1 AS REVOLUÇÕES INGLESAS
1. A REVOLUÇÃO INGLESA DE 1640. 1.1. Em 1066, Guilherme, duque da Normandia e vassalo do rei francês, invadiu e conquistou a Inglaterra, ganhando de uma só vez todo o reino. 1.2. Por necessidade, os reis normandos medievais consultavam seus súditos poderosos, arcebispos, bispos, condes e barões. Essas consultas, ou parlays, passaram a ser chamadas de parlamentos, em meados do século XIII. Desenvolveu-se aos poucos a prática de convidar para esses parlamentos, representantes dos condados, cavaleiros e burgueses. Esses representantes dos condados – que muitas vezes não eram nobres, mas ricos e destacados – encaravam o parlamento como um meio de expressão, de reparação dos agravos sofridos. 1.3. Por sua vez, os reis medievais viam o parlamento como um meio eficiente de exercer o controle e criar impostos. Em 1297, os Lordes e os Comuns (como era chamada a câmara baixa) haviam obtido a concordância do rei em que nenhum tributo poderia ser criado sem o seu consentimento. 1.4. No século XIV, o parlamento já se havia transformado numa instituição permanente de governo. Seu poder era totalmente subserviente à coroa, mas seu direito de questionar as decisões reais havia sido estabelecido. Na Idade Média, o parlamento e a monarquia eram interdependentes, sendo vistos não como rivais mas como formas complementares do governo centralizado. Mas foi essa interdependência que acabou levando ao conflito. 1.5. Também surgiu na Inglaterra da Idade Média a constituição – uma série de precedências, leis ou atos reais que consolidavam os princípios básicos do governo. Essa base teórica – até hoje não escrita num documento único – nasceu das práticas jurídicas e dos costumes descritos sob a denominação geral de direito comum. Ao contrário do direito feudal, que só se aplicava a uma região, o direito comum se estendia por todo o reino e atuava como uma força unificadora. 2. A INGLATERRA NO INÍCIO DO SÉCULO XVII: 2.1. No princípio do século XVII, a Inglaterra era um país predominantemente agrícola. A esmagadora massa da população viva no campo, ocupando-se total ou parcialmente na produção de víveres ou de lã. 2.2. A reforma protestante, na Inglaterra, foi um revolução, tanto no governo real como no eclesiástico. Atacou e derrotou um importante obstáculo à autoridade monárquica, o poder do papado. Ao mesmo tempo, a Reforma fortaleceu muito o poder do parlamento. Henrique usou o parlamento para fazer a Reforma porque sabia que precisava do apoio dos nobres, da pequena nobreza rural e dos comerciantes. Nenhuma mudança na crença e na prática a Reforma deu-lhe maior poder e senso de importância do que jamais tivera no passado. Não obstante, o resultado final dessa revolução administrativa foi o fortalecimento do poder monárquico. 2.3. Ao final de seu reinado, Henrique VIII dispunha, sem dúvida, do mesmo poder de seu rival francês, Francisco I. Na verdade, até princípios do século XVII, a história do poder monárquico na Inglaterra, com suas tendências absolutistas, foi notavelmente semelhantes ao padrão continental. 2.4. Com a morte de Henrique, a burocracia e o governo centralizado Tudor sofreram a maior das tensões, mas sobreviveram. O governo resistiu ao reinado do filho de Henrique, o enfermo Eduardo VI (1547-1553), e o protestantismo extremado de alguns de seus conselheiros, e sobreviveu ao rápido e agitado reinado da primeira filha de Henrique, Maria (1553-1558), que
2 tentou fazer com que a Inglaterra voltasse ao catolicismo. Com sua morte, o país havia-se aproximado perigosamente da instabilidade religiosa que minou o poder dos reis franceses nas décadas finais do século XVI. 2.5. A segunda filha de Henrique, Elizabeth I (filha de Ana Bolena), tornou-se rainha em 1558. O período elisabetano caracterizou-se por um senso de identidade nacional maior. A Reforma inglesa fortaleceu esse sentimento, para o qual também contribuiu o medo crescente de invasão estrangeira por uma potência católica que pretendesse fazer a Inglaterra voltar ao papado. 2.5.1.
Essa ameaça era representada pela Espanha, um Estado-nação com o dobro da população inglesa e com um vasto império colonial. Esse receio era bastante real e só diminuiu com a derrota – de conseqüências mais psicológicas do que militares – da armada espanhola, que em 1588, tentara invadir as ilhas Britânicas para, acreditavam os ingleses, restabelecer o catolicismo. No século XVII, os ingleses se lembrariam do reinado de Elizabeth como sendo uma idade de ouro. Foi a calma antes da tempestade, uma época em que se formou uma nova classe comercial que, no século XVII, reivindicaria uma participação maior no governo.
2.6. Em 1603, quando morreu Elizabeth I e findou o período da dinastia Tudor no trono inglês, a Inglaterra desfrutava de uma situação de grande prosperidade, graças à política mercantilista. O comércio de lã e manufaturas, somado à pirataria efetuada com apoio real, produzira uma rica burguesia que estendia sua influências pela Europa e por todo o mundo. 2.7. A alta burguesia tinha acesso à corte, ligando-se intimamente à nobreza, ao mesmo tempo que recebia da Coroa concessões que resultavam na formação de poderosos e lucrativos monopólios. Protegida pela legislação protecionista, que lhe garantia lucros cada vez maiores, retribuía os favores reais apoiando integralmente a monarquia. 2.8. Além do apoio financeiro e político recebido da burguesia detentora dos monopólios comerciais, o poder real encontrava legitimidade também numa parcela importante dos proprietários de terras. Estes se beneficiavam dos arrendamentos de terras ou dos cercamentos (enclosures). 2.8.1.
Enclosures: palavra inglesa que significa cercamento dos campos abertos e que constituiu um dos fatores essenciais para as transformações na estrutura agrária da Inglaterra a partir do século XVI. Até então, de modo geral, as terras eram divididas em open fields (“campos abertos”) e common lands (“terras comuns”), 2.8.2. Os campos abertos, possuídos a título individual, admitiam também o arrendamento a terceiros na qualidade de posseiros. 2.9. Sob essas condições político-econômica, os Tudor, principalmente Henrique VII, Henrique VIII e Elizabeth I, haviam conseguido governar mantendo o Parlamento sob controle, canalizando todo o poder político para a Coroa. Foi o auge do absolutismo na Inglaterra. 3. O ABSOLUTISMO INGLÊS E SUAS CONTRADIÇÕES: 3.1. A conjuntura histórica que forjou as condições de uma cumplicidade do Parlamento com o absolutismo também possuía sua dinâmica, não era imutável. Ela mesmo gerou contradições que terminaram por exigir sua modificação. 3.2. Houve um crescimento muito grande, inclusive numérico, da burguesia. A monarquia não conseguia mais assegurar o acesso de toda essa classe às companhias monopolistas e privilegiadas que realizavam o comércio externo. A ração da burguesia que detinha os monopólios não queria perdê-los e, por seu lado, o restante da classe burguesa tinha de se contentar com o menos proveitos comércio interno entre os diversos distritos. Descontentes, esses indivíduos passaram, pouco a pouco, a investir seu capital na produção de mercadorias. Mas sua penetração no setor manufatureiro não ocorreu de maneira calma e institucional, pois a produção
3 também era monopolizada pelas corporações de ofício (associações de artesãos que regulamentavam o que produzir e quem produzia). 3.3. Assim, entre dois fogos, essa nova burguesia encontrou uma brecha para seus interesses fugindo para o campo, onde as leis corporativas, restritas às cidade, não tinham influência. Os burgueses deixavam os instrumentos de produção nas casas dos trabalhadores, normalmente de origem camponesa, forneciam periodicamente a matéria-prima, indo depois buscar o produto acabado. Esse sistema, chamado indústria doméstica, permitiu expansão e maior fortalecimento desses produtores não-monopolistas. 3.4. A nova burguesia, fortalecida, aumentou sua luta pela eliminação do mercantilismo, que criava obstáculos aos seus interesses. Mas a substituição do mercantilismo por uma economia liberta dos monopólios e restrições significava a substituição do absolutismo por um regime politicamente liberal. Por essa razão, a nova burguesia concentrou-se contra o regime absolutista, tornando-se o agente fundamental das revoluções que assolaram o período dos Stuart. 3.5. Nos 85 anos de reinado dessa dinastia (1603-1688), os novos burgueses cresceram a tal ponto que terminaram por derrotar as classe ligadas ao absolutismo, impondo suas reivindicações e seus interesses. O último dos monarcas Stuart, Jaime II, conforme documento da época , fornece um exemplo bem significativo do poder econômico dessa jovem burguesia. Conta-se que, ao ver passar por ele caravanas carregadas de tecido, em direção a Londres, pertencentes a um tal Jack de Newbury, industrial da época, exclamou: “Esse Jack de Newbury é mais rico que eu”. 3.6. Os camponeses, embora não constituindo uma classe social definida e revolucionária, realizavam constantes rebeliões. As altas espetaculares dos preços favoreciam os comerciantes especuladores, mas prejudicavam muito o restante da população. Mesmo os arrendatários ( camponeses que pagavam uma renda para cultivar terras de outro proprietário) mais privilegiados não tinham condições de comprar tudo de que necessitavam. Os próprios donos de terras, que não aderiram ao cercamento, sofriam com o fato de que as taxas de arrendamento, pagas pelos camponeses, não cresciam na mesma proporção que os preços. 3.7. No entanto, o maior problema rural inglês residia na imensa camada de servos e camponeses expulsos de suas terras com os cercamentos, entre os quais a miséria era imensa, em flagrante contraste com a prosperidade geral do reino, resultando daí inúmeras revoltas. Muitos desses indivíduos marginalizados migraram para as cidade, formando um imensa vaga de desocupados. Desempregados, eram reprimidos pelas “leis contra vagabundagem e mendicância”, criadas pela Coroa. (Por essas leis, os vadios e mendigos deveriam ser marcados com um ferro em brasa ou <<chicoteados até os ombros dele ou dela sangrarem >>. Os trabalhadores eram castigados pela sua transformação forçada em vagabundos e indigentes. A legislação tratava-os como criminosos voluntários.) 3.8. Assim, os pobres, tanto da cidade como do campo, aceitaram com facilidade a difusão de novas idéias, perigosas para o absolutismo e a ordem social vigente. Tiveram, também, séria influência e participação nas revoluções do século XVII. 4. SOCIEDADE E RELIGIÃO NA INGLATERRA SEC. XVII: 4.1. As diversas classes que apoiavam ou lutavam contra a monarquia absoluta na Inglaterra utilizaram a religião como veículo de expressão de seus interesses políticos. Grosso modo, podese dizer que católicos e anglicanos colocavam-se favoravelmente à monarquia, enquanto presbiterianos e puritanos pregavam a adoção de uma monarquia parlamentar. Embora houvesse exceções, em termos gerais, a divisão religiosa correspondia à divisão de classes da sociedade. 4.2. Os anglicanos constituíam o grupo predominante no poder, embora não fossem numericamente os maiores. Abaixo do rei, chefe da Igreja Anglicana, a hierarquia clerical era composta pela elite da nobreza e dos setores mais ligados ao monarca. Os burgueses das privilegiadas companhias
4 monopolíticas aderiram ao anglicanismo, procurando fortalecer o absolutismo que os beneficiava. O anglicanismo, mesmo encontrando alguns seguidores nas camadas populares, era uma opção típica dos grupos dominantes. 4.3. Os católicos eram em grande parte provenientes da nobreza feudal. Embora não concordassem com a centralização do poder pela monarquia, defendiam o absolutismo com receio de perder os privilégios feudais que ainda lhes restavam. 4.4. Os calvinistas dividiam-se em dois grupos: presbiterianos e puritanos. Provenientes da burguesia, eram maioria entre os membros da Câmara dos Comuns (assembléia dos não-nobres, eram na grande maioria dos casos gentlemen, isto é, pertenciam a gentry, à pequena nobreza rural. Os gentlemen (fidalgos, cavaleiros ou gentis- homens) caracterizavam-se pela vida gentil, isenta do trabalho manual e de suas penas. Eram eleitos pelas pessoas de posses e representavam no Parlamento o conjunto da população). 4.4.1.
Os presbiterianos, liderados pela alta burguesia, representavam uma tendência moderada de oposição e defendiam a implantação de uma monarquia parlamentar. Os puritanos, liderados pela nova e pequena burguesia, assumia uma posição mais radical, exigindo a substituição da monarquia por um regime republicano. Sua repugnância pelo anglicanismo concentrava-se, principalmente, no ódio à hierarquia clerical.
4.5. A parcela da burguesia envolvida nesse movimento propunha a existência de ministros religiosos eleitos pelo povo e pretendia que o Estado se juntasse a eles na rígida defesa da moral. Seu ideal de vida, comedida e austera, ajustava-se perfeitamente às necessidade de poupança e produção de lucros do capitalismo nascente. 5. DINASTIA STUART E CRISE DO ABSOLUTISMO: 5.1. Com a morte de Elizabeth I em 1603, assume a coroa Jaime I, primo de Elizabeth e também rei da Escócia. Ele era defensor da teoria do direito divino dos reis e das concepções anglicanas do poder repartido entre o soberano e os bispos. Para os puritanos influenciados pelo calvinismo, isso era quase tão grave quanto ser católico. Tinha início o tumultuado reinado da dinastia Stuart. Como a Inglaterra dominava a Irlanda. Jaime I tornava-se o todo-poderoso rei de três países (Inglaterra, Escócia e Irlanda), que formavam o Reino Unido da Grã-Bretanha. 5.2. Jaime I governou de 1603 a 1625 e caracterizou-se pela ausência de habilidade política, excesso de vaidade, teimosia inarredável e grande erudição. Esses atributos lhe valeram a avaliação pronunciada por Henrique IV, rei da França: é “o imbecil mais sábio de toda cristandade”. 5.3. Inicialmente, Jaime I desencadeou violenta perseguição aos católicos e calvinistas, visando fortalecer o absolutismo pela consolidação da religião anglicana. Posteriormente impôs uma política fiscal e tributária de péssimas repercussões, criando novos impostos e aumentando os já existentes. O Parlamento reagiu invocando a Magna Carta de 1215, onde se deixava claro que o rei não podia criar ou aumentar impostos sem a aprovação dos representantes do povo. 5.3.1.
Magna Carta: nome da primeira constituição inglesa, outorgada pelo rei João sem Terra em 1215 e que, ao longo dos tempos, adquiriu caráter de fonte dos princípios fundamentais do cidadão inglês e de símbolo das liberdades do povo. Entre os seus dispositivos, destacamse o reconhecimento do direito da Igreja de escolher seu prelados; a concessão aos barões feudais de limitar a tributação conforme sua representatividade; a regulamentação das cidades, do seu comércio e da ação dos negociantes; a reforma das leis e da justiça, ressaltando-se o dispositivo que proíbe a prisão de pessoas ou a apreensão de suas propriedade e bens sem julgamento justo. Outras leis, como as que tinham por objetivo controlar o abuso de autoridade, também faziam parte da Magna Carta. Além disso, o texto regulamentava o uso das florestas reais e exigia a imediata desmobilização de exércitos mercenários. Finalmente, a Magna Carta obrigava o rei a obedecer às determinações nela
5 contidas, caso contrário os barões poderiam mover contra ele ação militar. De 1216 a 1297, novas versões desse documento foram aprovadas, visando atualizá-lo. Ainda que, predominantemente, servisse aos interesses dos barões feudais, a Magna Carta constitui etapa importante na regulamentação dos princípios que regem a vida do cidadão inglês. 5.4. A relação do monarca com seus súditos agravou-se por volta de 1610, quando Jaime I tentou impor uma série de leis econômicas, como o monopólio real sobre as indústrias de tecidos e uma tentativa de autonomia financeira diante do Parlamento. No mesmo período ocorreram, na Inglaterra, fortes movimentos migratórios em direção à América do Norte: muitos partiam para escapar da tirania real. 5.5. Irritado e sem argumentos, Jaime I dissolveu o Parlamento em 1614, que só viria a ser convocado sete anos depois. Configurava-se a oposição Parlamento-realeza, que incendiou a vida política da Inglaterra no século XVII. O absolutismo entrava em crise. 5.6. Com a morte de Jaime I em 1625, sucedeu-o no trono seu filho, Carlos Stuart (Carlos I). Jovem a hábil, o novo monarca soube abster-se de declarações favoráveis ao absolutismo no início de seu reinado, mas o otimismo inicial durou pouco tempo. As divergências entre o Parlamento e o poder real recrudesceram com o prosseguimento da política fiscal anterior. 5.7. Em 1628, o Parlamento exigiu do rei o juramento da Petição de Direitos (primeiro Bill of Rights), sob pena de não votarem mais a aprovação de novos impostos. A Petição de Direitos garantia o cidadão contra detenções arbitrária e tributos ilegais, reafirmando, na realidade, o conteúdo da Magna Carta. Carlos I cedeu, jurando e assinando a Petição, recebendo a aprovação dos impostos que pretendia aplicar. Em seguida, dissolveu o Parlamento. Enganados, os parlamentares nada puderam fazer, passando mais de 11 anos em recesso. 5.8. Em 1634, o rei resolveu retomar uma antiga lei inglesa. Tratava-se da cobrança de um imposto, já em desuso, antes arrecadado nas cidades portuárias e zonas litorâneas em caso de guerra: o Ship Money. Carlos I não só restabeleceu o imposto como também estendeu a todo o reino. 5.9. Em 1637, Carlos I empenhou-se em anglicanizar a Igreja Presbiteriana escocesa. A resposta foi violenta: os escoceses reagiram e invadiram o norte da Inglaterra. Buscando apoio popular, o monarca reconvocou o Parlamento, que terminou por considerar mais importante lutar contra o absolutismo do que contra os escoceses. Foi rapidamente dissolvido e por isso ficou conhecido como Curto Parlamento (Short Parliament). A insatisfação popular diante dos conflitos religiosos e econômicos acabou gerando uma crise política. O rei foi pressionado, pela própria situação que criara, a convocar o Longo Parlamento (Long Parliament), assim denominado por ter funcionado entre os anos de 1640 a 1653. 5.10. Reunido, o Parlamento passou a defender reformas e a fazer oposição sistemática às iniciativas reais. A crise chegou ao ponto de ruptura quando os parlamentares exigiram o cumprimento da lei que proibia ao rei dissolver o Legislativo e que, ao mesmo tempo, previa reuniões da assembléia pelo menos uma vez a cada três anos. A resposta de Carlos I foi a invasão do Parlamento e a prisão de alguns dos líderes que lhe faziam oposição. Esta demonstração de força acabou gerando uma guerra civil, que se estendeu de 1642 a 1649. 5.11. De um lado estava Carlos I, apoiado pelos lordes e pela dissidência da pequena nobreza. Do outro, a Câmara dos Comuns, representando o conjunto do Parlamento, com o apoio do Exército de Novo Tipo. 5.12. Os Lordes eram os chamados Lordes Espirituais, isto é, pela cúpula da hierarquia eclesiástica anglicana, e pelos Lordes Temporais. Estes nobres titulados ( duques, barões, condes e outros) pertenciam às grandes famílias aristocráticas e herdavam seus lugares no parlamento, juntamente com enormes extensões de terras. Constituíam o grupo mais rico e poderoso da Inglaterra, uma
6 vez que tinham nas mãos boa parte das propriedades rurais do país e, com elas, uma parcela essencial do poder: o monopólio da administração, funções de polícia e de justiça. 5.13. Os parlamentares da Câmara dos Comuns, por sua vez, eram na grande maioria dos casos gentlemen, isto é, pertenciam à gentry, à pequena nobreza rural. 5.14. As diferenças de classe, de origem social, expressavam-se nas diferenças políticas e religiosas e as reforçavam continuamente. Os lordes praticavam a religião anglicana. Os partidários do Parlamento eram em geral presbiterianos (da alta burguesia e da gentry) e puritanos: pequenosburgueses, burgueses médios, pequenos proprietários rurais, arrendatários ou Yeomen, camponeses, artesãos, proletários em formação, desempregados e marginalizados. Eles deram ao Parlamento uma arma poderosa o Exército de Novo Tipo. 5.15. Essa nova formação militar mostrou-se decisiva para a derrota das tropas reais, As fileiras do Exército de Novo Tipo forneciam uma amostra representativa da parcela da população que apoiava o Parlamento: os soldados eram em sua maioria pequeno-burgueses, artesãos, proprietários rurais ou filhos de proprietários, seguidores devotados das seitas puritanas. Os oficiais eram voluntários e deviam suas promoções ao valor pessoal. 5.16. Essa nova formação militar mostrou-se decisiva para a derrota das tropas reais. As fileiras do Exército de Novo Tipo forneciam uma amostra representativa da parcela da população que apoiava o Parlamento: os soldados eram em sua maioria era pequeno-burgueses, artesãos, proprietários rurais ou filhos de proprietários, seguidores devotados das seitas puritanas e de outros hostis à Igreja Anglicana. Os oficiais eram voluntários e deviam suas promoções ao valor pessoal. 5.17. Até mesmo partidários do Parlamento se escandalizaram com a promoção de “plebeus” aos cargos de oficiais. Mas os construtores do Exército de Novo Tipo sabiam que com aqueles homens humildes, unidos pela religião, submetidos a uma rígida disciplina e forjados em combate, derrotariam os “cavaleiros” – termo com que eram desdenhosamente designadas as tropas reais. 5.18. Outro traço distintivo do Exército de Novo Tipo residia na liberdade de organização e discussão, o que fez desse grupamento armado uma sementeira de idéias políticas. Nessas discussões, manifestavam-se grupos mais radicais que os puritanos, a exemplo dos diggers e dos levellers , que associavam diretamente a reforma religiosa e a luta política à revolução social. 5.19. Os levellers receberam esse nome porque, segundo seus adversários, pretendiam nivelar (verbo to level) as condições sociais. Defendiam a população pobre das cidades e dos campos e exigiam a completa liberdade religiosa e a igualdade de todos os homens perante a lei. 5.20. Os diggers (do verbo to dig, cavar) opunham-se à propriedade particular do solo e exigiam que as terras da Coroa, os terrenos comunais e ociosos fossem cultivados pelos pobres, que deles teriam a posse comunitária. Ficaram assim conhecidos quando em 1648 se instalaram num terreno não aproveitado e se puseram a preparar a terra para semeadura, numa espécie de reforma agrária espontaneamente, em direta oposição aos poderes da sociedade e do Estado. 5.21. Eram esses, basicamente, os atores envolvidos no confronto entre o rei e o Parlamento e, depois, num segundo momento da Revolução inglesa, no conflito instaurado entre o Parlamento e os grupos de soldados puritanos unidos em torno de Oliver Cromwell. 5.21.1. O Exército de Novo Tipo era conhecido como: “os cabeças redondas”, que eram assim conhecidos pelo seu corte de cabelo, curto, típico das camadas mais humildes.
7 5.22. Em meio a guerra civil, os presbiterianos assumiram a hegemonia no Parlamento, enquanto o Exército, mais radicalizado e comandado pelo puritano Oliver Cromwell, conquistava o país para os Comuns. Carlos I foi vencido e preso, mas logo surgiu um novo impasse. A ala mais moderada do Parlamento tentou estabelecer um acordo com a realeza no intuito de representar o regime monárquico. Isto acabou provocando a radicalização do processo político, com a tomada do poder pelos puritanos. 5.23. O novo governo tomou uma série de medidas extremas tais como: a exclusão dos moderados que tramaram contra o Exército de Novo Tipo, a extinção da Câmara dos Lordes, a decapitação de Carlos I por traição e a proclamação de uma República sob o governo de Cromwell, que dissolveu o Longo Parlamento em 1653 e assumiu o título de Lorde Protetor. 5.24. Em 1649 o exército da jovem República viu-se ameaçado por uma rebelião católica na Irlanda , favorável ao retorno do absolutismo. O próprio Cromwell relata, em carta ao Conselho de Estado, a forma como enfrentou a rebelião: “Proibi que poupassem aqueles que estivessem armados na praça. Mais ou menos dois mil homens foram passados esta noite a fio de espada. Todos os padres e monges foram mortos indistintamente (...) Estou persuadido de que é um justo castigo de Deus contra estes bárbaros que molharam sua mão em tanto sangue inocente. Isto evitará, acredito, o derramamento de sangue no futuro. São motivos para tais ações que, de outro modo, só poderiam inspirar remorso e arrependimento”. 5.25. Enganou-se. Confiscou as terras dos católicos irlandeses e entregou-as aos protestantes e, daí em diante, o derramamento de sangue não cessaria até nossos dias. A questão da Irlanda tem seus motivos político-econômicos encobertos pela luta religiosa entre católicos e protestantes, não havendo, ainda hoje um acordo capaz de pôr termo à guerra civil. 5.26. Em 1650 Cromwell esmagava uma revolta realista na Escócia. Um ano mais tarde lançava os Atos de Navegação, ou seja, decretos estabelecendo que somente embarcações inglesas poderiam realizar o comércio de mercadorias procedentes da Inglaterra ou a ela destinadas. Dessa forma consolidava-se a hegemonia da frota britânica nos principais mares. Tratava-se de uma séria agressão aos interesses mercantis holandeses, até então dominadores do comércio naval. A duas nações entraram em guerra, que culminou com a vitória inglesa em 1654. A partir de então a Inglaterra passava a ser a grande potência marítima mundial, posição que manteve até o fim da Primeira Guerra Mundial, no século XX. 5.27. O Parlamento seria mais uma vez dissolvido em 1653, a partir do que Cromwell, com o apoio do exército, impôs uma ditadura pessoal e nomeou a si mesmo, de forma vitalícia, Lorde Protetor da Inglaterra. 5.28. A ditadura de Cromwell recebeu respaldo dos militares e da burguesia que, apesar de ver fechado o Parlamento, preferiu sacrificar seu centro de expressão política em troca de um governo ditatorial favorável aos seus interesses econômicos. 5.29. A destruição causada pela guerra civil foi seguida por desastrosas colheitas, alta do custo de vida, baixos salários e pesadas taxações. Tudo isso criava uma situação política e econômica explosiva para Cromwell. A oposição não provinha apenas dos presbiterianos moderados, e muito menos dos realistas. Os levellers e os diggers, considerados os grupos mais radicais do Exército, sentiram-se enganados pelo governo republicano revolucionário que, segundo eles, não havia implementado medidas de conteúdo democrático que tirassem a maioria da população da situação penosa em que se encontrava. Essa oposição foi liquidada pelo governo de Cromwell. O Lorde Protetor passou a ser visto como tirano, principalmente aos olhos dos grupos populares. 5.30. A morte de Cromwell, em 1658, representou o golpe de misericórdia para a efêmera república inglesa. Seu filho, Richard Cromwell, que não tinha a mesma influência do Lorde Protetor, não conseguiu articular uma política de alianças e foi deposto no ano seguinte. A história da República Puritana terminou com a tomada do poder pelos contra-revolucionários, nobres
8 realistas aliados à dissidência presbiteriana, e com a proclamação de Carlos II, filho do rei decapitado, como soberano da Inglaterra e da Escócia. Iniciou-se então o período conhecido como Restauração Monárquica. 6. A RESTAURAÇÃO STUART: 6.1. O Parlamento inglês, reconvocado em 1660, era composto por maioria anglicana, que restabeleceu a monarquia coroando Carlos II, filho de Carlos I, que reinou até 1685. 6.2. Após a vitória sobre os holandeses e a decadência espanhola, a França de Luís XIV tornara-se a principal rival da Inglaterra. Carlos II, educado na França durante o período republicano, promoveu uma política de aproximação com os franceses. Isso desgostava tanto a burguesia, ferida em seus interesses econômicos, quanto a nobreza anglicana, temerosa de perder seus privilégios (terras expropriadas aos católicos, isenções de tributos, cargos públicos, etc. ). Os atritos entre as várias classes da sociedade inglesa voltaram então ao cenário, acirrados pelas simpatias do soberano pelo catolicismo. 6.3. O Parlamento reagiu aprovando em 1679 o Ato de Exclusão, pelo qual os católicos eram excluídos dos postos de governo e dos cargos públicos. Ainda no mesmo ano, votou-se a lei do Habeas-Corpus, medida jurídica que garante ao indivíduo proteção legal contra as detenções arbitrárias e liberdade pessoal perante os detentores do poder público. O impasse Parlamentomonarquia radicalizou-se, e, em 1683, Carlos II decretou nova dissolução do Parlamento. 6.4. Dois anos mais tarde, após sua morte, assume o trono seu irmão Jaime II, católico convicto e declarado. A situação política agravou-se quando o monarca ameaçou restabelecer o catolicismo como religião oficia. Para se compreender as implicações de tal ato, é necessário não se perderem de vista os interesses sociais camuflados pelo véu das opções religiosas. Voltar ao catolicismo significa, entre outras coisas, a justificativa do absolutismo e a perda dos privilégios da nobreza anglicana. 7. A REVOLUÇÃO GLORIOSA. 7.1. Em 1688, depois de duas filhas (protestantes), a segunda esposa do já idoso Jaime II, que era católica, deu-lhe finalmente o esperado filho varão – que seria seu sucessor natural. Diante do “perigo católico” (absolutismo e aproximação com a França), o Parlamento uniu-se e resolveu oferecer a Coroa inglesa a um holandês, Guilherme de Orange, príncipe protestante casado com Maria Stuart, filha mais velha de Jaime II. Em troca, pedia a manutenção do anglicanismo e um Parlamento livre. 7.2. Em novembro de 1688, Guilherme desembarcou na Inglaterra e não encontrou qualquer resistência. Surpreso e assustado, Jaime II fugiu para a França, enquanto Guilherme de Orange era coroado com o título de Guilherme III. Essa revolução, ocorrida sem que houvesse derramamento de sangue, denominou-se Revolução Gloriosa. 7.3. Em 1689, o absolutismo foi substituído pela monarquia constitucional em que a realeza ficava submetida ao Parlamento. Para isso, o novo rei jurou a Declaração de Direitos, que assegurava ao Parlamento o direito de aprovar ou rejeitar impostos, garantia a liberdade individual e a propriedade privada. Estabeleceu, também o princípio da divisão de podres (legislativo, executivo e judiciário). 7.4. Em 1714, herdou o trono inglês, Jorge I, iniciando uma nova dinastia, a dos Hannover. Até hoje a dinastia dos Hannover perdura no trono inglês, embora sob outro nome – Windsor. Essa alteração se deu durante a Primeira Guerra Mundial, quando a Inglaterra enfrentou a Alemanha e substituiu o nome dinástico de origem germânica. Com Jorge I, firmaram-se as estruturas do moderno parlamentarismo inglês em que a maioria parlamentar tornou-se requisito fundamental para a formação do ministério. O primeiro-ministro, que lidera o ministério, torna-se chefe de governo,
9 desobrigando-se de responsabilidade perante o rei, e o monarca passa a ser chefe de Estado, cargo de caráter limitado: “ O rei reina, o Parlamento governa”. 7.5. A Revolução Gloriosa de 1688 foi uma revolução burguesa. No plano político, lançou por terra o poder absolutista, criando, através da monarquia parlamentar, as condições institucionais para a realização de seus interesses, Sepultando o absolutismo, a burguesia pôde participar das decisões políticas que organizavam o modelo econômico inglês, estabelecendo no lugar do mercantilismo (protecionista) uma economia de livre comércio, o liberalismo econômico. Eliminaram-se os monopólio e privilégios mercantis, deram-se condições a uma produção livre nas cidades, acompanhada de um comércio, também livre, exercido por qualquer um que demonstrasse condições de realizá-lo. Estavam assim soterrados os pilares do Antigo Regime na Inglaterra. 7.6. O mercantilismo havia sido útil enquanto acumulara capital, descobrira novos mercados consumidores e permitira um aumento numérico da classe burguesa. Esgotando suas potencialidade , passou a ser um empecilho para a expansão da própria burguesia, pois impedia uma produção maior e criava obstáculos à participação de amplas camadas burguesas. A Revolução Gloriosa rompeu as correntes econômicas e políticas que impossibilitavam a arrancada decisiva do nascente capitalismo. 7.7. Na Inglaterra, as características particulares da decadência do feudalismo permitiram uma solução de compromissos entre uma parcela da nobreza e a burguesia. A nobreza, ligada aos cercamentos, também possuía alguns interesses que coincidiam com os da burguesia, tornando possível uma divisão do poder meio de uma solução conciliatória. A Inglaterra gerava assim as condições econômicas, políticas, sociais e culturais que, maturadas durante toda a primeira metade do século XVII, iriam possibilitar o desencadeamento da Revolução Industrial.