PRIMAVERA 2012
14-Transtorno de déficit de autoridade
Por que o ter que conquistar autoridade é algo positivo? Adele Calhoun
18-Pastor no tempo presente
Eugene Peterson lembra que a autoridade de um pastor vem de sua imersão na comunidade, do testemunho de que é possível viver a Palavra de Deus Uma entrevista de Leadership Journal
22-Quando você é questionado
O que acontece quando alguém desrespeita, mina, ou desafia abertamente a sua autoridade pastoral? Como você responde? Quatro pastores falam a respeito
27-Redimindo a autoridade pastoral
Ensinar com autoridade genuína incentiva o crescimento e desperta o desejo por Deus John Ortberg
TAMBÉM nesta edição:
32-Trabalho em equipe
Como a pregação em parceria ajudou nossa igreja e salvou meu ministério Dan Cooley
38-Autoridade sem autoritarismo
Sob a perspectiva bíblica, autoridade delegada por Deus é exercida com humildade para o bem dos liderados Hernandes Dias Lopes
42-De gente boa a pai espiritual
Os baby boomers queriam pastores que fossem competentes e eficientes. A nova geração está em busca de algo muito diferente Kevin A. Miller
46-O que a próxima geração precisa Liderar a Geração Y requer o exercício de um tipo diferente de liderança Sam S. Rainer III
54-Deus olha o coração
Somos mais do que aparentamos ser Ronaldo Lidório
58-Entrevista especial
Gerson Pacheco, do Child Fund Brasil, fala sobre Aliança estratégica com igrejas por Cleber Nadalutti
62-O líder introvertido
Mesmo que você tenha de se esforçar para ser um sujeito simpático, saiba que tem muito a oferecer à Igreja Adam S. McHugh
66-Do púlpito para a mulher
Amadas do Pai, resgatadas por Cristo e capacitadas pelo Espírito Isabelle Ludovico
COLUNISTAS 50 - Cícero Duarte
72 - Ziel Machado 74 - Oswaldo Prado 76 - Ricardo Agreste 78 - Eduardo Rosa 80 - Russell Shedd 82 - Josué Campanhã
SEÇÕES
Imagens: istockphotos, fotolia, 123rf, divulgação
4 - Editorial/Expediente 6 - Atualidades 12 - Mini-entrevista 47 - Ferramentas 70 - Epístolas
Introdução w w w. l i d e r a n c a h o j e . c o m . b r
A serviço dos pastores e líderes
Liderança Hoje é uma publicação trimestral da Cristianismo Hoje Editora Ltda. CNPJ 15.384.289/0001-67
NOSSA MISSÃO Servir e fortalecer os pastores e líderes com conteúdo relevante e prático que incentive a fidelidade bíblica e a eficácia pastoral.
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o Brasil, os pastores e líderes evangélicos enfrentam uma carência histórica: a falta de uma publicação cristã especificamente voltada às suas necessidades pessoais e ministeriais. Depois do chamado, do preparo teológico e da ordenação, muitos homens de Deus sentem-se sozinhos, sem suporte. Ainda há poucas ferramentas disponíveis para a edificação e o crescimento do líder cristão. E é uma demanda enorme – são eles que servem ao povo do Senhor, semana após semana, através de suas mensagens, aconselhamentos, discipulado. Contudo, eles precisam também ser cuidados e alimentados, como qualquer crente que quer servir piedosamente a Jesus. Há pouco mais de um ano, em uma reunião com o pastor Josué Campanhã, dirigente da SEPAL - Servindo Pastores e Líderes, surgiu a ideia de lançar uma publicação capaz de suprir parte desta imensa lacuna. Nasceu então uma parceria cujo fruto é este que você tem em mãos. Chegou a hora de o sonho se tornar realidade! Queremos que Liderança Hoje seja uma revista relevante e respeitada como uma ferramenta útil para o exercício de um ministério pastoral saudável e bíblico. Publicaremos sempre conteúdos que sejam úteis e práticos, abordando assuntos que estiverem em pauta dentro da própria vivência da liderança da Igreja brasileira. Um grande diferencial da revista será sempre a sua amplitude no conteúdo internacional, por conta da parceria com o grupo Christianity Today International – que edita há mais de 30 anos a relevante Leadership Journal – e toda sua tradição, bem como todos os seus renomados colaboradores, também envolvidos nesta parceria estratégica. Mas Liderança Hoje é também uma revista genuinamente brasileira, que fala a linguagem da Igreja e do povo de Deus que vive neste país. Por isso, temos ainda uma equipe nacional de colaboradores respeitados e com autoridade espiritual, além de um Conselho de Referência experiente e idôneo. Tudo com objetivo de suprir as necessidades reais de um ministério que seja relevante e eficaz em um mundo tão complexo como o de hoje, com todas as dificuldades que a pós-modernidade têm trazido à vida cristã – e, naturalmente, ao exercício do ministério pastoral. Autoridade é o tema da primeira edição. E não é sem motivo; esta, talvez, seja uma das maiores necessidades da Igreja de hoje. Afinal, grande parte das pessoas vivem em um mundo que desacredita de seus dirigentes e que, talvez por isso, não entendam a importância de um líder espiritual em suas vidas. Os temas das próximas três edições serão: Família (verão), Crescimento de Igrejas (outono) e Pregação & Sermão (inverno). Marcos Simas Boa leitura, querido pastor!
A revista Liderança Hoje é uma publicação evangélica nacional e independente. É a versão brasileira da revista Leadership Journal, fundada em 1980 pelo grupo Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 3 revistas impressas, 3 revistas digitais e mais de 40 sites e blogs. Liderança Hoje é uma parceria com a Sepal - Servindo Pastores e Líderes
CONSELHO DE REFERÊNCIA Aguiar Valvassoura, Carlinhos Veiga, Carlito Paes, Carlos Alberto Quadros Bezerra, Carlos Alfredo, David Kornfield, Ebenézer Bittencourt, Ebenézer Soares Ferreira, Fabrini Viguier, Geremias do Couto, Gerson Borges, Gilson Bifano, Israel Belo de Azevedo, Johny Stutzer, Jorge Wanderley, Leonardo Sahium, Marcelo Gualberto, Marcos Amado, Neander Kraul, Paschoal Piragine, Paulo Solonca, Ricardo Barbosa, Richard Werner, Robert Lay, Segisfredo Wanderley, Sérgio Queiroz, Valdemar Kroker, Valdir Steuernagel, Walter Feckinghaus, Werner Haeuser, Wilson Costa
EDITOR-CHEFE Marcos Simas
EDITOR-EXECUTIVO E JORNALISTA RESPONSÁVEL Cleber Nadalutti – MTb 16820
DIRETOR DE ARTE Rick Szuecs - www.szcomunicacao.com.br
TRADUTORA Élidi Miranda
CHARGISTA Jasiel Botelho - www.jasielbotelho.com.br
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adam S. McHugh, Adele Calhoun, Dan Cooley, Hernandes Dias Lopes, Isabelle Ludovico, John Ortberg, Kevin A. Miller, Michael Lawrence, Ronaldo Lidório e Sam S. Rainer III
COLUNISTAS Cícero Duarte, Eduardo Rosa, Josué Campanha, Oswaldo Prado, Ricardo Agreste, Russell Shedd, e Ziel Machado
ENTREVISTADOS DESTA EDIÇÃO Eugene Peterson, Gerson Pacheco e Rubens Muzio
TESTEMUNHOS DESTA EDIÇÃO Henrique Callado, Levi Correa Araújo, Reginaldo Franco do Paraízo e Sebastião Armando Gameleira Soares,
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Editor-chefe
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LIDERANÇA HOJE Primavera 2012 ISSN 2316-5510
ATUALIDADES [ ONDE A FÉ ENCONTRA A CULTURA ]
• Da esquerda para a direita: Curtis Alan Kregness, Richard Julius Sturz Jr. e Dr. Russell Shedd
MEIO SÉCULO RELEVANTE “Escolher livros para serem publicados é um privilégio”, declarou o Dr. Russell Philip Shedd, fundador e presidente emérito de Edições Vida Nova (EVN), durante o culto de agradecimento pelos 50 anos da editora, realizado na noite de 1º de setembro (sábado) na Igreja Batista de Vila Mariana, em São Paulo (SP). O Dr. Shedd lembrou, na ocasião, que a editora começou muito antes de seus idealizadores. “Começou quando, ainda na Bolívia, ouvia o papai ler um capítulo da Bíblia. Eu tinha três anos, não entendia quase nada. Mas quando papai começou a explicar a Bíblia, à luz de uma vela naquelas aldeias bolivianas, eu comecei a pensar ‘um dia Deus me dará o privilégio de tentar explicar a Bíblia como meu pai explicava’. Agora comecei a entender. E essa capacidade de entender a Bíblia é a razão da Vida Nova”, destacou Shedd. O culto, que reuniu cerca de 300 pessoas – a equipe de funcionários da editora e seus familiares, pastores, amigos e convidados –, foi dirigido pelo atual presidente de Edições Vida Nova, Richard Julius Sturz Jr., e contou com a participação do coral da Igreja Batista de Vila Mariana e testemunhos do vice-presidente da EVN, Curtis Alan Kregness, e do diretor executivo da Vida Nova, Kenneth Lee Davis.
História Por mais curioso que possa parecer, o “projeto” Edições Vida Nova começou em 1959, quando o Dr. Russell Shedd e sua esposa Patrícia, chegaram a Portugal, para lecionar no Seminário Batista de Leiria, distante 150km ao norte da capital Lisboa. Naquela ocasião, a equipe de jovens missionários americanos da Missão Batista Conservadora pediu ao Dr. Shedd que ajudasse no então incipiente ministério de literatura. 6
LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
O Dr. Russell Shedd aceitou o desafio, que era imenso: além de pioneira, a editora, criada para fornecer textos teológicos básicos e obras de referência bíblica para estudantes, professores e pastores, não tinha lucros nem perspectiva de crescimento devido ao fraco mercado literário evangélico e aos altos custos de impressão em Portugal. “Eu não tinha motivos para não aceitar a responsabilidade, contudo, depois de lançar alguns poucos títulos, concluí que seria mais vantajoso publicar, no Brasil, obras pesadas como O novo comentário da Bíblia e o conhecido O novo dicionário da Bíblia”, recorda Shedd, que desembarcaria, em nosso país, em 1962, para abrir uma rede de distribuição de livros, no centro de São Paulo (SP). Entre os primeiros títulos lançados aqui estavam duas obras do renomado teólogo inglês C. S. Lewis – Razão do cristianismo e Cartas do inferno – primeiros livros de Lewis em língua portuguesa. Tradicionalmente conhecida por seu catálogo rico, composto por cerca de 300 obras teológicas e livros de referência, a publicadora conquistou destaque e respeito no mercado editorial, com obras magníficas como a famosa Bíblia Shedd (que, ao ser lançada, chamava-se Bíblia Vida Nova), Teologia sistemática, de Wayne Grudem, Teologia dos reformadores, de Timothy George, Batismo e plenitude do Espírito Santo, de John Stott, e Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã, de Walter A. Elwell. E, assim, ao longo dos anos, a Vida Nova vem conquistando um público fiel, que utiliza suas obras como base para estudos teológicos, tornando-se referência acadêmica, além de contribuir para o crescimento espiritual da liderança. “O sucesso de Edições Vida Nova constituiu motivo de enorme alegria e gratidão a Deus, que tem sustentado financeiramente esta casa e dirigido seus caminhos desde 1962, e ela existe unicamente para a glória Dele”, conclui Shedd. — Com informações de Edições Vida Nova e Lilian Comunica Assessoria de Imprensa
[ NOTÍCIAS QUE VOCÊ PODE USAR ]
Hollywood e a Bíblia Qualquer um que gosta de cinema sabe que a indústria cinematográfica – sobretudo a norte-americana – sempre recorreu a temas bíblicos para criar blockbusters, tais como Quo Vadis (1951), Os dez mandamentos (1956), Ben-Hur (1959), O Rei dos reis (1961) e A paixão de Cristo (2004). Mas em termos de quantidade de produções, nunca se viu tamanho ‘barulho’ simultâneo nos estúdios de Hollywood na preparação de filmes baseados na Bíblia. Diretores e produtores correm contra o tempo para lançar, entre 2013 e 2015, pelo menos cinco películas inspiradas em passagens das Escrituras Sagradas: Noah, que conta a saga de Noé, interpretado por Russell Crowe (foto), The redemption of Cain (algo como ‘A redenção de Caim’, que terá Will Smith no papel principal), Moses (com direção de Ridley Scott) e Gods and kings (a ser dirigido por Steven Spielberg), ambos sobre a trajetória de Moisés, e Mary, mother of Christ (em tradução livre, ‘Maria, mãe de Cristo’). Agora, é esperar para saber o resultado dessas leituras ‘hollywoodianas’ da Bíblia. — com informações de Gospel+, IMDb, The Playlist e GNotícias
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LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
AGENTES SECRETOS? Uma pesquisa do instituto Research Lifeway mostra que a maior parte daqueles que frequentam igrejas nos Estados Unidos acha que compartilhar a fé é essencial, mas muitos não falam de Jesus a outros. Segundo a pesquisa, pelo menos 80% das pessoas que vão à igreja uma ou mais vezes por mês acreditam que têm uma responsabilidade pessoal para compartilhar sua fé, mas 61% deles não falaram de Jesus a outra pessoa nos últimos seis meses. “Quando se trata de discipulado, elas acham que falar de Jesus com os não-crentes é o mais difícil”, declarou o porta-voz da LifeWay, Jon Wilke. Indagados sobre o número de vezes em que pessoalmente convidaram um não-crente a assistir a um culto ou participar de alguma atividade eclesiástica nos últimos seis meses, os entrevistados revelaram outro dado igualmente espantoso: quase metade (48%) respondeu “nenhuma vez”; 33% afirmaram que convidaram alguém “uma ou duas vezes” e 19% declararam ter feito isso três ou mais vezes. — com informações de The Christian Post e Lifeway
CURTAS Aconteceu de 11 a 14 de setembro, em Penedo (RJ), o 1 Encontro Brasileiro de Pastoreio de Pastores, evento promovido pela Aliança Brasileira de Pastoreio de Pastores (ABPP). Na ocasião, a ABPP decidiu tornar-se membro da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, para “afirmar a busca pela unidade da igreja e o necessário cuidado pastoral para com os líderes da própria igreja de Jesus Cristo”. — Fontes: ABPP e Aliança Evangélica
Os mais de 680 mil ciganos brasileiros que falam o caló vão ganhar um Novo Testamento nesta língua, originária dos ciganos espanhóis e também conhecida como romani-ibérico. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a Missão Amigos dos Ciganos e a Missão ALEM (Associação Linguística Evangélica Missionária). — Fontes: O Verbo e Gospel Prime
[ NOTÍCIAS QUE VOCÊ PODE USAR ]
O plano de Deus O pastor Daniel Akin, presidente do Seminário Teológico Batista do Sudeste em Wake Forest, na Carolina do Norte (EUA), comprou briga com os ativistas gays, ao rejeitar a tese de que Jesus nunca teria abordado a questão do chamado “casamento homossexual”. Akin destaca que é inegável que Jesus assumiu o casamento heterossexual como o plano de Deus e lembra que ele falou claramente sobre sexo e casamento em Mateus 19.4-6: Não tendes lido que, no princípio, o Criador os fez macho e fêmea e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem. “Este Jesus foi comprometido com o casamento heterossexual, isto não poderia ser mais evidente”, argumenta Akin, deixando claro, entretanto, que Jesus ama o pecador, promete perdão e oferece libertação gratuita a todos aqueles que vêm a Ele. “O Evangelho nos transforma de modo que agora somos capazes de não fazer o que queremos, mas o que Deus quer”, conclui. — Com informações de The Christian Post e Southeastern Baptist Theological Seminary 10 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
ÁFRICA CRISTÃ? As várias vertentes cristãs – incluindo evangélicos, católicos e cristãos coptas – já são maioria no continente africano, e um em cada cinco cristãos do mundo vive na África. Essas são algumas das conclusões de um estudo apresentado pelo sociólogo católico Massimo Introvigne durante um congresso do Centro de Estudos de Novas Religiões (CESNUR) realizado na Universidade de El Jadida, no Marrocos. O estudo de Introvigne mostra que os cristãos somam hoje 500 milhões de fiéis, representando hoje 46,53% da população africana, contra 40,46% de muçulmanos e 11,8% de seguidores de religiões tradicionais africanas. “Esses dados ainda estão sendo consolidados, mas têm grande significado histórico, cultural e político. Hoje há mais cristãos africanos praticantes do que cristãos europeus que vão à igreja”, afirmou o sociólogo, destacando que esse avanço cristão seria a principal causa do aumento dos ataques muçulmanos em várias nações africanas. “O ultra-fundamentalismo islâmico considera escandaloso o fato de que há mais cristãos que os muçulmanos na África, por isso articulou para perseguir e matar cristãos em países como Nigéria, Mali, Somália e Quênia”, concluiu Introvigne. — Com informações de Gospel Prime Notícias e La Stampa
[ MINI-ENTREVISTA ]
De olho nos líderes mais jovens
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oordenador do Projeto Brasil 21, programa que mescla ações de evangelismo, discipulado e plantação de igrejas, líder da Sepal em Londrina (PR) e autor de livros como O DNA da Igreja (Editora Esperança) e o DNA da vida cristã (Voxlitteris), o Rev. Rubens Ramiro Muzio disse, ao analisar a atual geração, que é preciso investir mais nos jovens líderes evangélicos. “Pensam o cristianismo de maneira mais sistêmica, com mais integralidade; desejam trazer os valores do Reino de Deus ao mundo; querem ver a cidade transformada e não apenas levarem almas para o céu”, afirma Muzio, que concedeu a seguinte entrevista a Cleber Nadalutti, editor-executivo de LIDERANÇA HOJE: Essa geração evangélica é questionadora? Sim, mas não no que concerne à reflexão teológica e bíblica. Na verdade, penso que o questionamento é mais resultado da assimilação das leis do mercado. Diante de tantos produtos religiosos e opções eclesiásticas, lamentavelmente o ‘crente-cliente’ se vê com total liberdade para utilizar critérios consumistas na escolha da melhor igreja, pastores e ministérios. O envolvimento nas igrejas, em geral, é estritamente opcional e exercitado pelo indivíduo, com sua própria decisão pessoal. Como resultado, os membros são vistos como consumidores religiosos atrás de produtos, buscando os serviços religiosos que melhor se encaixem às suas necessidades pessoais. A nova geração respeita as autoridades (inclusive o pastor)? Se você se refere à nova geração de líderes e jovens cristãos com menos de 35 anos de idade, eu creio que sim. Eles estão ainda muito abertos! Eu particularmente sinto maior sensibilidade desses jovens líderes que dos pastores e líderes mais maduros. Na verdade, a geração mais antiga não soube passar o bastão e dificilmente compreenderá as profundas mudanças que aconteceram no século 21; não está disposta a fazer movimentos na vida mais sérios, mais profundos. O pessoal mais jovem – de menos de 35 anos –, contudo, está mais sedento para ouvir e dialogar, quer ser desafiado. De que maneira a juventude – incluindo aqui os adultos jovens – tem se inserido na sociedade, buscando ser aquilo que Jesus propunha: ser sal com gosto e luz que, de fato, ilumina o caminho das pessoas?
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Os jovens cristãos maduros pensam o cristianismo de maneira mais sistêmica, com mais integralidade; desejam trazer os valores do Reino de Deus ao mundo; querem ver a cidade transformada e não apenas levarem almas para o céu. Por isso, questões sociais e ecológicas fazem parte de suas agendas e inserem-se dentro de sua espiritualidade. Isso é muito positivo. O grande desafio deles talvez seja aprender a ler e meditar nas Escrituras Sagradas ao mesmo tempo em que refletem e analisam a situação do mundo. O equilíbrio entre comunhão com Deus, Sua vontade e Sua Palavra por um lado, e a realização pessoal, o sucesso e a análise das questões sociais de outro, é importantíssimo. O sucesso é medido pela minha vida perante Deus, meu crescimento a semelhança de Cristo, no caráter e não pelos aplausos. Aqueles que querem preencher o vazio interior através do serviço ao próximo irão apenas espalhar sua infelicidade mais adiante. Pessoas que desejam ajudar e fazer coisas pelos outros ou pelo mundo sem aprofundar seu autoconhecimento, sua compreensão de si mesmos, sua liberdade pessoal, sua capacidade para amar, descobrirão cedo ou tarde que não tem nada a oferecer. Quais são os desafios da Igreja hoje diante de tanto materialismo? Este é um momento de humildade e gratidão. A igreja está crescendo e o povo se enriquecendo e devemos ser muito cuidadosos com o gerenciamento de nossos bens. Devemos ser mais generosos e menos focados na construção dos nossos próprios impérios! Precisamos ser menos amantes do consumo, do entretenimento e dos bens materiais, e levar uma vida mais simples, sendo desapegados das coisas. Como alcançar os jovens e adultos jovens desigrejados? Os jovens brasileiros ainda estão muito abertos para as questões espirituais. Na verdade, estão entre os jovens mais abertos no mundo inteiro. Devemos tratá-los com respeito e seriedade, sem fazer marketing, respeitando-os em seus questionamentos, propondo uma caminhada de discipulado e semelhança a Cristo. Devemos tratá-los de igual para igual, com uma visão clara do Reino de Deus e fundamentada nos valores bíblicos.
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE
AUTORIDADE Por que o ter que conquistar autoridade é algo positivo? Por Adele Calhoun
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inha família me deu de presente duas camisetas. Uma diz: “É bom ser rainha”; a outra: “Meu estilo de vida: não ter dinheiro ou fama”. Para mim, essas duas bem-humoradas mensagens capturam o “x” da questão quando se trata do paradoxo da autoridade pastoral. De um lado, nós, pastores, ocupamos uma posição privilegiada no topo da estrutura de poder das igrejas. Lançamos a visão, lideramos, ensinamos e até disciplinamos. Mas, ao mesmo tempo, somos servos e lutamos para seguir o exemplo de liderança deixado por Jesus, o qual se humilhou, recusando-se a apegar-se a qualquer forma de poder temporal. Talvez essa tensão seja melhor compreendida se olharmos para os dois tipos de autoridade pastoral: a posicional e a que é conquistada. A primeira nos é dada em virtude de nossos títulos, de nossas credenciais e pode ser reforçada (ou enfraquecida, dependendo do caso) por fatores tais como idade, gênero ou nível educacional. Já a autoridade conquistada é menos tangível, mas tão importante quanto. É algo que vamos acumulando ao longo do tempo, na medida em que demonstramos substância espiritual e habilidades de liderança, enquanto servimos às pessoas. Todo pastor precisa dessa conquista, pois, se depender apenas da autoridade posicional, não durará muito no cargo. Entretanto, para alguns de nós, conquistar a autoridade torna-se crucial, principalmente, se estivermos desprovidos de alguns traços que nos garantiriam, de pronto, a autoridade posicional. Talvez não tenhamos concluído o curso teológico, sejamos muito jovens ou, como no meu caso, o problema é pertencer ao gênero “errado”. O que tenho descoberto, no entanto, é que a falta da autoridade posicional pode ser uma bênção que nos traz à lembrança o modelo de liderança de Jesus. Meu marido Doug e eu já fizemos parte do staff de três igrejas – duas vezes como pastores auxiliares e uma como co-presidentes. Em todos os casos, a autoridade posicional foi conferida a Doug logo no início. Claro que seu grau de autoridade poderia variar, dependendo de seu desempenho, sua identificação com os membros ou com a situação política da igreja no momento. Mas o fato é que ele já começava a trabalhar com um superávit de autoridade.
Mas minha experiência como mulher tem sido diferente, pois meu papel pastoral não vem previamente coroado de autoridade posicional. A credibilidade precisa ser conquistada, palavra por palavra, ação por ação, pessoa a pessoa. Em uma dessas igrejas, todas as vezes em que eu pregava, um dos líderes vinha até mim, no final do culto, apertava a minha mão e exclamava: “Foi realmente um ótimo sermão!” Aparentemente, para aquele homem, o fato de uma mulher ter a capacidade de pregar uma mensagem persuasiva era algo anormal. Experiências como essa me mostraram, ao longo do tempo, que minha autoridade jamais seria reconhecida pelas pessoas de forma automática. Veja, não estou reclamando. Na verdade, isso tem sido um fortificante para o meu ministério. Alguns pastores confiam muito na autoridade posicional, esquecendo-se que, nesse caso, o poder é precário, estando sujeito aos caprichos das pessoas e às vicissitudes da vida congregacional. Se nos apoiarmos demasiadamente nesse tipo de autoridade, estaremos fadados à decepção.
ALGUNS PASTORES CONFIAM MUITO NA AUTORIDADE POSICIONAL, ESQUECENDO-SE QUE, NESSE CASO, O PODER É PRECÁRIO, ESTANDO SUJEITO AOS CAPRICHOS DAS PESSOAS E ÀS VICISSITUDES DA VIDA CONGREGACIONAL
DESISTINDO DE TER O PODER
Quando qualquer pastor assume uma igreja, ele recebe, automaticamente, quantidades generosas de capital posicional. Entretanto, as cheias e vazantes de sua maré de autoridade vão variar de acordo com o humor dos manda-chuvas da igreja. Quando essas pessoas não estiverem do lado do pastor, invariavelmente, sua posição e autoridade serão questionadas. Mas, do contrário, se estiverem a favor, seu poder aumentará grandemente. Essa dinâmica acaba por criar perigosas tentações para o líder. Ele poderá pensar em dedicar mais tempo e atenção aos manda-chuvas da congregação, em detrimento dos demais membros, a fim de assegurar sua autoridade. Ou pode, ainda, ser tentado a fazer tudo o que “funcione” para agradar os poderosos, em vez de considerar os verdadeiros métodos bíblicos de liderança. Nada há de errado com a autoridade posicional em si, mas depender somente dela pode ser muito perigoso. Todos os dias, em meu ministério, eu sinto a tensão existente entre o poder posicional e o chamado para viver o tipo de autoridade exercida por Jesus. Não quero fazer política nem me esconder atrás de um título, mas, sim, liderar como serva. Parece-me, sinceramente, que as coisas seriam muito mais fáceis e eficientes se apenas pudesse tanger as cordas do poder posicional, investindo nos membros mais influentes da congregação, mantendo-os ao meu lado. Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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Mas é interessante como Jesus abriu mão completamente desse tipo de poder. Ele trocou o Céu pela terra, “esvaziou-se a si mesmo”, abriu mão de suas prerrogativas divinas e resistiu à tentação do diabo, que pretendia levá-lo a reivindicar prematuramente o seu poder. Como pastores, enfrentamos tentações parecidas. É muito fácil reivindicar poder com base em um título ou “comprovar” o nosso direito de liderar, uma vez que construímos um grande ministério. No entanto, a autoridade pastoral não vem dos sinais aparentes de sucesso ministerial ou da posição que se tenha em uma hierarquia. Como já disse o teólogo norte-americano Richard Foster: “A autoridade à qual Jesus se referiu não tinha a ver com estruturas de poder.” É algo que vem, primordialmente, por meio do serviço e do sacrifício, e com limites. Jesus não liderava com poder político e econômico. Sua autoridade residia em um coração submisso e unido à vontade do Pai. Os pastores que, de fato, detêm a autoridade bíblica se identificam com Jesus em sua humildade, fragilidade e no esvaziamento do “eu”. Não estão em uma corrida de velocidade cujo prêmio é obter uma igreja maior ou credenciais mais impressionantes. Suas vidas não refletem uma escalada ascendente, mas descendente, no sentido de estarem sempre dando suas vidas para servir aos outros. Esse tipo de autoridade não pode ser dada por uma instituição. Tampouco pode ser amealhada através da formação acadêmica ou da experiência. Também não vem do fato de o ministro ser uma pessoa carismática e extrovertida, ou de ele estar em evidência. A autoridade pastoral, em última instância, é o dom de poder amar e servir ao rebanho da mesma forma que Jesus fez. Ela vem de dentro e emana da comunhão com Cristo. E é dessa comunhão que surgem a compaixão e o amor que se tornam a marca de tudo o que fazemos. Jesus redefiniu o conceito de liderança como sendo a forma de servir – anonimamente. Os servos, quase sempre, são pessoas anônimas e menosprezadas. Raramente lembramos seus nomes. É o que acontece com garçonetes, comissárias de bordo, técnicos de Adele Calhoun enfermagem e zeladores, pessoas cujas indivié co-pastora presidente da dualidades acabam sendo ofuscadas por seus Comunidade papéis e funções. Jesus viveu entre nós dessa do Redentor, em Wellesley forma, como “aquele que servia”. (Massachusetts) Mas será que realmente almejamos ser servos? Não, nossa tendência é sempre lutar
para chegar ao topo. Resistimos fortemente a permanecer no anonimato, de sermos alguém “sem reputação”, especialmente quando se é pastor. Anelamos pela autoridade posicional.
QUANDO A AUTORIDADE É TESTADA Todo pastor que conheço já passou por crises de liderança e teve sua autoridade questionada. Conduzir uma igreja não é para os de coração fraco. Você tem de estar lá na frente, liderando, estabelecendo a visão e dizendo coisas duras. Mas, frequentemente, esses desafios, embora difíceis, são, na verdade, oportunidades disfarçadas, pois nos levam a tomar uma importante decisão sobre como vamos exercer a nossa autoridade. De duas, uma: ou vamos apelar para nossos superiores e nos esconder atrás de nossos títulos, ou escolher o caminho difícil e humilde de Jesus. Houve um momento em meu ministério em que um casal da igreja decidiu que eu “precisava sair”. Decidi, então, agendar um encontro com eles a fim de ouvir seus argumentos. Não foi fácil. Tive de enfrentar, durante duas horas, uma verdadeira reprimenda em que foram apontadas todas as minhas falhas como líder. Mas, no fim de tudo, percebi que, no cerne de todas as críticas feitas a mim por aquele casal, estava o seu desejo de ser ouvido. Eles queriam que “a autoridade” prestasse atenção no que diziam e os levasse a sério. Ouvi-los fez uma grande diferença e, no fim das contas, não “precisei sair”. Em outra situação, um membro da igreja questionou a escolha que fiz de livros para uma classe na qual eu ensinava e exigia que eu mudasse o currículo. Tentei ser condescendente, oferecendo-lhe material alternativo para leitura. Encontrei dois títulos diferentes sobre o assunto e os ofereci, de presente, mas a mulher, ainda descontente, recusou ambos. Embora tenha falhado em agradá-la, essa situação tão desafiadora teve um desfecho surpreendente. Minha autoridade cresceu aos olhos das outras pessoas da classe e, mais tarde, aqueles livros “perigosos”, foram sendo passados de mão em mão e lidos cada vez mais. Descobri, assim que a autoridade é uma coisa estranha. Corra atrás dela e ela fugirá de você. Desista de buscá-la e ela virá ao seu encontro. Tenho atuado como pastora auxiliar há apenas três anos, e a maior parte de minha experiência ministerial não foi no topo da pirâmide do poder. Todavia, conheço bem a dolorosa realidade da liderança, pois as pessoas são capazes de ser maldosas e insubmissas com qualquer integrante da equipe pastoral.
A AUTORIDADE PASTORAL, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, É O DOM DE PODER AMAR E SERVIR AO REBANHO DA MESMA FORMA QUE JESUS FEZ. ELA VEM DE DENTRO E EMANA DA COMUNHÃO COM CRISTO
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TRANSTORNO DE DÉFICIT DE AUTORIDADE
Sei que todo mundo tem “problemas de autoridade”. Alguns resistem à autoridade. Outros querem a aprovação da autoridade, outros querem ser a autoridade e pensam que sabem exatamente como a igreja deve funcionar. De fato, em todas as situações, ao longo de meu ministério, em que fui atacada, caluniada ou que “puxaram meu tapete”, a questão da autoridade estava envolvida. Frequentemente, as pessoas tinham muito mais do que uma reclamação ou sofismas: tinham a sua própria agenda estabelecida. Todas as vezes em que eu não atingia as suas expectativas, elas tomavam sobre si o manto da autoridade e vinham atrás de mim com todo o poder que conseguissem reunir. Afinal, Deus e o futuro da igreja estavam sempre do lado deles e a verdade era o que estava em jogo. Nesses momentos, tinha de decidir: será nessa praia que vou morrer? Devo defender-me? Devo correr o risco, mesmo sabendo que nenhuma voz se levantará em minha
defesa? Como posso preservar meu ministério sem contratacar? Quanto estou disposto a ser como Jesus? Na Última Ceia, quando os discípulos estavam discutindo acerca de suas posições na hierarquia apostólica, Jesus, tentou, pela última vez, tornar clara a sua visão do Reino. “Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve.” (Lc 22.25-27, ARA) Essa é uma visão radical de liderança, um tapa na cara da sabedoria convencional, colocando a submissão e o serviço acima da conquista de posições e poder. Creio que, somente quando abraçamos essa visão em nossos ministérios, é que, verdadeiramente, passamos a seguir os passos daquele que veio para servir e descobrimos o que é a verdadeira autoridade.
AUTORIDADE É UMA COISA ESTRANHA. CORRA ATRÁS E ELA FUGIRÁ DE VOCÊ. DESISTA DE BUSCÁ-LA E ELA VIRÁ AO SEU ENCONTRO
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PASTOR NO TEMPO PRESENTE Eugene Peterson lembra que a autoridade de um pastor vem de sua imersão na comunidade, do testemunho de que é possível viver a Palavra de Deus Entrevista de Leadership Journal
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m seu livro Um pastor segundo o coração de Deus (Textus, 2000), o professor, poeta e escritor norte-americano Eugene H. Peterson lembrou que, embora os pastores representem a autoridade de Deus, precisam lembrar sempre que a prática da fé requer uma atitude exatamente oposta: o exercício da obediência. Embora muitas atividades no escritório pastoral exijam que usemos de autoridade, no nome de nosso Senhor, nossa identidade cristã consiste em servir. No caso de Eugene Peterson, servir, durante sua caminhada ministerial, incluiu uma tarefa singular: ajudar pastores na difícil tarefa de pastorear – daí ter sido chamado de “pastor dos pastores”. Em seu livro autobiográfico Memórias de um pastor (Mundo Cristão, 2011), Peterson disse ter observado a existência de muita confusão e insatisfação ao seu redor em relação à identidade pastoral. E afirma que não existe um modelo a ser seguido quando se trata de tornar-se um ministro do Evangelho. Ao me tornar um, descobri que se trata mais de um modo de vida com um contexto específico: a vida emocional, familiar, a experiência na fé e aptidões trabalhadas em uma congregação real ou no ambiente
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em que se vive – a pessoa como ela é e onde vive. Sem copiar. As maneiras em que a vocação pastoral é concebida e se desenvolve são únicas para cada pastor. Nascido em 1932, no estado americano de Washington, e graduado pelo Seminário Teológico de Nova Iorque e pela Universidade John Hopkins, o Rev. Eugene Peterson fundou em 1962 a Igreja Presbiteriana Cristo Nosso Rei, em Bel Air, Maryland (EUA). A partir de 1991, passou a dedicar mais tempo ao ensino e à literatura, tornando-se, em 1993, docente em Teologia Espiritual no Regent College, no Canadá. Vivendo hoje em uma casa à beira do lago em Montana, ao lado de sua esposa Janice, com quem teve três filhos (Karen, Eric e Leif), Peterson falou à redação de Leadership Journal (a revista LIDERANÇA HOJE americana) sobre seu chamado pastoral, acerca de autoridade e da função do pastor na igreja. LIDERANÇA HOJE - O “chamado” é algo que acontece uma só vez, ou algo que se desenvolve ao longo da vida? EUGENE PETERSON - Para mim, foi algo que se desenvolveu. Eu tinha 25 anos
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quando soube que havia um nome para aquilo que me tornaria: “um pastor”. É algo diferente para cada um. Algumas pessoas sentem seu chamado desde cedo. Há aqueles que descobrem sua vocação na meia-idade. Não se trata de algo perfeitamente claro. Mas eu creio que Deus usa tudo em nossas vidas – família, experiências passadas, formação – e as usa como parte do Seu chamado. Pode não ser um chamado para pastor, mas acredito que Deus não desperdiça nada. Sempre pensei que seria professor. E, durante os primeiros anos na igreja, eu agia como um professor, ensinando a verdade às pessoas e compartilhando conhecimento. Finalmente percebi que não é esse o trabalho do pastor. As pessoas vivem vidas complexas e cheias de ambiguidades. Faz parte do meu trabalho entrar nesse universo, encontrar uma linguagem e preservar essa ambiguidade sem abrir mão da verdade.
pessoas, no trabalho, na cidade ou em casa. É papel do pastor encarnar o Evangelho. E isso, é claro, só pode ser feito com indivíduos, e não de maneira abstrata. É por isso que, para mim, uma congregação pequena é algo essencial. Isso me permite que eu conheça as pessoas para quem estou pregando e ensinando. De onde vem a autoridade pastoral? Bom, certamente não se trata de uma autoridade hierárquica. A autoridade de um pastor vem de sua imersão na comunidade, vem do testemunho de que é possível viver a Palavra de Deus. Essa é nossa função, não apenas pregar, mas viver a verdade, assim como cultivar relacionamentos que tenham integridade. Não se trata de dizer às pessoas o que pensar e fazer, mas de viver a vida cristã junto com elas. Somos participantes naquilo que elas fazem e isso é algo único na missão de um pastor. Precisamos de discernimento ao fazer uso de nossa autoridade, pois se trata de uma posição de poder. Muitas pessoas nos admiram e confiam em nós sem ao menos nos conhecer. A vida de Cristo é desenvolvida através da comunidade. E se nós, como pastores, não fizermos parte dessa comunidade, estaremos abdicando de nossa autoridade com nossos membros. É um sinal de alerta quando um pastor não deseja estar com os membros de sua igreja. Existem muitos pastores que nunca visitam suas congregações. “Não é minha função”, eles dizem. “Isso é função dos diáconos”. Essa atitude diz muita coisa. Um pastor
É papel do pastor encarnar o Evangelho. E isso, é claro, só pode ser feito com indivíduos, e não de maneira abstrata
Como pastor, qual é seu papel fundamental? Minha função como pastor é mostrar como a Bíblia foi vivida. Claro que é importante mostrar que a Bíblia é verdadeira, mas existem teólogos e apologistas para isso. Apenas aceitei o fato de que ela é verdadeira e não me incomodei muito a respeito disso. Eu precisava mostrar para os fiéis de minha congregação que é possível viver as verdades bíblicas e tentar evitar abstrações sobre doutrinas importantes. Eu queria saber como essas ideias são vividas em todas as circunstâncias da vida das
ALGUNS LIVROS DE EUGENE H. PETERSON • Um pastor segundo o coração de Deus (Textus, 2000) • De volta à fonte (Encontro, 2000) • O pastor desnecessário (Textus, 2001) • Diálogos de sabedoria (Vida, 2001) • O pastor contemplativo (Textus, 2002) • O pastor que Deus usa (Textus, 2002) • Corra com os cavalos (Textus/Ultimato, 2003) • Transpondo muralhas (Habacuc, 2004) • O trovão inverso (Habacuc, 2005) • Uma longa obediência na mesma direção (Cultura Cristã, 2005)
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• A vocação espiritual do pastor (Mundo Cristão, 2006 – publicado anteriormente sob o título À sombra da planta imprevisível, pela United Press) • Um ano com Eugene Peterson (Palavra, 2008) • Espiritualidade subversiva (Mundo Cristão, 2009) • Memórias de um pastor (Mundo Cristão, 2011) • A Mensagem (Vida, 2011)
PASTOR NO TEMPO PRESENTE
que age dessa forma não está vivendo em comunidade. Conheço pastores que não visitam os doentes e os moribundos porque isso tomaria muito de seu tempo. Eles pensam em termos de funções e responsabilidades. Podem até estar desempenhando trabalhos da igreja, mas não estão se comportando como pastores. Isso requer relacionamento interpessoal. Alguém certa vez observou que o pastor não serve ao rebanho; ele serve a Deus ao guiar o rebanho. Concorda? Eu discordaria em parte. Acho bastante perigoso quando pastores desenvolvem uma postura de autoridade que diz: “Eu sou o porta-voz de Deus e vocês irão ouvi-lo através de mim”. Somos o corpo de Cristo e temos apenas um pastor, que é Jesus. Fazemos isso em uma comunidade, mas não através de uma abordagem de comando. A maneira como entendemos nossa autoridade e as palavras que usamos para transmiti-la devem ser bem pensadas e precisas.
consertamos as coisas. Não somos terapeutas. A maneira como um pastor enfrenta as situações tem muito mais a ver com relacionamento, perdão, graça, cura, compreensão, redenção e paciência. São essas as virtudes que deveríamos estar cultivando. Os pastores devem ter metas para sua igreja, tais como desejar que ela conheça a Cristo, desenvolva uma fé viva, cresça e compartilhe essa fé? Sim, essas são metas pertinentes. No entanto, é preciso apresentar essas metas de forma cuidadosa. Trata-se de algo abstrato usado para rotular as pessoas e decidir se elas estão vivendo de acordo ou não? A vida é muito mais complexa do que isso. Sim, eu tenho uma meta. Quero apresentar as pessoas a Jesus. Quero que elas o aceitem. Mas estou disposto a esperar para ver onde ele está operando? Existem pessoas em minha congregação que ainda não aceitaram a Jesus depois de 20 anos. Eu esperei e não as incomodei, mas sabia que elas ainda não tinham tomado essa decisão. Mas é surpreendente o número de pessoas que o aceitaram. Eu corri em algumas maratonas ao longo dos anos. Quando se concentra demais no objetivo durante uma maratona, tudo pode ir por água abaixo. Você começa a correr rápido demais, e então logo depois se cansa e precisa parar. Para correr bem uma maratona, você precisa tirar a cabeça do objetivo. Você tenta entender seu corpo, o tempo, o treinamento. Esse negócio de ser cristão é como uma maratona. É uma “obediência demorada”. Eu digo a outros pastores: “Tenham paciência. Vocês estão com muita pressa”.
Precisamos de discernimento ao fazer uso de nossa autoridade, pois se trata de uma posição de poder. Muitas pessoas nos admiram e confiam em nós sem ao menos nos conhecer
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J Ú L I A
R A M A L H O
Qual é o papel que só o Espírito Santo pode realizar? E qual é o papel que Deus pede que os pastores desempenhem nesse processo? O Espírito Santo é o centro de tudo em termos de comunicação, energia, senso de arrependimento, de amor. Como pastor, desejo estar lá para ajudar, falar na hora certa, orar da maneira correta. Mas não acho que fazemos muito. O que fazemos é esclarecer e às vezes repreender. Não sou contra a repreensão, dizer às pessoas que estão fazendo algo errado e lhes oferecer a direção para agirem corretamente. Mas acredito que somos co-receptores. Fazemos isso juntos.
T R A D U Ç Ã O :
Desde que entrou para o pastorado, como as percepções da autoridade pastoral mudaram? Uma das mudanças mais devastadoras foi a construção da figura do pastor como alguém que simplesmente lança suas palavras e visões. O pastor foi reduzido a alguém que desempenha um papel. Se as pessoas não conhecem seu pastor, fica fácil colocá-lo em um pedestal e não perceber seu lado humano. Também fica fácil para pastores que não conhecem suas congregações, classificar as pessoas apenas como salvas ou não salvas, envolvidas com a igreja ou não, dizimistas ou não. Essas designações impessoais nos permitem tratar as pessoas não como elas são, mas como categorias sociológicas e psicológicas. O perigo é que nós, pastores, deixamos de ouvir as pessoas porque nos utilizamos dessas categorias ao lidarmos com elas. Uma palavra que gostaria de eliminar do vocabulário da igreja é “disfuncional”. É uma palavra feia. Bicicletas são disfuncionais, não pessoas. A partir do momento que começarmos a usar esse tipo de vocabulário, passamos a treinar nossas mentes a pensar nas pessoas como um problema. Pessoas não são problemas a serem solucionados. São mistérios a serem explorados. Não estou dizendo que não existem problemas. Mas nós não
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QUANDO VOCÊ É
QUESTIONADO O que acontece quando alguém desrespeita, mina, ou desafia abertamente a sua autoridade pastoral? Como você responde?
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idéia de autoridade pastoral pode parecer abstrata – até o momento em que ela é questionada. Procuramos um grupo diversificado de pastores para nos falar como eles reagiram a esse questionamento. Queríamos saber como a autoridade é exercida na circunstância mais crucial: quando o líder está sob ataque.
S “Devemos vigiar” 22 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
ou pastor nomeado pela Igreja Metodista na 6ª Região há 12 anos. Neste tempo, já vivi muitas experiências que puderam fortalecer o meu chamado diante de Deus. Ao longo destes 12 anos, enfrentei embates com pessoas que nos questionaram a respeito do chamado, muitas vezes, por algumas decisões tomadas e que, por muitos não entenderem, reagem negativamente diante disso. Quando nos relacionamos com pessoas, lidamos com situações conflituosas e somos confrontados porque mexemos com almas que, por vezes, estão feridas e daí acontecem inúmeras reações. Já passei por momentos em que pessoas me desabonaram, questionaram a minha autoridade pastoral. A liderança deve ser respeitada.
Se um ministro do Evangelho tem a sua autoridade quesTrabalhamos com pessoas que verdadeiramente são lítionada, creio que, em primeiro lugar, ele deve ter a certeza deres e com aqueles que pensam serem líderes. Um líder de seu chamado. Se temos a confiança de que Deus nos chaverdadeiro, com chamado, é aquele que abandona o seu mou, nada – absolutamente nada! – pode abalar a autorida“eu” e decide viver segundo a vontade de Deus. Este possui de pastoral. Eu parto do pressuposto (bíblico) de que Deus o chamado do Pai e busca exercer aquilo que o Senhor conão faz nada imperfeito. Nós somos imperfeitos, mas o chalocou em suas mãos, com seriedade e temor. Esse tipo de mado é perfeito. Deus, na sua perfeição, nos aprimora, nos líder entende que a igreja não é de um pastor, de uma pessoa capacita e nos dá condições de exercer o ministério pastoral específica. de maneira eficaz e com autoridade. Na Igreja Metodista em Cascavel, onde pastoreio atualO que acontece – a própria Palavra de Deus dá esse alerta mente, substituí alguém que permaneceu à frente da con– é que devemos vigiar, gregação durante 17 anos. A liderança desta Um líder verdadeiro, com chamado, é aquele que abandona o não baixar a guarda, igreja, de uma maneira seu “eu” e decide viver segundo a vontade de Deus. Este possui pois as tentações chemuito madura, enten- o chamado do Pai e busca exercer aquilo que o Senhor colocou garão. A autoridade é abalada por brechas deu que o propósito de em suas mãos, com seriedade e temor que o próprio ministro Deus é maior do que abre em sua vida. Mas, se deixarmos Deus agir como Ele pessoas ou coisas, e me acolheu de uma maneira incrível. mesmo planejou em nossas vidas, haja o que houver, enfrenHoje, experimentamos um crescimento maravilhoso e o que te o que enfrentar, o ministro vence essas lutas e mantém Deus está fazendo é tremendo. O comportamento da lidesua autoridade inabalável. rança gerou fé e manteve a unção sobre a igreja. Estes são Devemos entender que Deus deve aprovar o nosso milíderes verdadeiros. nistério. Para isso, somos provados e passamos por várias Porém, (isso é fato) existem pessoas que pensam que são lutas. Mas, se o nosso chamado é de Deus, passaremos pelas líderes, mas não têm um espírito ensinável. Em muitas ocaprovas e seremos então, aprovados. siões, questionam o agir do Senhor, não percebem a mão de Deus em situações vividas na própria igreja, pois estão mais Reginaldo Franco do Paraízo é pastor da Igreja preocupadas em serem líderes, cheios de autoridade e poder Metodista de Cascavel (PR) sobre homens, e se esquecem de serem servos.
Unidade e diversidade
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Igreja é essencialmente comunidade, roda horizontal de dons e ministérios, suscitados pelo Espírito Santo e articulados pela Comunhão, cuja base é o amor (1Co 13). O poder é de Cristo, mediante seu Espírito, poder que se difunde por todos os membros do Corpo. O Novo Testamento não emprega a terminologia do poder para falar de funções na Igreja, refere-se a elas como dons e ministérios, serviços. No Anglicanismo, falamos de “autoridade dispersa e compartilhada”. Assim, qualquer ofício de liderança tem de ser compreendido como “autoridade”, a saber, capacidade de ser “autor”, o que significa “o que faz crescer”. E essa liderança é, essencialmente, dispersa pelo Corpo da Igreja e, necessariamente, compartilhada, pois baseada na complementaridade dos dons de cada pessoa. Só tem legitimidade a liderança que se afirme pelo poder de servir, ser capaz de perceber, decidir e agir a serviço do conjunto. A Igreja inteira é serviço, ministério em favor da vida do mundo. Simplesmente foi assim que Jesus compreendeu Sua própria vocação: Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.45 ARA).
Essa essencial e totalizante dimensão diaconal tem de manifestar-se em todos os aspectos, setores e atos da vida da Igreja. O culto, o ensino e a ação sociopolítica são diaconias, não são de Cristo se estão centralizadas nas mãos do pastor ou da liderança institucional. A partir desta visão tenho enfrentado alguns problemas no ministério de bispo. É que, com frequência, as pessoas não são educadas para a liberdade. A educação usual se destina a criar hábitos, não a favorecer opções e desenvolver atitudes profundas – o que costumo chamar de espiritualidade. O resultado é que inumerável multidão não deseja ser livre, o que almeja é ser bem tratada, como cachorrinhos de madame, escravos contentes com a própria sorte. É evidente, então, que têm dificuldade de participar e de Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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a marca fundamental da vida cristã – da condição de “nova se responsabilizar por decisões e empreendimentos. Quecriatura” (Gl 5.1,13) – a fonte de nossa dignidade de filhos e rem que o bispo decida e “mande”, naturalmente na linha de filhas de Deus. seus desejos. Se contrariadas, as pessoas reagem, no míniAutoridade pastoral só se dá de fato quando acontece mo omitindo-se de apoiar e executar o que se decide, fazenaquilo que o bispo Cipriano de Cartago dizia na antiga Igreja do uma espécie de “greve branca”. Se o que se decide não da África: “O bispo está na Igreja e a Igreja está no bispo”. dá certo, é mais fácil: acusa-se o bispo de ser o responsável Uma relação eminentemente comunitária, coletiva, de artipelo fracasso. culação de consenso que confere ao bispo a autoridade de Soma-se a isso outra dificuldade. Há nas Igrejas, como em representar o sentir do corpo da Igreja. Nessa mesma linha qualquer grupo humano, pessoas, mesmo sinceras e extremase expressava: “Nada fazer sem o conselho dos presbíteros mente dedicadas, que se apropriam do poder, só sabem decie sem o consenso do dir e agir sozinhas, não povo”. conseguem trabalhar Tenho enfrentado em equipe. FacilmenQuerem que o bispo decida e “mande”, naturalmente na linha de conflitos e até raros te se lamentam de que seus desejos. Se contrariadas, as pessoas reagem, no mínimo desacatos por parte de ninguém as ajuda, mas omitindo-se de apoiar e executar o que se decide, fazendo uma algumas poucas pesacotovelam quem quer espécie de “greve branca”. Se o que se decide não dá certo, é soas do clero e do laique se aproxime para mais fácil: acusa-se o bispo de ser o responsável pelo fracasso cato que, ou só sabem colaborar, a não ser obedecer e, por isso, que se submeta, inteiranão se dispõem a participar e assumir decisões em conmente a seus gostos, ordens e até caprichos. junto, ou só querem mandar e, daí, se sentem contrariadas Resulta, desse modo, na Igreja um sistema de liderança por um processo participativo e descentralizado, que exige clericalista que concentra desde a reflexão até a ação, pasdiálogo, paciência, renúncia a fixar-se em pontos de vista, sando naturalmente pela decisão. Em contrapartida, temos em suma, capacidade de viver a unidade na diversidade. na maioria das vezes um povo apático, submisso, sem autonomia nem iniciativa. Em outras palavras, a Igreja reproduz Dom Sebastião Armando Gameleira Soares é Bispo da Dias estruturas do sistema do mundo, marcado pela sonegação ocese Anglicana do Recife, da Igreja Episcopal Anglicana de informação, pelo autoritarismo da liderança e pela ausêndo Brasil (IEAB) cia de real liberdade. O que é uma lástima, pois a liberdade é
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ra uma típica manhã de primavera. O céu de um azul bem forte contrastava com o branco das nuvens e o verde das montanhas emoldurando a pequena igreja. Apesar de o trabalho estar ainda no início, eu sabia que a agenda daquele dia estava concorrida. Por volta das 9h, recebi D. Graça em meu escritório. Ela marcou aquela conversa para aconselhar-se e orarmos juntos por problemas particulares que a afligiam. Percebi que, diferentemente das outras vezes, ela parecia pouco à vontade. Encorajei-a a abrir o coração e falar o que a afligia. Ela respirou fundo como se estivesse tomando coragem para saltar de asa-delta de algum dos montes da cidade e disparou: “Quero lhe dizer que seu jeito de conduzir a igreja tem deixado muito a desejar. Você não intervém nos ministérios, deixa as pessoas muito soltas. Acho que você deveria se impor mais e dar uma direção mais firme à igreja”. Ouvi a irmã, não lhe respondi, apenas pedi que orasse rogando ao Senhor que fizesse de mim um pastor sábio e me ajudasse a conduzir a igreja segundo a Sua vontade. Lá fora o céu continuava azul e o sol brilhando quando às 11h, recebi a visita de Roberto. A cena de alguns instantes atrás parecia se repetir quando ele pediu que orássemos antes de conversarmos – isso sempre sugere piedade
Ofício designado por Deus
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e espiritualidade, não importa o que seja feito a seguir. No entanto, fiquei com a impressão de que o irmão estava na verdade ganhando tempo para encher-se de coragem e dizer o que de fato o levava ali. “Pastor, eu e minha família temos sido abençoados aqui na igreja”, disse Roberto. “Mas não concordamos com seu jeito ditatorial de dirigi-la. Você intervém em todos os ministérios. Tenta impor sua vontade em tudo o que acontece por aqui. Achamos que você
QUANDO VOCÊ É QUESTIONADO
alguns membros, ser facilmente influenciável, mudar suas precisa ser mais democrático”. Não respondi, apenas pedi decisões de acordo com os lobbies eclesiásticos, são alguque ele orasse para que o Senhor fizesse de mim um pasmas atitudes que certamente minarão sua autoridade. As tor sábio e me ajudasse a conduzir a igreja segundo a Sua pressões vêm de todos os lados. Se o pastor não sabe para vontade. aonde vai ou, ainda que saiba, mostre-se inseguro quanto à Os nomes são fictícios, mas o fato é real. Aconteceu da direção a seguir, todos os ventos lhe serão contrários (em forma como relatei no início do trabalho de plantação da uma analogia à Sêneca) e a tentativa de agradar a todos Igreja Oceânica. Foi uma preciosa lição de Deus que eu jaserá o caminho mais rápido para o seu fracasso ministerial. mais esqueceria. Nestes pouco mais de 15 anos de dedicaO pastorado é um ção ao ministério pasofício designado por toral, foram-se algumas noites sem dormir, em Acredito que a autoridade começa a se desgastar quando o Deus, não um cargo pastor se mostra inseguro quanto à direção que deve seguir orações regadas com e se agrava a partir do momento que a igreja percebe que há político, desse modo, importa agradarmos lágrimas na presença incoerências na vida daquele líder antes a Deus do que do Senhor, pedindo Sua aos homens. A autorigraça para prosseguir. dade pastoral emana de suas convicções, seu exemplo, seu Hoje, conto com um precioso grupo de líderes que comcaráter e sua vida, muito mais do que de suas palavras. “Toda partilha comigo todo o processo de decisão, repartindo os autoridade me foi dada no céu e na terra”, declarou o Semomentos de alegria e de choro. nhor, por isso, quanto mais próximo de Jesus o pastor andar, Acredito que a autoridade começa a se desgastar quanmais autoridade terá. do o pastor se mostra inseguro quanto à direção que deve seguir e se agrava a partir do momento que a igreja perHenrique Callado é pastor da Igreja Presbiteriana cebe que há incoerências na vida daquele líder. Tratar os Oceânica e fundador do Instituto Bíblico Rev. Antônio Elias ricos de forma diferenciada, demonstrar favoritismo por
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Escola da “bacia e da toalha”
m outubro de 2012, completo 20 anos de ministério institucional batista como pastor da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), mas desde 1980 já sirvo como pastor em São Paulo. Hoje, sou pastor e membro da equipe ministerial da Igreja Batista de Água Branca (IBAB), presidida pelo pastor e amigo Ed René Kivitz. Nesses anos na liderança de igrejas, já passei por inúmeras situações em que a minha autoridade pastoral foi questionada. Esses questionamentos aconteceram por muitas questões: pela minha inexperiência durante os primeiros anos de púlpito; por não servir como marionete dos “donos da igreja”; por combater veementemente o moralismo e o fundamentalismo religiosos; por resistir às teologias da prosperidade e da confissão positiva; por questionar os modelos dos movimentos de crescimento de igrejas; e porque sempre rejeitei toda e qualquer mentalidade alienante e prática religiosa que, em nome de Deus, fere, abusa, traumatiza e infantiliza pessoas. Mas os questionamentos surgiram principalmente porque, ao combater todas as questões citadas, eu cometi alguns exageros. Porém, apenas uma única vez, fui orientado a deixar o pastorado e a liderança da igreja. E isso ocorreu porque eu decidi ser honesto e confessei publicamente um pecado pessoal, me submetendo a uma disciplina institucional de dez meses diante de uma
comunidade que servi – de maneira apaixonada e intensa – por mais de 13 anos. Durante essa caminhada no pastorado, tive boas e más experiências. Começo citando duas situações ruins. A primeira, ocorrida no final do ano de 1994, quando meu pastor e mentor adoeceu gravemente, vindo a falecer no início de 1995. Foi uma experiência muito dolorosa. Eu era o pastor da juventude e primeiro vice-presidente da igreja, e fui escolhido para suceder o meu mentor. Foi um tempo de muito sofrimento e solidão. Mas a mais amarga situação viria alguns anos depois. Em 2002, estava no auge como líder da igreja, com a minha popularidade dentro e fora do ambiente religioso alcançando altíssimos índices. A tal ponto que eu era um pregador requisitado para encontros nacionais e internacionais! Não soube administrar aquele momento e terminei “gostando do pináculo do templo”. Assim, em 2003, eu me
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realização de celebrações alternativas e no oferecimento perdi completamente, iniciando assim o pior período da de modalidades esportivas. Pude liderar um movimento minha vida. de discipulado e formação de novos líderes, e aquele foi De 2003 até 2010, foram sete anos de ostracismo, nos um tempo de amor pelas Escrituras Sagradas, fervor na quais senti muita vergonha e passei por um período de inoração e ousadia no ensino e na proclamação do Evantenso acrisolamento. Aprendi naquele período que aquilo gelho. Outro bom momento aconteceu de 1998 a 2002. que pode abalar a autoridade do ministro do Evangelho é Como pastor sênior, a vaidade dos títulos, dei ênfase à mentoria, a devoção à reputação, a dependência da Aprendi naquele período que aquilo que pode abalar a aos multiministérios, autoridade do ministro do Evangelho é a vaidade dos títulos, aprovação humana, a a devoção à reputação, a dependência da aprovação humana, a aos pequenos grupos e aos projetos de viincoerência e a falta de incoerência e a falta de transparência vência em missão intetransparência. Um migral – o Evangelho que nistro sem autoridade contempla toda pessoa e a pessoa toda em todo o lugar. é aquele que deixa a escola da “bacia e da toalha” (João Discutíamos políticas públicas e partidárias no “Projeto 13.5, ARA: Depois, deitou água na bacia e passou a lavar Segunda Cidadã”. Lutávamos para sermos uma igreja inos pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com clusiva, ou seja, uma igreja sem exclusão que cumpria que estava cingido). Ou seja, é aquele líder que esquece a sua missão. Pregávamos a maravilhosa e escandalosa que a humildade é indispensável ao pastorado. graça de Jesus. Entretanto, não posso deixar de citar duas boas experiências. Através delas, vivi momentos sublimes. O período Levi Araújo é membro da equipe pastoral da Igreja como pastor de jovens foi inesquecível. Pensando e aginBatista de Água Branca, em São Paulo (SP) do completamente “fora da caixa”, eu me concentrava na
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Redimindo a autoridade pastoral
Ensinar com autoridade genuína incentiva o crescimento e desperta o desejo por Deus por John Ortberg
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utoridade pode ser falsificada. É por isso que é crime alguém se fazer passar por um policial, pois as aparências, inclusive de autoridade, enganam. A autoridade espiritual também pode ser falseada. Inúmeras vezes, o exterior ou a forma como alguém se comporta pode sugerir sobriedade, conteúdo ou paixão. Mas tudo isso pode vir apenas do jeito de ser da pessoa, como resultado de seus dons naturais, não necessariamente da verdadeira autoridade espiritual – a qual tem a ver com a verdade das palavras e com o que está no coração de quem fala.
E essa verdade tem estreita ligação com um estilo de vida pautado pela honestidade. Palavras verdadeiras trazem consigo o peso da realidade. O filósofo e escritor norte-americano Dallas Willard tem uma ótima definição de realidade: “É aquilo com o que você pode contar”. A autoridade espiritual autêntica é aquilo que põe você em contato com a realidade.
FALANDO COM AUTORIDADE Nos Evangelhos, lemos que Jesus ensinava “como quem tem autoridade”, a qual as pessoas puderam observar e confrontar seu ensino com o dos fariseus. Interessante
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notar que estes últimos estavam mais impregnados das Escrituras que qualquer outra pessoa, mas o que pregavam, apesar de “bíblico”, não trazia consigo o ressoar da verdade. Nos tempos de Jesus, os professores da lei, geralmente, ensinavam pelo método da citação, ou seja: seus argumentos eram sempre baseados no que outras pessoas haviam determinado. Algo semelhante ao que acontece em nosso sistema judiciário atual. Um juiz, normalmente, não dirá: “Em justiça, em justiça, vos digo”. Não. Ele procurará citar precedentes legais e sentenças prolatadas em outros tribunais e os tomará como base para as suas decisões. Mas os ensinos de Jesus eram qualitativamente diferentes, pois suas palavras eram claramente bíblicas. No entando, a expressão que recorrentemente usava era: “Em verdade, em verdade, vos digo”. Ele era a encarnação da verdade. Sim, como o Filho de Deus, detinha uma autoridade única. Como pregador, totalmente humano e claramente nada divino, não posso falar tal como Jesus. Mas se há uma coisa que busco, incessantemente, é falar a verdade, que traz consigo peso e autoridade. Todos nós que pregamos o Evangelho aspiramos falar debaixo da autoridade de Jesus. Há uma inerrante conexão entre autor e autoridade. Parte do que significa sermos feitos à imagem e semelhança de Deus é que, assim como ele é capaz de falar e suas palavras têm peso, da mesma forma, nossas palavras podem ter peso também. Deus fala e assim é, pois toda palavra que vem do Céu não é vã, tem um propósito. Em nossa limitada maneira de ser, embora as palavras que dizemos estejam distorcidas pelo pecado, temos a capacidade de pensar, falar e assim ser. Quando nossas palavras moldam e interpretam a realidade, elas o fazem porque somos capazes de carregar autoridade. O discurso de linguagem usado em Genesis reflete o linguajar utilizado pelos antigos reis da Mesopotâmia. Um rei poderia dizer: “Haja impostos” e lá estavam eles. Da mesma
forma, quando Deus diz: “Haja luz”, isso é um retrato de sua soberania, como um rei, usando as palavras para chamar algo à existência. Isso é autoridade. Todos nós percebemos isso nos relacionamentos em que existe confiança e respeito. Se o pai diz ao filho: “Haja um quarto limpo!”, se há aí um relacionamento correto, se essas palavras são ditas da forma certa, com uma boa intenção, então elas poderão criar, no mínimo, uma pequena porção de realidade. Isso é ser autor. Isso é ter autoridade. Eu faço uma distinção entre um sermão autoritário e um sermão eficaz. Na verdade, as duas coisas estão relacionadas. Dois pregadores diferentes podem ler as mesmas palavras (palavras estas que tenham igual autoridade), mas, enquanto a leitura de um ecoará nos corações dos ouvintes a do outro cairá no chão. Pode ser que a falta de sucesso do segundo se deva à sua incapacidade de comunicação, mas talvez, ele sequer creia naquilo que está falando. Assim, perde-se a eficiência ou a capacidade de as palavras penetrarem a mente e o coração dos ouvintes. Um sermão precisa ser verdadeiro, mas isso não significa que ele terá impacto. Certa vez, ouvi a respeito da mulher que dirigia o maior centro de treinamento para oradores de todo o mundo. Alguém a questionou: “Qual é o fator primordial na criação de um bom orador?” Pensei que ela fosse dizer algo como ser bem articulado, inteligente ou, talvez, emocionalmente inteligente. Mas a resposta dela foi, para mim, fascinante. Segundo ela, a característica determinante do bom orador é a paixão, ou seja, o quanto o assunto em questão mexe com ele. Quanto mais penso nisso, mais concordo com ela.
Como pregador, totalmente humano e claramente nada divino, não posso falar tal como Jesus. Mas se há uma coisa que busco, incessantemente, é falar a verdade, que traz consigo peso e autoridade
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O LUGAR DA PAIXÃO Se pensarmos nos professores que tivemos na escola, veremos que isso é a mais pura verdade. Se sentimos o coração arder enquanto eles falavam – e isso não se deu porque eles falavam alto ou porque eram extrovertidos ou emotivos –, também nós fomos mudados. É
REDIMINDO A AUTORIDADE PASTORAL
possível perceber quando a alma de alguém está impregnada por um assunto. Há alguns anos, preguei na igreja Willow Creek, uma das maiores dos EUA, situada na cidade de South Barrington, no estado norte-americano de Illinois. Posso dizer que minha mensagem foi diretamente ao chão. Quando terminei o sermão, sentei-me ao lado do pastor daquela congregação, Bill Hybels, e disse-lhe: “Senti que minha mensagem não passou de blá blá blá”. Ele replicou: “Você está absolutamente certo”. Em seguida, ele passou a me explicar que, em uma palestra realmente boa, o orador deverá ter sido capaz de responder, nos primeiros cinco minutos, à seguinte questão: “Por que é tão importante que falemos nesse assunto?”. Nunca tinha pensado a respeito. Claro que não dá para fazer isso usando, semanalmente, a mesma fórmula: “Deixe-me dizer-lhes por que é tão importante falar a respeito desse assunto”. Mas desde aquele dia, cheguei à conclusão de que a colocação de Hybels foi absolutamente verdadeira. Agora, quando começo a conversar com alguém, pergunto-me sobre a relevância do assunto em questão. Se não puder dar uma resposta satisfatória a essa pergunta, concluo que não deveria estar falando a respeito daquele assunto, ou, no mínimo, ainda não encontrei a maneira correta de tratá-lo. Há alguns meses, perguntei a um amigo: “Qual a principal coisa que eu deveria fazer para que nossa igreja fosse um lugar de transformação de vidas?” Ele respondeu: “Sua primeira tarefa é experimentar profundo contentamento, alegria e confiança em seu relacionamento diário com Deus”. Coloquei essa frase em um pequeno cartaz pendurado sobre a porta de meu gabinete. Ela me faz lembrar, antes de escrever meus sermões, dirigir reuniões ou fazer qualquer planejamento, que meu trabalho principal na igreja é experimentar profundo contentamento, alegria e confiança em minha caminhada diária com o Pai. E não existe circunstância ou pessoa nesse mundo que possa impedir que isso seja realidade em minha vida. Se essa for realmente a minha busca diária, então aquele sentimento de paixão fluirá em minhas pregações. Mas, se essa paixão não estiver muito bem arraigada em Deus, ela poderá tornar-se algo perigoso, uma vez que posso correr o risco de tentar falsificá-la, substituindo-a por manipulações ou emoções forjadas.
ABUSO DE AUTORIDADE Obviamente, o abuso de autoridade é um problema terrível. Vivemos dias em que a autoridade é vista com suspeita justamente devido aos inúmeros casos de abuso, os quais, muitas vezes vêm do púlpito.
Confesso que já pratiquei esse tipo de abuso de autoridade algumas vezes. Houve momentos em que, ao escrever um sermão, estava zangado com alguém da congregação (claro que isso não aconteceu em minha atual igreja, mas em outras comunidades pelas quais passei...). Em um sermão, falei, genericamente, contra a fofoca, mas tendo em mente uma pessoa específica, um fofoqueiro que andava falando de mim por aí. Fui cuidadoso, obviamente, para nada dizer algo que pudesse identificar a pessoa, mas, em meu íntimo, pensava: “Espero que todos vocês percebam agora mesmo de quem estou falando”. Claro que isso é fazer mau uso da autoridade. Com frequência, essa forma de abuso pode se manifestar de forma muito mais intensa, mais explosiva e excessivamente emocional, ou através de uma linguagem carregada de julgamento ou baseada em justiça própria. O abuso também pode se aparecer de outras formas, como, por exemplo, usar o pretexto de estar ensinando o Evangelho para tentar manipular as pessoas para que façam aquilo que você quer. Por exemplo: eu desejo que os membros da igreja se mobilizem para participar de uma determinada atividade, pois isso me fará sentir muito bem, com a sensação de que tenho um ministério bem sucedido. Então, eu lhes direi algo mais ou menos assim: “Sei que você tem de trabalhar para ter um salário no final do mês, e continue fazendo isso. Mas, se realmente quer aproximar-se de Deus, se realmente deseja servi-lo, venha a nossa igreja e se prontifique a trabalhar”. O que estou fazendo nesse caso é, na verdade, negligenciar, teológica e espiritualmente, toda a noção de que nosso trabalho (mesmo o secular) é um ato de culto a Deus. Fico, então, fazendo um jogo com uma divisão inexistente entre o sagrado e o secular, a fim de motivar as pessoas a fazerem algo que eu quero que façam para satisfazer o meu ego. Outra forma de abuso são as emoções fabricadas, ou seja, o ato de tentar, deliberada e conscientemente, forjar sentimentos. Às vezes, ouço alguns pregadores e percebo que sempre existe em seus sermões aquele momento em que a mensagem precisa soar como se eles estivessem profundamente tocados. (Não tenho dúvida de que isso também acontece comigo, às vezes de maneira involuntária). Então, ainda que de forma não intencional, fazem aquela pequena pausa e, com a voz meio embargada, dizem algo como: “Ah, meu coração está tão sensível ao Senhor nesse momento”. Mas é uma coisa artificial e se o pregador for realmente bom nesse teatro, ninguém saberá. Entretanto, tal coisa não passa de manipulação das ferramentas da comunicação para fingir autoridade.
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Há, no entanto, outros pregadores que não se sentem tentados a produzir falsos arroubos emocionais, mas podem ser levados a lançar mão, no púlpito, de argumentos teológicos e políticos para defender sua posição. Eles falam com uma falsa certeza, apresentando os pontos de vista que se opõem aos seus de forma distorcida ou fazem piada com as pessoas que têm um posicionamento diferente. Usam a lógica para chegar a conclusões que, de modo algum, são amáveis, gentis, ou completamente verdadeiras.
DESEJOS PROFUNDOS Normalmente, quando falamos em autoridade, referimo-nos aos mais profundos desejos humanos. Isso nos leva de volta à velha questão da criação, da queda e da redenção. Fomos feitos para ter desejos e Deus ama saciá-los. O Salmo 103.5a diz: (Ele) que enche de bens a sua existência (NVI). Antes que fôssemos corrompidos pela queda, os desejos eram os primeiros indicadores da vontade de Deus para as suas criaturas. Os peixes querem nadar, os pássaros querem voar! Ele fez cada ser de forma diferente e neles colocou desejos específicos. Mas os desejos pecaminosos são tão poderosos para nos afastar de Deus que nós, cristãos, temos a tendência de desconfiar de todos eles e, assim, não reconhecemos a sua importância. Sim, o pecado corrompeu os nossos desejos. Até mesmo quando estou pregando, sinto essa mistura de vontades conflitantes. Ao mesmo tempo em que quero dizer: “Assim diz o Senhor”, para ministrar a Palavra, quero também que as pessoas pensem que sou um ótimo pregador, pois isso me faz sentir bem. É um misto de ego e pecado somado às santas aspirações de servir a Deus. Tenho certeza de que lutarei com isso enquanto viver. Mas morte para o ego não é a morte para todas vontades. Temos dificuldades para entender que morrer para o eu é, na verdade, a porta para a liberação daquilo que o próprio Deus quer John Ortberg é pastor da Igreja que sejamos. Presbiteriana em O que não quero fazer é tentar manipuMenlo Park, na lar as pessoas, fazendo-lhes falsas promesCalifórnia (EUA) sas quanto à satisfação de seus desejos de
uma forma que – eu sei – eles jamais serão satisfeitos. Quero usar a autoridade genuína a fim de fazer germinar nas pessoas o desejo pelas coisas mais nobres. Jesus fez isso: Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei (Mt 11.28). Essa promessa é tão convidativa, tão revigorante! Se pararmos para meditar no Sermão da Monte e nos imaginarmos, pessoalmente, ouvindo aquelas palavras, vamos perceber claramente o quão profundamente Jesus falou a respeito dos desejos humanos. Na verdade, a temática essencial do Evangelho nos ensina justamente a falar sobre desejos. Por meio dele, aprendemos que, qualquer anelo, quando totalmente submetido a Deus e quebrantado por meio do processo de arrependimento, renascerá como algo tão magnífico e nobre que nós sequer poderíamos imaginar.
O que não quero fazer é tentar manipular as pessoas (...) Quero usar a autoridade genuína a fim de fazer germinar nas pessoas o desejo pelas coisas mais nobres
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USANDO O DESEJO DE FORMA APROPRIADA
Algumas vezes, vemos alguns comunicadores cristãos que se mostram muito eficazes porque são bons em brincar com os desejos das pessoas e produzir nelas respostas emocionais. Tal capacidade torna a fala desses pregadores bastante eficiente e faz deles oradores muito populares. O problema é que isso pode trazer graves danos à formação espiritual dos ouvintes, os quais se tornarão dependentes de histórias ou de experiências elevadas, narradas durante o sermão, para que possam ter emoções profundas com Deus. Assim, quando estão fora desse cenário, não conseguem se sentir muito próximos do Pai. E a parte da formação espiritual envolve, justamente, a transformação de nosso desejo, de modo que sejamos libertos de todas aquelas vontades que nos afastam de Deus, e somos motivados por desejos que nos levem a ele e à vida que quer que vivamos. Para nós, pregadores, isso significa que temos de submeter nossa tendência natural de falar aos desejos humanos para o propósito maior de Deus: forjar o caráter de Cristo nas pessoas às quais falamos. Isso significa dizer que até posso contar uma história, porém, em vez de fazer isso para evocar emoção ou piedade, eu preciso conduzi-las à seguinte questão: Como podemos arrumar
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as nossas vidas de modo que nossos desejos também sejam reorganizados? O segredo aqui tem a ver, necessariamente, com a reorganização dos desejos, e com o livrar-se daqueles que nos escravizam de modo que possamos ser movidos por vontades mais saudáveis. Precisamos ensinar às pessoas o que fazer de maneira que elas não fiquem equivocadamente dependentes de experiências emocionais para o resto de suas vidas. Lembro-me de Richard Foster contando a história de um pai que estava com o filho em um mercado. O homem já estava muito frustrado, pois, por mais que tentasse, não conseguia mudar o comportamento da criança. Então, começou a cantarolar para o menino uma canção meio boba que dizia: “Eu te amo. Estou muito
feliz por você ser meu filho e também estou feliz por ter-me tornado seu pai”. Ele ficou cantando isso enquanto levavam as compras para o carro. Quando parou de cantar, o menino esticou os bracinhos e disse: “Cante novamente para mim, papai! Cante novamente para mim!”. Quando conto essa historieta a uma congregação e, em seguida, digo que Deus quer cantar essa mesma canção para nós, que ele deseja ser o nosso Pai, para dizer: “Você é precioso aos meus olhos e eu te amo”, certamente estarei atingindo em cheio um desejo profundo da alma humana. Talvez dê até para sentir os corações se derretendo ao redor. Isto não tem a ver com manipulação, mas com o fato de o coração humano ter sido criado para ser amado por Deus.
Precisamos ensinar às pessoas o que fazer de maneira que elas não fiquem equivocadamente dependentes de experiências emocionais para o resto de suas vidas
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TRABALHO EM EQUIPE
Como a pregação em parceria ajudou nossa igreja e salvou meu ministério Por Dan Cooley
A
quela segunda-feira não me cheirava bem. Estava desapontado com o sermão que havia pregado no domingo e não tinha ideia do que ministrar à igreja na semana seguinte. Minha caixa de e-mails estava lotada, as entradas financeiras do mês anterior haviam sido baixas e um oficial do Corpo de Bombeiros estava em meu gabinete pronto a me passar um sermão acerca de nossas inadequadas placas de saída. Pensei comigo mesmo: Ingressei no ministério para pastorear e equipar pessoas para esse trabalho, não para passar por tudo isso! Não conseguia tirar da mente todas aquelas frustrações, mas, logo após aquela segunda-feira tão difícil, comecei a colocar em prática um princípio que viria a
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revitalizar meu ministério. Tudo começou quando uma pessoa, que frequentava um grupo de estudo bíblico, procurou-me para dizer como aquela experiência estava sendo gratificante. Fui até o líder do grupo, Steve, e o elogiei pelo trabalho. Ele ficou tão feliz que eu lhe indaguei, quase instintivamente: “Steve, que tal você me ajudar ministrando essa série de estudos aos domingos pela manhã?” “Com certeza”, ele respondeu. Entrei em pânico. Eu não o conhecia bem o suficiente e, para dizer a verdade, nunca o tinha ouvido falar em um púlpito. O estudo que ele estava ministrando, de autoria do pastor Andy Stanley, tinha o monstro Godzilla na capa. Havia feito a coisa certa? Mais tarde, descobriria
que sim. Na verdade, aquele convite “precipitado” acabou por me ajudar a redescobrir a principal razão de meu chamado para o ministério. Desde então, tenho descoberto o valor de ensinar outras pessoas a pregar. Claro que isso nada tem de novo – está lá em 2 Timóteo 2.2 –, mas, colocar esse princípio em prática mudou completamente a visão de nossa igreja a respeito do ensino e da pregação, e também a minha visão ministerial. Descobrimos que a ministração em equipe é, muitas vezes, a melhor coisa para manter as pessoas interessadas em uma mensagem do que quando apenas uma pessoa está ensinando. Já formei parceria com mais de uma dúzia de pessoas e descobri uma coisa: Foi exatamente para isso que ingressei no ministério! Aaron é um de meus parceiros de ensino preferidos. Começamos a ensinar juntos quando ele ainda estava na faculdade e, ao longo dos anos, ele tem-me ajudado a desenvolver esse processo. Assim, já que esse artigo trata justamente do ensino em equipe, penso que nada é mais apropriado do que experimentarmos escrever juntos. Eis aqui sua contribuição a respeito de como escolher o estudo certo.
ESCOLHENDO BEM (POR AARON) Selecionar o estudo certo é crucial para o processo de pregação em equipe. Na primeira vez que eu e Dan elaboramos juntos um sermão, descobrimos isso da pior forma. Quando essa pregação em equipe ainda era só uma nova ideia, Dan perguntou se eu gostaria de ajudá-lo com um sermão. Sem fazer quaisquer perguntas, concordei prontamente. Grande erro. Depois que concordei, Dan prosseguiu, informando-me o assunto do sermão que precisava de ajuda. Seria sobre uma passagem do Antigo Testamento que eu jamais havia visto na vida e, falando bem honestamente, não estava muito interessado em conhecer. Claro que nos encontramos e conversamos a respeito do texto – estudei a passagem – e ministramos o sermão com certo grau de sucesso, mas algo crucial estava faltando. Depois desse episódio, descobrimos que a pregação ou o ensino em equipe não tem a ver apenas com escolher um tema e pegar a primeira pessoa que aparecer para dividir o púlpito. Não. É preciso combinar o assunto
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certo com a pessoa certa. Quando não estava suficientemente envolvido pelo assunto, consequentemente acabava por não estudar tanto quanto deveria. Assim, minha contribuição para o desenvolvimento do sermão era menor e minha forma de ministrar não era tão apaixonada. Então, quando eu e Dan nos encontramos para avaliar como estava indo o trabalho, chegamos à mesma conclusão: poderia estar melhor. E não foi difícil descobrir o porquê. Havia ajudado Dan a pregar seu sermão, mas não havia sido parte do processo de encontrar um sermão no qual eu me encaixasse melhor. Minha colaboração tinha de ter começado antes. Então, na segunda vez em que Dan se propôs a dividir o púlpito comigo, o processo já havia sido redefinido. O objetivo, agora, não era apenas aliviar a carga sobre os ombros do pastor, mas fazer com que eu tivesse a chance de compartilhar algo de meu testemunho pessoal com o restante da igreja. Assim, estruturamos o sermão em torno de uma viagem que havia feito a Nova Orleans. Peguei a Grande Ideia (você vai entender o que é isso adiante) para o sermão e Dan me ajudou a colocá-la dentro de um contexto bíblico. Desde o começo, ficou muito claro para nós que aquela mensagem era totalmente diferente. Pude compartilhar episódios que aconteceram comigo no campo missionário (alguns engraçados, outros nem tanto), todos muito significativos para mim. A Grande Ideia ficou bastante clara e a igreja estava atenta. Foi um sermão muito melhor, pois eu, de fato, preguei essa mensagem, em lugar de, simplesmente, dizê-la. Que sensação maravilhosa! Muito tempo se passou desde esses primeiros sermões, mas a lição permaneceu. Selecionar corretamente o estudo é o cerne do sucesso na pregação em equipe. Se seu companheiro não estiver “apaixonado” pelo assunto, se não estiver pregando suas próprias ideias, do seu próprio jeito, não crescerá nem aprenderá muita coisa. E o mesmo acontecerá com aqueles que terão de ouvi-lo.
A DANÇA (POR DAN) Jim parecia outra pessoa depois que nosso grupo de homens terminou um estudo acerca dos dons espirituais. Decidimos, então, fazer uma série de sermões sobre esse tema e pedi a ele que pesquisasse um pouco a
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respeito. Dei-lhe algumas linhas-mestras e marcamos um almoço, uma semana depois. Pedimos alguns burritos de carne assada [prato tradicional da culinária mexicana; tortilla de farinha geralmente recheada com carne (bovina, suína ou frango)] e chá gelado light, e sentamos para conversar. Depois de algum tempo, perguntei-lhe como estava o estudo e sua resposta foi explosiva: “Uau, essa será a melhor semana de todas! Se conseguirmos fazer com que as pessoas descubram seus dons, tudo pode acontecer!” Ele prosseguiu relatando tudo o que achava que precisaria dizer naquele sermão, tinha escrito cinco páginas com base no que lera em um livro, estava de posse de um material sobre Romanos 12 e 1 Coríntios e havia reunido algumas coisas sobre o templo israelita e sobre o falar em línguas. Além disso, precisaríamos aplicar um teste sobre os dons no final do culto. Jim tinha ideias ótimas e eu não queria acabar com o seu entusiasmo, no entanto, definitivamente, o sermão de domingo pela manhã não era o melhor momento para implementá-las todas de uma vez. Chegamos, assim, aos pontos básicos que precisam ficar claros logo que se começa a trabalhar em equipe, principalmente, se o parceiro não tiver muita experiência no púlpito. • A NECESSIDADE. Procuro sempre pessoas que estejam desejosas de comunicar aos outros uma verdade espiritual que tenham encontrado recentemente, a qual lhes tenha suprido uma necessidade e nos ajude a identificá-la imediatamente.
Dan Cooley
é pastor da Cottonwood Church, em Rio Rancho, Novo México, e é autor do livro Bizarre Bible Stories
Aaron Blackwell
• UMA PASSAGEM. Quando fazem seus próprios estudos, as pessoas tendem a ter dúzias de passagens as quais elas desejam incluir no sermão. Nós procuramos nos concentrar em um texto bíblico por mensagem. Esse texto pode até levar a outras passagens, mas somente se elas ajudarem a comunicar o ponto central da mensagem. • A GRANDE IDEIA. A maioria das pessoas com quem trabalho têm muitas ideias que desejam incluir no sermão, mas sempre insisto em manter o foco em uma ideia principal. Consequentemente, tudo o que não contribui na comunicação desse pensamento central é jogado fora. • APLICAÇÃO. Essa parte é divertida, se o seu colaborador já aplicou a passagem
ou o tema da mensagem em sua vida e se sabe de outras pessoas que tenham feito o mesmo. O único problema, nesses casos, é limitar o número de exemplos para manter a aplicação concisa. • ABERTURA E FECHAMENTO. Geralmente, abro e fecho o sermão. Descobri que ter o pastor-presidente abrindo a mensagem tranquiliza a congregação. Quando faço a conclusão, posso recapitular o que foi dito, esclarecer um ponto que tenha ficado vago e corrigir algum princípio doutrinário que tenha sido colocado de forma meio enviesada.
APRENDENDO (POR AARON) Sendo eu a pessoa mais jovem envolvida na liderança da igreja, procurei cultivar um relacionamento próximo, tipo mestre e aluno, com o Dan. Isso é algo bastante necessário quando se trata de pregação em equipe. A primeira vez que dividimos o púlpito foi também a primeira vez que preguei. Por isso, inicialmente, quando trabalhávamos juntos, era ele quem fazia o trabalho pesado. Eu trazia o assunto a ser tratado, mas era ele quem encontrava as passagens bíblicas corretas, quem compunha o esboço, fazia a edição dos slides e quem tinha de encontrar a tal Grande Ideia da mensagem. Tudo o que eu tinha de fazer era aparecer na igreja no domingo com algumas ideias. Mas, na medida em que fui ficando mais confortável atrás do púlpito, pude dar uma contribuição maior no processo de preparação das mensagens. Com o passar do tempo, Dan e eu caímos em uma confortável rotina. Normalmente, a gente se encontrava duas ou três vezes para discutir o sermão, selecionar o que íamos estudar e pregar, encontrar a Grande Ideia e apontar as necessidades que a mensagem deveria suprir. Na medida em que fomos participando juntos desse processo, vez após vez, Dan, de forma muito inteligente, começou a mudar a dinâmica. Logo, passei a ir até ele com ideias de sermões baseados em passagens que já vinha estudando e fiquei responsável por fazer o esboço, pois o Dan estava “ocupado demais”. Ele me questionava sobre qual seria a Grande Ideia da mensagem e o que as pessoas poderiam aprender com aquele sermão. Já deu para perceber o que estava acontecendo? Dan, de forma muito sutil, estava ensinando e orientando este jovem tímido, buscando transformá-lo em um pregador vigoroso. As orientações que recebi de Dan através desse processo tiveram um enorme impacto sobre a minha vida. Hoje sou um pregador muito melhor e mais confiante do que jamais pude imaginar que me tornaria. Já tenho umas três ou quatro mensagens que escrevi e preguei sozinho!
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Isso graças ao fato do Dan ter abraçado a ideia da ministração em equipe e de ter posto em prática a árdua tarefa de me treinar, para que também a congregação pudesse colher bons frutos disso.
CONCLUINDO (POR DAN) Atualmente, divido o púlpito com um grupo de pessoas variado, pelo menos uma vez por mês. Já fiz isso com pessoas mais velhas, estudantes de faculdade, homens e mulheres. Atualmente, tenho considerado a ideia de usar estudantes do Ensino Médio. As parcerias não curaram meu bloqueio na hora de escrever, não fizeram com que as contribuições financeiras dobrassem, nem acabaram com todos os aborrecimentos da vida ministerial. Mas faço o que amo. Estou ajudando no desenvolvimento de cristãos que se alimentam sozinhos, um sermão de cada vez. Agora tenho comigo cerca de uma dúzia de “Aarons”, o que é altamente encorajador, principalmente, quando a segunda-feira não está ‘cheirando muito bem’. Talvez a razão de Jesus ter feito discípulos não tenha sido deixá-los aqui para que iniciassem a Igreja quando ele fosse embora. Talvez, assim como eu, ele sentisse necessidade de tê-los por perto enquanto ainda estava por aqui.
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SELECIONANDO A PESSOA IDEAL PARA DIVIDIR O PÚLPITO Os melhores parceiros são:
• Ensináveis: Muita gente pode ensinar, mas poucas são ensináveis. Temos de ter a capacidade de trabalhar juntos e aprender um com o outro; • Disponíveis: Eles têm de estar dispostos a encontrar um tempo para reuniões antes e depois do sermão (para planejamento e avaliação). Contatos por e-mail e por telefone não substituem o contato pessoal; • Vigorosos: O processo se torna bastante poderoso quando eles estão empolgados com o assunto e desejosos de aprofundarem-se nele. • Concordáveis: Nesse processo existem inúmeras oportunidades de nos submetermos e de aprendermos um com o outro. No entanto, quando chegamos a um impasse, os parceiros precisam estar dispostos a submeterem-se à decisão do líder.
Sob a perspectiva bíblica, autoridade delegada por Deus é exercida com humildade para o bem dos liderados por Hernandes Dias Lopes
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ric Fromm disse que há dois tipos de autoridade: a imposta e a adquirida. Autoridade imposta é autoritarismo. A verdadeira autoridade é adquirida; conquistada pelo exemplo e não pela força. A autoridade é legítima, natural e agradável; o autoritarismo é imposto, é ameaçador, produz tensão e medo. O autoritarismo é o modelo de liderança autocrática e despótica. Nesse estilo de liderança o povo tem medo, vive sob pressão, pois o líder se sente dono do povo e não servo do povo. A liderança bíblica, porém, coloca a pirâmide em ordem invertida. O reino de Cristo é um reino de ponta-cabeça. Ser grande é ser pequeno; ser senhor é ser servo; ser o maior é ser servo de todos. A igreja de Deus só tem uma cabeça, Jesus Cristo, e sua liderança foi timbrada pelo serviço. Não há espaço para caudilhos na igreja de Deus. Liderança cristã não é exercida segundo o modelo do mundo, mas segundo o exemplo de Cristo. Jesus disse que o estilo de liderança do mundo é inspirado na autoridade imposta: Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade (Mc 10.42). Porém, a autoridade na igreja deve ser diametralmente oposta: Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser ser o primeiro entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos (Mc 10.43,44). Jesus arremata o assunto, dando seu testemunho pessoal: Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.45). Há uma crise de autoridade no mundo, desde o cimo da pirâmide até sua base. Desde os governantes até os governados. A crise mais aguda que presenciamos é a de integridade. Há líderes fortes em influência, mas fracos em ética. Têm muito poder nas mãos, mas nenhuma consistência moral. Líderes que se servem do povo em vez de servi-lo. Líderes que se abastecem do poder em vez de usá-lo para promover o bem dos liderados. Essa caricatura de autoridade está se aninhando também dentro das igrejas. Há líderes que têm muito poder e pouco compromisso com a ética cristã. Governam o povo com rigor desmesurado e assentam-se na cadeira dos privilégios, esquecendo-se que o maior de todos os líderes, Jesus Cristo, não veio para ser servido, mas para servir. Sob a perspectiva bíblica, autoridade delegada por Deus é exercida com humildade para o bem dos liderados. No reino de Deus, o conceito de autoridade muda profundamente. Maior é o que serve. Aquele que quiser ser o maior de todos, deve servir a todos. Isso não significa confusão ou anarquia. Não significa que o líder vai deixar de lado suas prerrogativas e suas funções.
Significa que, ao usar a bacia e a toalha como símbolos de sua autoridade, vai impactar seus liderados não pela força, mas pelo exemplo.
IDENTIFICANDO E ENFRENTANDO OS CONFLITOS A liderança lida com tensões. É impossível governar bem sem a habilidade de administrar conflitos. Normalmente, os conflitos acontecem quando os líderes ou os liderados exorbitam de suas funções. Na liderança da igreja, os conflitos aparecem quando o pastor tenta governar a igreja sem ouvir os seus presbíteros e diáconos e também quando não tem clareza para onde caminha, deixando o povo confuso. O pastor precisa ter uma visão clara e deve comunicá-la com precisão. Necessita ter a humildade de receber contribuição e estar disposto a aperfeiçoar seu projeto quando alguém lhe apresenta uma ideia melhor. Vivemos hoje uma tendência para o culto à personalidade. Há pastores que querem ser tratados na igreja como astros de cinema. Buscam os holofotes e se colocam acima do rebanho. Querem ser servidos em vez de servir. Querem o bônus do ministério e não o ônus. Tratam a igreja como uma empresa familiar, cujo fim último é o lucro. Outro conflito muito comum na liderança da igreja é a síndrome do dono de igreja. Há líderes que se posicionam como Diótrefes, o homem que se sentia ameaçado com toda pessoa nova que chegava à igreja. Em vez de ser um facilitador, era um estorvo (3 João 1.9,10). A igreja não é do pastor nem dos presbíteros. A igreja é de Deus. Precisamos liderá-la com habilidade vinda de Deus, com a humildade de Cristo e no poder do Espírito Santo. Na igreja de Corinto, havia quatro grupos: Uns se diziam de Paulo, outros de Pedro, outros ainda de Apolo e outros de Cristo. Paulo coloca o machado da verdade na raiz dessa insensata tendência, perguntando: Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento (1 Co 3.5-7). Na igreja de Deus, todos nós somos nivelados no mesmo patamar. Somos todos servos. Na igreja de Deus não há chefes, caudilhos, donos. O único dono da igreja é o Senhor Jesus. Aquele que comprou a igreja tem cicatrizes nas mãos. O líder precisa ser uma pessoa humilde. Por ser um servo de Deus, não se melindra com as críticas nem depende dos elogios para fazer a obra. O líder cristão tem coragem de pedir desculpas quando erra, tem a humildade de aprender com a experiência dos outros e tem a disposição de valorizar mais os outros do que a si mesmo. A igreja não pode ser uma feira de vaidades – e
O que não quero fazer é tentar manipular as pessoas (...) Quero usar a autoridade genuína a fim de fazer germinar nas pessoas o desejo pelas coisas mais nobres
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há muitos conflitos oriundos de vaidade pessoal. A igreja não pode ser uma passarela onde os líderes expõem sua mania de grandeza. O Senhor da igreja cingiu-se com uma toalha e lavou os pés dos discípulos numa bacia. A humildade é o pórtico da honra. Um líder nunca é tão grande como quando se cobre com as vestes da humildade. Tenho pregado em mais de oitocentas igrejas no Brasil, de diferentes denominações. Tenho conversado com centenas de líderes e tenho ouvido os lamentos de muitos liderados. Quando entabulo esses dados, chego às seguintes conclusões: A primeira é que há muitos líderes não convertidos no ministério. Há pastores que pregam o evangelho ao povo, mas nunca foram transformados por esse evangelho. Tornaram-se profissionais da religião. Alguns até ocupam postos de destaque na denominação e aprendem todos os cacoetes da religiosidade, mas jamais experimentaram o toque regenerador do Espírito Santo. Jesus tinha no seu seleto grupo de 12 apóstolos, um que apenas mantinha as aparências. Judas Iscariotes gozava o privilégio de ser o tesoureiro do grupo. Saiu, certamente, muitas vezes para falar das boas-novas de salvação para outras pessoas. Viu e ouviu as coisas mais extraordinárias saindo dos lábios de Jesus. Estava acostumado com o sagrado, mas era um ladrão. Os filhos de Eli eram sacerdotes, mas eram adúlteros e filhos de Belial. Esse é um risco solene: pregar as boas-novas de salvação aos perdidos e ainda ser um perdido. Segunda conclusão: há muitos líderes não vocacionados no ministério. O apóstolo Paulo testemunhou para os presbíteros de Éfeso que recebeu o seu ministério do Senhor Jesus (At 20.24). John Jowett, em seu livro O pregador, sua vida e sua obra, disse que muita gente confunde o que é vocação. Em virtude de não ter conseguido uma vaga na universidade para fazer Medicina, Direito ou Engenharia, chega à brilhante conclusão de que está sendo chamado para o ministério. Até alegam: todas as portas estavam fechadas, então vi aberta a porta do ministério. Vocação é o contrário disso: o indivíduo vê todas as portas abertas, mas só enxerga a porta do ministério. Vocação é como algemas invisíveis. O chamado de Deus é irresistível. Terceira: há muitos líderes preguiçosos na obra. Há muita gente que está na liderança, Hernandes Dias mas não sua a camisa. Gente que dorme em Lopes é diretor executivo da berço esplêndido. Gente que está à frente da LPC Comunicações, igreja para se locupletar, em vez de pastorear escritor e Doutor em Ministério pelo o rebanho. Gente que busca os favores e não Reformed Theological os labores. Liderança é serviço. O líder cristão Seminary, de é servo. O pregador, por exemplo, é chamado Mississippi (EUA)
para pregar a Palavra, para se afadigar no estudo da Palavra. Não podemos nos alimentar de leite magro e destilar alimento sólido no púlpito. Não podemos abastecer o povo com o Pão do Céu com o vazio da nossa mente e a frouxidão dos nossos braços. Quarta conclusão: há muitos líderes doentes emocionalmente no ministério. Há líderes que deveriam estar sendo tratados e que estão cuidando do povo. O pastor precisa cuidar de si mesmo e, só depois, apascentar o rebanho (At 20.28). O líder precisa cuidar de si mesmo para não repetir os mesmos erros que reprova na vida do povo. O líder precisa viver de forma coerente. Precisa cuidar de si mesmo para não se tornar uma pedra de tropeço para o povo. Se a vida do líder é a vida de sua liderança, os pecados do líder são os mestres do pecado. Os pecados do líder são mais graves, mais hipócritas e mais danosos do que os pecados das demais pessoas. Mais graves porque o líder peca, tendo contra si um maior conhecimento; mais hipócritas, porque o líder combate o pecado em público e, às vezes, o pratica em secreto; mais danosos, porque quando o líder tropeça, mais gente é atingida. Quinta conclusão: há muitos líderes confusos doutrinariamente. Um líder precisa ter convicção acerca do que crê, ensina e vive. Há líderes que mudam de posição doutrinária a cada congresso que participam. Há outros que mudam o rumo na ação pastoral a cada proposta que escutam. Se os próprios líderes estão confusos, quanto mais os liderados! Sexta conclusão: há líderes que alimentam o povo com a palha das tradições humanas, em vez de dar-lhes o trigo da verdade. Colocam fardos e mais fardos sobre o povo, preceitos e mais preceitos. Tornam a vida cristã um peso insuportável, quando Jesus veio para dar alívio. Sétima conclusão: há líderes que olham a igreja como um grande negócio. Abrem igrejas como se abre franquias. O propósito não é a salvação dos perdidos, mas a arrecadação de gordas somas. Fazem do ministério um comércio e desengavetam as indulgências da Idade Média, mercadejando a Palavra de Deus. Finalmente, há líderes vivendo em pecado no ministério. Gente que já perdeu o temor de Deus, que tem a consciência cauterizada. Só vão parar quando forem flagrados. Como o sumo sacerdote Josué, estão no altar, mas com vestes sujas (Zc 3.1-3).
A igreja não é do pastor nem dos presbíteros. A igreja é de Deus. Precisamos liderá-la com habilidade vinda de Deus, com a humildade de Cristo e no poder do Espírito Santo
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REGRAS DE BOA CONVIVÊNCIA O relacionamento humano precisa ser pautado por princípios mais do que por regras. Esses princípios são: Primeiro, da fidelidade com responsabilidade. Não podemos trabalhar juntos sem acordo. Não podemos ser um time, se jogamos contra o patrimônio. Não logramos êxito se não confiamos
AUTORIDADE SEM AUTORITARISMO
uns nos outros. A integridade e a confiança mútua são a argamassa da boa convivência. Paulo denuncia, no final de sua vida, o abandono de Demas (2Tm 4.10) e a traição de Alexandre, o latoeiro (2Tm 4.14). A classe pastoral, infelizmente, é pouco unida. Há desconfiança. Por isso, muitos líderes lidam com a multidão, mas vivem na solidão. Cuidam dos outros, mas não são cuidados. Têm medo de abrir o coração, com o propósito de serem mentoreados, porque já sofreram decepções. Os líderes de uma igreja são diferentes uns dos outros, mas precisam trabalhar a unidade na diversidade. Eles não estão competindo, mas cooperando uns com os outros. A igreja é o espelho da sua liderança. Líderes que semeiam a desconfiança colhem conflitos na comunidade. O segundo princípio é o exercício da verdade em amor. A verdade sem amor torna-se dura como o granito; porém, o amor sem a verdade tem consistência gelatinosa. Muitos líderes deixam pequenos problemas tornarem-se problemas gigantescos, porque lhes falta a habilidade de confrontar na hora certa, a pessoa certa, com a dosagem certa. Vivemos hoje, tristemente, a realidade da busca do carisma sem o caráter, da performance sem a ética, de resultados sem a integridade. A igreja evangélica brasileira, em muitos redutos, rendeu-se ao pragmatismo filosófico. Está interessada naquilo que funciona e não na verdade. Busca resultados e não integridade. Está atrás daquilo que dá certo e não do que é certo. O terceiro, da honra com prestação de contas. Precisamos honrar as pessoas que trabalham conosco. Precisamos valorizá-las pessoalmente e também em público. Isso não significa elogiar quando se deveria confrontar. O confronto deve ser reservado, mas o elogio deve ser em público. Os líderes resolvem suas tensões de forma discreta, mas proclamam seu apreço de forma pública. Um líder cristão precisa ter uma vida íntegra e transparente. Precisa prestar contas de suas ações. Cresce o número de pastores e líderes que enriquecem às custas do evangelho. Fazem da igreja uma empresa, do evangelho um produto, do púlpito um balcão, do templo uma praça de negócios e dos crentes consumidores. O fim último é o lucro. Esses líderes não aceitam confronto nem prestam contas à comunidade. Colocam-se acima da ética. O quarto princípio é o respeito à individualidade. Embora sejamos um corpo, temos diferentes membros. Embora trabalhemos juntos na mesma causa, com o mesmo propósito, somos diferentes em personalidade, temperamento e dons. A diversidade não destrói a unidade, antes é sua multifária beleza. Os líderes que abafam as outras lideranças, e colocam-se em um pedestal, estão na contramão da liderança bíblica. Um verdadeiro líder é aquele que descobre novos líderes e investe neles. Não faz uma carreira solo, mas forma uma orquestra e comanda com sua batuta esses valorosos instrumentos. Moisés treinou Josué. Elias treinou Eliseu. Paulo treinou Timóteo. Jesus deixou doze homens para levar o evangelho até aos confins da terra. Nós precisamos seguir essa mesma esteira! O quinto, a disposição de abrir mão das próprias ideias para abraçar ideias melhores. Não somos infalíveis. Não temos a última palavra. Muito embora tenhamos sonhos e projetos,
precisamos estar abertos a olhar para a vida na perspectiva do outro. Devemos desistir dos nossos sonhos para abraçar novos projetos, se estes são melhores do que os nossos sonhos. Não podemos negociar o inegociável. Porém, precisamos ter coragem de mudar os métodos. Sabedoria é escolher os melhores processos para alcançarmos os melhores resultados. Precisamos ser fiéis e também relevantes.
QUANDO CEDER E QUANDO ENFRENTAR Liderança é a arte de negociar. Um líder é um articulador, alguém que tem a capacidade de lidar com polos opostos e costurar alianças. Um líder é um influenciador: transforma conflitos em reuniões de fraternidade e crises em oportunidades. Uma coisa que o líder não pode negociar é a verdade. É ledo engano cair nas teias do pragmatismo. O líder cristão não subscreve a ética de que os fins justificam os meios. Ele trabalha com valores absolutos, com princípios absolutos, com a Palavra absoluta de Deus. Hoje, há muitos líderes sacrificando a convicção no altar da conveniência. Gente que abandona sua fé para alcançar os favores imediatos do lucro. Gente que prefere os aplausos do mundo em vez da aprovação de Deus. Sou pastor há 30 anos. Já lidei com tensões na liderança, porém, sempre com respeito às pessoas e sensibilidade à visão dos demais líderes. Pela graça de Deus, sempre olhei para meus líderes como meus grandes amigos. Sempre procurei honrá-los. Mesmo quando tinha discordâncias pessoais, jamais permiti que essas diferenças fizessem sombras no relacionamento interpessoal. Ninguém perde em ser humilde. Quando nos humilhamos, Deus nos exalta. Quando honramos a Deus e valorizamos as pessoas que trabalham conosco, a obra fica mais leve e o trabalho alcança resultados mais promissores.
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Os baby boomers queriam pastores que fossem competentes e eficientes. A nova geração está em busca de algo muito diferente por Kevin A. Miller
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ormalmente, os baby boomers [termo que se refere à geração nascida nos primeiros 20 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial], como eu, costumam questionar-me acerca de resultados: “Quantas pessoas compareceram ao culto da noite?”. Os da chamada Geração Y [termo usado para designar os nascidos entre o ano de 1980 e 2000], querem relacionamento: “Que tal nos encontrarmos na terça?” Quando levamos disciplina pastoral, ainda que em amor, a um baby boomer, de uma maneira geral, ele tenta esquivar-se dela; quando fazemos o mesmo com um representante da Geração Y, a tendência é ele se aproximar ainda mais do pastor e da igreja. Os baby boomers comparecem a aulas e a programas; os da Geração Y querem relacionamento e treinamento. Ambos participam de retiros. Enquanto os baby boomers esperam que seus líderes eclesiásticos sejam relavantes, competentes e eficientes, a nova geração está em um busca de um novo tipo de ministro. Em minha igreja, 80% dos adultos está abaixo dos 40 e eles parecem esperar que eu seja firme, maduro e presente (do ponto de vista relacional) – querem é que eu seja um pai espiritual. Tudo isso me tem levado a repensar minha forma de conduzir meu ministério. Volto-me, então, para as Escrituras, pois o que está em jogo é muito mais do que a preferência por essa ou por aquela geração, mas a minha própria identidade pastoral. Tem a ver com a resposta que nós, pastores, 42 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
damos à seguinte pergunta: Quem sou e o que eu deveria estar fazendo?
CRISE DE IDENTIDADE PASTORAL Os anos 1970, época em que os baby boomers começaram a se formar no seminário, os pastores deram início a um processo de mudança: deixaram de ser “pastores de ovelhas” para se tornarem “líderes”. Agora, a figura do líder-CEO da igreja é rejeitada por muitos. Mas o que irá substituí-la? Os pastores parecem perdidos, sem muita direção para responder à pergunta fundamental: Qual é o meu papel? Prefiro uma resposta antiga. É o que os cristãos do terceiro século chamavam de pai espiritual, abba (ou mãe espiritual, amma). Nessa época, quando os jovens cristãos zelosamente perseguiam o ideal de uma vida de oração, sabiam que, em meio às ardentes tentações, precisavam encontrar sábios conselhos. Para isso, recorriam a seus pais espirituais. Para mim, o caminho a seguir, como pastores, na atualidade, envolve o tornarmo-nos pais e mães espirituais. É uma resposta que encontra eco nas Escrituras, na tradição cristã e nas aspirações de nosso tempo. Desempenhar esse papel depende de maturidade espiritual, o que vem da oração e da experiência; de um conhecimento íntimo da vida e da condição espiritual da outra pessoa, e da habilidade de dizer a verdade, em amor, de uma
forma bastante pessoal: consolando os desanimados e amparando os fracos (1 Ts 5.14 e 15). Essa é a forma primordial com que a fé deve ser passada adiante: os mais velhos ensinam aos mais jovens (Pv 3.1 e 2); os pais passam conceitos aos filhos (2 Tm 2.1 e 2; Tt 1.4); as mulheres mais velhas treinam as mais jovens (Tt 2.4 e 5). Além disso, a questão da paternidade espiritual transcende o atual debate sobre o papel dos pastores – se devem ser pastores de ovelhas, líderes, agentes de transformação cultural ou qualquer outra coisa. Como um pai ou mãe espiritual, você se liberta desses modismos; não gasta anos investindo em um modelo ministerial que, em breve, estará ultrapassado. Na verdade, com o passar do tempo, seu trabalho se torna ainda mais vigoroso e não o contrário. Esteja como estiver o seu ministério, considere o que significa ser um pai ou mãe espiritual. A seguir, estão três tipos de mudanças que tenho implementado e nas quais, com a prática, tenho-me aperfeiçoado.
DE ESTAR “ANTENADO” A TER PROFUNDIDADE ESPIRITUAL Em um artigo publicado na revista Cristianismo Hoje, o autor norte-americano Brett McCraken, escreve: “Os cristãos alternativos de hoje [...] procuram [manter-se] compatíveis, e não contrários, à contracultura secular. Sua missão é a de dar novos significados à própria crença, para que se torne, se não totalmente desprovida de seus próprios significados, ao menos associada com tudo aquilo que anteriormente era considerado oposição: arte, pensamento acadêmico, política liberal, moda, e por aí vai”. Isso inclui: “tanto envolver a comunidade na luta por justiça social e pela preservação ambiental como usar as modernas tecnologias de comunicação e relacionamento virtual – e, até mesmo, patrocinar visitas a cervejarias e conviver bem com palavrões”. Não sou contra o líder estar atento às mudanças culturais. Para muitas pessoas, hoje em dia, a chamada cultura pop é a sua cultura, logo, conhecê-la pode ser um ato de Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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amor. Mas ser um pai espiritual significa o mesmo que não estar integralmente conectado com as coisas desse tempo. Isso porque, por definição, os pais, são velhos e nada modernos, o que muito me dói. Passei boa parte dos meus 40 e poucos anos rejeitando a minha idade e não querendo deixar de ser popular ou de estar em dia com as novas tendências. Entretanto, buscar apenas o estar “conectado” com a modernidade é o mesmo que perder o poder espiritual. Quando tudo o que se lê, assiste e ouve é o mesmo que todo mundo está lendo, assistindo ou ouvindo, não se tem mais nada a dizer. Ora, se é verdade que sempre reproduzimos aquilo que somos, porque deveríamos nos preocupar mais em parecer “antenados” com o que “está rolando” do que demonstrar real profundidade? Por que trocar o que é eterno pelo que é moderno? Será que não estamos querendo pagar o alto preço de nos tornarmos pessoas com real profundidade espiritual? Martinho Lutero (1483-1546) disse, certa vez: “O que forma um ministro é a oração, a meditação e a tentação”. Não menosprezemos o valor desse terceiro ingrediente, pois é através dele que nos aprofundamos na fé, na medida em que escolhemos o caminho da cruz, pois é quando falhamos que aprendemos sobre quebrantamento. O que as pessoas mais precisam ver em seus pastores é alguém que passou pelo sofrimento e que dele saiu como alguém ainda melhor, com fé, esperança, e amor intactos. É isso que um pai ou mãe espiritual pode oferecer. Mas não posso fazer isso sem uma vida de oração. Em nossa igreja, pedimos que todos os pastores passem, pelo menos, um dia em oração por mês. Mas, nesse tempo em que vivemos sob a tirania das urgências, é tentador gastar esses momentos colocando em dia a caixa de e-mails. Então, temos de perguntar uns aos outros: “Já tirou seu dia de oração? É a partir da oração, da meditação e da tentação que poderei ou não demonstrar meu íntimo conhecimento acerca da cultura contemporânea. Mas posso, também, demonstrar interesse genuíno por cada pessoa assim como por sua cultura. Posso não ter assistido ao último lançamento dos cinemas, mas, se não o fiz, direi: “Não, ainda não assisti, mas me dê a sua opinião sobre o filme”. Porque mais do que falar a respeito de um filme, as pessoas querem contar sobre suas vidas, querem que eu as ouça e me importe com coisas do tipo: “Minha mãe está vindo me visitar semana que vem” ou “Meu sobrinho ainda está na UTI”. O poder de ouvir, com compaixão, não vem da relevância, mas da profundidade.
vez de pastorearem (ou seja, de usarem essa forma antiquada de cuidar de animais), deveriam aprender sobre a eficiência das fazendas modernas. Imagine-se dirigindo sua picape e passando pelo meio de seu vasto rebanho. Mas, se em algum momento, qualquer membro de igreja desejou ser tratado como gado de corte, a geração atual definitivamente não quer isso. O sociólogo Christian Smith e outros pesquisadores nos informam que os jovens adultos da atualidade trilham um longo e acidentado caminho até a maturidade. “Há um novo e importante estágio de vida na atual cultura norte-americana”, escreve ele, em artigo publicado na revista Books & Culture, dos EUA. “É o que os estudiosos chamam de ‘vida adulta emergente’, o período entre os 18 e os 30 anos”. Uma vez que não se sentem plenamente maduros, esses adultos emergentes, em minha igreja, anseiam por pais e mães espirituais que os ajudem a chegar lá. Ser pai e mãe não é uma tarefa a ser realizada em grandes grupos; poucas famílias têm mais de oito filhos. Por isso, em minha igreja, tenho feito experimentações com o que chamo de “Conversas Transformadoras”, o que envolve gastar algum tempo ouvindo outra pessoa e, então, ajudá-la a criar um plano de crescimento espiritual para o ano seguinte – as mulheres maduras estão começando a fazer o mesmo com as mais jovens. Geralmente, isso começa com duas conversas de cerca de 90 minutos até que eu sinta que conheço a alma daquela pessoa a ponto de oferecer-lhe alguns convites pastorais. Em uma dessas conversas recentes, falei honestamente sobre vocações, dinheiro, relacionamentos e casamento com um jovem. Quando terminamos, ele disse: “Já que eu minha esposa frequentamos os cultos regularmente, servimos à igreja e contribuímos financeiramente, seria fácil concluir que estava tudo bem conosco. Mas eu precisava de pastoreio também. Não me sentia plenamente pastoreado até esse momento”. Às vezes, olho para a quantidade de tempo que essas conversas me tomam e penso: “Isso é doloroso, lento e ineficiente”. Mas a dura realidade é que a paternidade espiritual não é algo que você possa acelerar, colocar no micro-ondas, fazer um gráfico, escrever no quadro branco, medir ou pesar. Nada substitui o ser conhecido por outra pessoa. Paternidade espiritual é o mesmo que vivenciar uma intimidade espiritual significativa. Muita gente têm dito que essas conversas estão mudando suas vidas, mas ainda que nada dissessem, de uma coisa teria certeza: elas estão mudando a minha. Na medida em que ouço alguém falar de si, em profundidade, eu começo a me importar com ela e não consigo deixar de apresentá-la a Deus, em oração.
A paternidade espiritual não é algo que você possa acelerar, [...] medir ou pesar. Nada substitui o ser conhecido por outra pessoa
DA EFICIÊNCIA À INTIMIDADE Os movimentos que preconizavam o “crescimento da igreja” nos anos 1970 e 1980 ensinaram aos pastores que, em 44 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
DE GENTE BOA A PAI ESPIRITUAL
Mas existe uma pergunta a ser feita: Será que essa forma de ministério tão “ineficiente” significa o mesmo que limitar o crescimento da igreja? Depende. A resposta para mais ovelhas são mais pastores – o que a Bíblia chama de “presbíteros” (1 Pe 5), “pais” (1 Jo 2), ou “mulheres mais velhas” (Tt 2). Assim, seu crescimento está limitado ao número de pastores, sejam leigos ou ordenados, que estejam aptos a fazer esse trabalho. Normalmente, procuro, para essa função, pessoas espiritualmente maduras – normalmente, na segunda metade da vida, embora isso não seja uma regra –, que sejam boas ouvintes, confiáveis, amorosas e capazes de trabalhar pela restauração de pessoas, com mansidão (Gl 6.1).
DE SER “GOSTÁVEL” A SER “RESPEITÁVEL” Sei que sou diferente de qualquer pessoa que já ingressou no ministério, mas gosto que gostem de mim. Pena que, de vez em quando, as “crianças” da igreja precisem de disciplina, o que, geralmente, significa que não gostarão mais de mim (pelo menos por um tempo). O que me ajuda nesses momentos é saber que, embora as pessoas se ressintam da disciplina eclesiástica e a rejeitem, no fundo, sabem que precisam dela. E, mesmo que não gostem de ser disciplinadas (ou deixem de gostar de mim), ser um pai espiritual também significa que preciso correr o risco e mergulhar de cabeça na tarefa de levar direção e disciplina aos filhos espirituais, em amor. Houve uma situação em que tive de pedir a outro membro que parasse de participar da Santa Ceia por algum tempo, o que foi bastante doloroso para mim e para ele. No entanto, geralmente, a disciplina não é tão formal e pública. Na verdade, é uma palavra dada no intuito de corrigir a pessoa quando ela começa a desviar-se do caminho, mas ainda não saiu completamente da estrada. Quando as pessoas sentem que a correção que você lhes está trazendo é fruto do amor que sente por elas e do fato de conhecê-las, a grande maioria não apenas aceita ser corrigida como cresce por meio desse processo. Às vezes, penso: “Porque as pessoas permanecem na igreja?” Minha teoria é que elas jamais conheceram um mundo sem pornografia na Internet e sem o acesso fácil a forças tão poderosas para levá-las ao pecado. No fundo, estão dizendo: “Por favor, proteja-me das forças que estão ficando fora de controle em minha vida e que ameaçam me consumir”. A disciplina, quando administrada junto com o cuidado, faz com que as pessoas se sintam amadas e seguras. É como diz o autor norte-americano Robert Frost, em seu livro Our Heavenly Father [sem edição em português, cujo título, em tradução livre, significa Nosso Pai Celestial]: “A necessidade básica que temos de nossos pais é a autoridade afetuosa”.
TORNANDO-SE UM PAI OU MÃE ESPIRITUAL Não quero oferecer apenas um paradigma acerca da paternidade espiritual. Por isso, aqui vão algumas dicas práticas para ingressar nela. Creio que serão de grande ajuda.
1- Avalie o custo. Como pai espiritual, há muita coisa que posso perder, como a capacidade de estar “antenado” com tudo o que há de mais moderno na atualidade e a “eficiência”. As pessoas também podem deixar de gostar de mim (durante a correção e a disciplina), posso perder o título de “pastor de igreja que cresce rapidamente” e, além disso, a paternidade me prende àquela comunidade, pois os filhos precisam de um pai que permaneça a seu lado. Avaliemos, então, o custo. Há muito o que ganhar sendo um pai ou mãe espiritual. Nessa atividade, adquire-se profundidade, intimidade e respeito. Que alegria é ter um filho espiritual e receber uma ligação ou mensagem no Facebook na qual ele simplesmente te conta como as coisas estão, fala de uma preocupação específica ou informa um motivo de gratidão. É o equivalente, espiritualmente falando, a ver uma criança chegar em casa com um desenho que fez na escola, e você, orgulhosamente, colocá-lo em exposição na porta da geladeira. 2- Tenha você também um pai ou mãe espiritual. Quando ainda estava no Ensino Fundamental, meu pai demorava duas horas para ir de casa para o trabalho e vice-versa. Nesses anos, tão cruciais para a formação do ser humano, jamais sentei à mesa com meu pai para uma refeição de segunda a sexta-feira. Isso deixou um buraco em minha alma e, muita vezes, questionei-me: Como posso ser pai de outros quando nem ao menos sei o que é ter um pai? A resposta nasceu em um momento de crise. Quando cheguei perto de completar 40 anos, comecei a questionar o significado de algumas coisas. Minha mulher, finalmente, disse: “Não posso te ajudar. Porque não procura o Doug?” Assim começou uma jornada de 11 anos, na qual, eu e Doug, encontramo-nos, praticamente, todos os meses. Doug me ouve, faz perguntas, ora por mim. Duas vezes, ao longo desses anos, ele me advertiu quanto a uma decisão que eu estava por tomar. Mas, na maioria das vezes, ele apenas esteve ali e, de alguma forma, silenciosa e misteriosamente, sua presença firme e acolhedora tem-me fortalecido na tarefa de cuidar de outras pessoas. 3. Repense sua agenda. Provavelmente, você já tem em mente um pequeno grupo em quem percebe a existência de interesse pelas coisas espirituais e que poderão se tornar pais espirituais para outras pessoas (2 Tm 2.2), se você começar a cuidar deles. Então, gaste tempo conhecendo-os, apareça, seja uma presença firme e constante em suas vidas. Encontro após encontro, você, paulatinamente, conhecerá a alegria que Charles Spurgeon (1834-1892) expressou, certa vez: “Que posição pode ser mais nobre para alguém do que essa de pai espiritual, o qual, apesar de não requerer para si autoridade, é universalmente estimado, cujas palavras são ditas apenas como um terno conselho, mas que as pessoas permitem que opere nelas com força de lei? [...] Amavelmente firme, graciosamente gentil, é o chefe de todos, pois é servo de todos”. Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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O QUE A PRÓXIMA GERAÇÃO PRECISA Liderar a Geração Y requer o exercício de um tipo diferente de liderança
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les são a geração com a melhor formação acadêmica, a mais eclética e, surpreendentemente, a mais “conectada” de toda a história. Eles formam a chamada Geração Y, terminologia usada para definir os jovens nascidos entre os anos de 1980 e 2000. Eles estão começando a casar, a ingressar no mercado de trabalho e a assumir o controle do mundo. Trata-se de uma geração esperançosa. Pergunte-lhes se acreditam que poderão fazer algo realmente grande ao longo de suas vidas e 96% deles responderá que sim. Apesar disso, a maioria defende que o sucesso pessoal é secundário se comparado à tarefa de ajudar a comunidade e fazer coisas que levem a um bem maior. Mas essa geração cheia de esperança carece de fundamentos espirituais sólidos sobre os quais devem alicerçar suas expectativas. Apenas um em cada quatro deles frequenta uma igreja semanalmente e quase dois terços não participa de qualquer atividade religiosa, e, por isso, alcançá-los representa um singular desafio para os líderes cristãos. Enquanto as gerações passadas tendiam a priorizar o engajamento nas atividades eclesiásticas, a atual exige saber o propósito por trás de cada ação. Para aqueles que pertencem à Geração Y, apenas frequentar a igreja não equivale ao mesmo que ser crente. Assim, sendo, somente estarão presentes aos cultos se virem essas reuniões como uma parte significativa de suas vidas. As gerações passadas também se incomodavam menos com a questão da uniformidade. O senso de homogeneidade defendido pelo movimento de crescimento da Igreja funcionou bem com os chamados baby boomers (a turma nascida entre 1946 e 1964) e os builders (que antecederam essa geração). Mas a Geração Y prefere os grupos heterogêneos e, talvez por isso, seja impulsionado pela diversificação de nossa cultura.
REMIX DE AUTORIDADE Assim, não é de se estranhar que o conceito de liderança dessa nova geração tenha mudado. A Geração Y não rejeita a ideia de autoridade, mas já redefiniu como ela deve ser exercida: é o fim da era das hierarquias bem definidas; eles tendem a seguir líderes que tenham capacidade de transformação – e aqueles que não tenham medo de colocar a mão na massa. Em vez de dizer aos mais jovens qual é o quadro geral da situação, esses líderes permitem que os seguidores ajudem a mostrá-lo. Pessoas assim inspiram seus liderados a conquistarem um objetivo comum, aquele que se desenvolve por meio de uma visão que é partilhada entre todos. Nesse ambiente, equipar e treinar é mais importante do que simplesmente apontar o caminho a seguir. Com estruturas mais frouxas, o que sobra delas não é um fim em si, mas um meio de ajudar as pessoas a se tornarem discípulos. Liderar os membros
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da próxima geração requer um compromisso de servir lado a lado com eles, não dando ordens de cima para baixo. Não adianta apelar para a autoridade posicional, pois ela nada diz aos jovens. Os líderes precisam assumir a responsabilidade de potencializar as vidas de seus liderados. Seu dever, como autoridade, é sacrificar-se em favor deles.
EXPRESSÃO PESSOAL E UNIDADE CORPORATIVA A Geração Y valoriza as igrejas em que as pessoas são capacitadas a usar seus dons individuais em um corpo unificado. Claro que sempre existe a tensão entre a expressão individual e a unidade do corpo, mas essa geração quer as duas coisas. Eles se recusam a sentar fora do campo e apenas assistir à partida; querem jogar, fazer parte da ação. Caso contrário, irão embora. Uma igreja que não ofereça oportunidades à próxima geração será considerada chata, na melhor das hipóteses, e desobediente, na pior delas. Diferentemente dos estereótipos, a nova geração – pelo menos a maioria dela – não tem medo de trabalho duro. Na verdade, uma das melhores formas de mantê-la engajada em uma tarefa é mostrar-lhes uma visão ampla, que seja digna de devoção, e expectativas elevadas. Essa nova geração tem fome de liderança, mas o tipo correto. Os líderes das igrejas devem alcançá-los sem tentar vender-lhes algo. Inspiradas nos mais jovens, as gerações anteriores precisam se desvencilhar dos métodos do passado e pensar em si mesmas como missionários enviados ao mundo pós-moderno. Esses líderes precisam demonstrar autoridade sem ser autoritários, devem decidir sem serem dominadores. A nova geração quer ser liderada. Desejam seguir um líder, porém, somente se tiverem a chance de fazer diferença. Portanto, promova a unificação desse grupo com as gerações anteriores e dê a eles significativas oportunidades de participar da obra de Deus neste mundo.
— Sam S. Rainer III é presidente do instituto Rainer
Research.
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Cristãos em fuga
VIDA AGITADA E ‘TRANSTORNADA’ Uma pesquisa realizada na região metropolitana de São Paulo revelou a associação entre a vida em uma megacidade e a incidência de transtornos psiquiátricos nos moradores. O estudo, liderado pela Dra. Laura Helena Andrade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que cerca de 30% dos 5.037 adultos pesquisados apresentaram um transtorno mental nos 12 meses anteriores à entrevista, sendo que 10% do total eram de casos considerados graves. Os transtornos mais comuns registrados pelo estudo foram: ansiedade (19,9% dos entrevistados), transtornos de humor (11%), controle de impulsos (4,3%) e transtornos gerados por consumo de substâncias (3,6%). Segundo a pesquisa, a maior exposição ao crime nas grandes cidades foi associada com todos esses tipos de transtorno avaliados. Ao comparar com dados de outros estudos semelhantes, os pesquisadores constataram que os adultos que vivem na Região Metropolitana de São Paulo têm prevalência de transtornos mentais em níveis ainda mais elevados do que os encontrados em pesquisas feitas em outras áreas do mundo. O estudo foi publicado na PLoS ONE, uma revista científica feita pela Public Library of Science (PLoS, sigla que designa a Biblioteca Pública de Ciências) – projeto sem fins lucrativos criado em 2001 que tem o objetivo de reunir as revistas científicas e publicações afins dentro do modelo de licenciamento de conteúdo aberto (Creative Commons). (com informações de UOL)
Os cristãos já representam quase metade dos emigrantes do mundo. É o que diz uma pesquisa intitulada Fé em Movimento, do instituto norteamericano Pew Forum on Religion and Public Life. Das 214 milhões de pessoas que vivem fora de seus países de origem, cerca de 106 milhões (49,53%) são cristãs que saíram principalmente de nações como México, Rússia, Ucrânia, Grã-Bretanha, Filipinas, Romênia, Polônia, Alemanha, Itália e Índia. O número de cristãos emigrantes é quase duas vezes maior que o de muçulmanos, que, segundo a pesquisa, somam 60 milhões (27%) de pessoas que migram de país no mundo inteiro. Muitos especialistas acham que, em termos gerais, as oportunidades econômicas – melhores empregos e salários – são o maior motor individual da migração internacional. Mas, ao mesmo tempo, a religião continua sendo um fator na decisão de algumas pessoas em saírem dos seus países de origem e nas suas escolhas sobre aonde ir, afirma a direção do estudo, que levou em conta as estimativas sobre imigrantes ilegais e refugiados permanentes, como os palestinos e seus descendentes. (com informações de Pew Forum on Religion and Public Life e Folha de S. Paulo) Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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[ INSIGHTS PARA PREGADORES ]
Os grandes introvertidos e extrovertidos
Mais penso, menos creio? Deu na revista norte-americana Science: o pensamento analítico parece diminuir a força da crença religiosa das pessoas, segundo os pesquisadores Ara Norenzayan (foto) e Will Gervais, da Universidade de British Columbia (UBC), no Canadá. O estudo mostra que seus resultados sugerem que o estilo de linha de pensamento pode ser crucial para a crença religiosa. Os participantes do estudo que demonstraram serem guiados pelo pensamento racional têm menor probabilidade de expressar alguma crença religiosa. Por outro lado, pensadores intuitivos são mais propensos a serem religiosos. “Uma explicação para a crença é que ela é baseada em uma série de intuições que temos sobre o mundo que nos rodeia. As pessoas não vêm necessariamente à crença pela razão; a intuição ajuda”, destaca Norenzayan, professor assistente de Psicologia na UBC, o qual garante que o estudo não está dizendo que o pensamento analítico transforma as pessoas e faz com que elas se voltem contra a religião. “Nossas descobertas não sugerem que uma forma de pensar é melhor que a outra. Ambos são importantes e têm prós e contras. [...] A religião é uma grande força no mundo, e sabemos muito pouco sobre ela. Estamos tentando preencher essa lacuna com nosso conhecimento”, comenta Norenzayan. (com informações de reportagem de Alexandra Sifferlin para o site Time Healthland) 48 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
workaholics (viciados em trabalho) é, invariavelmente, o mesmo: tudo o que fazem precisa ser desfeito ou refeito, segundo Geoffrey James, jornalista especializado em negócios, tecnologia e empresas de alta tecnologia. James A revista norte-americana Time fez destaca que seis das dez nações mais uma “pesquisa” – não científica, ela avisa competitivas do mundo – Suécia, – para listar os grandes introvertidos e Finlândia, Alemanha, Holanda, Dinamarca extrovertidos da história humana. Dentre e o Reino Unido – consideram ilegal os introvertidos, incluiu nomes como uma jornada de trabalho semanal maior Moisés, a secretária de Estado norteque 48 horas. O jornalista assinala que americana Hillary Clinton, o fundador da naqueles países não se trabalha 50, 60 Microsoft e filantropo Bill Gates, a freira ou 70 horas por semana como acontece e missionária católica Madre Teresa, o em algumas partes dos Estados Unidos. ativista indiano Mohandas Gandhi, o Geoffrey James recorda que quem magnata americano Warren Buffett, o trabalha demais, produz mal, e, para jogador de beisebol Joe DiMaggio e o piorar, inevitavelmente começa a ter primeiro-ministro da Índia Manmohan problemas pessoais. (com informações Singh. Uma curiosidade: ao citar o líder de Geoffrey James e Inc.com) e libertador do povo de Israel do jugo egípcio, diz que Moisés tinha medo de tornar-se a voz de Deus e que, embora tenha vencido essa barreira, seu extrovertido irmão Arão serviu-lhe de porta-voz. Na listagem de extrovertidos, a publicação incluiu os nomes dos expresidentes norte-americanos Bill Clinton e George W. Bush, os ex-primeirosUma em sete pessoas do planeta ministros britânicos Winston Churchill acreditam que o mundo vai acabar e Margaret Thatcher, o fundador da Apple Steve Jobs, o ex-presidente russo durante o seu tempo de vida – o que representaria um bilhão dentre os sete Boris Yeltsin, a rainha francesa Maria bilhões de habitantes da Terra – e uma Antonieta (que foi casada com o tímido Luís XVI) e o pugilista americano Cassius em dez creem que o fim do mundo se dará em 2012, segundo pesquisa do Clay (rebatizado Muhammad Ali, após instituto Ipsos Global Public Affairs. Dos sua conversão ao islamismo). 16.262 adultos entrevistados (com idades de 18 a 64 anos), cerca de 8% admitiram que sentem ansiedade ou medo porque o mundo está para acabar em 2012. O Ipsos, que não incluiu o Brasil no Já ouviu falar de gente que não levantamento, realizou a pesquisa em 21 dorme mais que cinco horas por dia países: África do Sul, Alemanha, Argene que trabalha demais da conta? Se tina, Austrália, Bélgica, Canadá, China, você é um deles, cuidado: você está Coréia do Sul, Espanha, França, Grã-Breignorando um século de pesquisas as tanha, Hungria, Indonésia, Itália, Japão, quais provam que trabalhar mais de 40 México, Polônia, Rússia, Suécia, Turquia horas por semana reduz a produtividade. e Estados Unidos. (com informações de O resultado da labuta dos chamados Ipsos e Reuters)
Crença no fim
Trabalhando muito e mal
[ ESCRITÓRIO ]
ADMINISTRAÇÃO, RH, LEIS E CONTABILIDADE
Pastor também precisa de descanso
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niciamos, com esse artigo, a apresentação de pequenos textos voltados à administração eclesiástica. Esperamos que eles sirvam de indicação para uma postura saudável na vivência cotidiana de uma igreja enquanto pessoa jurídica, relacionando-se juridicamente e institucionalmente com outras pessoas, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, participantes de seu organismo ou externos à sua constituição. E, nada melhor para começarmos esses diálogos – diálogos sim, porque também queremos ouvir –, do que falar de uma pauta fundamental na boa relação entre igreja e seu pastor local: o descanso. Faz mais dois anos que não saio de férias. Estou cansado! Com essa declaração estava anunciado novo período de “ócio” do p a s t o r- p r e s i d e n t e na igreja onde servíamos na cidade de Santos, no litoral paulista. Esperávamos que nosso amigo vivesse grandes momentos de “não fazer nada” e bons passeios, para desopilar o fígado, priorizando a família. Afinal, pastor também se cansa. É a hora de refazimento e esvaziamento; de aproveitar para organizar algumas gavetas internas; livrar-se de alguns lixos acumulados e, ainda, cuidar da saúde. Férias também é isso: uma fase preparatória para mais um período de grande produção e trabalho. Na verdade, o amigo que estava sainCícero Duarte do de férias gosta do trabalho – aliás, muié autor das obras to trabalho –, e, apesar de não vê-lo como Igrejas na mira da sacrifício, cansa. Lei e Direito para igrejas, pastor Jesus trabalhava muito. Gerenciava um membro da equipe grande grupo de seguidores: “Cadê o aliministerial da Igreja Batista do Parque mento para o povo? O quê? Somente dois Panamericano peixes e cinco pães? Onde está o tesoureiem São Paulo ro? Não fizeram compras para alimentar (SP) e membro da Fraternidade o povo? Vamos dar um jeito nisso!” Jesus Teológica Latinotambém era especialista em RH: “Pedro! Americana (FTL) Está admitido e logo será promovido. Você,
de agora em diante, será pescador de homens”; “Zaqueu, desça já dessa árvore”. Jesus também gerenciava a área de produção: “Rapazes, não pescaram nada! Novamente! Joguem a rede ali onde estou apontando... Isso, ali mesmo”. E a questão tributária? Jesus gerenciava também seu departamento tributário com maestria: “Pedro! Pesque um peixe e encontrarás o valor necessário para pagar nossos tributos!” Poderíamos enunciar inúmeras outras atividades exercidas por Jesus, mas citemos apenas alguns exemplos de seu profissionalismo. Entretanto, Jesus também ensinava, pregava, curava e salvava, e continua ensinando, pregando, curando e salvando, a cada dia, todos os dias. E a Igreja dele, e que com ele é um só Corpo, continua ensinando, pregando, curando e salvando. A Igreja de Jesus continua cumprindo seu ministério somente porque é Jesus quem faz. Faz isso usando sua Igreja. Mas isso cansa! Fomos criados pelo Deus eterno que não se cansa, ao contrário de nossa limitação. Curiosamente, a Bíblia fala que ele “descansou” ao sétimo dia de seu exaustivo trabalho de criação do universo. Depreende-se que, se ele descansou, é porque estava cansado. Aparentemente, temos aí um pequeno problema “teológico”. Todavia, pensemos juntos: Ele é Todo Poderoso e ilimitado e estava criando um ser limitado no tempo e no espaço, e que precisava de momentos de descanso. Esse ser foi criado à imagem e semelhança de seu Criador, de modo que, para entendermos nossa limitação, Deus gentilmente se fez de cansado e... descansou. Precisamos aprender a descansar. Olhe para o Deus eterno que nos criou e também descanse! Observe, caro leitor, que fiz uma abordagem quase pastoral, ao iniciarmos esses diálogos, mas já sinalizando alguns temas que trataremos daqui em diante – aspectos gerenciais, tributários, trabalhistas, contábeis legais de uma igreja. Aguardamos para ouvir você, com dúvidas e sugestões. Grande abraço e até a próxima edição. Contato: direitoparaigrejas@gmail.com
Deus, o Criador, gentilmente se fez de cansado e... descansou. Precisamos aprender a descansar
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[ RECURSOS ] [ LIVRO ]
HERMENÊUTICA - NOVA EDIÇÃO REVISADA Elmer Dyck (editor) Autores: J. I. Packer, Gordon Fee, Eugene Peterson, Craig Gay, Loren Wilkinson, James Houston SHEDD PUBLICAÇÕES
[ LIVRO ]
17 PRINCÍPIOS DO TRABALHO EM EQUIPE John C. Maxwell THOMAS NELSON BRASIL Para formar um ‘time perfeito’, de acordo com o escritor e palestrante John C. Maxwell, o líder deve treinar as pessoas que fazem parte dessa equipe. Para isso, deve estar apto a expressar as qualidades que se espera dos membros de seu time. Dar valor é realmente a essência da atitude de fazer os outros crescerem. É encontrar formas de ajudar os outros a melhorar suas habilidades e atitudes. Alguém que faz os outros crescerem procura por dons, talentos e qualidades únicas nas outras pessoas e, em seguida, as ajuda a desenvolver essas habilidades para o bem delas e de toda a equipe. Alguém que faz os outros crescerem é capaz de levá-los para um nível completamente novo. Palestrante famoso e fundador das organizações Injoy Stewardship Services e Equip, Maxwell lembra nesta obra, de 168 páginas repletas de ilustrações, que todas as pessoas têm a opção de melhorar como membros de equipe: Tudo de que precisam é expressar as qualidades de um membro de equipe. Faça isso você mesmo, ajude os membros de sua equipe a fazerem o mesmo, e toda a equipe será um sucesso, diz o autor, considerado o maior especialista em treinamento de líderes do mundo. É um livro imperdível, especialmente para aqueles pastores que necessitam dar cursos para formação de novos líderes em suas igrejas. 52 LIDERANÇA HOJE Outubro a Dezembro 2012
Editado anteriormente sob o título Ouvindo a Deus, Hermenêutica - Nova edição revisada, de Shedd Publicações, é uma coletânea de ensaios assinados por catedráticos da renomada Regent College, em Vancouver, no Canadá. Na obra, são abordados temas como História (de autoria de Gordon D. Fee, deão do corpo docente e catedrático de Novo Testamento), Cânon (Elmer Dyck, deão acadêmico e catedrático assistente de estudos bíblicos), Teologia (J. I. Packer, catedrático de Teologia, autor de diversos livros e considerado um dos mais influentes nomes do evangelicalismo na América do Norte), Sociologia (Craig M. Gay, autor e catedrático assistente de estudos interdisciplinares), Hermenêutica (Loren Wilkinson, catedrático assistente de estudos interdisciplinares, com formação acadêmica em Filosofia, Teologia e Literatura) e Espiritualidade Bíblica (James M. Houston, autor, um dos fundadores e primeiro reitor de Regent College, e catedrático de Teologia Espiritual). A introdução do livro, de 224 páginas, é assinada pelo pastor, autor e poeta Eugene H. Peterson, que foi professor de Teologia Espiritual em Regent College. Uma das preciosidades desta obra vem do ensaio assinado por J. I. Packer: Cada ciência procura a verdade; mas enquanto a física e a biologia buscam a verdade empírica a respeito da criação, a fim de aproveitá-la tecnologicamente para o benefício dos seres humanos, a teologia busca a verdade revelada a respeito do Criador, a fim de conhecê-lo por meio do relacionamento numa vida de adoração e obediência. Os ensaios de Hermenêutica - Nova edição revisada são belas ferramentas para aqueles que desejam crescer no conhecimento da Palavra de Deus.
[ SÉRIE DE LIVROS ]
RECURSOS PRÁTICOS DO DNI [ LIVRO ]
[ WEB ]
DEPARTAMENTO DIGITAL DA SEPAL http://recursos.lideranca.org Esse sítio virtual disponibilizado pelo Departamento Digital da Sepal dá a pastores, líderes, igrejas e a membresia uma enorme variedade de recursos em formatos digitais. É, como diz o site, uma central online de capacitação: são mais de 1.400 arquivos de vídeo e áudio para os internautas em quatro divisões distintas: Encontros Sepal; Conferências e Congresso; Palestras e Sermões; e Igrejas. O conteúdo é riquíssimo e variado, com ferramentas preciosas voltadas para a edificação pessoal, reciclagem ministerial ou, simplesmente, para uso no ministério, na igreja ou por quaisquer outros grupos. Para ter acesso ao material, basta que o visitante clique em LOGIN no alto da página inicial, à direita, para fazer o cadastro. Assim, terá acesso a todo o conteúdo. Todos os arquivos disponibilizados no site são gratuitos. A própria página Recursos.org.br destaca que sua criação se deu em função de pesquisas que revelavam dados alarmantes: dois terços dos pastores brasileiros não receberam treinamento teológico formal e 49 mil pastores (de um universo de 70 mil) não tinham acesso a recursos de treinamento e reciclagem e a ferramentas para o desempenho de seus ministérios. Além disso, a questão financeira foi apontada como fator impeditivo para que pastores e líderes acessassem esses materiais – especialmente aqueles que vivem em estados mais carentes.
Christian A. Schwarz EDITORA ESPERANÇA Recursos práticos do DNI é uma série de livros dedicada a fomentar o crescimento da vida espiritual e a edificação da igreja, dentre eles As 3 cores da sua espiritualidade e As 3 cores do amor. A série, segundo Christian A. Schwarz, tem dez características, que ele chama de fundamentos: trinitários, princípios naturais, centrados na igreja, holísticos, criativos, internacionais, coloridos, bíblicos e práticos. O autor lembra que o DNI – sigla que designa Desenvolvimento Natural da Igreja – não concentra sua atenção em um modelo específico de igreja, mas está baseado em princípios universais que se aplicam a todos os tipos de igrejas, independentemente de tamanho, cultura ou tradição espiritual. Schwarz garante que, por meio do perfil do DNI, qualquer igreja pode identificar o quanto estão desenvolvidas as oito marcas de qualidade de igrejas que crescem, e especialmente, qual marca de qualidade está impedindo mais fortemente o crescimento a longo prazo. O autor da série lembra que o perfil do DNI baseia-se em uma pesquisa feita junto a mais de 60 mil igrejas e destaca que as oito marcas de qualidade que formam o perfil são: liderança capacitadora, ministérios orientados pelo dons, espiritualidade contagiante, estruturas eficazes, culto inspirador, grupos pequenos integrais, evangelização orientada para as necessidades e relacionamentos marcados pelo amor fraternal. Vale conferir essa obra! Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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A sociedade leva-nos a crer que somos aquilo que aparentamos, mas, no Reino de Deus, estas roupagens não representam quem de fato somos
por Ronaldo Lidório
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requentemente julgamos a vida alheia a partir de valores mais externos – contábeis e visíveis – e não pelo que se passa no coração. E, assim, nos encantamos com homens, histórias, livros e lideranças que não encantam a Deus. A sociedade leva-nos a crer que somos aquilo que aparentamos. Não raras vezes, ela nos avalia pelos títulos, realizações, influência e tantas outras credenciais que tentam, plasticamente, definir nossa aparência pública. Entretanto, no Reino de Deus, manifesto em Jesus, estas roupagens não representam quem de fato somos. O elemento principal com o qual Jesus nos avalia é bem menos visível, menos contábil e, certamente, menos observado por aqueles que nos cercam, pois Ele nos vê no íntimo, sem máscaras, manipulações ou enganos. A Palavra usa expressões como coração puro (Sl 51.10), de todo o teu coração (Mt 22.37), integridade do coração (Sl 78.72), e santidade ao Senhor (Ex 29.6) para nos fazer entender que somos avaliados pelas coisas do coração e não pela nossa roupagem. Lembre-se de algo importante: Jesus conhece o secreto da sua vida, olha direto para o seu coração e vasculha a sua alma. E é justamente neste campo que seremos encontrados fiéis, ou não. Possuímos uma tendência natural para nos escondermos e, sobretudo, esconder nossos corações. Somos construtores de máscaras. Construímos máscaras com o mesmo intuito que o fazem os povos tribais em rituais xamânicos: para o engano do próximo e manipulação social. Há, porém, máscaras mais elaboradas que enganam não apenas os de longe – a sociedade – mas a nós mesmos. Temos a capacidade de viver como se tudo estivesse bem, quase convencidos disto, mesmo em meio a fortes crises morais e espirituais alojadas nas cavernas da alma. Talvez por isto a Palavra nos ensine que enganoso é o coração. A construção de máscaras de engano e autoengano é uma prática pecaminosa que nos leva para longe de uma conversa honesta e necessária sobre a nossa vida, fugindo assim de um dos assuntos mais controvertidos e evitados pelo homem desde sua queda: a verdade. No Reino da luz, a verdade é o fundamento para qualquer avaliação. Não por acaso, a Palavra nos diz que ela nos libertará. A ausência da verdade, por outro lado, nos mantém cativos às mesmas masmorras psíquicas, Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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volitivas e comportamentais de sempre. E o autoengano, quando a psique humana mente para ela mesma tentando racionalizar o pecado e a fraqueza, torna-se uma das fortes oposições à verdade. Samuel buscava o ungido do Senhor entre os filhos de Jessé. Antes de indicar Davi, que viria a ser rei sobre Israel, o Senhor diz ao profeta: Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque eu o rejeitei; porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem olha para o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração (1 Sm 16.7). É também certo que não podemos purificar nosso próprio coração. Dentre tantas verdades marcantes do cristianismo uma delas é esta: nós dependemos de Deus. E dependemos dele para crer, para segui-lo e para nos parecermos mais com o Filho. William Hersey Davis, tentando fazer-nos diferenciar entre a ilusão do palco e a realidade da vida, compara caráter e reputação quando diz: “As circunstâncias nas quais você vive determinam sua reputação. A verdade na qual você crê determina o seu caráter. Reputação é o que pensam a seu respeito. Caráter é quem você é. Reputação é a sua fotografia. Caráter é a sua face. A reputação fará de você rico ou pobre. O caráter fará de você feliz ou infeliz. Reputação é o que os homens dizem a seu respeito no dia do seu funeral. Caráter é o que os anjos falam de você perante o trono de Deus”. O coração se mostra nos detalhes - Para se conhecer o coração de um homem, observe os detalhes. Conheça-o na informalidade do lar, no trato com amigos chegados, na conversa ao telefone. O conceito bíblico de sermos fiéis no pouco para sermos colocados no muito pressupõe grau de dificuldade e detalhamento. O pouco nos prova como também nos expõe. Como bem aplicou Platão, filósofo grego: “Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa”. A informalidade nos expõe com maior frequência, pois nos encontra em estado de espontaneidade. Não devemos avaliar apenas nosRonaldo Lidório sas ações, mas sim nossas motivações. é missionário, O desejo de Deus em nossa vida não é pastor, teólogo e simplesmente por ações certas, mas coescritor rações puros.
O coração é percebido nas atitudes - Um dos desafios mais difíceis que enfrentamos desde nossos primeiros pais é a tradução de nossos valores espirituais e morais para atitudes espirituais e morais. Permitam-me listar aqui, dentre tantas atitudes que buscam a construção de um coração puro, algumas que observo de extrema colaboração neste sentido.
SILENCIAR-SE Vivemos em uma sociedade onde o simbolismo é elemento definidor das relações humanas. Assim, valorizamos a comunicação verbal, os discursos, as respostas bem colocadas e o jogo de palavras. Se por um lado isto colabora para desenvolver uma comunicação mais ativa, por outro tem nos levado a esquecer do valor do silêncio. O coração do crente é testado na adversidade e uma das atitudes mais comuns perante a adversidade relacional é o confronto. Especialmente em contextos ministeriais onde as críticas nos bastidores ganham a nossa atenção e somos levados a reagir de forma desproporcional, desnecessária ou mesmo inapropriada. Frequentemente, falamos quando deveríamos nos calar. Certamente há momentos de falar, fazer-se ouvir. Mas reconheço que os homens de Deus que tenho conhecido buscavam mais o silêncio do que o confronto verbal perante as adversidades, e faziam a obra de Deus.
Possuímos uma tendência natural para nos escondermos e, sobretudo, esconder nossos corações
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NÃO NEGOCIAR A VERDADE Provérbios 12.19 nos diz que o lábio verdadeiro permanece para sempre; mas a língua mentirosa apenas por um momento. Há certos valores que precisam estar sempre presentes em nossas vidas, relacionamento e ações de liderança. Um deles é não negociar a verdade. Isto inclui, de forma especial, a manipulação da verdade. Refiro-me às evasivas ou à maquiagem da verdade para se contornar um problema ou se beneficiar de um resultado, e à verdade subjetiva a nosso próprio respeito – aquela que nos é perceptível, mas evitamos declará-la. Quando a Palavra nos ensina que a posição do crente deve ser sim sim, não não (Mt 5.37), o que se advoga não é uma atitude de extremos: ou sim ou não. O assunto aqui é a verdade: dizer sim quando for sim e não quando for não. No cenário do genuíno cristianismo, a verdade não pode ser negociada, pois ela é um dos principais passos na busca por um coração puro.
O SENHOR, PORÉM, OLHA PARA O CORAÇÃO
ASSUMIR RESPONSABILIDADES E APRENDER COM OS ERROS Precisamos assumir a responsabilidade perante nossas atitudes a fim de mantermos a integridade espiritual e moral. E esta é uma das lições mais difíceis de serem aprendidas. O caminho aparentemente mais curto no caso de uma queda – a negação do pecado e de sua responsabilidade sobre ele, bem com a acusação de terceiros – não é de fato curto, pois não nos conduz pelo caminho da cruz, que é o de Cristo. Líderes inacessíveis correm grande risco de seguirem o caminho da soberba e altivez, sem ter quem lhes alerte. Não ande só. E aproveite as oportunidades da vida para se humilhar, educando assim o seu coração a aprender o que é bom e verdadeiro. Leon Tolstoi sabia que “todos pensam em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo”; atestou, portanto, que é sempre mais fácil falar sobre os problemas universais do que sobre o pecado do coração. Nenhum de nós está isento da possibilidade do erro. Uma das admiráveis atitudes de Davi foi justamente assumir integralmente a sua responsabilidade quando Natã, após narrar sobre um que roubara a única ovelhinha do vizinho, afirmou: este homem és tu (2 Sm 12.1-7). Davi não deu desculpas. Caiu de joelhos e colocou-se nas mãos de Deus. O coração de Davi dizia: “sou responsável”, e este se tornou o homem segundo o coração de Deus. Precisamos compreender que a busca por um coração puro não é uma atitude medida pela ausência de erros, mas pela decisão em não repeti-los. Deus nos criou com corações ensináveis. Pensando em líderes, devemos compreender o que muito bem foi colocado por Kevin Cashman, ao expor que a habilidade que temos de crescer como líderes é limitada pela habilidade de crescermos como pessoas. Jamais devemos distinguir nossa função de liderança – mesmo porque ela é passageira – de nossa identidade pessoal. Não somos líderes, somos pessoas que, no momento, lideram. Investir tempo, forças e energia para se qualificar como um bom líder pode lhe privar de investir tempo, forças e energia para crescer como pessoa e crente. Como líder, eu posso dar-me ao luxo de seguir em frente mesmo tendo cometido erros, porém, como pessoa e cristão, meus erros, após praticá-los, se tornam minha melhor oportunidade de conserto e crescimento.
Para aprendermos com nossos erros é necessário levá-los a sério, e conversar com o Pai sobre eles, pedindo forças para mudarmos e amadurecermos, para crescermos um pouco mais.
PARA REFLETIR E ORAR É neste campo, privado e particular dos nossos corações, que as verdadeiras batalhas são travadas. Não se apresse em seguir com a agenda corrida do seu dia. Tire um tempo para ponderar sobre a sua vida com Deus. Antes disto, ore como o salmista: Sonda-me ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno (Sl 139.23-24). A busca por um coração puro talvez seja uma das orações mais marcantes na Palavra. Ela reconhece a nossa incapacidade de autoconhecimento. Os Konkombas, na África, tem o costume de encerrar momentos pessoais com Deus com aquilo que eles chamam de “uma oração sincera”. Após refletir sobre o seu coração, motivações e trabalho, eu lhe convido a fazer uma oração assim. E, talvez, a mais apropriada seja aquela do Salmo 51 que tanto precisamos proferir, repetidamente, a cada dia: Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova dentro em mim um espírito inabalável (Sl 51.10).
Precisamos compreender que a busca por um coração puro não é uma atitude medida pela ausência de erros, mas pela decisão em não repeti-los
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Aliança estratégica Diretor nacional do ChildFund Brasil fala da parceria que instituição está alinhavando com igrejas para ajudar na administração de projetos sociais Por Cleber Nadalluti
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grejas de todo o país realizam dia após dia ações de cunho social, mas poucas conseguem obter resultados satisfatórios. Não que falte vontade de mudar a realidade da comunidade em volta do templo. Na maioria das vezes, o problema está na estratégia, na maneira pela qual vem atuando o departamento de assistência social eclesiástico. E, de modo geral, as lideranças não dispõe de conhecimentos e métodos de governança que ajudem a igreja a fazer – de fato – diferença junto à população mais carente, transformando sua realidade. Agora, as igrejas evangélicas contam com um aliado que detém não só ampla experiência em governança, como também tecnologia e instrumentos capazes de ajudá-las a ir além da prática do assistencialismo e das ações sociais pontuais: a filial brasileira do ChildFund – instituição do Terceiro Setor dedicada a transformar vidas de crianças, adolescentes e jovens que vivem em situação de privação, exclusão e vulnerabilidade social – está alinhavando uma parceria com algumas igrejas no desenvolvimento de projetos sociais. À frente desse projeto está o paulista Gerson Pacheco, 58 anos, diretor nacional do ChildFund Brasil e ex-executivo da Xerox, multinacional a qual esteve ligado por 32 anos. “Escolhemos 12 igrejas para fazer uma aliança estratégica. A ideia é usar nossa experiência com governança, gestão de projetos, desenvolvimento comunitário e mobilização de recursos para auxiliar a igreja”, informa Pacheco, administrador de empresas, com extensão em Finanças e em Marketing, e membro da Igreja Presbiteriana Betânia em Niterói (RJ). Entusiasta dessa parceria, ele lembra que ferramentas e metodologias para atacar o problema da pobreza e da extrema miséria não faltam ao ChildFund, instituição fundada e sediada em Richmond, Virgínia (EUA),
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que opera em 55 nações e que está no Brasil desde 1966. Homem “viajado” – na época em que trabalhou na Xerox, passou por países da América do Sul e da Europa, morou na Inglaterra (por breve tempo) e em algumas cidades brasileiras tais como Brasília (DF) e Campo Grande (MS) –, Pacheco foi a lugares atendidos pela entidade no exterior e conhece bem de perto as carências brasileiras. “São 16 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza. Desses 16 milhões, oito milhões são crianças”, destaca ele. Convencido de que as igrejas precisam de uma administração moderna para cuidar do social, que ele chama de “governança eclesiástica”, Gerson Pacheco deu o pontapé inicial à essa aliança estratégica através de um projeto-piloto na Igreja Batista Central de Belo Horizonte (MG). É sobre essa parceria que ele conversou com LIDERANÇA HOJE nesta entrevista: LIDERANÇA HOJE - De onde surgiu a ideia dessa aliança entre o ChildFund Brasil e as igrejas? DR. GERSON PACHECO - Surgiu de uma conversa com alguns pastores que visitavam o ChildFund Brasil e que queriam saber, por exemplo, sobre mobilização comunitária e gestão de projetos. Alguns pastores diziam: “Eu os vejo trabalhando em algumas regiões. Vejo que, no social, vocês têm um resultado fantástico. Dá para ensinar um pouco disso para a gente?”. Foi nessa conversa que resolvemos formatar e estruturar essa parceria com as igrejas. Escolhemos 12 igrejas para fazer com elas uma aliança
ESCOLHEMOS 12 IGREJAS PARA FAZER COM ELAS UMA ALIANÇA ESTRATÉGICA, AJUDANDO-AS EM SUAS LOCALIDADES. ESSAS IGREJAS JÁ TÊM UM PROJETO NA SUA REGIÃO E NÓS VAMOS LEVAR PARA ELAS NOSSAS TECNOLOGIAS E METODOLOGIAS
estratégica, ajudando-as em suas localidades. Essas igrejas já têm um projeto na sua região e nós vamos levar para elas nossas tecnologias e metodologias, mostrando como trabalhamos em governança, gestão de projetos, desenvolvimento comunitário e mobilização de recursos. A ideia é colocar nossa experiência à disposição da igreja.
Quais são as bases desse projeto? Você só consegue fazer um trabalho social de impacto se realmente ouvir a comunidade, se fizer diagnósticos comunitários e um planejamento de longo prazo naquele local. Para que aconteça o impacto social na comunidade, é preciso trabalhar com gestão de projetos e
mobilização de recursos. Para isso, você precisa de voluntários. O ChildFund Brasil tem essas metodologias há quase 75 anos no mundo e há mais de 45 anos no Brasil. Somos referência em ferramentas de governança, de desenvolvimento comunitário e gestão. O trabalho do ChildFund Brasil com as igrejas tem três grandes vertentes: 1ª) Ajudar as igrejas na sua ação social, no seu impacto social, na sua geografia, capacitando-as em metodologias e tecnologias mais atualizadas de gestão social; 2ª) Convidar a igreja a fazer um projeto de longo prazo, de 10 a 15 anos, em uma área de miséria; 3ª) Levar um pouco da experiência do ChildFund Brasil na luta por direitos e trazer a Igreja para essa conversa. Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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Para isso, estamos convidando essas igrejas a escolherem conosco um lugar de extrema pobreza no Brasil. A ação social na localidade será feita pela igreja, com a consultoria, a assessoria e o suporte do ChildFund Brasil. Essas 12 igrejas já estão escolhidas? Estamos com um projeto-piloto na Igreja Batista Central de Belo Horizonte (MG), do Pr. Paulo Mazoni. A partir desse piloto, que está em andamento e que já se encontra na fase de planejamento, a gente vem conversando com as denominações batista, presbiteriana, metodista, anglicana e a católica, para definir as igrejas que vão abraçar esse projeto com a gente.
igreja – não só a essas 12, como também pode ampliar essa parceria com seminários e outras linhas de capacitação –, que tenha a visão e o sonho de ter um trabalho social de excelência e de relevância, conheça o que a gente faz. Esse é o objetivo. Há muitas igrejas que já estão fazendo seu trabalho social e que querem aprimorá-lo.
Trata-se da profissionalização da administração eclesiástica na área social? O funcionamento da governança no TerceiQUANDO A IGREJA ro Setor é uma quesSE PROPÕE A SER MUITO tão muito importante, porque ele precisa de EFETIVA NA PLANTAÇÃO DE IGREJAS, transparência, de membros de uma assembleia com muiMISSÕES E AÇÃO SOCIAL, to trabalho e ação, de volunELA REALMENTE NÃO PODE tários, de um conselho de administração e de um bom DEIXAR DE PENSAR conselho fiscal. E há uma coisa NA GOVERNANÇA muito importante nesse procesQual é o papel do ChildFund so: esses membros dos conselhos Brasil nessa parceria com a Igrede administração e fiscal pagam ja Brasileira? com seus bens pessoais se a organizaO que estamos fazendo é levar o ção não for bem administrada. Então, por aprendizado do ChildFund Brasil para o conta disso é preciso ter uma governança. campo eclesiástico – o que estamos chamando Nesses anos em que a gente vem trabalhando com gode ‘governança eclesiástica’. Nossa instituição faz parte vernança, e que temos sido assessorados pelo Instituto de um grupo criado pela Fundação Dom Cabral – que é Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), pela Funuma das dez melhores universidades do mundo e que têm dação Dom Cabral e por outros institutos internacionais, uma forte abordagem de governança voltada para o munentendemos que a igreja também precisa ter esse olhar, do empresarial – chamado de POS - Parcerias de Organiprecisa questionar: Como é a minha governança? Ela zações Sociais, através do qual estão sendo construídos tem a congregação, que é a assembleia, um dos pilares os fundamentos da governança do Terceiro Setor. Em pada governança; um conselho de diáconos ou de presbíteralelo, com esse aprendizado, mas sem o envolvimento ros, e um corpo de direção, um grupo de pastores. Como da Fundação Dom Cabral, estamos capturando esses coesses três organismos se relacionam? nhecimentos, tentando customizar e aclimatar o espírito A igreja tem ordenanças claras de adoração, minisde governança para o campo eclesiástico. tração, evangelização, implantação de igrejas, missões, Queremos que a Igreja olhe para o tema socioambienação social, capacitação de lideranças, etc. É a sua colutal, buscando usar essas experiências (o que o inglês chana central. Mas ela também tem áreas de contabilidade, ma de benchmarking), copiando, adaptando, olhando e tesouraria, controladoria, tecnologia, etc. Como mobitrazendo para dentro dela o que há de melhor para execulizar a congregação para receber as crianças? A igreja tar a tarefa (na área social) com excelência. O ChildFund que oferece isso seduz os pais de hoje. Mas deve saber Brasil está abrindo, escancarando as portas para que a
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ALIANÇA ESTRATÉGICA
também cuidar dos adolescentes, dos jovens, dos adultos... Só essas coisas já evidenciam que a igreja precisa ter um processo de governança. Mas ela não precisa reinventar a roda. Ela pode ver o que o Primeiro Setor fez, olhar o que estamos fazendo no Terceiro Setor, e, a partir daí, já com o caminho muito bem percorrido, trazer para dentro da igreja esse processo e fazer uma customização.
estivesse na sua área, potencializando o trabalho – algo que acontece no Terceiro Setor. Quais as vantagens de existir dentro da estrutura da igreja uma administração baseada no conceito de governança eclesiástica? Em primeiro lugar, você vai assegurar resultados, vai medir resultados, vai conseguir separar o que é estratégico, tático e operacional. As pessoas da igreja vão encontrar um ambiente, uma estrutura onde eles possam trabalhar, transformando a sua ação na obra de Deus em algo muito mais produtivo. Vão encontrar uma estrutura que é transparente, de excelência e de eficiência. Em segundo lugar, lembro que a decisão é compartilhada. Tem de ser tomada por um pastor (ou por uma equipe de pastores), por um grupo de diáconos, presbíteros e líderes, e pela assembleia.
Mas esse tipo de projeto não colocaria em risco a autoridade do pastor perante a igreja? Não. Além disso, esse não é o nosso propósito com este projeto. Nosso objetivo é dizer ao núcleo da igreja – considerando que já se despertou e que vem tomando uma série de iniciativas de ação socioambiental – que queremos ajudar, para que ela tenha excelência na área social. Só que isso, isolado da governança, fica empobrecido. Então, As pessoas vão passar a olhar para quando a igreja se propõe a ser os projetos sociais já existentes muito efetiva na plantação de dentro da igreja de outra maigrejas, missões e ação social, AS PESSOAS DA IGREJA neira? ela realmente não pode deiElas devem se sentir orguxar de pensar na governanVÃO ENCONTRAR UM AMBIENTE, lhosas pelo fato de a igreja ça. Mas o envolvimento do UMA ESTRUTURA ONDE ELES POSSAM estar fazendo um projeto de ChildFund Brasil se dará sustentabilidade, de transforapenas na área social, danTRABALHAR, TRANSFORMANDO mação de vidas. A igreja predo à igreja as boas práticas A SUA AÇÃO NA OBRA DE cisa estar aberta para fazer de como fazer melhor esse projetos sociais com resultado trabalho. DEUS EM ALGO MUITO e impacto. Nunca se falou tanto em goMAIS PRODUTIVO Há casos no Brasil de associavernança corporativa no Brações evangélicas que faliram e que, sil e, pelo visto, esse conceito com seus fechamentos, as dívidas está chegando ao Terceiro Setor. O advindas de obrigações trabalhistas e senhor acredita que as igrejas preciprevidenciárias, por exemplo, recaíram sobre sam implementar modelos de governança? membros de seus conselhos. Como evitar que esse tipo Sim, mas, nesse caso, é preciso ter um grupo – indede problema ocorra dentro desse modelo de governanpendentemente de denominação – que faça a gestão da ça eclesiástica? governança eclesiástica. O social é um elemento imporA governança traz um componente que evita isso: transtante, mas muitas vezes fica esquecido porque a igreja parência, publicação dos relatórios... Tudo bem arrumadinão vê o panorama todo de governança. nho. As pessoas que tiveram seus bens pessoais hipotecados, por serem obrigadas a honrar dívidas pela legislação O que a governança pode fazer pela igreja? brasileira, sofreram isso porque não foram acompanhadas Por exemplo, ela permite que a equipe pastoral fique de uma boa governança. Se tivessem lido, esse problema muito dedicada no seu core (núcleo) e que a igreja tenha não teria acontecido. Nunca vai deixar de haver risco, mas, profissionais voluntários ou remunerados que cuidem com a governança, esse risco será minimizado. da sua área de apoio; vai permitir que a igreja construa As pessoas entram confiando que as pessoas que estão à a sua visão e o seu planejamento estratégico de médio frente são boas. Não pode ser assim. Elas têm de exigir reue longo prazos, e coloca as competências existentes na niões por serem membros do Conselho de Administração, igreja para trabalhar dentro desses ministérios, projepara participar e saber o que está sendo feito. Elas devem tos e iniciativas. Na verdade, a igreja também deveria exigir que seja feita uma reserva financeira se houver alter uma gestão por projeto, o que seria muito eficiente. gum problema. Sem dúvida, essas coisas todas fariam com que cada um
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O líder introvertido
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Mesmo que você tenha de se esforçar para ser um sujeito simpático, saiba que tem muito a oferecer à Igreja por Adam S. McHugh
S
ou uma pessoa introvertida e minha personalidade já me levou a percorrer um caminho tortuoso e acidentado – entrando e saindo, algumas vezes, da comunidade cristã, tanto como leigo, quanto como pastor. Essa tem sido uma jornada tanto rumo à autodescoberta (já que tenho procurado maneiras de ficar em paz com minha personalidade e trabalhá-la, em vez de ir contra ela), como também tem sido um tempo para descobrir Deus, pois tenho buscado ver a mão do Senhor operando em minha vida e ministério introvertidos. Nessa jornada, tenho tido a constante companhia da frustração e da esperança, ambas trabalhando em conjunto para que eu siga adiante.
TEMPERAMENTO E CHAMADO Estava parado em frente a uma caixa de correio numa esquina de Princeton, Nova Jersey. Enquanto observava seu tom de azul tão familiar, usava apenas uma luva de frio, pois a outra mão, que não estava protegida, segurava firmemente um envelope. Era uma manhã ensolarada, na qual o soprar dos últimos ventos do inverno abafavam os efeitos do sol. Aquele foi o dia em que meu potencial para liderar uma comunidade cristã chegava ao fim, sem que ao menos tivesse começado. O que havia em minhas mãos, já avermelhadas do frio, era a carta em que renunciava à participação no processo de ordenação de minha denominação. Vinha lutando com a ideia de tomar parte naquele processo ao longo dos últimos quatro anos e tomara aquela decisão havia apenas uma hora: não tinha um chamado para ser um ministro ordenado. Oito anos mais tarde, concluí que minha luta naqueles dias não tinha relação com minha vocação, mas com meu temperamento. Antes mesmo de ingressar no ministério, estava convencido de que minha personalidade era excludente. Não havia lugar no trabalho pastoral para alguém com as minhas características, pelo menos era o que eu pensava. Para mim, naquela época, o pastor ideal era aquele sujeito sociável, capaz de mover-se com desembaraço em meio às multidões e que, rapidamente, transformava estranhos em amigos. Ele teria a habilidade de transitar por qualquer círculo social e conversaria sobre todo tipo de assunto. Ele
também seria um cara carismático e cheio de magnetismo, capaz de se destacar na presença de qualquer pessoa e de se sentir estimulado por toda forma de interação social. Atrairia para si todo tipo de gente, apenas em função de sua irresistível simpatia. Eu, pelo contrário, tinha imenso prazer nos momentos de solidão, reflexão e estudo pessoal. Gostava das pessoas e tinha grande satisfação nos relacionamentos e nas conversas mais profundas, mas, mesmo quando passava tempo com os outros, ansiava por ter meus momentos de total privacidade. Achava as multidões extremamente cansativas. Eu poderia colocar-me de pé diante de centenas de pessoas e pregar um sermão sem qualquer nervosismo, mas, normalmente, meu problema era o momento dos cumprimentos, após o culto, porque meu nível de energia já estava esgotado. Ao longo daqueles oito anos, desconheci a existência de um rótulo para esse tipo de personalidade que eu, anteriormente, pensava ser o principal empecilho para o desenvolvimento de meu potencial ministerial: introversão. No entanto, essas dúvidas agonizantes não tinham origem apenas em meu temperamento introvertido. Um dos culpados era, em parte, a visão unidimensional de liderança que eu construíra. Havia um conflito impossível de resolver entre essa imagem artificial que fiz e as características do temperamento introvertido. Inconscientemente, acreditava que os ministros e outros líderes cristãos precisavam ter determinados traços de personalidade para que seus ministérios florescessem. Felizmente, a decepção não foi minha única companheira de viagem nessa jornada. Também tive a companhia da esperança no chamado, na cura e no poder transformador de Deus. Minha jornada não foi guiada pelo meu próprio heroísmo ou por minhas impressionantes demonstrações de fé, mas pela soberania de Deus. A mesma força misteriosa que parecia me impedir de colocar a carta de renúncia na caixa de correio naquele dia, foi a mesma que me chamou constantemente para os ministérios eclesiástico e paraeclesiástico, e para a capelania. Deus tem-me conduzido a um processo de autoaceitação, tanto em termos de minha identidade introvertida quanto ao que se refere aos dons e contribuições que tenho a dar à comunidade cristã. Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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ESCONDENDO-SE COMO MOISÉS O arquétipo do líder relutante, sem dúvida, é Moisés. Em Êxodo 4.10-13, ele protesta contra o chamado divino todas as vezes que Deus fala com ele. É verdade que líderes de todos os tipos de personalidade têm relutado diante do chamado de Deus, mas a personalidade de Moisés e sua vida exibem claros sinais de introversão. Em Êxodo 4.10, ele diz: Ah! Senhor! Eu nunca fui eloquente, [...] pois sou pesado de boca e pesado de língua. Quem é introvertido sabe exatamente o que é sentir a língua colando no céu da boca e os lábios lutando para se mover. Sabe o que é hesitar e gaguejar, não em razão de um momento de torpor, mas da necessidade de pensar antes de falar. Como Moisés, temos a esperança de que Deus nos libere dessa angustiante tarefa de liderar, pois tememos o fracasso, a rejeição e nosso maior pesadelo é não ter eloquência suficiente para enfrentar a audiência. Na história de Moisés, a questão do esconder-se chama a atenção. menino foi criado na casa da filha do Faraó, até o dia em que encontrou um conterrâneo hebreu sendo espancado por um egípcio. Moisés, então, matou o egípcio e escondeu seu corpo na areia. Quando o Faraó soube do que havia acontecido, quis matar Moisés, que fugiu e se escondeu em uma terra estrangeira. Ele se tornou, então, pastor em Midiã, e conduzia seu rebanho para o lado ocidental do deserto (Ex 3.1). Tenho a impressão que Moisés estava fugindo para o mais longe possível. Mesmo quando o Senhor apareceu a ele na sarça ardente, com uma voz que declarava Seu nome transcendental, Moisés tentou se esconder atrás de seus medos e, mais tarde, por trás da eloquência e do carisma de seu irmão Arão. Moisés compareceu diante do povo hebreu e adentrou a sala do trono de Faraó valendo-se das habilidades de seu irmão. Podemos nos esconder no abrigo de nossos estudos, nos braços calorosos de nossos livros ou atrás de nossas teologias e entendimentos diversos acerca do que seja vocação e espiritualidade. Também podemos ocultar nossas verdadeiras personalidades atrás de pessoas extrovertidas, devido ao medo que sentimos de não atingir as expectatiAdam S. McHugh vas dos outros ou nossas. Entretanto, em é pastor mais de uma década de liderança cristã, presbiteriano e tenho visto contribuições bastante signifilíder de retiros. Vive em Claremont, cativas vindas de pessoas introvertidas e Califórnia. aprendido alguns modelos de liderança de introvertidos que são bastante eficazes.
Precisamos saber a distinção entre o nível de energia necessário para a realização de uma tarefa e a capacidade que temos para realizá-la. Não é porque gastamos muita energia fazendo alguma coisa que não temos a habilidade para a realização dessa tarefa. Estou convencido de que o chamado – e não o tipo de personalidade – é o fator determinante para a formação e a longevidade de um líder. Não foi coincidência o fato de Deus ter-se encontrado com Moisés exatamente no lugar para o qual ele fugia de seu chamado. Também não foi coincidência o fato de Moisés, mais tarde, conduzir outro tipo de rebanho, o povo de Israel, pelo mesmo deserto até o Monte de Deus. O chamado divino lança luz em nossos esconderijos mais obscuros. Algo que chama a atenção em minhas conversas com outros pastores introvertidos é a convicção de que eles trabalham apenas graças ao poder de Deus. Eles não escolheram o ministério por perceber que se encaixava perfeitamente em seus dons ou em seu tipo de personalidade. Quando Moisés apresentou a Deus suas objeções diante da sarça ardente, dizendo que ele era um péssimo orador, é interessante notar que Deus não discordou dele. Ele disse apenas: Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar (Ex 4.12). Ele será contigo e te dará as palavras certas. Aqui está o alicerce das garantias que Deus dá a todos que ele chama para liderar. Nossas credenciais de liderança são a sabedoria e o Espírito do Senhor. Deus não promete que a liderança será uma tarefa fácil ou sempre natural. Ele diz que a Sua presença irá com aqueles que ele chama e que, em Sua presença, está o poder que transcende todas habilidades humanas. É a partir do poder de Deus, não de sua própria capacidade, que os líderes ministram a outros.
Quanto menos prestamos atenção em nós mesmos, menos teremos a oferecer aos outros no longo prazo
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FLORESCENDO COMO UM INTROVERTIDO O chamado pertence a Deus e essa é a razão fundamental porque os introvertidos se aventuram pelos caminhos da liderança cristã. Apesar de não determinarmos a nossa vocação, podemos aprender a protegê-la e a crescer com ela, por meio do cuidado pessoal, das disciplinas espirituais, da preocupação sobre como gastamos nossa energia e de uma perspectiva saudável a respeito de nosso papel no ministério da igreja. Talvez o ingrediente mais vital para a longevidade no ministério pastoral seja o cuidado pessoal. Devotamos tanto tempo e energia cuidando das necessidades espirituais e emocionais das outras pessoas que acabamos por negligenciar as nossas próprias. Quanto menos prestamos
O LÍDER INTROVERTIDO
atenção em nós mesmos, menos teremos a oferecer aos outros no longo prazo. Esse cuidado pessoal precisa mover-se tanto na direção interna quanto externa. O líder introvertido precisa buscar integridade em sua vida espiritual e emocional. Precisamos cultivar nossa prática de disciplinas espirituais, o que, para muitos introvertidos, é uma força natural. Nas disciplinas espirituais, como a oração, a escrita, a meditação bíblica e o jejum, conscientemente, colocamo-nos na presença de Deus. Muitos pastores introvertidos também costumam fazer retiros espirituais solitários. Um colega costuma dizer que, quando sai para um retiro silencioso, em 24 horas todos os pensamentos que estão passando o tempo todo por sua cabeça se dissipam. Outro pastor, no mês de agosto retira-se por uma semana em um monastério próximo de sua casa. O objetivo é se preparar espiritualmente para dar início ao trabalho exegético de sua nova série de sermões. Nosso cuidado pessoal também precisa mover-se na direção externa. Embora nosso processo de crescimento interno tenha grande valor, há esclarecimentos que vêm do falar em alto e bom som. Deus nunca planejou, ainda que para a mais introvertida das pessoas, que ela vivesse sem se conectar com outros. O isolamento nunca é um indicador de saúde espiritual. Como líderes introvertidos, precisamos nos cercar de um pequeno grupo de pessoas de confiança capazes de nos mostrar nossos pontos cegos e de nos receber sem pré-julgamentos. Há muitos lugares em que podemos encontrar o apoio de que precisamos. Muitos pastores introvertidos gostam de se relacionar com outros líderes com a mesma característica. Pessoas que compartilham conosco as mesmas experiências nos ajudam a vê-las como algo normal, e é no compartilhar de histórias e lutas que encontramos maior aceitação própria e novas forças. Sessões de terapia também podem ser de grande valor para os líderes introvertidos. A confidencialidade e a confiança profissional na terapia fazem com que eu revele algumas áreas da minha vida que, normalmente, não mostraria a outras pessoas. Diria até que a terapia regular, a direção espiritual ou alguma forma de relacionamento com um conselheiro de confiança deveria ser obrigatório para todo pastor introvertido. Líderes maduros aprendem a monitorar seus níveis de energia. São especialistas em saber como guardar e recuperá-la. Entretanto, se os líderes introvertidos querem, de fato, longevidade e alegria em seus ministérios, precisamos considerar seriamente a questão da agenda.
Quando trabalhava como capelão hospitalar, aprendi a abrir brechas em minha agenda entre um e outro encontro com os pacientes para recobrar as forças. Para o líder introvertido, a palavra mágica não pode ser “por favor”, tem de ser “não”. Conheço um pastor introvertido que é um conferencista muito requisitado. Durante os meses mais agitados, ele coloca em sua agenda alguns poucos dias no mês para fazer “NADA”. Nesses dias, ele não participa de qualquer evento ou reunião. Entretanto, ainda que tenhamos um planejamento claro em nossas agendas, precisamos dar espaço também para a surpreendente obra de Deus. Nós, introvertidos, podemos ficar tão absortos em nossos mundinhos internos que corremos o risco de não percebermos, algumas vezes, as necessidades das pessoas ao nosso redor. Nossa agenda e nossas limitações emocionais não podem ser colocadas acima dos repentinos chamados divinos que moldam tão bem a nossa identidade e o nosso trabalho pastoral. Precisamos relembrar que os eventos formadores da fundação de nosso chamado – a encarnação do Filho de Deus e Sua ressurreição dos mortos – foram uma interrupção cósmica em um mundo que se havia tornado insensível ao amor de Deus.
Como líderes introvertidos, precisamos nos cercar de um pequeno grupo de pessoas de confiança capazes de nos receber sem pré-julgamentos
— Esse artigo foi adaptado do livro Introverts in the Church: Finding our Place in a Extroverted Culture, 2009, por Adam S. McHugh. Usado com permissão da InterVarsity Press.
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AMADAS DO PAI, RESGATADAS POR CRISTO E CAPACITADAS PELO ESPÍRITO Que mensagem do púlpito edificaria a mulher hoje? por Isabelle Ludovico
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risto ensinou indistintamente para homens e mulheres, pois permitiu – coisa inédita e revolucionária – que as mulheres “se assentassem aos seus pés”, ou seja, fossem diretamente instruídas por ele. Homens e mulheres foram batizados sem distinção de gênero, revertendo assim toda a discriminação que pesava sobre a mulher. Em
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Cristo, podemos restaurar o projeto original de parceria e mutualidade na relação homem/mulher a ponto de o apóstolo Paulo admitir que “somos um” nele. O mandamento essencial de amar a Deus e ao próximo como a si mesmo diz respeito a todos os discípulos de Cristo. Mas sua aplicação tem implicações diferenciadas para ricos e pobres, senhores e servos, homens e mulheres. É interessante notar que diante da pergunta
de qual é o maior mandamento, Jesus começa respondendo: “Ouça”. Cada pessoa precisa começar ouvindo Deus no seu íntimo e perceber o que o Espírito Santo lhe revela sobre o caminho a seguir, já que “todas as coisas são lícitas, mas nem todas lhe convêm”. O processo de santificação é individual, mesmo que alguns princípios sejam aplicáveis a todos, como, por exemplo, as bem-aventuranças. No momento atual, creio que a Palavra que a mulher precisa ouvir é: Escolhe a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos à sua voz, e apegando-te a ele; pois disso depende a tua vida e a tua longevidade (Dt 30.19,20). A mulher está embriagada pelo poder recém-conquistado e não percebe que deixou a sociedade escolher por ela. Ela se livrou do papel de Amélia, para se tornar uma supermulher. Passou de um extremo para o outro e precisa encontrar o equilíbrio, reconhecendo o seu tamanho real, permitindo-se ser apenas humana, em construção, aprendiz, escolhendo dar prioridade à sua relação com Deus, abrindo-se para um vínculo de intimidade e apego, buscando nele sabedoria para priorizar o que é essencial.
se multiplicaram e os vínculos ficaram cada vez mais superficiais. No caso do Brasil, a situação é agravada por um modelo econômico que gera injustiça social e exclusão, corrupção e concentração de renda. Hoje, as mulheres estão sendo empurradas para o mercado de trabalho porque o sistema precisa de consumidores compulsivos – ou seja, de pessoas que trabalham cada vez mais para ter mais e assim garantir um reconhecimento social. Neste processo competitivo, muitas mulheres colocaram em segundo plano seus relacionamentos, inclusive o projeto de ter filhos, e tornaram-se caricaturas do masculino: mulheres ambiciosas, mandonas, frias e calculistas. Os relacionamentos afetivos foram rompidos e muitas se queixam de ser solitárias, carentes e estressadas. Está na hora de elas avaliarem o seu caminho, pois a sabedoria é perceber por onde andaram, quais foram suas motivações, os ganhos e perdas destas escolhas. A mulher precisa resgatar sua feminilidade, sua afetividade, sua capacidade de sentir empatia e compaixão. Pois, se o mundo adotou o lema de Descartes – “Penso, logo existo” –, Cristo nos propõe outro paradigma: “Amo, logo existo”. Assim, precisamos reencontrar o caminho do coração que nos permite construir relações de afeto com o outro e principalmente com Deus.
HOJE, AS MULHERES ESTÃO SENDO EMPURRADAS PARA O MERCADO DE TRABALHO PORQUE O SISTEMA PRECISA DE CONSUMIDORES
VÍNCULOS SUPERFICIAIS Durante muitos séculos as mulheres foram confinadas ao espaço da casa, proibidas de estudar ou trabalhar fora, tuteladas pelo pai e depois pelo marido. Seu único objetivo era conseguir algum reconhecimento através da maternidade. Ela vivia na sombra do marido, sem projetos pessoais a não ser o bom andamento do lar. No século 20, com a pílula anticoncepcional e o movimento feminista, as mulheres ‘viraram a mesa’. Quiseram provar sua capacidade competindo com os homens em um mundo construído por eles. Um mundo muito desenvolvido do ponto de vista tecnológico, mas muito pobre do ponto de vista relacional. Os meios de comunicação
RESGATE DO AFETO Ao reafirmar a prioridade das pessoas sobre as coisas, da intimidade e do compromisso sobre relações funcionais e descartáveis, do bem estar coletivo sobre um projeto egocêntrico de poder, elas podem ajudar a questionar os rumos do país e propor alternativas mais coerentes com o Evangelho: um desenvolvimento sustentável do ponto de vista sócio-ambiental, uma redistribuição das riquezas, a começar pela terra, bem como educação, saúde e condições de vida dignas para todos. Infelizmente, a igreja aderiu sem reservas à teologia da prosperidade, uma versão religiosa do modelo capitalista. As bênçãos são medidas pelo sucesso financeiro e a relação com Deus torna-se utilitária. Este modelo é contrário à mensagem de Cristo e precisa ser denunciado para voltar à essência da fé que é tornar-se ao longo Primavera 2012 LIDERANÇA HOJE
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da vida mais amoroso, mais solidário, mais engajado na construção de um mundo mais fraterno e justo. A contribuição da mulher como cidadã do Reino de Deus terá consequências nas relações interpessoais, permitindo ao homem o resgate do afeto tão negligenciado por nossa cultura machista. Os homens foram massacrados por um modelo que lhes nega o direito de chorar, de mostrar suas dúvidas e medos, de serem vulneráveis. O acolhimento da mulher permite finalmente depor as armas e estender os braços um para o outro, construindo uma parceria e um companheirismo que os complementa e enriquece emocionalmente. Os filhos serão os primeiros beneficiados por esta transformação no padrão de interação e na dinâmica da família. Quando cessa a luta, há espaço para o lúdico, para rir juntos, para desfrutar da presença de cada um, sem cobranças nem comparações. Cada um encontra segurança para desenvolver suas próprias habilidades e colocá-las ao serviço dos outros. Os recursos humanos são multiplicados e compartilhados. É possível, assim, sinalizar o Reino de Deus, sendo agentes de reconciliação e transformação. A mulher precisa, em primeiro lugar, Isabelle Ludovico cuidar do seu coração porque dele proé economista e psicóloga, cedem as fontes da vida. Ela precisa peespecialista em neirar o impacto negativo de sua história Terapia Familiar familiar e da sociedade para encontrar a Sistêmica e membro do CPPC, autora do sua vocação: servir a Deus através do prólivro O resgate do ximo. Isto só é possível quando firma sua Feminino publicado pela Mundo Cristão identidade, não no ter e no fazer, mas no ser, consciente de ser filha do Deus altíssimo, adotada e amada incondicionalmente.
Com esta convicção, ela pode reconhecer a verdade sobre quem ela é: suas qualidades, talentos e dons, mas também suas fraquezas, incoerências e falhas. Cultivando a humildade e a simplicidade, ela contribui para construir relações de respeito mútuo e coloca-se a serviço do outro para alavancar seu crescimento e mobilizar seus recursos. Uma relação homem/ mulher apaziguada gera famílias onde os filhos podem desabrochar e descobrir suas próprias vocações. Abrir mão do poder para amar repercutirá também na estrutura da igreja de forma a restaurar o projeto original de corpo e noiva de Cristo, em relações mais horizontais de edificação pelo exercício dos dons.
PRECISAMOS REENCONTRAR O CAMINHO DO CORAÇÃO QUE NOS PERMITE CONSTRUIR RELAÇÕES DE CARVALHOS DE JUSTIÇA AFETO COM O OUTRO E Em vez de tentar usar Deus ao PRINCIPALMENTE nosso serviço, somos chamados a servi-lo, sendo carvalhos de jusCOM DEUS tiça, indo ao encontro dos que so-
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frem toda sorte de exploração, sendo voz dos que não são ouvidos, levando esperança aos excluídos. A mulher precisa caminhar ao lado do homem, não atrás como fazia antigamente, nem na frente, como é tentada a fazer hoje. Ela precisa olhar além do seu umbigo, de seus projetos egocentrados, para engajar-se na transformação da sociedade. Sou grata por mulheres como Zilda Arns que desenvolveu a pastoral da criança e Marina Silva que levantou a bandeira da luta contra a corrupção e a favor dos excluídos, pois são fonte de inspiração. Foram duas mulheres – Rachel Carson e Ellen Swallow – que iniciaram o movimento ecológico. Saúdo as empreendedoras sociais como Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares. Três mulheres – a presidente da Libéria, Ellen Johnson
AMADAS DO PAI, RESGATADAS POR CRISTO E CAPACITADAS PELO ESPÍRITO
Sirleaf, a militante Leymah Gbowee, também liberiana, e a jornalista e ativista iemenita Tawakkul Karman – foram laureadas com o Prêmio Nobel da Paz de 2011. Entre nós, temos Margaretha Adiwardana, presidente e fundadora da Associação Missão Esperança (AME), que socorre as vítimas de desastres ambientais em todo o mundo, em uma perspectiva de Missão Integral que gere condições de sustentabilidade, educação e crescimento. Não posso deixar de mencionar as muitas missionárias anônimas que dedicam suas vidas a pregar o Evangelho levando não apenas a Palavra, mas também proporcionando condições de vida digna através de ações sociais que promovam o desenvolvimento individual e coletivo. Fomos criadas à Imagem de um Deus trino, um Deus cujo amor se expressa de forma perfeita na relação entre o Pai, o Filho e o Espírito, e que nos convida a participar desta comunhão. Por isto, nossa essência é sermos filhas amadas do Pai, resgatadas por Cristo e capacitadas pelo Espírito. Qualquer projeto que não esteja fundamentado nesta essência gerará frustração, desencontros e amargura. Cabe a nós escolher a melhor parte: a intimidade com Deus que gera vida em abundância!
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EPÍSTOLAS [ CARTAS DOS LEITORES ]
PALAVRA DO FUNDADOR comunidade cristã, e a Sepal, organização missionária de alto padrão e apoio à ação pastoral e evangelizadora da igreja brasileira. A leitura de LH vai tornar pastores e líderes ainda mais capazes de cumprir a missão que Deus lhes entregou. Eude Martins, assessor de projetos especiais da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB)
LIDERANÇA HOJE será, com certeza, um dos mais significativos recursos a agraciar o ministério cristão. Tenho o prazer de apoiar a sua missão e seu propósito. Como editor-fundador de sua irmã americana, Leadership Journal, estou bem inteirado dos enormes desafios enfrentados diariamente por pastores e líderes cristãos. E, em meio a esses desafios, muitas vezes opressivos, “todo pastor precisa de um pastor”. Nunca foi tão grande a necessidade por soluções biblicamente inspiradas, conselhos práticos testados pelo tempo, perspectiva equilibrada e encorajamento pessoal. Um recurso criativo como LIDERANÇA HOJE fala diretamente e com força a essas necessidades. Espero que LIDERANÇA HOJE se torne um dos “melhores amigos” de pastores e líderes cristãos. Paul D. Robbins, ex-presidente e ex-publisher de Christianity Today Internacional
LIDERANÇA HOJE há de se constituir em uma grande bênção para a igreja de Cristo no Brasil, bem como para os líderes que Deus tem chamado para liderar seu povo nesses dias tão desafiadores e tenebrosos. Estou certo de que esta revista será um instrumento de Deus para termos líderes que exerçam uma liderança saudável, centrada na Bíblia. Gilson Bifano, diretor do ministério OIKOS
O LIDER CRISTÃO DO FUTURO
PARADIGMA DO REINO
Ao falar do perfil do líder cristão no século 21, Henri Nouwen nos diz que o “líder cristão do futuro é chamado para ser completamente irrelevante”. É difícil, mas necessário buscar a relevância da irrelevância! Ou seja, deixar que a nossa liderança seja marcada pelo amor e pelo serviço sob o lema de João Batista, que dizia “que ele, Jesus, cresça e eu diminua”. É minha oração que a revista LIDERANÇA HOJE nos ajude a formar uma liderança que seja testemunha do amor de Deus e esteja a serviço do outro como um sinal do Reino de Deus, uma liderança que busque a relevância da cruz de Jesus. Valdir Steuernagel, teólogo e presidente da Aliança Cristã Evangélica Brasileira
Ao escrever cartas às igrejas, Paulo as saudava com a paz e a graça. Saudar com a paz e a graça representa desejar o que se sente. Compartilho, por meio de LIDERANÇA HOJE, com os pastores(as) e líderes a paz e a graça cujas fontes eternas estão em Deus. E vos conclamo à oração juntos por lideranças voltadas para o paradigma do Reino de Deus e não para a lógica do mercado. Lyndon de Araújo Santos, presidente da Fraternidade Teológica Latino-Americana – Setor Brasil
PREVISÃO BÍBLICA Tempos em que padrões morais estão se desfazendo, como disse John Stott, reclamam líderes. E liderança se aprende. Seja bem-vinda LIDERANÇA HOJE, que vem apoiar pastores e líderes, uma provisão baseada na previsão bíblica: Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. (Ec 4.10, ACF). Segisfredo Wanderley, pastor e escritor
EXTRAORDINÁRIA FERRAMENTA A liderança cristã brasileira ganha uma extraordinária ferramenta de apoio ministerial com a chegada ao Brasil da revista LIDERANÇA HOJE, fruto da parceria entre Cristianismo Hoje, uma revista aprovada e apreciada pela 70 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
INSTRUMENTO DE DEUS
QUALIDADE E RELEVÂNCIA É muito bem-vindo o lançamento de uma revista que reflete esse assunto com o objetivo de fortalecer pastores e líderes. A parceria entre Cristianismo Hoje e Sepal, e sua equipe de colaboradores internacionais e nacionais só abrilhantam e garantem a qualidade e relevância do conteúdo desta revista. A Igreja Brasileira saúda a chegada da revista LIDERANÇA HOJE. Carlos Alberto de Quadros Bezerra, pastor-presidente internacional da Comunidade da Graça
RESGATE DA CREDIBILIDADE Estava na hora de surgir um periódico voltado para a realidade brasileira, no que diz respeito à liderança. Saúdo a chegada de LIDERANÇA HOJE e parabenizo-os pelo lançamento desta publicação. Tenho certeza de que os colunistas e os artigos aqui veiculados hão de cooperar para o resgate da credibilidade de nossas lideranças. Paulo Solonca, escritor e assessor do Instituto Haggai
EKKLESIA [ ZIEL MACHADO ]
Integridade: a revolução possível
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ra uma tarde de outono e estava sentado entre estudantes ouvindo atentamente suas histórias de vida. Compartilhavam com alegria sobre como conheceram a Jesus e as mudanças que resultaram deste encontro. Como em todo grupo, ali estavam os mais falantes e entusiasmados, e aqueles que apenas ouviam atentamente os relatos. Muitas vezes esses momentos guardam verdadeiros tesouros, experiências muito profundas e lições que podem nos marcar por toda vida. Foi o que aconteceu comigo, naquele país distante que estava visitando. Posteriormente, uma daquelas pessoas silenciosas se aproximou, pedindo para contar sua história. Aquela jovem médica fez seu relato, de forma tranquila e pausada. A cada frase eu ia me surpreendendo com a fibra daquele testemunho que nasce de uma profunda relação com Jesus, da plena confiança de quem sabe que sua vida está nas mãos do mestre, mesmo quando tudo parece indicar o contrário. Nascida em uma família pobre de seu país, não teve em sua origem simples um impedimento para lutar por seu sonho profissional. Com a valentia típica de pessoas determinadas e muito esforço, ela conseguiu ingressar na Faculdade de Medicina. Durante o curso, passou a participar dos estudos bíblicos do grupo de universitários cristãos e ali tomou a decisão de seguir a Jesus Cristo. Aquela decisão por ele foi muito profunda e provocou, por um lado uma mudança de valores e, por outro, a adoção de novos princípios que ela foi descobrindo nos Evangelhos. Tudo ia bem até o 5º ano de seu curso, onde um professor lhe apresentou a seguinte situação: sua Ziel Machado aprovação na disciplina estava condié pastor da Igreja cionada a concessão de “certos favores”. Metodista Livre-Nikei, diretor acadêmico do Acontece que, em seu país, os professoSeminário Servo de res recebiam seu pagamento em função Cristo, professor da Faculdade de Teologia do número de alunos em classe e a reMetodista Livre, em São provação aleatória era usada por alguns Paulo (SP), e maratonista como forma de assegurar o rendimento. 72 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
Ela recusou aquilo de imediato e, por isso, foi reprovada. E, pasmem: isso se repetiu por três anos consecutivos e fez com que ela, após haver cursado oito anos, abandonasse a faculdade para a qual ingressara com tanto esforço! Ela decidiu não abrir mão de seu compromisso com Jesus Cristo e assumiu o peso daquela enorme injustiça. Dois anos mais tarde, soube que aquele professor havia se aposentado. Assim, retornou à universidade e concluiu seu curso. Ao iniciar sua vida profissional, foi enviada para uma das regiões mais pobres de seu país para trabalhar em uma clínica do governo. Chegando lá, descobriu, dentre outras coisas, que aquele lugar era um dos principais centros abortivos da região; que os medicamentos enviados pelo Estado para serem distribuídos entre a população mais carente, eram vendidos à população por seus colegas médicos, aumentando assim a exclusão e a miséria dos mais pobres daquela região. Inconformada, ela escreveu uma carta de renúncia às autoridades médicas da região, indicando todas as irregularidades e a razão de estar deixando aquele posto, mesmo que isso lhe causasse problemas profissionais. No dia seguinte, seu superior lhe disse: “Não aceito sua renúncia. Sua carta é agora seu novo programa de trabalho. A partir de hoje, serás a nova diretora desta clínica e pode iniciar seu trabalho colocando em ordem os problemas que você mencionou”. Hoje, esta clínica é o centro de referência em saúde pública de seu país. Naquele dia, aprendi que a coisa mais revolucionária neste continente latino-americano não é a ideologia. Descobri que a integridade é a coisa mais revolucionária na História, pois todas as vezes que encontramos líderes íntegros, independentemente de sua posição ideológica, os mais pobres são beneficiados. Descobri também que, como o profeta-estadista Daniel, quando cuidamos de nossa integridade em relação a Deus, ele mesmo cuida de nossa reputação. Nos tempos em que vivemos, que bom seria se nossos líderes e ministérios fossem reconhecidos por esta característica. Certamente todos ganhariam, mas, seguramente, os mais pobres seriam muito mais beneficiados.
MISSIONAL [ OSWALDO PRADO ]
O império do entretenimento
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udo é para Jesus”. Essa frase emblemática tem sido ouvida sistematicamente dentro e fora de nossas igrejas. Hoje é possível se viver o evangelho com ingredientes bíblicos genuínos mesclados com outros, que são acoplados a ele, sem critérios hermenêuticos saudáveis. E, assim, a massa evangélica brasileira vive seu tempo de fantástico crescimento numérico permeada de um movimento de entretenimento visando a fixação e a manutenção dos membros das nossas mais variadas igrejas e comunidades. Essa ferramenta do entretenimento na vida dos cristãos não é nova e tem sido usada pela liderança no decorrer da História. Os primeiros cristãos, ainda sob o jugo do Império Romano, eram contemplados com a política do “pão e circo” diante das atrocidades e perseguições. Em um de seus poemas Rubem Alves escreve: No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo”. O tempo passou, e a busca dos líderes cristãos por criar mecanismos de gerar satisfação parece não cessar. Mergulhados em uma cultura ocidental que tem como um de suas marcas principais as regras de comportamento do mercado, temos levado nosso povo a se manter anestesiado com alguns de nossos projetos de entretenimento. São modelos que privilegiam sempre os resultados, os números, em detrimento dos conteúdos e absolutos da Palavra de Deus. Nesse caminho perverso de um pragmatismo inconsequente, despreza-se o discipulado para a missão e o que importa é ganhar espaço no mercado de almas (e corpos também), sem nos importarmos muito com a ética, a moral e os valores centrais do Reino de Deus. Temos nos regido, via de regra, em muitas ocasiões, por eventos que “animem” nossas audiências, sem que as façamos Oswaldo Prado sentir “culpadas” de não se tornarem disé é vice-diretor de Expansão Missionária cípulas de Cristo e a carregarem dia a dia Sepal Brasil a Sua cruz. Isso inviabilizaria as regras do 74 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
mercado, que precisa sempre crescer e se manter vivo, especialmente diante da concorrência. Esse entretenimento está ligado visceralmente ao avanço da tecnologia. O estilo de vida high tech invadiu a sociedade humana e chegou às nossas comunidades. Por um lado, esses recursos tem sido extremamente benéficos para o avanço do Reino e também para o desenvolvimento de nossas igrejas e das lideranças. Por outro lado, essa tecnologia tem servido também para nos aproximar daquilo que agrada aos sentidos, aos nossos olhos e ouvidos. São verdadeiras superproduções apresentadas em cultos, congressos e conferências. Não perdemos em nada para os grandes shows de artistas consagrados. Isso seria maravilhoso se não ofuscasse a presença doce e simples de Jesus, Senhor da Igreja, e colocasse em evidência pessoas, igrejas e organizações. A missão de Deus é realizada em um ambiente extremamente diferente. Ela envolve pessoas e não estruturas, riscos iminentes e não a manutenção do status quo, a unidade do Corpo de Cristo e não a concorrência de mercado. Sendo assim o povo de Deus em missão não encontra tempo para o entretenimento e nenhum tipo de distração que os tire do objetivo primordial de levar o evangelho de Jesus até o último da terra. Charles Spurgeon estava correto quando disse: “O diabo raramente criou algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo”. Como líderes de nossas igrejas, qual tem sido o nosso posicionamento? Temos sido agentes de manutenção e avanço desse tempo de muita festa e entretenimento? Caminharemos com grandes eventos, com a busca espartana de crescermos numericamente a qualquer custo, de liderarmos conforme as regras de uma empresa que precisa dar resultados? A caminhada missionária faz o caminho inverso. O líder missional é chamado a compartilhar uma mensagem que nem sempre será tão simpática e atraente, a ponto de entreter pessoas. Ao contrário, ele as conduzirá ao compromisso inalienável de viver o evangelho em todas as suas dimensões, sempre com o objetivo de manifestar a glória do Senhor entre todos os povos da terra.
REFLEXÃO [ RICARDO AGRESTE ]
O vale do Rio Grande e o ministério pastoral
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o longo da vida, Deus tem me proporcionado, sem que buscasse, um privilégio que nunca imaginei: a oportunidade de conhecer lugares fantásticos, criados pelas mãos de nosso Deus Criador e esculpidos ao longo dos séculos pelas forças da natureza sob Seu controle. Em viagem recente, fiz o caminho que liga a cidade de Calama, no norte do Chile, ao vilarejo de San Pedro de Atacama. A paisagem do deserto é simplesmente maravilhosa e inspiradora: um conjunto de planícies áridas, regiões rochosas, montanhas de cascalhos com diferentes colorações. Ao fundo deste cenário, vê-se os picos nevados da cordilheira andina. Num dos pontos da viagem, chamou-me a atenção um expressivo vale chamado de Rio Grande, onde existe a marca da passagem de um rio. Seu enorme leito está praticamente intacto, mas seco. Um dia, naquele vale, correu um grande volume de água vindo das cordilheiras. No entanto, por diversos fatores, as águas não mais correm por aquele leito e tudo ao seu redor secou. A imagem deste vale me levou a pensar sobre uma verdade acerca do ministério pastoral. Como pastores, não somos as cordilheiras, fonte primária de água para os vales. Somos como corredeiras ou rios que cortam vales áridos e, com a água que escorrem por seus leitos, promovem vida ao redor. A fonte primária das águas que escoa através de nossos ministérios é o próprio Deus que, com sua graça, abençoa vidas e promove a transformação. O problema é que ministérios pastorais podem se transformar em algo como o vale do Rio Grande – as marcas de seu Ricardo Agreste leito são inquestionáveis e é simplesmené pastor da Comunidade te impossível não notá-las e admirá-las Presbiteriana Chácara devido ao seu tamanho e aparência; no enPrimavera, coordenador da área de Teologia tanto, não corre mais a água que mudaria Pastoral do Seminário aquela região. Esses ministérios tornamPresbiteriano do Sul e diretor do Centro -se estruturas grandes e expressivas, mas de Treinamento para áridas no que diz respeito à ação de Deus Plantadores de Igrejas (CTPI) através delas. 76 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
Por outro lado, podemos encontrar ministérios pastorais que, diferentemente do vale do Rio Grande, podem até passar desapercebidos aos olhos de muitos. No entanto, fazem profunda diferença na vida daqueles sob sua influência. Funcionam como pequenos veios de água que descem das cordilheiras e se transformam em pequenos riachos que, por onde passam, promovem vida e transformação. O poder para tal não vem deles mesmos, mas sim da água que escoa através deles, vinda da fonte primária: nosso Deus Criador e Redentor. Mas, ao fazer esta comparação, não quero estabelecer uma lógica simplista a qual afirma que grandes ministérios são como vales áridos e pequenos ministérios são correntezas de água viva. Isso não seria verdadeiro! Há ministérios pastorais expressivos através dos quais as águas vivas escoam promovendo mudança de vida. Da mesma forma, existem ministérios pastorais pequenos que são áridos, desprovidos de qualquer sinal de vida. A diferença não reside no tamanho, mas na consciência. Minha intenção é resgatar na vida do pastor a consciência de que nosso papel é manter-nos conectados à fonte primária da vida, nosso Deus. Precisamos constantemente relembrar nossos corações de que a promoção de vida e transformação não se dá por nossas próprias palavras ou atitudes, mas pela maravilhosa graça de Deus que escoa através delas, fazendo diferença nas vidas daqueles que estão sob nossa influência. Por isso mesmo, nossa preocupação primária não deveria estar em quão notável é nosso ministério pastoral, mas em manter-nos conectados à Fonte da Vida, para sermos canais da bênção de Deus. Além disso, devemos nos precaver para que nossos ministérios, na medida em que crescem e se tornam expressivos, não percam a consciência de que o poder transformador não reside em nós, mas na graça que flui de Deus. Se perdermos a consciência de que somos simplesmente canais e não fonte, nossos ministérios podem se transformar em algo muito parecido com o vale do Rio Grande.
RENOVARE [ EDUARDO ROSA ]
Liderança e espiritualidade
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enho falado e escrito sobre espiritualidade. Percebo certa resistência a este tema: via de regra ele é tratado como algo intimista, privado, não prático, mais próprio do mundo da contemplação do que da ação. Talvez isto explique a razão do baixo interesse que desperta em pessoas postas na posição de liderança. É uma característica marcante de qualquer líder o foco na ação. Planejamento, mobilização, decisão e capacidade de realização estabelecem um ritmo frenético totalmente baseado no fazer. Resultados tornam-se os grandes indicadores do sucesso do seu esforço e, consequentemente, são os elementos estruturadores de sua identidade. Líderes são pessoas de ação, não tem tempo a perder com contemplação. Conclusão errônea: liderança e espiritualidade habitam em duas esferas diferentes. A fim de desfazer este equívoco, “mergulhei” na rica tradição da espiritualidade cristã para identificar líderes que fizeram da espiritualidade o alicerce de sua liderança. Percebi que líderes realmente espirituais conseguiram equilibrar, de maneira impressionante, dois aspectos fundamentais: fecundidade e produtividade. Produtividade é a capacidade de produzir resultados; com ações eficientes, fazer coisas acontecerem. O resultado da produtividade é o produto. Líderes produtivos sempre têm produtos a apresentar. O problema é que máquinas e não somente pessoas podem gerar produtos. A fecundidade, por sua vez, é a capacidade de gerar e transmitir vida. Líderes fecundos são aqueles que produzem resultados externos sem causar o empobrecimento de sua vida interior. Eduardo Rosa Não raro encontro pessoas altamené pastor da Comunidade te produtivas, mas vazias interiormente, Presbiteriana da Barra da Tijuca, um dos líderes enfrentando um cansaço que vai além do ministério Renovare do físico. Perderam-se na produtividaBrasil e mestre e doutor de sem fecundidade. Paradoxalmenem Teologia pela PUC-RJ te, apesar de toda sua produtividade 78 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
exterior, encontram-se em um estado de esterilidade interior, que é oposto da fecundidade. Podemos fazer muitas coisas, produzir muito, porém, sem gerar vida. O legado da fecundidade são frutos, não produtos. O fruto é sempre um “resultado” de uma conexão vital. É a uva que nasce da conexão do ramo à videira. Para haver fruto é necessário haver vida. Eis porque os líderes fecundos realizaram coisas maravilhosas, criaram projetos bem sucedidos, demonstraram resultados, mas preservaram amizades, aprofundaram vínculos, não se tornaram pessoas intratáveis. Souberam orar e trabalhar, agir e contemplar, serem produtivas e ao mesmo tempo fecundas. É como disse muito bem Henri Nouwen: “Não quero insinuar que a produtividade seja condenável ou tenha de ser menosprezada. Pelo contrário, produtividade e sucesso têm meios para realçar nossa vida enormemente. Porém, quando o nosso valor enquanto seres humanos depende daquilo que fazemos com nossas mãos e mentes, tornamo-nos vítimas da estratégia de medo empregada em nosso mundo. Quando a produtividade é a maneira principal que dispomos para sobrepujar as nossas próprias incertezas, ficamos extremamente vulneráveis à rejeição e às criticas e propensos à ansiedade e depressão. A produtividade não pode nunca proporcionar o sentimento profundo de pertença pelo qual ansiamos. Quanto mais produzimos, mais nos damos conta de que sucesso e resultados não conseguem dar-nos a sensação interna de estarmos no aconchego do lar. Com efeito, nossa produtividade, muitas vezes, revela-nos que somos impelidos pelo medo. Neste sentido, esterilidade e produtividade são o mesmo: ambas podem ser indícios de que duvidamos de nossa capacidade de viver uma vida fecunda”. Liderança e espiritualidade não estão em mundos diferentes: se complementam, se reclamam mutuamente. Quando unidas, geram líderes altamente produtivos – e profundamente fecundos.
EXEGESE [ DR. RUSSELL SHEDD ]
Liderança segundo Deus
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ma característica da natureza humana é uma ambição inata. Quem não quer ser alguém? Quem não quer subir no palco e ouvir as palmas bater? Superados os problemas de segurança e alimentação, diz o psicólogo Abraão Maslow, o homem quer sentir que valeu a pena viver. Ele quer fazer diferença, deixar um legado positivo. Apenas existir durante algumas décadas na terra não cria no íntimo aquele sentimento agradável que ele contribuiu algo de valor ao mundo. Se a origem deste incômodo vem de Deus, podemos entender porque Paulo escreveu 1 Timóteo 3.1: Digna de crédito é esta verdade. Se alguém almeja ser bispo (epíscopos, isto é, um supervisor responsável para uma comunidade), deseja uma excelente (kalos, bela, agradável) obra ou função. Poderíamos dizer: “Quem tem a ambição de ser líder de uma igreja cristã, quer algo que satisfará um profundo desejo em seu coração”. Examinemos as condições básicas que Paulo alistou para seu discípulo querido, e o ideal para todo aquele que se sente chamado por Deus para conduzir uma igreja local.
Qualificações do líder: 1. O candidato deve querer esta posição. Ainda que seja praxe em concílios, convocados para pedir do pretendente ao ministério pastoral uma confirmação que ele tenha um chamado para tal, Paulo emprega a palavra “quer”. Pedro concorda: “Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade” (1 Pe 5.2). Sugere que, se falta este desejo, o candidato não deve ser considerado vocacionado por Deus. 2. Deve ser irrepreensível, isto é, sem falhas morais ou éticas que poderiam diminuir sua aceitação da parte de Deus e da igreja como líder. 3. Não pode ser casado com mais do que uma mulher. 4. Deve ser uma pessoa equilibrada sem tendências extremistas. Dr. Russell Shedd é Ph.D. em Novo 5. Deve ter domínio sobre suas emoções Testamento pela e apetites. É também o último item na lista Universidade de do fruto do Espírito (Gl 5.23). Edimburgo (Escócia), pastor, professor, 6. Deve ser digno de respeito da escritor e conferencista parte daqueles que conhecem bem o seu 80 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
caráter, isto é, ter qualidades de integridade, honestidade e confiabilidade, sem ações e atitudes que desmentem suas palavras. Pratica o que prega. 7. Gosta das pessoas; gosta de hospedar irmãos que necessitam cuidados básicos – casa e comida. 8. Ele tem facilidade em expor o sentido real e prático da Palavra de Deus. Sendo expositor sério da Bíblia, não omite a responsabilidade de explicar e aplicar o texto às vidas dos ouvintes. Mostra no próprio texto como então Deus quer que Seus filhos vivam no contexto da pós-modernidade. 9. Ele evita qualquer comida, bebida ou droga que possa viciá-lo. Sabe do perigo de se escravizar a um prazer que não seja pecado em si. 10. Ele é manso, portanto não reage à provocações com violência, mas está pronto para perdoar. Longe de querer se vingar, ele cumpre o papel de pacificador e reconciliador. Confrontar pecadores não provoca temores exagerados neste servo do Senhor. 11. Não tem uma personalidade briguenta, mas amável. Tem ouvido para os problemas dos membros da igreja e simpatiza com as pessoas nas intermináveis lutas delas. 12. Não tem nem uma só gota de sangue avarenta cursando pelas suas veias. Seu espírito generoso tem somente os limites dos seus recursos. 13. Vive numa casa ordeira, organizada, que reflete sua disciplina pessoal. Seus filhos são respeitosos e obedientes. Eles amam o Senhor e se sentem privilegiados acima dos colegas da escola que não têm pais tão comprometidos com Deus como eles têm. 14. Não é tão novo na fé que os membros na igreja o reputem imaturo. Feliz no serviço de Deus, sua sabedoria excede em muito os seus anos. Muitas igrejas são lideradas por pastores que carecem de algumas ou mesmo muitas das qualificações que Paulo estipula. Provavelmente, a Timóteo faltava um ou outro destes valores, mas isto não o desqualificou. Ele tinha o aval de Deus segundo 1 Timóteo 4.14! As igrejas terão que avaliar quais são as lacunas que são totalmente inaceitáveis e quais são toleráveis.
COMENTÁRIO [ JOSUÉ CAMPANHÃ ]
Líder, visão e sofrimento
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íder e visão são duas palavras que andam juntas. É praticamente impossível separá-las, uma vez que líderes sem uma visão se tornam gerentes. No entanto, a terceira palavra que compõe o tripé parece, num primeiro momento, estranha. Quando se reflete um pouco mais, começa-se a perceber que, da mesma forma que um triangulo necessita de três lados para ser um triângulo, a linha do sofrimento completa o tripé para que um líder realize sua visão. Jesus foi um líder que veio para servir e dar a sua vida pelos liderados. Sua missão era salvar o povo e sua visão era a cruz. Se ele não chegasse à cruz, morresse e ressuscitasse, sua missão não estaria cumprida. Entretanto, para chegar à cruz Ele passou pelo sofrimento de ver o seu próprio povo rejeitá-lo, os sacerdotes não o verem como Messias, seus discípulos traí-lo e abandoná-lo, e o povo, a quem Ele veio salvar, mandá-lo para a cruz. A visão foi cumprida, sua liderança foi firmada, a igreja estabelecida, mas o sofrimento marcou sua trajetória. José, do Egito, foi escolhido por Deus para salvar o povo e dar continuidade à missão dada a Abraão. Para ver sua visão cumprida, ele foi traído pelos irmãos, vendido como escravo, usado pelos poderosos, preso injustamente e ainda esquecido na prisão. Depois ele foi o governador do Egito e implementou a visão de salvar o povo. Sua família e sua nação não pereceram, mas o sofrimento marcou sua trajetória. Paulo, o apóstolo, foi escolhido por Deus para fazer diferença na vida de um povo. Para cumprir sua visão de levar o Evangelho aos gentios ele sofreu acusações, chicotadas, apedrejamentos, naufrágio, falsas acusações, prisão e esquecimento na prisão. No entanto, em todas as etapas de sofrimento, ele estava exeJosué Campanhã é escritor e diretor cutando a visão; em todos os lugares que da Sepal Brasil sofreu, deixou marcas, e o cumprimento da sua visão alcançou as nações. 82 LIDERANÇA HOJE Primavera 2012
Martin Luther King Jr. tinha uma visão de ver os Estados Unidos livre do preconceito racial e lutou intensamente por isto. Sofreu humilhações pessoais e familiares, ameaças, pressões, privações e, finalmente, a morte. Ele não chegou a ver o resultado da visão que tinha, mas sofreu tudo que podia por ela. Hoje, os Estados Unidos têm um presidente negro, mas um homem no passado se dispôs a iniciar esta luta e sofrer para que isto acontecesse. Hudson Taylor tinha a visão de ver a China ganha com o Evangelho. Depois de ter sido enviado como missionário de uma maneira convencional, ele percebeu que isto não realizaria seu sonho. Ele rompeu com a organização que o enviou, mudou sua roupa, seu estilo de cabelo, sua comida e seus hábitos, para se parecer com os chineses e poder alcançá-los. Por causa disto, sofreu críticas, retaliações, acusações e desprezo dos seus próprios colegas de missão. Anos depois, a missão que Hudson Taylor iniciou tinha mais de 1.500 missionários na China e ele viu parte do que os seus sofrimentos produziram. Centenas de líderes ao longo da história tiveram visões que mudaram o mundo e a vida das pessoas. E é perceptível que todos estes líderes sofreram muito para que sua visão se concretizasse. Afinal, realizar uma visão não se trata apenas de juntar um grupo de liderados, arrumar dinheiro, construir um prédio ou montar uma bela estrutura. As lágrimas de um visionário regam a visão, as dores da sua alma incendeiam outros visionários, o preço do seu sofrimento contagia outras pessoas e a sua perseverança no sofrimento concretiza a visão. Líderes sem visão não constroem nada novo. Visionários que não exercem liderança tornam-se sonhadores que não fazem diferença. No entanto, líderes visionários, dispostos a sofrer pela implementação da visão, e até a dar a sua vida por ela, entram para a história. São aqueles que destroem injustiças para libertar as pessoas ou constroem novos paradigmas para que o mundo seja melhor.