especial de 18º aniversário
NO 216 | Ano 18
EOS T5
ômicas boas e econ confronto dos modelos básicos mais recentes. veja qual pode ser a sua primeira DSLR
Setembro 2014
D3300
Escolha a sua câmera compacta com wi-fi Selecionamos 13 modelos com ótimos recursos
NX 30 e NX 30 0M
Luz de estúdio para fotos de
casamento Dicas e esquemas de luz de Adriano Gonçalves para inovar em fotos dos noivos no altar
MAIS
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Os 10 anos do festival Paraty em Foco
Descoberta de acervo torna babá fotógrafa destaque mundial Os retratos musicais de Daryan Dornelles
Fotógrafo-cartunista ironiza a profissão
Fotos: Marta Azevedo
PORTFÓLIO DO LEITOR
A fotógrafa explora as expressões e gestos (acima) e elementos ligados à cultura afro nas produções, como as cordas (pág. ao lado)
As faces da
beleza negra A fotógrafa carioca Marta Azevedo destaca a cultura negra no belo ensaio Black Faces. Saiba mais sobre o trabalho dela 26 Fotografe Melhor no 216
Q
uem vê a fotógrafa carioca Marta Azevedo, 58 anos, não imagina seu grande interesse pela cultura afro. Loira de pele clara e olhos azuis, Marta passou a infância e a adolescência visitando familiares em Madureira, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, e participando de rodas de samba e terreiros de umbanda frequentados por negros na maioria. E logo se apaixonou por aquela cultura.
Quando teve de escolher um tema para o primeiro projeto envolvendo fotografia, não teve dúvida: “Queria retratar a beleza e as diferentes atitudes e estilos de vida dos negros, tão presente em minha vida”, conta. Foi assim que surgiu, em 2003, o ensaio Black Faces, retratos de modelos de beleza afro e produções ligadas à cultura africana. Formada em Letras, Marta trabalhava dando aulas de Inglês e Português.
Marta Azevedo
Acima, uma das produções feitas pela fotógrafa: o efeito esbranquiçado veio da argila que Marta passou na pele da modelo
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A fotografia era apenas um hobby. Até que começou a se interessar e fazer cursos e workshops na área. Assim que dominou a técnica, decidiu fazer um ensaio sobre a cultura africana. As primeiras imagens feitas por Marta eram coloridas e registradas sob a luz natural. Mas o resultado não lhe agradou. “Não gostei muito do projeto. Achei muito comum”, conta.
PRETO E BRANCO No ano seguinte, casou-se com um americano e foi morar em Dallas,Texas, nos Estados Unidos. Lá, montou um estúdio e recomeçou o projeto. Dessa vez, com uma nova estética. Inspirada no trabalho do fotógrafo baiano Mario Cravo Neto, ela passou a fotografar modelos negros com elementos da cultura africana, iluminados 4
Fotos: Marta Azevedo
PORTFÓLIO DO LEITOR
Em Dallas, Texas, Marta fotografava modelos negros em início de carreira e, em troca, oferecia a eles os retratos feitos na sessão
com dois flashes com sombrinhas acopladas, que mudava de posição conforme a necessidade de luz no retrato, em um fundo escuro. Como não tinha muitos contatos nos Estados Unidos, Marta se cadastrou em um site de busca de modelos em início de carreira. Ela dizia as características que a pessoa tinha de ter e os interessados a procuravam. Em troca, oferecia as fotos feitas na sessão, que durava entre duas a três horas. Para compor os retratos, Marta Azevedo usava elementos como argilas, penas, cordas, lenços e turbantes. Ela mesmo cuidava da produção dos modelos. Marta caprichava em todos os detalhes para evitar ter muito trabalho de tratamento no Photoshop – em que fazia a con-
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versão da imagem colorida para preto e branco e ajustes. Um dos pormenores a que dedicava bastante atenção era a cor de cada elemento, pois cada cor reproduz um tom de cinza. “Na pele negra, não podia usar tons escuros, como verde musgo, pois não criaria contraste. O branco também não era o ideal porque chamava muita a atenção. Tentava trabalhar com tons pastéis ou cores claras”, diz. Os dez anos dedicados a esse trabalho resultaram em 40 mil imagens, das quais selecionou 108 para o livro Black Faces, lançando no fim de 2012, que fez em parceria com a produtora KBMK – Empreendimentos Culturais, e patrocínio da Secretária de Estado de Cultura do Rio de Janeiro e a Companhia Es-
tadual de Gás (CEG). A proposta para o livro veio depois de uma exposição que Marta fez em uma festa na casa de uma amiga. “Meu interesse sempre foi de expor o trabalho. Nunca tinha pensado em um livro até receber o convite”, diz. Para editar todo o material, a fotógrafa demorou quatro meses e contou com a ajuda do editor Henrique Pontual. Em 2013, Marta Azevedo voltou a morar no Rio de Janeiro, onde dá continuidade ao projeto. Para participar desta seção, envie no máximo dez fotos do seu portfólio, em baixa resolução, para o e-mail: fotografe@europanet.com.br. Serão publicados somente os que forem selecionados pela redação, um a cada edição.
CULTURA
Foto do cantor Chico Buarque para a capa da revista Rolling Stone; Daryan Dornelles é um dos fotógrafos favoritos do músico
Fotos: Daryan Dornelles
Daryan sugeriu a Milton Nascimento entrar numa piscina de paletó para a foto do jornal Folha de S.Paulo
Imagem O carioca Daryan Dornelles já fotografou mais de duas centenas de músicos; 167 estão no livro Retratos Sonoros, lançado recentemente, e que apresenta imagens de artistas de diferentes gerações e ritmos
som & POR KARINA SÉRGIO GOMES
A
quela era a primeira vez que o jornalista Marcus Preto realizava um trabalho com o fotógrafo Daryan Dornelles, 42 anos. A pauta era fotografar e entrevistar o cantor mineiro Milton Nascimento para o jornal Folha de S.Paulo, para o qual Preto trabalhava. Nenhum dos dois conhecia o cantor pessoal-
mente. Mas o jornalista sabia da personalidade tímida de Milton e chegou à casa dele, onde realizaria a foto e a entrevista, cheio de cuidados. Nada parecido com Daryan. Ele conversou com o cantor com muita naturalidade e, para fazer a foto, sugeriu: “Milton, você poderia vestir uma sunga, um paletó e entrar na piscina?”.
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O sambista Martinho da Vila topou tirar a camisa para posar para a lente do fotógrafo
O jornalista ficou pálido. Achou que perderia a entrevista pela atitude audaciosa do fotógrafo. Mas, contrariando as expectativas negativas, Milton respondeu: “Esse menino...”. Entrou na casa e voltou de sunga e paletó e entrou na piscina para fazer a foto, que hoje está pendurada na parede da casa do cantor e do jornalista, que narra essa história no prefácio do livro Retratos Sonoros, lançado recentemente pela Editora Sonora.
Fotos: Daryan Dornelles
A COR DO SOM O retrato de Milton está entre os 167 selecionados por Daryan e pelo editor Christiano Menezes que constam na publicação. A ideia surgiu há cerca de cinco anos, quando Daryan percebeu que já tinha fotografado um número expressivo de grandes nomes da música brasileira. “Fiz um pequeno texto explicando o propósito do livro (que tinha como título provisório Retratos da Música Brasileira) e fui atrás das editoras. Todos gostavam da ideia, mas diziam que era um livro caro e precisaria de apoio da Lei Rouanet. Decidi tirar do meu próprio bolso e procurar por um patrocinador para arcar com a impressão”, conta. Daryan chamou o fotógrafo Stefano Martini, que foi seu assistente, para fazer o design e o amigo Christiano Menezes para ajudá-lo na edição. Por já saber muito bem o que queria, Daryan achou que resolveria a edição em um mês, mas levou quatro meses a mais do que o previsto. Depois que decidiu quais fotos entrariam, o fotógrafo imprimiu todas e as espalhou no chão formando duplas, como se fosse duas páginas
Maria Gadú e Caetano Veloso em retrato para capa do DVD da dupla
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A cantora Elza Soares foi retratada para uma reportagem da revista Serafina, encartada no jornal Folha de S.Paulo
CULTURA Pose ousada do cantor Ney Matogrosso em foto para a capa da revista Rolling Stones
carregava em um retrato. Ao escutar a sugestão de Stefano, Daryan se lembrou de uma vez em que gastou um restante de filme (ele ainda usa) que sobrara na câmera fotografando a sua própria caixa de som, em que ouve a coleção de mais de 8 mil vinis que tem em casa. Desse modo, todos os artistas retratados no livro estariam representados. E muitos desses cantores e bandas de Retratos Sonoros já foram escutados pelo fotógrafo naquela caixa de som antes mesmo de terem sido fotografados por ele.
Fotos: Daryan Dornelles
ESSÊNCIA DO ARTISTA
de um livro. “Não queria separar por tema, por estilo de música ou ordem alfabética. Organizei as fotos de acordo com uma paleta de cores e por proximidade cromática”, diz. Outra exigência do autor era que o livro tivesse bastante respiros de branco.
FOTO DE CAPA O título Retratos Sonoros veio de uma sugestão do designer Stefano
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Martini com a qual Daryan concordou de imediato. Para a capa, eles testaram várias fotos de músicos, mas havia o risco, segundo o fotógrafo, de as pessoas acharem que o livro era, por exemplo, sobre Chico Buarque ou de Gilberto Gil, em vez de uma publicação sobre retratos de músicos brasileiros. Stefano sugeriu dar um corte em uma grande caixa de som que o músico Kiko Dinucci
Os textos do jornalista Marcus Preto e da editora de fotografia Valéria Mendonça (com passagem pela extinta revista Bravo!) ressaltam a capacidade de Daryan Dornelles em registrar a essência dos músicos de forma rápida e inventiva nos retratos. Muitas vezes, o retratista resolve a foto em 10 ou 15 minutos. Antes, porém, há um longo trabalho que vai desde ouvir as músicas do artista até buscar referências em conversas com os produtores, que vão escolher o figurino, a maquiagem e os elementos cênicos. O segredo para conseguir resultados criativos, como a foto de Milton Nascimento, revela o fotógrafo, é partir do princípio de que uma resposta negativa ele já tem. O que ele faz para contrariar a lei de Murphy e ter uma positiva é “pedir com carinho”. “Sempre levo referências e mostro ao artista. Aí, na troca de ideias, ele pode topar ou não”, conta. Uma das propostas que Daryan achou mais audaciosa foi a do retrato do sambista carioca Martinho da Vila, sem camisa, para a revista Serafina, do jornal Folha de S.Paulo. Quando Daryan chegou para fotografá-lo na Rua 28 de Setembro, uma das mais movimentadas do
Daryan costuma pedir aos fotografados para fechar os olhos durante alguns cliques; em sentido horรกrio: o cantor e sanfoneiro Dominguinhos; a cantora Marisa Monte; o multi-instrumentista Hermeto Pascoal; e o sambista Paulinho da Viola
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Fotos: Daryan Dornelles
Acima, Bi Ribeiro, Herbert Viana e Barone da banda Paralamas do Sucesso; abaixo o fotógrafo carioca Daryan Dornelles
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bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, Martinho estava com uma camisa estampada que não combinava com o cenário. O fotógrafo sugeriu – com carinho – que ele a tirasse e se abraçasse. “Depois de mostrar algumas referências, Martinho topou numa boa. Rolou uma troca de confiança naquele momento. Ele, assim como eu, percebeu que poderia render um bom retrato. No entanto, se fosse comigo, eu jamais toparia”, confessa, entre risos. A maioria das fotos que estão no livro foi feita por encomenda de revistas, jornais ou para capa de CDs. Alguns foram clicados especialmente para o livro, como Dominguinhos. “Sempre quis fazer um retrato do Dominguinhos. Certo dia, sabia que ele estava no Rio para um show e liguei para a produção dele propondo o retrato. Expliquei que seria rápido, que o pegaria onde estivesse e o levaria depois para o aeroporto para ele não perder o voo. Escolhi uma locação perto do Santos Dummont, para não perder tempo, e que tinha cara de sertão. Levei minha Hasselblad 501 CM com um rolo de filme e fiz a foto em 15 minutos”,
conta. Assim como essa foto de Dominguinhos, Daryan costuma fotografar com câmeras analógicas em alguns casos, especialmente quando faz fotos em preto e branco ou em algum ensaio pessoal. Mas, na maioria das vezes, usa as digitais Nikon D800E ou Canon EOS 5D Mark III.
MERGULHO NA FOTOGRAFIA Antes de se dedicar à fotografia, Daryan cursou Geografia, Psicologia e Cinema. Mas só concluiu a última. A única atividade a qual se aplicava com afinco era a natação – ele competia pelo Vasco da Gama. Em uma viagem que fez ao Chile para uma competição, Daryan perdeu o voo e chegou atrasado para a disputa. Levou a maior bronca do treinador, nervoso por conta do atraso e porque precisava contratar um fotógrafo para registrar a competição. Então, sugeriu a ele: “Na boa, não quero mais nadar, está muito frio. Deixa que faço as fotos”. O resultado satisfez e Daryan, aos 24 anos, encontrou uma profissão. Ele havia começado a fotografar pouco tempo antes da viagem, quando pegou 4
Daryan Dornelles
CULTURA
Acima, Renato Teixeira também foi fotografado especialmente para o livro; abaixo, capa de Retratos Sonoros
emprestado a câmera de um amigo. Depois das fotos feitas no Chile, passou a trabalhar para o Vasco, o que lhe abriu as portas, dois anos depois, para começar a fazer frilas para a revista Placar, da Editora Abril, especializada em esportes. Com o tempo, começou a fazer retratos para a publicação e se encantou com o ofício de retratista. “Não gosto muito de fotografar com lentes pesadas”, diz.
RETRATOS MUSICAIS Duas grandes referências de Daryan são o norte-americano Richard Avedon e o francês Patrick Demarchelier, cuja luz do primeiro e simplicidade do segundo lhe chamam a atenção. No ramo das capas de disco, a grande referência é o fotógrafo Rui Mendes. Nos anos 1980, quando ainda não pensava em viver da fotografia, admirava as capas dos vinis feitas por Mendes. “Adoro música. Depois que descobri o retrato, escolher fazer capa de discos foi um processo natural”, afirma.
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Assim que Daryan optou por esse caminho, iniciou contatos com gravadoras e publicações especializadas e ofereceu-se para fotografar músicos e bandas. A primeira capa foi da banda Barão Vermelho, em 2005. Nesse ano, o fotógrafo registrou toda a turnê do grupo e também a imagem para a capa do disco. Mas esse não é o tipo de trabalho que gosta de fazer. Prefere fotos produzidas em estúdio, como são todas as que estão no livro e que estamparam os CDs de jovens artistas como Clarice Falcão, Marcelo Jeneci e Teresa Cristina e de estrelas da MPB como Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque e outros. O fotógrafo também tem um grande acervo de retratos de artistas importantes de diferentes áreas, como os atores Antônio Fagundes e Paulo José; os escritores Ferreira Gullar e Ana Maria Machado; os cineastas Eduardo Coutinho e Fernando Meirelles; entre muitos outros. Um material vasto que Daryan Dornelles pensa em reunir em um outro livro, no futuro.
Vivian Maier Uma babá quase perfeita Descoberta recentemente e comparada a grandes mestres, sua produção fotográfica chegou ao público por meio de livros e um documentário. Conheça o trabalho da mulher que passou a vida cuidando de crianças
Fotos: Vivian Maier
POR KARINA SÉRGIO GOMES
N
a década de 1960, Vivian Maier passeava pelas ruas de Chicago com uma Rolleiflex pendurada no pescoço. Os registros que fazia da cidade são considerados, hoje, do mesmo nível de fotógrafos como Walker Evans, Robert Frank e Diane Arbus. O que diferencia Vivian desses grandes mestres é o fato de ela ter passado a vida toda no anonimato. Nos anos em que disparava sua Rolleiflex para captar flagrantes das ruas do noroeste de Chicago, Vivian Dorothea Maier ganhava a vida trabalhando como babá.
Todo o trabalho fotográfico dela continuaria desconhecido se não tivesse sido encontrado ocasionalmente pelo corretor de imóveis e historiador John Maloof, que revelou ao público parte do acervo dessa fotógrafa até então desconhecida. O trabalho dela rendeu o documentário A Fotografia Oculta de Vivian Maier, apresentado no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, em 2013 (que em breve deve chegar aos cinemas no Brasil). E com o material foram produzidos três livros: Vivian Maier – Uma fotógrafa de rua (publicado recentemente no Brasil pela
Na pág. ao lado, um autorretrato de Vivian Maier; acima, um flagrante de duas crianças em uma quadra de tênis
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Acima, registros de momentos da vida cotidiana; abaixo, cenas de trabalhadores nas grandes cidades: há no olhar de Vivian um quê de Cartier-Bresson
Editora Autêntica), Vivian Maier: SelfPortraits (que reúne os muitos autorretratos da babá) e Vivian Maier: Out of Shadows (a biografia dela). E Maloof promete mais uma publicação com fotos de Vivian até o fim de 2014.
AO ACASO Maloof tinha 26 anos e presidia a Associação de Preservação Histórica do setor noroeste de Chicago. Procurava por material iconográfico da região para elaboração de um livro, cujo objetivo era promover o local no mapa imobiliário da cidade. Para conseguir isso, Maloof dedicava algumas horas a pesquisas em antiquários. Certa vez, em 2007, encontrou uma
caixa com velhos negativos e fotografias de cenas urbanas de 1960, na casa de leilões e móveis antigos RPN (iniciais dos donos da empresa Roger, Paul e Nancy). Arrematou a caixa com 30 mil negativos e 1.600 rolos de filmes não revelados por US$ 400 (cerca de R$ 915). Em casa, analisando o que tinha comprado, viu que as imagens não correspondiam com a região que estava pesquisando e deixou o material guardado em um armário por cerca de um ano. Até que um dia resolveu olhar novamente e, mesmo sem nenhum conhecimento sobre fotografia, ficou impressionado com a qualidade das fotos feitas por Maier. Flagrantes de cenas urbanas, retratos
Fotos: Vivian Maier
de crianças e transeuntes – sensíveis registros da vida cotidiana de Chicago nos anos de 1950 e 1960. Ficou curioso e fez uma busca na internet digitando o nome que tinha nas etiquetas dos envelopes que continham na caixa: Vivian Maier. Nada foi encontrado. Nem mesmo na gigantesca base de dados do Google havia qualquer vestígio de quem era aquela mulher.
REVELAÇÃO A primeira notícia que encontrou sobre a fotógrafa veio apenas no ano seguinte, em 23 de abril de 2009, ao ler no jornal Chicago Tri-
bune a nota de pesar: “Vivian Maier, francesa de origem e moradora de Chicago nos últimos 50 anos, faleceu em paz na segundafeira. Foi uma segunda mãe para John, Lane e Matthew. Sua mente aberta tocou a todos que a conheceram. Sempre pronta a dar sua opinião, um conselho, uma ajuda”. Aquela pequena nota foi como uma faísca em um baú de pólvora e transformou a vida de Maloof. Ao procurar pelos nomes encontrados no anúncio fúnebre, descobriu que John, Lane e Matthew Gensburg eram irmãos e Vivian Maier fora babá deles por 17 anos
– profissão que exerceu por 40 anos também nas cidades de Nova York e Los Angeles. Na casa dos Gensburg nunca se desconfiou de que Vivian fotografava nas horas livres e, às vezes, quando saía para passear com as crianças. Os filmes eram revelados em um banheiro transformado em laboratório. Tudo o que Maloof descobriu a partir dessa primeira pista foi que Maier nasceu em Nova York em 1926, era filha de pai austríaco e mãe francesa, que se separaram quando ela ainda era um bebê. Maier morou na França, na cidade de Saint Julien-en-Champsaur, par-
te da infância e adolescência, onde também provavelmente começou a fotografar com a câmera amadora Kodak Brownie. Ninguém sabe ao certo como ela aprendeu fotografia. Mas quando voltou para Nova York, em 1951, aos 25 anos, passou a fotografar compulsivamente – e também deu início à vida dupla de babá e fotógrafa diletante. Quando se aposentou e passou a viver em uma casa de repouso, todos os seus pertences, inclusive o material fotográfico, foram guardados em um desses depósitos particulares. Depois de um tempo, Vivian deixou de pagar o aluguel e
foi assim que as três Rolleiflex (3.5T, 3.5F e 2.8C), uma Leica IIIC, uma Ihagee Exakt,uma Zeiss Contarex, além de chapéus, roteiros de viagens, cartas, recortes de jornais sobre crimes da cidade, um gravador e um par de sapatos vermelhos e muitos rolos de filmes foram parar em casas de leilão.
AMPLIAÇÃO Cinco meses depois de descobrir um pouco sobre a vida da personagem e que aquela fotógrafa genial não passava de uma simples babá, pensou: “O que devo fazer com essa coisa toda?”. A fim de compartilhar
sua angústia, criou um grupo de discussão no Flickr, rede social voltada para fotógrafos, em que contava como tinha adquirido as imagens e dava o link de um blog que tinha criado para mostrar as fotos de Maier. Como Maloof não tinha conhecimento de fotografia, perguntava aos membros do grupo: “Esse tipo de material tem qualidade suficiente para uma mostra? Ou um livro? É comum esse tipo de obra surgir assim do nada? Qualquer dica será bem-vinda”. Foram 752 respostas recebidas com dicas e sugestões do que fazer com o material. A maioria delas era confirmando a qualidade
Fotos: Vivian Maier
das fotos feitas pela babá. Obcecado pela personagem, largou o ofício de corretor de imóveis e historiador para estudar fotografia, principalmente o trabalho de Maier. Transformou o sótão de sua casa em um laboratório para revelar as centenas de rolos de filmes deixados por ela – que conseguiu arrematar em outros lotes da casa de leilão.
SIGA AS PISTAS Ao analisar os negativos e as folhas de contato, Maloof descobriu que Vivian não fotografava ao acaso. Ele ficou surpreso ao descobrir que ela conseguia captar com precisão uma cena com apenas um clique. Seguindo todos os ras-
tros, o pesquisador encontrou outras famílias para as quais Vivian trabalhou. Soube que a fotógrafa não aceitava trabalhar em locais muito longe do centro da cidade – onde ia para fazer os registros –, que tinha personalidade reservada e só se aproximava das pessoas com um intuito: fotografar. Algumas das pessoas que conheceram Maier e a viam caminhar com a câmera pendurada no pescoço acreditavam que a babá fazia apenas tipo e que a Rolleiflex deveria estar sem filme. Mas ela era uma fotógrafa compulsiva. A coleção de Maloof tem mais de 3 mil fotos impressas, 150 mil negativos, centenas de rolos não revelados e filmes de 8 mm.
Acima e abaixo, alguns retratos de crianças e adolescentes feitos por Vivian Maier, que foi babá por 40 anos
Fotos: Vivian Maier
Acima à dir., mulher em Nova York; à esq., elegante senhora com uma pele de vison; abaixo, capa do recente livro lançado no Brasil e a fotógrafa em um autorretrato
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Outro colecionador que detém uma parte da obra de Vivian é Jeffrey Goldstein, dono de 16 mil negativos, 1.500 slides e mais 30 curtas de 8 mm. De acordo com o pesquisador, quando Maier ia comprar material fotográfico, sempre se apresentava com um nome diferente. Ela não se casou nem teve filhos. Segundo Geoff Dyer, que assina o prefácio de Vivian Maier – Uma fotógrafa de rua, a fotógrafa é um caso extremo de descoberta póstuma: “alguém que só existe unicamente das coisas que viu”. E Maier não viu apenas cenas de Chicago. A fotógrafa viajou por vários lugares do mundo. Em 1951, no ano em que voltou para os Estados Unidos, visitou
Cuba e o Canadá. Sete anos depois, fez uma viagem de quase três meses pelas Américas Central e do Sul – passando inclusive pelo Brasil, onde visitou São Paulo, Rio de Janeiro e a Amazônia. No ano seguinte, em 1959, fez uma viagem longa, de seis meses, pela Europa, Oriente Médio e Ásia. Algumas fotos da viagem a Paris, por exemplo, podem ser vistas no site http://bit.ly/1ysU5Sk. Embora o trabalho de Vivian Maier não tenha sido reconhecido em vida (aliás, longa, pois ela morreu no centro de Chicago, em 2009, aos 83 anos, depois de ter escorregado e batido a cabeça), na primeira exposição em que Maloof conseguiu exibir as fotos da babá, em 2011, o crítico David W. Dunlap escreveu um longo artigo no jornal The New York Times, em que dizia: “Trata-se de uma das fotógrafas de rua mais sagazes dos Estados Unidos. As paisagens urbanas da senhorita Maier conseguem captar ao mesmo tempo a forte marca local e os momentos paradoxais que dão à cidade seu pulso. As pessoas em seus frames são vulneráveis, nobres, derrotadas, orgulhosas, frágeis, ternas e, não raro, bem cômicas”. E o que se tem acesso hoje – três livros e um documentário de 84 minutos – é apenas a pontinha do iceberg dessa intrigante personagem que fazia interessantes autorretratos mirando-se em espelhos pela cidade. Maloof ainda tem um longo trabalho pela frente e, certamente, mais boas descobertas dessa grande fotógrafa que se escondia na simplicidade de uma babá.