A regência de dom pedro e a independência

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1 A REGÊNCIA DE DOM PEDRO E A INDEPENDÊNCIA 1.

A Revolução Liberal do Porto pôs fim ao período de relativa estabilidade política que o Brasil havia conhecido desde a chegada da família real. As classes dominantes brasileiras aceitaram o absolutismo português, à exceção de Pernambuco, onde ocorrera a Revolução de 1817. Para os grandes proprietários e comerciantes, o rompimento do pacto colonial atenuara alguns dos aspectos mais odiosos do colonialismo. As grandes cidades portuárias do Brasil, o Rio de Janeiro à frente, estavam repletas de comerciantes estrangeiros. Entre eles, destacavam-se os ingleses, que dominavam o comércio de atacado e de varejo devido à sua organização econômica superior, aos processos de financiamento, técnicas de venda – como anúncios em jornal –, pontualidade na entrega e honestidade nos produtos e preços. 1.1. Os comerciantes portugueses sentiam a perda do monopólio, mas nada podiam fazer contra a Coroa portuguesa, pois precisavam de sua proteção contra os brasileiros. Os grande proprietários rurais detestavam o absolutismo de dom João VI, odiavam o fisco português colonial e, em algumas cidades do Nordeste, eram contra o virtual monopólio dos comerciantes portugueses. Mas nada faziam contra o absolutismo. Temiam as insurreições escravas como a que ocorrera no Haiti, em que os brancos foram massacrados e expulsos. Nas cidade do Nordeste, onde era grande o número de negros escravos, esse temor era maior. Lembravam-se de Salvador, onde sempre ocorriam reuniões de conspiradores e tentativas de insurreição dos escravos negros. Temiam que a divisão entre os homens brancos (comerciantes portugueses e proprietários rurais) facilitasse as insurreições. O medo dos escravos negros paralisava a aristocracia branca, que se acomodava com o absolutismo. 1.2. A Revolução Liberal do Porto abalou essa calmaria, configurando uma nova situação política. Tumultos, passeatas, pronunciamentos militares e rebeliões ocorreram em várias partes do Brasil e forçaram dom João VI a jurar a nova Constituição, que estava sendo elaborada em Portugal. (Ao jurar a Constituição de 1821, dom João deixou de ser um monarca absolutista e tornou-se um rei constitucional) 1.3. As cortes portuguesas e a Inglaterra exigiam a volta de dom João VI. A vontade do monarca era permanecer no Brasil, por uma série de motivos, como já vimos em outro capítulo anterior. Os conselheiros reais pensaram em enviar o príncipe herdeiro – dom Pedro – em lugar do monarca, mas as Cortes não aceitaram. A pressão era mais forte, e temendo a perda de seu trono, dom João não resistiu e decidiu voltar. Percebendo que havia a possibilidade de o Brasil tornar-se independente com seu retorno a Portugal, mas querendo preservar a Coroa brasileira na sua dinastia, deixou seu filho, o príncipe Pedro, como regente. (D. João alertou seu filho de que, se porventura houvesse um rompimento entre os dois reinos, seu filho deveria escolher o Brasil.)

2. A REGÊNCIA DE DOM PEDRO E AS PRESSÕES DAS CORTES PORTUGUESAS. 2.1. A regência de dom Pedro teve problemas financeiros logo no início. Dom João e sua nobreza parasitária, ao se retirarem, deixaram os cofres vazios e levaram todo o dinheiro do Banco do Brasil. Para agravar a situação, começaram as pressões das Cortes portuguesas. Ainda em abril de 1821, um decreto das Cortes anulou o ato que havia nomeado dom Pedro regente do Reino Unido do Brasil.


2 2.1.1. O retorno de D. João foi marcado por tumultos. Grupos de brasileiros tentaram impedir o embarque dos bens do tesouro público, enquanto uma quadrinha expressava o sentimento popular: Olho vivo/ pé ligeiro ,/ vamos a bordo/ buscar o dinheiro. ( Mais de 50 milhões de cruzados foram sacados sorrateiramente do Banco do Brasil) 2.2. No dia 29 de setembro de 1821, dois decretos extinguiam vários tribunais brasileiros e exigiram a volta de dom Pedro a Portugal, sob o pretexto de que o príncipe deveria fazer, uma viagem pela Inglaterra, França e Espanha para aprofundar sua educação, de modo que pudesse, algum dia, ocupar condignamente o trono lusitano. 2.3. No dia 1º de Outubro, as Cortes nomearam, para as capitanias, governadores de armas subordinados diretamente à administração lisboeta, procurando esvaziar a autoridade do governo do Rio de Janeiro. 2.4. As províncias do Grão-Pará e da Bahia, as mais ricas e populosas do Brasil, haviam declarado fidelidade às cortes de Lisboa. Outras províncias do Nordeste, com exceção do Ceará e Pernambuco, estavam prestes a seguir o mesmo caminho. Minas Gerais estava em dúvida, não sabia se seguia o governo do príncipe regente ou se se tornava completamente autônoma. No Rio de Janeiro, com exceção das tropas portuguesas e dos poucos funcionários portugueses temerosos de perder o emprego, todos queriam manter o príncipe no Brasil. São Paulo, devido à influência de José Bonifácio de Andrade e Silva, apoiava o governo do Rio de Janeiro. O Sul do país e a Província Cisplatina (chamava-se assim a província mais meridional do Brasil, a ele incorporada desde 1821.chamada depois Banda Oriental e hoje Uruguai), onde as tropas portuguesas eram fortes, tendiam a se sujeitar às Cortes lisboetas. 2.5. O príncipe regente, porém, não se dispunha a voltar a Portugal, porque sabia que seu pai era um rei sem poder, decorativo e prisioneiro das Cortes. Os comerciantes portugueses e estrangeiros viam no retorno do príncipe o início da anarquia. Os portugueses temiam ficar sem a proteção do príncipe contra os nacionalistas antilusitanos. Foi nesse contexto que a idéia de rompimento com Portugal começou a se fortalecer. 2.6. Diante da pressões das Cortes, os comerciantes que não queriam o restabelecimento do pacto colonial tornaram-se adeptos da independência. Burocratas desempregados com a extinção dos tribunais e outros departamentos do governo tornaram-se também partidários da independência. Temiam guerras civis e agitações, não desejavam a anarquia e a implantação de uma república. Burocratas e comerciantes eram contrários ao separatismo de várias províncias e queriam manter a unidade do país. Por isso, tornaramse partidários de uma independência negociada, com o príncipe regente no poder. 2.7. Advogados, padres e professores partidários da monarquia também temiam o republicanismo e a ameaça da anarquia. Os grandes proprietários rurais receavam a volta do sistema colonial, que criaria embaraços para a venda dos produtos agrícolas. Mais que isso, temiam o surgimento de lutas armadas pela independência, como estava ocorrendo na América espanhola. Lá, essas lutas criavam múltiplos países, fracos e instáveis politicamente. Os grandes proprietários temiam que das lutas de independência pudesse ocorrer a fragmentação da unidade política do Brasil, o questionamento de seu poder e de seus privilégios e, além disso, a abolição da escravidão.


3 2.8. Os interesses de todos esses setores convergiam para uma independência feita sob o comando do príncipe regente dom Pedro. 3. JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA. 3.1. José Bonifácio de Andrada e Silva, membro de uma abastada família paulista, era um monarquista liberal moderado, isto é, partidário de uma monarquia constitucional. Estudou direito em Coimbra onde se formou em direito e filosofia e em ciências naturais. Em 1789 foi denunciado à inquisição por negar a existência de Deus. Amigos e parentes influentes conseguiram tirar seu nome da lista, enviando-o para os climas mais amenos da Europa do Norte. Durante os anos revolucionários de 1790/91, ele estava na França, estudando química e geologia. Em 1800, Bonifácio voltou a Lisboa e foi nomeado intendente das Minas e Metais. Depois, participou da luta contra o invasor francês. Só retornou ao Brasil em 1819. Baixinho, curvado, grisalho, de olhar malicioso; vaidoso, enérgico, teimoso, ateu e mulherengo, José Bonifácio tornou-se o principal arquiteto da Independência. 3.2. Assim como a maior parte da aristocracia rural, Bonifácio foi partidário de uma monarquia ligada a Portugal até o momento em que percebeu que a política das Cortes portuguesas em relação ao Brasil tornava a opção inviável. Foi José Bonifácio que, temeroso de uma independência feita pelos representantes radicais do liberalismo , articulou o apoio das elites agrárias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para a independência com dom Pedro no poder. 4. O PAPEL DA MAÇONARIA E DA IMPRENSA. 4.1. Depois de 1821, quando obteve liberdade de atuação, a Maçonaria conheceu grande expansão no Brasil, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Em suas reuniões, os maçons discutiam a independência e faziam agitação e proselitismo (adeptos, partidários) em favor da idéia. Alguns membros, como o liberal radical Gonçalves Ledo, eram partidários de uma independência democrática e republicana. 4.2. O crescimento das lojas maçônicas, com a entrada de grandes proprietários rurais moderados, de José Bonifácio (que não era maçom convicto; virou Grande Irmão do Oriente) e do próprio príncipe regente, tornou a instituição mais moderada: passou-se então a discutir a idéia de uma independência com dom Pedro no poder. Foi a Maçonaria que articulou o Dia do Fico. 4.2.1. As Cortes portuguesas exigiram o retorno de D. Pedro I a Portugal. Devido a sua formação absolutista, D. Pedro não aceitaria uma ordem vinda de um parlamento liberal. As elites do Centro-Sul sabiam disso e o convenceram a permanecer no Brasil. O Imperador recebeu uma tocante carta de José Bonifácio. Segundo ela, as Cortes de Lisboa, baseadas “no despropósito e no despotismo”, buscavam impor ao Brasil “um sistema de anarquia e escravidão”. Movidos por uma “nobre indignação”, os paulistas estavam “prontos a derramar a última gota do seu sangue e a sacrificar todas as suas posses para não perder o adorado príncipe”, em quem colocavam “ suas bem-fundamentadas esperanças de felicidade e honra nacional”. 4.2.2. Os cariocas, que pensavam da mesma maneira organizaram um abaixo-assinado com 8.000 nomes e o entregaram ao príncipe uma semana depois, numa cerimônia realizada ao meio-dia de 9 de janeiro de 1822. Depois de ler o documento, d. Pedro


4 anunciou solenemente sua decisão: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. Seguiu-se a assinatura do decreto do Cumpra-se, segundo o qual as leis enviadas de Lisboa não poderiam ser aplicada aqui sem receber o Cumpra-se do regente. 4.3. A imprensa no Brasil foi instalada com a vinda da família real, mas até a Revolução Liberal do Porto tinha cunho oficialista, noticiando apenas os decretos do governo e as fofocas agradáveis da Corte. Nada mais sério. Depois da Revolução do Porto, a atividade da imprensa se intensificou no Rio de Janeiro. Inicialmente, surgiram jornais comprometidos com o constitucionalismo das Cortes. Depois, esse jornais passaram a se opor à política das Cortes em relação ao Brasil, embora alguns defendessem a permanência do Brasil como Reino Unido a Portugal e Algarves. 4.4. Outros jornais como Revérbero Constitucional Fluminense evoluíram para a defesa de uma independência sustentada numa organização política liberal e representativa. A imprensa foi muito importante no proselitismo das idéias de independência entre as elites da época. 5. AS DIFERENTES IDÉIAS DE INDEPENDÊNCIA. 5.1. Nos momentos que precederam a independência, havia três correntes políticas no Brasil. O chamado “partido português”, formado por comerciantes que queriam restabelecer o monopólio comercial, parte dos burocratas e militares contrários à independência e que apoiavam a política das Cortes de recolonizar o Brasil. O nome português não se refere à nacionalidade dos correligionários, pois havia muitos que nascidos no Brasil, defendiam essa posição, enquanto muitos portugueses defendiam a independência. 5.2. O chamado “partido brasileiro” era formado por setores dominantes da sociedade brasileira, como os grandes proprietários rurais, comerciantes portugueses, brasileiros e estrangeiros, favorecidos pelo livre comércio, e altos funcionários de recolonização das Cortes, a principio não eram favoráveis à independência, pois queriam manter o Brasil como uma monarquia associada à monarquia portuguesa. Mas, percebendo que sua proposta política era inviável, passaram a apoiar a independência com dom Pedro no poder. 5.3. O terceiro grupo era composto de setores das classes médias urbanas da época (jornalistas, médicos, padres, funcionários públicos dos baixos escalões, professores etc.) Formavam o chamado Partido Liberal Radical. Muitos eram militantes da Maçonaria e defendiam, além do rompimento com Portugal, a implantação de uma república democrática. No entanto, passaram aceitar a monarquia constitucional com dom Pedro no poder, depois do Dia do Fico, devido à fraqueza das camadas médias da população.


5 5.4. QUADRO CARACTERÍSTICO DOS PARTIDOS POLÍTICOS DURANTE A REGÊNCIA DE DOM PEDRO I “PARTIDO PORTUGUÊS” INTEGRANTES (EM Comerciantes e SUA MAIORIA) militares portugueses.

POSIÇÕES POLÍTICAS

Contrários à liberdade de comércio (“Abertura dos portos”, 1808)

“PARTIDO BRASILEIRO” Aristocracia rural, grandes comerciantes brasileiros e burocracia administrativa.

Defendiam a liberdade de comércio e a autonomia administrativa (“elevação do Brasil a Reino Unido”). Favoráveis ao regime monárquico. Num primeiro momento propuseram uma monarquia dual (Brasil e Portugal se equiparariam e cada um teria sua representação no poder central). Depois aderiram à idéias de emancipação. PROJETO POLÍTICO Invalidar a situação de Efetivar a relativa independência independência com da colônia estabelecida alterações no plano por D. João VI. econômico-social.

“ RADICAIS” Profissionais liberais, pequenos e médios comerciantes brasileiros e alguns elementos do clero (basicamente, no conjunto, parte da população urbana brasileira). Defendiam a completa emancipação política. Eram contrários à escravidão e aos privilégios da camada dominante. Eram favoráveis ao estabelecimento do regime republicano.

Efetivar a independência com alterações no plano econômico-social. A república seria implantada.

(“apesar das denominações “partido português” e “partido brasileiro” já serem consagradas pela historiografia, achamos oportuno fazermos duas considerações. Em primeiro lugar não podemos considerá-los partidos políticos, entendidos como associações de pessoas unidas pelos mesmos ideais. Eram grupos de indivíduos que se uniram para defender os seu interesses econômicos. As denominações também não indicam nacionalidades (portugueses contra brasileiros). Havia brasileiros no “partido português” e portugueses no “partido brasileiro”. 6. ROMPIMENTO COM PORTUGAL


6 6.1. prazo dado pelas Cortes para o retorno de Dom Pedro a Portugal estava se esgotando. José Clemente Pereira, maçom e presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, começou a circular um abaixo-assinado, pedindo a dom Pedro que desobedecesse às ordens das cortes e permanecesse no Brasil. Com a força da Maçonaria e o apoio da imprensa, colheu oito mil assinaturas, que entregou a dom Pedro. O regente sabia que sua volta a Portugal precipitaria a independência e, por isso, no dia 9 de janeiro de 1822, quando lhe foi entregue a lista, deu a célebre resposta: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. 6.2. apoio da elite rural de São Paulo surgiu representado na figura de José Bonifácio, presidente da junta governativa da província. Aproveitando-se do apoio da população do Rio de Janeiro, o regente demitiu o ministério deixado pelo pai e nomeou outro. Neste, a maior figura era José Bonifácio de Andrada e Silva, nomeado ministro do reino e também dos estrangeiros. 6.3. A Divisão Auxiliadora, uma tropa portuguesa comandada pelo general Avilez, tentou resistir, mas foi rechaçada pelas tropas que dom Pedro conseguiu organizar entre os fluminenses. As Cortes portuguesas enviaram novas tropas para Pernambuco e Rio de Janeiro. Urgia organizar as defesas. José Bonifácio alertou os grandes proprietários do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais sobre os perigos da anarquia, conseguiu empréstimos e doações para pagar o soldo das tropa e contratar mercenários estrangeiros. Preparava-se para lutar contra as províncias e tropas fiéis a Portugal ou contra aqueles que tentassem realizar uma independência que contrariasse os interesses dos grupos dominantes. Os mercenários eram ingleses (como Cochrane e Greenfel ), franceses (como Labatut) e de outras nacionalidades. 6.3.1. COCHRANE: Apelidado de “lobo-do-mar” por Napoleão, lorde Cochrane era um dos mais brilhantes comandantes navais do mundo. Ao se envolver num escândalo na Bolsa de Valores de Londres, foi demitido da Marinha britânica. “Alugou” seus serviços ao Peru e ao Chile, e foi figura chave na independência desses dois países, até ser contratado por d. Pedro como almirante da Marinha brasileira. Cochrane reprimiu os rebeldes do Maranhão e de Pernambuco, tornando-se personagem polêmico na consolidação da independência. 6.4. As tropas enviadas por Portugal para o Rio de Janeiro e Pernambuco foram proibidas de desembarcar, sob a ameaça de serem recebidas a bala. As províncias estavam divididas quanto à política adotada em relação às Cortes portuguesas. Ceará e Pernambuco, depois de alguma hesitação, aceitaram o governo do Rio de Janeiro; Bahia, Piauí, Província Cisplatina e Grão-Pará declararam-se ligados às Cortes lisboetas. 6.5. O crescimento do poder dos irmãos Andrada (José Bonifácio e Martim Francisco) fez surgir em São Paulo uma oposição política a eles. Dom Pedro viajou para a província a fim de pacificá-la. Durante essa viagem, o príncipe regente proclamou a independência. 7. A INDEPENDÊNCIA. 7.1. O príncipe não estava bem. Teria sido a água salobra de Santos ou algum prato condimentado do jantar da noite anterior? Não se sabe – nem ele sabia. O fato é que uma diarréia o atacara, e a cavalgada pela tortuosa estrada que conduzia da Baixada Santista ao platô de São Paulo não tinha ajudado em nada a recuperação do combalido ventre principesco.


7 7.2. De São Paulo para Santos haviam partido o major Antônio Ramos Cordeiro e o correio Paulo Bregaro, com um maço de cartas urgentes para d. Pedro. No instante em que chegaram às margens do riacho chamado Ipiranga, divisaram alguns membros da guarda de honra parados numa colina. Dom Pedro estava à beira do córrego, “quebrando o corpo” – agachado para “responder a mais um chamado da natureza”. A correspondência lhe foi entregue enquanto ele abotoava o uniforme. As circunstâncias não eram as mais indicadas para a “perpetração da façanha memorável”. Mas as notícias eram de tal forma definitivas e perturbadoras que, depois de ler amassar e pisotear as cartas, d. Pedro montou “ sua bela besta baia”, cavalgou até o topo do outeiro (colina) e gritou a guarda de honra: “ Amigos, as Cortes de Lisboa nos oprimem e querem nos escravizar... Deste dia em diante nossas relações estão rompidas”. 7.3. Depois de arrancar a insígnia portuguesa de seu uniforme, o príncipe sacou a espada e, às margens plácidas (serena, tranqüila) do Ipiranga, bradou, heróico e retumbante: “Por meu sangue, por minha honra e por Deus: farei do Brasil um país livre”. Em seguida, erguendo-se nos estribos e alçando a espada, afirmou: “Brasileiros, de hoje em diante nosso lema será: Independência ou morte”. Eram 4 da tarde de 7 de setembro de 1822 e o sol, em raios fúlgidos (resplandecente, brilhante), brilhou no céu da pátria nesse instante. 7.4. As cartas que d. Pedro rasgara tinham sido enviadas pelas Cortes de Lisboa (onde o chamavam de “rapazinho” ou “brasileiro”) e acintosamente informavam que, em vez de regente do Brasil, o príncipe passava a ser mero delegado das Cortes; que seus ministros seriam nomeados em Lisboa; e que aqueles que haviam apoiado no episódio do “Fico” eram traidores. Em meio às cartas, vinha uma de seu conselheiro, José Bonifácio de Andrada e Silva. “ A sorte está lançada”, dizia Bonifácio, “ nada temos a esperar de Portugal, a não ser escravidão e horrores”. 7.5. A diarréia estragara o dia de d. Pedro, mas, apesar da crise das Cortes e das dores de barriga, o príncipe vivia um período luminoso. Dois dias antes, “numa viela pouco freqüentada de Santos”, vira uma “mulata de grande beleza” e, “com o gesto rápido de quem não quer perder a caça, embargou-lhe o passo” e a beijou. A moça o esbofeteou e fugiu. Embora tenha tentado comprá-la, ao descobrir que era escrava, o príncipe ignorou a rejeição: fazia uma semana, estava apaixonado. No dia 29 de Agosto, em São Paulo, d. Pedro conhecera aquela que, entre incontáveis candidatas, seria a mulher de sua vida: Domitila de Castro Canto de Melo, futura marquesa de Santos. No dia 5 de setembro, quando partiu para uma inspeção a Santos, o príncipe e Domitila já eram amantes – e seriam por sete anos. 7.6. A historiografia oficial brasileira criou o mito da independência pacífica do Brasil, mas essa pacificidade só existiu nos livros ufanistas de história. Algumas províncias não aceitaram o governo do Rio de Janeiro (Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e Cisplatina) e se rebelaram. A luta nessas províncias foi longa e causou milhares de mortes em combates ou por atrocidades cometidas de ambos os lados. 7.7. A independência completou-se quando todas as províncias foram reunidas em torno do governo do Rio de Janeiro, e liquidaram-se todas as demais opções. As alternativas iam desde outros movimentos de autonomia política que queriam a república até a união política com as Cortes portuguesas. Em 12 de outubro de 1822,D. Pedro foi aclamado imperador e em 1º de dezembro, numa cerimônia pomposa, dom Pedro I foi coroado imperador do Brasil.


8 8. FRAGMENTAÇÃO POLÍTICA DA AMÉRICA ESPANHOLA E UNIDADE POLÍTICA DO BRASIL. 8.1. Com a independência política, a América espanhola fragmentou-se numa série de repúblicas frágeis e turbulentas. O Brasil, no entanto, preservou sua unidade política, com o regime monárquico, mantendo a dinastia européia reinante e sem qualquer laço de dependência com a antiga metrópole. Vejamos como isso foi possível. 8.2. O Brasil passou por problemas semelhantes aos da América espanhola. Os pólos brasileiros de desenvolvimento, no período colonial, também eram voltados para o mercado externo; as comunicações entre as regiões eram difíceis; havia falta de unidade econômica enter as várias regiões; as oligarquias regionais brasileiras também tinham interesses específicos e diferenciados. Porém, ao contrário da América espanhola, a unidade política foi mantida. Na manutenção da unidade política brasileira, a transferência da Corte para o Brasil teve papel fundamental. 8.3. Conflitos entre a Inglaterra e a aristocracia rural brasileira existiam desde 1810, quando aquele país começou a pressionar pelo fim da escravidão. Os grandes proprietários rurais brasileiros mantinham-se unidos a Portugal, para que as pressões inglesas não surtissem efeito. Quando os liberais assumiram o poder em Portugal, aristocracia rural brasileira percebeu que as pressões singelas para abolir a escravidão poderiam obter sucesso. Muitos deputados das Cortes portuguesas foram educados com os princípios da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Abominavam a escravidão, a mais completa negação desses princípios. A classe dominante brasileira, sentindo-se sem proteção contra as pressões inglesas, optou pela independência. 8.4. Os homens realizaram a independência eram liberais, do ponto de vista econômico e político, mas não sob o aspecto social. Falavam em liberdade de comércio, na existência dos três poderes, em Constituição, mas não em libertação dos escravos e promoção social das massas marginalizadas. Eram conscientes da insegurança social que adviria de uma luta pela independência, provocada pelas tensões raciais e sociais. Temiam a fragmentação do país, tal como ocorrera na América espanhola. Por isso, fizeram um acordo com a dinastia reinante e simplesmente se apropriaram do Estado que já estava instalado e organizado desde a vinda da família real. 8.4.1. O Estado era útil para preservar seus privilégios – o latifúndio, a escravidão, a dependência do mercado externo – e manter afastados do poder os brancos pobres, os libertos e os escravos. Afinal, o Estado estava bem-aparelhado, pois dom João criara boas instituições militares, policiais e judiciais para precaver-se contra as idéias da Revolução Francesa, que haviam se infiltrado e desenvolvido por toda a América espanhola. Arriscar-se numa luta com os Bragança seria o caos e poderia causar o que não se desejava. 8.5. As lutas pela independência da América espanhola, com as disputas entre as oligarquia dominantes, haviam levado à fragmentação política da região. A participação dos negros nessas lutas garantira a libertação dos escravos e causara uma série de lutas civis que marcaram o século XIX naquela região. Os aristocratas brasileiros não queriam trocar o certo pelo duvidoso. Quanto menor o risco, melhores seriam os resultados.


9 8.6. Por meio de uma Constituição, seria possível controlar o poder do príncipe sem o risco de perder os privilégios. Não interessava a divisão do imenso país uma série de pequenas repúblicas, umas em luta contra as outras, com os seus compatriotas em luta entre si e o desaparecimento do trabalho escravo seria melhor uma independência feita de cima para baixo, imposta aos recalcitrantes, sem muitas modificações ou de preferência sem nenhuma modificação social. Nas regiões onde o número de escravos negros era grande, temia-se até uma “haitização”, ou seja, que os escravos se aproveitassem das lutas entre os oligarquias brancas para massacrá-las ou expulsá-las do país. 8.7. Está aí a explicação para a originalidade do Brasil na América Latina: manter a unidade e ser durante todo o século XIX a única monarquia da América. O separatismo sempre esteve presente no Brasil império e, às vezes, até se manifestou em algumas revoltas. As rebeliões separatistas geraram crise prejudiciais ao desenvolvimento econômico, oneraram o orçamento e acabaram por exigir a manutenção de grandes contingentes militares, navais e terrestres. 9. UM POUCO SOBRE DOM PEDRO I. 9.1. Ao retornar de uma audiência com o regente de Portugal, d. João VI, o embaixador da França em Lisboa, Andoche Junot, anotou no diário: “ Meu Deus! Como é feio! Meu Deus! Como é feia a princesa! Meu Deus! Como são todos feios! Não há um só rosto gracioso entre eles, exceto o do príncipe-herdeiro”. Junot, que dali a três anos invadiria o país, estava se referindo ao garoto Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon. 9.2. Segundo filho varão de d. João e Carlota Joaquina nascera no dia 12 de outubro de 1798, na sala Dom Quixote do palácio de Queluz. Antônio, primogênito de d. João, morreu aos 6 anos, em 1801, tornando d. Pedro o segundo na linha sucessória. Apesar disso, nem o regente nem dona Carlota se preocuparam com a educação do filho. Em 1808, depois que d. Pedro se mudou com os pais para o Brasil, esse desleixo assumiu proporções quase criminosas. 9.3. Criado solto, na Quinta da Boa Vista ou na fazenda Santa Cruz (propriedade tomada dos jesuítas, a 80 quilômetros do Rio), Pedro andava sozinho na mata, brigava a pau e soco com outras crianças, bolinava as escravas. Ali se tornou um exímio mas imprudente cavaleiro: caiu do cavalo 36 vezes. 9.4. A rudeza desses primeiros anos pode ter agravado a epilepsia congênita: aos 18 anos, d. Pedro já sofrera seis ataques da doença. Alguns, durante cerimônias oficiais, que o príncipe não tolerava ( no beija-mão, ele a estendia a adultos, mas, se uma criança se aproximava, ele a socava no queixo). Porém, desde a infância, Pedro revelou ser um sujeito despojado e de bom coração. Andava com roupas de algodão e chapéu de palha, tomava banho nu na praia do Flamengo, ria, debochava e zombava de quem quer que fosse. 9.5. Era mau poeta e mau latinista, mas bom escultor e excelente músico: tocava clarinete, flauta, violino, fagote, trombone e cravo. Também tocava um instrumento e um ritmo malditos: o violão e o lundu, que aprendera em lugares mal-afamados do Rio, como a taverna da Corneta, na rua das Violas, onde o príncipe conheceu aquele que viria a ser seu melhor amigo, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça . Deve ter sido lá também que


10 Pedro teve sua iniciação sexual. E, depois que começou, não parou mais: por toda a vida, d. Pedro foi um amante latino, dândi (almofadinha, homem que se veste com extremo apuro) liberal que tomava o que gostava – cavalos, mulheres ou roupas. Mas quem convivera com ele concordava com algumas de suas últimas palavras: “Orgulho-me de ser verdadeiro, humano e generoso e de ser capaz de esquecer as ofensa que me são feitas”. 9.5.1. O Chalaça: Beberão, mulherengo, violeiro, capoeirista e ladino, Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, tornou-se o melhor amigo de d. Pedro, seu secretário particular e confessor. Ambos se conheceram, diz a lenda, na mal-afamada taverna das Cornetas, na rua das Violas, no Rio, e viraram inseparáveis. Chalaça estava às margens do Ipiranga em 7 de setembro de 1822. Filho adotivo de um ourives que veio para o Brasil com d. João, o amigo do rei tornou-se o alvo principal dos ataques de brasileiros contra lusos. Em 1830, d. Pedro foi forçado a mandá-lo para fora do país e o fez embaixador em Nápoles, com salários de US$ 5.000 anuais. Quando d. Pedro morreu, seu “parente de espírito” estava ao lado. 9.6. As mulheres: A primeira mulher de d. Pedro foi d. Leopoldina, filha do imperador Francisco I de Habsburgo. Os noivos casaram sem se conhecer, em maio de 1817, mas d. Leopoldina se apaixonara depois de ver uma imagem do marido. Ao vivo, a partir de novembro de 1817, a paixão aumentou. Nos dois primeiros anos, d. Pedro foi-lhe fiel. Dona Leopoldina lhe deu sete filhos, morrendo em 1826, em conseqüência de um parto. Em 1829, d. Pedro se casou com a princesa Amélia de Leuchtenberg com que teve uma filha. Viúva aos 22 anos, d. Amélia não mais casaria. Morreu aos 70 anos. 9.7. As Amantes: A partir dos 16 anos, d. Pedro adquiriu fama de amante insaciável. Os nobres portugueses e ricos brasileiros escondiam as filhas quando o príncipe passava. A primeira da série de incontáveis amantes foi a bailarina francesa Noémi Thierry, com que d. Pedro teve um filho (natimorto), antes que a corte enviasse a moça de volta a Paris. Embora tenha tido relações sexuais – ou tentado ter – com praticamente qualquer mulher que viesse pela frente, a grande paixão de d. Pedro era Domitila de Castro, que ele fez marquesa de Santos e que lhe deu quatro filhos. 9.8. Dom Pedro e Domitila, uma “sensual luso-brasileira de seios e quadris volumosos”, conheceram-se em São Paulo, dias antes de o príncipe proclamar a independência. Dom Pedro dispensou a amante, em 1829. Mas não sem escândalo: ao descobrir que o imperador tinha um caso com sua irmã, Maria Bendita tentou matá-la. A marquesa voltou para São Paulo, casou e morreu aos 70 anos. ===================================================================== Pesquisa elaborada por Sérgio Barbosa.


11 10. RECONHECIMENTO DA INDEPENDÊNCIA: 10.1.Ao mesmo tempo em que procurava resolver problemas políticos e conter os movimentos revoltosos do Nordeste, o governo brasileiro buscava o reconhecimento externo para o jovem país. Por ser uma nação semicolonial necessitada de mercados externos e ameaçada de ser recolonizada, o Brasil precisava do reconhecimento internacional. Era de se esperar que a Inglaterra, nação dominante no mercado brasileiro, fosse o primeiro país a legitimar a independência do novo país. Mas não foi o que aconteceu. A Inglaterra não tinha pressa, porque não queria indispor-se com Portugal, seu velho aliado. 10.2.O primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foram os Estados Unidos, com base na doutrina Monroe, que afirmava: “a América para os americanos”. A doutrina Monroe procurava barrar as intenções da Santa Aliança, grupo de países absolutistas da Europa, combatia os ideais liberais e os movimentos revolucionários com idéias da Revolução Francesa na Europa. Em relação aos países recém-libertados da América ibérica, estava interessada em recolonizá-los. Para impedir que isso ocorresse, os Estados Unidos reconheceram a independência de todos os países da América Latina. 10.3.Mestres da diplomacia e peritos em assegurar mercados e aliados, os ingleses reconheceriam o Brasil independente depois que Portugal o fizesse. Portugal, no entanto, não havia desistido de recuperar sua colônia, embora a situação internacional não fosse favorável a suas pretensões. Ingleses e norte-americanos não aceitariam uma ação portuguesa nesse sentido. Internamente, o governo brasileiro também tomou medidas políticas inteligentes: ordenou o seqüestro dos bens de todos os portugueses que não tivessem aderido à independência e suspendeu todo o comércio com a ex-metrópole. Diante dessas pressões e do trabalho diplomático da Inglaterra, Portugal desistiu de reconquistar o Brasil. Em troca do reconhecimento, dom João VI recebeu o título honorário de Imperador Perpétuo do Brasil e uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas. 10.4.A indenização foi uma grande jogada inglesa: os portugueses deviam o valor equivalente, desde a estada da família real no Brasil. Estava difícil receber o dinheiro devido à crise portuguesa. A Inglaterra emprestou o dinheiro ao Brasil, que pagou a Portugal, que pagou à Inglaterra. O dinheiro sequer saiu dos cofres ingleses e contribuiu para aumentar a dívida externa da jovem nação brasileira. 10.5.Em 1826, a Inglaterra exigiu a renovação dos tratados de 1810 por quinze anos, em troca do reconhecimento da independência brasileira. Por esse novo acordo, produtos ingleses pagariam 15% de tarifas alfandegárias nos portos brasileiros; nenhum país, exceto Portugal, poderia obter tarifas mais baixas; e o tráfico negreiro seria extinto em 1830. A Áustria e a França também exigiram condições iguais para reconhecer o jovem país. Pressionado, o governo brasileiro fixou em 15 % a taxa sobre todos os produtos importados, prejudicando o Tesouro – já que os impostos eram baixos – e um possível desenvolvimento industrial do país na primeira metade do século XIX.


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