Teatro FAAP - A história em cena: 1976-2010

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teatro

Faap

a história em cena 1976-2010 fundação armando alvares penteado



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teatro

Faap

a história em cena 1976-2010 Idealização

Denise Mattar Textos

Valmir Santos

fundação armando alvares penteado 3


Fundação Armando Alvares Penteado CONSELHO DE CURADORES Presidente Celita Procopio de Carvalho Integrantes Benjamin Augusto Baracchini Bueno Octávio Plínio Botelho do Amaral José Antonio de Seixas Pereira Neto Maria Christina Farah Nassif Fioravanti Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima DIRETORIA EXECUTIVA Diretor Presidente Antonio Bias Bueno Guillon Diretor Tesoureiro Américo Fialdini Jr. Diretor Cultural Victor Mirshawka

Direção Claudia Hamra Assistente de Atividades Cleisson C. Cruz Denis G. Cordeiro Assistente Administrativo Rita C. Rodrigues Auxiliar de Atividades Ismael da Silva Santos Wilson Marques Bilheteria Vanessa A. de Souza Atendente Renato de A. Souza Limpeza Francisco de Souza Pereira Recepcionistas Carolina Gardin Débora Harumi Suzuki Hara Estagiárias Gabriela Moraes Thais Hannah Chung Iluminação Santos Iluminação



F

undação Armando Alvares Penteado proudly offers the audience this publication, which tells the history of Teatro FAAP through the perspective of the journalist and theater reviewer Valmir Santos. Since its establishment in the building, in 1958, Fundação has always hosted the performing arts,

by offering theater, music and dance elective courses. The Colégio Musical, coordinated by the conductor Mario Ferraro, has educated generations of musicians. Naum Alves de Souza, who is responsible for the foreword of this book, tells in his text the experiences he had with his students, from which the Grupo Pod Minoga was formed. Dance classes were taught by Kitty Bodenheim, who is still active and is still training professionals. The dream of building a theater, long cherished since the beginning of the construction of the building finally came true on September 22, 1976. It was the first day of Spring and that stage, free of prejudice, witnessed the blooming of a wide range of artistic expressions, comprising a very representative timeline to the theater in São Paulo and in Brazil. From the memories of the Teatro FAAP, historical precious moments can be recollected, such as the “meeting” of the Irish playwright Samuel Beckett with Antunes Filho in Waiting for Godot, a performance with women in male roles, among them, Lilian Lemmertz, Lélia Abramo and Eva Wilma. On this theater stage, the veteran actor Paulo Autran took part in six productions, also as a director; and Raul Cortez performed his last act in his successful career, in 2004. Throughout its history, the Teatro FAAP has hosted plays by renowned playwrights – played by remarkable actors – received multimedia, interactive and avant-garde presentations, received universal classics, experimental groups, Brazilian and foreign authors, besides offering its space to other proposals, such as circus and dance performances. The humanistic dimension grounded on knowledge, culture and art has always guided Fundação Armando Alvares Penteado’s acts, and its theater has kept this tradition, aiming at combining technical excellence with the quality of the performances. Throughout almost 35 years, Teatro FAAP has helped raise critical and esthetical thinking of several generations of viewers, has captivated great interpreters and daring directors, and, by means of this process, has witnessed the changes suffered by the Brazilian society and the current scenario.

Celita Procopio de Carvalho President of the Board of Curators


É

um orgulho para a Fundação Armando Alvares Penteado oferecer ao público esta publicação, que conta a história do Teatro FAAP através do olhar do jornalista e crítico teatral Valmir Santos. Desde a sua instalação no prédio, em 1958, a Fundação sempre abrigou as artes cênicas, realizando cursos livres de teatro, música e dança. O Colégio Musical, coordenado pelo maestro Mario Ferraro, formou gerações de músicos. Naum Alves de Souza, que assina o prefácio deste livro, conta em seu texto as experiências com seus alunos, dos quais saiu o Grupo Pod Minoga. As aulas de dança eram ministradas por Kitty Bodenheim, que continua atuando na área e formando profissionais. O sonho de construir um teatro, longamente acalentado desde o início da construção do prédio, realizou-se em 22 de setembro de 1976. Era o primeiro dia da primavera, e naquele palco livre de preconceitos floresceram as mais diversas manifestações artísticas, formando uma linha de tempo bastante representativa do teatro paulista e brasileiro. Das memórias do Teatro FAAP podem-se extrair preciosidades históricas, como o “encontro” do dramaturgo irlandês Samuel Beckett com Antunes Filho em Esperando Godot, uma performance com mulheres em papéis masculinos, entre elas Lilian Lemmertz, Lélia Abramo e Eva Wilma. No palco desse teatro, o veterano Paulo Autran participou de seis produções, inclusive como diretor; e Raul Cortez apresentou o último espetáculo de sua carreira, em 2004. No decorrer de sua trajetória, o Teatro FAAP abrigou peças de autores consagrados – interpretadas por atores notáveis – acolheu apresentações multimídia, interativa e de vanguarda, recebeu clássicos universais, grupos experimentais, autores nacionais e estrangeiros, além de dar espaço a outras propostas, como espetáculos de circo e de dança. A dimensão humanística pautada pelo saber, pela cultura e pela arte sempre norteou a atuação da Fundação Armando Alvares Penteado, e o seu teatro manteve essa tradição, buscando aliar excelência técnica à qualidade dos espetáculos. Ao longo de quase 35 anos, o Teatro FAAP ajudou a despertar o senso crítico e estético de gerações e gerações de espectadores, cativou grandes intérpretes e diretores ousados, e, neste processo, tornou-se testemunha das transformações da sociedade brasileira e da cena atual.

Celita Procopio de Carvalho Presidente do Conselho de Curadores


A work of magnitude

I have been developing, for one year and a half, together with a specialized team, for Fundação Armando Alvares Penteado a research about the history of the institution, focused on its cultural activity, since 1947, the year it was created. The work was extremely complex: due to the amount of gathered material, to the intricate network of students, teachers and artists who have been part of its history and to the unfoldings of each of the activities carried out at the Fundação. One of the points we have worked with was the history of Teatro FAAP. If we search for the beginning of the scenic arts relation with Fundação we will have to go back to 1958. Among the courses FAAP offered at the time, for children and adolescents, there were the dance classes, the theater and, especially, the Colégio Musical, directed by the Conductor Mario Ferraro. The Orquestra Sinfônica do Colégio, the Harpas de São Paulo, the Ópera de Câmara do Colégio Musical, the Conjunto Coral de Câmara and the Grupo Instrumental de São Paulo were all related to FAAP, and frequently performed at Teatro Municipal and the then starting TV channel, Tupi. At that time, much was commented about building a theater, what ended up not happening. In 1964, Naum Alves de Souza taught adolescents, proposing innovative incursions by mixing all arts. This experience would result in the creation of the instigating Grupo Pod Minoga Studio. Other actions occurred throughout the years until the opening of Teatro FAAP, in 1976, with the performance A moratória [The moratorium], by Jorge Andrade, a classic in Brazilian dramaturgy. Since then, Teatro FAAP has hosted al types of artists: national and international, famous and unknown, experimental and classical, becoming a reference in São Paulo and in Brazil. In order to write about the Theater, we invited the journalist and reviewer Valmir Santos, who, above all, has a passion for the scenic arts. Valmir and his small team plunged into the research, and for months searched for photos, booklets, news reports and other sources of information, filling up many information gaps. In 1998, Claudia Hamra took over the direction of the theater, a position she holds to date, and, since then, her careful work made the research simpler. From this survey Valmir restored the history of Teatro FAAP, or its scenic biography, as he likes to name it. Next, he aimed his analysis to the authors, actors and directors who had more performances on that stage, not being a coincidence that these were some of the most renowned names in Brazil and in the world. The book, fully illustrated, has an affectionate preface by Naum Alves de Souza, and, at the end, a comprehensive chronology listing all the performances presented at Teatro FAAP throughout its existence - 35 years in 2011. Besides that, Valmir Santos added an index. Therefore, the book has become a treasure serving as a reference to all lovers of the theater, overcoming the expectations for its initial proposal. I would like to thank Fundação Armando Alvares Penteado for the possibility of taking the plunge in its rich history, to the editor Jhony Arai for his dedication; to Ana Lucas for her beautiful graphic art in this book; to Claudia Hamra for her precious assistance; to all artists, authors and directors represented here, but, especially, to Valmir Santos. The gods of the theater, always thoughtful, will know how to reward you for this beautiful work. Denise Mattar August 2010


Um trabalho de fôlego

Há um ano e meio, juntamente com uma equipe especializada, desenvolvo para a Fundação Armando Alvares Penteado uma pesquisa sobre a história da instituição, focada na sua atuação cultural, desde 1947, ano de sua criação. O trabalho revelou-se de extrema complexidade: pela quantidade de material coletado, pela intrincada rede de alunos, professores e artistas que por ela passaram, e pelos desdobramentos de cada uma das atividades da Fundação. Um dos pontos sobre os quais trabalhamos foi o percurso do Teatro FAAP. Se buscarmos o início da relação das artes cênicas com a Fundação teremos que retroagir a 1958. Entre os cursos que a FAAP oferecia à época para crianças e adolescentes havia as aulas de dança e o teatrinho. E, principalmente, o Colégio Musical, dirigido pelo maestro Mario Ferraro. A Orquestra Sinfônica do Colégio, as Harpas de São Paulo, a Ópera de Câmara do Colégio Musical, o Conjunto Coral de Câmara e o Grupo Instrumental de São Paulo, eram todos ligados à FAAP, e apresentavamse com regularidade no Teatro Municipal e na então iniciante TV Tupi. Naquele tempo, já se falava na construção de um teatro, o que não aconteceu. Em 1964, Naum Alves de Souza dava aulas para adolescentes propondo incursões inovadoras com uma mescla de todas as artes. Dessa experiência resultaria o instigante Grupo Pod Minoga Studio. Outras ações pontuais ocorreram ao longo dos anos até a inauguração do Teatro FAAP, em 1976, com o espetáculo A moratória, de Jorge Andrade, um clássico da dramaturgia brasileira. Desde então o Teatro FAAP acolheu artistas nacionais e estrangeiros, famosos e desconhecidos, experimentais e clássicos, tornando-se uma referência paulista e nacional. Para escrever sobre o Teatro convidamos o jornalista e crítico Valmir Santos, que é, antes de tudo, um apaixonado pelas artes cênicas. Valmir e sua pequena equipe mergulharam fundo na pesquisa, e durante meses buscaram fotos, programas, reportagens e outras fontes de dados, preenchendo as muitas lacunas de informação. Em 1998, Claudia Hamra assumiu a direção do teatro, cargo que ocupa até hoje, e, desde essa data, seu trabalho cuidadoso veio tornar bem mais simples a pesquisa. A partir desse levantamento Valmir reconstituiu a história do Teatro FAAP, ou sua biografia cênica, como ele chama. A seguir dirigiu sua análise para os autores, atores e diretores que mais se apresentaram na casa, não por coincidência alguns dos mais renomados do Brasil e do mundo. O livro, amplamente ilustrado, tem ainda um prefácio amoroso de Naum Alves de Souza, e, ao final, uma extensa cronologia listando todos os espetáculos realizados pelo Teatro FAAP ao longo de sua existência - 35 anos a se completarem em 2011. A tudo isso Valmir acrescentou um índice remissivo. Dessa forma, o livro tornou-se uma preciosidade a ser consultada por todos os amantes do teatro, superando em muito sua proposta inicial. Agradeço à Fundação Armando Alvares Penteado pela possibilidade de mergulhar em sua rica história, ao editor Jhony Arai por sua dedicação; a Ana Lucas pela beleza gráfica deste livro; a Claudia Hamra por seu precioso acompanhamento; a todos os artistas, autores e diretores que aqui figuram, mas, especialmente a Valmir Santos. Os deuses do teatro, sempre atentos, saberão retribuir a você este lindo trabalho. Denise Mattar Agosto 2010



PREFÁCIO

Panorama visto da fresta Entre tábuas de tapume, sem muito apuro, uma fresta surgiu

1961/63/64 Cheguei em São Paulo em 1961 para trabalhar como datilógrafo na Companhia de Seguros Minas-Brasil e fazer faculdade de letras neolatinas. Fiz minha matrícula no cursinho para vestibular Castelões, o mais conceituado da época. O telefonema de um parente de minha irmã Neide levou-me ao Apolo, o primeiro cinema de arte desta cidade, e ali conheci Antônio Carlos Rodrigues, o jovem desenhista mais brilhante de minha geração. E ele me introduziu clandestinamente (não pagávamos mensalidades nem éramos bolsistas) nos cursos de gravura da FAAP. Adeus às Letras. Os mestres da gravura: Marcelo Grassmann, Mário Gruber e Darel Valença Lins. Pouco produzi naquelas salas, mas muito ouvi e conversei. E passei a amar um mundo do qual nunca tinha ouvido falar. Costanza Pascolatto, linda e nobre, Cândida Helena Pires de Camargo, também alunas, eram nossas musas e, num jipe velho do colega Walter Caiaffa Hell, passeávamos por uma São Paulo ainda calma, cheia de garoa e todo dia nos encontrávamos na “fundação”, o centro de tudo, a Fundação Armando Alvares Penteado. Paixão total por um centro de arte e um prédio ainda não revestido, com tijolos aparentes, lindo como a Pinacoteca do Estado. A mais antiga das lembranças Clovis Graciano, o famoso pintor, em cima de um andaime, ensinava a seus alunos a arte do mural, técnica antiga e trabalhosa. Todos usavam um sobretudo de algodão sobre as roupas, como os antigos pintores ou escultores. Havia muito as boinas francesas tinham caído em desuso. Com o tempo, não sei se os alunos foram rareando ou o mestre se cansou. A obra parou e por muitos anos ficaram os andaimes e aquelas figuras esquemáticas de tons marrons, ocres, cinzas, tão identificadas com aquele artista. Acho que depois cobriram o que sobrou com massa corrida. Desarmaram o andaime e muita gente já se esqueceu daquilo. Eu não. Dentro da FAAP Antes, durante e depois das aulas, vivíamos pra lá e pra cá, descobrindo os muitos espaços vazios do prédio inacabado. Salões imensos, corredores, colunas, escadas, tetos altíssimos. Ali passávamos horas, todo santo dia. Corre-corre nas escadarias, cumprimentos às estátuas dos profetas e poses diante dos portais barrocos ali reproduzidos. Todos perguntavam como tinham sido pintados os vitrais, quem fizera as manchas negras de pincel entre um e outro desenho. Além dos ateliês, frequentávamos a secretaria onde nos atendia, sorridente, Dona Francisca (ou Dona Pancha), paraguaia de nascimento, cunhada do professor Rossi, mestre da gravura e da cerâmica. A ela pedíamos materiais, reclamávamos de tudo. Dona Pancha conferia a presença dos poucos alunos pagantes e a dos bolsistas, cada vez mais numerosos graças às indicações dos professores. Quando terminou a bolsa de um ótimo aluno, tudo fizemos para que ele entrasse em segredo pelos janelões quase rentes ao chão.


PREFÁCIO

Dependíamos da lojinha administrada por “seu” Zé, bigodudo, simpático, que manobrava com paciência nossas contas eternamente penduradas. Papéis para desenho, carvões, tintas, pincéis, madeira para xilogravura, placas de cobre para gravar em metal. Também na cantina imperava seu Zé. Coisa simples, sem decoração, balcão, improvisação sem design. Tudo barato. Certamente ali vendiam coxinhas. Café de coador, adoçado ou pingado com leite, servidos em copos de vidro que queimavam os dedos. Nada alcoólico. Refrigerantes, os da época – guaraná, Coca-Cola, Crush. As preferências se dividiam entre Brahma e Antarctica. Acho que a plebeia Tubaína não chegou a ser admitida na nobre FAAP.

Nobre, porém fagueira FAAP Um certo toque francês ainda reinava. Sonhávamos em ganhar bolsas do governo francês para estudar arte em Paris. Viagem obrigatória de navio cargueiro, como no século XIX. Alguns conseguiram. Discussões acaloradas sobre impressionismo, expressionismo, cubismo, dadaísmo. Arte figurativa ou abstrata? Viva a arte contemporânea! Fora, acadêmicos e seu Salão bolorento! Quem vai ser admitido na Bienal? Armando Alvares Penteado, idealizador de tudo, trouxe, além da esposa, as ideias para transformar sua fundação em um espaço totalmente dedicado às artes, com cursos e museus. Vi Dona Annie, a velha condessa, de longe, apenas duas ou três vezes. Frágil, elegante, quase um fantasma. Devia sair muito pouco da bela mansão rosada, em estilo art déco. Jardins e gramados muito bem cuidados, alamedas, piscina, estátuas de Brecheret e outros escultores, árvores frondosas. Nunca pudemos ali entrar. Vi tudo através do portão ou por cima do muro. Em 1964, por pura simpatia, fui aceito como professor de crianças e adolescentes. Simpatia e inexperiência, para ser franco. Nunca tive a menor formação escolar para exercer tal cargo. Intuição e curiosidade. Minhas diretoras, Hebe Carvalho e Fernanda Milani, não hesitaram e deram o chute inicial. A atração Quando me perguntam por que dediquei a minha vida ao teatro, não sei responder com objetividade. Na infância e na adolescência, em Pirajuí e Lucélia, no interior paulista, vi muito cinema, mas muito pouco teatro. Dramas e comédias circenses, singelas dramatizações em festas escolares e na igreja presbiteriana. As artes me atraíram de todas as maneiras, com todas as garras. Por isso dediquei minha vida ao teatro. O panorama visto da fresta Entre tábuas pregadas sem muito apuro, uma fresta surgiu entre uma e outra. Conceito de lona de circo furada por crianças que não podiam pagar ingressos. E também de cortinas e cenários esburacados para os artistas verem quem estava na plateia. Ou quantos tinham pago o ingresso. Os destemidos construtores da fresta foram um jovem professor de artes plásticas e teatro e um bando barulhento de alunos, meninas e meninos, crianças, adolescentes, que frequentavam suas aulas. Era um lugar escuro, completamente escuro, nenhuma luz conseguia entrar ali. O misterio-


so espaço era indefinível, tão proibido quanto os jardins encantados, sótãos, porões, guarda-roupas mágicos das histórias infantis. Portais para novos mundos. Uma vez abertos, convidavam ao mergulho no mundo da imaginação. Assim era aquela escuridão vislumbrada através da fresta. Nem fama de mal-assombrado tinha. Naquela época, casarões abandonados dos barões do café e teatros antigos como o Municipal, o Cacilda Becker, o João Ramalho, tinham, sabidamente, seus próprios fantasmas. Ouvimos dizer que ali seria construído um teatro. Seria nosso, certamente, das crianças, dos adolescentes, meu! Não. Será que eu já enxergava as famosas colunas do palco ou a rota memória as erigiu? Anos depois, todas as críticas mencionaram as soluções positivas ou negativas dadas pelos cenógrafos para esconder ou aproveitar as colunas. Não paramos para esperar a abertura do tão desejado teatro. Fizemos espetáculos nas salas de pintura, num enorme salão onde aconteciam aulas de dança, no enorme hall da entrada, sob os vitrais, na presença dos profetas bíblicos do Aleijadinho. Em 1969 encerrou-se na edícula da casa da viúva Annie o meu período como professor da FAAP. Nossas salas, no prédio principal, foram cedidas para a faculdade de engenharia. A garagem da mansão dos Penteado virou o nosso teatro e as mesas se transformaram em palco. As salas de artes plásticas foram para os antigos aposentos de empregados, no andar superior. Tudo muito apertado e precário, mas a criatividade, teimosa, não queria morrer. Após a minha saída, alguns bravos professores lutaram, mas uma verdade foi mais forte – nossos cursos eram deficitários e não mais interessavam à estrutura da nova e grande FAAP que tomava outros rumos.

Enfim, o teatro! Felizmente, um dia, não sei quando, as obras foram retomadas e o espaço escuro se transformou no importante Teatro FAAP, onde vim a trabalhar como cenógrafo e figurinista em O homem elefante. E tive a honra de pintar, a pedido de Antunes Filho, os rostos de Eva Wilma, Lélia Abramo, Lilian Lemmertz e Maria Yuma, do elenco de Esperando Godot. Pouco fiz no palco, mas, desde sua inauguração, faço parte da plateia, com todo o prazer. O livro Amo os livros. Fiquei deveras comovido com o convite para escrever o prefácio de obra de tal importância, cujo texto pertence a Valmir Santos, jornalista e verdadeiro historiador do teatro brasileiro. Por acaso fiz parte dessa história. Meus agradecimentos à equipe de criação e produção desta obra.

São Paulo, junho de 2010

NAUM ALVES DE SOUZA


PREFace A view from the slit Among boards of a fence, carelessly nailed, a slit could be seen

1961/63/64

Inside FAAP

I arrived in São Paulo in 1961 to work as a typist at Companhia de Seguros Minas-Brasil and to attend the course of New Latin Languages at the College. I enrolled in a prep course to take the college entrance examinations named Castelões, the most renowned at the time. A phone call from a relative to my sister Neide led me to Apolo, the first art movie theater in the city, and that is where I met Antônio Carlos Rodrigues, the brightest young draftsman of my generation. He covertly introduced me (we did not pay the monthly fees or had scholarships) to FAAP’s drawing courses. That was my farewell to my Languages Course. The masters of drawing: Marcelo Grassmann, Mário Gruber and Darel Valença Lins. I produced very little in those rooms, but I listened and talked a lot. And I started loving a world I had never heard of before. Costanza Pascolatto, pretty and noble, Cândida Helena Pires de Camargo, also students, were our muses and, in the old jeep belonging to the colleague Walter Caiaffa Hell, we used to take rides in a São Paulo still calm and drizzly, and we used to meet at “fundação”, the center of everything, Fundação Armando Alvares Penteado, every day. Utter passion for an Art Center and a building not yet finished, with its uncovered bricks, as beautiful as the Pinacoteca do Estado.

Before, during and after the classes, we would wander around, discovering the many empty spaces in the unfinished buildings. Huge rooms, hallways, columns, staircases, very tall ceilings. We used to spend hours there, day in, day out. Running up and down the staircases, greetings to the statues of the prophets and poses before the baroque portals reproduced there. Everyone wondered how those windowpanes had been painted, who made the dark spots between one drawing and the other, with the paintbrush. Besides the studios, we used to go to the secretary’s office where the smiling face of Dona Francisca (or Dona Pancha), born in Paraguay, sister-in-law to professor Rossi, master of illustration and ceramics, would receive us. We used to ask her for materials, we would complain about everything. Dona Pancha checked the attendance of the few paying students and of those who had a scholarship, the latter increasing thanks to professors’ reference. When the scholarship of an excellent student finished, we did everything for him to secretly enter the building through the huge windows which were very close to the ground. We depended on the small store managed by “seu” Zé, a very nice man with a big moustache, who patiently handled our eternally unpaid checks. Paper for drawing, coal, paint, brushes, wood for xylograph, copper plates for engraving on metal. The cafeteria was also administered by “seu” Zé. A simple room, with no embellishments, a counter, improvisation without design. Everything there was cheap. Obviously, they sold coxinhas there. Coffee, sweetened or with milk, served in glasses which burned our fingers. No alcoholic beverages. Soda, the ones sold at the time – guaraná, Coca-Cola, Crush. The preference was divided between Brahma and Antarctica. I think the popular Tubaína was not served at the noble FAAP.

The oldest of all memories Clovis Graciano, the famous painter, on top of a scaffold, taught his students the art of painting on a wall, an old and exhausting technique. Everyone wore a cotton overcoat over their clothes, just like old painters or sculptors. French berets have long become outmoded. Time went by, and I do not know if students were becoming less frequent or if the master got tired. The work stopped, and, for many years, only the scaffolds and those schematic figures in hues of brown, ocher, gray remained, identifying that artist. I guess the remainder was covered with spackle. The scaffold was disassembled and many people have forgotten all that. But not me.

Noble, though agreeable FAAP A certain French touch was also ruling the place. We dreamed of being awarded scholarships from the French government to study art in Paris. A trip mandatorily taken in a cargo ship, just like in the 19th century. Some managed to get one. Heated


discussions about Impressionism, Expressionism, Cubism, Dadaism. Figurative or abstract art? Long live Contemporary art! Out with, scholars and their moldy Room! Who was going to be admitted to the Biennial? Armando Alvares Penteado, who idealized all of that, brought, besides his wife, ideas to turn the foundation into a space totally devoted to arts, with courses and museums. I saw Dona Annie, the old countess, from afar, only twice or three times. Fragile, elegant, almost a ghost. She should probably go out little from the beautiful pinkish mansion, in art deco style. Well-cared gardens and lawns, alleys, swimming pool, Brecheret’s statues, among other sculptors, leafy trees. We could never enter that place. I saw everything through the gates or over the wall. In 1964, I was accepted as a teacher for children and teenagers. To be honest, my only prerequisites were empathy and inexperience. I had no academic background for that position. Intuition and curiosity. My principals, Hebe Carvalho and Fernanda Milani, did not hesitate and decided to start the process up.

Attraction When people ask me why I devoted my life to theater, I do not know how to answer that in a straightforward manner. In my childhood and adolescence in the cities of Pirajuí and Lucélia, in the countryside of Sao Paulo State, I used to go a lot to the movies, but not as much to the theater. Dramas and comedies from the circus, simple dramatizations in school festivities and in the Presbyterian Church. The arts thoroughly attracted me, by all possible means. That is why I devoted my life to theater.

A view from the slit Among boards of a fence, carelessly nailed, a slit could be seen in between them. The concept of a circus canvas with holes bored by children who could not afford the tickets. And also the bored curtains and scenarios for artists to see what the audience was like. Or how many had paid for the ticket. The fearless builders of the slit were a young fine arts and theater professor and a group of loud students, boys and girls, children, teenagers who attended his classes. It was a dark place, a completely dark place where no light could be seen. The mysterious space was obscure, as prohibited as the enchanted gardens, attics, basements, magic closets in children’s tales. Portals to new worlds. Once they were open, they were an invitation to take a plunge into the world of imagination. That was how the darkness was envisioned through that slit. It was not even known as a haunted place. At that time, big abandoned mansions which belonged to the lords of the

coffee and old theaters, such as the Municipal, the Cacilda Becker, the João Ramalho, were known as having their own ghosts. We heard rumors a theater was going to be built there. It would certainly be ours, the children’s, the teenagers’, mine! It was not. I wonder if I was already able to see the famous columns of the stage or the shabby memory which erected them. Years later, all the reviews made reference to the positive or negative solutions given by the scenographers to hide or make use of the columns. We did not wait until the opening of the long-desired theater. We prepared shows in the painting rooms, in a huge room where dance lessons were taught, in the enormous entrance hall, under the windowpanes, in the presence of Aleijadinho’s biblical prophets. In 1969, my time as a FAAP professor came to an end at dona Annie Penteado’s small house. Our rooms in the main building were given to the engineering school. The garage in the Penteado’s mansion became our theater and the tables were turned into a stage. The fine arts rooms were placed in the former servants’ rooms, in the upper floor. Everything was too tight and precarious; however, the creativity insisted on not fading away. After my dismissal, some brave professors fought, but the truth was stronger — our courses were unsatisfactory and were no longer interesting to the new and huge FAAP, which was following new paths.

At last, the theater! Fortunately, one day, I do not know when, the works were resumed and the dark space became the important Teatro FAAP, where I came to work as a scenographer and costume designer for The Elephant Man. I had the honor to paint, upon request by Antunes Filho, the faces of Eva Wilma, Lélia Abramo, Lilian Lemmertz and Maria Yuma, from the cast of Waiting for Godot. I did little on stage; however, since its opening, I am pleased to be part of the audience.

The book I love books. I was truly moved with the invitation to write the foreword of such an important work, whose text was written by Valmir Santos, journalist and true historian of the Brazilian theater. I was part of this history by accident. My sincere acknowledgments to the creation and production team of this work.

São Paulo, June 2010. NAUM ALVES DE SOUZA


Table of Contents Foreword

FAAP......................................................................................................................................................................................... 7 Foreword

Denise Mattar................................................................................................................................................................... 9 Preface

Naum Alves de Souza............................................................................................................................................11 Prologue

A scenic biography...................................................................................................................................................18 Naum Alves de Souza

To the master of chance.....................................................................................................................................40 Waiting for Godot

The distress of waiting.........................................................................................................................................46 Glória Menezes

The magic of the live scene.............................................................................................................................56 Paulo Autran

An actor in search of six plays......................................................................................................................66 On behalf of Shakespeare

Anything is possible with the poet..........................................................................................................76 Ornitorrinco

Nature in a state of grace..................................................................................................................................86 Parlapatões

Quick Clowns.................................................................................................................................................................94 José Possi Neto

The stage in the palm of the hand........................................................................................................ 100 Aderbal Freire-Filho

A man to be trusted....................................................................................... 110 Raul Cortez

The courage to change................................................................................... 120 Marília Pêra

Mademoiselle Marília..................................................................................... 130 Dance

Lovers in movement....................................................................................... 136 Núcleo de Artes Cênicas

Techniques for life.......................................................................................... 148 Chronology..................................................................................................................................... 156 Index ................................................................................................................................................................................... 174 Bibliography................................................................................................................................... 176


ÍNDICE Apresentação

FAAP....................................................................................................................................................................................... 7 Apresentação

Denise Mattar............................................................................................................................................................... 9 Prefácio

Naum Alves de Souza............................................................................................................................................ 11 Prólogo

Uma biografia cênica............................................................................................................................................. 18 Naum Alves de Souza

Ao mestre com acaso............................................................................................................................................ 40 Esperando Godot

A angústia da espera............................................................................................................................................. 46 Glória Menezes

A magia da cena ao vivo..................................................................................................................................... 56 Paulo Autran

Um ator em busca de seis peças................................................................................................................ 66 Em nome de Shakespeare

Com o poeta tudo é possível......................................................................................................................... 76 Ornitorrinco

A natureza em estado de graça.................................................................................................................. 86 Parlapatões

Palhaços vapt-vupt................................................................................................................................................... 94 José Possi Neto

O palco na palma da mão.................................................................................................................................. 100 Aderbal Freire-Filho

Um homem de palavra......................................................................................................................................... 110 Raul Cortez

A coragem de transformar............................................................................................................................... 120 Marília Pêra

Mademoiselle Marília............................................................................................................................................ 130 Dança

Amantes em movimento.................................................................................................................................... 136 Núcleo de Artes Cênicas

Técnicas para a vida............................................................................................................................................... 148 Cronologia........................................................................................................................................................................... 156 Índice remissivo.............................................................................................................................................................. 174 Bibliografia.......................................................................................................................................................................... 176


Ó o o l p

r

g

prólogo

18


Óo

Viver de teatro é viver no teatro e com ele. Isso acontecendo, nossa presença nunca será apagada, pois os velhos e gloriosos edifícios, onde a palavra dos poetas viveu, guardam a vibração emocionada de quem neles atuou Gianni Ratto

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Uma biografia cênica

O espectador que vai ao Teatro FAAP pela primeira vez mal vence os 12 degraus da escada externa ao prédio-sede da Fundação Armando Alvares Penteado e, já no saguão, os olhos se deixam tomar pelo esplendor dos vitrais nas alturas, pelas réplicas em gesso de profetas esculpidos por Aleijadinho no rés do chão. O impulso é pela ascensão, mas o espectador precisará avançar à direita e descer outros quatro lances de escadas, 48 degraus abaixo, para elevar o espírito ao longe por meio das artes cênicas. O espaço arquitetônico ganhou forma no subsolo do prédio 1, por isso as duas colunas estruturais no fundo do palco, ora ocultadas ora capitalizadas pelas cenografias que passam pelo endereço limítrofe dos bairros de Higienópolis e Pacaembu, a Rua Alagoas, número 903. São 35 anos, em 2011, de uma identidade construída com os artistas e as criações com as quais ajudaram a narrar, também, a história do Teatro Brasileiro. O palco de 209 metros quadrados guarda na memória pelo menos 106 montagens e 27 coreografias, além de intervenções cênicas pontuais no campus-sede da FAAP. Uma programação de qualidade firmou seu lugar de relevância entre as atuais cerca de 160 salas convencionais ou alternativas da cidade de São Paulo. As linhas e páginas a seguir dão conta desse caminho em movimento. A rigor, a história do FAAP inicia-se antes de sua inauguração oficial com A moratória, montagem de Emílio di Biasi para a peça de Jorge Andrade – cortinas abertas oficialmente na noite de 22 de setembro de 1976. É preciso lembrar as aulas de artes plásticas ministradas pelo estudante de gravura Naum Alves de Souza antes de se tornar o dramaturgo premiado de A aurora da minha vida. Entre 1964 e 1969, ele convenceu suas coordenadoras a deixálo introduzir algumas noções básicas da arte do teatro junto a crianças e adolescentes da FAAP. Parte deles embarcou na aventura do Grupo Pod Minoga na década seguinte, como dá conta o próximo capítulo. É preciso remontar ao pioneirismo do cineasta e professor da Faculdade de Comunicação, Rodolfo Nanni, que trabalhou na instituição de 1971 a 2001. Ele comandou cursos livres de cinema e de teatro durante a década de 1970. Premiado pela direção e pelo roteiro do filme O saci, de 1953, transposição do universo de Monteiro Lobato para o público infantil, era natural que fundisse elementos audiovisuais e cênicos, como o fez em 20 de março de 1972, no espetáculo interativo Supermercado de som e imagem, a primeira atividade informal no lugar do futuro teatro, delineado apenas pela ossatura do concreto. Sem poltronas para receber as cerca de 1.500 pessoas, maioria jovem naquela noite interativa, “foi necessário improvisar assentos como almofadas revestidas com panos de colchão e carpetes”, segundo o verbete sobre o FAAP em Teatros: uma memória do espaço cênico no Brasil, livro do cenógrafo e arquiteto J.C. Serroni. “Foi um dos primeiros espetáculos multimídia realizados no Brasil. Abrangia música, literatura, teatro, cinema, artes plásticas, reunindo manifestações contemporâneas e experimentais. O teatro ainda nem tinha cadeiras. Os estudantes ficavam sentados ou até deitados em colchões espalhados pelo chão”, escreveu a sua biógrafa, a jornalista, crítica e pesquisadora Neusa Barbosa, em Rodolfo Nanni: um realizador persistente, de 2004. Participaram daquela experiência Jamil Maluf, Anna Maria Kieffer e Rodolfo Coelho de Souza, intercalando nú-

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Fotos em sentido horário: Carlos Augusto Strazzer, Márcia Real e Miriam Mehler em A moratória, texto de Jorge Andrade e montagem de Emílio di Biasi que abriu o Teatro FAAP em 1976; Eugênio Kusnet, professor e teatrólogo russo; concerto do Colégio Musical da FAAP, em 1960, sob regência de Mario Ferraro Clockwise: Carlos Augusto Strazzer, Márcia Real and Miriam Mehler in A moratória [The moratorium], text by Jorge Andrade and setting up by Emílio di Biasi which opened Teatro FAAP in 1976; Eugênio Kusnet, Russian teacher and theater scholar; concert at Colégio Musical da FAAP, in 1960, conducted by Mario Ferraro


Ruth Amorim Toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP arquivo faap

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meros musicais com projeção de animações de Roberto Miller, paulistano conhecido como “feiticeiro das imagens”, e trechos encenados de Ato sem palavras I, do irlandês Samuel Beckett, por alunos estagiários. Aquele início dos anos 1970 era marcado pelo desejo de dar ao espaço esboçado a vocação de um centro cultural voltado aos estudantes. Tanto que na Escola Livre de Teatro que criou e dirigiu na FAAP, Nanni conseguiu formar um quadro de professores notáveis: os críticos Sábato Magaldi e Clóvis Garcia, os dramaturgos Timochenco Wehbi e Lauro César Muniz, a atriz e bailarina Marilena Ansaldi, o encenador italiano Alberto D’Aversa e o ator e teatrólogo russo Eugênio Kusnet, entre outros. Aliás, um dos primeiros estudos de Kusnet (1898-1975) no Brasil, Introdução ao método da ação inconsciente, foi editado pela Fundação em 1971, dentro da Coleção Boletins. Coube a Nanni orientar em paralelo a construção efetiva do teatro, dar vida ao porão quase vazio. A FAAP contratou os arquitetos Aldo Calvo e Igor Sresnevsky, respectivamente especializados em cenografia e engenharia acústica. Importou equipamentos de luz da Europa. Em 1975, o teatro teve uma sessão prévia de abertura com um concerto de piano de Jacques Klein. O instrumento, um piano de cauda Bechstein, também tinha sido importado e até hoje está disponível no teatro. A partir do ano seguinte, a diretoria da Fundação decidiu que o palco se abrisse às produções da cidade e do país, dialogando com a comunidade externa e inscrevendo-o de vez no circuito profissional de espetáculos nacionais ou estrangeiros. Quando o Teatro FAAP abriu suas portas oficialmente com A moratória, no primeiro dia da primavera de 1976, estavam presentes autoridades como o então Ministro da Educação e Cultura, Ney Aminthas de Barros Braga, o que refletia a importância da iniciativa da Fundação. Miriam Mehler, Paulo Padilha, Carlos Augusto Strazzer e Márcia Real faziam parte do elenco dirigido por Emílio di Biasi. O texto de Jorge Andrade, de 1954, que virou um clássico da dramaturgia brasileira – e serviu de abre-alas a outros autores nacionais no Teatro FAAP – conta o drama da família de um fazendeiro paulista que perde suas terras. No ano seguinte, 1977, o destaque foi Esperando Godot, de Beckett, em montagem de Antunes Filho só com atrizes nos papéis masculinos: Lélia Abramo, Lilian Lemmertz, Maria Yuma e Eva Wilma, esta a idealizadora do projeto, como detalha um capítulo neste livro. Di Biasi voltou a dirigir em 1978, agora Caixa de sombras, do americano Michael Cristofer, em que Henriqueta Brieba, aos 76 anos, 72 deles na profissão, contracenava em cadeira de rodas com Antônio Petrin, Edney Giovenazzi, Lilian Lemmertz, Sônia Guedes e Yolanda Cardoso, entre outros. Naquele ano da temporada, em depoimento às pesquisadoras Maria Thereza Vargas e Maria Lúcia Pereira, Henriqueta Brieba, essa mulher de ascendência espanhola radicada no Brasil desde a segunda década do século XIX, adolescente a reboque de uma companhia de operetas e zarzuelas, de comédias musicadas, declarou que a passagem mais difícil em Caixa de sombras era quando tinha que falar dois palavrões. Sua personagem atingia o limite ao ver-se despossuída de todos os seus bens materiais, físicos e espirituais. “Eu não gosto de palavrão gratuito, eu gosto do palavrão no lugar certo e encaixado”, justificou a atriz. Outra vertente contemplada na programação foi a do teatro de grupo, que despontou no local pela primeira vez com O Pessoal do Victor, integrado por artistas formados pela USP e vindos da experiência como professores e precursores do Centro de Teatro do Instituto de Artes da Unicamp, sempre sob orientação e direção de Celso Nunes. Na FAAP, o coletivo fundado em 1974 apresentou A vida é sonho, de 1978, obra de Calderón de la Barca relacionada ao Século de Ouro espanhol, de ode ao estilo barroco, entre o XVI e o XVII. Na estreia, Celso Nunes declarou à Folha de S.Paulo porque a escolheu entre as quatro opções que tinha: “É uma peça clássica, que fala principalmente do poder. Uma reflexão do que é sonho e do que é realidade ao poder, dentro de uma sucessão no poder. O que, aliás, é muito atual”, afirmou o diretor. Foram dois meses em cartaz, 47 sessões de terça-feira a sábado, às 21h30, e dobradinha no domingo, às 18h e às 21h – isso dá notícias do fôlego da produção

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Sônia Guedes e Henriqueta Brieba em Caixa de sombras, de Michael Cristofer, outra direção de Di Biasi, de 1978 Sônia Guedes and Henriqueta Brieba in The Shadow Box, by Michael Cristofer, another play directed by Di Biasi, in 1978


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de teatro na época se comparada à dos tempos que correm, quando a média é de duas apresentações semanais. A vida é sonho atraiu exatos 3.238 espectadores, 2.620 pagantes e 618 convidados. Os dados exemplificados constam do borderô de cada espetáculo. Toda a documentação está armazenada em pastas individuais no acervo do Teatro FAAP. Um projeto itinerante do governo federal, o Mambembão, coordenado pelo Serviço Nacional de Teatro, depois Instituto Nacional de Artes Cênicas, órgãos do então Ministério da Educação e Cultura, o MEC, trouxe para o FAAP grupos de referência em outros Estados. No ano de 1983, o Grupo Bigorna, de João Pessoa, dirigido por Fernando Teixeira, apresentou Paparabo, livre adaptação do romance Fogo morto, do paraibano José Lins do Rêgo. O Giramundo Teatro de Bonecos, de Belo Horizonte, adaptou As relações naturais, de Qorpo Santo, e seu diretor e fundador, Álvaro Apocalypse, assim argumentou no programa a respeito do universo experimental do autor gaúcho: “Na verdade, as falas se parecem com um bando de pássaros assustados que procuram pouso onde podem, aqui ou ali, não importa em quem. [...] Para quem trabalha com bonecos que são construídos, modelados, depois animados, isto é, que são criados, nada mais compensador do que penetrar na estrutura da obra de Qorpo Santo, jogar e compor com suas personagens fragmentadas, colher e escolher uma série de opções e fixá-las momentaneamente em nossos recém-criados bonecos, agora já tomados por aqueles pássaros fugidios”. Naquele mesmo 1983, o Mambembão possibilitou que a irreverência carioca do Asdrúbal Trouxe o Trombone estendesse sua temporada paulistana, em pleno FAAP, com A farra da terra, espetáculo que vinha do recém-inaugurado SESC Pompeia. O lendário grupo de Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita e outros protagonizava o seu nono e, soube-se depois, derradeiro ano. E o crítico Yan Michalski perguntou-se no Jornal do Brasil: “Será que existiu algum dia um espetáculo tão criação coletiva quanto A farra da terra? Como sempre, o processo de trabalho envolveu contribuições de todos os artistas para o texto final e para a forma de realização, longamente desenvolvida através de exercícios e pesquisas de conjunto. Mas desta vez o Asdrúbal sugou também ideias e fontes de inspiração vindas de fora”, anotou, completando que o espectador também dava seus palpites. Depois do Asdrúbal, o palco passou a ser habitado também por grupos como o Ornitorrinco, os Parlapatões, Patifes & Paspalhões e o Circo Grafitti – todos eles ficaram em cartaz nos anos 1990. O quesito dramaturgia nacional sempre teve destaque na pauta do Teatro FAAP. Tiro ao alvo, do mineiro Flávio Márcio, chegou em 1979 justo quando tinham se passado três meses de sua morte, “uma das grandes esperanças da dramaturgia brasileira”, como observou Sábato Magaldi. A peça encerrava a trilogia do autor sobre a família brasileira urbana: “Só cabe mencionar esperança porque, desaparecido aos 34 anos, ele tinha muito mais a oferecer, além das seis peças que escreveu, na maioria inéditas em São Paulo. Réveillon, concebida em 1974, e Tiro ao alvo, novo cartaz do Teatro da Fundação Armando Alvares Penteado, não permitem falar em esperança, mas numa realidade viva do nosso palco”, escreveu no Jornal da Tarde. Alcides Nogueira teve sua quarta peça encenada por Marcio Aurelio naquele endereço, Os filhos do carcará, de 1980. Corrente pra frente, de 1982, era uma peça partilhada por três autores de estilos dissonantes: Consuelo de Castro, Lauro César Muniz e Jorge Andrade. Quem dirigiu foi Luís de Lima. “Corrente pra frente: um espetáculo sobre o capitalismo brasileiro é comédia, por mais difícil que possa parecer. Boa comédia (ou seria discreta tragicomédia política e social?). Já se disse e escreveu que o teatro brasileiro raramente aborda as questões do poder e das classes dominantes. É urgente entender os donos da situação (Os donos do poder, como os designou Raymundo Faoro em seu estudo monumental) para que não tenhamos ilusões sobre de que lado estão as coisas, as forças e as pessoas. Mas – no caso – com as engenhosidades e os encantos do teatro: que é arte, não sociologia”, analisou Jefferson del Rios na Folha de S.Paulo.

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Fotos em sentido horário: Marco Nanini, Lilian Lemmertz e Sérgio Mamberti em Tiro ao alvo, de 1979; o boneco do Grupo Giramundo em As relações naturais, uma concepção de Álvaro Apocalypse; Clarisse Abujamra e Francarlos Reis no musical 39, encenado por Flávio Rangel e cujo programa é reproduzido Clockwise: Marco Nanini, Lilian Lemmertz and Sérgio Mamberti in 1979’s Tiro ao alvo [Marksmanship]; the action figure of the Grupo Giramundo in As relações naturais [The natural relations], an idealization by Álvaro Apocalypse; Clarisse Abujamra and Francarlos Reis in the Musical 39, staged by Flávio Rangel whose booklet is here reproduced


©Gualter Limongi Batista/AMM/CCSP/SMC/PMSP ©Acervo Giramundo Teatro de Bonecos

© Tereza Cristina Pinheiro/AMM/CCSP/SMC/PMSP

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Nascida em Portugal e radicada no Brasil desde a adolescência, Maria Adelaide Amaral emplacou três sucessos no teatro. Em duas peças dela, De braços abertos, de 1984, e Inseparáveis, de 1997, repetiu parceria na equipe com o diretor José Possi Neto e a atriz Irene Ravache. O terceiro trabalho, Mademoiselle Chanel, de 2004, foi estrelado por Marília Pêra e encenado por Jorge Takla. Em De braços abertos, a recepção de Sábato Magaldi é de encantamento pela escrita teatral: “Tentemos justificar a razão de tão grande entusiasmo. Maria Adelaide coloca em cena um simples casal de amantes, numa mesa de bar, anos depois de rompido o relacionamento. A ação se tece pela justaposição de sucessivos flashbacks, entremeados pelas narrativas de Luísa e Sérgio, penteando a trajetória do caso amoroso. Como sempre, o resumo do entrecho é altamente redutor, não sugerindo a quantidade imensa de emoções contidas nos diálogos. A última fala é de Luísa, que observa: ‘O melhor, o mais surpreendente, o mais bonito, meu amigo, é a gente estar aqui e conseguir depois de tudo se olhar com tanta ternura’. Admirável na autora ter conseguido ir tão fundo no encontro e no desencontro do casal. [...] O talento de Maria Adelaide, claríssimo em Bodas de papel, A resistência e Chiquinha Gonzaga, atinge agora a maturidade. A arguta observadora da realidade à volta banha-se de introspecção, trazendo para a sua obra um sopro novo, que lhe dará dimensões insuspeitadas. Ela se inclui, desde já, entre os grandes criadores do nosso teatro”, discorreu o crítico sobre a criação que classificou de obra-prima no Jornal da Tarde. Juca de Oliveira, que compartilha a cena com Irene Ravache em De braços abertos, ela Luísa e ele Sérgio, retornou ao FAAP em Meno male, de 1987, comédia de sua autoria em que atua­va ao lado de Fulvio Stefanini, Luiz Gustavo, Maria Stella, Nicole Puzzi e Sandra Mara Azevedo. Para Ilka Marinho Zanotto, crítica de O Estado de S.Paulo: “Juca consegue em Meno Male a façanha de colocar em cena, com quase igual tempo de ação e importância, três protagonistas que Luiz Gustavo, Stefanini e ele próprio interpretam à maravilha para deleite da plateia. A barretada final do espetáculo à emotividade dos espectadores é golpe de mestre: só as pedras não se comoveriam ante o ato de solidariedade irrestrita do pai à filha”, escreveu ela. Carlos Alberto Soffredini, diretor e autor contumaz na pesquisa e na eleição temática da cultura popular brasileira, verteu o clássico de Cervantes para o contexto afins em Quixote, de 1993, montagem de Eliana Fonseca que integrou um projeto raro àquela altura na cidade, como noticiou Maria Cecília Garcia na Folha de S.Paulo: “Gênero teatro de repertório, o Projeto Teen fica em cartaz em São Paulo até dezembro no Teatro FAAP com os dois espetáculos sendo apresentados simultaneamente. Quixote vai para o horário das 19 horas e Confissões de adolescente às 21 horas. Com o objetivo de ‘trazer os caras-pintadas para o palco’, o Projeto Teen é uma ideia dos atores Isser Korik e Renata Soffredini [...]. Pretende atingir os adolescentes que, entre o teatro infantil e o adulto, na verdade nunca tiveram vez no teatro. Começam agora”. Confissões de adolescente foi um fenômeno de público, texto de Maria Mariana sob direção de seu pai, Domingos Oliveira, e atuações da própria com Carol Machado, Ingrid Guimarães, Patrícia Perrone e substituições no elenco de Carolina Dieckmann, Deborah Secco, Fernanda Badaue e Maria Ribeiro. Em entrevista a Alberto Guzik, no Jornal da Tarde, Maria Mariana contemporizou: “Sou de uma geração livre, que se descobriu herdeira das conquistas da geração de meu pai. Mas liberdade quer dizer responsabilidade. Não gosto dessa coisa de ser símbolo, porta-voz. Só que faz parte da profissão que escolhi. E não tenho medo de conversar, discutir ideias, mostrar o que penso”, declarou, temerosa da reação do público de São Paulo. “Não é nenhuma obra-prima, meu trabalho. Mas é honesto”, exerceu a autocrítica. A partir do conto de mesmo nome de Lygia Fagundes Telles, A confissão de Leontina, o ator Olair Coan e o diretor Oswaldo Boaretto Jr. permitiram-se deslocar trechos e suprimir outros para conjugar um tempo dramático no espetáculo de 1993. “A história resultou em espetáculo de grande força a partir de uma ideia perigosa que facilmente poderia levar ao maniqueísmo do travesti. Olair Coan faz Leontina, mas atuando na tradição teatral que,

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Fotos em sentido horário: Maria Stella, Juca de Oliveira e Fulvio Stefanini, em Meno Male, de 1987; cena e programa de O leito nupcial; ensaio de A farra da terra, de Asdrúbal Trouxe o Trombone, em 1983 Clockwise: Maria Stella, Juca de Oliveira and Fulvio Stefanini, in 1987’s Meno male; scene and booklet of O leito nupcial [The bridal bed]; rehearsal of A farra da terra [The spree of the land], by the group Asdrúbal Trouxe o Trombone, in 1983


© Djalma Limongi Batista/AMM/CCSP/SMC/PMSP

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da Grécia ao Japão, passando pelo teatro elisabetano, atribui papéis femininos aos homens. Um recurso e não afetação [...]. O desempenho de Olair é apaixonado, além de se sustentar na precisão dos gestos e da reconstituição do sotaque caipira paulista”, opinou o crítico Jeffer­son del Rios em O Estado de S.Paulo. Três anos após debutar na dramaturgia com Brasil S/A, o empresário Antônio Ermírio de Moraes viu estrear no Teatro FAAP a montagem do seu segundo texto, S.O.S. Brasil, de 1999, encenado por Marcos Caruso. Tratava-se de um diagnóstico sobre os malefícios do sistema de saúde à população. Em cena, Mayara Magri, Karin Rodrigues, Rogério Fróes e Jandir Ferrari, entre outros. O autor expressou-se no programa original: “Por conhecer a realidade do nosso sistema de saúde foi que me atrevi a escrever a peça teatral S.O.S. Brasil, que traz a público um pouco do que ocorre em matéria de saúde na área hospitalar brasileira. Nela, procurei proceder com toda a lealdade ao povo brasileiro, sendo justo ao escrevê-la. Espero que os governos, responsáveis por setor de primordial importância na vida de uma nação, recebam-na como crítica construtiva necessária para que, em futuro próximo, cheguemos a tratar a saúde de nossa população com mais dignidade, com resultados concretos, sem sonhos inúteis”. Vencedor do Prêmio Shell de Teatro SP de 1999, na categoria melhor texto, por O Fingidor, sua segunda peça encenada profissionalmente, Samir Yazbek conquistou nova temporada em 2000 no FAAP com o encontro ficcional dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa com o próprio, em seus últimos dias de vida. O elenco era formado por Edgar Castro, Eduardo Semerjian, Hélio Cícero, Mariana Muniz, Rejane Kasting Arruda e Sérgio Carrera, entre outros. Como não poderia deixar de ser, William Shakespeare foi uma boa companhia no Teatro FAAP. Entre as tragédias encenadas, estão Ricardo III, de 2006, por Jô Soares, e Hamlet, de 2008, por Aderbal Freire-Filho. Quando a peça não é do bardo, sua poética surge nas entrelinhas. Como em A grande volta, de 2010, um texto do belga Serge Kribus traduzido por Paulo Autran, dirigido por Marco Ricca e protagonizado por Rodrigo Lombardi e Fulvio Stefanini, este um veterano em estado de graça: “Voltar ao palco! Voltar ao palco! É sempre uma nova emoção, como diria Boris Spielman, meu personagem. A grande volta é um ótimo motivo para voltar ao palco. Boris Spielman é um desses personagens raros, sonho de muitos profissionais. Velho ator coadjuvante, sem grande sucesso, mas que tem no teatro sua grande possibilidade de realização pessoal. Sonha com grandes personagens, principalmente os shakespearianos e, de repente, cai em seus braços um convite para fazer o Rei Lear. Essa é a melhor razão para reencontrar o filho que não vê há um ano. Assim começa esta história humana, verdadeira e comovente”, testemunhou Fulvio Stefanini no programa do espetáculo que saudou a eternidade do autor mais cultuado em todo o planeta. Diversas escolas de direção também ajudaram a contar a história do Teatro FAAP. Caso do belga Maurice Vaneau, que passou pela fase modernista do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC da Rua Major Diogo, na Bela Vista. Vaneau esteve à frente de A calça: cada qual no seu lugar, de 1980, do alemão Carl Sternheim, em tradução de Millôr Fernandes. Entre os intérpretes, Ana Rosa, Jacques Lagôa e Jandira Martini, entre outros. Quando Flávio Rangel dirigiu a cantora Nara Leão no show Romance popular na temporada de estreia no Teatro da Universidade Católica, o Tuca, em julho de 1981, a atriz e produtora Clarisse Abujamra o convidou para assinar o musical 39, da norte-americana Gretchen Cryer. O numeral no título refere-se à idade da protagonista, uma cantora que subverte sua relação com o público e abre sua vida e os valores que a trouxeram até ali. Em entrevista ao biógrafo José Rubens Siqueira, Ricardo Rangel contextualizou aquela produção de seu pai. “Clarisse era uma bailarina experiente, mas não era cantora e tinha pequena experiência como atriz. Dificuldades desse tipo exerciam forte apelo sobre Flávio: solucionar, com a linguagem teatral, fragilidades do próprio texto, ou do elenco. Nem sempre se dava bem quando se tratava de trabalho de ator, mas, neste caso, a fusão das linguagens teatral e de show, que vinha desenvolvendo muito ultimamente, o interessou e conse-

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A dramaturga Maria Adelaide Amaral, que teve sua peça De braços abertos, de 1984, classificada como obra-prima pelo crítico Sábato Magaldi; ela também viu encenada no mesmo palco Inseparáveis, de 1997, por José Possi Neto, e Mademoiselle Chanel, de 2004, por Jorge Takla

The playwright Maria Adelaide Amaral who had her 1984 play De braços abertos [With open arms], ranked as a masterpiece by the reviewer Sábato Magaldi; she also saw the staging of 1997’s Inseparáveis [The Inseparable], by José Possi Neto, and 2004’s Mademoiselle Chanel, by Jorge Takla


RAUL CORTEZ contracenando com Mário César Camargo na peça À meia-noite um solo de sax meia-noite um solo de sax meia-noite um solo de sax meia-noite um solo de sax meia-noite um solo de sax

RAUL CORTEZ hristians of the age. In many ways, their devotion to Mary is the key to their refinement; she is the ways, their devotion to Mary is the key to their refinement; she is the

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©Folhapress


guiu bom resultado”. Clarice Abujamra contracenou com Dadá Cyrino, Regina Machado, Francarlos Reis e Paulo Herculano, entre outros. Da geração de encenadores surgidos dos anos 1990 para cá, William Pereira conduziu Irene Ravache e Regina Braga em Uma relação tão delicada, de 1993, de Loleh Bellon, e um elenco iniciante em Sinfonia de uma noite inquieta ou O livro do desassossego, de 1998, de Fernando Pessoa. A diretora Beth Lopes encarou duas produções, À margem da vida, de 1998, clássico de Tennessee Williams, com Regina Braga, Gabriel Braga Nunes e Luah Guimarães, entre outros, e Silêncio, de 2000, de Peter Handke, em atuações de Matteo Bonfitto e Yedda Chaves. Yara de Novaes, do Grupo 3 de Teatro, dirigiu um Nelson Rodrigues, A serpente, de 2006, com Débora Falabella, Mônica Ribeiro e Augusto Madeira, entre outros. Enrique Diaz, um dos expoentes da cena experimental, exibiu uma produção paralela ao repertório de seu grupo, a Companhia dos Atores: trata-se de In on It, do canadense Daniel Macivor, de 2010, defendido pela dupla Emilio de Mello e Fernando Eiras. Teatro de investigação, teatro de pesquisa, teatro experimental. As variações para os projetos mais conceituais mereceram o palco do FAAP, literalmente. Os espetáculos Silêncio, de 2000, com direção de Beth Lopes; 1974 SMPNF, de 2003, direção de Gabriela Flores e solo de Fernanda Barcelos, ambas coautoras; e Peças, de 2006, texto de Gertrude Stein, direção de Marcio Aurelio e atuação de Luiz Päetow, levaram o espectador para o tablado. O público entrava pela rampa ao fundo e o espaço cênico correspondia à metade do palco. A imagem dos atores na boca de cena, de fato, é a que mais adere às lembranças. Antônio Fagundes, Christiane Torloni, Fulvio Stefanini, Glória Menezes, Irene Ravache, Lilia Cabral, Marco Ricca, Marília Pêra, Marco Nanini, Paulo Autran e Raul Cortez, para citar alguns, são nomes que catalisariam qualquer território de cena em que pisam. Cada um deles preencheria perfeitamente um capítulo deste livro. Na impossibilidade de fazê-lo, dado o objetivo editorial destas páginas em torno do palco do FAAP e seus 35 anos, optamos por quatro representantes que causariam orgulho a esse coro: Glória, Marília, Paulo e Raul. As fichas técnicas dos espetáculos em que todos esses artistas interpretaram, entre dezenas de outros, estão relacionadas na parte final do volume. O mergulho no passado revelou curiosidades. A presença do hoje produtor cultural João Carlos Couto, o Janjão, no elenco de Os filhos do carcará, de 1980. A apresentadora de telejornal Sandra Annenberg em Um dia muito especial, de 1986. O saxofonista, flautista, compositor e arranjador Nivaldo Ornelas na concepção da música em O encontro marcado, de 1983, texto de Fernando Sabino e direção de Paulo César Bicalho. O pianista, compositor e arranjador Benjamim Taubkin e o violeiro Paulo Freire no time de criadores do musical 39, de 1981, cuja ficha técnica inclui ainda o crítico Alberto Guzik na equipe de divulgação. Os atores ligados recentemente à presidência da Fundação Nacional das Artes, a Funarte, órgão do MinC: o ex, Antônio Grassi, no mesmo O encontro marcado, de 1983, e o atual, Sérgio Mamberti, em Tiro ao alvo, de 1979, dramaturgia de Flávio Márcio e encenação de Ronaldo Brandão, e em O bailado do deus morto, de 1999, duas décadas depois, obra de Flávio de Carvalho dirigida por José Possi Neto. A dança também conquistou seu espaço no palco do Teatro FAAP. O segmento será tratado em capítulo à parte porque corresponde a um arco de 28 anos de espetáculos clássicos, modernos ou contemporâneos, de 1979 a 2007, com um pendor todo especial para o teatrodança na década de 1990, hibridismo incipiente à época. Vera Sala, Mariana Muniz, João Andreazzi, Sandro Borelli, Ana Botafogo, Ruth Rachou, enfim, um entrelaçamento de gerações que seguem militando na criação. A pauta se abriu ainda às produções internacionais, como a Companhia de Dança Contemporânea de Moscou, atração de 2001. Houve pelo menos dois exemplos de que nem sempre as artes cênicas se circunscreviam ao palco e alcançavam o entorno do FAAP, ocupando outros lugares do campus. Um foi a montagem de Édipo rei, de 1993, no hall de entrada da Fundação. A tragédia de Sófocles decorreu da conclusão de curso de um estudante de direção da Escola de Comunicações e

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Fotos em sentido horário: Confissões de adolescente, com Maria Mariana, Carol Machado, Patrícia Perrone e Ingrid Guimarães, em 1993; o diretor Emílio di Biasi e o ator Hugo Possolo em ppp@WllmShkspr.br, em 1998; o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que escreveu S.O.S. Brasil, de 1999; o ator Olair Coan no monólogo A Confissão de Leontina, em 1993 Clockwise: Confissões de adolescente [Confessions of a teenager], with Maria Mariana, Carol Machado, Patrícia Perrone and Ingrid Guimarães, the director Emílio di Biasi and the actor Hugo Passolo in 1998’s ppp@WllmShkspr.br, in 1993; the businessman Antônio Ermírio de Moraes, who wrote S.O.S. Brasil, in 1999; the actor Olair Coan in the monologue A Confissão de Leontina [Leontina’s Confession], in 1993


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©Guilherme Rosenbaum

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Artes da USP, Dirceu Capuchinqui, orientado pelos professores Marcio Aurelio e Hamilton Saraiva. O segundo exemplo de espaço não convencional se deu na criação do espetáculo 33 – O eu e o outro, direção de José Possi Neto e coreografia de Sandro Borelli. Dança, literatura e audiovisual convergiram para celebrar o homem e a obra do pintor e poeta na exposição Ismael Nery - 100 anos. A poética de um mito, de 2000. A performance de tea­tro-dança foi inserida no espaço físico da mostra, no MAB. Sobre Nery e a poética desencadeada por meio de sons, imagens e movimentos umbilicados aos versos da mulher dele, Adalgisa Nery, e do escritor Murilo Mendes, um instigado Possi Neto escreveu no programa: “Amante da dança e do teatro, só não se tornou bailarino clássico (seu sonho) devido a pressões morais de sua época e principalmente à intransigência familiar. Dançar Ismael Nery é tentar materializá-lo, revivê-lo. Dar forma humana aos seus múltiplos EUs, tão habilidosamente retratados na sua pintura e magistralmente registrados e analisados na sua pequena obra literária”. O diretor recorreu à voz em off de Murilo Rosa, Christiane Torloni e Bruno Garcia. De volta ao MAB, a sua criação no campus-sede foi comemorada com uma apresentação casada da Orquestra Sinfônica do Colégio e do Conjunto Harpas de São Paulo, ambos integrados ao Colégio Musical da FAAP, idealizado e regido pelo maestro Mario Ferraro. O concerto aconteceu em 2 de julho de 1960 e foi considerado o marco do trabalho ousado que o italiano Ferraro proporcionaria aos paulistanos ao propor um repertório incomum na ópera e na música camerística e sinfônica, até retornar ao país natal, onde morreu em 1969. Entre os eventos paralelos às artes cênicas, mas que a tangenciam, o Teatro FAAP recebeu shows das cantoras Fortuna, de 1993; Ná Ozzeti, de 1994; e Kátia Teixeira, de 1997. Abrigou concertos eruditos com a Orquestra Filarmônica de São Caetano do Sul, de 1993; a Orquestra Jazz Sinfônica, o Octeto Oito em Ponto e o Coral Sinfônico do Estado de São Paulo, todos de 1994. A moda fez com que o palco fosse adaptado para passarela que avançava até a plateia no desfile de Reinaldo Lourenço para a edição inverno da São Paulo Fashion Week, de 2007. Personalidades como o ex-presidente norte-americano Bill Clinton, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também ocuparam o centro do palco para ministrar palestras ou aulas magnas. A atual diretora do Teatro FAAP, Claudia Hamra, soma 21 anos de vivência no meio teatral, 13 dos quais dedicados à administração de uma equipe de nove funcionários e à coordenação do Núcleo de Artes Cênicas. Ela costuma circular pelas temporadas de São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Londres e Nova York. Recebe muitos projetos, lê as respectivas dramaturgias e tem na presidente do Conselho de Curadores da Fundação, Celita Procopio de Carvalho, uma interlocutora fundamental nas decisões. “Vejo também o histórico das pessoas envolvidas, inclusive as que eu já assisti. Penso o que é mais adequado, a circunstância social, o que o mundo está querendo falar naquele momento. Cada montagem escolhida é fruto de reflexão maturada, posso justificar cada uma delas. Às vezes tem a ver com algum aspecto particular daquele processo de criação, daquela atriz ou daquele ator em relação ao nosso histórico. O que é básico na condução do Tea­ tro FAAP é a parceria. Fazer teatro é inerente a construir vínculos artísticos e profissionais a cada etapa”, concluiu a diretora. Além da cafeteria atual, o saguão do Teatro FAAP, no subsolo, já contou com uma pequena livraria. Mas ela deixou de existir em consequência das reformas e melhorias das instalações, facilitando o fluxo das pessoas no local. A plateia com capacidade para 512 espectadores, inclusive os portadores de deficiência, foi configurada através da implantação de mezanino e da subtração de duas colunas estruturais idênticas às que se encontram no fundo do palco. Esse redesenho arquitetônico ocorreu gradativamente, a partir do final dos anos 1980. De qualquer lugar que o espectador escolha, a perspectiva de visão será angular, tal qual a curva em leque do palco – esse cordão umbilical de humanidades que retroalimenta e conecta a comunidade faapiana com a cidade e com o mundo das artes vivas.

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Acima, os atores Hélio Cícero e Douglas Simon em O fingidor, peça de 2001 escrita e dirigida por Samir Yazbek; o clássico Édipo rei, de Sófocles, encenado em 1993 no saguão do prédio 1 da FAAP, por Dirceu Capuchinqui Above, the actors Hélio Cícero and Douglas Simon in O fingidor [The pretender], a 2001 play written and directed by Samir Yazbek; and the Sophocles’s classic Oedipus the King, staged in 1993 at the hall of building 1 at FAAP, by Dirceu Capuchinqui


FOTOS: ©FERNANDO SILVEIRA/FAAP

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Sônia Soares e Roberto Alencar em 33 – O eu e o outro, de 2001, coreografia assinada por Sandro Borelli e dirigida por José Possi Neto em espaço externo ao teatro durante exposição que homenageou Ismael Nery

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©FERNANDO SILVEIRA/FAAP

Sônia Soares and Roberto Alencar in 2001’s 33 – O eu e o outro [33 – I and the other], with choreography by Sandro Borelli and directed by José Possi Neto in the external area to the theater during the exhibition in honor to Ismael Nery


Antônio Fagundes retornou ao palco no monólogo Restos, de Neil LaBute, uma encenação de Marcio Aurelio, em 2009 Antônio Fagundes returned to the stages with the Neil LaBute’s monologue Wrecks, a staging by Marcio Aurelio, in 2009

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©JOÃO CALDAS


©JOÃO CALDAS

A grande volta, de 2010, era protagonizada por Fulvio Stefanini e Rodrigo Lombardi, em texto de Serge Kribus, dirigido por Marco Ricca 2010’s A grande volta [Le Grand Retour de Boris S.] had as leading actors Fulvio Stefanini and Rodrigo Lombardi in Serge Kribus’text directed by Marco Ricca

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O apresentador Jô Soares traduziu e dirigiu Ricardo III, de 2006 The TV show host Jô Soares translated and directed 2006’s Richard III

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©Jorge Araújo/Folha Imagem


Abstract in english

prologue

A scenic biography Living for the theater is to live with the theater and to live with it. If this happens, our presence will never be erased, because the old and graceful buildings, where the words from poets lived,keep the excitement of those who performed in them Gianni Ratto Teatro FAAP’s history, in São Paulo, starts before its official opening on September 22, 1976, with the performance A moratória [The moratorium], written by Jorge Andrade and directed by Emílio di Biasi. It is necessary to remember the plastic arts classes taught at the building of Fundação Armando Alvares Penteado by the engraving student at the time Naum Alves de Souza, who would become one of the most important playwrights in the country, the awarded author of A aurora da minha vida [The Dawn of my life]. Between 1966 and 1969, he convinced the coordination to let him introduce some fundamentals on the art of theater for children and adolescents who studied there. Part of them would start the adventure of the Grupo Pod Minoga in the next decade. It is necessary to remember, also, the groundbreaking attitude of the filmmaker and professor at the Faculdade de Comunicação Rodolfo Nanni, who directed the elective programs about cinema and theater in the 1970s. Four years before the opening, for instance, he improvised cushions in the space still lacking finishing and presented the interactive performance Supermercado de som e imagem [Sound and Image Supermarket] – first informal activity of the future theater. The scenic architecture was shaped in the underground of building 1 of the Fundação located at Rua Alagoas, number 903, between the districts of Higienópolis and Pacaembu. FAAP hired the architects Aldo Calvo and Igor Sresnevsky, respectively specialized in scenography and acoustic engineering. A moratória, text which opened the doors to the theater on the first day of Spring in 1976, tells the story of a family of a farmer from São Paulo who lose their land. In 2011, therefore, we celebrate 35 years of an identity consolidated jointly with artists whose creations also contributed for telling the

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history of the Brazilian Theater. A stage which keeps the memory of at least 106 setting ups and 27 choreographies, in addition to scenic interventions at FAAP’s main campus. A program full of quality which has established its place of importance among the 160 conventional or alternative rooms we currently have in the city of São Paulo. In 1977, the high note was Samuel Beckett’s Waiting for Godot, in a setting up by Antunes Filho, one of the main directors in the country nowadays. The performance had only actresses playing male roles: Lélia Abramo, Lilian Lemmertz, Maria Yuma and Eva Wilma. Emílio di Biasi came back in 1978 directing Caixa de sombras [The Shadow Box], by the American Michael Cristofer, in which Henriqueta Brieba, at the age of 76, 72 of them in the profession, shared the stage on a wheelchair with Antônio Petrin, Edney Giovenazzi, Lilian Lemmertz, Sonia Guedes and Yolanda Cardoso, among others. In that year of season, in a testimony to the researchers Maria Thereza Vargas and Maria Lúcia Pereira, Henriqueta Brieba, this woman who has an Spanish origin, dweller of Brazil since the second decade of the 19th century, stated that the most difficult passage in Caixa de sombras was the one he had to use two swear words. “I do not like to use bad language, I think it has to be used in the right place, with a purpose”, justified the actress. In 1983, the Mambembão – an itinerary project sponsored by the federal government – enabled the irreverence of the Rio de Janeiro group Asdrúbal Trouxe o Trombone to perform yet another season in São Paulo, at FAAP, with A farra da terra [The spree of the land], a performance which had just been performed at the recently opened SESC Pompeia. The legendary group comprised by Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita and others staged their ninth and last year. National dramaturgy has always been a high note at Teatro FAAP. Tiro ao alvo [Marksmanship], by the Minas Gerais’ author Flávio Márcio, arrived in 1979, three months after his death, “one of the great hopes of Brazilian dramaturgy”, as pointed out by Sábato Magaldi. The play ended the author’s trilogy about the Brazilian urban family. 1982’s Corrente pra frente [All cheering ahead], was a comedy about capitalism, a play shared by three authors with very different styles: Consuelo de Castro, Lauro César Muniz and Jorge Andrade. It was directed by Luís de Lima. Maria Adelaide Amaral had three box offices at the theater.


In tow of her plays, 1984’s De braços abertos [With open arms], and 1997’s Inseparáveis [Inseparable], she repeated the partnership with the director José Possi Neto and the actress Irene Ravache. The third work, 2004’s Mademoiselle Chanel, was starred by Marília Pêra and directed by Jorge Takla. Juca de Oliveira, who shared the stage with Irene Ravache in De braços abertos, she as Luísa and he as Sérgio, returned to FAAP in 1987’s Meno male, a comedy he wrote and acted, next to Fulvio Stefanini, Luiz Gustavo, Maria Stella, Nicole Puzzi and Sandra Mara Azevedo. Carlos Alberto Soffredini, an obstinated author in the research and the thematic choice of the Brazilian popular culture, translated Cervantes’s classic for a similar context in 1993’s Quixote, a setting up by Eliana Fonseca. The performance Confissões de adolescente [Confessions of a teenager] was a box office – with text by Maria Mariana under the direction of her father Domingos Oliveira, and herself acting together with Carol Machado, Ingrid Guimarães and Patrícia Perrone, among others. William Shakespeare was always a good company for Teatro FAAP. Among the staged tragedies are Richard III, de 2006, by Jô Soares, and 2008’s Hamlet, by Aderbal Freire-Filho. When the play was not written by the bard, his poetry comes in between the lines. This happens in 2010’s A grande volta [Le Grand Retour de Boris S.], a text by the Belgian Serge Kribus translated by Paulo Autran, directed by Marco Ricca and having Fulvio Stefanini and Rodrigo Lombardi as leading actors. Several direction schools also help tell the history of Teatro FAAP. This is the case of the Belgian Maurice Vaneau, who went through the modernist phase of the Teatro Brasileiro de Comédia, the TBC. Vaneau was ahead of 1980’s A calça: cada qual no seu lugar [Die Hose], by his countryman, the German Carl Sternheim. Among the interpreters were Ana Rosa, Jacques Lagôa and Jandira Martini besides a great cast. From the generations of directors from the 1990s to date, William Pereira directed Irene Ravache and Regina Braga in 1993’s Uma relação tão delicada [De si tendres liens], by Loleh Bellon, and a beginning cast in Sinfonia de uma noite inquieta ou O livro do desassossego [Symphony of a restless night or the Restlessness book], in 1998, by Fernando Pessoa. The director Beth Lopes staged two productions,The Glass Managerie, in 1998, a classic by Tennessee Williams, with Regina Braga, Gabriel Braga Nunes and Luah Guimarães, among others, and Silêncio [On a Dark Night I Left My Silent House], in 2000, by Peter Handke, with Matteo Bonfitto and Yedda Chaves in the leading roles. Yara Novaes, from Grupo 3 de Teatro, directed Nelson Rodrigues’

A serpente [The serpent], in 2006, with Débora Falabella, Mônica Ribeiro and Augusto Madeira, among others. Enrique Diaz, one of the representatives of the experimental scene, exhibited a parallel production to the repertoire of his group, the Companhia dos Atores: In on It, by the Canadian Daniel Macivor, in 2010, defended by the actors Emilio de Mello and Fernando Eiras. The image of the actors at the front part of the stage is, in fact, one that surely sticks to the mind. Antônio Fagundes, Christiane Torloni, Glória Menezes, Irene Ravache, Lilia Cabral, Marco Ricca, Juca de Oliveira, Marília Pêra, Marco Nanini, Paulo Autran and Raul Cortez, just to name a few, are names which would cause a commotion in wherever stage they stepped. Each one of them would perfectly fill in one chapter of this book. As it is not possible to do so, given the editorial purpose of these pages about FAAP and its 35 years, we chose four of them that would be a proud representation to the others: Glória, Marília, Paulo and Raul. The technical information on the performances where all these artists have interpreted, among several others, are listed at the final part of this volume. Dance was also represented at FAAP. It received a separate chapter because it corresponds to a period of 28 years of classical, modern or contemporary performances, from 1979 to 2007, with a special reference to the theater-dance in the 1990s, a hybridism incipient to the time. Vera Sala, Mariana Muniz, João Andreazzi, Sandro Borelli, Ana Botafogo, Ruth Rachou, an intermingling of generations which continue fighting for their creations. It also hosted international productions, such as the Moscow’s Contemporary Dance Company, in 2001. Besides the current cafeteria, the lobby of Teatro FAAP, in the underground had a small bookstore which had to be closed because of the remodeling and improvements to the facilities, making the people traffic easier at the place. The theater, which could receive 512 viewers, including those bearing disabilities, was restructured by means of the implementation of a mezzanine and the removal of two structural columns identical to those at the back of the stage. This architectural redesign occurred gradually, as of the end of the 1980s. From any place the viewer chose, the viewing perspective will be angular, such as the curve in the shape of a fan of the stage – this umbilical cord of humanities which is fed and connected to the community at FAAP with the city and the world of the living arts.

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Naum ALVES DE SOUZA

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Šana Ottoni/Folhapress

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Ao mestre COM ACASO

As formas neoclássicas do prédio da FAAP ainda recebiam os últimos acabamentos, dentro e fora, quando a cultura de teatro começou a dar o ar da graça por ali, em meados dos anos 1960. A instituição funcionava a todo vapor com forte vocação para as belas artes. Os cursos de referência abarcavam áreas como pintura, escultura, decoração e arquitetura. E foi para a escola da Rua Alagoas que um rapaz do interior paulista se dirigiu, a fim de estudar gravura com professores-criadores, cuja generosidade o marcaria para sempre, entre eles Marcelo Grassmann, Darel Valença Lins e Mário Gruber. Ele nunca concluiu tal formação – felizmente, pode-se dizer hoje. Naum Alves de Souza tinha 23 anos quando começou a dar aulas no Curso Livre de Artes Plásticas destinado aos estudantes do ensino básico. A convivência com crianças e adolescentes o levou a enveredar, quase sem querer, pelo caminho das artes cênicas. Um atalho que ele mesmo desconhecia. Aprendeu e ensinou muito entre 1964 e 1969. Um período de semeadura que deu origem ao Grupo Pod Minoga, na década seguinte, e desabrochou o talento do próprio dramaturgo, diretor, cenógrafo e figurinista, que inscreveu sua poética na cena brasileira contemporânea com muita singularidade. Natural de Pirajuí, na região de Bauru, Naum Alves de Souza conciliou, pois, o aprendizado artístico com a condição de professor iniciante. Os ateliês no subsolo da FAAP tornaram-se criadouros cênicos para o futuro e renomado autor de Aurora da minha vida. Parte dos alunos mirins também vingou ao eleger, com o passar do tempo, o teatro como ofício após aqueles frutíferos quatro anos de convivência. Entre os entusiastas da época estavam Flávio de Souza, Mira Haar, Analu Prestes e Carlos Moreno. Eles logo montaram o seu grupo, o Pod Minoga Studio (1972-1980), reflexo do empirismo e da vocação de alguns deles. “Esse encontro com o palco alterou a vida de muitas daquelas crianças. Era visível que, em alguns alunos, ia surgir uma paixão devastadora pelo teatro. Muitos começaram a renunciar aos sagrados sábados e domingos, substituindo clubes e cinemas por uma dedicação ao teatro”, afirmou Naum ao seu biógrafo, o crítico Alberto Guzik, no livro Naum Alves de Souza: imagem, cena, palavra. O Curso Livre de Artes Plásticas era concorrido. O professor atuava sozinho e encontrava dificuldade para estabelecer controle disciplinar junto à garotada. Naum acabou apropriandose de brincadeiras que os meninos e as meninas já faziam entre si e remetiam à dinâmica do improviso nos jogos teatrais. O jeito foi agregar algumas histórias, inventar cenas para representálas. “Nessa primeira etapa de descobrimento, as crianças tinham entre 6 e 10 anos. Com os bons resultados, autorizado pelas diretoras, comecei a fazer teatrinho em todas as classes”, lembrou

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To the master of chance FAAP’s building neoclassical shapes were still receiving the finishing touches both indoors and outdoors, when the culture of theater started to be displayed there in the mid 1960s. The institution was working at its full capacity with a strong vocation to the fine arts. Reference courses comprised areas such as painting, sculpture, decoration and architecture. And it was towards the school located at Alagoas Street that a young lad from the countryside of the São Paulo state went, with the purpose of studying engraving with professors and creators, whose kindness he would always remember, among them, Marcelo Grassmann, Darel Valença Lins and Mário Gruber. He had finished that course – and today it can be said that was fortunate. Naum Alves de Souza was 23 years old when he started teaching at the Curso Livre de Artes Plásticas intended to elementary school students. Having a close contact with children and adolescents led him to unintentionally follow the path of the performing arts. A shortcut not even he was aware of. And learned and taught a lot between 1964 and 1969. A period in which the Grupo Pod Minoga came to existence, in the next decade, and when the playwright, director, scenic and costumes designer’s talent bloomed, leaving his poetical mark in the Brazilian contemporary scene with singularity. Natural of the city of Pirajuí, in the region of Bauru, Naum Alves de Souza combined his artistic learning with his status as a beginning professor. The studios at FAAP’s undergrounds became scenic creation areas for the future and renowned writer of Aurora da minha vida [The Dawn of my life]. Part of the young students has also been successful in choosing, throughout the years, the theater as an occupation after those four productive years. Among the enthusiasts at that time were Flávio de Souza, Mira Haar, Analu Prestes and Carlos Moreno. They soon created their own group, the Pod Minoga Studio (1972-1980), a reflex of the empiricism and the vocation some of them had. “This relation with the stage changed the life for many of those children. It was clear that some of those students would have an overwhelming passion for the theater. Many of them started waiving their Saturdays and Sundays, replacing clubs and cinemas for the dedication to the theater”, stated Naum to his biographer, the reviewer Alberto Guzik, in the book Naum Alves de Souza: imagem, cena, palavra [Naum Alves de Souza, image, scene, word]. The Fine Arts Elective Course was always crowded. The professor acted alone and it was difficult for him to have a disciplinary control on the youngsters. Naum ended up making use of the boys and girls’ jokes and plays to refer to the improvisation dynamics in the theatrical games. He used some of the stories, by inventing scenes to act them. “In this first stage of discovery, the children were between 6 and 10 years old. As I had good results, and upon authorization from the directors, I started to act these


Students improvise during the rehearsal over wooden scaffolding which also served as a theater didactic laboratory

arquivo faap

Estudantes improvisam durante ensaio sobre praticáveis de madeira que também serviram aos laboratórios didáticos de teatro

From the left, Mira Haar, Cecília Caradonna, Maria Cristina Eitler, Analu Prestes and other participants of the pedagogical theater activity performed in Naum’s class

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analu prestes/arquivo pessoal

A partir da esquerda, Mira Haar, Cecília Caradonna, Maria Cristina Eitler, Analu Prestes e outros participantes de atividade teatral pedagógica realizada na turma de Naum


Naum, que foi apoiado desde o início pelas coordenadoras Hebe Carvalho e Fernanda Milani. Ele sistematizou uma técnica pedagógica de maneira intuitiva, bebeu muito nas pesquisas didáticas de autores como Maria Clara Machado e Michel Small. Os alunos tomaram contato com técnicas e materiais visuais ou plásticos, sempre incentivados a manifestar-se livremente conforme o repertório de cada um, narra o livro Pod Minoga Studio – a arte de brincar no palco sem pedir licença, sob coordenação editorial de Sílvia Fernandes. “O resultado desse acaso bem-sucedido foi a criação de um novo curso, voltado apenas para as atividades teatrais”. Ministrado por Naum, era aberto a estudantes de outras áreas. Numa das salas, foi improvisado um palco italiano. Alguns praticáveis de madeira serviram aos laboratórios de representação, espaço para leituras dramáticas, para pensar a concepção de luz, figurinos, cenografia, fruir os demais elementos constitutivos do fazer teatral. No âmbito de um projeto pedagógico eminentemente prático, ele adaptou para os aprendizes Macbeth, Hamlet, O mercador de Veneza, A tempestade, enfim, um intensivão de Shakespeare. “Uma vez montamos um Macbeth memorável. Mira Haar, aos dez anos, fazia Lady Macbeth. O exército inimigo e a floresta, na cena da batalha final, foram feitos com bicicletas e galhos de arbustos do jardim da frente da FAAP. Os pés de azaleias ficaram pelados. Triunfais, as crianças entraram pedalando, com os galhos nas mãos”, recordou o dramaturgo em sua biografia. “Fizemos Os irmãos das almas, de Martins Pena, em que Carlinhos Moreno, aos 11 anos, era o galã. Ele foi uma criança fascinante de tão talentosa.” No início de 1969, os cursos livres foram transferidos para a edícula de medidas amplas na casa em art déco ao lado da FAAP. No andar superior, aconteceram as aulas voltadas às artes plásticas. Na garagem, foi improvisado mais um palco. Nasceram ali os últimos trabalhos dessa fase escolar efervescente. Os cursos foram extintos no final daquele ano, e muitos dos jovens artistas entusiastas seguiram no encalço de Naum. Eles fizeram da sala da casa dele, no bairro da Consolação, um centro de pesquisas de linguagem cênica que, nos anos 1970, causou furor e tornou-se um fenômeno cult, de acordo com o ensaio de Guzik: “[...] Os trabalhos do Pod Minoga revelaram-se pós-modernos avant la lettre. Fragmentários, estruturados como sucessões de cenas nem sempre sequenciais, transbordantes de citações, abordavam grande variedade de temas”. Os caminhos de Naum e do núcleo pupilo do Pod Minoga se bifurcaram a partir de 1976. Artista múltiplo, o outrora estudante de gravura e professor de teatro mergulhou sem rede em sua dramaturgia latente: No Natal a gente vem te buscar (1979), A aurora da minha vida (1981) e Um beijo, um abraço, um aperto de mão (1984). Nas últimas três décadas, escreveu outras peças, fez roteiros para cinema e televisão. Assinou cenografias, figurinos. Dirigiu Fernanda Montenegro, Pedro Paulo Rangel, Celso Frateschi, Cleyde Yáconis, Sérgio Britto, além de shows de músicos como Chico Buarque, Maria Bethânia e Angela Maria. Um mestre de mão cheia, de quem os imberbes alunos, depois militantes das artes, jamais se esqueceram, coprotagonistas de aventura teatral tão rudimentar e inventiva nos tempos de FAAP.

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scenes out in all classes”, Naum recalls, receiving the support of the coordinators Hebe Carvalho and Fernanda Milani since the beginning. He developed a pedagogical technique by using his intuition; he took great interest in the pedagogical researches of authors such as Maria Clara Machado and Michel Small. The students had contact with visual and plastic techniques and materials, always encouraged to freely express themselves, according to each one’s repertoire, as in the narrative of the book Pod Minoga Studio – a arte de brincar no palco sem pedir licença [Pod Minoga Studio – the art of playing on the stage without asking for permission], under the editorial coordination of Sílvia Fernandes. “The result of this successful chance was the creation of a new course, aimed at theatrical activities only”. Having Naum as a professor, it was open to students from other areas. An Italian stage was improvised in one of the classrooms. Some wooden scaffolding served as acting laboratories, drama reading spaces, to think about lighting, costumes, scenography, to enjoy the other elements which comprised the theatrical scene. With the purpose of having a practical pedagogical project, he adapted the plays Macbeth, Hamlet, The Merchant of Venice, The Tempest. He gave the students a crash course on Shakespeare. “Once we staged a remarkable Macbeth. Mira Haar, at the age of ten, played the role of Lady Macbeth. The enemy army and the forest, in the scene of the final battle, were made with bicycles and branches from the bushes in the garden at FAAP. The azalea trees were leafless and branchless. Feeling triumphant, the children entered the stage riding their bikes with the branches in their hands”, the playwright recollects in his biography. “We staged Os irmãos das almas [The brothers of souls], by Martins Pena, in which Carlinhos Moreno, at the age of 11, played the leading role. He was an extremely fascinating talented child.” In the early 1969s, the elective courses were transferred to the small art deco house with large dimensions next to FAAP. In the upper floor, lessons on fine arts were taught. Another stage was improvised in the garage. That is where the last works in this lively school phase came to life. The courses were discontinued at the end of that year, and many of the young artists who were still excited about theater followed Naum’s path. They turned the living room of his house, in the district Consolação, a research center for the scenic language which, in the 1970s, was frenzy and became a cult phenomenon, according to Guzik’s essay: “[...] Pod Minoga’s works were said to be avant Ia lettre post-modern works. Fragmentary, structured as a series of scenes which not always were in a sequence, full of quotations, addressed to a great number of themes”. Naum’s path, as well as the path of the Pod Minoga group were parted in 1976. A multiple artist, the former engraving student and theater professor took a deep plunge into the latent dramatic composition: No Natal a gente vem te buscar [We will come get you for Christmas] (1979), A aurora da minha vida [The dawn of my life] (1981) and Um beijo, um abraço, um aperto de mão [A kiss, a hug and a handshake] (1984). In the last three decades, he wrote other plays, besides screenplays for the cinema and television. He was a scene and costumes designer. He directed actors such as Fernanda Montenegro, Pedro Paulo Rangel, Celso Frateschi, Cleyde Yáconis, Sérgio Britto, besides performances of artists such as Chico Buarque, Maria Bethânia and Angela Maria. A skillful master, who the young students who later became artists as well, have never forgotten, also in the leading role of this theater adventure that was so rudimentary and inventive at FAAP’s times.


©chico balero

À esquerda, Carlos Moreno, que foi aluno do curso livre de teatro da FAAP entre 1966 a 1969. Abaixo, Moreno e Analu Prestes, que formariam com outros amigos o Grupo Pod Minoga Studio (1972-1980) Left, Carlos Moreno, who was a student at FAAP’s theater elective course between 1966 and 1969. Below, Moreno and Analu Prestes who would created, together with other friends, the Grupo Pod Minoga Studio (1972-1980) ©analu prestes/arquivo pessoal

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©Ruth Amorim Toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP

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a angústia da ESPERA

Vladimir e Estragon querem ir, mas algo os impede. Esvaziados de ação, os clowns e vagabundos de Samuel Beckett (1906-1989), postados à beira de uma estrada, assentaram como luva a aridez do cenário da sociedade brasileira naquele 13º ano sob ditadura militar. Em outubro de 1977, semanas após completar um ano de idade, o Teatro FAAP recebeu Esperando Godot, um espetáculo com a assinatura de Antunes Filho. Foi a primeira e única vez, até o momento, que as obras desses artistas tocaram-se em cena: o dramaturgo irlandês, Prêmio Nobel de Literatura em 1969, e o diretor capital na história dessa arte entre nós desde a fase moderna no Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, nas décadas de 1940 e 1950. “Samuel Beckett dá um basta aos falsos grandes ideais, às magníficas e mentirosas boas intenções, ao traiçoeiro liberalismo dos poderosos, às justificativas do militarismo – sustentáculo primeiro dessas sociedades apodrecidas”, dizia Antunes no programa da peça, imprimindo palavras duras endereçadas aos generais. O governo ainda estava a oito anos de ser ocupado por civis. A montagem subverteu o gênero dos papéis masculinos optando por cinco atrizes. Eva Wilma e Lilian Lemmertz viveram, respectivamente, Vladimir e Estragon. Lélia Abramo e Maria Yuma eram o senhor Pozzo e o servo Lucky. E Vera Lyma interpretou o mensageiro que, tanto no primeiro como no segundo ato, surgia para dizer que Godot não viria naquela tarde, mas prometia sua chegada para a manhã seguinte. Assim, sucessivamente, dá a entender a espiral do texto. O Teatro FAAP foi o penúltimo palco na carreira do espetáculo, uma temporada de seis meses que encerrou uma turnê por 17 capitais. Porém, em abril de 1978, ocorreu ainda um final de semana a preços populares no Teatro Municipal de São Paulo, onde o pano caiu de vez para aquela produção conjunta da Companhia Carlos Zara – Edney Giovenazzi, com Eva Wilma, Lilian Lemmertz e Marcos Franco agregados. Observando a linha do tempo, instiga saber que o diretor mal saiu do universo da farsa metafísica e trágica de Beckett e, em setembro de 1978, já trouxe à luz o espetáculo divisor de águas em sua trajetória: o mítico Macunaí­ ma, sua adaptação teatral para o romance homônimo de Mário de Andrade, a saga do herói sem nenhum caráter. Segundo o pesquisador e biógrafo Sebastião Milaré, o Godot de Antunes “espelhava o momento sociopolítico brasileiro. Referiase aos discursos oficiais por uma sonoplastia composta por trechos de comícios dos nazistas alemães; a tática corrente da repressão policialesca estava representada por sirenes. Pesava sobre as criaturas beckettianas uma atmosfera hostil e familiar à plateia. Esses dados da violência oficial se contrapunham à busca de ou-

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The distress of waiting Vladimir and Estragon want to go, but something prevents them from doing so. Empty with action, Samuel Beckett’s clowns and bums (1906-1989), waiting on a country road, seemed to be custom-made to the dryness of the Brazilian society scenario in the 13th year under the military dictatorship. In October 1977, weeks after celebrating its first anniversary, Teatro FAAP staged the play Waiting for Godot, a performance with Antunes Filho’s direction. It was the first and only time, so far, that the works by these artists have been together in scene: the Irish playwright, winner of the 1969’s Literature Nobel Prize, and the main director in the history of this art, among us since the modern phase of the Teatro Brasileiro de Comédia, the TBC, in the 1940s and 1950s. “Samuel Beckett puts an end to fake great ideals, to magnificent and phony good intentions, to the deceitful liberalism of the powerful ones, to the justifications for militarism – leading support to these rotten societies”, said Antunes in the booklet for the play, aiming his harsh words to the generals. The government still had eight years to go before being taken over by ordinary citizens. The setting up subverted the gender of male roles by choosing five actresses. Eva Wilma and Lilian Lemmertz played, respectively, Vladimir and Estragon. Lélia Abramo and Maria Yuma played the roles of Mr. Pozzo and the servant Lucky. And Vera Lyma played the role of the messenger who, in the first and second act came in to say that Godot was not coming that afternoon, but in the next morning. Therefore, the spiral of the text can be understood. The Teatro FAAP was the second to the last stage for the performance, in a six-month season which ended a tour which included 17 Brazilian capitals. However, in April 1978, it was offered a weekend with popular prices at the Teatro Municipal de São Paulo, when the curtains went down for the last time for that joint production of the Companhia Carlos Zara – Edney Giovenazzi, with Eva Wilma, Lilian Lemmertz and Marcos Franco as associated producers. Observing the timeline, it is worth knowing that the director had barely abandoned the universe of Beckett’s metaphysical and tragic burlesque and, in September 1978, already started the performance that would represent a milestone in his artistic career: the mythical Macunaíma, his adaptation for the theater of the homonymous novel by Mário de Andrade, the saga of a hero deprived of personality. According to the researcher and biographer Sebastião Milaré, Antunes’ Godot “was a mirror to the Brazilian social-political moment. It referred to the official speeches by a sound design comprised by excerpts of rallies from German Nazis; the current tactics of the repression by the police was represented by the buzzers. Becket’s creatures imposed a hostile and familiar atmosphere to viewers. These data about official violence


©Ruth Amorim Toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP

Acima, cena com Eva Wilma, Lélia Abramo e Lilian Lemmertz sob direção de Antunes Filho retratado no programa original

reprodução

Above, scene with Eva Wilma, Lélia Abramo and Lilian Lemmertz directed by Antunes Filho, portrayed in the original booklet to the play

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Antunes dirigiu de forma extremamente minuciosa, discutindo frase por frase todas as falas do texto. Foi um trabalho exaustivo, mas criador, e resultou em um espetáculo de grande sucesso (Lélia, sobre Esperando Godot, de 1977)

Antunes directed in an extremely meticulous manner, discussing each sentence, all the lines in the text. It was a weary, yet creative job, which resulted in a box-office hit (Lélia, about 1977’s Waiting for Godot)

A partir da esquerda, Lélia, Maria Yuma, Eva e Lilian atuam em Esperando Godot, de Samuel Beckett From the left, Lélia, Maria Yuma, Eva and Lilian act in Samuel Beckett’s Waiting for Godot

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Šruth amorim toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP

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tra realidade, que implicava libertação”, apontou em Antunes Filho e a dimensão utópica. A atriz Eva Wilma confirmou esse pendor cívico assumido desde a estreia, em março de 1977, justo em Brasília, no Teatro da Escola Parque. De acordo com ela, a concepção de Antunes associou a espera de Godot à potência de vontade pela volta da democracia. Na biografia de Edla van Steen, Eva Wilma rememorou: “Minha parceria com Lilian, ela no Estragon e eu no Vladimir, foi muito intensa e afetiva. Era interessante o fato de que a relação dos personagens, Vladimir sempre instigando Estragon para persistir na espera de Godot, que um dia ele viria, tinha certa semelhança com nossas personalidades. Lilian era mais cética do que eu. Eu provocava Lilian e tentava fazê-la acreditar que a felicidade era possível. Oito anos depois que nossos caminhos se separaram, quando ela morreu, fiquei com a sensação de não ter conseguido convencê-la.” Um traço distinto era o da máscara maquiada nos rostos de Eva, Lilian, Lélia, Maria e Vera, a evidenciar a verve clownesca dos personagens – essa perspectiva artesã foi desenhada por Naum Alves de Souza, responsável pelo Curso Livre de Teatro para Crianças e Adolescentes na FAAP e precursor do Grupo Pod Minoga. A montagem de Antunes rendeu a Lélia Abramo o Prêmio Governador do Estado de melhor atriz coadjuvante. Dona de profundas convicções políticas, ela declarou entusiasmo quando o diretor a convidou a integrar o elenco da peça cujos sentidos filosóficos atinaram com a realidade que o Brasil vivia. Porém, nem as motivações ideológicas diminuíram em Lélia certo pavor diante do desafio de encarar o papel, conforme relata na autobiografia Vida e arte: memórias de Lélia Abramo: “Antunes sugeriu uma inspirada interpretação para Pozzo, conjugando uma forma clow­nesca com a brutalidade de um ditador e a fraqueza de um vencido, mas no estilo e na forma de como o faria um velho ator do século passado. [...] Antunes dirigiu de forma minuciosa, discutindo frase por frase todas as falas do texto. Foi um trabalho exaustivo, mas criador, e resultou em um espetáculo de grande sucesso”. E como o espectador recebeu a peça em dias de ditadura e tortura? Uma peça que fazia da angústia da espera a sua arte? O crítico Jairo Arco e Flexa, da revista Veja, percebeu assim a tônica existencialista: “Capaz de intercalar suas especulações filosóficas com desconcertantes efeitos de humor terra a terra, Beckett não deixa o texto cair na monotonia. [...] Antunes pretende evidenciar que os tormentos das personagens não decorrem de uma ‘condição humana’ entendida como algo abstrato, mas são o resultado do enraizamento do indivíduo em determinadas circunstâncias sociais”. Impossível sair indiferente de um encontro com Beckett, como leitor ou como espectador. Um dos seus temas recorrentes era e é o fracasso. Esperando Godot foi escrito após a Segunda Guerra e demorou anos para vencer a resistência da crítica, que ainda não tinha antena para a estrutura fora das convenções do drama. Na convergência dos talentos de Antunes e das atrizes, o projeto artístico mostrou o que o ser humano era capaz de fazer, no afã de iludir o outro de que vive. Ou, virando a página, a visão da irrea­ lidade cotidiana que um governo autoritário impôs a um povo.

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were opposed to the search of another reality which implied in freedom”, pointed out in Antunes Filho and the utopian dimension. The actress Eva Wilma confirmed this civic inclination undertaken since the opening night in March 1977, in the country’s capital, Brasília, at the Teatro da Escola Parque. According to her, Antunes’ creation associated the waiting for Godot to the wiliness for the return of democracy to the country. In the biography by Edla van Steen, Eva Wilma remembered: “My partnership with Lilian, she as Estragon and I as Vladimir, was very intense and touching. It was curious the fact that the relationship between the characters, with Wladimir always encouraging Estragon to continue waiting for Godot, trying to convince him that he would come one day, was very similar to our personalities. Lilian was more skeptical than I. I challenged Lilian, trying to make her believe that happiness was a possible dream. Eight years later, when our paths parted because of her death, I had the feeling that I had not succeeded in convincing her.” A distinctive trait was the make up mask in the faces of Eva, Lilian, Lélia, Maria and Vera, making the characters’ clown nature evident – this artisan perspective was designed by Naum Alves de Souza, responsible for the Curso Livre de Teatro para Crianças e Adolescentes at FAAP and precursor of the Grupo Pod Minoga. Antunes’ setting up awarded Lélia Abramo with the Prêmio Governador do Estado for best actress in a supporting role. Having strong political beliefs, she was excited when the director invited her to be a member of the cast for the play, whose philosophical senses were discovered with the reality Brazil had been living at the time. However, not even the ideological motivations could soothe Lélia’s fear before the challenge of performing the role, as she tells in the autobiography Vida e Arte: memórias de Lélia Abramo: “Antunes suggested an inspired interpretation for Pozzo, joining a clown format with the brutality of a dictador and the weakness of a defeated individual, but in the style and form an old actor from the past century would make. [...] Antunes directed in a meticulous manner, discussing each sentence, all the lines in the text. It was a weary, yet creative job, which resulted in a box-office hit.” And how did viewers received the play in dictatorship and torture times? A play that made its art by using the distress of the waiting? The reviewer Jairo Arco e Flexa, from Veja magazine, noticed the existentialist tone: “Capable of inserting philosophical speculations with baffling humorous effects, Beckett’s text may not be referred to as monotonous. [...] Antunes intends to point out that the torments of the characters do not result from a ‘human condition’ construed as something abstract; instead, they are a result of the enrooting of the individual in given social circumstances.” It is impossible to be indifferent after an experience with Beckett, either as a reader or as a viewer. One of his recurrent themes was and still is failure. Waiting for Godot was written after World War II and took years to overcome the opposition of reviewers, who were still not ready for the unconventional structure of the plot. In the convergence of the talents of Antunes and the actress, the artistic project showed human being’s accomplishment capacity, in the quest for deceiving others that they are alive. Or, turning the page, a vision of daily unreality that an authoritarian government has imposed to a nation.


A atriz Lélia Abramo (1911-2004) rememorou a histórica produção em sua autobiografia The actress Lélia Abramo (1911-2004) recollected the historical production in her autobiography

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©lenise pinheiro


Lilian Lemmertz

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Eva Wilma

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fotos: Šruth amorim toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP


Ó GL IA R glória menezes

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ŠLenise Pinheiro


A magia da cena ao vivo

Glória Menezes nasceu como atriz junto à televisão brasileira. Ela estava lá na primeira transmissão da novela diária, 2-5499, ocupado, exibida pela TV Excelsior em 1963. Surgia ao lado de Tarcísio Meira, o galã e a mocinha que frequentam o imaginário dos telespectadores até hoje. Mas é preciso frisar que o teatro es­ tava presente desde o primeiro trabalho que Glória fez para a te­ levisão, já em 1959, na TV Tupi, com o teleteatro Um lugar ao sol, sob direção de Dionísio Azevedo. E ela aprendeu muito cedo o respeito ao palco, como comprovam as quatro produções em que atuou na história do Teatro FAAP. Tarcísio e Glória estavam juntos em Um dia muito especial, de 1986, dirigidos por José Possi Neto. Os papéis do texto do cineasta ita­ liano Ettore Scola não favoreciam, necessariamente, o ambiente de um par romântico. Ao enredo do programa: “No dia em que Mussolini recebe Hitler e oficializam o pacto nazifascista entre Itália e Alemanha, dois indivíduos comuns, Antonieta e Gabri­ elle, solitários e medrosos, alçam voo, resvalam a liberdade de ser e se aceitarem como são. Ela, dona de casa, semi-ignorante, opri­ mida. Ele, intelectual homossexual e perseguido”. A obra construía uma exaltação ao respeito humano sem abando­ nar o humor, comentou Possi Neto. O jornalista Luiz Carlos Car­ doso, da revista Visão, destacou em sua crítica a atuação sob medi­ da: “Glória Menezes é uma bela atriz que aqui tem o bom-senso de não ceder ao efeito fácil – pode-se imaginar o sotaque do Brás que algumas inventariam, mais uns rompantes de Anna Magnani. Gló­ ria, não, e dessa maneira conquista a diminuta parcela de público que já não veio conquistada das tantas novelas, com um trabalho contido e intimista que é mérito também do diretor”. Houve um salto no tempo, e a intérprete só foi ocupar o Teatro FAAP na década de 2000, desfrutando sua maturidade. Naque­ le ano, Glória Menezes causou surpresa. Prestes a completar 40 anos de carreira, ela revelou coragem pública ao raspar a cabeça para atender às exigências da protagonista de Jornada de um poema, a professora universitária Vivian Bearing, diagnosticada com câncer de ovário em estágio avançado. “É um privilégio poder conhecer tão intimamente nossos personagens e mostrá-los ao público com toda a sua verdade – nua e crua. Mas até por uma contingência dessa nossa profissão, algumas vezes nos colocamos diante de obstáculos e desafios que a maioria das pessoas não tem que enfrentar. Desafios maiores ainda para as atrizes que para os atores, e as mulheres sabem muito bem do que eu estou falando”, confessou no programa da peça. “Algumas pessoas, colegas mes­ mo, se admiram e me perguntam como tive a coragem de aceitar esse papel!!! Não sei... Só sei que não foi, não está sendo fácil para mim. Essa convivência... Me despojar das minhas vaidades, mos­

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The magic of the live scene Glória Menezes was born as an actress together with the Brazilian television. She was on air in the first daily soap opera, named 2-5499, ocupado [2-5499, the line is busy], broadcasted by TV Excelsior in 1963. Also at that time Tarcísio Meira, the good-looking actor, appear. He, as a leading actor, and the good girl have been living in the TV viewers’ imagination to date. However, it is necessary to point out that the theater was present since Glória’s first role on television, in 1959, at TV Tupi, with the tele-theater Um lugar ao sol [A place under the sun], directed by Dionísio Azevedo. She soon learned to respect the stage, as can be seen in the four productions in which she acted at Teatro FAAP’s stage. Tarcísio and Glória were together in 1986’s Um dia muito especial [A Special Day], directed by José Possi Neto. The roles in the play by the Italian film maker Ettore Scola did not necessarily favor the environment to have a romantic couple. The plot to the play: “On the day Mussolini received Hitler and they made the Nazi-fascist pact between Italy and Germany official, two ordinary individuals, Antonieta and Gabrielle, lonely and fearful, reach for higher grounds, slither the freedom of being themselves and accepting who they are. She, an uneducated, oppressed housewife. He, an outlaw homosexual intellectual”. The work praised human respect without missing the humor, commented Possi Neto. The journalist Luiz Carlos Cardoso, of the magazine Visão, pointed out in his review the custom-made performance: “Glória Menezes is a wonderful actress who uses her common sense with regards to not giving in to the easy effect – it can be easily imagined that some would invent the accent from the district of Brás, besides Anna Magnani’s outbursts. But not Glória, and this is how she conquered the small audience which came not yet convinced by so many soap operas, with the controlled and intimist work which is also a merit from the director”. There was a leap in time and the interpreter only used Teatro FAAP again in the 2000s, enjoying her maturity. Glória Menezes surprised everyone in that year. About to celebrate 40 years of a successful career, she had the courage to shave her hair for the leading role in Jornada de one poema, the university professor Vivian Bearing, diagnosed with an advanced stage ovarian cancer. “It is an honor to be able to know our characters so closely and to show them to the audience with all their truth – naked and raw. However, due to unforeseen events in our profession, we sometimes see ourselves before obstacles and challenges which most people do not have to face. Even bigger challenge for actresses than for actors, and women know exactly what I am talking about”, she confessed in the play booklet. “Some people, some colleagues from work, were impressed and asked how I had the courage to take this role! I don’t know...


A atriz no drama Jornada de um poema, de 2004, dirigido por Diogo Vilela The actress in the 2004’s drama Jornada de um poema, directed by Diogo Vilela

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ŠAdriana Pittigliani


trar as minhas fraquezas de mulher, exibir as minhas verdades mais íntimas, os meus cabelos brancos... Difícil! E o meu recato, o meu pudor? Mas esta Vivian é uma personagem rara, uma passa­ gem meteórica na carreira de uma atriz. E veio a mim insinuan­ te, sedutora, provocante, insistente. Tão doce e tão forte [...] Não pude resistir”, continuou a atriz no texto dirigido ao espectador. O drama da norte-americana Margaret Edson trazia citações ao poeta inglês John Donne (1572-1631), um contemporâneo de Shakespeare que ficou conhecido em sua época como o poeta do Wit – título original da peça. Em sua marcha, a protagonista an­ cora nos versos para passar a vida a limpo com a proximidade da morte. Jornada de um poema foi dirigida por Diogo Vilela. No ano seguinte, a obra foi adaptada para o cinema com direção de Mike Nichols e Emma Thompson no mesmo papel. Interpretar uma mãe que maldiz o filho, desejando-lhe a mor­ te, foi o que Glória Menezes enfrentou em Ricardo III, de 2006, a tragédia de Shakespeare dirigida por Jô Soares com grande elen­ co: Marco Ricca, Ary França, Denise Fraga, Ilana Kaplan, Ro­ ney Facchini, Marcos Cesana, entre outros. Ao Estado de S.Paulo, a atriz afirmou que o projeto a seduziu por destacar as mulheres. Ela viveu a Duquesa de York, mãe do personagem-título. “E a tragédia da minha personagem está na consciência de ser a causa­ dora de todo o mal; afinal, ela gerou Ricardo, o que lhe dói muito, pois trouxe ao mundo um vilão”, observou. Na perspectiva do crí­ tico Sérgio Salvia Coelho, na Folha de S.Paulo, Jô Soares deu “pri­ mazia para Glória Menezes, que assume definitivamente a condi­ ção de grande dama, em uma performance intensa e uniforme”. Os 50 anos de carreira da atriz foram celebrados em Ensina-me a viver, de 2007, peça de Colin Higgins que fez sucesso no cinema sob o título Harold and Maude, de Hal Ashby, lançado em 1971. Glória foi convidada pelo ator e produtor Arlindo Lopes para contracenar com ele, que desejava levar essa história ao palco desde a primeira vez que a viu em película, na infância. Os dois e mais seis intérpretes, entre eles Ilana Kaplan, materializaram em cena a relação de Harold, um senhor de quase 20 anos, obcecado pela morte, e Maude, uma jovem de quase 80 anos, apaixonada pela vida – jogo de palavras e de imagens explorado no livro so­ bre a peça editado em 2009 com fotos de cena e fortuna crítica. Coube a Millôr Fernandes a tradução e a João Falcão, direção e adaptação, fugindo ao realismo e apostando na teatralidade, se­ gundo a crítica e pesquisadora Tânia Brandão, em O Globo. “A força da lição é obra de um elenco dedicado. Glória Menezes é Maude em sua plenitude, bela, etérea e luminosa”, escreveu. “Melhor que ver sempre Glória Menezes na TV é ver Glória Me­ nezes ao vivo”, sentenciou o colunista Artur Xexéo, do mesmo jornal carioca. E Glória Menezes ainda se perguntava, quando do início dessa aventura que a levaria a circular por 23 cidades com 19 artistas e técnicos e uma carreta com duas toneladas de cená­ rios, figurinos e equipamentos: “Quando assisti ao filme pela pri­ meira vez, na década de 1970, pensei: ‘Será que um dia vou con­ seguir fazer essa personagem? Terei eu condições físicas e mentais para interpretá-la?’” Ela ouviu essas respostas em cena por meio do fio invisível atado ao público a cada noite.

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The only thing I know is that it was not is, it is still not easy for me. This coexistence... Deprive myself from vanities, show the weaknesses I have as a woman, display my most intimate truths, my gray hair... It is tough! What about my coyness, my decency? But Vivian is such a unique character, a meteoric character in the career of an actress. And she came to me in a suggestive, provocative, persistent manner. She is so sweet and so strong [...] I couldn’t resist”, continued the actress in the text aimed at the viewer. The drama by the North American Margaret Edson made references to the English poet John Donne (1572-1631), Shakespeare’s coeval who was known at his time as “the poet of Wit” – which is the original title of the play. In her path, the protagonist uses verses to reflect upon her life as she is close to death. Jornada de um poema was directed by Diogo Vilela. In the following year, the work was adapted to the cinema with the direction of Mike Niche, having Emma Thompson in the same role. Playing the role of a mother who curses her son, wishing he would die, was the challenge faced by Glória Menezes in 2006’s Richard III, the tragedy by Shakespeare directed by Jô Soares with a great cast: Marco Ricca, Ary França, Denise Fraga, Ilana Kaplan, Roney Facchini, Marcos Cesana, among others. To the newspaper Estado de S. Paulo, the actress declared that the project seduced her because it was focused on women. She played the role of the Duchess of York, mother to the main character. “And the tragedy of my character lies in her awareness of being the person who brought up all this evil; after all, she gave birth to Ricardo, what is very painful for her, as she offered a villain to the world”, she noted. Under the perspective of the reviewer Sérgio Salvia Coelho, from the newspaper Folha de S. Paulo, Jô Soares “favored Glória Menezes, who once and for all takes her role as a great dame of the theater, in an intense and uniform performance”. The actress’s 50 years of career were celebrated in 2007’s Harold and Maude, Colin Higgins’ play which was a box-office at the cinema with the title Harold and Maude, by Hal Ashby, released in 1971. Glória was invited by the actor and producer Arlindo Lopes to share the stage with him, who had wished to act this play since the first time he saw it at the movies, when he was a child. The two of them and six other interpreters, among them Ilana Kaplan, bring to life the relationship between Harold, an old man in his twenties, obsessed by death, and Maude, a young lady in her late 70s, who had a passion for life – a word and images play explored in the book about the play which was edited in 2009 with key scene and fortune pictures. Millôr Fernandes was in charge of the translation and João Falcão, directed and adapted it, escaping from realism and using the theatricality, according to the reviewer and researcher Tânia Brandão, in the newspaper O Globo. “The lesson is reinforced by a dedicated cast. Glória Menezes is Maude in her completeness; beautiful, ethereal and luminous”, she wrote. “Better than watching Glória Menezes on TV is to watch Glória Menezes live”, stated the newspaper columnist Artur Xexéo, of the same newspaper from Rio de Janeiro. And Glória Menezes still wondered, in the beginning of her adventure that would take her on a tour to 23 cities with 19 artists and technicians, and a wagon with two tons in scenarios, costumes and equipment: “When I watched the film for the first time, in the 1970s, I wondered: ‘Will I be able to play this character one day? Will I have physical and mental conditions to perform her?’” She listened to these answers on stage, by means of the umbilical cord attached to the audience every night.


fotos ©Emidio Luisi/AMM/CCSP/SMC/PMSP

O programa de Um dia muito especial, de 1986, em que contracena com Tarcísio Meira sob direção de José Possi Neto

Booklet to the 1986’s play Um dia muito especial, in which she acts with Tarcísio Meira directed by José Possi Neto

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Junto ao elenco da tragédia Ricardo III, de 2006, um clássico de Shakespeare por Jô Soares With the cast of the 2006’s tragedy Richard III, a classic by Shakespeare directed by Jô Soares

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ŠPriscila Prade


Quando assisti ao filme pela primeira vez na década de 1970, pensei: ‘Será que um dia vou conseguir fazer essa personagem, terei eu condições físicas e mentais, para interpretá-la?’ Aqui estou,trinta anos depois, vivendo essa jovem senhora, que com suas travessuras, irreverências e muita sabedoria, ensina-me a viver. Espero conviver com ela durante muito tempo (Glória Menezes, sobre Ensina-me a viver)

When I watched the film for the first time, in the 1970s, I wondered: ‘Will I be able to play this character one day? Will I have physical and mental conditions to perform her?’ Here I am, thirty years later, playing this young lady, who, with her mischief, irreverence and much wisdom, teaches me how to live. I hope to live with her for a long time Glória Menezes, excerpt of Ensina-me a Viver [Harold and Maude]

Com Arlindo Lopes em Ensina-me a viver, de 2007, direção de João Falcão que celebrou 50 anos de carreira da atriz

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With Arlindo Lopes in 2007’s Ensina-me a viver, directed by João Falcão which celebrated her 50 years as an actress


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ŠLenise Pinheiro


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PAULO AUTRAN

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©Antonio Gaudério/Folhapress


Um ator em busca de seis peças

As faces do ator, diretor, tradutor e produtor carioca Paulo Autran (1922-2007) foram apreciadas no palco do Teatro FAAP do início dos anos 1980 até o ano de publicação deste livro, decorridos quase três anos de sua morte. De fato, a natureza do ofício o acostumou à mutação de papéis. Além de capturar subjetividades para dar vida aos personagens, estes lhe exigiram bigode, barba, perucas, barriga postiça e talco nas têmporas para parecer mais velho, dependendo da ocasião ficcional. Retraçamos aqui seis espetáculos que ajudaram a compor os 60 anos de carreira desse artista. Uma jornada construída em cerca de 90 peças que fizeram pulsar a história do teatro brasileiro. O diretor Autran assinou sua primeira produção no FAAP em 1981, com o drama O homem elefante, do americano Bernard Pomerance. A versão teatral veio na esteira do filme homônimo de David Lynch. O mote foi um caso real ocorrido na Inglaterra do século XIX, sobre um rapaz que sofreu rara deformidade no rosto. Ele virou atração em circos, até que um médico atentou para a sua saúde e o internou no afã de restituir-lhe a dignidade humana. Sua sensibilidade era percebida por uma atriz, papel de Karin Rodrigues; Antônio Fagundes atuou como o médico e Naum Alves de Souza assinou cenografia e figurinos. Na Folha de S.Paulo, Jefferson del Rios elogiou Autran pelo “virtuosismo de uma direção segura e elegante, onde os elementos da realização cênica se encaixam”. Autran voltou ao palco do Teatro FAAP em agosto do ano seguinte, 1982, como tradutor e intérprete em Traições, do inglês Harold Pinter. O ator alternava com Odilon Wagner os papéis do marido e do amante. Dois velhos amigos, cúmplices, mas nem tanto, num triângulo amoroso completado por Karin Rodrigues. Na peça de câmara, que valorizava o subtexto por meio das pausas, o espectador deparou-se com uma intricada narrativa de trás para frente. O ator, que recebeu o Prêmio Molière, percebeu-a assim: “A peça [...] pede um aprofundamento da interiorização dos personagens. [...] E eu mergulhei, encantado, na pesquisa”, ele escreveu em seu livro Paulo Autran: sem comentários, de 2005. Em 1991, Autran foi ator e diretor no clássico de Luigi Pirandello, Seis personagens em busca de um autor, texto com o qual já havia cruzado em duas oportunidades, em 1951 e 1959. Na primeira vez, debutou como profissional, no papel de Diretor. Ambas as montagens eram dirigidas por Adolfo Celi. “A esse encenador italiano que dedicou ao teatro brasileiro a parte mais fecunda de sua carreira artística, Paulo Autran credita sua formação técnica e teórica em teatro”, escreveu Alberto Guzik no livro-reportagem Um homem no palco, de 1998. Na segunda montagem de Celi, ele interpretou o Pai, mesmo personagem que assumiu na produção que dirigiu em 1991, dividindo o palco com Karin Rodrigues, Marisa

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An actor in search of six plays The faces of the actor, director, translator and producer, Paulo Autran, born in Rio de Janeiro (1922-2007) were much appreciated at the stage of Teatro FAAP in the early 1980s until the date this book was published, being elapsed almost three years after his death. In fact, this occupation made him get used to the ever-changing nature of the roles. Besides capturing subjectivities to render life to characters, these have required from him to have a moustache, a beard, wigs, a false belly and talcum powder on his forehead to look older, depending of the fictional event. We portray here six performances which helped comprise this artist’s 60 years of career. A journey built in around 90 plays which made the history of the Brazilian theater seem alive. The director Autran staged his first production at FAAP in 1981, with the drama The elephant man, by the American Bernard Pomerance. The version for the theater came soon after the homonymous film by David Lynch. It was based on a real fact occurred in the 19th century’s England, about a lad with a rare deformity on his face. He became a circus freak attraction until a doctor, in order to care for his health, tries to restore his human dignity. His sensitive nature was noticed by an actress, Karin Rodrigues’ role, Antônio Fagundes played the doctor and Naum Alves de Souza was responsible for the scenography and costumes. In the newspaper Folha de S.Paulo, Jefferson del Rios praised Autran for the “virtuosity of an assured and elegant direction, where the elements accomplishing the scene fit together”. Autran returned to the stage at Teatro FAAP in August of the next year, 1982, as a translator and interpreter in Traições [Betrayal], by the English Harold Pinter. The actor took turns with Odilon Wagner in the roles of husband and lover. Two old friends, accomplices, but not so much, in a love triangle completed by Karin Rodrigues. In the chamber play, which valued the subtext by making use of pauses, the viewer saw an intricate narrative told backwards. The actor, who was awarded the Molière award reflected upon the play as follows: “The play [...] calls for a deepening in the characters’ instrospection. [...] And I was delighted to plunge into this research”, he wrote in his 2005’s book Paulo Autran: sem comentários [Paulo Autran: no comments]. In 1991, Autran was actor and director in the Luigi Pirandello’s classic, Six characters in search of an author, text with which he had already come across in two other opportunities, in 1951 and 1959. In the first time, he made his debut as a professional, as a director. Both setting ups were directed by Adolfo Celi. “Paulo Autran credits his technical and theoretical training in theater to this Italian director who devoted to the Brazilian theater the most fertile part of his artistic career”, wrote Alberto Guzik in the 1998’s documentary book Um homem no palco. For the second setting up by Celi, he played the role of the


Antônio Fagundes protagonizou o drama O homem elefante, de 1981, primeira incursão de Autran pelo palco do Teatro FAAP – não como ator, mas diretor Antônio Fagundes was the leading actor in the 1981’s drama Elephant Man, first participation of Autran on the stage of Teatro FAAP – not as an actor, but as a director

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Fotos: ©Ruth Amorim Toledo/AMM/CCSP/SMC/PMSP


Orth, Renato Consorte, entre outros. A recepção crítica foi razoável. Nelson de Sá avaliou o elenco na Folha de S.Paulo: “Autran brinca magistralmente com as emoções do Pai. [...] Marisa Orth é radiante, como quase sempre, mas não consegue enfrentar Autran, o que é necessário para o papel e poderia resultar num confronto magistral de interpretação. E Renato Consorte responde pelo que sempre desculpou Pirandello: o humor perfeito”. Em Dia das Mães, uma família em torno da matriarca dominadora serviu como ponto de partida à comédia que trouxe o Autran diretor para o FAAP, em 2001. Karin Rodrigues encabeçou o elenco formado por Ilana Kaplan, Patrícia Gaspar, Sônia Guedes, Petrônio Gontijo e Adriane Galisteu. Para o crítico Kil Abreu, na Folha de S.Paulo, o resultado deixou a desejar pelo tom “convencional” em vários aspectos da encenação. “O elenco conforma-se ao quadro de uma intimidade estranha, porque desconectada. Cada um faz o que pode, ou sabe, em precipitação permanente, que deixa pouco espaço ao delicado das relações”. O espetáculo Variações enigmáticas, direção de José Possi Neto e texto do francês Eric-Emmanuel Schmitt, marcou a última atuação de Autran no FAAP, em 2002, no limiar dos seus 80 anos – que ainda traduziu a obra. Ao lado de Cecil Thiré, trouxe à luz um enredo que tratava do amor. Um escritor, Nobel de Literatura, opta pela vida de ermitão em uma ilha. O lançamento de seu último livro motiva a visita de um jornalista. O embate verbal, no princípio, evolui para o recuo das couraças, até o esgotamento que os porá nus diante de segredos acumulados ao longo de 15 anos. “É fascinante ver como Autran põe o público no bolso, conduzindo sua atenção por um roteiro minucioso de ações físicas. [...] Tem memória afetiva para a solidão do homem famoso que tem de responder às mesmas perguntas; na sua interpretação marcante, dá a impressão que está falando de si mesmo”, anotou o crítico Sérgio Salvia Coelho, na Folha de S.Paulo. Três anos depois, em seu livro de memórias, Autran recordou: “A estreia em São Paulo coincidiu com meu aniversário de 84 anos [na verdade, de 80 anos]. Tinha percebido que estavam preparando alguma comemoração, porém nunca poderia imaginar que fosse uma festa daquelas proporções. Celita Procopio de Carvalho, presidente [do Conselho de Curadores] da FAAP, e Germano Baía, meu produtor, foram inexcedíveis de gentileza e dedicação. George Freire, com sua experiência de organizador de eventos, foi um dos responsáveis pelo brilho da festa. A classe teatral compareceu inteira, orquestra, jantar para quase mil pessoas, fogos de artifício, show que terminou com Zizi Possi cantando Se todos fossem iguais a você... Fiquei feliz e comovidíssimo!” A mais recente participação de Autran no Teatro FAAP foi postumamente, em 2010. Era dele a tradução de A grande volta, do belga Serge Kribus. O ator a concluiu em 2001. Quem dirigiu a peça foi Marco Ricca, com Fulvio Stefanini e Rodrigo Lombardi no elenco. Autran costumava dizer que o ator não tem direito ao próprio corpo nem ao próprio rosto. E quando um ator não está mais diante de seu público, fisicamente, ele sobrevive por meio da memória daqueles que testemunharam a sua presença de espírito em cena. Uma presença infinita todas as noites.

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Father, the same character he played in the production he directed in 1991, sharing the stage with Karin Rodrigues, Marisa Orth, Renato Consorte, among others. The acceptance from reviewers was reasonable. Nelson de Sá evaluated the cast at the newspaper Folha de S.Paulo: “Autran magnificently plays with the emotions of the Father (...) Marisa Orth is radiant, as she usually is; however, she is not able to face Autran, a requisite for the role and which could result in a masterful confrontation of interpretations. As for Renato Consorte, he responds for what has always been an excuse to Pirandello: the perfect humor”. In Dia das Mães [Mother’s Day], a family around its controlling matriarch served as a starting point to the comedy which brought Autran back to FAAP as a director in 2001. Karin Rodrigues played the leading role in a cast which also had Ilana Kaplan, Patrícia Gaspar, Sônia Guedes, Petrônio Gontijo and Adriane Galisteu. For the reviewer Kil Abreu, from the newspaper Folha de S.Paulo, the result was not satisfactory enough due to its “conventional” mood in several aspects of the staging. “The cast was confined into an awkward intimacy, because they are disconnected. Each one does what they could do, or know how to do, in a permanent hastiness, what leaves little room for the delicate weaving of the relations”. The play Variações enigmáticas [Variations énigmatiques], directed by José Possi Neto with a text by the French EricEmmanuel Schmitt, was Autran’s last performance at FAAP, in 2002, when he was close to his 80 years old. Autran also translated the play. Next to Cecil Thiré, he brought light to a plot about love. A writer, Nobel Prize in Literature, chooses to live as a hermit in an island. The launching of his last book is a reason for a visit by a journalist. The oral fight, in the beginning, develops into the retraction of armors, until the exhaustion which will place them naked before the secrets kept for 15 years. “It is fascinating to see how Autran captivates the audience, conducting their attention through a detailed course of physical actions (...) He has an affective memory for the loneliness of the renowned man who has to answer to the same old questions; in his remarkable interpretation, we have the feeling he is talking about himself”, remarked the reviewer Sérgio Salvia Coelho, in the newspaper Folha de S.Paulo. Three years later, in his memoirs book, Autran recollected: “the opening night in São Paulo was on the same day of my 84-year-old birthday [in fact, 80 years old]. I had realized they were preparing some sort of celebration; however, I had no idea the party was going to be that big. Celita Procopio de Carvalho, president of FAAP’s [of the Curators’ Board], and Germano Baía, my producer, were extremely kind and devoted. George Freire, with his experience as an event planner, was one of the responsible for the party. Theater artists were all there, as well as an orchestra, dinner for almost one thousand people, fireworks and a show which had the Zizi Possi singing Se todos fossem iguais a você... I was extremely happy and moved by all that!” Autran’s latest participation at Teatro FAAP was after his death in 2010. He was responsible for the translation of Le Grand Retour de Boris S., by the Belgian Serge Kribus. The actor completed it in 2001. Marco Ricca directed the play, with Fulvio Stefanini and Rodrigo Lombardi in the cast. Autran used to say that the actor is not entitled to his own body, neither to his face. And when an actor is not physically before his audience, he survives by means of the memory of those who have witnessed their spiritual presence in the act. A never-ending presence every night.


Dividindo a cena com Karin Rodrigues em Traições, de 1982, drama de Harold Pinter que lhe rendeu o Prêmio Molière sob direção de Possi Neto

Sharing the stage with Karin Rodrigues in 1982’s Betrayal, Harold Pinter’s drama which awarded him the Molière Award, under the direction of Possi Neto

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©Emidio Luisi/AMM/CCSP/SMC/PMSP


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A iniciante Marisa Orth contracena com Autran em Seis personagens em busca de um autor, de 1981, dirigido pelo próprio The beginning actress at the time, Marisa Orth, sharing the stage with Autran in 1981’s Six Characters in Search of an Author, directed by Autran himself

©norma albano/AE

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Só queria expressar o que fosse absolutamente necessário. Nada de gestos ‘teatrais’, nada de pausas ‘teatrais’, nada de efeitos. A procura da verdade. A difícil procura da verdade (Autran, sobre Traições, de 1982)

I just wanted to express what was absolutely necessary. I did not want ‘theatrical’ gestures, ‘theatrical’ pauses, effects. In the search of truth. The difficult search of truth (Autran, about 1982’s Traições [Betrayal])

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Os aplausos ao lado de Cecil Thiré em Variações enigmáticas, de 2002, montagem com a qual festejou seus 80 anos

Applauses next to Cecil Thiré in 2002’s Variações enigmáticas, a setting up to celebrate his 80 years-old

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©Fernando Silveira/FAAP


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em nome de SHAKESPEARE

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ŠLenise Pinheiro/Folhapress


com o poeta tudo é possível

William Shakespeare foi o autor mais montado na história do Teatro FAAP. Constam pelo menos duas tragédias, uma comédia e três recriações de peças suas. Passados quase quatro séculos da morte do dramaturgo inglês, em 1616, a revolução narrativa segue mobilizando corações e mentes. Como nas palavras do seu compatriota, o diretor Peter Brook, a respeito dos desafios à recepção da obra do poeta na contemporaneidade: “Enquanto continuarmos achando que Shakespeare é um Ionesco melhorado, um Beckett mais rico, um Brecht mais humano, um Tchekhov com multidões, e assim por diante, jamais chegaremos à raiz da questão”. Eis o enigma que move os artistas em todo o globo. Giulia Gam foi Desdêmona, a mulher assassinada pela fúria ciumenta de um general incitado por um traidor em Othello, a sombra de uma dúvida, de 1992. Na direção, Fabrizia Pinto e René Birocchi recorreram à linguagem cinematográfica do filme noir para ler a trama à policial. Marcos Palmeira viveu o papel-título, e Sérgio Mastropasqua, o ardiloso Iago. A subversão a outra tragédia, Macbeth, sobre a usurpação do trono do rei da Escócia por meio de uma série de assassinatos, apareceu em Macbett, na grafia do leste europeu. Trata-se de uma apropriação do romeno Eugène Ionesco, dramaturgo alinhado ao teatro do absurdo. O diretor Augusto Francisco apresentou sua criação em 1993. O Grupo Ornitorrinco imprimiu seu humor popular na versão de A comédia dos erros, de 1994, sobre as confusões armadas por dois irmãos gêmeos e seus respectivos criados, também gêmeos. O tradutor e diretor Cacá Rosset, aqui fora de cena, investiu na ação física, exigindo fôlego e preparação dos atores nas cenas de luta. Outro coletivo que evocou o bardo foi o dos Parlapatões, Patifes & Paspalhões, em 1998, com ppp@WllmShksp.br ou Parlapatões, Patifes & Paspalhões apresentam a obra completa de William Shakespeare compactada. A crítica e pesquisadora Bárbara Heliodora traduziu o texto do trio americano Jess Borgeson, Adam Long e Daniel Singer. O diretor Emílio di Biasi, coidealizador do projeto, emendou no programa em forma de versos: “Os mecanismos da emoção do humor: em que nervos da alma eles espreitam a beleza e a invejam? Em que fronteiras da morte eles travestem a dor em alegria? Em que sombras do homem eles iluminam sua natureza? Talvez alguns deuses tenham encontrado a resposta: um Oscarito, um Grande Otelo, Chaplin, Buster Keaton, Irmãos Marx, Monty Python! Nós, meros aprendizes de humor, fomos buscar em Shakespeare algumas luzes para percorrer esse labirinto. Para isso, tivemos que dilacerá-lo, violentá-lo e reinventá-lo”. Quem tem medo de William Shakespeare era o nome do ciclo de palestras que o ator e escritor Sérgio Viotti realizou no Teatro FAAP

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Anything is possible with the poet William Shakespeare was the most staged playwright in the history of Teatro FAAP. He had at least two tragedies, one comedy and three recreations of his plays staged there. After almost four centuries from the English playwright’s death, in 1616, the narrative revolution still touches hearts and minds. As in the words of his fellow countryman, the director Peter Brook, regarding the challenges faced by taking the poet’s masterpieces in contemporary times: “While we continue thinking Shakespeare is an improved Ionesco, a richer Beckett, a more human Brecht, a Tchekhov for the crowds, and so on, we will never be able to reach the core of the question”. This is the enigma that drives artist all over the world. Giulia Gam was Desdemona, the woman who was murdered by the jealous rage of a general instigated by a traitor in 1992’s Othello, a sombra de uma dúvida [Othello, the shadow of a doubt]. In the direction, Fabrizia Pinto and René Birocchi used the cinematographic language of a noir film to render a police mood to the plot. Marcos Palmeira played the leading role and Sérgio Mastropasqua, played the cunning Iago. The subversion to another tragedy, Macbeth, about the usurpation of the throne to the king of Scotland by means of a number of murders, was shown in Macbett, which used the spelling from Eastern Europe. This was an appropriation from the Romanian Eugène Ionesco, a playwright who was aligned to the theater of absurd. The director Augusto Francisco presented his creation in 1993. The Grupo Ornitorrinco brought its popular humor into play in the version of The comedy of errors, about the confusions set up by twin brothers and their corresponding servants, also twins. The translator and director Cacá Rosset, in this case, offstage, invested in the physical action, requiring strength and preparation of the actors for the fight scene. Another group work which evoked the bard was that staged by the group Parlapatões, Patifes & Paspalhões, in 1998, with ppp@WllmShksp.br or Parlapatões, Patifes & Paspalhões apresentam a obra completa de William Shakespeare compactada [Parlapatões, Patifes & Paspalhões present William Shakespeare’s complete works in an abridged version]. The reviewer and researcher Bárbara Heliodora translated the text written by the American triplet Jess Borgeson, Adam Long and Daniel Singer. The director Emílio di Biasi, who codesigned the project, added to the booklet to the play, the verses, “the mechanisms of humor emotion: in which nerves of the soul do they peek beauty and envy it? In which death thresholds do they turn pain into happiness? In which shadows of man do they light their nature? Maybe some of these gods have found the answer to that: Oscarito, Grande Otelo, Chaplin, Buster Keaton, Marx Brothers, Monty Python! We, as simple humor apprentices, search for enlightenment in Shakespeare in our journey in this labyrinth. In order to do that, we had to tear him apart, violate him, reinvent him”. Quem tem medo de William Shakespeare [Who’s afraid of William Shakespeare] was the title of the lectures


Na página de abertura, Wagner Moura na pele do príncipe Hamlet em montagem de Aderbal Freire-Filho, de 2008; e Raul Barretto, dos Parlapatões, em cena paródica vapt-vupt de ppp@WllmShkspr.br, de 1998

In the opening page, Wagner Moura in the role of prince Hamlet in the 2008’s setting up by Aderbal Freire-Filho; and Raul Barretto, from the Parlapatões, in the quick 1998’s parody ppp@WllmShkspr.br

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©Luiz Doro


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O Grupo Teatro do Ornitorrinco (Ricardo Castro, Lúcia Barroso e José Rubens Chachá) mostrou sua versão de A comédia dos erros, de 1994, dirigida por Cacá Rosset The Grupo Teatro do Ornitorrinco (Ricardo Castro, Lúcia Barroso and José Rubens Chachá) showed their version of 1994’s The Comedy of Errors, directed by Cacá Rosset

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©Heloísa Bortz/AMM/CCSP/SMC/PMSP


em abril 2006. A ideia era contextualizar aspectos biográficos e situar a obra dentro do panorama da Inglaterra do século de Elizabeth I, o XVI: o ambiente político e cultural da época. As gerações mais recentes talvez desconheçam que José Eugênio Soares fez carreira no teatro antes de ter sua imagem definitivamente associada à televisão. Jô contracenou com Cacilda Becker, dirigiu ou interpretou autores fundamentais, como Ionesco e o sueco Dürrenmatt, e recebeu elogio “tão vasto quanto a sua circunferência” do crítico Décio de Almeida Prado. Em 2006, ele assinou direção, adaptação e tradução de uma produção de Ricardo III que envolveu atores como Marco Ricca, no papel principal, além de Glória Menezes, Ary França, Denise Fraga, entre outros. No programa, Jô falou do desafio: “Desafio, sim, porque nós também exercemos uma profissão de risco, como a dos antigos menestréis e dos artistas de circo. Em nome dessa profissão às vezes se arrisca, inclusive, amores e amizades, para se sair ileso depois do salto mortal. O palco é trapézio sem rede”, escreveu. Há algo de arquetípico na história do homem que pisa muitos pescoços para escalar o poder e, chegando lá, oferece seu reino em troca de um cavalo, numa vã tentativa de escapar da morte. “Se Hamlet fica no ‘ser ou não ser’, Ricardo III é”, disse Jô Soares, referindo-se à convicção com que o duque conspira na sangrenta luta pela coroa de rei na Inglaterra do século XVI, quando o tabuleiro feudal era movido por bispos, juízes, chanceleres, lordes, chefes militares e realeza. A montagem desdobrou-se numa noite de leitura dramática no FAAP com atores convidados por Jô Soa­ res, também tradutor de O julgamento de Ricardo III, de Mary W. Schaller, e na publicação da peça pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Já a tragédia do príncipe da Dinamarca foi levada ao palco em 2008, sob direção de Aderbal Freire-Filho e estrelada por Wagner Moura. Hamlet “é um dos raros heróis literários a viver fora do texto, a viver fora do teatro. Seu nome tem significado, inclusive para os que jamais leram ou viram uma peça de Shakespeare”, considerou o estudioso polonês Jan Kott, para quem é praticamente impossível se deparar com uma representação integral do texto, pois duraria cerca de seis horas. Escolher, resumir e cortar foram alguns dos verbos conjugados pelo encenador, que via na obra um “poema ilimitado, palco de todas as possibilidades”, como anotou no programa. “Até Bill Gates sabe de Hamlet, sabe que ele está aqui, entre nós, vivo. Ah, aí está a questão! Manter Hamlet vivo, aqui, entre nós, dizendo pela primeira vez ser ou não ser, e não repetindo umas palavras impressas (em todas as línguas) com um jeito pomposo, empoeirado de versos sagrados de um velho poeta. Porque eu não quero, nem você, eu acho, ouvir outra vez uma lição de poesia inglesa (está bem, universal) da aula de literatura. Eu quero encontrar com essas pessoas vivas que só encontro nesse lugar fantástico, doidaço, mais moderno do que o último invento da tecnologia de ponta mais de ponta, esse lugar chamado teatro. Não quero a velhice da escola risonha e franca, nem a velhice do iPod. Quero a novidade mais nova, o teatro”, defendeu Aderbal Freire-Filho, que cotraduziu o texto com Wagner Moura e Bárbara Harrington.

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the actor and writer Sérgio Viotti offered at the Teatro FAAP in April 2006. The idea was to contextualize biographic aspects and place the work within the scenario of Elizabeth I’s England, the 16th century: the political environment and the culture at that time. The latest generations maybe are not aware that José Eugênio Soares had a career in the theater before having his image associated to television. Jô shared the stage with Cacilda Becker, directed and played roles by essential playwrights such as Ionesco and the Swedish Dürrenmatt, and his talent was considered “as wide as his belly circumference” according to the reviewer Décio de Almeida Prado. In 2006, he directed, adapted and translated the production of Richard III, which involved actors such as Marco Ricca, in the leading role, besides Glória Menezes, Ary França, Denise Fraga, among others. In the booklet to the play, Jô wrote about the challenge: “This was definitely a challenge because ours is a risky profession, as it was for old minstrels and circus artists. On behalf of this profession, we sometimes take risks, also with love and friendship, in order to escape unharmed after a somersault. The stage is a trapeze without a net”, he wrote. There is something of archetypical in the history of the man who steps over many others in order to conquer power, and, by reaching the peak, offers his kingdom for a horse, in a useless attempt to escape death. “If Hamlet is haunted by the doubt ‘to be or not to be’, Richard III is”, said Jô Soares, referring to the confidence with which the duke conspires in the bloody fight for the crown of king of 16th century’s England, when the feudal board was moved by bishops, judges, chancellors, lords, military officers and the royalty. The setting up also rendered a night for drama reading at FAAP with actors invited by Jô Soares, who was also the translator of The final trial of Richard III, by Mary W. Schaller, and the publication of the play by the Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. The tragedy about the prince of Denmark was staged in 2008, directed by Aderbal Freire-Filho and starred by Wagner Moura. Hamlet “is one of the rare literary heroes who lives out of the text, who lives out of the theater. His name is full of meaning, even for those who have never read or seen a play by Shakespeare”, said the Polish academic Jan Kott, for whom it is practically impossible to have the full representation of the text, as this would last around six hours. Choosing, summarizing and cutting were some of the verbs conjugated by the director, who saw in the masterpiece an “unlimited poem, a stage to all possibilities”, as he wrote in the booklet to the play. “Even Bill Gates knows about Hamlet; he knows he is here, among us, alive. Oh, and that is the question! Keeping Hamlet alive, here, among us, saying for the first time, to be or not to be, and not simply repeating printed words (in all languages) in a solemn manner, covered with the dust of the sacred verses by the old poet. Because I do not want, and I believe you do not want either, to listen to the English poetry lesson (although it is universal) in the literature class, once again. I want to meet these living people I can only meet in this fantastic, crazy place, more modern than the latest, state-ofthe-art technological invention, this place called theater. I do not want the old giggling and frank school, or the old iPod. I want the most recent novelty, the theater”, defended Aderbal Freire-FIlho, who was a co-translator for the text with Wagner Moura and Bárbara Harrington.


A atriz Giulia Gam em Othello, a sombra de uma dúvida, de 1992, direção Fabrizia Pinto e René Birocchi The actress Giulia Gam in 1992’s Othello, a sombra de uma dúvida [Othello, the shadow of a doubt], directed by Fabrizia Pinto and René Birocchi

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©Lenise Pinheiro


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O elenco masculino de Ricardo III, de 2006, um espetáculo traduzido e dirigido por Jô Soares 2006’s Richard III male cast, a play translated and directed by Jô Soares

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©Priscila Prade


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A natureza em estado de graça

Replicando a licença poética manifestada em suas criações, o Grupo Teatro do Ornitorrinco gerou três filhos na convivência artística por quase três anos no campus-sede da FAAP, incluído o intervalo entre um trabalho e outro. Ele estreou os espetáculos A comédia dos erros, em 1994, e a versão 2.0 de Ubu: folias physicas, pataphysicas e musicaes, em 1996, ambos com direção de Cacá Rosset. Naquele mesmo ano, emplacou a exposição Ubu – a patafísica nos trópicos, no Museu de Arte Brasileira, o MAB. O público, de fato, desfrutou o Ornitorrinco em um dos seus períodos mais férteis. Esse núcleo que, desde 1977, suscitou o espanto e a inquietação inspirado na espécie em extinção que lhe dá nome – dotada de patas e asas, a indefinição entre mamífero, ave e réptil, a natureza em seu estado de graça. Peça de juventude de Shakespeare (1564-1616), A comédia dos erros foi baseada na obra de Plauto, o dramaturgo romano que viveu há cerca de dois séculos antes de Cristo. Na trama, as confusões são desdobradas em efeito dominó, culminando uma cidade inteira envolvida pela nuvem de equívocos e quiproquós. A separação de dois gêmeos logo após o nascimento acionava uma malha de situações hilariantes. Perspicaz, o dramaturgo não celebrou o gênero no título sem que encerrasse a condição humana e suas contradições já naquele século XVI. Os diálogos perpassavam a sujeição servil e as relações de poder nos planos público e privado. Em sua adaptação, Cacá Rosset colocou em cena o próprio Shakespeare para costurar os mal-entendidos. O enredo desfilava dois pares de gêmeos, sendo dois criados, interpretados por Eduardo Silva e Augusto Pompêo, e dois mercadores, por Luciano Chirolli e José Rubens Chachá. O Drômio de Siracusa, vivido por Silva, rendeu-lhe três prêmios de melhor ator. Para o crítico Nelson de Sá, na Folha de S.Paulo, Luciano Chirolli (como “senhor”) e Eduardo Silva (como “escravo”) “formam uma dupla à antiga no humor brasileiro, como foi aquela com Oscarito e Grande Otelo – a mesma hilaridade, em misto com um orgulho nacional. Ao falar da montagem, o encenador buscou outra imagem no cinema: Os três patetas. E está tudo lá, os tapas, a rasteira, o slapstick”, elogiou. Em 1992, Rosset havia montado a mesma obra com atores americanos em participação no New York Shakespeare Festival. Lá, como cá, ele articulou a encenação como uma “comédia física”, leiam-se socos, pontapés, duelos com espadas, quedas livres e lutas defendidas por 18 artistas, entre eles Mário Cesar Camargo, Christiane Tricerri, Fernanda D’Umbra e Maria Alice Vergueiro. Um ano após aquela temporada, o Ornitorrinco voltou ao Teatro FAAP para produzir o seu Ubu 2, por assim dizer, a nova montagem do espetáculo que consagrou o grupo em 1985 – ficou três

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Nature in a state of grace Responding to the poetical license expressed in its creations, the Grupo Teatro do Ornitorrinco has raised three children in the artistic coexistence for almost three years at the FAAP campus-headquarter, including the gap between works. It starred in performances such as The comedy of errors, in 1994, and in the 2.0 version of Ubu: folias physicas, pataphysicas e musicaes [Ubu: physical, pataphysical and musical rolicks], in 1996, both with the direction of Cacá Rosset. On that same year, the exhibit Ubu – a patafísica nos trópicos [Ubu: the pathaphysics of the tropics], at the Museu de Arte Brasileira, the MAB was very successful. The audience, in fact, enjoyed Ornitorrinco in one of its most productive periods. This group which, since 1977, had caused astonishment and uneasiness inspired in the endangered species it is named after – provided with paws and wings, the lack of definition between a mammal, a bird and a reptile, nature in its state of grace. A play by young Shakespeare (1564-1616), The comedy of errors was based on the work of Plautus, the Roman playwright who lived around two centuries before Christ. In the plot, the confusions are outspread in a domino effect, reaching their peak when the whole city is involved by misconceptions and misunderstandings. The separation of two twin brothers soon after their birth triggered a wide range of hilarious situations. Keen, the playwright made reference to the genre in the title by including the human condition and their contradictions in that 16th century. The dialogs dealt with obsequious subjection and the power relations in the public and private scopes. In his adaptation, Cacá Rosset placed the figure of Shakespeare himself in scene to mend the misunderstandings. The plot told the story of two pairs of twins, being two servants, played by Eduardo Silva and Augusto Pompêo, and two merchants, played by Luciano Chirolli and José Rubens Chachá. The Dromius of Syracuse, played by Silva, awarded him with three best actor awards. For the reviewer Nelson de Sá, of the newspaper Folha de S. Paulo, Luciano Chirolli (as the “master”) and Eduardo Silva (as the “slave”) “comprise a couple to the old style in the Brazilian humor history, as that formed by Oscarito and Grande Otelo – the same hilarious mood, mixed with national pride. When he talks about the setting up, the director used another image taken from the cinema: The Three Stooges. It is everything there: the slapping, the stumbling, the slapstick, he praised. In 1992, Rosset had set up the same work with American actors in a participation at the New York Shakespeare Festival. There, just like here, he articulated the staging as a “physical comedy”, meaning punches, kicks, duels with swords, free falls and fights defended by 18 artists, among which, Mário César Camargo, Christiane Tricerri, Fernanda D’Umbra and Maria Alice Vergueiro. One year after that season, Ornitorrinco returned to Teatro FAAP to produce its Ubu 2, so to speak, a new setting up of the


José Rubens Chachá e Cacá Rosset embarcam com parte do elenco em Ubu: folias physicas, pataphysicas e musicaes, de 1996 José Rubens Chachá and Cacá Rosset leave with part of the cast in 1996’s Ubu: folias physicas, pataphysicas e musicaes

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fotos: ©gal oppido


anos em cartaz, faturou os principais prêmios de direção e cenografia (por José de Anchieta), atraiu mais de 300 mil espectadores e alcançou América Latina e Europa. A nove meses da estreia, lia-se em O Estado de S. Paulo: “O rei Ubu de Alfred Jarry vai completar um século no ano que vem. Há muitos anos, portanto, que a humanidade convive com a patafísica, a ciência das soluções imaginárias que estuda as exceções do universo e justifica o pensamento de Pai Ubu, personagem criado por Jarry como um anarquista puro, mas consagrado como reizinho arbitrário, voluntarioso, engraçado”, anunciou a reportagem de Antonio Gonçalves Filho em 1995. Traduzida e adaptada por Cacá Rosset, a obra do dramaturgo francês Alfred Jarry (1873-1907) foi precursora de algumas das linhagens cênicas mais significativas do século XX, como o dadaísmo, o surrealismo, o teatro do absurdo e, mais recentemente, a performance, elencou a pesquisadora Sílvia Fernandes no prefácio para a peça editada pela Peixoto Neto em 2007. Nas mãos do Ornitorrinco, a comédia de tintas paródicas, de sátira grotesca e de farsa obscena incorporou números circenses e a música executada ao vivo por uma banda em pulsação rock. O projeto, aliás, saltou o muro da ficção para a realidade na sua primeira versão. O Pai Ubu performático de Rosset saiu candidato a cargos públicos e provocou rebuliço no circuito político da segunda metade da década de 1980, em meio a Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, Eduardo Suplicy e às expectativas de abertura institucional do país. “Ao contrário de Getúlio Vargas, ele saiu da história para entrar na vida, deixando de ser personagem de ficção para ser personagem de fricção”, brincou o ator e diretor sobre o seu Pai Ubu. Sobre o espetáculo de 1996, Alberto Guzik criticou no Jornal da Tarde: “As cenas de Jarry são entremeadas por números de malabarismo, equilibrismo, pirofagia e dão um colorido especial à produção. O Ornitorrinco é mestre nessas misturas de linguagem. E recorre também a velhos métodos do teatro de revista, brincando com o público e conseguindo reações vibrantes em resposta”. Durante abril e maio de 1995, o MAB expôs aos frequentadores da FAAP os desenhos para cenário e figurinos das duas montagens criados pela arquiteta Lina Bo Bardi. “Na realidade, o público pode se perguntar: que cenografia é esta onde não tem nada? A este ponto eu cito Lautréamont: ‘A arte deve ser feita por todos e não por um só’. O teatro é a vida e na ausência de dados ‘preestabelecidos’, uma cenografia ‘aberta’ e despojada pode oferecer ao espectador a possibilidade de ‘inventar’ e ‘participar’ do ‘ato existencial’ que representa um espetáculo de teatro’”, declarou a modernista ítalo-brasileira, que projetou o MASP e o Teatro Oficina. A mostra Ubu – a patafísica nos trópicos, com curadoria de Miguel Paladino, incluiu ainda quadros de Picasso e Miró, que representaram o personagem-título; outros 65 trabalhos de mais de 50 artistas plásticos que usaram diferentes técnicas – ilustração, escultura, instalação, pintura – para evocar a ciência propagada por Jarry; além de registros fotográficos de turnês realizadas pelo grupo.

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performance which was a box-office of the group in 1985 – it was staged for three years, received the main direction and scenography awards (by José de Anchieta), was seen by more than 300 thousand viewers and reached Latin America and Europe. Nine months from the opening night, the newspaper O Estado de S. Paulo published: “Alfred Jarry’s King Ubu will be one century next year. Humankind has been, for many years, coexisting with pataphysics, the science of the imaginary solutions which studies the exceptions of the universe and justifies the thoughts of Father Ubu, the character created by Jarry as a pure anarchist, but devoted as an arbitrary, willful, funny little king”, in the article by Antonio Gonçalves Filho in 1995. Translated and adapted by Cacá Rosset, the work by the French playwright Alfred Jarry (1873-1907) was the groundbreaker for some of the most significant scenic lineages in the 20th century, such as the Dadaism, the Surrealism, the Theater of Absurd and, more recently, the performance, listed the researcher Sílvia Fernandes in the foreword to the play edited by Peixoto Neto in 2007. By means of Ornitorrinco, the comedy with spoof touches, grotesque satire and obscene burlesque incorporated circus performances and music played live by a band with a rock beat. The project went beyond the boundaries of fiction into reality in its first version. Rosset’s theatrical character Father Ubu run for public offices and caused a turmoil in the political means in the second half of the 1980s, among Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, Eduardo Suplicy and the expectations of the Country’s institutional opening. “Different from Getúlio Vargas, he left history to enter life, no longer being a fictional character, but instead, being a frictional character”, joked the actor and director about his character Father Ubu. About the 1996’s performance, Alberto Guzik wrote a review for the newspaper Jornal da Tarde: “Jarry’s scenes are interwoven by juggling, acrobatics, and fire eating performances rendering a special touch to the production. Ornitorrinco is a skilled in mixing these languages. It also makes use of old methods used in the teatro de revista (comedy dance shows), playing with the audience and obtaining lively reactions as a response”. In the months of April and May 1995, MAB exhibited to those regularly visiting FAAP the drawings for the scenario and the costumes for both setting ups, created by the architect Lina Bo Bardi. “In fact, the audience may wonder: ‘What kind of scenography is that, in which there is nothing?’ With regards to that, I quote Lautréamont: ‘Art should be made by everyone and not by one alone’. Theater is the life and, in the absence of ‘preset’ data, an ‘open’, bereft scenography may offer the viewer the possibility of ‘inventing’ and ‘taking part’ in the ‘existence’ which a theater performance represents”, stated the Italian-Brazilian modernist who designed the MASP and the Teatro Oficina. The exhibit Ubu - a patafísica nos trópicos [Ubu: the pathaphysics of the tropics], with curatorship by Miguel Paladino, also includes paintings by Picasso and Miró, representing the main character; other 65 works from more than 50 fine artist using different techniques – illustration, sculpture, assembly, painting – to evoke the science spread by Jarry; besides photographic records of tours taken by the group.


Rosset, a atriz Norma Gabriel e o artista plástico Ivald Granato na exposição paralela Ubu - a patafísica nos trópicos, de 1996 Rosset, the actress Norma Gabriel and the plastic artist Ivald Granato in the 1996’s side exhibit Ubu a patafísica nos trópicos

Outro segmento da mostra que evocou a irreverência do Ornitorrinco e do autor francês Alfred Jarry

Another segment of the exhibit which evoked the irreverence of the group Ornitorrinco and the French playwright Alfred Jarry

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©Heloísa Greco Bortz/AMM/CCSP/SMC/PMSP

Os atores Luciano Chirolli e Eduardo Silva em A comédia dos erros, de 1994 The actors Luciano Chirolli and Eduardo Silva in 1994’s the Comedy of Errors

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Palhaços VAPT-VUPT

Grupo formado no início dos anos 1990, os Parlapatões, Patifes & Paspalhões foram felizes ao popularizar essa trinca de palavrões. Como o palhaço Piolin, que cativou inclusive os modernistas da Semana de Arte de 1922, o núcleo que une linguagens teatral e circense cravou seu lugar na cena brasileira. Difundiu um humor com tradição e liberdade. Um feito e tanto para quem passava o chapéu após apresentar-se em rodas de rua. A peça do vestuário terminou virando logotipo: a imagem de um chapéu-coco de ponta-cabeça, receptáculo para um tijolo baiano e coroado por uma rosa. Os Parlapatões já contavam oito anos de existência e oito espetáculos na bagagem – um deles em homenagem a Abelardo Pinto, o Piolin – quando pisou o palco do Tea­tro FAAP em abril de 1998 em condições absolutamente atípicas em termos de produção e concepção. Primeiro: eles levaram à cena um texto de autores americanos contemporâneos em chave de paródia a Shakespeare. Segundo: a obra foi traduzida pela crítica Bárbara Heliodora, especialista-mor no bardo em terras brasileiras. Terceiro: contaram com um diretor de proa, Emílio di Biasi, o mesmo que assinou o espetáculo de inauguração do palco do Teatro FAAP, em setembro de 1976, com a montagem de A moratória, de Jorge Andrade. Quarto: atingiram um público inédito, cuja maioria desconhecia sua trajetória e pagava até três vezes mais o preço médio dos ingressos que os atores e palhaços costumavam cobrar em sessões realizadas no circuito alternativo da cidade. Atualmente, eles estão devidamente assentados num espaço da Praça Roosevelt, cúmplices da movimentação cultural naquela região central ao longo desta década. De fato, como o autor destas linhas narrou no livro Riso em cena: dez anos de estrada dos Parlapatões, publicado em 2002, e do qual um trecho resumimos aqui, o ano de 1998 podia ser parodiado como aquele que não acabou na aventura desse grupo. Finalmente, ele experimentou a fama, por assim dizer. Nunca se viu tanto espectador na bilheteria comprando entradas inteiras e pagando com notas graúdas. E tudo isso aconteceu em nome de Shakespeare, que teve as suas 37 obras compactadas no espetáculo de título impronunciável, ppp@WllmShksp.br ou Parlapatões, Patifes & Paspalhões apresentam a obra completa de William Shakespeare compactada em versão brasileira limitada, uma transposição libérrima para o original em inglês de Jess Borgeson, Adam Long e Daniel Singer: The complete works of William Shakespeare (abridged). Uma reportagem de Rogério Eduardo Alves na Folha de S.Paulo contextualizou esse exercício cômico. “Achando as comédias mais chatas que as tragédias do bardo, ao menos não tão engraçadas, o grupo resume as primeiras e dedica mais tempo às

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quick Clowns Group formed in the early 1990s, the Parlapatões, Patifes & Paspalhões (Blusterers, Rascals & Fools) was fortunate when making these three words popular. Just like the clown Piolin, who captivated even the modernists in the Semana de Arte de 1922, the group who puts theater and circus languages together, has set its place in the Brazilian art scene. It spread humor with tradition and freedom. Some accomplishment for those who used to pass the hat around, after performing on city streets! An item in their costumes has become their logotype: the image of an upside down derby, a receptacle for a brick and crowned by a rose. The Parlapatões had already been performing for eight years, having staged eight performances – one of them to pay homage to Abelardo Pinto, the clown Piolin – when the first set foot on the stage at the Teatro FAAP in April 1998 and the completely atypical conditions in terms of production and design. First, the group staged a text by contemporary American playwrights as a parody to Shakespeare. Then, the work was translated by the reviewer Bárbara Heliodora, the biggest specialist on the bard in Brazil. Third, it had the important director, Emílio di Biasi, the same who directed the opening performance at the Teatro FAAP, in September 1976, with the setting up of A moratória [The moratorium], by Jorge Andrade. And forth, they had a completely new audience, who did not know their artistic history and paid up to three times more the average price of the tickets the actors and clowns used to charge in performances in the city’s alternative circuit. They are currently settled in a space at Praça Roosevelt, accomplices of the cultural movement in that central region. In fact, as the author of these lines tells in the book Riso em cena: dez anos de estrada dos Parlapatões [Laughter on stage: ten years on the road with the Parlapatões], published in 2002, which we have taken an excerpt to show here, the year of 1998 could be used as a parody for the year that has not finished for the adventures of this group. Finally, it experienced fame, so to speak. It has never seen so many viewers buying tickets and paying with big money. And all this was due to Shakespeare, who had his 37 works compacted in a performance with an unspeakable title, ppp@WllmShksp. br or Parlapatões, Patifes & Paspalhões apresentam a obra completa de William Shakespeare compactada em versão brasileira limitada [Parlapatões, Patifes & Paspalhões present William Shakespeare’s complete works in an abridged, limited Brazilian version], a free transposition to the original in English by Jess Borgeson, Adam Long and Daniel Singer: The complete works of William Shakespeare (abridged). A news report by Rogério Eduardo Alves for the newspaper Folha de S. Paulo contextualized this comic exercise.


Os atores, palhaços e parlapatões Raul Barretto e Hugo Possolo, este como Julieta, emplacaram ppp@WllmShksp.br, de 1998 The actors, clowns and blusterers Raul Barretto and Hugo Possolo, the latter as Juliet, performing 1998’s ppp@WllmShksp.br

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segundas. Romeu e Julieta, a mais popular, recebe um tratamento especial. Julieta (Hugo Possolo) aparece travestida, com peruca, e abre o espetáculo. Hamlet, considerada uma das melhores obras da dramaturgia ocidental, ganha uma versão de trás para frente e uma condensada de menos de um minuto. As outras peças estão indicadas por meio de sonoplastia, bonecos, além de uma partida de futebol que reúne textos históricos”, explicou Alves. Procurados por Emílio di Biasi, os Parlapatões aceitaram protagonizar a montagem traduzida pela crítica de O Globo, implacável na defesa das cousas do bardo. A verve parlapatônica, um encenador de dramas de fôlego e uma guardiã do cânone – essa mistura poderia soar indigesta, mas não foi o que aconteceu. O grupo dialogou criativamente com a base stanislavskiana de Di Biasi, de fundo introspectivo, e este também se permitiu impregnar do espírito jogado em cena pelos rapazes. “Estudei com eles um estilo de humor que talvez fugisse um pouco do que normalmente estavam habituados”, disse o diretor, que propôs o registro de humor a partir de uma emoção desencadeada à maneira de Chaplin, Buster Keaton, Oscarito, Grande Otelo ou Ronald Golias, influências confessas. Bárbara Heliodora deixou-se contagiar pela alegria da palhaçada. “Acho surpreendente a fidelidade ao estilo popular e o modo como conseguem fazer coisas diferentes, mas preservando o espírito que remete à Idade Média. Os Parlapatões incorporam certo desbocamento salutar; que é uma coisa muito ligada às tradições populares. [...] Eu tinha visto a montagem inglesa de A obra Completa de William Shakespeare, compactada, em Londres. A partir do texto daqueles americanos loucos de atar, o grupo soube se comunicar com o espectador brasileiro sem trair sua essência”, interpretou a crítica na pele de tradutora. Para Mariangela Alves de Lima, em O Estado de S.Paulo, Di Biasi acentuou virtudes e defeitos do grupo. “Atores que convivem há muito tempo, habituados a criar os próprios espetáculos, os participantes do grupo sentem-se à vontade para inventar as necessárias adaptações ao gosto e ao temperamento do público brasileiro. O espetáculo dá-lhes inteira liberdade e aproveita ao máximo a simpatia dos intérpretes que têm um modo delicado e afetuoso de brincar com o público sem recorrer aos clichês dos números de plateia”, ponderou a crítica. A disponibilidade para o improviso derivou dos estímulos propostos nos ensaios ou durante a temporada. Nada era fechado, tudo se transformava. Nada era aberto, tudo se absorvia. O crítico Sérgio Salvia Coelho, na Folha de S.Paulo, formulou uma curiosa simbiose genética, ou melhor, estética: “Pioneiros do novo circo e herdeiros de Macunaíma e Ubu rei, os Parlapatões se impuseram enquanto Irmãos Marx tupiniquim ao aprenderem na prática o quanto a anarquia precisa de organização para não se dissolver no irrelevante; articularam o método dessa loucura. Serviram à cultura brasileira como os Doutores da Alegria servem à medicina com a seriedade do humor; com a responsabilidade da subversão, habilitando-se assim a passar o bastão que receberam de Piolin para suas crias, os palhaços que ainda virão. Salvam o circo do fogo”, considerou Coelho.

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“Considering the comedies more boring than the bard’s tragedies, or, at least not so funny, the group summarizes the former and dedicates more time to the latter. Romeo and Juliet, the most popular one, receives a especial treatment. Juliet (Hugo Possolo) appears as a transvestite, with a wig, opening the show. Hamlet, considered one of the masterpieces of the Western dramaturgy, receives a backwards version and is reduced to less than one minute. The other plays are referred to by means of sound effects, puppets, besides a soccer match gathering historical texts”, explained Alves. When Emílio di Biasi looked for them, the Parlapatões accepted to take the leading role in the setting up translated by the reviewer of the newspaper O Globo, a merciless defender of the bard’s writings. Too much enthusiastic energy, a brave drama director and a guardian of the precepts – this mixture could seem hard to swallow, but that was not what happened. The group creatively communicated with Di Biasi’s Stanilaviskian basis, with an introspective basis, who also let himself go with the wittiness of the lads. “I studied with the humor style which maybe would be distant from what they were used to doing”, said the director, who proposed the humor register from an emotion at Chaplin, Buster Keaton, Oscarito, Grande Otelo or Ronald Golias’ style, who played influence on him. Bárbara Heliodora was captivated by the joy in the drollery. “I find surprising the loyalty to the popular style and the manner they have managed to do different things, preserving the Middle Age atmosphere. The Parlapatões embody a certain healthy foulmouthing; this is very much connected to popular traditions [...] I had seen the English setting up for The complete works of William Shakespeare (abridged) in London. From the text by those crazy Americans, the group managed to establish a communication line with the Brazilian viewer without betraying their essence”, interpreted the reviewer, speaking as a translator. To Mariangela Alves de Lima, from the newspaper O Estado de S. Paulo, Di Biasi highlighted virtues and defects of the group. “Actors who have been coexisting for a long time, used to creating their own shows, the members of the group feel at ease to invent the required adaptations to the taste and mood of the Brazilian audience. The performance gives them freedom and takes the most out of the interpreters’ friendliness, with their delicate and affective manner to play with the audience without having to appeal to the clichés present in acts with the audience”, considers the reviewer. The availability for improvisation has given rise to encouragements proposed in the rehearsals or throughout the season. Nothing was final, everything could be changed. Nothing was open, everything could be absorbed. The reviewer Sérgio Salvia Coelho, from the newspaper Folha de S. Paulo, has stated a peculiar genetic symbiosis, or, in better words, esthetic symbiosis: “Pioneers of the new circus and heirs of Macunaíma and Ubu rei, the Parlapatões imposed their presence as the Marx brothers from the tropics by learning in practical terms, how much the anarchy needs organization so as not to be dissolved into something irrelevant; they have articulated the method for this madness. They served the Brazilian culture as the Doutores da Alegria [Happiness Doctors] serve medicine with the seriousness found in humor; with the responsibility of subversion, being therefore, qualified to pass on to their creations, the clowns yet to come, what they have received from Piolin. They saved the circus from catching fire”, considered Coelho.


A trinca Barretto, Possolo e Alexandre Roit foi dirigida por Emílio di Biasi na prestigiada versão compacta das peças do bardo inglês

The triplet Barretto, Possolo and Alexandre Roit was directed by Emílio di Biasi in the appreciated abridged version of the plays written by the English bard

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fotos: ©LENISE PINHEIRO


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© VÂNIA TOLEDO


O palco na palma da mão

Uma futura biografia do diretor José Possi Neto anotará que sua casa artística em São Paulo atende pelo nome de Teatro FAAP. Em 31 dos 39 anos de carreira, até aqui, o paulistano montou 11 peças ou coreografias no espaço. O tempo o credenciou como encenador mais assíduo desse tablado. Coxias, camarins, colunas e plateia são intuídos técnica e afetivamente como quem conhece as próprias linhas na palma da mão. De 1979, ano em que montou seu segundo espetáculo na cidade, a coreografia Sonho de valsa, até 2010, quando em cartaz com o drama Usufruto, o arco de trabalhos o levou à coexistência com homens e mulheres tão exigentes e apaixonados pelo ofício quanto ele. Uma constelação formada por Paulo Autran, Beatriz Segall, Glória Menezes, Karin Rodrigues, Ruth Rachou, Tarcísio Meira, Juca de Oliveira, Irene Ravache, Lúcia Veríssimo, Cecil Thiré, Odilon Wagner e Christiane Torloni, entre outros. A dançarina octogenária Ruth Rachou, que produziu e contracenou com Thales Pan Chacon em Sonho de valsa, declarou adorar a parceria com Possi Neto, “porque ele consegue tirar da gente a alma e colocar no palco”. A fronteira entre o teatro e a dança foi borrada desde sempre nas criações que assim o permitem. Em 1999, ele encenou O bailado do deus morto, recuperando a experiência precursora e revolucionária do artista plástico e agitador cultural Flávio de Carvalho – a obra de mesmo nome foi censurada em 1933. Entretanto, a importante passagem da dança pelo Teatro FAAP será detalhada em capítulo à frente dedicado a essa arte. Por ora, debruçamo-nos sobre os dramas que ele dirigiu. Traições, de 1982, projeto seguinte, trazia texto de Harold Pinter traduzido e estrelado por Paulo Autran. Responsabilidade em dobro, portanto. O crítico Sábato Magaldi observou no Jornal da Tarde o contraste entre o humor britânico e o extravasamento brasileiro. “A dificuldade de exprimir esse problema era o desafio para a encenação de José Possi Neto”, ressaltou sobre a história da mulher que trai o marido com o melhor amigo dele, revelando a falsa moralidade em que suas vidas estavam metidas. “O espetáculo é digno, sério, não cai na armadilha do riso fácil nem deturpa o significado íntimo de Traições”, ponderou Magaldi. Em 1984, a sociedade brasileira lutava pelas Diretas-já, e Possi Neto enfrentava conflitos de outra natureza: um “inventário de sensações numa viagem pela emoção de duas pessoas”, como ele definiu De braços abertos. A partir de um romance que esboçara, mas não terminou, Maria Adelaide Amaral escreveu a peça a pedido de Irene Ravache, que desejava falar de amor e desencontro. A atriz e Juca de Oliveira viviam Luísa, artista gráfica desquitada com três filhos, e Sérgio, o amante com quem se envolveu quando casada e reencontra cinco anos mais tarde, numa

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The stage in the palm of the hand The future biography of the director José Possi Neto will register that his artistic home in São Paulo is the Teatro FAAP. In 31 out of the 39 years of his career, so far, the director, natural of São Paulo, has set up 11 plays or choreographies in the artistic space. Time has awarded him the title of most frequent director in this stage. Aisles, dressing rooms, columns and audience are known intuitively and affectively as someone who knows the lines in the palm of their very hands. From 1979, year when he set up his second show in the city, the choreography Sonho de valsa [A Waltz dream], to 2010, when he staged the drama Usufruto [Usufruct], the range of works led him to share his existence with men and women who were as demanding and passionate for the occupation as he is. Stage stars such as Paulo Autran, Beatriz Segall, Glória Menezes, Karin Rodrigues, Ruth Rachou, Tarcísio Meira, Juca de Oliveira, Irene Ravache, Lúcia Veríssimo, Cecil Thirè, Odilon Wagner and Christiane Torloni, among others. The eighty-year-old dancer Ruth Rachou, who produced and shared the stage with Thales Pan Chacon in Sonho de valsa, stated she loved her partnership with Possi Neto, “because he manages to taken our souls from our bodies and place them on stage”. The threshold between the theater and the dance has been marked forever in the creations which enable that. In 1999, he staged O bailado do deus morto [The dance of a dead god], recovering the groundbreaking and revolutionary experience of the plastic artist and cultural agent, Flávio de Carvalho – a work with the same name was censored in 1933. However, the important passage of the dance by the Teatro FAAP will be detailed in a chapter exclusively devoted to this art. For the time being, we will lean over the dramas he directed. 1982’s Traições [Betrayal], his next project, had the text by Harold Pinter translated and starred by Paulo Autran. A double responsibility, therefore. The reviewer Sábato Magaldi remarked in the newspaper Jornal da Tarde the contrast between the British humor and the Brazilian outpouring. “The difficulty in expressing this problem was a challenge for José Possi Neto’s staging”, remarked him, about the story of the woman who betrays her husband with his best friend, revealing the false morality in which they lived. “The show is respectable, serious, it is not trapped by the easy laughter or misrepresentation of the intimate meaning of Traições”, considers Magaldi. In 1984, Brazilian society was fighting for having direct elections with the movement “Diretas-já”, whereas Possi Neto was facing another type of conflict: an “inventory of feelings in a journey through the emotions felt by two people”, as he defined in De braços abertos [With open arms]. From the novel he had started to write, but never finished, Maria Adelaide Amaral wrote the play upon a request from Irene Ravache, who wanted


Juca de Oliveira e Irene Ravache contracenam em De braços abertos, de 1984, em texto de Maria Adelaide Amaral

Juca de Oliveira and Irene Ravache play the leading roles in 1984’s De braços abertos, a text by Maria Adelaide Amaral

RAUL CORTEZ contracenando com Mário César Camargo na peça À meia-noite um solo de sax na minha cabeça RAUL CORTEZ hristians of the age. In many ways, their devotion to Mary is the key to their refinement; she is the

©José Limongi Batista/ AMM/CCSP/SMC/PMSP

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gangorra entre as melhores lembranças e o presente que atrai autoconhecimento. Magaldi saiu arrebatado da sessão: “Não é sempre que o teatro oferece momentos de plenitude, a sensação de estar vivendo uma experiência fundamental, que bole com lembranças recônditas. Numa temporada que, de súbito, se tornou estimulante, um desses momentos privilegiados é De braços abertos, novo cartaz do FAAP”, estampou o Jornal da Tarde. “O acerto completo seria impossível sem o requinte artístico do encenador José Possi Neto. Ele inoculou no palco uma atmosfera mágica, em que a luz dirige a flexibilidade dos movimentos, evitando os prosaicos pormenores realistas, para instaurar a fluência do sonho. A passagem de um ator atrás de uma parede e a volta para o companheiro carregam em si um ambiente diverso, na psicologia e no ritmo da cena. O palco se transfigura, a cada episódio que surge, sem que se perceba o menor esforço. De braços abertos estabelece com a plateia uma comunicação vital, como verdadeira obra-prima”. A produção seguinte é Um dia muito especial, de 1986, peça do cineasta italiano Ettore Scola sobre o encontro de um intelectual homossexual e uma dona de casa frustrada com a exploração familiar. O encontro permite esclarecer angústias em plena data em que representantes de duas nações firmam o pacto nazifascista, Hitler e Mussolini, Alemanha e Itália. Os reflexos foram os mais nefastos sobre as cabeças dos cidadãos comuns. “A competente direção de José Possi Neto enfatiza o relacionamento do casal, colocando a perseguição política como pano de fundo”, comentou a crítica Maria Lúcia Candeias na revista Isto é. Um clássico de Oscar Wilde, Salomé, de 1997, firmou a terceira parceria com a atriz e produtora Christiane Torloni, que passava a maior parte do espetáculo dançando –­­­para encanto da plateia. Antes da estreia, ela fez aulas particulares de dança do ventre por dez meses, e o grupo chegou a realizar ensaios durante dez horas. “Poucas vezes é dada a uma atriz a oportunidade de desenvolver um trabalho tão completo”, explicou a atriz no programa do espetáculo. Filha de Herodes, interpretado por Luis Melo, ela apaixona-se por João Batista, profeta que anunciou a vinda de Jesus. Ele rejeita seu amor e Salomé, por vingança, exige sua cabeça em uma bandeja. “Enquanto João Batista é o último elo de cristandade, Salomé representa a liberdade pagã”, afirmou Possi Neto às vésperas da estreia de seu “ritual de sangue” sem tintas realistas, como registrou O Estado de S.Paulo. O programa de Inseparáveis, também de 1997, dava pistas sobre o estilo Possi Neto de conduzir o processo criativo. Informava que ele ia para os ensaios como um estudante vai para o recreio. “O trabalho era sério, o estudo do texto feito em profundidade, mas o encontro com os atores era pura diversão. Todos deixavam a ansiedade fora do teatro e partiam, então, para exercícios corporais. A maneira como Possi trabalha procura ter o corpo como ponto de partida, fazendo com que o elenco encontre o que há de arquetípico em seus personagens, apesar de o texto ser realista. E sua direção vai sendo montada como se dirigisse um filme. Em sua cabeça, closes de uma personagem, cortes, movimento de câmera, tudo a partir do que observa no trabalho

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to talk about love and going different ways. The actress and the actor Juca de Oliveira played, respectively, the roles of Luísa, a separated graphic artist who had three children, and Sérgio, the lover with whom she got involved when she was married and who she meets again five years later, in a seesaw between the best memories of the past and the present which attracts self-knowledge. Magaldi left the theater enraptured: “It is not everyday that the theater offers moments of completeness, the feeling of being living an essential experience which stirs the most secret memories. In a season which, all of a sudden, became stimulating, one of these privileged moments is De braços abertos, the new play staged at the FAAP”, announced the newspaper Jornal da Tarde. “The full insight would be impossible without the artistic refinement of the director José Possi Neto. He introduced to the stage a magic atmosphere, in which the light guides the flexibility of the movements, avoiding the commonplace realistic details, in favor or bringing up the fluency of the dream. The passage of an actor behind a wall and back to the colleague embodies a different environment, in the psychology and in the rhythm of the scene. The stage is changed, as each episode occurs, not being necessary the least effort. De braços abertos establishes with the audience a vital communication, as only a real masterpiece is able to do”. The next production is the 1986’s Um dia muito especial, a play by the Italian filmmaker Ettore Scola about the reunion between a homosexual intellectual and a housewife frustrated with the exploration by her family. The reunion allows the clarification of distresses in the very date when representatives from both nations enter into the Nazi-fascist agreement, Hitler and Mussolini, Germany and Italy. The implications were the most nefarious for ordinary citizens. “José Possi Neto’s competent direction emphasizes the relationship between the couple, placing the political persecutions as a background”, commented the reviewer Maria Lúcia Candeias from the magazine Isto é. Oscar Wilde’s classic, 1997’s Salomé [Salome], represented the third partnership with the actress and producer Christiane Torloni, who spent most of the time dancing on the show – for the audience’s delight. Before the opening night, she took private belly dance lessons for ten months, and the group even rehearsed for ten hours some days. “An actress is few times given the chance of developing such a complete work”, explained the actress in the booklet to the play. Herod’s daughter, played by Luis Melo, she falls in love with John the Baptist, prophet who heralded the coming of Jesus. He rejects her love and Salome, as a vengeance, demands his head on a silver platter. “Whereas John the Baptist is the last connection with Christianity, Salome represents the pagan freedom”, stated Possi Neto days before the opening night of his “blood rite” without realistic traces, as pointed out by the newspaper O Estado de S.Paulo. The booklet of the play Inseparáveis [Inseparable], also in 1997, had clues on Possi Neto’s style of guiding the creative process. It informed that he used to go to rehearsals as a student goes to the break. “The work was serious, the study of the text was deep, but the reunion with the actors was all fun. They all left their anxiety behind and started their body exercises. The manner Possi works, having the body as a starting point, making the cast find the archetypical in their characters,


Christiane Torloni e Luis Melo (ao centro), em Salomé, de 1997, escrito por Oscar Wilde

Christiane Torloni and Luis Melo, center, in a scene from 1997’s Salomé, a play by Oscar Wilde

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©Vânia Toledo


dos atores. Pode parecer estranho, quando se está falando sobre teatro, mas não no caso de Possi”. Na percepção da crítica Maria Lúcia Candeias, “a direção de José Possi Neto, como sempre, traz marcações muito bem compostas visualmente e que aparentam ser totalmente naturais, o que é fascinante para quem está diante de suas montagens”, anotou sobre Inseparáveis. Em 2000, a encenação de Joana Dark – a re-volta trouxe a quarta parceria com Christiane Torloni, agora na pele de outro ícone feminino, a heroína francesa do século XV dialogando com o século XXI. Em vez de cavalos, há motos e quatro atores bailarinos. “Joana conversa com a plateia, literalmente. É um papo sobre os valores que mudaram, se eles mudaram, se eles não mudaram”, explicou Christiane. A peça é uma adaptação de The second coming of Joana Dark, de Carolyn Gage, que Christiane descobriu enquanto fazia uma pesquisa teatral em Nova York. Foi ela quem convidou Possi para a direção. “Nossa obsessão pela verdade, pela qualidade e pelo perfeccionismo são uma lei. Então, se o personagem me seduz, a atriz me apaixona e o Teatro é o meu vício, só me resta mergulhar no delírio agônico de mais esta criação e com ela aprender mais uma vez a SER”, escreveu o diretor no programa original. Logo outra atriz e produtora o conquistou em Ponto de vista, de 2001: Beatriz Segall introduziu a dramaturgia do inglês David Hare no país e protagonizou o “tabuleiro de xadrez em que os personagens se movimentam por 16 anos entre trevas e luzes”, segundo reportou Marici Salomão em O Estado de S.Paulo. “A história centrava na relação da arte do teatro com o cinema e a mídia televisiva. O universo recriado era o de Tchekhov”, disse Possi Neto no programa. “Como encenador, Ponto de vista me fascina porque me proporciona um trabalho de regente. Este é essencialmente um trabalho de direção de ator”. O cruzamento de gerações permitiu-lhe orquestrar a maturidade e o talento de Bea­triz Segall, Myriam Pires e Luiz Baccelli com a juventude impetuo­sa de Adriana Esteves, Marcello Antony e Bruno Costa. Paulo Autran e Cecil Thiré promoveram um embate de ideias em Variações enigmáticas. “Era uma peça ótima, do Eric-Emmanuel Schmidt, bem dirigida pelo José Possi Neto. Nós fazíamos com um grande prazer. Era um espetáculo eletrizante, vivo, vibrante”, declarou Cecil Thiré. O crítico Sérgio Salvia Coelho destacou na Folha de S.Paulo: “A direção de José Possi Neto tem a suprema elegância de permanecer invisível, deixando a ribalta para o jogo dos atores”. E em 2010, por fim, o diretor deixou as impressões de sua marca com Usufruto, produção e atuação de Lúcia Veríssimo em sua estreia na escrita teatral. Ela aborda o encontro entre uma mulher de 50 anos e um homem com 30 e poucos num apartamento vazio de frente para o mar, e cuja compra disputam – o personagem masculino foi interpretado por Raphael Viana e, depois, por André Fusko. José Possi Neto se disse estimulado a reger esta partitura de emoções. “Conduzir suas interpretações, as nuances desse encontro, construir essa música feita de razão e sentimentos têm sido meu melhor brinquedo”, sublinhou no programa da peça.

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despite having a realistic text in their hands. He directs as if he was making a film. In his mind, close shots of a character, cuts, camera movement. Everything from what he observes in the work of the actors. It may sound weird, as this refers to the theater, but not for Possi”. In the manner the reviewer Maria Lúcia Candeias sees it, “José Possi Neto’s direction, as usual, brings very well composed interpretations, which seem to be totally natural, a feature that is fascinating for those who see his setting ups”, she commented, referring to Inseparáveis. In 2000, the staging of Joana Dark - a re-volta [Joana Dark - the re-turn] is the forth partnership with Christiane Torloni, now in the role of another female icon, the 15th century’s French heroine, in a dialog with the 21st century. Instead of horses, there are motorcycles and four ballet dancer actors. “Joana literally talks to the audience. It is a chat about the values that changed, if they have changed, if they have not changed, explained Christiane. The play is an adaptation to Carolyn Gage’s The second coming of Joana Dark, discovered by Christiane when she was doing some theater research in New York. She was the one who invited Possi to direct her. “Our obsession for the truth, quality and perfectionism are a rule. Therefore, if the character seduces me, the actress makes me fall in love with her and Theater is my addiction, all is left to me is to plunge into the agonic delirium of yet another creation and once more learn from it how to simply BE”, wrote the director in the original booklet to the play. Soon, another actress and producer conquered him in 2001’s Ponto de vista [Amy’s View]: Beatriz Segall introduced the dramaturgy of the English David Hare in the Country and starred the “chess board in which the characters move around for 16 years amidst darkness and light”, according to the article by Marici Salomão for the newspaper O Estado de S.Paulo. “The story was focused on the art relation of the theater with the cinema and the television. The recreated universe was that of Tchekhov”, said Possi Neto in the booklet. “As a director, Ponto de vista fascinates me because it enables me to make the work of a conductor. This is, essentially, a direction work of an actor”. The combination of generations enabled the arrangement of the maturity and talent of Beatriz Segall, Myriam Pires and Luiz Baccelli with the hasty youth of Adriana Esteves, Marcello Antony and Bruno Costa. Paulo Autran and Cecil Thirè promoted a shock of ideas in Variações enigmáticas. “It was an excellent play by Eric EmmanuelSchmidt, well directed by José Possi Neto. We staged it with great pleasure. It was a thrilling, lively, vibrant show”, stated Cecil Thiré. The reviewer Sérgio Salvia Coelho pointed out in the newspaper Folha de S.Paulo: “José Possi Neto’s direction had the uppermost sophistication of remaining invisible, leaving the limelights to the actors”. And, finally, in 2010, the director imprinted his mark in Usufruto, having Lúcia Veríssimo as a producer and actress in her debut as a playwright. She approaches the reunion of a 50-year-old woman with a 30-year-old man in an empty apartment facing the sea, which both are willing to purchase – the make character was played by Raphael Viana and then by André Fusko. José Possi Neto said he was motivated to conduct this score of emotions. “Conducting their interpretations, the nuances of this reunion, building up this music made out of reason and feelings has been my best amusement”, he pointed out in the booklet to the play.


Christiane Torloni em ensaio fotogrĂĄfico de Joana Dark, em 2000 Christiane Torloni in a photographic essay for Joana Dark, in 2000

RAUL CORTEZ hristians of the age. In many ways, their devotion to Mary is the key to their refinement; she is the

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ŠLuiS TripoLli


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Paulo Autran e Cecil Thiré em Variações Enigmáticas de 2002, peça de Eric-Emmanuel Schmitt Paulo Autran and Cecil Thiré in 2002’s Variações enigmáticas, by Eric-Emmanuel Schmitt

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© Fernando Silveira/FAAP


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ADERBAL FREIRE -FILHO

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