Seleção LAB SSJ - Quando usar a intuição

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Ciência Cognitiva Quando usar a intuição | Por que ler: Considerar a intuição na tomada de decisão. Neste artigo: • De que forma o cérebro armazena o conhecimento • A intuição como resultado da experiência acumulada • Como o cérebro tira proveito do pensamento racional e do intuitivo

Quando usar a

intuição Foto: Vern Evans

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Jonah Lehrer fala sobre quando devemos usar nossa intuição e quando devemos parar e realmente pensar sobre as coisas.

Desde a época de Platão, o processo decisório tem sido descrito como racional ou emocional: ou deliberamos cuidadosamente, ou recorremos aos nossos instintos. Mas estudos recentes sugerem que não é assim que a mente funciona. Por favor, explique isso.

Entrevista a Karen Christensen

Pressupõe-se há muito tempo que as pessoas são agentes racionais e que tomamos nossas melhores decisões quando suprimimos nossas emoções, mas alguns pesquisadores, que têm olhado

para o funcionamento interno do cérebro, descobriram que não é bem assim. Antonio Damasio e outros cientistas descobriram que pessoas sem a capacidade de experimentar emoções tornam-se patologicamente indecisas. Existe uma nova avaliação emergindo: a de que nossas emoções são, na realidade, profundamente empíricas — que elas refletem informações relevantes do mundo real e que nós as ignoramos por nossa conta e risco. Que a antiga

* Este artigo foi traduzido e reproduzido pelo LAB SSJ com a permissão da Rotman magazine.


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categorização “razão + lógica = bom”; “emoção + paixão = ruim” é claramente errada. A verdadeira história é muito mais complicada. Você disse que “a intuição inteligente é o resultado da prática deliberada”. Isso não é um paradoxo?

As emoções mais “inteligentes” que temos são, na realidade, efeitos colaterais da prática deliberada e da experiência acumulada.

Eu estava tentando chegar à pergunta que vale um milhão, que é: “quando devemos usar nossos instintos?” Acredito que a esfera mais importante em que devemos confiar em nossas emoções é quando temos experiência num campo de ação específico. O que acontece com a prática é que o cérebro emocional fica cada vez melhor em descobrir a qual informação deve dar mais atenção, passando a decifrar padrões da realidade. Portanto, nesse sentido, as emoções mais “inteligentes” que temos são, na realidade, efeitos colaterais da prática deliberada e da experiência acumulada. Isso nos permite usar alguns atalhos muito úteis e necessários para avaliarmos as situações rapidamente. Quando se trata de decisões técnicas, a antiga suposição era de que o que faz um perito especialista é o conhecimento explícito, inúmeros fatos que ele pode trazer à superfície. Porém, temos percebido que a maioria dos especialistas é profundamente intuitiva e que eles são muito mais instintivos do que os novatos. Eles confiam mais em suas emoções do que no processamento inconsciente, porque já tiveram tempo para incorporar esse conhecimento em seu cérebro. Quando chega a hora, eles podem agir muito rápido — automaticamente, pode-se dizer. São os sentimentos, não o córtex pré-frontal, que capturam a sabedoria da experiência. O que é a dopamina e qual o seu papel na tomada de decisões? A dopamina é um neurotransmissor cerebral. Por muito tempo, foi considerada a química do hedonismo — um motivo para “sexo, drogas e rock & roll”. Embora ainda seja responsável por essas coisas, pesquisas mais recentes sugerem que ela também é um componente essencial da cognição. A dopamina permite que o cérebro detecte padrões, examine minuciosamente causas e correlações e compreenda o que vai acontecer. Ela nos permite fazer previsões sobre a realidade e, por isso, é um aspecto necessário para a compreensão do mundo.

Você descobriu que determinadas condições levam a um curto-circuito emocional do cérebro, chegando a decisões erradas. A que condições específicas devemos estar atentos? Um exemplo é como lidar com a aleatoriedade. Quer se trate de máquinas caça-níqueis, quer do mercado de ações, nossos cérebros são muito ruins ao lidar com sistemas aleatórios. Isso se deve ao simples fato de que o cérebro é uma máquina de criar padrões. Nós sempre queremos enxergar padrões. Então, quando você oferece um sistema aleatório, em vez de aceitar algo do tipo “eu deveria parar de tentar entender isso”, nós começamos a alucinar padrões e nos tornamos excessivamente confiantes. É por isso que as pessoas nos cassinos se convencem de que estão apostando em máquinas “benditas”, quando na verdade, é tudo apenas acaso. Outro exemplo é a aversão à perda. Décadas de pesquisa, começando com Daniel Kahneman e Amos Tversky no final dos anos 1970, mostram que as pessoas tratam os ganhos e as perdas de forma muito diferente, conferindo às perdas (especialmente as potenciais) um impacto muito maior sobre nós. Esse cacoete humano irracional nos leva a fazer todo tipo de bobagem. Por exemplo, quando os investidores avaliam sua carteira de ações é mais provável que vendam aquelas cujo valor subiu, simplesmente porque querem evitar uma perda no futuro. O resultado final, claro, é que eles acabam presos a uma carteira de ações composta inteiramente de participações acionárias com valor em queda, razão pela qual as ações que as pessoas vendem tendem a superar em três e meio porcento as ações que elas mantêm. Isso é um exemplo simples de como a necessidade de lidar com a perda pode tranquilamente causar um curto-circuito no cérebro emocional das pessoas e trazer à tona uma resistente e antiga propensão, podendo ter grandes consequências no mundo real. Você chamou o mercado de ações de “um exemplo clássico de sistema aleatório”. Quer dizer que os mecanismos internos da Bay Street e da Wall Street não são, na verdade, muito melhores do que uma máquina caça-níqueis?. Não se trata de ser melhor ou pior, mas há muitas evidências de que Wall Street é realmente um mercado aleatório e que toda a informação do mundo não


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é suficiente para lhe permitir prever o movimento futuro de uma ação com base em seus movimentos anteriores. Há esse debate sobre se o mercado de ações é realmente aleatório ou se é probabilístico e qual é a diferença entre esses dois modelos, mas acredito que o investidor médio se sairá melhor se tratar Wall Street como um caça-níqueis, no sentido de que você não deve gastar muita energia tentando ser mais esperto do que os outros investidores. O que as pessoas deveriam fazer é escolher um fundo indexado de baixo custo e esperar pacientemente. Nesse sentido, é claro, Wall Street é completamente o oposto de um caça-níqueis. Jogando um determinado número de fichas no caça-níqueis, todos perdem a longo prazo, mas a história tem mostrado que, se você simplesmente escolher um fundo indexado de baixo custo e esperar, o retorno será positivo. O que eu quis dizer ao comparar Wall Street com um caça-níqueis é que a bolsa muitas vezes é uma loucura, e isso não é verdade apenas para os investidores amadores, é verdade para a maioria dos gestores de fundos mútuos que se esforça para constantemente bater o S&P 500. Tentar escolher ações individuais e vencer o mercado é uma ilusão perigosa e cara. Você acredita que os cartões de crédito tiram proveito de uma perigosa falha embutida no cérebro. Por favor, explique. Há um trabalho interessante sendo desenvolvido por Brian Knutson, da Universidade de Stanford, e George Loewenstein, da Carnegie Mellon, em que eles veem o que acontece no cérebro quando nós tomamos decisões de compra no varejo. O que eles descobriram é que há um cabo de guerra emocional acontecendo lá dentro: uma área do cérebro chamada de núcleo acumbente acende sempre que as pessoas são expostas a um objeto que desejam. Portanto, se você realmente anseia por essa camisola de casemira da J. Crew e eu mostrá-la a você, o seu núcleo acumbente será ativado, liberando dopamina, e você vai querer aquela recompensa. Nesse meio tempo, se eu lhe mostrar a etiqueta de preço da camisola, uma área separada, chamada ínsula, acenderá. A ínsula está associada a coisas como dor corporal e sentimentos de desgosto. Verificamos que ela também é ativada

sempre que gastamos dinheiro. Então, há esse cabo de guerra entre o núcleo acumbente e a ínsula e, analisando imagens do cérebro, podemos fazer previsões razoavelmente precisas do que as pessoas vão ou não comprar, simplesmente observando a ativação relativa dessas duas áreas do cérebro. É aqui que os cartões de crédito entram em cena: quando as pessoas pagam com cartão de crédito, elas na verdade apresentam redução na atividade da ínsula. Isso acontece simplesmente porque elas abstraíram da transação. Em vez de tirar um dinheiro tangível de sua carteira, tornando-a consideravelmevnte mais leve, você está apenas sacando essa coisa de plástico e, depois disso, o preço irá aparecer na sua conta em 30 dias ou menos. A ínsula não chega a compreender o que está acontecendo e o resultado final é que não experimentamos a «dor» de pagar. É esta desestabilização do cabo de guerra natural do cérebro que leva as pessoas a gastarem muito dinheiro. Você chamou o córtex frontal de “a blogosfera” do cérebro. Por favor, explique. O córtex frontal é, em certo sentido, onde se reúnem todas as informações de que estamos conscientes. Ele é esta bagunçada confluência de informações fluindo a partir de todas as diferentes áreas do cérebro — de nossas áreas sensoriais, do córtex visual, do córtex olfativo e das áreas de associação. É também o depósito da memória de trabalho, por isso é cheio de muitas coisas diferentes. O que eu tentei capturar com essa metáfora é que, assim como na blogosfera, o córtex frontal pode ser indisciplinado e muitas vezes pode sofrer de sobrecarga de informação. Para navegar na blogosfera você precisa ser realmente capaz de filtrar informações, descobrir maneiras de encontrar coisas boas e manter-se afastado de distrações irritantes ou improdutivas. O mesmo desafio está em curso no córtex frontal. Estamos sempre tentando nos certificar de que temos informações relevantes e úteis disponíveis em nossa memória de trabalho. A sedução da certeza está incorporada em nosso cérebro em um nível bastante básico. Quais são as consequências disso para tomada de decisão? É bom ter certeza. A confiança é reconfortante, mas há repercussões no sentido de que o nosso desejo de

Podemos fazer previsões do que as pessoas vão ou não comprar a partir de um cabo de guerra emocional entre duas partes do cérebro.


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estarmos certos muitas vezes nos leva a filtrar informações que possam contradizer as nossas crenças, é aí que as más decisões são tomadas. Veja como chegamos a essa bagunça na economia: tínhamos muita gente convencida de que os derivativos e títulos que estavam vendendo não eram excessivamente arriscados. Afinal de contas, esses títulos haviam sido classificados como AAA pela Moodys. As pessoas estavam se sentindo tão seguras que isso as levou a ignorar todas as evidências que sugeriam que esses títulos talvez não fossem tão seguros como se imaginava. É aí que aparece a “dissonância cognitiva”. Décadas de pesquisas mostram que as pessoas não gostam de refletir sobre informações que contradigam suas crenças profundamente arraigadas, então elas propositadamente ignoram essas informações. É por isso que os conservadores assistem à Fox News e os liberais à MSNBC. Faz parte da natureza humana, só isso. A desvantagem é que o desejo de segurança muitas vezes nos leva a negligenciar informações pertinentes. Na realidade, estados de incerteza são profundamente inquietantes e nos deixam muito nervosos. Eu acho que é o que estamos vendo agora na economia. As pessoas não sabem se os preços das casas vão continuar a cair, se eles terão um emprego no próximo mês ou se o seu banco ainda estará operando no próximo mês. Vivemos um tempo muito incerto, o que torna o momento atual muito emocionante para neuroeconomistas e neurocientistas.

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Você aconselha as pessoas a pensar menos sobre coisas com as quais se preocupam muito e mais sobre as decisões costumeiras do dia a dia. Por que isso? Isso resgata a sua primeira pergunta, aos pontos fortes e fracos das duas formas tradicionais de tomada de decisões. O que estamos descobrindo sobre o cérebro racional é que ele é cheio do talento de Prometeu. Ele consegue realizar tudo, do pensamento abstrato à lógica e dela ao autocontrole, mas não pensamos o suficiente sobre quão limitado ele é, quão frágil é em termos de capacidade de processamento de informações. Por exemplo, se você lhe der mais que sete fragmentos de informação, ele começa a entrar em curto-circuito e a selecionar determinados fatos. É importante reconhecer que, ainda que o cérebro racional seja uma característica definidora da natureza humana, não podemos tentar utilizá-lo para tomar decisões que exijam levar em conta informações demais. É nas decisões mais fáceis, quando podemos ser enganados por nossas propensões naturais, como aversão à perda ou outra peculiaridade emocional, que é melhor recorrer ao cérebro racional. Quando se trata de decisões mais difíceis (e por mais difíceis quero dizer decisões que exigem mais informações) há alguns indícios muito sugestivos de que essas decisões são favorecidas por um processo de pensamento mais inconsciente, mais emocional, mais instintivo. Isso ocorre simplesmente porque o inconsciente tem mais capacidade de assimilar a grande quantidade de informação

necessária para avaliar adequadamente a importância relativa de todas essas variáveis e, então, gerar um sentimento que nos permita descobrir qual alternativa escolher. Assim, decisões difíceis tiram proveito das partes inconscientes e emocionais do cérebro devido à quantidade limitada de informações que o cérebro pode levar em conta. Da mesma forma, decisões fáceis tiram proveito de um processo de pensamento mais racional. No final, não há uma receita secreta para a tomada de decisões, a única coisa que existe é vigilância.

Jonah Lehrer é autor de How We Decide e Proust Was a Neuroscientist, editorcolaborador da Wired e autor de artigos para Nature, The New Yorker e The New York Times. Trabalhou no laboratório do neurocientista ganhador do prêmio Nobel Eric Kandel. This article originally appeared in Rotman magazine, published by the University of Toronto’s Rotman School of Management.

Tradução: LAB SSJ, 2010

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