic trajectory in the videographic medium. In 1983, she makes her first videoinstallation called Eletrobjetos, which was presented in the Space NO (Nervo Óptico), in Porto Alegre. In 1984, Analivia Cordeiro makes a videodance by means of slow scan television. According to Arlindo Machado, it is a


Em 1983, realiza sua primeira videoinstalação intitulada Eletrobjetos, que foi apresentada no Espaço NO (Nervo Óptico), em Porto Alegre. Em 1984, Analivia Cordeiro realiza uma videodança por intermédio da televisão de varredura lenta. Conforme Arlindo Machado, trata-se de um “dispositivo de produção e distribuição de imagem eletrônica fixa, em que a velocidade de varredura é bem mais lenta que a do vídeo convencional” (MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1988, pp. 221.), em voga nos anos de 1980, sendo a sua mensagem transmitida por telefone. A videodança de Analivia Cordeiro intitula-se Slow-billie scan, apresentada no MIS-SP. No final dos anos 1980, Cordeiro concebe também uma coreografia para a performance multimídia Videovivo de Otávio Donasci. Com aproximadamente 15 minutos, o trabalho foi apresentado pela primeira vez em 1988 no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e pela segunda vez em 1989 na 20ª Bienal Internacional de Artes de São Paulo. A performance foi baseada em roteiro criado por Donasci, em que uma mulher imaginária e um homem se entrelaçam num jogo erótico entre o real e o virtual. O projeto foi desenvolvido a partir de estudos de Donasci orientados pelo teórico e músico contemporâneo Hans Joachin Koellreuter. Vale ressaltar também a chegada, nesse momento, no Brasil dos equipamentos portáteis semiprofissionais, como o U-Matic, de 3/4 de polegada. Esses equipamentos, por terem um custo bem menor do que os profissionais (que integram o parque industrial dos conglomerados de comunicação), permitiram o acesso a novos profissionais do meio, independentes das grandes redes de comunicação. É nesse momento que surgem iniciativas coletivas voltadas à articulação de novas formas de explorar a linguagem audiovisual, encontradas no germe daquilo que virá a ser conhecido como as produtoras independentes de vídeo. Como exemplo significativo entre essas iniciativas podemos citar, entre muitas outras, o vídeo independente apresentado pelas produtoras TVDO e Olhar Eletrônico, ambas sediadas em São Paulo.

“fixed electronic image production and distribution device, where the scanning speed is a lot slower than conventional video” (MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1988, pp. 221.), popular in the 1980’s, whose message was transmitted over the telephone. Analivia Cordeiro’s videodance is called Slow-billie scan, presented in the MIS-SP. In the late 1980’s, Analivia also conceives a choreography for Otávio Donasci’s multimedia performance Videovivo. Lasting approximately 15 minutes, the piece was first presented in 1988 at São Paulo’s Contemporary Art Museum and then in 1989 at São Paulo’s 20th International Biennial of Arts. The performance was based on a script created by Donasci, where an imaginary woman and man engage in erotic games between what’s real and what’s virtual. The project was developed from Donasci’s studies guided by contemporary theoretician and musician Hans-Joachim Koellreutter. It is also important to note the arrival, at that moment, of semi-professional portable equipment in Brazil, such as the ¾ inch U-Matic. Of lower cost than the professional equipment (composing the industrial base of communication conglomerates), they enabled access to new professionals in the field, independent from the major communication networks. That is the moment when collective initiatives focused on articulating new forms of exploiting the audiovisual language, found in the stem of that which will come to be known as independent video producers. As a significant example of such initiatives, among many others, the independent video presented by São Paulo producers TVDO and Olhar Eletrônico could be mentioned.

TVDO and Olhar Eletrônico: groups of collective creation TVDO was created in 1979 within USP’s School of Communications and Arts by Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes, and Paulo Priolli. It was outlined in mid

TVDO e Olhar Eletrônico: grupos de criação coletiva

1980’s with the presence of Pedro Vieira instead of Paulo Priolli. It is a plural and interdisciplinary experience that was inserted both in the videoart discussions (such as in Ateliê

A TVDO foi criada em 1979 dentro da Escola de Comunicações e Artes da USP por Tadeu Jungle, Walter Silveira, Ney Marcondes e Paulo Priolli. Ela se configurou em meados dos anos 1980 com a presença de Pedro Vieira no lugar de Paulo Priolli. Trata-se de uma experiência plural e interdisciplinar que se inseriu tanto nas discussões da videoarte (como em Ateliê de TV, Bvcetaz Radcayz, Pograma do Ratão [sic], Teleshow de Bola, Quem Kiss Teve, Ivald Granato in Performance e Duelo dos Deuses) quanto no circuito comercial da TV (como as participações nos programas Mocidade Independente e 90 Minutos, na TV

de TV, Bvcetaz Radcayz, Pograma do Ratão [sic], Teleshow de Bola, Quem Kiss Teve, Ivald Granato in Performance and Duelo dos Deuses) and in commercial TV circuits (such as the participations in the programs Mocidade Independente and 90 Minutos, on TV Bandeirantes; Avesso and Fábrica do Som, on TV Cultura; and Realidade, on TV Gazeta) and, also, in the creation of the video school The Academia Brasileira de Vídeo. According to Tadeu Jungle, when the dictatorship in Brazil was in ashes, TVDO’s motto was “‘everything can be a TV program’. Everything. Whatever happened, was TV; and if it

35


36

Bandeirantes; Avesso e Fábrica do Som, na TV Cultura; e Realidade, na TV Gazeta) e, ainda, na criação da escola de vídeo The Academia Brasileira de Vídeo. De acordo com Tadeu Jungle, em pleno momento de cinzas da ditadura no país, o lema da TVDO era “‘tudo pode ser um programa de televisão’: Tudo. O que acontecia era; o que não acontecia também era TV. Para nós, não havia limites. Achávamos que podíamos tudo. Nascemos no meio acadêmico batizados pela cultura de massa, principalmente pela televisão. Eram ainda tempos de ‘filme de autor’, lembranças da tropicália, e vídeo era apenas o nome de uma fita. No nosso caldeirão de referências havia J. R. Aguilar, Glauber Rocha, Godard, Eisenstein, Dziga Vertov, Augusto de Campos, Maiakovski, Zé Celso Martinez Corrêa, Oswald de Andrade, Caetano Veloso, Rolling Stones e, em lugar de honra, Chacrinha.”18 Em 1983, a TVDO realiza Frau, como uma forma dessacralizadora de linguagem para o vídeo. Escapando a qualquer tipo de gênero, esse trabalho não pode ser considerado documentário, nem videoarte, nem programa de televisão, nem ficção, mas uma leitura muito singular, fragmentada, múltipla e visceral realizada por Tadeu Jungle, Walter Silveira e Isa Castro a partir do espírito antropofágico de José Celso Martinez, Neville D’Almeida e Julio Bressane. O vídeo Frau tornou-se o primeiro de uma trilogia da TVDO composta por Non Plus Ultra (1985) e Heróis da decadensia (sic) (1987). Em 1986, Tadeu Jungle, Walter Silveira e Roberto Sandoval criam Arranhacéu, videoinstalação apresentada na exposição A trama do gosto, no Pavilhão da Bienal, em São Paulo. O trabalho assemelha-se a um edifício imaginário constituído por doze TVs, em que o público (como que situado “num terraço do edifício defronte”) subia à altura de 2,5 metros e observava (com binóculos) cenas gravadas em tempo real (em câmera fixa), como se fossem cenas extraídas do cotidiano de cada um dos doze moradores desse edifício fictício. A simultaneidade de sons e imagens entre as videojanelas transformava o ambiente da instalação em uma partitura de um concerto para doze monitores. Em 1988, apresentam também a Instalação do divino, na Galeria Luisa Strina. Tadeu Jungle desenvolve uma série de outros trabalhos nesse campo, bem como produz videoesculturas e vídeo-objetos. Walter Silveira se dedica nos anos de 1990 tanto a videoinstalações (como em Dietland, na Casa das Rosas, em 1996, O quartinho e A little quarter, no Paço das Artes, em 1997), quanto a performances multimídia (como Poesia é risco, com Augusto de Campos e Cid Campos) em que comungam o vídeo, a poe­ sia e a música. Em 1987, a TVDO, junto de Roberto Sandoval, produz o vídeo Caipira in – local groove, um de seus trabalhos mais importantes. Caipira in – local groove desenvolve uma estética limítrofe

didn’t happen, it was, too. For us, there were no limits. We

18. Jungle, Tadeu. Vídeo e TVDO: Anos 80. In: Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. cit., p. 211.

18. Jungle, Tadeu. Vídeo e TVDO: Anos 80. In: Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. cit., p. 211.

thought we were capable of everything. We had been born in the academic world, baptized by mass culture, particularly by television. Those were still the times of “author films”, memories of tropicalia, and video was just the name of a tape. In our hodge-podge of references there were J. R. Aguilar, Glauber Rocha, Godard, Eisenstein, Dziga Vertov, Augusto de Campos, Maiakovski, Zé Celso Martinez Corrêa, Oswald de Andrade, Caetano Veloso, Rolling Stones, and, occupying an honorable place, Chacrinha”18. In 1983, TVDO did Frau, as a desecrating form of language for video. Escaping any type of genre, this work cannot be considered documentary, nor videoart, nor television program, nor fiction, but a rather singular, fragmented, multiple and visceral reading made by Tadeu Jungle, Walter Silveira and Isa Castro on the basis of the anthropophagic spirit of José Celso Martinez, Neville D´Almeida and Julio Bressane.The Frau video became the first of a TVDO trilogy composed of Non Plus Ultra (1985) and Heróis da decadensia (sic) (1987). In 1986, Tadeu Jungle, Walter Silveira and Roberto Sandoval create Arranhacéu, videoinstalação presented in the exhibition A Trama do gosto, in the pavilion of São Paulo’s Biennial. The work is similar to an imaginary building composed of twelve TV sets, where the audience (as if sitting “on the terrace of the nextdoor building”) climbed to a height of 2.5 meters and observed (through binoculars) scenes recorded in real time (fixed camera), as if those scenes had been extracted from the everyday life of each one of those twelve residents of that fictitious building. The simultaneousness of sounds and images between the videowindows transformed the installation environment into the music score of a concert for twelve monitors. In 1988, they also presented the Instalação do divino, in the Luisa Strina Gallery. Tadeu Jungle develops a series of other art pieces in this field, and also produces videosculptures and videoobjects. Walter Silveira dedicates, in the 1990’s, both to videoinstallations (such as Dietland, in the Casa das Rosas, in 1996; O quartinho and A little quarter, in the Paço das Artes, in 1997) and to multimedia performances (such as Poesia é risco, with Augusto de Campos and Cid Campos) where he mingles video, poetry and music. In 1987, together with Roberto Sandoval, TVDO produces the video Caipira in – local groove, one of his most important art pieces. Caipira in – local groove develops a threshold aesthetics in the articulation and manipulation of image and sound on electronic media, as much as he develops, without compromises, a vision of estrangement about the other, or about the object observed by a documental eye.


na articulação e manipulação da imagem e som em meios eletrônicos, tanto quanto empreende – sem concessões – uma visão de estranhamento sobre o outro, ou sobre o objeto observado pelo olhar documental. Em 1988, com direção de Pedro Vieira, a TVDO realiza Duelo dos deuses, um trabalho constituído por imagens apropriadas da TV, com o efeito inédito, até então no Brasil, do zapping (técnica de editar imagens em vídeo por meio da mudança entre um e outro canal televisivo). As manifestações inéditas, transgressivas e absolutamente performáticas da TVDO proporcionaram – além de vídeos e programas de TV – um conjunto criativo também composto por vídeos-objetos (monitores de vídeo, geralmente organizados pelos artistas de modo escultórico), como os criados em 1983 para o I Videobrasil, e por videoinstalações (como Realismo mágico ao vivo) apresentadas em São Paulo, em 1986, na Galeria São Paulo. A Olhar Eletrônico, outra produtora de vídeo motivada por trabalhos em criação coletiva, também marca os anos 1980 no Brasil. Ela foi constituída inicialmente em 1981 por Fernando Meirelles, Marcelo Machado, Paulo Morelli e Beto Salatini, arquitetos recém-formados da FAU-USP. Configura-se na sequência com a inclusão de Dario Viseu, Marcelo Tas, Renato Barbieri e Tonico Mello, entre seus principais integrantes. Em suas origens, tinha como objetivo o estudo, a produção e a veiculação de vídeos. Ela realiza vídeos como Garotos de subúrbio, Brasília, Eletroagentes, Tempos, S.A.M., Varela no Congresso, Ali Babá, Do outro lado da sua casa, Tragédia SP, entre muitos outros. São trabalhos fundamentais para a compreensão da experiência videográfica no Brasil, que abrem novos caminhos para o documentário, o videoclipe e a ficção. O auge criativo e comercial da Olhar Eletrônico, conforme revela Marcelo Tas19, ocorreu entre 1983 e 1987. Em 1983, entre outros vídeos, ela produz Marly Normal, dirigido por Fernando Meirelles e Marcelo Machado. Esse trabalho condensa 24 horas passadas no dia de uma pessoa comum em apenas 6 minutos. O vídeo é realizado por meio de uma edição matemática, pois todos os planos têm exatamente o mesmo tempo de duração: aproximadamente 5 segundos cada um.20 Criado em 1983, apenas dois anos após o surgimento da MTV mundial, Marly Normal pode ser considerado um predecessor no Brasil da geração de videoclipes que empreende narrativas como uma metralhadora de cortes ou como um caleidoscópio de fragmentos visuais. O trabalho é pautado por planos fechados e um ritmo veloz, desencadeando, naquela época, aquilo que poderia ser chamado de uma sequência de imagens frenéticas e simultâneas. Nos tempos atuais, da cultura sampler e dos VJs, Marly Normal soa quase tão lento quanto os planos (muito) lentos de Limite

In 1988, under direction of Pedro Vieira, TVDO makes Duelo

19. Tas, Marcelo. A minha história da Olhar Eletrônico. In: Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do video brasileiro. cit.

19. Tas, Marcelo. A minha história da Olhar Eletrônico. In: Arlindo Machado (org.). Made in Brasil: três décadas do video brasileiro. cit.

20. Ibidem.

20. Ibidem.

dos deuses, a work composed of images taken from the TV, with unprecedented effects until then in Brazil, of the zapping (image editing technique on video by means of changing from one television channel to another). The unprecedented, transgressive and absolutely performatic TVDO manifestations provide, apart from videos and TV programs, a creative ensemble also composed of video-objects (video monitors, usually organized by the artists in sculpture mode), such as those created in 1983 for the 1st Videobrasil, and by videoinstallations (such as Realismo mágico ao vivo), presented in São Paulo, in 1986, at the São Paulo Gallery. Another video producer motivated by collective creation efforts, Olhar Eletrônico also leaves a mark in the 1980’s in Brazil. It was initially composed of, in 1981, by Fernando Meirelles, Marcelo Machado, Paulo Morelli and Beto Salatini, architects recently graduated from the FAU-USP. In the sequence, it incorporates Dario Viseu, Marcelo Tas, Renato Barbieri and Tonico Mello among its main members. The original objectives included Studying, producing, and disseminating videos. It makes videos such as Garotos de subúrbio, Brasília, Eletroagentes, Tempos, S.A.M., Varela no Congresso, Ali Babá, Do outro lado da sua casa, Tragédia SP, among many others. These productions are key for an understanding of the videographic experience in Brazil, which open up new avenues for documentaries, videoclips, and fiction. Olhar Eletrônico’s creative and commercial summit, as Marcelo puts it, Tas19, occurred between 1983 and 1987. In 1983, among other videos, it produces Marly Normal, directed by Fernando Meirelles and Marcelo Machado. This work condensates 24 hours of an ordinary person’s life into six minutes. The video is made by a mathematical edition, Because all planes have exactly the same duration: approximately 5 seconds each20. Created in 1983, only two years after the appearance of world MTV, Marly Normal can be considered a predecessor, in Brazil, of the generation of videoclips that engage in narratives of machinegun-like cuts or kaleidoscopes of visual fragments. The work is guided by closed planes and a hectic rhythm, triggering that which could then be called a sequence of frenetic and simultaneous images. Today, in sampler culture of VJs, Marly Normal sounds almost as slow as the (very) slow planes of Limite (a film by Mario Peixoto, produced between 1929 and 1931). This reality, however, as we already know, is related to the perceptive cultural changes in the way we capture the sensory instance, since in each time, each culture produces organisms with different perceptive aptitudes.

37


38

(filme de Mario Peixoto, produzido entre 1929 e 1931). Essa realidade, porém, como já sabemos, diz respeito às mudanças culturais perceptivas no nosso modo de captar a instância sensória, já que cada época, cada cultura, produz um organismo com aptidões perceptivas diferentes. A partir de 1983, a Olhar Eletrônico também passa a se inserir na televisão comercial, em programas inovadores e inventivos gerados para as TVs Gazeta, Abril Vídeo, Manchete, Cultura e Globo. É nesse contexto que surgem as mais variadas e inéditas experiências na mídia televisiva. Uma delas, inesquecível, é o impagável personagem-repórter Ernesto Varela, criado por Marcelo Tas, que, junto de seu câmera Valdeci, criado por Fernando Meirelles, abordava situações sérias com uma mistura de acidez crítica e bom humor. Convidada pelo jornalista Goulart de Andrade, a Olhar Eletrônico produziu entre 1983 e 1984 uma série de matérias enfocando a cidade de São Paulo para o seu programa 23ª Hora, da TV Gazeta, exibido durante a madrugada. A última delas foi intitulada informalmente pelo grupo de Aquário. De acordo com relatos de Marcelo Machado, “esse último programa constou de um único plano-sequência sobre a imagem de um aquário marinho que estava presente no estúdio, belíssimo, com a música ambiente de Brian Eno, supertranquilizante. A cada minuto, veiculávamos um número de telefone na base do quadro videográfico. Era o número da produtora, a Olhar Eletrônico. Ficamos de plantão na produtora. As pessoas ligavam tentando entender o que estava acontecendo. Nós perguntávamos nome, telefone, profissão etc. dessa pessoa. E pedíamos para aguardar. Quando a próxima pessoa ligava, ao final da ligação passávamos o número de telefone da pessoa anterior, colocando os telespectadores em contato uns com os outros. A única coisa em comum entre eles era o fato de estarem assistindo ao Aquário. O que eles conversaram nunca soubemos. Alguns dias depois ainda recebíamos os telefonemas mais inusitados, desde agradecimentos até xingamentos, passando por testemunhos de pessoas que ficaram amigas e até mesmo análises de conteúdo e mensagem sobre o tal Aquário”.21 Uma das mais importantes intervenções midiáticas no espaço coletivo da cidade de São Paulo até hoje, o programa Aquário transformou a mídia televisiva num espaço subjetivo-interativo de trocas e diálogos em rede, guiado pela ordem do imprevisto e do acaso. Esse trabalho foi um exercício absolutamente experimental em termos de arte na televisão, ainda hoje não superado em seu grau de radicalidade. Conforme afirma Marcelo Machado, há uma versão semi-integral dele nos arquivos da produtora O2 (cujos sócios são Fernando Meirelles e Paulo Morelli). É possível observar, por meio da produção tanto da TVDO quanto da Olhar Eletrônico, que um dos elos estéticos que

As of 1983, Olhar Eletrônico also starts to make an entrance

21. O presente depoimento de Marcelo Machado foi oferecido especialmente para a pesquisa Extremidades do vídeo, pela internet, em 25 de novembro de 2003.

21. This statement by Marcelo Machado was especially offered for the research Extremidades do video, via internet, on November 25, 2003.

in commercial television, in innovative and inventive programs generated for Gazeta, Abril Vídeo, Manchete, Cultura, and Globo TV stations. This is the context in which the most varied and unprecedented television media experiences appear. An unforgettable one is the priceless character-reporter Ernesto Varela, created by Marcelo Tas, who, side by side with his cameraman Valdeci, created by Fernando Meirelles, approached serious situations with a mix of critic acidity and good humor. At journalist Goulart de Andrade’s invitation, Olhar Eletrônico made, between 1983 and 1984, a series of productions focusing on the city of São Paulo for their TV Gazeta program 23ª Hora, shown in the wee hours of the morning. The last one was informally called Aquário by the group. According to reports by Marcelo Machado, this latter program involved “a single sequence-plane on the image of an marine aquarium in the studio, very beautiful indeed, with soothing background music by Brian Eno. At every minute, we displayed a telephone number on the bottom of the videographic screen. It was the number of Olhar Eletrônico. We were on call in the office. People called to try to understand what was going on. We asked for the person’s name, telephone number, professional occupation, etc. And we asked them to wait. When the next call came in, we gave that caller the number of the previous caller, thus liaising the spectators. The only thing in common between them was the fact that they were watching Aquário. Whatever they talked about, this we have never heard of. A few days later, we would still receive the most unthinkable calls, from acknowledgement to cursing, going through personal testimonies of people who made friends and even content and message analyses of Aquário”21. One of the most important mediatic interventions in the collective space of the city of São Paulo to date, the Aquário program transformed the television medium in a subjective-interactive space of networked exchanges and dialogs, guided by the order of improvisation and chance. This work was an absolutely experimental exercise in terms of art on television, as radical as none else to date. As Marcelo Machado puts it, there is a semi-integral version of it in producer O2 archives (whose partners are Fernando Meirelles and Paulo Morelli). Through the production by both TVDO and Olhar Eletrônico, one of the aesthetic links that connect most oeuvres produced by the so-called independent video generation may be found to have challenged and confounded the truths and the lies in the information transmitted by the television


unem a grande maioria dos trabalhos produzidos pela chamada geração do vídeo independente foi questionar e fazer confundir as verdades e as mentiras das informações transmitidas pela mídia televisiva. Esse tipo de iniciativa representava, na época, uma espécie de resistência e ativismo político contra o poder hegemônico informacional a que o país estava submetido pelas redes de comunicação broadcast. A TVDO e a Olhar Eletrônico encerraram suas atividades no final da década de 1980. Tinham em comum a proposta de novas formas de pensar o vídeo e a televisão, e a associação de práticas estéticas e políticas em seus trabalhos. Elas tinham a dimensão criativa de interação com o espaço público, relacionado ao espaço comum social e à intervenção nas mídias. Independentemente dos gestos artísticos insubordinados, o sonho de ambas as produtoras, como relata Marcelo Tas,22 era furar o bloqueio, entrar na televisão. Conseguiram. Ambas interferiram de forma decisiva na programação alternativa da televisão no decorrer dos anos de 1980, e seus projetos nesse campo são dos mais experimentais que os conglomerados de comunicação broadcast da televisão brasileira possuem até hoje. Em suas diferenças, a TVDO e a Olhar Eletrônico deixaram marcas fundamentais no contexto da artemídia brasileira, tanto na geração de uma nova perspectiva para o campo das artes visuais – como é o caso de Tadeu Jungle e Walter Silveira, que ampliam em suas experiências televisivas a realização de uma série de vídeos experimentais, videoinstalações e performances multimídia, tendo no decorrer dos anos de 1990 uma participação efetiva nesse campo –, quanto de uma nova visão para o campo da televisão, da publicidade e do cinema nacional, trazida por Tadeu Jungle, Walter Silveira, Marcelo Tas, Marcelo Machado, Paulo Morelli, Renato Barbieri e Fernando Meirelles, que mantêm presenças marcantes no cenário desses campos nos anos 2000. Além dessas iniciativas coletivas, muitas outras ocorreram ao longo dos anos 1980, originadas tanto de produtoras independentes de vídeo quanto de TVs comunitárias, livres e clandestinas. O importante nesse período era abrir o espaço das práticas midiáticas para a diversidade de opiniões e visões divergentes. Para referendar apenas alguns nomes significativos e diferenciados de produção videográfica, temos as produtoras independentes Cockpit, Videoverso, Telecine Maruin, VTV, Conecta Vídeo, Emvídeo, Antevê, Videofilmes, entre outras. No campo das televisões clandestinas e comunitárias, destacam-se no painel brasileiro significativas experiências como as da TV Cubo, TV Viva, TV Bixiga, TV Livre Sorocaba, TV Maromba e TV dos Trabalhadores. Almir Almas foi um dos criadores que mais se dedicou a esse tipo de produção e discussão. Além do seu ativismo no meio, ele produziu também o documentário em vídeo Acesso/Access/Akusesu (1993), sobre as

medium. This type of initiative represented, at the time,

22. Ibidem.

22. Ibidem.

some sort of resistance and political activism against the hegemonic information power the country was submitted to by the broadcast communication networks. TVDO and Olhar Eletrônico ended their activities in the late 1980’s. What they had in common was the same proposal for new ways to conceive video and television, and the association of aesthetic and political practices in their works. They had the creative dimension of the interaction with the public space, relating the common social space and the intervention of the media. Regardless of the insubordinate artistic gestures, the dream of both producers, as Marcelo Tas22 reports, was to break the blockade, to enter television. They made it. Both interfered decisively in alternative television programming along the 1980’s, and their projects in this field are the most experimental that broadcast communication conglomerates on Brazilian television have had to date. In their differences, TVDO and Olhar Eletrônico left fundamental marks in the context of Brazilian media art, both in generating a new perspective for the field of visual arts—as Tadeu Jungle and Walter Silveira, who enhance their television experiences with a series of experimental videos, videoinstallations, and multimedia performances, with effective participation in this field in the 1990’s—and in a new vision for the field of television, advertisement and national cinema, brought by Tadeu Jungle, Walter Silveira, Marcelo Tas, Marcelo Machado, Paulo Morelli, Renato Barbieri, and Fernando Meirelles, who keep an outstanding presence in these fields in the 2000’s. Besides these collective initiatives, many others occurred along the 1980’s, originated both from independent video producers and from community, free and clandestine TVs. Back then, it was all too important to open the space of media practices to the diversity of opinions and diverging visions. To make but a few references of significant and differentiated names in the videographic production, we have independent producers Cockpit, Videoverso, Telecine Maruin, VTV, Conecta Vídeo, Emvídeo, Antevê, Videofilmes, among others. In the field of clandestine and community televisions, the Brazilian panel boasts significant experiences such as the TV Cubo, TV Viva, TV Bixiga, TV Livre Sorocaba, TV Maromba, and TV dos Trabalhadores. Almir Almas was one of the most outstanding creators in this type of production and discussion. Besides his activism in this area, he also produced the video documentary Acesso/Access/Akusesu (1993) on public access TV and community TV, based on sharing experiences with the USA and Japan. In all of these independent video production processes in Brazil, the initially agglutinating element that defined the way the groups would organize themselves had to do with the

39


experiências da TV de acesso público e da TV comunitária, a partir da troca de vivências com os EUA e o Japão. Em todos esses processos da produção independente de vídeo no Brasil, o elemento inicialmente aglutinador e definidor do modo como os grupos se organizavam dizia respeito à questão do acesso democrático à produção e à veiculação da informação. Naquele momento, não havia as facilidades encontradas hoje nas práticas midiáticas (como o acesso facilitado por meio das transmissões e dos equipamentos digitais), tampouco a pulverização dos canais de comunicação (fenômeno encontrado hoje, por exemplo, nos múltiplos canais de televisão a cabo, na telefonia móvel e na internet). A grande diferença entre uma e outra época é justamente a compreensão de que há uma passagem de contexto entre uma cultura das mídias, que se refletia na década de 1980, para uma cultura digital,23 presente no século XXI.

issue of democratic access to producing and disseminating information. Back then, the current facilities in media practices were not to be found (such as facilitated access by means of digital transmissions and equipment), nor was this communications channels atomization (a phenomenon found today, for instance, in the multiple cable television channels, in mobile telephony, and on the internet). The major difference between one time and the other is exactly the understanding that there is a shift of contexts from one media culture, which was reflected in the 1980’s, to a digital23 culture, present in the 21st Century.

Opening to new creative contexts If we have to recap most of the important artistic experiences that have marked the field of new media in Brazil during

Abertura para novos contextos criativos

the 1980’s and 1990’s, we will notice that, probably, most

Se tivermos de recapitular a grande maioria das experiências artísticas importantes que marcaram o campo dos novos meios no Brasil durante os anos de 1980 e 1990, perceberemos que provavelmente uma grande parte delas foi discutida e exibida pelo Festival Videobrasil.24 Esse espaço experimental, concebido, dirigido e curado por Solange Farkas, tem até hoje a capacidade de exibir, premiar e apresentar os trabalhos mais instigantes da arte contemporânea brasileira e internacional. Ele firmou-se nas últimas décadas como o evento mais importante de intercâmbio e difusão dos meios eletrônicos na América Latina. No contexto de difusão estabelecido pelo Videobrasil, surgem novas atitudes poéticas e contextos criativos do vídeo em meados dos anos 1980 e 1990, como as encontradas em Eder Santos (da produtora Emvídeo, de Belo Horizonte), e Sandra Kogut (da produtora Antevê, do Rio de Janeiro). Eder Santos e Sandra Kogut fazem investigações sobre a natureza da imagem, da expansão dos códigos narrativos tradicionais, da exploração da sensorialidade dos enunciados do vídeo e do cinema e uma discussão profunda dos conceitos inseridos no audiovisual como arte. Com os seus vídeos, videoinstalações, performances multimídias e filmes, ambos associam em seus processos criativos tanto uma perspectiva de invenção de novos contextos estéticos para os meios eletrônicos, quanto de intervenção no circuito das artes visuais. Eder Santos é atualmente um dos mais profícuos e densos criadores no campo da arte contemporânea produzida no Brasil, e Sandra Kogut segue trajetória no exterior, realizan-

directed and curated by Solange Farkas, has had the capacity

of them have already been discussed and exhibited by the Videobrasil24 Festival. This experimental space, conceived,

40

to exhibit, award, and present the most instigating oeuvres of Brazilian and international contemporary art. In the past decades, it has thrived as the mos important exchange and dissemination event of the electronic media in Latin America. In the context of dissemination established by Videobrasil, there are new poetic attitudes and creative contexts of mid 1980’s and 1990’s video, such as those found in Eder Santos (from the Belo Horizonte Emvídeo producer), and Sandra Kogut (from the Rio de Janeiro Antevê producer). Eder Santos and Sandra Kogut make investigations on the nature of image, the expansion of traditional narrative codes, the exploration of the sensoriality of video and movies enunciations, and a profound discussion of the concepts inserted in audiovisual as art. With their videos, videoinstallations, multimedia performances, and films, the two of them associate in their creative processes a perspective of both inventing new aesthetic contexts for the electronic media and intervening in the circuit of visual arts. Eder Santos is currently a most bountiful and dense creator in the field of contemporary art produced in Brazil, and Sandra Kogut follows a similar trajectory making documentaries, fiction and videoinstallations. In Videobrasil activities along the 1980’s, there are many other examples of strong experimentalism: José Roberto Aguilar’s performatic videoinstallations; the documentaries produced by Rita Moreira and Norma Bahia; the subjective views of Lucila

23. Para uma melhor compreensão dos aspectos relacionados à cultura das mídias e à cultura digital, procurar em livros de Lucia Santaella, como Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura (São Paulo: Paulus, 2003).

23. For a better understanding of the aspects related to the culture of the media and to the digital culture, please look in books by Lucia Santaella, such as Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura (São Paulo: Paulus, 2003).

24. Para uma melhor compreensão dos múltiplos campos de ação do Videobrasil, procurar mais informações em http://www.videobrasil.org.br

24. For a better understanding of the multiple fields of action of Videobrasil, please look for futher information at http://www.videobrasil.org.br.


do documentários, ficções e videoinstalações. Nas atividades do Videobrasil no decorrer dos anos de 1980 há muitos outros exemplos também de forte experimentalismo: as videoinstalações performáticas de José Roberto Aguilar; os documentários produzidos por Rita Moreira e Norma Bahia; as visões subjetivas dos vídeos de Lucila Meirelles; as videocriaturas e performances multimídia de Otávio Donasci; e as ações envolvendo novas tecnologias de Artur Matuck. Em 1987, advindo do circuito do cinema experimental, o artista Arthur Omar realiza O nervo de prata, em que se cruzam a linguagem eletrônica do vídeo e o universo do artista plástico Tunga. Essa obra é considerada um dos mais densos trabalhos produzidos no Brasil no campo da fusão entre linguagens e da produção de metáforas audiovisuais. Gilberto Prado, artista e pesquisador que desenvolve trabalhos poeticamente intensos no campo da arte e da tecnologia, desde os anos de 1980, realiza uma série de estratégias diferentes de atuação a partir do tempo real e das redes artísticas. Entre 1987 e 1989, Prado realiza Videoscópio: videoentrevistas/performances, uma obra na confluência do vídeo com a arte postal. Com uma câmera de vídeo portátil, Prado vai ao encontro dos outros artistas que integravam sua rede de arte postal, espalhados pela Europa e América Latina, com o intuito de oferecer uma relação diferenciada de aproximação e contato, bem como de registrar momentos de intimidade com o vídeo. Nesse período, Rejane Cantoni realiza em 1987, durante um curso na ECA-USP com o artista catalão Antoni Muntadas, aquele que viria a ser não só o seu primeiro trabalho artístico como também uma das primeiras experiências de videoinstalação interativa no Brasil. Trata-se de Ao vivo, trabalho em que o visitante, ao entrar no ambiente interativo, dispara um alarme e o sistema de vídeo (composto por quatro televisores conectados a um controle remoto, que, por sua vez, é conectado a um videocassete). Na tela dos monitores, um revólver é apontado para o usuário, que se transforma em vítima de sua observação. Assim que o disparo é ouvido, ainda sob o impacto de seu som, entra o título do trabalho e uma luz é acesa, apontando o caminho de saída. Para realizar o trabalho, Rejane se associou a um engenheiro para a montagem das placas de computador e do sistema interativo. Influenciada pela discussão política existente na obra de Muntadas, ela chama a atenção ao público na videoinstalação interativa Ao vivo que o trabalho artístico não é algo inocente ou isento de partilha entre o propositor e seu visitante. Diante desse painel da produção criativa em vídeo no Brasil, é fundamental ressaltar a importância nos campos teórico e crítico, no decorrer de todo esse período, do pensamento de Arlindo Machado. Ele logrou exercer uma dinâmica interlocução com toda essa geração de artistas, teorizou e historicizou os contextos eletrônicos, organizou curadorias nacionais e internacionais e empreendeu uma profunda análise crítica do vasto conjunto de trabalhos gerados com os meios tecnológicos no Brasil.

Meirelles; the videocreatures and multimedia performances by Otávio Donasci; and the Artur Matuck’s actions involving new technologies. In 1987, coming from the experimental movies circuit, artist Arthur Omar makes O nervo de prata, where the electronic language of video mingles with the universe of visual artist Tunga. This is considered a most dense oeuvre produced in Brazil in the field of merging languages and the production of audiovisual metaphors. Gilbertto Prado, artist and researcher who has developed poetically intense work in the field of art and technology since the 1980’s, makes a series of different strategies of action based on real time and artistic networks. Between 1987 and 1989, Prado makes Videoscópio: videoentrevistas/ performances, an oeuvre in the confluence between video and postal art. With a portable video camera, Prado moves towards other artists who composed his network of postal art, scattered about Europe and Latin America, in order to offer a differentiated relation of approximation and contact, as well to record moments of intimacy with video. In this period, during a course at ECA-USP in 1987, together with Catalan artist Antoni Muntadas, Rejane Cantoni makes that which would become not only her first oeuvre but also one of the first interactive videoinstallation experiences in Brazil. That work is Ao vivo, where, upon entering the interactive environment, the visitor triggers an alarm and the video system (composed of four TV sets connected to a remote control, which, in its turn, is connected to a videocassette recorder). On the screens, a revolver is pointed at the user, who then becomes a victim in his/her own observation. As the gun fires, still under the impact of the sound, the title of the oeuvre comes up and a light goes on, showing the way out. To do that, Rejane associated to an engineer in order to assemble the computer boards and the interactive system. Influenced by the political discussion existing in Muntadas oeuvre, in the interactive videoinstallation Ao vivo she calls the public’s attention to the artistic work, which is not innocent, or exempted from sharing between the proposer and the visitor. Given this panel of creative production on video in Brazil, it is crucial to underline the importance in the theoretical and critical fields, along the entire period, of Arlindo Machado’s thoughts. He managed to exercise dynamic exchanges with that entire generation of artists, developed theories and placed the electronic contexts in historical perspectives, organized national and international curatorships, and developed profound critical analysis of the vast ensemble of work generated by technological means in Brazil. In his A arte do vídeo, Arlindo Machado checks the type of work produced and disseminated outside the official circuit of television, which advances in the experimentation

41


42

Arlindo Machado, em seu A arte do vídeo, verifica que o tipo de trabalho produzido e difundido fora do circuito oficial da televisão, e que avança na experimentação das possibilidades da linguagem eletrônica, é encontrado de forma mais evidente e intensa no contexto da videoarte e da produção independente dos anos 1980. Para ele, é nesse âmbito que “a imagem eletrônica está destilando uma outra sensibilidade, ao mesmo tempo em que coloca novos problemas de representação, abala antigas certezas a nível epistemológico e exige a reformulação de conceitos estéticos”.25 A versão oficial geralmente atribuída ao campo da história e da crítica de arte no Brasil nos anos 1980 dá conta de uma década absolutamente voltada às questões artísticas de ordem individualista e ao retorno à tradição materializante e pictórica. Resta agora abrir caminhos para que uma nova visão da história e da crítica de arte passe a incorporar também o enorme acervo criativo originado pelas práticas coletivas e desmaterializantes do vídeo nesse período, constituído de forma não tradicional pelos discursos poéticos eletrônicos. Sob esse ponto de vista, é possível verificar no percurso histórico brasileiro do vídeo linhas expressivas ou modos complementares e não antagônicos de ação estética. Nesses contextos, observa-se que a geração de artistas que começa a trabalhar a partir dos anos 1950-70 é mais calcada na articulação dos elementos do tempo real, nas noções de performance e inacabamento, na vivência da experiência como acontecimento e na arte como processo; e a geração de artistas que começa a trabalhar nos anos de 1980 é mais calcada nas alternativas independentes do vídeo, na intervenção do sistema audiovisual eletrônico e na maior articulação do quadro videográfico. É na confluência dessas linhas expressivas oscilantes – uma que tende mais para o acaso e a imprevisibilidade e outra que aponta mais para uma nova estruturação e formalização do trabalho – que o meio videográfico desenvolve sua estética e propicia experiências inéditas até então na produção artística brasileira. A experiência do vídeo se apresenta, dessa maneira, sob a perspectiva de uma especificidade diferenciada, limítrofe e descentralizada. Compreender o vídeo no contexto da arte sob a lógica descentralizada é conhecê-lo de maneira plural, inserido num contexto mais amplo da comunicação e da arte, a partir dos diálogos entre o repertório comum das práticas artísticas e tecnológicas. É na direção de uma inscrição disforme e heterogênea que é feita, aqui, uma leitura panorâmica de como essas práticas heterogêneas são introduzidas no Brasil. Na descoberta de um novo circuito para a arte, encontramos a introdução de maneiras desmaterializantes e processuais de inserção dos meios eletrônicos no campo da arte. É dessa forma que esta arte híbrida e de constante diálogo com os outros meios manifesta suas primeiras iniciativas no Brasil em torno de um pensamento contemporâneo.

of possibilities of electronic language, is found in more

25. Machado, Arlindo. A arte do vídeo, cit., p. 10.

25. Machado, Arlindo. cit., p. 10.

evident and intense form in the context of videoart and the independent production of the 1980’s. For him, it is in this realm that “the electronic image is distilling another sensitivity, at the same time it poses new representation problems, shakes old certainties at the epistemological level and demands aesthetic concepts be reformulated”25. The official version generally attributed to the field of art history and critique in Brazil in the 1980’s accounts for a decade that was absolutely focused on individualistic artistic issues and on a return to materializing and pictorial tradition. New ways now ought to be open so that a new vision of the history and the critique of art incorporate also the vast creative wealth originated by the collective and dematerializing practices of video in that period, so untraditionally constituted by the electronic poetic discourses. From this perspective, expressive lines or complementary and non-antagonistic modes of aesthetic action may be verified in the Brazilian historical trajectory of video. In these contexts, the generation of artists who start to work in the 1950-70’s is seen to be based on the articulation of real time elements, on the notions of performance and unfinishness, in sharing the experience as a happening and in art as a process; and the generation of artists who start to work in the 1980’s is more based on the independent alternatives of video, on the intervention of the electronic audiovisual system and on the greater articulation of the videographic framework. It is in the confluence of these oscilating expressive lines — one that tends to chance and unpredictability and another that points at a new structure and formalization of the oeuvre — that the videographic medium develops its aesthetics and provides unprecedented experiences in the Brazilian artistic production. The video experience thus presents itself from the perspective of a differentiated, threshold, decentralized specificity. Understanding video in the context of art under a decentralized logic is knowing it in a plural manner, inserted in a broader context of communication and art, based on the dialogs between the common repertoire of artistic and technological practices. It is in the direction of a shapeless and heterogeneous inscription that a panoramic reading is made here of how these heterogeneous practices are introduced in Brazil. In the discovery of a new circuit for art, we find the introduction of dematerializing and processual manners of inserting electronic media in the field of art. It is thus that this hybrid art, one that keeps constant dialog with the other media, manifests its first initiatives in Brazil around a contemporary thought.


TÉKHNE é dedicada ao professor Walter Zanini, ex-diretor do MAC-USP, curador das Bienais de São Paulo de 1981 e 1983 e atuante professor da FAAP entre os anos 1970/80. Considerado um dos mais importantes críticos de arte do Brasil, foi precursor no apoio às relações da arte com a tecnologia – tema sobre o qual pesquisa até hoje.

TÉKHNE is dedicated to professor Walter Zanini, ex-director of the MAC-USP, curator of São Paulo’s 1981 and 1983 Biennials, and an active FAAP professor along the 1970’s and 80’s. Considered a major art critic in Brazil, he pioneered the support to relations between art and technology—a theme of his research efforts to date.

43


44


45


46


N煤cleo hist贸rico

47


A Instabilidade the INSTABILITY

Em 1964, o Museu de Arte Brasileira da FAAP recebeu a exposição A Instabilidade do G.R.A.V. Grupo de Pesquisa de Artes Visuais. A mostra, que integrou a III Bienal de Paris de 1963, surpreendeu artistas, críticos e visitantes, reunindo trabalhos cuja proposta era a de serem interativos e mutáveis. Fundado em 1958, em Paris, o grupo se constituía como um núcleo de ação e pensamento, que havia abolido a ideia do “mistério da inspiração” da obra de arte, em favor da investigação do processo criativo e da participação do espectador.

In 1964, FAAP’s Museu de Arte Brasileira hosted the A Instabilidade exhibition by the G.R.A.V. – Grupo de Pesquisa de Artes Visuais (Group for Research on Visual Arts). Integrating the 3rd Biennial of Paris, 1963, the exhibition surprised artists and visitors, as it brought together oeuvres whose proposal was to be interactive and mutable. Started in 1958, in Paris, the group was composed as “think and action tank”, which had abolished the idea of the “mystery of inspiration” around the work of art, in favor of an investigation of the creative process and viewer participation.

“O abandono do caráter fechado, definitivo e estático das obras tradicionais foi para o G.R.A.V. um primeiro passo na direção da revalorização do espectador, até então sempre submetido a apenas contemplar a obra de arte. O grupo considera o espectador como um ser capaz de reagir. Capaz de reagir com suas faculdades normais de percepção. E é ele quem dá seu sentido às experiências propostas.” G.R.A.V. - 1963

“Abandoning the closed, definitive and static nature of traditional oeuvres was, for the G.R.A.V., an initial step towards reviewing the viewer, who, until then, had been subjected to merely contemplating the work of art. The group considers viewers as beings who can react, through their normal capacity to perceive. And they are the ones who give their own meaning to the experiences proposed.” G.R.A.V - 1963

Artistas/ARTISTS: • Julio Le Parc • François Morellet • Francisco Sobrino • Horacio Garcia Rossi • Jean Pierre Yvaral • Joel Stein

48


49


50


Julio Le Parc Lumière en Mouvement, 1963/2008 instalação/ installation Coleção Galeria Nara Roesler

51


ARTEÔNICA arteonics

Em 1971, o Museu de Arte Brasileira da FAAP inaugurou a exposição Arteônica, explorando o uso de meios eletrônicos na produção de arte. Foi uma das primeiras mostras sobre o tema a acontecer no país. Organizada por Waldemar Cordeiro (1925-1973), a exposição reunia um significativo grupos de artistas internacionais, e impulsionou o desenvolvimento das artes computacionais no Brasil. Waldemar Cordeiro, líder do movimento da arte concreta em São Paulo nos anos 1950, participou ativamente da vida cultural brasileira. Entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970, realizou as primeiras experiências no Brasil com arte eletrônica, reunindo um grupo de matemáticos, engenheiros e artistas. Na exposição, apresentamos duas obras de Cordeiro que integraram a mostra original, e um conjunto de oito obras que homenageia o artista, mapeando sua instigante produção do período.

In 1971, FAAP’s Museu de Arte Brasileira inaugurated the Arteônica exhibition, exploring the use of electronic media in the production of art. Organized by Waldemar Cordeiro (1925-1973), it was one of the first exhibitions on the theme to be held in the country and brought together a significant number of groups of international artists, thus pushing the development of computer arts in Brazil. A leader in São Paulo’s concrete art movement in the 1950’s, Waldemar Cordeiro implemented the first experiences with electronic art in Brazil, gathering a group of mathematicians, engineers, and artists. In this exhibition, we present two of Cordeiro’s art pieces that were part of the original exhibition, and an ensemble of eight oeuvres paying homage to the artist as they map his instigating production in that period.

104 Artistas, entre eles/104 ARTISTS, AMONG THEM: • Gunnar Aagaard Andersen • Rudá de Andrade • Aluísio Raulino • Luna Alkalay • Louis Andriessen • Vladimir Bonacic • José Luis Alexanco • Otto Beckmann • Luiz Fernando Benedit • Manuel Barbadillo • Antônio Berni • Gianni Bertini • Garcia E.Camarero • Waldemar Cordeiro • Giorgio Moscati • Ernesto de Vita Jr. • José Luis Aguirre • Estevam Roberto Serafim • Gianni Colombo • Silvio Ceccato • Gerardo Delgado • Daniel J.Donohue • Ernesto Deira • Gregório Dujovny • Kees Van Esch • William Fetter • Herbert W. Franke • Dave R. Garrison • Jorge Glusberg • K. C. Knowlton • Lilian Swartz • Leon D. Harmon • M.Komura • Peter Kreis • Dick Land • Dan Cohen • Maestro Damiano Cozzela • Auro Lecci • Edoardo Mac Entyre • Franco Meneguzzo • Mario Mariño • Charles Mattox • Leslie Mezei • Manfred Mohr • Robert Mallary • Frank J. Malina • François Morellet • Katherine Elizabeth Nash • Isaias Nougues • Frieder Nake • Seiichi Nishihara • Georg Nees • Michael A. Noll • Pino Parini • Sergej Pavlin • Ivan Picelj • Rogelio Polesello • Zoran Radòvic • Judith Ann Rieniets • Josefina Robirosa • Oswaldo Romberg • Don Robertson • Eusébio Sempere • Soledad Sevilla • Peter Struycken • S.Tempelaars • Aldir Mendes de Souza • Miguel Angel Vidal • Evan H. Walker • José Maria Yturralde • Edward Zajec • Sykora Zdenêk

52


Waldemar Cordeiro A mulher que não é BB, 1971 Impressão offset/ Offset print 45,5 x 30,5 cm Coleção Família Cordeiro

53


54


Imagem da sala Arte么nica Image of the Arte么nica room

55


Julio Plaza O Arco-Ă­ris no ar curvo, 1996 Videoarte/ Video art

56


Homenagem a Julio Plaza Homage to Julio Plaza

Desde o final da década de 1960, Julio Plaza (Madri, Espanha, 1938 - São Paulo, Brasil, 2003) desenvolveu seu discurso crítico-sensível na interface entre a arte, a ciência e a tecnologia. É um dos mais originais representantes do conceitualismo no Brasil. Seu interesse questionador referente às linguagens fez com que explorasse um novo pensamento para a arte: a tradução intersemiótica (a tradução entre um signo e outro, ou a tradução entre uma e outra linguagem artística). Em contato com os poetas concretistas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos, Plaza parte da poesia visual e pesquisa as novas mídias a partir da década de 1980. Seu campo de ação situa-se em torno das redes comunicacionais, em contextos como a arte por correio (mail art), o videotexto, os painéis eletrônicos da publicidade, a sky art, a holografia, as imagens digitais e a interatividade. Exerceu uma forte presença no painel brasileiro tanto como artista, teórico, curador e crítico quanto como professor e orientador de uma grande parcela da nossa jovem geração de artistas. Foi professor da FAAP por mais de uma década, entre os anos de 1973 e 1985. Lecionou com Walter Zanini, Donato Ferrari e Regina Silveira, com quem travou um longo percurso de interlocução e troca de experiências. Também formou ex-alunos nossos, como: Jac Leirner, Leda Catunda, Inês Raphaelian, Daniela Bousso, Ana Maria Tavares, Luciana Brito e Martin Grossmann, entre muitos outros. Para ele, a condição de toda a arte é a condição de sua linguagem e se no trabalho o artista “fala”, ele também é “falado” pelo trabalho.

Since the late 1960’s, Julio Plaza (Madrid, Spain, 1938 – São Paulo, Brazil, 2003) developed his critical-sensitive discourse on the interface between art, science, and technology. He is a most original representative of conceptualism in Brazil. His challenging interest concerning the languages led him to explore a new thought for art: the intersemiotic translation (the translation between one sign and the other, or the translation between one artistic language and the other). In contact with concretist poets Décio Pignatary, Haroldo and Augusto de Campos, Plaza starts from the visual poetry and researches the new media as of the 1980’s. His field of action is on communication networks, in contexts such as mail art, videotext, electronic billboards, sky art, holography, digital images and interactivity. He plays an important role in the Brazilian panel, as an artist, theoretician, curator, critic, and as a professor and advisor to a large portion of our young generation of artists. He taught at FAAP for over a decade, between 1973 and 1985, with other faculty members that included Walter Zanini, Donato Ferrari and Regina Silveira, with whom he established a long history of exchanges and shared many experiences. He also trained some of our alumni, such as: Jac Leirner, Leda Catunda, Inês Raphaelian, Daniela Bousso, Ana Maria Tavares, Luciana Brito and Martin Grossmann, among many others. To him, the condition of all art is the condition of its langage, and if in his oeuvre the artist “speaks”, he too is “spoken” by his oeuvre.

57


58


Julio Plaza La Diferencia, 1981 Instalação apresentada na 16ª Bienal de São Paulo. Recriação Inês Raphaelian/Installation presented at São Paulo’s 16th Bienal. Re-creation by Inês Raphaelian

59


o objeto na arte the object in art

A mostra O Objeto na Arte - Brasil anos ‘60 foi apresentada em 1978. Resultado de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Pesquisa e Documentação de Arte Brasileira da FAAP, entre 1977 e 1978, a exposição, com curadoria de Daisy Peccinini, reuniu 54 artistas na tentativa de investigação do significado do objeto no meio artístico brasileiro, nas décadas de 1960 e 1970. A mostra apontava diferentes genealogias para a produção múltipla e heterogênea das manifestações consideradas como objeto. Estavam presentes os não-objetos neoconcretos, a Nova Figuração e objetos com caráter mais político, sensorial e cinético. “O estudo do problema do objeto nos anos ‘60, permite captar um clima de efervescência de nossa cultura que fez com que este adquirisse um significado particular, diferente do que se passou no exterior, dada a sua inserção social - mesmo que nem todos os objetos incorporem mensagens de ordem sociológica claramente expressas, seu próprio caráter de ruptura de valores e linguagens tradicionalmente aceitos como artísticos, comportam um sentido revolucionário, desafiador e agressivo”. Daisy Peccinini - 1978

The O Objeto na Arte – Brasil anos ’60 exhibition was presented in 1978. The outcome of research made by FAAP’s Brazilian Art Research and Documentation Department, between 1977 and 1978, and with curatorship by Daisy Peccinini, it brought 54 artists together in an attempt to investigate the meaning of the object in the Brazilian artistic environment, in the 1960’s and 70’s. The exhibition pointed at different genealogies for the multiple and heterogeneous production of manifestations considered as object, and included the neoconcrete non-objects, the New Figuration, as well as objects of a more political, sensorial and kinetic nature. “A study of the issue ‘object’ in the 1960’s brings forth the perception of an atmosphere of effervescence in our culture which fostered a particular meaning to it, different from what happened abroad, for its social insertion— even though not all objects incorporate clearly expressed sociological messages, their very nature of disrupting values and languages that had traditionally been accepted as artistic bear a revolutionary, challenging and aggressive sense.” Daisy Peccinini - 1978

Artistas/ARTISTS: • Abraham Palatnik • Amelia Toledo • Anésia Pacheco chaves • Anna Maria Maiolino • Antonio Dias • Antonio Manuel • Artur Barrio • Ascanio M.M.M. • Augusto Peixoto • Avatar Moraes • Boi • Carlos Fajardo • Carlos Vergara • Carmela Gross • Claudio Tozzi • Danilo Di Prete • Donato Ferrari • Farnese de Andrade • Fernando Lion • Ferreira Gullar • Gastão Manoel Henrique • Glauco Rodrigues • Hélio Oiticica • José Resende • Judith Lauand • Lourdes Cedran • Luigi Zanotto • Luis Gonzaga Rocha Leite • Luiz Paulo Baravelli • Lygia Clark • Lygia Pape • Marcello Nitsche • Maria do Carmo Secco • Maurício Nogueira Lima • Mira Schendel • Mona Gorovitz • Nelson Leirner • Nicolas Vlavianos • Paulo de Andrade • Pedro Escosteguy • Regina Vater • Roberto Magalhães • Roberto Moriconi • Rubem Valentim • Rubens Gerchman • Solange Escosteguy • Tereza Nazar • Terezinha Cedran • Tomoshige Kusuno • Ubirajara Ribeiro • Victor Ribeiro • Waldemar Cordeiro • Wanda Pimentel • Wesley Duke Lee • Yutaka Toyota

60


Abraham Palatnik Objeto cinético CK-8, 1966/2005 Aço, madeira pintada, latão e motores/ Steel, painted wood, brass and motors ed 2/7 120 x 40 x 40 cm Coleção Galeria Nara Roesler

61


Imagem da sala Objeto na Arte Image of the Object in Art room

62


63


Cildo Meireles Zero Cruzeiro, 1974-1978 Litografia offset sobre papel/Offset lithography on paper 6,5 x 15,5 cm. Edições ilimitadas Coleção Angélica de Moraes

64


Antonio Manuel , 1972 Fotografia, palha, madeira e acrílico/ 200 x 48 x 48,5 Coleção Gilberto ChateaubriandMAM, RJ Foto Vicente de Mello

65


Lygia Pape Wanted,1967 Acrílico branco, desenho e ruído/White acrylic, drawing and noise. 12 x 14 x 6 cm (3 peças/3 pieces) Coleção particular Foto: Paula Pape

Pedro Escosteguy , 1968 Madeira e metal/75 x 70 x 50 cm Acervo Museu de Arte Brasileira-FAAP, SP

66


67


Carlos Alberto Fajardo Neutral, 1966 Objeto de acrílico/Acrylic object Ed 27 30 x 30 x 30 cm Coleção Fernanda Lopes

Wesley Duke Lee Retrato de Lydia ou A respeito do filho, 1969/70 Assemblage: óleo, crayon e acrílico fixado sobre tela; vários objetos e aparelho movido à pilha, em caixa de acrílico/ Assemblage: oil, crayon, and acrylic fixed on canvas; various objects and a battery powered device, in an acrylic box 195 x 103,8 x 51 cm Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo

68


69


Arte novos meios/multimeios Brasil 70/80 New media/multimedia art – Brazil 1970’s/80’s Realizada em 1985, com curadoria de Daisy Peccinini, a exposição Arte Novos Meios/Multimeios - Brasil 70/80 fazia um amplo levantamento das, então novas, manifestações artísticas. Resultado da pesquisa do Departamento de Pesquisa e Documentação de Arte Brasileira da FAAP a exposição reuniu 65 artistas de diferentes regiões do país e cerca de 1.500 obras, divididas nos segmentos Arte computador, Artemicro, Arte Postal, Arte Videotexto, Audioarte, Carimbo, Diapositivos/Audiovisual, Fac-símile Arte, Heliografia, Holografia, Instalação, Mimeógrafo, Off-set, Super-8, Videoarte e Xerox. Dentro desse variado e amplo conjunto, era possível notar tanto manifestações de maior complexidade tecnológica quanto aquelas ligadas a procedimentos mais artesanais. “No momento atual, em que a viabilidade das artes parece estar dirigida à arte da pintura, nada mais oportuno do que reunir trabalhos de uma arte que opera com outros meios, estabelecendo uma leitura complexa, ligada ao contexto histórico dos últimos 15 anos. Este momento de confronto põe em ressalto a dignidade, o valor do agir consciente desses artistas por seus meios de operar, produzir e veicular na sociedade contemporânea, indicando uma preocupação humanística de liberdade e de estímulo das potencialidades perceptivas e reflexivas do ser humano”. Daisy Peccinini - 1985

Held in 1985 with curatorship by Daisy Peccinini, the Arte novos meios/multimeios: Brasil 70/80 exhibition made a broad assessment of the then new artistic manifestations. The outcome of a FAAP’s Brazilian Art Research and Documentation Department research effort, it brought 65 artists together from different regions of the country and some 1,500 oeuvres, divided into Computer Art, Micro Art, Mail Art, Videotext Art, AudioArt, Postmarks, Slides/ Audiovisual, Fac-simile Art, Heliography, Holography, Installation, Mimeograph, Off-set, Super-8, VideoArt, and PhotocopyArt. This broad and varied array included both manifestations of greater technological complexity and those more closely linked to handicraft procedures. “In this current moment, when the feasibility of arts seems to be geared for painting, there is nothing more timely than bringing together art work that operates with other media, establishing a complete reading, connected to the historical context of the past 15 years. This moment of confrontation underlines the dignity and value of these artists’ conscious actions in operating, producing and disclosing their work in contemporary society, indicating a humanistic concern with freedom, and with encouraging human beings’ perceptive and reflexive potentialities.” Daisy Peccinini - 1985

Artistas/ARTISTS: • Alex Flemming • Alex Vallauri • Ana Maria F. Torrano • Analivia Cordeiro • Anna Bella Geiger • Artur Matuck • Artur Barrio • Bené Fonteles • Bernardo Krasniansky • Carlos Vergara • Carmela Gross • Cildo Meireles • Claudio Tozzi • Daniel Santiago • Diana Rodrigues • Donato Ferrari • Eduardo Kac • Fernando Cocchiarale • Gabriel Borba Filho • Gastão de Magalhães • Genilson Soares • Giorgio Moscati • Hudinilson Jr. • Ivan Isola • Ivens Machado • José Roberto Aguilar • Julio Plaza • Kenji Ota • León Ferrari • Leonhard Frank Duch • Letícia Parente • Luigi Zanotto • Luiz Guardia Neto • Marcello Nitsche • Marco do Valle • Mário Ishikawa • Mário Ramiro • Maurício Friedman • Milton Kurtz • MoysÉs Baumstein • Nelson Leirner • Odair Magalhães • Otávio Donasci • Paulo Bruscky • Paulo Herkenhoff • Paulo Klein • Percival Tirapeli • Rafael França • Raul Córdula • Regina Silveira • Regina Vater • Rita Moreira • Roberto Keppler • Roberto Sandoval • Sérgio Duarte • Sonia Andrade • Tadeu Jungle • Tomoshige Kusuno • Ubirajara Ribeiro • Unhandeijara Lisboa • Vera Chavez Barcellos • Waldemar Cordeiro • Walter S. Silveira

70


arte xerox

Bené Fonteles Yokos, 1981 Xerografia colada sobre papel/ Photocopy glued to paper 46,3 x 30,6 cm Museu de Arte Moderna de São Paulo Doação do artista

71


72


Imagem da sala Arte, Novos Meios, Multimeios Image of the Art, New Media, Multimedia room

73


carimbo

Carmela Gross Caderno de Carimbos/ Postmarks Notebook 1978 Série Manchas, 0,50 X 0,35m fechado 0,50 X 0,70m aberto Coleção da artista

74


75


arte postal

Hudinilson Jr. Arte Postal, 1979 Xerox com carimbos/ Photocopy with postmarks 36 x 16,5 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

Hudinilson Jr. Arte Postal, 1979 Xerox com carimbos/ Photocopy with postmarks 28 x 20 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

Hudinilson Jr. Arte Postal, 1979 Xerox com carimbos/ Photocopy with postmarks 12,5 x 41 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

76


Leonhard Frank Duch , 1985 Cartão postal com carimbos 10,5 x 15 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

Leonhard Frank Duch Arte postal, 1986 Envelope com selos, carimbo e manuscrito/Envelope with stamps, postmarks and manuscript 11,7 x 24 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

Paulo Klein , 1979 , Evento do Artista. Arte Postal. Foto do artista. Xerox com carimbos e manuscrito 32,9 x 21,7 cm Acervo Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP

77


videoarte

Analivia Cordeiro M 3x3, 1973 Videoarte intermediada por computador/ computer intermediated videoart Duração: 11’

Regina Silveira A arte de desenhar, 1980 Cortesia Centro Galego de Arte Contemporanea Duração: 2’23”

78


Anna Bella Geiger Passagens n° 1, 1974 Câmera: Jom Azulay Duração: 9’49”

Fernando França Cocchiarale Chuva, 1980 Produção: Cacilda Teixeira da Costa Câmera: Jom Azulay Duração: 1’30”

79


videoarte José Roberto Aguilar Lua Oriental Duração: 5’

Otávio Donasci Figuras da Memória, 1981 Duração: 15’

80


Paulo Bruscky e Regina Vater Olinda, 1980 Duração: 2’ Música: vozes do menino de Olinda e de Bruscky

Roberto Sandoval, Tadeu Jungle e Walter Silveira Caipira in: Local Groove, 1987 Duração: 18’ Ideia original de Cacilda Teixeira da Costa

81


VTX.r –

videotexto revisitado

VTR – Video text - revisited

aGNuS VaLeNTe

Foi no contexto da Arte-Tecnologia dos anos 1980 que tive o privilégio de, ainda jovem artista, fruir as obras em videotexto de uma tríade de artistas inspirados e inspiradores – Julio Plaza, Regina Silveira e Carmela Gross. Naquela ocasião, precisamente em 1982, o videotexto acabara de ser implantado no Brasil através do sistema Télétel francês. Acoplando uma linha de comunicação telefônica a um tubo de raios catódicos de TV, operava numa velocidade de 50 a 60 hertz, com escansão de tela bastante lenta se comparada aos parâmetros da internet de nossos dias, de cuja história faz parte. Enquanto linguagem, revelava uma notável capacidade de síntese, deslocando o visual retiniano para o visual sintético pictográfico e ideográfico, além de absorver diferentes sistemas de representação, fator que, segundo Julio Plaza, confirmava o seu caráter contemporizador de vários meios produtivos, constituindo uma natureza a um só tempo multimídia e intermídia. Ainda em 1982, Plaza realizou a exposição Arte pelo telefone: Videotexto, no MIS-SP, e em 1983 concretizou seu projeto artístico quando organizou, a convite do curador Walter Zanini, a exposição Arte com Videotexto, no setor de Novas Mídias da XVII Bienal Internacional de São Paulo – que foi levada posteriormente a outras cidades e capitais brasileiras. Em 1995, porém, com o desligamento oficial do Télétel, as obras produzidas nessa linguagem tornaram-se indisponíveis à fruição estética do público, ficando restritas a consultas em arquivos, catálogos, documentações fotográficas ou registros de vídeo. A partir da constatação da impermanência da produção realizada nesse sistema, concebi em 2002 o projeto vtx.R como uma praxis de transposição de obras e videotextos dos mestres para o sistema digital atual, recriando-os para reinseri-los no circuito artístico e reinstaurar em nossos olhares de hoje aquela anima em seu fluxo poético original.

It was in the context of Technology-Art from the 1980’s that I, then a young artist, had the privilege of experiencing the videotext works of art by a triad of inspired and inspiring artists: Julio Plaza, Regina Silveira, and Carmela Gross. Back then, precisely in 1982, videotext had just been implemented in Brazil by means of the French Téléfel system. Coupling a telephone line to a TV cathode ray tube, it operated at a 50-60Hz speed, with rather slow screen scan if compared to today’s internet parameters, a history in which it belongs. As a language, it revealed a remarkable capacity for synthesis, displacing retinal vision to a pictographic and ideographic synthetic vision, besides absorbing different representation systems, a factor Julio Plaza said to confirm its compromising nature for various productive media, constituting therefore a multimedia and intermedia nature at once. Still in 1982, Plaza held the Arte pelo telephone: Videotexto exhibition at MIS-SP, and in 1983 he materialized his artistic project when he organized, upon curator Walter Zanini’s invitation, the Arte com Videotexto exhibition, in São Paulo’s 17th International Biennial New Media sector, later held in other Brazilian cities and capitals. In 1995, however, with the official Téléfel phase out, the oeuvres produced in this language became unavailable for the public aesthetic experience, remaining, as such, restricted for consultation from archives, catalogs, photographic documentation or video recordings. With the realization of the impermanence of any production made in this system, in 2002 I conceived the vtx.R project as a praxis for transposing master videotexts and art pieces to the current digital system, recreating them to reinsert them in the artistic circuit and reinstate in today’s eyes that anima in its original poetic flow.

82


Regina Silveira Digito, 1982 Painel eletrônico publicitário/ Electronic billboard Atualização: Agnus Valente, 2004

83


videotexto

Carmela Gross Avesso, 1983 Atualização Agnus Valente, 2004

84


Julio Plaza Cumfiguris, 1982 Atualização Agnus Valente, 2003

85


holografia

Moysés Baumstein Meia Lua e Satélite, 1988 Holograma de transmissão “arco-íris”/ “Rainbow” transmission hologram Coleção Alberto Baumstein

86


Moysés Baumstein Buraco da fechadura, 1987 Holograma de transmissão “arco-íris”/ Rainbow transmission hologram Coleção Alberto Baumstein

87


Cildo Meireles , 1970/1971 Audioarte Duração: 4’30”

88


Depoimento Pós dada Pós expressionismo Pós pop Minimalista bi-dimensional Minimalista tri-dimensional Conceitual Figurativa Abstrata Realista Padronizada Ilusionista bi-dimensional Ilusionista tri-dimensional Narrativa Fetichista Erótica Erótica heterossexual Homoerótica Erótica feminista Kinky Política Feminista Social Ecológica Envolvimento Monumental Etnográfica Arqueológica Arquitetônica Tecnológica Terceiro mundo Colonialismo cultural Performance Happening Off-set Holografia Em... Tela com chassis Sem chassis Carimbo Super-8 Fotografia Postal Slide Jornal Outdoor Grafite Livro-objeto Microficha Heliografia Xerox Vídeo... Somente pirando Nelson Leirner 18 de setembro de 1985 89


Projeto Vermelho/ Progetto Rosso Red Project

O Projeto Vermelho foi realizado a partir de uma ideia de Bruno Talpo com curadoria de Daisy Peccinini. Setenta artistas brasileiros e estrangeiros foram convidados a enviar trabalhos ou projetos que conceituassem “vermelho”. As adesões recebidas foram na sua maioria de projetos de instalações site specific e performances. A exposição assumiu características diferentes de uma montagem tradicional e muito mais próxima das atuais práticas curatoriais.

The Projeto Vermelho was based on an idea by Bruno Talpo, with curatorship by Daisy Peccinini. Seventy Brazil and foreign artists were invited to send work or projects conceptualizing “red”. Submissions included, mostly, site specific installation projects and performances. The exhibition took on characteristics that were different from a traditional assemble and a lot closer to current curatorial practices.

Artistas/artists: • Alessandra Bonelli • Alex Flemming • Alfredo Portillos • Alik Cavaliere • Alison Knwoles • Ana Maria Tavares • Anna Barros • Anna Bella Geiger • Anna Carretta • Antonio Muntadas • Artur Matuck • Betty Leirner • Bruno Talpo • Carmela Gross • Christo • Cláudio Granarolli • Clemente Padin • Diana Domingues • Dick Higgings • Elvira Vernaschi • Eugênio Miccini • Fausta Squatriti • Fred Forest • Gabriel Borba • Gabriela Benedini • Galeazzo Nardini • Genilson Soares • Giovanni Bosco • Gisella Meo • Giuseppe Chiari • Hudinilson Jr. • Irene Buarque • Ivo Bay Muller • Jorge Caraballo • Joze Spacal • Julio Plaza • León Ferrari • Leonhard Frank Duch • Letícia Parente • Lucia Pescador • Lucia Sterlocchi • Luiz Guardia Neto • Manuel Casimiro • Mario Ishikawa • Mario Nanni • Mary Dritschel • Mirella Bentivoglio • Miriam Danowski • Mirsad Begi • Mitsuko Koisumi • Moysés Baumstein • Nils Udo • Paolo Ghilardi • Paolo Scirpa • Paulo Bruscky • Pierre Restany • Plínio Mesciulam • Rafael França • Ratko Petri • Regina Silveira • Rugerro Maggi • Sergio Prado • Sérvulo Esmeraldo • Shozo Shimamoto • Stane Jagodic • Timm Ulrichs • Tomoshige Kusuno • Ubirajara Ribeiro • Wagner Garcia • Walter Zanini

90


91


Moysés Baumstein Pintando o ar de vermelho, 1986 Holograma de transmissão do tipo arco-íris/ Rainbow type transmission hologram 50 x 60 cm Coleção Alberto Baumstein

92


Betty Leirner Retraços de son (blood blob), 1980/2010 24 x 16cm - 30 x 21cm Técnica mista /Mixed technique 3 peças

93


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.