Regina Silveira - Um esboço biográfico

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FACULDADE CÁSPER LÍBERO jornalismo

Karina Sérgio Gomes

Regina Silveira um esboço biográfico

Orientador: Prof. Celso Unzelte São Paulo 2009



atenção: percepção requer envolvimento antoni muntadas



sumรกrio gesto 8 laberintos 42 brazil today 72 anamorfas 106 claraluz 142

agradecimentos 186 bibliografia 190


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eu sempre quis pintar

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Ainda guria, Regina Silveira descobriu seus dotes artísticos; dedicou-se ao desenho, à pintura e à gravura. As primeiras obras guardam as marcas do gesto da artista que sonhava ser pintora

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gesto

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portão, uma malha de ferro quadriculada, organiza a imagem da casa. Sobrado branco ao fundo. Pequeno jardim sem flores, apenas plantas de folha grandes, na frente. A primeira imagem é simples, mas, ao atravessar o portão e seguir pelo estreito quintal, uma nova construção surge separada da casa por um corredor, por onde só passa uma pessoa de cada vez. Ao lado da porta de entrada desse novo ambiente, uma placa, dessas azuis que trazem nomes de ruas, avisa: “A vida é uma coisa estranha ao homem”. Segundo a moradora do endereço, a afirmação, paradoxal, é “boa para ambientes de arte”. E para quem ainda imagina um ateliê de artista com cavaletes, objetos para observação, telas, tintas e pincéis, a vida se torna ainda mais estranha ao entrar no ateliê da artista plástica Regina Silveira. O que reinam, ali, são as ideias, que deixam vestígios por todo o espaço. Nas janelas, há adesivos com as imagens do céu azul de Madri da instalação Lumen, de 2005, no Palácio de Cristal do Museu Nacional de Arte Reina Sofia, na Espanha. Há também marcas de pneus, como as utilizadas em 2004 no Projeto Parede, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM–SP), e de pegadas humanas, que chegaram a revestir toda a fachada da Bienal de Taipei, em Tawian, em 2006. Na lateral de uma estante de madeira, mais provas de ideias que por ali passaram. Dessa vez, são os adesivos de imagens da claraboia de vidro amarelo do Centro Cultural Banco de Brasil de São Paulo (CCBB–SP), da exposição Claraluz, de 2002. Aliás, nessa estante não há apenas rastros de obras. Pastas cinzas, identificadas na lombada com as datas 1958-1971, 1972-1974, 1975, 1976... ano a ano, até chegar 2009, ocupam boa parte das prateleiras. Nelas há reportagens de jornais, documentos de obras, certificados de premiações, publicações das quais participou, convites de exposições suas. Todo um trabalho documentado em papel. Ao se abrir a primeira pasta, que marca 1958-1971, as fotos de jornais da época mostram um ateliê diferente do atual: tipicamente de pintor, em que quadros, telas, tintas, potes de pincéis se espalhavam pelo espaço. O primeiro local de criação de Regina foi a garagem de seu pai, depois seu ateliê de pintora foi construído no quintal nos fundos da casa da família Silveira, localizada na Rua Santo Inácio, 455, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, cidade onde nasceu.

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era verão e o sol

devia estar alto no céu da capital gaúcha. O médico pediatra Heitor Silveira e a dona de casa Julieta Scalzilli tinham um casal de filhos, Fernando e Marília, quando Regina nasceu, às 12h20 daquele 18 de janeiro de 1939. Aos cinco anos, a caçula já revelava seu interesse por arte: gostava de desenhar retratos, habilidade que foi logo aperfeiçoada. Em 1950, quando tinha 11 anos, passou a ter aulas particulares de pintura e desenho com a artista acadêmica Judith Fortes. Aluna aplicada, estudava a semana toda os ensinamentos que a professora passava nas aulas aos sábados. Seu pai não se importava muito que a filha estudasse arte, queria apenas que ela estudasse. A mãe relutava um pouco contra a vocação da caçula, mas às vezes bisbilhotava seus desenhos e quando gostava de um ninguém mais tirava dela. Mandava emoldurar e colocar na parede. Dione Magalhães Greca foi vizinha da então aspirante a artista na juventude e depois colega de classe no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre (atualmente Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Hoje, numa parede da sala de estar de sua casa, na capital gaúcha, ela exibe, entre pinturas e gravuras, um desenho que Regina lhe deu como presente de noivado, em 1961, no qual retratou a tradicional procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que acontece anualmente no dia 2 de fevereiro. A imagem de Regina desenhando ainda está viva na memória de Dione: – Tudo era motivo para Regina desenhar. Ela sempre estava desenhando. A motivação vinha de qualquer lugar em que ela estivesse. Às vezes, saíamos para desenhar casario antigo. Íamos ao cais do porto desenhar os barcos. Nem nos momentos de folga, nas férias escolares, Regina deixava o desenho de lado. Às vezes, ia com o pai ao consultório e o ajudava no pré-atendimento dos pacientes: pesava e media as crianças e, quando necessário, aplicava injeções. Entre um atendimento e outro, aproveitava o intervalo para desenhar os pacientes na sala de espera e até mesmo o pai atendendo alguém. Heitor sempre incentivou os filhos a estudar, independentemente da área escolhida por eles. E Regina não teve muita dúvida quando decidiu frequentar, aos quinze anos, o curso de pintura do Instituto de Belas Artes, para o qual, na época, só era preciso ter concluído o curso ginasial (hoje ensino fundamental).

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Mas o pensamento de professores de vanguardas modernistas, como Ado Malagoli (1909-1994), de quem ela viria a ser assistente, parecia moderno demais para quem vinha de um rigoroso ensino acadêmico das aulas particulares, como ela, e isso lhe causou um choque. Regina terminou o primeiro ano do curso, em 1954, e trancou o ano seguinte. Enquanto isso, deu continuidade aos estudos do ensino médio, no tradicional Colégio Sagrado Coração, e às aulas particulares de arte.

BARCOS □ s/ data □ óleo sobre tela □ 49,5 cm x 60 cm

Quando ainda era estudante do Instituto de Belas Artes, Regina costumava ir ao cais do porto desenhar os barcos

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desde a administração do prefeito Otávio Rocha

(chamado de “remodelador da cidade” pelos jornais locais), entre 1924 e 1928, Porto Alegre passava por um processo de modernização. As primeiras avenidas amplas, com mais de trinta metros de largura, foram abertas, pavimentadas, iluminadas, arborizadas e calçadas para circulação de automóveis, bondes elétricos e pedestres. Iniciou-se também, na tentativa de revitalizar o Centro, uma campanha de “saneamento moral”, que visava ao combate à prostituição, à mendicância, ao jogo do bicho, ao alcoolismo e às habitações populares (cortiços, porões e pensões baratas). No entanto, isso não fez a alta sociedade porto-alegrense procurar o Centro para fixar residência. Gradualmente, essa parcela da população, impulsionada pelas linhas de bondes elétricos e ônibus, a partir de 1926, foi ocupando regiões mais elevadas da cidade, como o Moinhos de Vento, bairro ajardinado, nos moldes europeus, onde ficava a residência da família Silveira, que hoje não existe mais. De acordo com estudos da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, em 1940 a capital gaúcha concentrava uma população de 272.232 habitantes, o que representou um crescimento de 51,86%, em relação a 1920, quando havia 179.263 moradores. A administração do prefeito Loureiro da Silva, de 1937 a 1943, também foi marcada por reformas urbanas, como a de Otávio Rocha. Casarões antigos, de estilo colonial, no Centro, e um conjunto de habitações populares foram demolidos para a construção das avenidas dos Farrapos e 10 de Novembro (hoje Salgado Filho). E para melhorar o acesso entre a região central e a zona Sul, foi construída a ponte Azenha. Silva buscou de várias formas legitimarse no poder e validar sua política autoritária de reformas urbanas no contexto do Estado Novo, decretado pelo governo federal de Getúlio Vargas em 1937. O Estado Novo, entretanto, não só influenciava a política em Porto Alegre, como também as artes. O modernismo, por exemplo, que tem como marco inicial a Semana de Arte Moderna de 1922 na cidade São Paulo, só surgiu no Rio Grande do Sul após o governo de Vargas, entre 1937 e 1945. Naquela época, a capital gaúcha passou por um processo de modernização gerado pelo crescimento industrial e comercial e, consequentemente, um fortalecimento econômico.

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gesto nas artes, o governo

de Getúlio Vargas agia em duas frentes. Segundo Boris Fausto, no livro Getúlio Vargas: o poder e o sorriso, o ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, era “um defensor do autoritarismo na política e, ao mesmo tempo do pluralismo e da livre expressão das artes”. Por um lado, Capanema apoiava a arte moderna, nomeando, por exemplo, Heitor Villa-Lobos para ser superintendente de educação musical e artística do Distrito Federal; também garantia a construção de edifícios modernos projetados por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Por outro, o Estado não desamparou seguidores da arte acadêmica, e dava incentivo a artistas que seguiam essa linha, como Oswaldo Teixeira, que tinha fortes tradições clássicas, além de ter sido convidado para dirigir o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e nomeado por nove anos seguidos presidente do Salão Nacional de Belas Artes, o maior e o mais significativo do país na época. Tanto o Salão como a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), cujo corpo docente era formado por acadêmicos, exerceram uma hegemonia em relação ao ensino de arte do resto do país, visto que os artistas, para terem seus trabalhos consagrados e para se aperfeiçoarem em nível técnico, se dirigiam a essas instituições. E como havia poucas escolas de artes no Brasil, em geral todas seguiam o modelo da ENBA, como foi o caso do Instituto de Belas Artes (IBA), em Porto Alegre. Quem mais batalhou pela modernização das artes plásticas no Rio Grande do Sul foi Carlos Scliar (1920–2001). “Gostaria de mostrar em cada obra que faço, qualquer que seja o tema, minha concepção do mundo. Tento mostrá-la através das coisas que me rodeiam e que me parecem significantes, seja um fruto, uma flor ou um objeto feito pela mão do homem”, costumava dizer. Outros artistas que também estavam preocupados em introduzir novas pesquisas visuais e difundir o modernismo no estado eram Carlos Petrucci, Danúbio Gonçalves e lberê Camargo (1914–1994). No entanto, a modernidade só se instalou oficialmente no Rio Grande do Sul na década de 1950, com a chegada do artista araraquarense Ado Malagoli a Porto Alegre, em 1952. Fala-se em “modernidade” porque, conforme o artista e historiador Carlos Mancuso, “não houve um modernismo no Rio Grande do Sul, e sim uma modernidade lenta, desconfiada, sem rupturas maiores, sem

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morreu minha fĂŠ na pintura

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Depois de uma temporada de estudos na Europa, a talentosa pintora gaúcha sai de cena para dar lugar a uma artista que produzia objetos com materiais industrializados. A união com o artista espanhol Julio Plaza ajudou Regina a achar um caminho dentro dos laberintos dos novos cenários artísticos

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evava em Madri no dia 8 de janeiro de 1967. Aquela era a primeira vez que Regina via a neve. Seus pulmões se encheram com o ar gelado e infestado de novos movimentos artísticos, uma cena cultural bem diferente daquela vivida no Rio Grande Sul. A adaptação ao clima e ao cenário cultural foi imediata, tanto que a artista não sentiu falta das vacinas para asma que esqueceu na geladeira de sua casa no Brasil. Era como se o ar que faltava nos pampas gaúchos sobrasse em terras espanholas. A Espanha sofria desde 1939 com a ditadura de Francisco Franco. No período franquista, o país se isolou do restante da Europa, mas contava com a ajuda financeira e militar dos Estados Unidos, o que explicava a forte influência das vanguardas artísticas norte-americanas sobre a arte espanhola. Vale lembrar que a Europa, depois da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), deixou de ser o centro do globo; superou-se a ideia de arte como problema da cultura europeia. Por volta de 1950, as correntes artísticas vindas das Américas, principalmente dos Estados Unidos, passam a ser reconhecidas. Conforme Giulio Carlo Argan, no livro Arte moderna, aconteceu uma “transferência de poderes”. A arte europeia deixou a função que tivera como civilização do conhecimento – quando a produção artística era dependente de uma teoria –, passando forçosamente o bastão para as vanguardas americanas, em que o fazer do artista era colocado à frente das teorias. A arte já não se enquadrava mais numa estética, ou numa filosofia; a poética, o fazer do artista se prevalecia sobre questões teóricas. Os artistas espanhóis dessa época tiveram forte influência do abstracionismo norte-americano e do informalismo – que não era uma corrente, menos ainda uma moda; era uma situação de crise, mais precisamente da crise da arte. A pintura abstrata gestual, que predominava nos EUA (o expressionismo abstrato ou a action painting), na Europa recebeu o nome de arte informal ou “arte sem forma”, atribuída pelo crítico francês Michel Tapiés. As inovações no campo da estética e da arte acompanharam o movimento do capital no segundo pós-guerra – uma arte focada somente em questões formais e não no conteúdo. Os artistas, nesse momento, não faziam trabalhos com preocupações sociais; as investigações eram em torno do objeto, da forma. Na Espanha, entre 1960 e 1970, começava também a se investigar questões envolvendo arte e tecnologia, arte e interatividade.

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na última exposição que Regina fez no Museu de Arte

do Rio Grande do Sul, em 1966, antes da viagem, foram vendidas praticamente todas as suas obras. As que sobraram foram deixadas à mostra no seu ateliê, que podia ser visitado à noite. O dinheiro da venda dos quadros, mais o salário de funcionária do Instituto de Artes, que fora revertido como bolsa de estudos, era a renda com que a artista contava para alugar um quarto numa pensão. Regina aguardava uma vaga para se hospedar na Casa do Brasil – idealizada pelo presidente Juscelino Kubistchek, em 1956, mas inaugurada apenas em 1962. A instituição oferece, até hoje, residência aos estudantes brasileiros que aprimoram estudos em Madri. – Minha ideia inicial era ficar hospedada numa pensão até conseguir uma vaga na Casa do Brasil. Mas eu não sei o que acontecia com os hóspedes de lá. Saíam todos gordos. Engordavam coisa de quatro, cinco quilos e eu tinha horror de engordar. Além disso, lá era um lugar de muita fofoca. Então, achei melhor ficar na pensão onde estava até conseguir alugar um estúdio, em que pudesse trabalhar. Outro plano de Regina que não deu certo foi o de ter aulas na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, uma das maiores fundações de apoio às artes, essencialmente, à pintura e à escultura em Madri. – Quando cheguei ao portão da Escola San Fernando, vi um menino saindo com uma pintura acadêmica toda envernizada. Dali mesmo eu dei meiavolta, e nunca mais voltei. O propósito da viagem da artista era aprender, ver o que estava sendo feito de novo, de vanguarda, não voltar ao academicismo e às primeiras lições de arte. Regina, então, se matriculou no curso de História da Arte da Universidade de Filosofia e Letras de Madri, que acabou servindo para a artista como uma pós-graduação. Algumas disciplinas incluíam visitas aos museus da cidade, como o do Prado. Uma dessas aulas expositivas, nesse mesmo museu, foi a do professor Javier Salas Boch, diretor da instituição na época. Quadro a quadro, o professor contava um pouco sobre a história do artista e da obra. Regina, enfadada e curiosa para saber mais sobre as obras em si, não aguentou e questionou o professor, causando espanto em todos do grupo:

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– O senhor fica falando sobre o artista e sua história, o artista e a história da obra, eu gostaria que comentasse mais sobre o trabalho em si. O grupo estava em frente de um retrato do general de Palafox montado em um cavalo, feito pelo artista espanhol Francisco Goya. O professor, contrariado por conta da reação da aluna, deu uma explicação sobre a obra, mas não foi bem como Regina tinha pedido. Salas escolheu apenas uma parte da pintura para analisar: a traseira do equino. A artista ficou aborrecidíssima na hora, mas hoje se lembra rindo da atitude “machista” do professor. As perspectivas artísticas de Regina se abriam rapidamente. A Espanha era um solo fértil para ela experimentar novas técnicas e outras formas de arte. Pintar se tornava algo cada vez mais obsoleto em comparação às diferentes propostas apresentadas pelas vanguardas europeias. Era uma arte sem a marca da mão do artista, com a possibilidade de utilizar materiais industrializados, como alumínio. Alguns trabalhos eram muito próximos dos feitos pelos artistas dos movimentos concretistas que aconteceram no Brasil na década de 1960. No entanto, Regina não teve qualquer contato com a corrente brasileira. Segundo ela, “certamente via sem ver, porque não estavam no meu repertório”.

viagens para outros

países do continente europeu também contribuíram para que a artista perdesse de vez a fé na pintura. Como a que fez para a França, onde visitou a exposição de arte cinética organizada por Frank Popper, Lumière et mouvement, no Museu de Arte Moderna de Paris. Regina ficou impressionada ao ver trabalhos dos artistas cinéticos. “Eles investiam fortemente em novos materiais e experiências com luz e movimento reais, e em obras investigativas que propunham ambientes multissensórios a um espectador tornado muito mais ativo do que aquele tradicionalmente incluído nas representações caracterizadas apenas pela subjetividade”, relembrou numa entrevista à Revista E, em 2004. A artista voltou à exposição pelo menos umas seis vezes para entender como funcionavam aqueles objetos. As pesquisas visuais-cinéticas, que tanto impressionaram Regina, deri-

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varam de estudos de processos ópticos e psicológicos da percepção. O cinetismo é uma vanguarda oriunda do impressionismo, cubismo e construtivismo, correntes que trabalhavam com percepção do olhar e causavam ilusões de ópticas. Um dos expoentes da arte cinética foi o artista francês Victor Vasarely (19081997), que fazia experiências no campo da Op-Art desde 1930. No Brasil, um dos pioneiros é Abrahan Palatnik, que iniciou suas pesquisas no campo da luz e do movimento em 1949. Esses artistas tentavam recuperar uma possibilidade de narrativa ligada a pesquisas estéticas, mesma tentativa sobre a qual Regina, agora, se debruçava. Durante uma estada de dois meses em Paris, suas mãos, antes ocupadas por pincéis, espátulas e paletas com tinta, se renderam definitivamente a tesoura, papéis coloridos brilhantes e cola. A pintora, em vez de pinceladas, passou a cortar os papéis geometricamente e colá-los numa sequência progressiva de formas e gradações de tons. Esses fragmentos compunham uma espécie de narrativa visual, que Regina gostava de comparar às histórias em quadrinhos. Também lhe causou profunda impressão a mostra de serigrafias de pioneiros da arte pop, como R. B. Kitaj e Richard Hamilton, em Londres. Impressionou-se principalmente com as inserções de fotografia que Hamilton realizava em suas obras. “Fiquei inteiramente rendida e cheia de perguntas diante das novas possibilidades de realização de imagens, que eu desconhecia totalmente, e que pude ver em gravuras de última geração que incluíam já o plotter digital ou apropriações de fotografias da mídia e impressões de matrizes fotomecânicas”, recordou-se Regina, que só desenvolveria pesquisa com gravura poucos anos mais tarde. “Eu então não fazia ideia de como chegar àqueles resultados, que instantaneamente admirei e reconheci como imagens de fato contemporâneas ao tempo da minha vida, longe do campo da pintura e tornando completamente sem sentido a representação e mais ainda a velha disputa entre figuração e abstração... Foi quando morreu minha fé na pintura. Irremediavelmente.”

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laberintos em suas próprias palavras

no documentário Regina Silveira – Luz e Sombra, de 2008, a artista teve de “reaprender a fazer arte”. Seus conhecimentos pictóricos não lhe serviam mais para os trabalhos que começava a colocar em prática. Em setembro de 1967, Regina voltou da França com seus primeiros trabalhos de caráter mais construtivista, e se instalou no ateliê do artista plástico Manolo Calvo para fazer mais algumas colagens, como as realizadas em Paris, que iria compor sua exposição individual, em Madri, na Galeria Seiquer, em 1967. – Fiz colagens pequenas para servirem de convites. As dez primeiras eram iguais, as outras eram diferentes –, contou enquanto revia as fotos da exposição. – Ficaram tão boas que a dona da Galeria, Maria Josefa Seiquer (1917–2009), mandou imprimir outro convite, mais normal, salvando as pequenas colagens, que eram ofertadas aos visitantes da exposição.

Convite que substituiu a série de pequenas colagens que a artista fez que teriam a mesma função

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Regina Silveira em sua exposição na Galeria Seiquer, em Madri, 1967. Em Porto Alegre, as notícias diziam que a artista exibiria telas na mostra

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movimentar as peças. E para ajudá-la nessa empreitada convidou Bella Althoff (1941 -1991), amiga do tempo de pintora, que se interessou pelos novos projetos da artista. A mesma Bella, segundo o artista plástico Paulo Peres, não tinha gostado nada, nada do trabalho que viu, em 1961, de Lygia Clark na VI Bienal Internacional de São Paulo. A obra em questão era Bichos, com a qual a artista ganhou o prêmio de melhor escultura da mostra. As duas artistas começaram a desenvolver trabalhos na linha chamada, por Regina, de arte programada, mais racional, planejada e calculada, que implicava o uso de progressões aritméticas, correspondendo depois a cores, altura ou intensidades luminosas. Objetos de muito equilíbrio e beleza plástica – alguns até muito parecidos com os de Lygia Clark. Numa reportagem do jornal Diário de Notícias de 15 de dezembro de 1968, Regina disse que se sentia mais segura e de certa forma com uma integração social bem maior que antes. “Agora posso explicar meu trabalho: o que eu faço é isto e serve pra isto. Antes o que eu fazia era mais resultado de uma necessidade interior onde a figura humana era muito importante.” A artista costumava dizer que suas telas eram a sua maneira de ser na parede. Sobre esses seus novos trabalhos, Regina declarou, nessa mesma entrevista: “talvez eu esteja em busca de uma sociedade ideal, onde a arte possa fazer parte da vida do homem, possa estar integrada no seu dia a dia, onde o objeto útil ou agradável seja acessível a todos. Esta não é uma arte perene. Não é uma arte de museus. É uma arte que talvez exista para ser massificada, consumida para que participe da vida do homem e termine amanhã, sem interessar que material for usado” . O crítico de arte Aldo Obino estava entre os poucos que compreenderam a nova linha de trabalho das artistas. No jornal Correio do Povo, de 12 de novembro de 1968, sobre a mostra de Bella e Regina, comentou: “O labor está feito com capricho e assim as suas serigrafias pessoais têm valor e seus objetos plásticos mostram funcionalidades, artesanato e construtividade técnica e estética da era industrial e tecnológica, não faltando a sensibilidade das artistas”. O sentimento comum entre os porto-alegrenses, no entanto, era o da perda de uma pintora. A própria Regina costuma dizer que os comentários da época giravam em torno da morte da artista. “Nós tínhamos, aqui, uma grande

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Regina Silveria , Bella Althoff e Gilberto Pergozno arrumando as obras para serem fotografadas

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pintora que estava começando, mas ela morreu.” – O que sentimos foi um choque pela qualidade da pintura. Como se ela tivesse desperdiçado o talento –, lamentou o artista Paulo Peres. Mas quem, segundo a historiadora Marilene Pieta, mais se ressentiu com a mudança foi Ado Malagoli, de quem Regina era assistente no Instituto de Belas Artes: – Como repercussão oficial, o professor Malagoli gostaria que ela continuasse ao lado dele, levando adiante a modernidade da pintura, que ele tinha instituído aqui no Sul. Então, quando ela incorpora outros elementos na poética dela, que não eram o das pinturas, ele se ressente. E quando ela vai para São Paulo, ele se ressente mais ainda. No entanto, segundo Regina, Malagoli e Iberê estavam entre os poucos que compreenderam sua nova forma de fazer arte. Quem ficou frustrado com a mudança repentina da artista foi Francisco Stockinger, ex-professor de xilogravura da artista no Atelier Livre da Prefeitura: – A Regina realmente fazia coisas que prometiam. Havia um certo entusiasmo, porque ela estava começando. Segundo Regina, depois de um certo tempo as conversas com Stockinger nunca mais foram

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Convite da exposição de Bella Althoff e Regina Silveira na galeria do Instituto dos Arquitetos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ao lado, algumas das obras que foram expostas sem título □ 1968 □ maneira, plástico polido e dobradiça □ 70 x 70 x 70 cm


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sem título □ 1968 □ alumínio e esferas de plástico □ 60 x 60 x 8 cm sem título □ 1968 □ espelhos

sobre arte, apenas sobre festa e cerveja. Vera Chaves Barcellos, artista que já vinha se destacando por fazer um trabalho mais ligado às tendências que Regina tinha visto na Europa, explicou que o que aconteceu foi um “um choque generalizado na cidade”: – Nessa época, a pintura era o máximo que nós artistas podíamos fazer. Nós entrávamos na escola de arte para sermos pintores. A Regina chega aqui fazendo o que ela chama de arte programada. Muito na linha do que o próprio Julio vinha fazendo na época. Nesse clima pouco aberto a novos movimentos artísticos, Regina ainda conseguiu que Plaza desse um curso de serigrafias no Instituto de Belas Artes por dois meses. Conforme Maria Amélia Bulhões, mais do que aspectos específicos dessa técnica, ele trouxe uma nova perspectiva de abordagem de arte, dentro dos conceitos da semiótica e do concretismo. Entre os que conheceram a pintora Regina Silveira, Plaza era apontado como o responsável pela transformação da artista. – Ela gostava das coisas dele. Coisa que eu nunca gostei – comentou Stockinger. – Acho que ele influenciava ela. Mas não foi apenas a união com o artista espanhol que direcionou Regina para novos caminhos

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brazil today as dificuldades s達o as da linguagem, n達o as do meio

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Em São Paulo, Regina deu continuidade a suas gravuras e participou de várias exposições coletivas que marcaram história, como as JAC e as Bienais de 1981 e 1983. Integrou ainda o grupo pioneiro de artistas que trabalhavam com vídeo-arte. Vivia a maioria das manifestações artísticas do Brazil today.

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nquanto morava em Porto Rico, Regina voltava para o Brasil todo fim de ano para passar o Natal com a família. Em 1972, começou a investigar um local para trabalhar e voltar definitivamente ao país. Primeiro, tentou retornar a Porto Alegre e lecionar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas, segundo a artista, fecharam-lhe a porta. Depois, tentou a Universidade de Brasília, onde também não conseguiu. No meio desse vaivém de tentativas, Walter Zanini, na época diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e da Comissão de Artes Plásticas (hoje departamento de artes plásticas da Escola de Comunicações e Artes, mas ainda chamado de CAP), ambos da Universidade de São Paulo, ligou para a família de Regina à procura de seus contatos, pois o artista plástico Waldemar Cordeiro (1925–1973), professor na Unicamp, onde dirigia o Centro de Processamento de Imagens do Instituto de Artes, queria chamar Plaza para trabalhar com ele. Essa tentativa também não deu certo. Até que Regina verificou com Zanini a possibilidade de dar aulas na USP. Ele, segundo a artista, ficou muito entusiasmado com a ideia. Zanini também verificou com Donato Ferrari, na ocasião diretor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), se ele não conseguiria algumas aulas para o casal na Fundação. Assim que voltaram, entre maio e junho de 1973, Regina e Plaza foram jantar com Donato no bairro do Bexiga. E passaram a lecionar na FAAP em agosto daquele mesmo ano, enquanto só começaram a dar aulas na USP em 1974. Mas o contato entre Regina, Donato e Zanini não era recente: eles haviam se conhecido cerca de uma década antes. Era janeiro de 1963, Francisco Antônio Paulo Matarazzo Sobrinho, mais conhecido como Ciccillo Matarazzo (1898–1977), decretou o fim do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Desde a criação da Bienal do Museu de Arte Moderna (hoje Bienal Internacional de São Paulo), em 1951, o museu, de certa forma, funcionava na sombra da grande mostra. Depois de desavenças com colaboradores do MAM–SP e um interesse maior pela Bienal, Ciccillo decidiu extinguir o museu, doando todo o seu acervo, sua coleção particular e as novas aquisições efetuadas pela Fundação Nelson Rockfeller aos prêmios das Bienais e à Universidade de São Paulo, formando, assim, o acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC–SP). Como a USP

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a primeira vez que Regina mostrou individualmente suas

serigrafias de cunho conceitual, em São Paulo, foi em 1975, no Gabinete de Artes Gráficas das galeristas Mônica Filgueiras e Raquel Arnaud. A artista expôs a série de serigrafia Destruturas, em que se apropriava de imagens da mídia e as organizava em compartimentos. “A construção de um espaço é dividida de forma homogênea (no qual passam a ser predominantes as relações de posição, contiguidade, tamanho e distância dos elementos ou grupos de elementos), estabelecida com figuras geométricas perspectivadas, na forma de caixas e labirintos”, explicou Regina para o jornal Folha de S.Paulo, de 2 de novembro de 1975. Nota-se que a artista se limitou a falar apenas sobre o processo de elaboração; não era de seu costume explicar a mensagem que gostaria de passar. Hoje Regina comenta um pouco mais sobre seus trabalhos, mas ainda de forma contida. Na opinião de Mônica Figueiras, vinha-se “de um processo de repressão militar muito forte. Os artistas sentiram muito isso na pele­.Então, uma crítica como a Regina fazia, juntando a cidade de São Paulo com lixo e aquela coisa toda, era totalmente ameno (sic) perto dos artistas que estavam fazendo crítica política. É curioso isso. Eu acho que se vendia uma arte mais dramática antes do que agora”. A historiadora e crítica de arte Aracy Amaral, a respeito dessa mostra, analisou: “a meu ver é uma das raras artistas que neste momento usam a fotografia como ponto de partida para seu trabalho com esta dose de inventividade. Comparável, neste ponto, às investigações que fez Andy Warhol em seu trabalho há anos. Sucede apenas que Regina Silveira não possui nem um mercado de arte que a impulsione como teve esse artista norte-americano, nem a aura que lhe adveio desse mesmo mercado gigantesco que o consumiu, e tanta audácia lhe injetou” . A artista se apropriava de fotografias publicadas na mídia – revistas, jornais, postais, na maioria das vezes comprados na livraria La Selva, que ficava próximo a sua primeira residência em São Paulo, na rua Baronesa de Bela Vista, 286, em Congonhas. A única vez em que Regina utilizou fotografias suas foi em cartões-postais da série Brazil Today: Natural Beauties, e em São Paulo turístico. “Uma visita que eu fiz a um cemitério de carros, em Porto Rico, foi

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brazil today

Brazil Today: Natural beauties □ 1977 □ serigrafia s/ cartão postal □ 15 x 10 cm Apesar de seu pensamento ser voltado para as imagens gráficas, Regina não sabia se podia considerar seus cartões postais como gravuras

marcante pra mim. Durante muito tempo eu usei aquelas fotos, aquela imagem da sobra de uma sociedade como era a porto-riquenha, das montanhas de carros contorcidos, já sem uso. Foi muito forte ver aquilo. Então, aquele cemitério de carros, que eu fotografei de muitas maneiras, começou a aparecer no meu trabalho”, contou no documentário Regina Silveira – Luz e Sombra. A artista serigrafava essas imagens em cartões-postais com ícones da cidade de São Paulo, como o Monumento às Bandeiras, Museu do Ipiranga, Vale do Anhangabaú. Essa série era uma paródia de um especial da revista Manchete, chamado Brazil Today, uma publicação em inglês para turistas que chegavam ao Brasil. Fazem parte também dessa série os postais The cities, em que a artista imprime uma espécie de malha (que já estava presente em suas primeiras serigrafias, como na série Laberintos) em fotografias da cidade, tentando reencontrar a perspectiva que organizava a imagem, para poder compartimentar, dividir e situar seus elementos. A perspectiva, alguns anos depois, viria a ser

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vídeos

A Arte de desenhar □ 1980 □ 2’23 □ vídeo c/ cor e som

Morfas □ 1981 □ 7’ □ vídeo c/ cor e som

Sobre a mão □ 1981 □ 3’40 □ vídeo c/ cor e som

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brazil today

rote, escova de cabelo e rolo de macarrão passam bem próximo ao equipamento de gravação, causando pequenas deformações, as quais muito interessavam a artista, que acabara de defender sua tese mestrado, Anamorfas, em 1980, em que trabalhou questões acerca de anamorfismos. Para Regina, Morfas é seu vídeo mais bem-feito. Foi com esses três últimos vídeos que a artista participou da 16a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, que marcou uma grande mudança na tradicional mostra do estado.

aos trinta anos de existência, a 16 edição da Bienal Intera

nacional de Arte de São Paulo passou por uma grande mudança. Sob o comando de Walter Zanini, que também inaugurou uma novo papel na mostra, o de curador, a montagem geográfica foi trocada por analogias de linguagem. Leonor Amarante, no livro As Bienais de São Paulo – 1951 – 1987, contou que alguns artistas, que pediam a reestruturação da mostra, apoiaram a ideia. “Com essa nova forma de organização, a Bienal abre possibilidades mais amplas de abordagens. Foi uma atitude positiva somada ao fato de terem eliminados todos os prêmios”, afirmou o artista Ivens Machado. Outros, não. “Como assim eu estou perto de ex-voto?”, questionou o artista Ivald Granato, que no começo apoiava a divisão. Aracy Amaral era outra que não concordava com a nova organização. Para ela, não passava de uma técnica rudimentar aplicada em museus: “Analogia de linguagem traz apenas uma nomenclatura experimental, ambiental, vídeo performance, arte-postal, tudo agrupado por tendências e não por países”. “Eliminando a separação por países, Zanini incluía o Brasil no mundo já expandido pelas comunicações”, analisou Regina numa conferência realizada na 28ª Bienal Internacional de São Paulo, em 2008. A exposição foi divida em núcleos para organizar melhor as mais de mil obras dos mais de 750 artistas que compunham a mostra. No Núcleo I, estava a menina dos olhos de Zanini: novos meios, que se dividiam em dois vetores. Vetor A: novos meios, trabalhos com Xerox, livros de artista, performances, instalações

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Foram cerca de 40 anos dedicados à formação de jovens artistas. Regina também investiu na sua formação: fez mestrado e doutorado. Nessa época ainda, voltou ao circuito comercial de arte. Anamorfas marca o começo da artista no mundo dos Simulacros

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uma sala apertada no departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH – USP), no início da década de 1960, o professor Walter Zanini ministrava o curso de História da Arte, uma disciplina optativa. Quando a USP foi fundada, em 1934, com a incorporação de antigas faculdades e com a integração de diversas novas áreas científicas e culturais, as artes plásticas, segundo Zanini, embora cogitadas, acabaram por ficar à espera. Devido a demandas crescentes de alunos interessados por aquela disciplina optativa, o Departamento de História implantou o curso de História da Arte como de pós-graduação, o primeiro na área no país. Em 1970, em decorrência da reforma universitária, o curso foi transferido para a reformulada Escola de Comunicações e Artes (ECA). Nos anos 1960, a ideia e o plano “era criar um Instituto de Artes, mas vivia-se o difícil tempo da ditadura e aqueles que detinham o poder na Universidade decidiram — em vez disso — criar uma Escola de Comunicações Culturais”, conta a educadora Ana Mae Barbosa, no texto Educação artística, publicado no Jornal da USP (21 a 27/3/1994). Por meio do Decreto no 46.419, a Universidade de São Paulo fundou, em 15 de junho de 1966, a Escola de Comunicações Culturais, da qual faziam parte as graduações em jornalismo, rádio e televisão, relações públicas, teatro, cinema, e biblioteconomia e documentação. Três anos mais tarde, com a Reforma Universitária, foram agregados à Escola os cursos de artes: cênicas, plásticas e música; e outros novos ligados à comunicação: editoração, publicidade e propaganda, turismo. E por isso foi denominada Escola de Comunicações e Artes. De acordo com Zanini, o curso de História da Arte que ministrava na FFLCH “ganhou desenvoltura na escola recém-fundada, onde se criou o curso de Educação Artística em 1972”. Não havia, porém, um departamento de artes plásticas e, sim, uma Comissão de Artes Plásticas (CAP, como ainda é chamado o, hoje, Departamento), Formada inicialmente por Annateresa Fabris, Donato Ferrari e Walter Zanini. – No começo da ECA, em meados de 1970, muitos artistas eram convidados a dar aula lá, ficavam três meses e saíam – lembrou Carmela Gross, que também integrou esses primeiros grupos de professores da CAP. – Era muito

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sombra de um cavalete real, ausente, ora passava a ilusão de que estava de pé. Utilizando-se dos mesmos conceitos, Regina fez outras instalações. A artista imaginava um museu de obras ausentes, pedestais vazios, mas com as sombras distorcidas das peças. In absentia (M.D.) foi o primeiro trabalho desse projeto concretizado, exposto na 17a Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1983, que seguia os mesmo moldes da Bienal de 1981, e também foi organizada por Walter Zanini. Dentro de uma caixa de duzentos m2, ela pintou as sombras dos ready made Porta-garrafas e Roda de bicicleta, de Marcel Duchamp, que, ao lado de Leonardo da Vinci, foi uma das fontes mais importantes para a elaboração de seu doutorado. “A escolha dos ready made de Duchamp foi determinada pela vontade de aludir a uma poética análoga à do artista, cujo comentário aos códigos de projeção sempre foi um dos fatores de investigação para minha produção artística”, explicou em sua tese. Durante dois meses, nos intervalos entre as aulas da ECA e da FAAP, Regina ia ao Pavilhão da Bienal e passava todas as tardes engatinhando sobre os duzentos m2 de instalação pintando as sombras dos ready made. Dez anos depois, em 1993, numa palestra, Regina brincou que ainda tinha calos no joelhos da época em que executou a obra. Mas o trabalho começava muito antes da pintura. – Tinha todo o processo de ampliar os desenhos em papel quadriculado – lembrou Inês. – Só que como sempre havia de ter correções depois de ampliado. Então, a gente levava esses desenhos enormes para espaços grandes para corrigir. Depois, colávamos o desenho no painel e cortávamos com o estilete o desenho todo. Na verdade, ele era invisível. Adesivávamos com fitinhas crepes a borda do desenho e pintávamos com látex. Era muito complicado porque, imagina, aquele monte de fita crepe no entrelaçado da roda? Chegava uma hora que você já não sabia o que era figura e fundo. Mas a Regina é aquele olho, tinha de estar perfeito. Então, era preciso ficar muito tempo retocando para ficar exato –, e quando terminava a exposição vinha mais trabalho, especialmente para Inês: – Depois que desmontava, ela não teria mais o desenho. Então, a gente tinha de colocar papel-manteiga e copiar o desenho, caso ela precisasse fazer de novo.

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Uma série de desenhos com imagens de cavaletes, da artista Giselda Leiner, impressionaram muito Regina, e foram o estopim para a ideia da instalação

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In Absentia: Para Giselda Leirner □ 1982 □ tinta industrial s/ papel □ 8 x 10 m

Durante dois meses a artista passou várias tardes engatinhando para pintar sua instalação In Absentia M. D.

a artista não era

rigorosa apenas com seus trabalhos, era também uma professora muito exigente com o trabalho de seus alunos. Na USP, por exemplo, reprovou Mubarac, no curso de serigrafia, por ele ter apresentado um trabalho utilizando apenas duas cores, e não três – como exigido na avaliação. Na FAAP, onde Regina ministrava aulas de desenho de observação aos sábados de

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In Absentia M.D □ 1983 □ tinta industrial s/ piso de madeira e painéis de cimento □ 10 x 20 m

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A escolha dos ready made de Duchamp foi determinada pela vontade de aludir a uma poética análoga à do artista, cujo comentário aos códigos de projeção sempre foi um dos fatores de investigação para minha produção artística

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A Roda de Bicicleta de In Absentia M. D. foi a primeira instalação a participar de um leilão da Cristie’s. A obra foi arrematada por US$ 17.625

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me interessam apenas o presente e o futuro

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As sombras levaram Regina para uma claraluz e os avanços tecnológicos permitiram que ela se expandisse, ocupando edifícios inteiros e espaços urbanos. Hoje, a artista full time conta com uma equipe para ajudá-la a colocar em prática sua arte de deslumbrar

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egina estava em Nova York por causa da bolsa de estudos de um ano que ganhou da John Simon Guggenhiem Memorial Foundation, em 1991, e lá ficaria até o fim daquele ano. Para a realização da instalação Auditorium II (Black), de aproximadamente quarenta metros quadrados, na galeria Luisa Strina, a artista mandou um desenho do grupo de 54 poltronas, feito em um papel de um metro por quarenta centímetros, para Inês Raphaelian, que era a sua assistente há cerca de dez anos, executar. Regina só voltou para o Brasil para ajudar na montagem e inauguração da mostra. – Era um trabalho que tinha esse caráter conceitual e seco, mas era super artesanal –, comentou Inês. – Mas você não vê a marca do fazer. Nos anos 1980, Regina se utilizou de recursos de meios artesanais, como tapeçarias, porcelanas e recortes de madeiras, mas sem qualquer marca da gestualidade do artista: “O mais importante era saber como, e em que grau, o tipo de ponto escolhido afetaria e transformaria a minha silhueta. Mas eu mesma não dei um ponto sequer”. O trabalho de Regina não guarda qualquer traço da sua mão, do gesto do artista, e quando acontece, como no caso das primeiras Inflexões, é intencional. Por isso não importava quem iria executar a obra, desde que conseguisse realizar com maestria a ideia da artista. A última exposição realizada com o auxílio de Inês foi Gone wild, uma série de pegadas de coiote pintadas na parede no Museu de La Jolla, em San Diego. Essa também foi a primeira vez que a artista aplicou marcas gráficas direto aos espaços arquitetônicos. Inês estava indo para o Canadá, por causa de uma bolsa de estudos que tinha ganhado. Regina estava preocupada, pensando como iria fazer para pintar 500 patas no museu. Então, a assistente sugeriu: ­­– Eu estou indo para o Canadá, posso ir antes, ficar uns dias em San Diego e lhe ajudar nesse trabalho, desde que você consiga a hospedagem para mim. A proposta de Inês foi uma alívio para Regina. A artista pintava os pés que ela conseguisse; já a assistente, o que estivesse a cinco metros de altura e no chão, ou seja, as piores partes: – Contávamos ainda com a ajuda de dez assistentes. Mas eu tinha muita prática. Enquanto eles pintavam dez patinhas, eu pintava cem. Foi bem

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relação com a arquitetura Símile (Centro Galileo, Madrid, Espanha) □ 1988 □ pintura industrial □ 16m2

Solombra (Sesc Pompeia, São Paulo, Brasil) □ 1971 □ serigrafia □ 23 x 30 cm

Vórtice (São Paulo, Brasil) □ 1994 □ pintura industrial sobre poliestireno □ 16 X 11m2

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Gone Wild (MCA San Diego, USA) □ 1997 □ látex sobre paredes □ 140m2

Tropel (Pavilhão da Bienal São Paulo, SP) □ 1998 □ carpete e holofote, □ 210 m2

Irruption Series (Saga) (Taipei Fine Arts Museum, Taiwan) □ 2006 □ vinil adesivo □ 1500 m2 aprox.

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te. Mas o que ele entendia por noite era diferente do entendimento da artista: – Não, não, não, a noite tem de ser mais tranquila – disse Regina ao ouvir a composição um tanto assustadora feita para o momento noturno. A artista acha a noite romântica. ­– O que ela disse quando pediu a trilha foi que essa era uma obra autobiográfica –, contou Rogério Rochlitz. – Ela queria som de crianças brincando num pátio; som de cidade ao fundo; e à noite ela queria um grilo; coloquei também um sapo, mas ela tirou. Coloquei um sininho muito sutil e isso ela deixou. Um toquinho de magia, você quase não ouve. A noite é um pouco mais mágica, o dia é um pouco mais pragmático. A missão de André Costa de fazer as imagens do céu também não foi uma tarefa fácil: – Foram meses esperando uma boa imagem

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MIRANTE (Museu Vale do Rio Doce, Vitória, ES) □ 2007 □ Madeira, pintura industrial e carpete, com Animação 3D, monitor LCD, DVD player □ 120 x 235 cm Ficções seria a última exposição do que Adolfo Montejo Navas chamou de “Trilogia da Luz”


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ENTRECÉU (Museu Vale do Rio Doce, Vitória, ES) □ 2007 □ instalação,vinil adesivo □ 900 m2 (aprox.)

Ao fundo: MIL E UM DIAS (Museu Vale do Rio Doce, Vitória, ES) □ 2007 □ Projeção, madeira e tinta □ 100 m2

do céu. O dia tinha que estar perfeito: céu claro com aquelas nuvens volumosas se deslocando com uma certa velocidade. Passei meses caçando nuvens. Meses e meses olhando para o céu. E acabei gravando no último instante. Eu subi na laje do prédio e passei a tarde lá gravando. Essa exposição, Ficções, faz parte do que Adolfo Montejo Navas chama de Trilogia da Luz: “Ficções (2007), junto com Claraluz (2003) e Lumen (2005), formam já uma trilogia emblemática na trajetória da artista, na qual o espaço e a luz, com características incorpóreas em suas configurações espaciais, são os principais elementos para a criação de obrassituações, para imagens-acontecimento”. A Luz, no entanto, já vinha sendo personagem de Regina há alguns anos. “No início foi uma espécie de luz capturada e fixada na própria arquitetura na qual estava contida e o que eu fazia eram registros pintados des-

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sa luz. Depois, e por algum tempo, me voltei para uma luz quase objetualizada e, por vezes, pintada sobre os objetos. Mais recentemente tenho usado a capacidade da luz para desconstruir e transformar magicamente alguns interiores arquitetônicos de grandes proporções”, contou a artista à ao curador Marcius Doctors, em entrevista para o catálogo da exposição Luz/Zul, de 2006. Nessa entrevista, a artista ressaltou que, trabalhando com sombras, estava ao mesmo tempo trabalhando com luz, dada a simples relação de causalidade entre os dois elementos. Mas a luz só ficaria clara em Claraluz, de 2003.

Desde a inauguração

do Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, em abril de 2001, Regina havia sido convidada a fazer uma exposição no local. Mas a arquitetura neoclássica do início do século XX não lhe agradava. Ela estava acostumada com paredes lisas e brancas de galerias e museus. Um dia, chamou Inês Raphelian para ir com ela ao CCBB. – Eu acho que não tem nada a ver esse prédio com o meu trabalho. – Regina, como não tem nada a ver, é um desafio. Você não gosta de desafios? –, estimulou Inês. A artista se sentia em uma situação de risco. Visitou o edifício continuamente durante um mês, para entender como funcionavam os espaços, qual era o papel do vão central e da claraboia – que depois veio a aprender como protagonista do espaço. Ela ficava sentada no primeiro andar observando o vazio entre os andares, procurando uma solução. – Quando o edifício chama muita atenção há sempre uma disputa de quem ganha: o prédio ou a exposição –, disse Regina, que compreendeu que, naquele caso, era a claraboia a atração principal, e que precisava trabalhar com ela. Com a ajuda de sua equipe e de Inês Raphaelian, a artista escureceu o prédio, diminuiu a entrada de luz da claraboia e provocou o desabamento do teto de vidro amarelo por todo o vão livre, por meio de projeções – que, ao mesmo tempo, agiam como uma espécie de camuflagem do edifício. Os estilhaços dos vidros amarelos eram guardados no cofre. Regina teve de calcular muito

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A artista acredita que ainda tem de explorar mais a ideia usada uma em Lumen

Lumen (Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, SP) □ 2003 □ projeção □ 240 m2

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egina Silveira costumava dizer aos seus alunos que se eles queriam realizar algo, tinham de fazê-lo da maneira mais intensa possível, independentemente das adversidades. Quando comecei o trabalho de conclusão de curso eu não sabia disso, mas eu não tenho dúvidas que assim o fiz. Para realizá-lo da maneira mais intensa possível, contei, primeiro, com a ajuda de meus pais, Marisa e Nilton, que me apoiaram quando decidi sair do Guia Quatro Rodas, onde era assistente de editor, para ser monitora na faculdade. Sem ajuda e compreensão deles a imersão nesse projeto não seria a mesma. Foram necessárias passar muitas horas vasculhando os arquivos dos principais museus de arte de São Paulo e de Porto Alegre à procura de recortes de jornais, catálogos de exposição, livros e vídeos para resgatar um pouco da carreira da artista. Mas, como manda o bom jornalismo, nada substitui a informação de pessoas que conviveram com Regina. De 05 de dezembro até 18 de setembro foram entrevistadas, incluindo a própria artista, 45 pessoas, na maioria, ao vivo, outras por telefone. E a elas gostaria muito de agradecer por terem dispensado um tempo para conversarem. Por ordem alfabética essas fontes foram: Adolfo Montejo Naves, Amélia Toledo, Ana Maria Tavares, Ana Valkyria Borba, André Costa, Angélica de Moraes, Annateresa Fabris, Augusto de Campos, Carmela Gross, Christine Mello, Claudio Murabac, Cristina Freire, Dione Greca, Donato Ferrari, Edson Garcia, Eduardo Verderame, Evandro Carlos Jardim, Francisco Stockinger, Gabriel Borba, Gilbertto Prado, Hirone Ciaferes, Inês Raphaelian, Istelita Cunha, Leda Catunda, Luísa Strina, Marcelino Ross, Marcelo Araújo, Marco Buti, Maria Camargo, Marilene Pieta, Mário Ramiro, Martim Grossmann, Moacyr Scliar, Mônica Filgueiras, Mônica Nador, Omar Khouri, Paulo Peres, Regis Bonvicino, Renato Pêra, Rogério Rochlitz, Sérgio Romagnolo, Thereza Salazar, Vera Chaves Barcelos e Walter Zanini. Aqui também cabe meu agradecimento especial à Ana Luz Pettini, que (desculpem o trocadilho, foi a luz da minha viagem à Porto Alegre) me ajudou muito com os contatos das pessoas que entrevistei por lá. Foram imprescindíveis as sete entrevistas que Regina Silveira me concedeu, sendo muito generosa também ao me deixar pesquisar, em seu ateliê, boa parte do segundo capítulo

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e me deixando participar da montagem de sua instalação no Sesc Santana e na intervenção urbana Passeio Selvagem. Apesar de não ter explorado muito os dois últimos eventos no livro, acompanhar esses momentos foi muito importante para minha melhor compreensão sobre a artista e seu processo criativo. Devo também agradecer à minha irmã, aos meus amigos, colegas de classe e de trabalho por terem sempre me ouvido quando eu queria conversar sobre minha personagem – o que era muito recorrente. E ainda aos meus professores a quem sempre pedia conselhos, em especial, ao professor Welington Andrade, que leu praticamente todo o trabalho sempre fazendo apontamentos muito pertinentes; à Helena Jacob, que me deu dicas sobre o projeto gráfico; e ao Jorge Paulino, com quem discutia minhas dúvidas de assuntos relacionados à história da arte. Registro também um muitíssimo obrigado ao meu orientador, Celso Unzelte, que mais atuou como um terapeuta, a quem levava minhas dúvidas, crises, dramas e alegrias a cada quinze dias, e me tranquilizava e direcionava meus passos inseguros. E a Ana Cláudia Crispim, que me orientou no projeto gráfico e cuidou dos detalhes finais do design do livro. Obrigada a todos, que de alguma forma acompanharam/participaram desse projeto. Apesar dele ser um trabalho individual, não seria possível realizá-lo sem todo esse coletivo.

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