Brasil pré à 1720 (revoltas anticoloniais)

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1 BRASIL PRÉ-COLONIAL À : REVOLTAS ANTICOLONIAS ATÉ 1720.

1. PERÍODO PRÉ-COLONIAL. 1.1. A falta de interesse pelo Brasil: 1.1.1.

Com a descoberta do novo caminho para as Índias por Vasco da Gama, o comércio das especiarias transformou-se na mais preciosa fonte de riquezas para Portugal.

1.1.2.

Estimulados pelo sucesso da expedição de Vasco da Gama, os portugueses organizaram a maior e mais poderosa frota que Portugal jamais enviara para singrar o Atlântico. (10 naus, 3 caravelas, 1500 homens que representavam 2,5% da população de Lisboa) O objetivo era fundar feitorias em Calicute, nas Índias. Durante a viagem para o Oriente o Brasil foi invadido (“descoberto”).

1.1.3.

A Coroa portuguesa, enviou expedições ao Brasil, para verificar se o Brasil estava em condições de oferecer lucros imediatos. Uma das expedições enviadas ao Brasil contou com a colaboração do navegador florentino Américo Vespúcio que afirmou : “Pode-se dizer que não encontramos nada de proveito” --- significa que na terra descoberta não havia grandes perspectivas comercias para os europeus, ao contrario das fabulosas Índias onde os portugueses já encontraram estabelecida a produção das famosas especiarias e artigos de luxo, entre outras mercadorias.

1.1.4.

O único produto de valor econômico encontrado foi o pau-brasil que já era conhecido na Europa pelo seu valor tintorial utilizado nas manufaturas têxteis desde tempos medievais, também era utilizada na construção naval – resistente à umidade, fabricação de móveis. 1.1.5. Para exploração do pau-brasil, a Coroa portuguesa optou pelo sistema de arrendamento, pois a população portuguesa excedia pouco mais de 1 milhão de habitantes à época do descobrimento, o que não permita o deslocamento de grandes contingentes populacionais, visto que as seguidas expedições ao Oriente em muito debilitaram a população do reino. 1.1.6.

O pau-brasil que fora colocado desde o início sob monopólio real, teve como primeiro arrendatário um grupo de comerciantes portugueses e italianos liderados pelo cristão-novo Fernão de Noronha, por um prazo inicial de três anos.

1.1.7.

O Estado comprometia-se a não mais importar artigo similar do Oriente, enquanto os arrendatários deveriam explorar anualmente 300 léguas do litoral e garantir a defesa da costa, pagar 400 cruzados por ano, carregar no mínimo seis navios por ano. Depois de 1513, a extração do pau-brasil foi liberada, desde que se pagasse um quinto do valor da madeira explorada à Coroa portuguesa.

1.1.8.

Para extrair o pau-brasil, os comerciantes portugueses estabeleciam feitorias na costa e utilizavam o trabalho indígena, através do escambo (em troca do transporte e corte da madeira, os indígenas recebiam produtos que lhes agradavam ou lhes eram úteis, como espelhos, anzóis, machados de ferro e facões.).

1.1.9.

Terminada a exploração em determinado local, os europeus abandonavam aquela feitoria e se mudavam para outra região onde houvesse bastante madeira. Era uma exploração rudimentar, e deixou atrás de si a destruição impiedosa em larga escala da Mata atlântica, da qual hoje resta muito pouco. Essa atividade econômica nômade e predatória não contribuiu para a fixação da população na costa brasileira. Nenhuma vila surgiu durante a exploração do pau-brasil.

1.1.10. Mas não só portugueses freqüentavam o litoral brasileiro nesse período. Os franceses, por exemplo, eram muito ativos nessas paragens: traficavam pau-brasil, levavam algodão, macacos e papagaios para a Europa.


2 1.1.11. O mais preocupante para Portugal eram as boas relações que os franceses mantinham com as tribos indígenas litorâneas, facilitando a extração clandestina de madeira. Para combater esses traficantes franceses do pau-brasil, Portugal enviou duas expedições guarda costas, numa ação defensiva que visava impedir o estabelecimento de franceses, ingleses e outros europeus na costa brasileira. Como já vimos, França e Inglaterra não aceitavam a divisão do Novo Mundo entre os países ibéricos e também estavam interessadas na exploração do pau-brasil. 1.1.12. As expedições guarda-costas trouxeram pouquíssimos resultados no sentido de evitar as constantes investidas dos contrabandistas estrangeiros. O próprio Cristóvão Jacques que comandara expedições guarda-costas, declarou ao rei de Portugal que a única medida eficiente para garantir a posse da terra e acabar com o contrabando era desenvolver a colonização. Por essa razão, podemos dizer que a colonização brasileira foi motivada, de início, por preocupações sobretudo políticas: visava-se através do povoamento, preservar a posse já então disputada pelos corsários holandeses, ingleses e franceses. 1.1.13. Fatores de ordem econômica também contribuíram para que Portugal resolvesse dar início à colonização do Brasil. O comércio português no Oriente começava a entrar em declínio. As despesas de Portugal com os transportes marítimos e os gastos com a manutenção dos entrepostos orientais foram, com o tempo, consumindo os lucros originários desse comércio. Assim Portugal sentiu que precisava buscar novas alternativas comerciais e o Brasil começou a ser visto como opção. 2. A EXPEDIÇÃO COLONIZADORA DE MARTIM AFONSO DE SOUSA: 2.1. O rei português dom João III, chamado o Colonizador, patrocinou a expedição de Martim Afonso de Sousa para tomar posse efetiva da terra. Em dezembro de 1530, uma expedição composta por cinco navios, com um tripulação de aproximadamente 400 pessoas partiu de Lisboa. Os objetivos eram basicamente três; combater os franceses, explorar o litoral e iniciar efetivamente a colonização da terra. 2.2. Martim Afonso recebeu instruções para reagir com armas contra qualquer estrangeiro encontrado na costa. Trouxe homens e materiais para se estabelecer permanentemente. Seu poder judicial se estendia à tripulação e a todos os habitantes do Brasil. Uma carta do rei lhe garantia o direito de criar os cargos judiciários e administrativos necessários à correta administração da nova colônia. 2.3. Coube a essa expedição fundar a primeira vila do Brasil, a vila de são Vicente, em 22 de janeiro de 1532, no atual estado de São Paulo. 2.4. Martin Afonso ainda se encontrava em São Vicente quando, em setembro de 1532, recebeu carta do rei de Portugal, D. João III, comunicando-o de que o território brasileiro seria dividido em extensas faixas de terra: as capitanias hereditárias. Com essa medida, Portugal procurava garantir a posse da terra e tornar viável a exploração econômica de sua Colônia, que se daria através do sistema colonial mercantilista. 3. A MONTAGEM DO SISTEMA COLONIAL. 3.1. Além de garantir a posse da terra (aspecto político), a colonização precisava desenvolver alguma atividade capaz de gerar lucros (aspecto econômico). Os produtos da incipiente agricultura indígena não tinham qualquer atrativo para o mercado consumido europeu. O pau-brasil era uma atividade nômade e predatória que não servia para fixar a população em um determinado local, e os metais preciosos (ouro e prata) eram desconhecidos. 3.2. Assim escolheu-se o cultivo da cana-de-açúcar como atividade colonizadora. Vários fatores justificavam a escolha, como os relacionados a seguir.


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Antes mesmo da colonização brasileira, Portugal era grande produtor de açúcar nas ilhas do Atlântico (Açores, Madeira e Cabo Verde), o que lhe havia permitido adquirir técnicas e conhecimentos para a montagem do sistema produtor açucareiro no Brasil.

As condições ecológicas do Nordeste brasileiro, solo de massapê e clima quente e úmido, eram favoráveis à produção de cana de açúcar.

O açúcar possuía um mercado consumidor em expansão na Europa.

O poder financeiro dos holandeses, que desde o início participaram do negócio, controlando o transporte, a refinação e a comercialização do produto no mercado europeu.

4. A MÃO DE OBRA 4.1. O engenho açucareiro exigia um grande contingente de mão-de-obra para limpar e preparar os terrenos, plantar, colher e transportar a cana e por fim moê-la e purgá-la. A terra era vasta, e o escrivão Caminha havia dito que “em tudo se plantando, tudo dá”. Para trabalhá-la era necessária muita mão-de-obra, e não era possível trazer colonos portugueses, porque na época Portugal contava com menos de 2 milhões de habitantes e já enviara para o Oriente cerca de 300 mil pessoas, apenas no período de 1500 a 1580. 4.2. No entanto não seria o subpovoamento do reino português a explicar a colonização do Brasil por meio da imigração forçada do trabalhador africano. A França, o país mais populoso da Europa, também colonizou o Caribe com o trabalhador escravo africano. 4.3. Para entender por que houve a escravidão no Brasil, temos que analisar as condições sócio-econômicas portuguesas da época da colonização. A maior parte da população rural portuguesa era formada de pequenos camponeses que ou eram submetidos à dominação senhorial ou haviam perdido suas terras para o grande latifúndio. Se esses camponeses fossem enviados para o Brasil, onde havia uma imensidão de terras virgens, a tendência seria tomarem posse da terra e viverem como pequenos proprietários. Quando muito produziriam para a subsistência. Muito possivelmente não seriam atraídos para a colônia para terem a mesma condição social que tinham na metrópole; iriam querer progredir e esquecer sua origem social. 4.4. Mesmo no Brasil colônia, era comum ouvir-se: “Não vim para cá para trabalhar como um labrego (trabalhador rústico) ou trabalho pesado é coisa para negros. Com as navegações portuguesas pelo litoral africano, os negros foram introduzidos no reino português como escravos domésticos. Depois, durante a colonização das ilhas do Atlântico, sob o sistema de grandes plantações, os escravos negros tornaram-se mão-de-obra fundamental da região e, pouco mais tarde, foram trazidos para o Brasil, já em escala mais ampla. 4.5. O papado reconheceu o monopólio português para o tráfico de escravos. Os negros deveriam ser escravizados para que, através do batismo, se tornassem cristãos e salvassem suas almas. 4.6. Os primeiros escravos no Brasil, no entanto não foram os negros, mas os índios. O colonizador português ocupou as terras e forçou o indígena ao trabalho escravo. Muitas tribos fugiram do litoral para o interior; outras foram dizimadas por resistir à escravidão, milhares de indígenas morreram sob o jugo do trabalho forçado ou foram dizimados pelos maus-tratos ou por doenças trazidas pelos europeus e que até então eram desconhecidas no Novo Continente, como doenças venéreas, gripe e varíola. O litoral, onde os portugueses haviam se estabelecido, começou a se despovoar. 4.7. Traficantes e cronistas da época, assim como historiadores do início do século XX, lançaram o mito da “indolência inata do indígena”. Segundo eles, os índios fugiam ou morriam porque eram inaptos ao trabalho escravo (como se alguém nascesse com aptidão para ser escravo!). 4.8. Os indígenas desconheciam a escravidão, não estavam acostumados ao sedentarismo e à produção de mercadorias. A exploração do trabalho humano por outro homem era inconcebível para sua mentalidade. Estavam acostumados a trabalhar para suprir as necessidades coletivas da tribo e a utilizar o tempo livre


4 no lazer e nas práticas culturais do grupo. Por isso fugiam. Os índios escravizados morriam, porque, como mão-de-obra barata, eram superexplorados. 4.9. Na verdade o mito da indolência do indígena foi criado mais por razões de marketing. A escravidão do indígena era um negócio interno da colônia. Os indígenas eram caçados e escravizados e a burguesia européia nada lucrava com isso. Já com o escravo negro lucravam a burguesia européia, a Coroa portuguesa e mesmo a Igreja Católica, que tinha uma certa porcentagem sobre cada c ativo que entrasse no Brasil. 4.10. O negro substituiu o indígena como mão-de-obra escrava nas áreas de grandes plantações. Mas, ainda no século XVII, os negros eram minoria em relação aos escravos indígenas. Na pecuária e nas capitanias mais pobres o índio continuou a ser usado como mão-de-obra compulsória. 5. A ORIENTAÇÃO DADA À COLONIZAÇÃO DO BRASIL. 5.1. Desde o início da colonização, foi imposto à colônia o chamado pacto ou exclusivo metropolitano, mas seu funcionamento efetivo só ocorreu com o fim do domínio espanhol (1580-1640) sobre Portugal, a partir da segunda metade do século XVII e principalmente no século XVIII, na época do Marquês de Pombal, quando o pacto colonial tornou-se mais rígido. 5.2. O pacto colonial tinha como fundamento o monopólio do comércio exterior da colônia pela metrópole. Mas o suposto exclusivismo comercial da metrópole portuguesa sobre o Brasil, até metade do século XVII, não corresponde à verdade. 5.3. Mercadores e banqueiros venezianos, flamengos, alemães etc. se estabeleceram nas possessões africanas e asiáticas e no Brasil. Com privilégios autorizados pelo rei de Portugal, esses comerciantes podiam comprar e vender livremente em várias partes do império português, podiam construir e usar seus próprios navios, desde que empregassem tripulações e oficiais portugueses. 5.4. Muitos estrangeiros se estabeleceram no Brasil como proprietários de engenho ou como representantes de capitalistas do exterior. Tinham permissão para armar seus navios e vender a produção em outros países europeus, desde que fizessem escala em Portugal. Muitos navios de outras nações poderiam comercializar diretamente com os habitantes do Brasil, exceto com os índios. 5.5. Apesar do monopólio real do tráfico de escravos, muitos senhores de engenho aramavam seus próprios navios para capturar ou comprar escravos na África. Mesmo a produção artesanal e manufatureira inicialmente não era proibida no Brasil colônia. Havia manufaturas de navios, selas, arreios, carros de bois etc., o que também fugia ao monopólio português. 5.6. Seria muito difícil para Portugal aplicar uma política de exclusivismo comercial sobre a produção no Brasil. No caso espanhol, ao contrário, a política de exclusivismo era possível devido ao regime de porto único e de comboios, pelo qual os navios só poderiam sair juntos de um determinado porto e só poderiam desembarcar em um porto da metrópole. Os portugueses, no entanto, permitiam que os navios trafegassem sozinhos e desembarcassem em quaisquer partes da metrópole ou da colônia. 5.7. Havia outros motivos para os portugueses serem indulgentes com os estrangeiros. O açúcar se deteriorava rapidamente e não podia ser estocado até a formação de um comboio, o que seria necessário para um monopólio comercial inflexível. Os portugueses também precisavam dos estrangeiros para colocar os produtos agrícolas no mercado europeu. 5.8. O exclusivismo e a aversão aos comerciantes estrangeiros só começou entre os portugueses no início do século XVII, após o domínio espanhol. Mas, mesmo assim, a proibição do comércio com os estrangeiros só raramente era cumprida. 6. A ADMINISTRAÇÃO COLONIAL.


5 6.1. Por não ter recursos financeiros próprios para investir no processo de colonização do Brasil, a Coroa portuguesa optou por um sistema que transferia para a iniciativa privada as despesas da colonização. 6.2. No Brasil a terra era abundante e praticamente sem valor, o que levou os conselheiros de dom João III a sugerir que ele dividisse a terra em quinze lotes, a serem doados a doze donatários, que deveriam colonizar a região com seu próprio capital. 6.3. Tratava-se do sistema de capitanias hereditárias, que havia sido aplicado com sucesso nas ilhas do Atlântico, onde Portugal já desenvolvia a produção açucareira. Como a colonização do Brasil iria começar com a produção açucareira, os conselheiros reais sugeriram a utilização do modelo no Brasil. 6.4. O donatário era a autoridade máxima dentro da sua capitania, tendo a responsabilidade de desenvolvê-la com os seus próprio recursos. Com a morte do donatário, a administração da capitania passava para seus descendentes. Por esse motivo eram chamadas de capitanias hereditárias. 6.5. O vínculo entre o rei de Portugal e os donatários era estabelecido em dois documentos: • CARTA DE DOAÇÃO – conferia ao donatário a posse hereditária da capitania. Posse, aqui, não significa o domínio exercido pelo proprietário. Ou seja, os donatários não eram proprietários das capitanias, mas apenas sues administradores. • CARTA FORAL – estabelecia os direitos e deveres dos donatários, relativos à exploração da terra. OS DIREITOS E DEVERES DOS DONATÁRIOS

DIREITOS: •

Direito de criar vilas, administrar a Justiça e doar sesmarias (latifúndios incultos ou abandonados) a quem tivesse capitais e escravos para cultivá-los, exceto para judeus e estrangeiros;

Direito de escravizar a população nativa e dever enviar anualmente 39 escravos indígenas para Lisboa;

Monopólio sobre os engenhos, de longe o mais lucrativo negócio dos primeiros séculos de colonização; o donatário poderia vender aos colonos a licença de construir e explorar os engenhos; também pertenciam ao donatário todas as salinas das capitanias.

A vigésima parte da renda auferida na extração do pau-brasil.

DEVERES: •

Pagar a Coroa portuguesa dez por cento de todos os produtos da terra;

Vinte por cento de todos os metais e pedras preciosas que fossem encontrados.

Garantir o monopólio real sobre o pau-brasil e das drogas do sertão (produtos semelhantes às especiarias do Oriente, como, por exemplo, guaraná, cacau, e gengibre.)

6.6. O sistema de capitanias não alcançou, do ponto de vista econômico, o sucesso esperado pelos donatários. Somente as capitanias de Pernambuco e São Vicente e Pernambuco conseguiram relativa prosperidade, rendendo lucros com a lavoura canavieira. As demais fracassaram em conseqüência de várias causas, tais como: • •

a falta de dinheiro dos donatários; a falta de pessoas para trabalhar na lavoura;


• • • •

6 o constante ataque das tribos indígenas, revoltadas contra a escravidão que o colonizador lhes pretendia impor; a dificuldade de comunicação entre as capitanias e Portugal, decorrente das enormes distâncias e da precariedade dos meios de transporte; a pouquíssima participação dos donatários sobre os lucros obtidos da terra que , na época, provinham do pau-brasil; por isso, eles não tinham motivação para prosseguir o seu trabalho administrativo; o fato de nem todas as terras serem adequadas à lavoura da cana-de-açúcar, cuja produção interessava ao sistema colonial que estava sendo implantado.

6.7. Do ponto de vista político, o sistema de capitanias cumpriu, de certa maneira, os objetivos desejados. Lançou os fundamentos iniciais da colonização portuguesa no Brasil, preservando a posse das terras e revelando as possibilidades de exploração. 7. O GOVERNO GERAL. 7.1. O isolamento das capitanias em relação a Portugal foi apontado, na época, como a grande causa responsável pelo seu insucesso. A coroa portuguesa sentiu, então, que era necessário participar diretamente da obra colonizadora. Para isso, criou na Colônia um governo centralizado (governo-geral), encarregado de auxiliar e proteger todas as capitanias em nome do rei de Portugal. Note-se, portanto, que o governo-geral implantado na Colônia tinha como objetivo coordenar a ação dos donatários e não, propriamente, extinguir o sistema de capitanias existente. 7.2. Foi escolhida, como sede do governo-geral, a capitania da Bahia, resgatada pelo rei de Portugal do filho de Francisco Pereira Coutinho, o primeiro donatário. A escolha dessa capitania foi motivada por interesses administrativos, pois ela se localizava num ponto médio do nosso litoral, facilitando a comunicação com as demais capitanias. 7.3. Além do governador-geral , foram criados mais três cargos. O ouvidor-mor e seu subordinados cuidavam da administração da justiça; o porvedor-mor defendia os interesses do Tesouro Real, como a cobrança de tributos; e o capitão-mor cuidava dos assuntos da defesa. 7.4. Atendendo ao pedido do rei, o papa criou, em 1552, o primeiro bispado do Brasil, que teve como representante D, Pero Fernandes Sardinha. 7.5. O sistema de capitanias não foi extinto com o governo-geral. Apenas as atribuições públicas dos donatários (fazer justiça, cuidar dos assuntos da fazenda real e das questões militares) foram incorporadas ao sistema de governo-geral. As capitanias, como patrimônio, continuaram a existir, paralelamente às reais (Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte), até 1759 quando a última foi expropriada pelo Marquês de Pombal. Novas capitanias da coroa foram surgindo como as do Grão-Pará, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, alterando a configuração política da colônia. 8. OS PRIMEIROS GOVERNADORES GERAIS. 8.1. TOMÉ DE SOUSA (1549 – 1553) : Veio ao Brasil numa frota de seis navios, trazendo, aproximadamente, mil pessoas, entre soldados, degredados e funcionários da sua administração. De toda essa gente, destacam-se os jesuítas, seis ao todo, chefiados pelo padre Manuel da Nobrega. Entre os principais problemas enfrentados pelo primeiro governador-geral, estava a luta pelo reconhecimento de sua autoridade, contestada por diversos donatários, entre os quais Duarte Coelho, da próspera capitania de Pernambuco. Tais donatários, mesmo sabendo que Tomé de Sousa era representante direto do rei, recusavam-se na prática, a aceitar suas ordens. Isso gerou uma série conflitos administrativos que somente com o tempo foram sendo superados. Dentre as principais realizações desse governo, podemos citar: •

incentivo à lavoura da cana-de-açúcar

início da criação de gado


• •

7 Organização de expedições que saíam pelas matas à procura de metais preciosos; visita a várias capitanias para o encaminhamento de soluções administrativas que estavam ao seu alcance.

8.2. DUARTE DA COSTA ( 1535 – 1558 ): Trouxe outros jesuítas para o Brasil, dentre os quais destacava-se o padre José de Anchieta. O período de Duarte da Costa foi, do ponto de vista dos interesses administrativos, particularmente tumultuado. Em seu governo ocorreram sérios desentendimentos com o bispo D. Pero Fernandes Sardinha, provocados, em grande parte, pelas críticas que o bispo fazia ao comportamento moral do jovem Álvaro Duarte da Costa, filho do governador. Ainda durante esse período, em 1555, os franceses tentaram se estabelecer no Rio de Janeiro, fundando ali um povoamento que se chamou de França Antártica. Destaca-se durante esse período, a fundação do Colégio de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554, pelos padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega. Junto ao Colégio formou-se a vila que deu origem à cidade de São Paulo. 8.3. MEM DE SÁ ( 1558 – 1572 ): descrito como violento matador de índios, conseguiu resolver, durante seu longo governo (14 anos), uma série de dificuldades deixadas por Duarte da Costa. Os mais importantes acontecimentos que marcaram seu período de governo foram: • • •

reconquista do bom relacionamento entre a Igreja e o governo; expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, em 1567, com a ajuda do seu sobrinho Estácio de Sá; encaminhamento da solução do problema da escassez de mão-de-obra para a agricultura, por meio da importação de escravos negros.

8.4. Mem de Sá, já velho e doente, fazia insistentes pedidos ao rei de Portugal para que enviasse ao Brasil um substituo. Queria regressar a Portugal e lá viver seus últimos dias. Atendendo ao pedido de Mem de Sá, o rei de Portugal enviou à Colônia, em 1570, um novo governador, D. Luís de Vasconcelos. No decorrer da viagem, a frota que o transportava foi atacada por corsários franceses. Em alto-mar, houve intensa luta que resultou na morte do governador nomeado e do resto da tripulação, incluindo 40 padres jesuítas. Mem de Sá continuou governando o Brasil por mais dois anos, aqui falecendo em 1572. 8.5. Em 1573, devido à grande extensão territorial e ao perigo de invasões estrangeiras, o Brasil foi dividido em dois governos: o do Norte, com capital em Salvador (a cargo do Conselheiro Luís de Brito de Almeida), e o do Sul, com capital no Rio de Janeiro (a cargo do desembargador Antônio Salema). Entretanto, a divisão fracassou e, em 1578, unificaram-se novamente os governos ,com a capital fixada em Salvador (sendo enviado para o Brasil Lourenço da Veiga que exerceu o cago até 1581, ano de sua morte). 9. AS CÂMARAS MUNICIPAIS OU CÂMARAS DOS HOMENS BONS: 9.1. A organização político-administrativa do Brasil tinha um caráter central, tendo por base o governo-geral. Entretanto, essa administração centralizada tinha um poder mais formal do que prático. Efetivamente, o poder estava descentralizado pelas vilas e municípios, ficando em geral nas mãos dos grandes proprietários rurais. 9.2. Paralelamente à formação das vilas, também foi sendo estruturada uma administração de âmbito local, a cargo das câmaras municipais, oficialmente instituídas somente nos municípios mais importantes. 9.3. As câmaras eram controladas pelos chamados “homens-bons”, representados pelos grandes proprietários de terra, de escravos ou de gado. A atuação administrativa das câmaras era verdadeiramente ampla, abrangendo diversos setores, como o de abastecimento, de distribuição, de execução das leis, de relacionamento do colonizador com os indígenas etc. Assim, as câmaras municipais constituíam poderosos órgãos da administração local, controlados pela aristocracia rural da Colônia. Nessa condição, opunhamse ao centralismo administrativo, representado pelos órgãos da coroa portuguesa.


8 9.4. Atendendo aos interesses da classe dominante colonial, as câmaras municipais assumiam posições autonomistas, passando por cima da autoridade dos funcionários e delegados do rei. O poder de fato superava o poder “teórico” da coroa. Essa situação durou até meados do século XVII. 9.5. Terminado o domínio espanhol (1640), Portugal retomou com vigor seus cuidados para com a Colônia brasileira. Em 14 de julho de 1642, foi criado o Conselho Ultramarino, que centralizava as tarefas da administração colonial. Tinha como objetivo reduzir o poder e a autoridade das câmaras municipais e, em contrapartida, aumentar as atribuições e o poder dos governadores e demais funcionários do rei. 9.6. O Conselho Ultramarino passou, por exemplo, a nomear os juízes que deveriam presidir as câmaras (juízes de fora) dos principais municípios, substituindo os juízes ordinários, eleitos pelos “homens-bons”. 10. O MUNDO DO AÇÚCAR. 10.1. O engenho era o centro da vida econômico-social do Nordeste açucareiro. Nas terras menos férteis era praticada uma agricultura de subsistência para suprimento das necessidades alimentares do engenho. As vestimentas grosseiras dos escravos e a maior parte das vestimentas da família do senhor também eram tecidas ali. Nos engenhos havia uma capela, onde um padre pago pelo senhor de engenho oficiava missas e sacramentos e ensinava noções de escrita aos meninos da família senhorial. 10.2. Havia engenhos menores, movidos pela força animal, denominados trapiches, e engenhos maiores, movimentados pela força da água chamados engenhos reais. 10.3. Engenho de Açúcar era o nome da grande propriedade agrícola voltada para a produção do açúcar. Compunha-se de algumas construções básicas, tais como: • casa-grande : era a residência do senhor de engenho. Tanto podia ser uma mansão térrea ou um sobrado. Nela, moravam o senhor de engenho e toda sua família, além de empregados de confiança (capatazes) que cuidavam de sua segurança pessoal. A casa-grande era a central administrativa de toda atividade econômica e social do engenho. • Capela : era o local onde se realizavam as cerimônias religiosas. Nos domingos e dias santos, a capela era o centro de reunião de toda a comunidade, assim como nos batizados, casamentos e funerais. • Senzala : era a habitação rústica e pobre dos escravos. Geralmente, eles se aglomeravam num único compartimento miserável e promíscuo. • Casa do engenho : abrangia todas as instalações destinadas a produção do açúcar. Entre elas, citam-se a moenda (onde se moía a cana para a extração do caldo): as fornalhas (onde o caldo da cana era devidamente fervido e purificado em grandes tachos de cobre): a casa de purgar ( onde o açúcar, depois de resfriado e condensado, era levado para ser branqueado) e os galpões ( onde os blocos de açúcar eram quebrados em várias partes e reduzidos a pó). 10.4. A casa-grande, a capela, a senzala e a casa do engenho formam o conjunto de construções característico do engenho de açúcar. Outras construções em número variável, servem de residência ao capelão, ao mestre de açúcar, aos feitores e a outros poucos trabalhadores assalariados. 10.5. Sendo uma unidade produtora especializada na fabricação do açúcar, o engenho abastecia o aglomerado humano que nele vivia comprando diversos produtos do mercado interno ou importando-os. Entre esses produtos adquiridos pelos engenhos, citam-se tecidos, linha, papel, pratos, jarros de estanho, tachos de cobre, enxadas, foices, pregos, tijolos, cestos, breu, cordas e diversos gêneros alimentícios. 10.6. Em geral todas as pessoas que trabalhavam no engenho moravam ali mesmo. Assim, o engenho era um mundo semifechado, onde a vida girava em torno das ordens de uma autoridade suprema : o senhor de engenho, que era o proprietário da empresa açucareira.


9 10.7 A autoridade do senhor de engenho não se restringia apenas aos limites de sua propriedade. Seu poder político alastrava-se por toda a região vizinha, invadindo vilas e povoados, através da sua atuação junto às câmaras municipais. O poder político-social era, evidentemente, um conseqüência do poder econômico, que, por sua vez, tinha como base a terra, os escravos e a exportação do açúcar. 10.8 Na região açucareira, a família era nitidamente patriarcal, na qual todo o poder de chefia concentrava-se na figura do pai, o senhor de engenho, detentor de uma autoridade absoluta sobre a esposa e os filhos, Entretanto, convém notar quem em relação aos escravos, esse patriarcalismo da sociedade açucareira adquiria um outro sentido, puramente econômico e empresarial. Aqui, o senhor de engenho não era a mesma figura patriarcal do ambiente familiar, mas antes de tudo o administrador da empresa açucareira, cuja produção era sustentada pelos braços negros. 10.9 A estrutura da sociedade açucareira baseava-se, principalmente, em duas classe: num pólo, a classe senhorial , no outro, a dos escravos. Numa faixa intermediária, servindo aos interesses da classe senhorial, encontrava-se uma série de pessoas de diferentes segmentos sociais: pequenos proprietários de terra, alguns poucos assalariados do engenho (feitores, mestre de açúcar, purgadores, cirurgiões, etc.), agregados (moradores do engenho que prestavam serviços ao senhor em troca de proteção e auxílio), padres, alguns poucos funcionários do rei e raros profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros). 10.10 Entre os principais elementos que caracterizavam a sociedade açucareira colonial destacam-se: • Ruralismo : a maior parte das relações sociais desenvolvia-se no ambiente rural do engenho, que era o centro dinâmico da sociedade. • Patriarcalismo : o senhor de engenho era o patriarca Todo-Poderoso da sociedade. Concentrava em suas mãos o poder econômico, político e administrativo e dominava as câmaras municipais. Até o século XVII, as câmaras possuíam mais poderes do que os representantes da coroa portuguesa. • Estratificação social : a mobilidade das camadas sociais era praticamente nula. Isto é, o escravo não passava à condição de senhor ou vice-versa. Também os membros das camadas intermediárias (padres, feitores, agregados) permaneciam em posições estáticas. 10.11. Embora o senhor de engenho fosse Todo-Poderoso na Colônia, devemos lembrar que seu poder era pequeno comparado com o da burguesia européia. Esta ficou com os enormes lucros gerados pela comercialização do açúcar. 10.12. Se analisarmos o lucro total gerado pelo açúcar, veremos que o senhor de engenho ficava com pequena parcela da renda total obtida com a operação. Ainda assim, era um grupo social muito rico. 11.OS INDÍGENAS: 11.1. Brasil possuiu atualmente, cerca de 230 mil índios. Esse numero representa bem menos de 1% da população brasileira, mas na época em que se deu o “descobrimento” a situação era muito diferente. Calcula-se que havia de 2 a 5 milhões de índios em nossa terra, o que significa uma população superior à que existia em Portugal (em torno de 1 milhão). 11.2. Nos primeiros contatos com os indígenas, os portugueses achavam que todos eram iguais entre si. Pensavam que todos os índios falavam a mesma língua, tinham as mesmas crenças, utilizavam as mesmas técnicas de trabalho e obedeciam às mesmas normas sociais. Aos poucos, porém, perceberam a existência de uma grande variedade de nações indígenas, cada qual com crenças, línguas, técnicas e costumes distintos. 11.3. Os principais grupos indígenas eram: • TUPI – ocupava o litoral brasileiro e várias regiões do sertão (interior) • JÊ ou TAPUIA – ocupava o Brasil central.


10 • NUARUAQUE – ocupava certas regiões da Amazônia e do estado do Mato Grosso • CARAÍBA – ocupava o norte da região amazônica. 11.4. Apesar das diferenças culturais, existiam características comuns entre os povos indígenas. Destacamos, a seguir, algumas delas. • PROPRIEDADE MATERIAL – os índios não se dedicavam ao acúmulo pessoal de riquezas. Quase todos os bens materiais, como a terra e a alimentação, eram compartilhados por todos os membros da tribo. Somente alguns poucos objetos, como as armas e os enfeites, o índio guardava individualmente para si. O restante dos bens era dividido pela comunidade. A ausência genérica da propriedade privada fazia do índio um ser desprendido da posse de bens materiais. • NAÇÕES, TRIBOS E ALDEIAS – os índios viviam em cabanas, conhecidas como OCAS, feitas de sapé ou de folhas de palmeiras, que serviam de abrigo para a família. Geralmente, as ocas eram dispostas em círculo. No centro do espaço das ocas havia uma área livre (ocara), destinada às reuniões coletivas, como as cerimônias religiosas e as festas. O conjunto de várias ocas formava uma aldeia (ou taba). Muitas aldeias reunidas constituíam uma tribo, e o conjunto de tribos formava uma nação indígena. • A FAMÍLIA E O CASAMENTO – entre os povos indígenas a poligamia era regra geral nos casamentos. O tipo mais comum era a POLIGENIA, ou seja, o casamento de um homem com várias mulheres. Embora mais raramente, também se encontrava a POLIANDRIA, casamento de uma mulher com vários homens. A descendência do parentesco podia se dar pelas três linhas de sucessão: PATRILINEAR, em que são considerados parentes apenas os do lado paterno; MATRILINEAR, os do lado materno: e BILATERAL, em que são considerados parentes tanto os familiares paternos como os maternos. • A DIVISÃO DO TRABALHO – era extremamente simples, sendo feita por critérios sexuais e etários. Havia trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, assim como aquelas tarefas consideradas específicas de adultos, de crianças e de velhos. De forma geral, os homens se dedicavam à caça, à pesca e à guerra, e as mulheres ficavam com as tarefas domésticas, a fiação e a agricultura. 11.5. OS ESCRAVOS: 11.5.1. Portugal importava escravos negros desde 1443. Foi o primeiro país da Europa a desenvolver, nos tempos modernos, o comércio de escravos, facilitado pelo domínio que exercia sobre as terras da África. Com o decorrer do tempo, o monopólio português no tráfico negreiro foi sendo reduzido pela concorrência de traficantes holandeses, ingleses e franceses. 11.5.2. Estima-se que, entre os séculos XVI e XIX, somente para a América vieram aproximadamente vinte milhões de escravos. Cerca de um quinto vieram para o Brasil : 4 009 400 . 11.5.3. transporte dos escravos saídos da África era realizado pelos navios negreiros. Os negros eram colocados nos porões desses navios, onde o espaço era pouco, o ambiente, escuro e o calor, insuportável. Além disso, a água era suja e o alimento, insuficiente para todos. Durante essas horríveis viagens, morriam cera de 20 a 40% dos negros, em razão dos maus tratos recebidos e das péssimas condições dos transporte. Por isso, em Angola, esses navios sinistros eram chamados de TUMBEIROS, palavra relativa a tumba ou sepultura. 11.5.4. Todos os negros trazido ao Brasil pertenciam principalmente a dois grupos lingüisticos: • BANTOS – tribos negras do sul da África, geralmente de Angola e Moçambique, que eram trazidas principalmente para Rio de janeiro, Minas Gerais e Pernambuco. • SUDANESES – tribos negras de Daomé, Nigéria e Guiné, que foram trazidas principalmente para a Bahia.


11 11.5.5. Os negros realizaram diversos tipos de atividade. Trabalharam na agromanufatura do açúcar, no plantio do algodão e do café, no extrativismo mineral. Trabalharam também na prestação de serviços domésticos, no artesanato, etc. 11.5.6. excesso de trabalho, a má alimentação, as condições de higiene, os castigos e outros fatores acabavam afetando rapidamente a saúde dos escravos. Por essa razão, sua média de vida era de aproximadamente sete a dez anos de trabalho. Para os proprietários, a morte de um escravo significava, basicamente, a perda de uma valiosa mercadoria. O problema doía-lhe apenas no bolso e resolvia-se com a compra de outro escravo. 11.5.7. Assim, o tráfico negreiro era a principal fonte de reabastecimento da mão-de-obra escrava, pois no Brasil não se estimulava o crescimento vegetativo da população negra, pois era antieconômico criar escravos. A criança deveria ser alimentada até a adolescência, e quando começava a trabalhar no engenho produziria cerca de sete anos, apenas. 11.5.8. escravo de várias maneiras, procuravam reagir contra a brutalidade da escravidão. Muitos fugiram em busca de liberdade e fundaram comunidades para se proteger das perseguições dos capitães-domato. As comunidades criadas pelos negros eram chamadas de quilombos. 12.A HISTÓRIA DOS QUILOMBOS: 12.1. mais famoso e importante quilombo formado pelos negros foi o de Palmares (no auge, teve cerca de 30.000 habitantes), que recebeu esse nome por ocupar uma imensa região de palmeiras, situada no estado de Alagoas (muitos índios das missões religiosas do Nordeste e brancos pobres também fugiam para Palmares). 12.2. A terra, em Palmares, era propriedade coletiva da comunidade. Excetuando-se os objetos de uso pessoal. As famílias formadas de uma mulher e vários maridos recebiam a posse da terra. Os homens trabalhavam na terra e as mulheres, as chefes de família, coordenavam o trabalho. As casas em que moravam também pertenciam à comunidade. Do total produzido em seu lote, as famílias retiravam uma parte para si e entregavam outra parte para a comunidade. Esse excedente era utilizado para alimentar os improdutivos: rei, chefes de aldeia, militares, funcionários, velhos, doentes etc. Parte da produção era ainda armazenada como reserva para enfrentar catástrofes como pragas, secas e guerras. 12.3. Havia também artesãos nos povoados que pertenciam ao quilombo. As oficinas artesanais e os instrumentos de trabalho eram da comunidade, e havia ofício de oleiro(trabalhador de olarias), ferreiro, ceramista, pedreiro, tecelão, caldeireiro etc. 12.4. Na hierarquia social, os sacerdotes dos cultos religiosos africanos, indígenas e católicos, os militares, os chefes de aldeia e o rei ocupavam o topo da pirâmide. 12.5. Embora a economia se voltasse basicamente para o consumo comunitário, sabe-se que os quilombolas chegaram a comerciar com holandeses, portugueses e até com vaqueiros do sertão, aos quais vendiam alimentos. Muitos brancos protegiam as comunidade de Palmares, devido a interesses comerciais. 12.6. Nas comunidades eram lideradas por um chefe e pagavam um tributo à capital. Reunidos em assembléia, os chefes elegiam o rei – cujo cargo era vitalício –, baseado em critérios como coragem, força física e capacidade de comando. O rei era assistido por um conselho de anciãos, escolhidos entre os chefes das cidades. Somente os chefes e o rei tinham o direito de usar guardas pessoais e possuir várias mulheres. Além do mais, eram os únicos que se vestiam bem, para simbolizar a importância do cargo. 12.7. Armas de fogo eram proibidas, e seguindo costumes africanos, o homicídio, o adultério e o roubo eram severamente reprimidos.


12 12.8. primeiro rei de Palmares foi Ganga Zumba. Este rei começou a negociar um tratado de paz com os brancos devido aos ataques freqüentes empreendidos pelos brancos. Internamente, procurou acabar com as propriedades coletivas visando passá-las para o domínio de uma aristocracia que estava se formando. Não se sabe por qual dos motivos o rei foi assassinado em 1678. Seu sobrinho Zumbi foi eleito rei de Palmares, e como lenda encarnou a resistência negra, era considerado invencível. 12.9. Foram necessárias dezoito expedições, entre holandesas e portuguesas, para destruir Palmares. Muitas chegaram a anunciar o fim do quilombo, que entretanto renascia. 12.10. No ano de 1687, o governo contratou o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho para organizar uma tropa de combate e destruir Palmares. Jorge Velho, um homem violento e impiedoso, tornara-se conhecido por seu métodos sanguinários de ataque a aldeias indígenas e captura de escravos fugitivos. 12.11. Domingos Jorge Velho partiu de Palmares em 1692. Seu plano era cercar o quilombo e matar todos os revoltosos. Os negros, entretanto, defenderam bravamente sua liberdade numa luta em que morreram perto de mil homens, de ambos os lados. Nessa ocasião, o violento bandeirante foi derrotado e teve que fulgir. 12.12. Ao tomar conhecimento da força dos escravos, o governo resolveu aumentar sua ajuda militar ao bandeirante, colaborando na formação de um poderoso exército, do qual participavam mais de 6000 mil homens bem equipados. 12.13. Algum tempo depois, Domingos Jorge Velho voltou a atacar Palmares, numa luta que durou quase um mês. Os negros tinham pouca municies, enquanto seus inimigos estavam muito bem armados. Dessa vez, o quilombo dos Palmares não resisti ao ataque. Foi totalmente destruído e sua população, brutalmente massacrada. 12.14. Zumbi, milagrosamente, conseguiu escapar ao cerco, fugindo pelas matas com um pequeno grupo de escravos. Somente dois anos mais tarde, após inúmeras perseguições, ele foi capturado e morto. Cortaramlhe a cabeça e espetaram-na num poste em praça pública, na cidade do Recife. 12.15. Com a morte de Zumbi, o governo queira dar um exemplo aos escravos e intimidar os possíveis revoltosos. Entretanto, Zumbi permaneceu vivo como símbolo da resistência negra à violência da escravidão. 12.16. QUILOMBO DO CAMPO GRANDE : houve em Minas Gerais (1720-1760), um quilombo tão importante quanto o de Palmares. Foi o quilombo do Campo Grande, liderado pelo rei Ambrósio, como o qualificou o próprio governador da capitania. 12.16.1. Nos primeiros anos da mineração, a maioria das mulheres mineiras eram negras escravas, usadas pelos brancos como prostitutas ou concubinas. A intensa miscigenação gerou nas Minas o maior contingente de mulatos que o mundo já viu. Grande parte desses mulatos, juntamente com negros livres e escravos fugidos, sendo rejeitados nas vilas dos brancos, saíram a desbravar o sertão e a fundar vilarejos em locais onde se descobria ouro. Mas a sociedade dos brancos não dava sossego aos negros. Os chamados “homens bons” (brancos proprietários de terra e escravos) investiam contra as comunidades negras para tomar-lhes as vilas e as lavras de ouro. Tropas recrutadas em toda capitania atacaram as povoações negras em 1741, 1743 e 1746 sob a falsa alegação de serem quilombos de negros fugidos. Entretanto, os brancos foram rechaçados pelos negros, liderados por Ambrósio. 12.16.2. Nesse tempo, o quilombo do Campo Grande foi se fortalecendo e se espalhando por Minas Gerais em diversos núcleos (Peropeba, Boa Vista, Cascalho, Sapucaí, Goiabeiras, São Gonçalo, Indaiá etc.). A população total do Campo Grande pode ter chegado a mais de 15 mil habitantes, por volta de 1758 . 12.16.3. Proscritos, os negros assumiram orgulhosos o título de quilombolas. 12.16.4. Cansado de tanta derrota, o governador José Antônio Freire de Andrade contratou o bandeirante Bartolomeu Bueno do Prado para destruir o Campo Grande. Foram mais de 3 anos de lutas, de 1758 a


13 1760, para que as tropas de Bartolomeu pudessem liquidar o Campo Grande. Na última batalha, mais de 4 mil negros morreram lutando pela liberdade. Finalmente vitoriosos, os “homens-bons” apropriaram-se de todos os despojos dos negros: as terras cultivadas e as lavras em produção. 13. A UNIÃO IBÉRICA. 13.1. Em 1578, na batalha de Alcacér-Quibir, no atual Marrocos, morreu o jovem rei português dom Sebastião I, em luta contra os mouros. Como não havia herdeiros diretos, o trono português foi ocupado por um tio-avô do rei, o velho cardeal dom Henrique, que faleceria dois anos depois. Com o trono novamente vago, vários possíveis herdeiros passaram a disputar a Coro portuguesa. 13.2. O mais forte pretendente ao trono era o rei da Espanha Filipe II, sobrinho-neto do rei dom Manuel, o Venturoso. A Espanha era o maior império da época e a maior força militar e naval da Europa. O sonho espanhol de anexar Portugal era antigo, e Filipe II não iria deixar de realizá-lo. Usou todas as armas disponíveis para tornar-se rei de Portugal: corrupção, intrigas e até a força de sua tropas. 13.3. A nobreza portuguesa mantinha estreitas ligações, inclusive familiares, com a nobreza espanhola, e estava propensa a aceitar Filipe II de bom grado. A poderosa burguesia lusitana também aceitava o pretendente espanhol, pois estava interessada em penetrar no vasto império colonial produtor de metais preciosos no México e principalmente no Peru, trocando escravos e alimentos por prata. 13.4. A resistência aos propósitos de Filipe II provinha da pequena burguesia e dos cristãos-novos de Lisboa. Esses grupos odiavam o fanatismo religioso do monarca espanhol e as matanças realizadas pela Inquisição espanhola em nome da fé. Portanto, interessava-lhes impor como rei de Portugal dom Antônio, prior do Crato, que tinha o apoio da Inglaterra. Filipe II reagiu duramente. Conquistou Portugal pela força militar e pelo dinheiro com que subornou a classe dominante portuguesa. Por isso, teria dito: Portugal, o herdei, o comprei e o conquistei. 13.5. Através do juramento feito perante as Cortes portuguesas reunidas na cidade de Tomar, em 1581, o novo monarca comprometeu-se a respeitar a independência portuguesa. Portugal e Espanha seriam nações distintas, que teriam apenas o mesmo rei. Portugal manteria suas instituições políticas e comerciais. Pelo juramento de Tomar, ministros e funcionários graduados da metrópole e das colônias portuguesas seriam portugueses natos. Os funcionários espanhóis não teriam qualquer autoridade sobre Portugal e suas colônias. Uma mesma Coroa, mas dois países distintos. 13.6. Modificações surgiram depois, no plano jurídico, com a entrada em vigor das Ordenações Filipinas, em substituição às ordenações Manuelinas. As ordenações Filipinas foram utilizadas como legislação brasileira por mais de trezentos anos, só sendo substituídas na República, com a elaboração do Código Civil Brasileiro. 13.7. Com o domínio espanhol, o Brasil também passou a pertencer à Espanha. A administração da colônia brasileira praticamente não sofreu alterações. Mas nem tudo permaneceu como antes. No plano internacional, muita coisa mudaria. 13.8. Dentre as mudanças, merece destaque a que decorre da guerra entre a Espanha e sete províncias do norte europeu que, em 1581, proclamaram a República das Províncias Unidas (Holanda). A capital dessa República era a cidade de Amsterdã, que representava o mais importante centro comercial da Europa. 13.9. Filipe II procurou valer-se do seu domínio sobre as colônias portuguesas da África e da América para impor um bloqueio econômico às atividades comerciais da Holanda. Sentindo-se ameaçada, a burguesia holandesa partiu para o ataque. Fundou a Companhia das Índias Orientais, em 1602, empresa que veio a ser responsável pela conquista de muitas colônias espanholas no Oriente. Com a criação dessa Companhia, os holandeses romperam o bloqueio econômico espanhol, entrando em contato direto com centros produtores de especiarias. 13.10. Para a história brasileira interessa, particularmente, a criação de outra empresa holandesa: a Companhia das Índias ocidentais (WIC), em 1621, responsável pela ocupação de áreas do nordeste brasileiro.


14 13.11. O domínio espanhol sobre Portugal trouxe várias conseqüências para o Brasil, como a criação do estado do Maranhão e Grão-Pará (1621), separado do estado do Brasil e formado pelas capitanias do Grão-Pará, Maranhão e Ceará. Esse Estado foi criado devido às preocupações estratégicas da Espanha, que queira povoar a Amazônia e atingissem as regiões espanholas do vice-reinado do Peru, ricas em prata. 13.11.1. Durante o domínio espanhol, em 1621, a Colônia foi dividida em dois Estados independentes entre si: Estado do Brasil e Estado do Maranhão. Boa parte do território colonial passou a pertencer ao Estado do Brasil e outra parte ao Estado do Maranhão. A razão dessa divisão baseava-se no destacado papel assumido pelo Maranhão como ponto de apoio e de partida para a colonização do norte e nordeste do território. O Estado do Maranhão tinha como capital a cidade de São Luís e o Estado do Brasil , a cidade de Salvador. 13.12. Para Portugal o domínio espanhol foi desastroso. Obrigado a participar de várias guerras européias, ao lado da Espanha, o país perdeu muitas possessões asiáticas e africanas, entrando em grave crise econômica: ficou sem o controle do comércio de especiarias do Oriente e sem o comércio de escravos negros africanos. 13.13. Outro ponto que merece um destaque especial, é que o domínio espanhol sobre Portugal praticamente anulou o Tratado de Tordesilhas, já que as terras lusas e espanholas pertenciam ao mesmo monarca. Colonos portugueses puderam estabelecer-se em territórios originalmente espanhóis na Amazônia e no Centro-Oeste brasileiro, transferindo para Portugal a soberania sobre essas áreas. 14.OUTRAS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO BRASIL COLÔNIA. 14.1. Embora o açúcar fosse o principal produto aqui explorado, ele sozinho não tinha condições de garantir a colonização e ocupação do Brasil. Outras atividades econômicas foram importantes no período colonial, como a produção de alimentos e tabaco, a mineração, a pecuária e alguns trabalhos complexos como os estaleiros para a construção de navios. 14.2. A PECUÁRIA : o gado bovino introduzido no Brasil era originário das Ilhas de Cabo Verde. As primeiras cabeças foram trazidas por Tomé de Sousa com a finalidade d suprir a alimentação, além de servir de transporte e tração nos engenhos de açúcar. 14.3. A pecuária desempenhou importantíssimo papel no contexto da sociedade e economia coloniais. Essa atividade fornecia à população da Colônia não apenas carne, mas também a força motriz para os engenhos, o couro com suas múltiplas utilidades e os animais de transporte para as zonas agrícolas e mineradoras. 14.4. Um aspecto fundamental, que tornava a pecuária uma empresa absolutamente singular, dentre as grandes atividades econômicas da Colônia, é que, ao contrário da mineração e da industria açucareira, a pecuária foi uma atividade econômica caracteristicamente local, não direcionada para atender o mercado externo. Isto é: representava um negócio interno da Colônia e seus lucros foram diretamente incorporados por ela. Por isso foi muito pouco incentivada pela Metrópole. 14.5. A pecuária implantada no Brasil era uma atividade bastante rudimentar. Criado à solta, poucos cuidados dispensava-se ao gado. A preocupação básica era vigiá-lo durante o dia, para evitar seu extravio nos extensos pastos, e reuni-lo nos currais ao anoitecer. 14.6. A princípio, havia criação de gado nos engenhos de açúcar. O boi era utilizado para mover as moendas e fornecer carne para a alimentação. Mas criado à solta, esse “gado de quintal” foi considerado contraproducente, pois ocupava extensos pastos que seriam mais lucrativos se utilizados na cultura canavieira. 14.7. Como o eixo fundamental da economia colonial tinha por base as atividades exportadoras, o rei de Portugal (por intermédio da Carta Régia de 1701) proibiu a criação de gado numa faixa de 10 léguas a partir do litoral. O gado foi empurrado oficialmente para o sertão, relegado a ocupar áreas inadequadas para a agricultura exportadora. Assim, condicionada ao modelo de colonização implantado no Brasil, a


15 pecuária, desde o início, teve como destino desbravar o sertão e realizar a conquista e a ocupação do vasto território brasileiro. 14.8. A PECUÁRIA NO NORDESTE: 14.8.1. Os sertões do nordeste formam a área criatória mais antiga da Colônia. Da Bahia e de Pernambuco, o gado espalhou-se por todo o sertão nordestino. Da Bahia, primitiva região criadora, foi para norte e noroeste em direção ao Rio São Francisco, chamado de “Rio dos Currais”, alcançando em seu curso médio já no transcorrer do século XVII. De Pernambuco o gado também se expandiu para norte e noroeste, ocupando o interior dos atuais estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Outro centro secundário do gado foi o Maranhão, onde as boiadas se localizavam ao longo do Rio Itapecuru e de onde partiram para a ocupação do Piauí. 14.8.2. O mercado consumidor estava situado nos engenhos de açúcar do Nordeste, nos centros urbanos do Recife, Olinda e Salvador e nas regiões de plantação de tabaco do Recôncavo Baiano. Além de carne, o couro era também um importante produto da pecuária, utilizado para embalar os rolos de fumo, exportado para a Europa e África e para produzir calçados, arreios e selas de montaria na Europa. A carne era consumida pelos habitantes mais ricos das cidades e pelos grandes proprietários rurais, e as vísceras, bofes, tripas e sangue serviam de alimentos aos escravos. A carne e o leite eram muito consumidos no próprio sertão onde o gado era criado era criado. Os bois também eram vendidos para os agricultores, principalmente plantadores de cana e de tabaco, para puxar os carros de bois, mover os engenhos, puxar os arados. 14.8.3. Uma fazenda de gado se constitui em geral com três léguas de terras, dispostas ao longo de um curso d’água, por uma de largura, sendo meia para cada margem (daí o nome genérico de ribeira que se dá às várias regiões do sertão nordestino: a designação vem da estrutura do povoamento que se origina nas fazendas assim dispostas). Levantada uma casa coberta pela maior parte de palha – são as folhas de carnaubeira que mais se empregam – feitos uns toscos currais e introduzidos os gados (formar os cascos, como se dizia), estão povoadas três léguas de terra e formada uma fazenda. (Obs. Uma légua eqüivale a 6 mi metros. No caso das sesmarias, 6600 metros). 14.8.4. O pessoal empregado na fazenda é reduzido: o vaqueiro e alguns auxiliares, os fábricas. O vaqueiro é quem dirige os estabelecimentos, sendo pago com ¼ das crias; pagamento que só se efetua decorridos cinco anos, acumuladas as quotas de todos eles. O vaqueiro recebe assim, de uma só vez, um grande número de cabeças, que bastam para ir-se estabelecer por conta própria. Os fábricas são em número de dois a quatro, conforme as proporções da fazenda; são subordinados ao vaqueiro e o auxiliam em todos os serviços. Às vezes são escravos, mais comumente assalariados, percebendo remuneração pecuniária (em dinheiro) por mês ou por ano. Estes fábricas também se ocupam das roças que lhes fornecem a subsistência, e que são plantadas nas “vazantes”, isto é, o leito descoberto destes rios intermitentes do sertão, e onde na estiagem se refugiam os últimos traços de umidade. Na falta de roças, cumpre ao proprietário fornecer a alimentação do seu pessoal. Ela é completada com uma vaca por mês que a fazenda fornece. Nas fazendas de menor importância o vaqueiro entra com ¼ desta vaca, que lhe é descontado na ocasião do pagamento de sua parte nas crias; chama-se esta condição, “pagar a morta” . 14.8.5. Além da carne fresca, a pecuária nordestina também fornecia a carne-seca (também chamada carne do Ceará) para o consumo colonial. A indústria da carne-seca, favorecida pelo clima quente e a existência de salinas, tornou-se de grande importância para o sertão nordestino. Esse tipo de carne veio solucionar o problema da conservação do produto para a comercialização, tornando-se capaz de vencer as barreiras das longas distâncias, agravadas pela precariedade dos meios de transporte então existentes. 14.8.6. Não se pode esquecer, entre os subprodutos do boi, a importância assumida pelo couro ( em torno da criação do gado vai ser criada uma verdadeira sociedade do couro). Desde o Maranhão até a Bahia, o couro figurava, em diversos portos, como produto de exportação, além de ser muito procurado internamente pelos habitantes da Colônia.


16 14.8.7. O couro era utilizado como porta das cabanas, leito aplicado ao chão duro, cama para os partos; cordas, recipiente para carregar água; alforje para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apura sal... 14.8.8. A fase de ascensão da pecuária nordestina estendeu-se até princípios do século XVIII. Já em meados desse século, entretanto, começou o seu declínio, com a produção local de Minas Gerais roubando do sertão nordestino os centros consumidores da zona mineradora. As secas de 1791 e 1793 desferiram o golpe final na decadente pecuária nordestina, que foi incapaz de resistir à concorrência sulina. 14.9.

A PECUÁRIA NO SUL:

14.9.1. A costa do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, já havia sido visitada no início do século XVI pelas primeiras expedições de exploração do pau-brasil. Como não possuía metais preciosos nem tinha terras e clima propícios à plantação de produtos agrícolas tropicais, a região foi praticamente abandonada pelos portugueses. 14.9.2. Em territórios pertencentes à Espanha, a Companhia de Jesus havia fundado as missões de Itatim e Guairá, Nessas missões, índios aldeados criavam gado e plantavam erva-mate. 14.9.3. Durante o domínio espanhol (1580-1640), os holandeses ocuparam as capitanias produtoras de cana-de-açúcar do Nordeste e as regiões fornecedoras de escravos negros na África. As capitanias que haviam ficado sob domínio luso-espanhol não recebiam escravos negros. 14.9.4. Bandeirantes paulistas atacavam as missões jesuítas para escravizar os índios e vendê-los às capitanias luso-espanholas produtoras de cana-de-açúcar. Com a destruição das missões, o gado que aí vivia ficou solto e começou a se reproduzir pelos campos do atual Rio Grande do Sul. Expulsos os holandeses, reabriu-se o tráfico negreiro e o comércio de escravos índios entrou em declínio. 14.9.5. Para participar do comércio da região do Prata, Portugal fundou, próximo a Buenos Aires, a Colônia do Sacramento (1680). Além de dedicar-se ao contrabando com o mundo espanhol, os moradores de Sacramento passaram a caçar o gado selvagem, afim de exportar couro para a Europa através de Sacramento ou Buenos Aires. 14.9.6. A carne não era ainda um bem econômico, pois não havia mercado consumidor ou técnicas de conservação apropriadas. Era consumida no local do abate ou mesmo abandonada apodrecendo. 14.9.7. Em 1682, jesuítas espanhóis fundaram os Sete Povos das Missões, no atual Rio Grande do Sul, onde criavam o gado que era caçado pelos índios. No final do século XVII, a cana-de-açúcar entrou em declínio no Nordeste e foram descobertas as primeiras jazidas de ouro na região do atual estado de Minas Gerais. Como a população estava voltada para a procura de ouro e diamantes, chegavam a faltar gêneros alimentícios e animais de transporte. O preço dos animais vivos era muito bom na região. 14.9.8. Os bois e as mulas, trazidos dos territórios castelhanos da atual Argentina, eram tangidos até a feira de Sorocaba, no interior de o atual estado de São Paulo. Ali os tropeiros – chefes que lideravam as tropas de peões – pagavam o imposto à Coroa e as reses eram vendidas a outros tropeiros, que as levavam para a região das minas. Os tropeiros que buscavam e reuniam o gado no Rio Grande do Sul eram naturais ou de São Paulo ou de Laguna, cidade fundada pelos paulistas no atual estado de Santa Catarina. 14.9.9. A sociedade da pecuária no Sul: quando a atividade mineradora começou a se expandir, o tipo social por excelência da pecuária gaúcha era o tropeiro. A Coroa portuguesa estava preocupada com a manutenção da posse da Colônia do Sacramento e Laguna. Para garantir a propriedade dessa área, trouxe casais açorianos para povoar o Rio Grande do Sul doou sesmarias de 10.000 hectares a tropeiros e a militares aposentados. A doação de terras não estava ligada à posse de capitais, como


17 corria na lavoura açucareira no Nordeste. Começara a surgir as grandes estâncias, onde o gado era criado extensivamente. Os trabalhadores eram os antigos peões das tropas. Embora houvesse escravos negros, a falta de capital impediu que eles fossem utilizados em larga escala. Por isso não constituíram a mão-de-obra fundamental na pecuária sulina. 14.9.10. A crise da mineração, a partir da terceira década do século XVIII, não afetou a economia do Sul, porque dois novos produtos tinham surgido dois novos produtos: o trigo e o charque ou carne-seca. 14.9.11. O trigo entrou em declínio devido à proibição da metrópole, devido à concorrência da importação de trigo europeu. O charque se desenvolveu apesar da concorrência dos saladeiros – indústria do charque das regiões platinas da Espanha –, que utilizavam mão-de-obra livre e tinham proteção e incentivo do governo espanhol. Com o processo de independência do Rio da Prata ( atuava Argentina, Uruguai e parte do Paraguai), a economia dos saladeiros se desorganizou e a indústria do charque do Sul pôde se desenvolver. 14.9.12. A capitalização proporcionada pelos lucros da economia charqueadora transformou os escravos em mão-de-obra fundamental dessa atividade. Formou-se um grupo de grandes senhores da pecuária, ligados à indústria do charque, menos ricos, menos refinados, menos cultos e menos aristocratizados do que os senhores de engenho do Nordeste açucareiro. A sociedade passou a ser composta de grandes famílias patriarcais, embora as relações de mando fossem mais sutis do que no Nordeste açucareiro. 14.9.13. Devido a necessidade de defesa do Sul contra os castelhanos, a Coroa portuguesa teve que conceder maior autoridade aos senhores da pecuária sulina. Deu-lhes cargos locais e mesmo autoridade militar. As tropas dos senhores de gado e terras do Sul muitas vezes eram mais importantes do que as tropas do governo português. Essas características deram aos pecuaristas gaúchos mais autonomia e poder, que utilizavam em benefício próprio para obter mais terras e prestígio. 14.10. O TABACO: 14.10.1. Erva de origem americana utilizada pelos indígenas, o tabaco começou a ser plantado comercialmente no recôncavo Baiano já no princípio do século XVII. O fumo, produzido com as folhas do tabaco, logo conquistou consumidores na Europa, apesar da proibição das autoridades políticas e eclesiásticas. Assim como a cachaça, o fumo era utilizado pelos europeus no escambo com escravos negros na África. 14.10.2. Exportado para Portugal, toda a Europa e a África, onde era fumado, mascado ou aspirado, o fumo ocupava o segundo lugar nas exportações brasileiras de produtos agrícolas. Era produzido em grandes propriedades agrícolas trabalhadas por escravos, e a maior parte da produção era exportada. Embora fosse cultivado principalmente em grandes propriedades, o tabaco era explorado por médios e pequenos produtores. Estes últimos eram auxiliados pelos familiares e um ou outro escravo. Além do Recôncavo Baiano, também Sergipe e Alagoas produziam fumo. 14.11. O ALGODÃO: 14.11.1. O algodão já era conhecido dos indígenas que utilizava os fios para tecer redes de dormir e outros ornamentos. Os brancos passaram a utiliza-lo a partir da primeira metade do século XVII. 14.11.2. No Nordeste açucareiro, da Paraíba até a Bahia, os tecidos de algodão eram usados para vestir a escravaria e para fazer roupas de baixo para senhores e senhoras de engenho. Na capitania de São Vicente foram os jesuítas que introduziram e desenvolveram a produção de tecidos de algodão, usados para confeccionar suas roupas e as dos índios. Em Minas Gerais, a produção de tecidos de algodão só se desenvolveu a partir da segunda metade do século XVII, quando a economia mineradora entrou em decadência e deixou a população local sem meios de ganhar a vida.


18 14.11.3. A partir do Século XVIII, plantações de algodão e teares manuais se espalharam por toda a capitania de Minas Gerais. A atividade se firmou e Minas passou a produzir tecidos finos que eram vendidos fora da capitania, prejudicando as exportações de tecidos da metrópole. Esse desenvolvimento preocupava as autoridades coloniais, que ficaram apreensivas com a diversidade da manufatura mineira e temiam que a capitania pudesse reivindicar independência. Em 1785, foi expedido o alvará que proibia, na colônia, manufaturas que concorressem com a produção metropolitana. As tecelagens mineiras entraram em declínio, embora muitas tivessem se mantido. 14.12. A SIDERURGIA: 14.12.1. Do ponto de vista econômico e histórico, a exploração siderúrgica no Brasil colonial teve mais importância do que lhe atribuem muitos historiadores. Possivelmente, o primeiro engenho de ferro da América surgiu em fins do século XVI em Iperó, próximo de Sorocaba, no interior de São Paulo. 14.12.2. Os primeiros exploradores de minério de ferro no Brasil colônia foram os jesuítas, que fabricavam anzóis, facas, cunhas e outras ferramentas de trabalho. Esses produtos eram utilizados no Colégio de São Paulo de Piratininga e serviam para atrair indígenas para a catequese, já que os índios tinham verdadeira adoração pelos instrumentos de ferro, muito mais duráveis que os de pedra. 14.12.3. Os jesuítas, porém, não podiam ensinar os indígenas a fundir e a trabalhar os metais: as autoridades coloniais proibiam, temendo que os indígenas fabricassem armas. 14.12.4. A primeira notícia de descoberta de minério de ferro no Brasil partiu de Ubatá, na comarca de Santo amaro, em 1551. Ubatá é o atual bairro do Butantã, na cidade de São Paulo. O descobridor foi Afonso Sardinha, o homem mais rico da vila de São Paulo. Sardinha era importador e exportador de marmelada, lã e couro, possuía grande latifúndio e navios, e era também agiota, além de traficar índios e escravos. Em suas andanças pelo sertão, Sardinha também descobriu ferro no Pico do Jaragua, região hoje incorporada à cidade de São Paulo, e em Biraçoiaba, atual Iperó, no interior paulista. 14.12.5. Na última década do século XVI Sardinha teria começado a explorar sua mina de Iperó, doando-a em seguida ao rei de Portugal. Alguns fundidores portugueses, um mineiro e um engenheiro alemão ficaram incumbidos de trabalhar na mina. 14.12.6. Os dois engenhos da capitania de São Vicente produziam ferro de má qualidade. Não se sabe a quantidade exata de ferro obtida, mas é quase certo que foi pequena. O engenho de Santo amaro foi explorado durante pouco tempo. Quanto ao engenho de Iperó, não se tem a data certa do encerramento. O mais provável é que sua exploração não tenha ultrapassado o final do século XVIII. 14.13. ESTALEIROS: 14.13.1. Sabe-se da existência de estaleiro de relativa importância no Maranhão e na Bahia. Nos fins do século XVIII, o governo do Marquês de Pombal, querendo reconstruir a decadente marinha do reino, fez cumprir as desrespeitadas leis do período colonial que proibiam o desperdício de madeiras nobres. O corte de madeiras de qualidade e a construção de navios foram as contribuições da colônia para o soerguimento da marinha portuguesa. Entretanto, por falta de técnicas modernas e eficientes e por má administração, a construção naval não prosperou na colônia. 14.14. A PESCA DA BALEIA: 14.14.1. O óleo de baleia era utilizado na iluminação das cidades européias e do Brasil colonial. Em suas migrações de inverno, as baleias chegavam até a costa brasileira, onde eram capturadas na faixa litorânea compreendida entre os atuais estados da Bahia e Santa Catarina, que estava aparelhada para a caça.


19 14.14.2. Embora a pesca de baleia fosse monopólio real, a Coroa concedia esse direito, por três ou seis anos, mediante um contrato cujo valor variava segundo a capitania e o período em que a pesca se realizasse. 14.14.3. A exploração econômica da baleia teve relativa importância no século XVIII, até que, no final do século, foi superada pela concorrência de baleeiros ingleses e norte-americanos no extremo sul do continente. A grande matança de baleias nas Ilhas Malvinas ou Falkland impediu que os animais chegassem à costa brasileira. Por falta de interessados no arrendamento dos contratos, em 1801 a Coroa declarou a pesca livre, mas a atividade entrou em progressiva decadência. 14.15. A EXPLORAÇÃO DO SALITRE: 14.15.1. O salitre, mineral utilizado na composição da pólvora, era extraído das jazidas da Bahia e do norte de Minas Gerais, na Bacia do São Francisco. O mineral abastecia as fábricas reais de pólvora instaladas no Rio de Janeiro e em Vila Rica, chegando a ser exportado para a Europa. No início do século XIX a exportação foi proibida, apressando a decadência da atividade, já em declínio devido ao esgotamento das jazidas. 14.16. A EXPLORAÇÃO DO SAL: 14.16.1. O litoral brasileiro, desde o Maranhão até o Rio de Janeiro, foi uma importante área de exploração do sal marinho. Essa atividade era também monopólio real e sobre ela caíam impostos exorbitantes, pois concorria com a produção de sal da metrópole, um dos mais importantes produtos de sua economia. 14.16.2. Para defender seu mercado, a Coroa dificultava e encarecia cada vez mais a produção brasileira. Essa atividade só existia na colônia porque a falta de sal e o seu alto preço encorajavam o contrabando do sal produzido nas salinas da costa brasileira e do sal-gema extraído na região do Rio São Francisco e no Mato Grosso. 14.17. A EXPLORAÇÃO DA ERVA MATE : 14.17.1. A erva-mate, planta nativa das matas do Rio Paraná e dos campos do atual estado do Paraná, já era utilizada pelos indígenas. No século XVII os jesuítas iniciaram a exploração comercial da ervamate em suas missões e exportavam as folhas do chá para Buenos Aires e Montevidéu, principais centros consumidores da produção colonial. As colheitas e a preparação das ervas tomaram tal vulto na colônia que se transformaram numa das principais ocupações no distrito de Curitiba. 15.A MINERAÇÃO: 15.1. Após a restauração em 1640, Portugal encontrava-se mergulhado em grave recessão econômica. Os preços do açúcar haviam caído no mercado internacional devido, em grande parte, à concorrência do açúcar antilhano. Portugal havia perdido o monopólio do comércio asiático. Quase desesperado, o governo português buscava novas fontes de riqueza. 15.2. Nesse contexto, o antigo sonho de encontrar ouro no Brasil foi revigorado. Já em fins do século XVII, bandeirantes paulistas divulgaram as primeiras descobertas de ouro no atual estado de Minas Gerais. O ouro encontrado na época era na maior parte de aluvião e se achava nos cursos e margens dos rios, riachos e córregos. A ação da água nas rochas onde se encontrava os metais espalhou-os durante séculos por uma extensa área superficial. Por isso, o ouro descoberto logo se esgotava, levando os mineradores a procurar outras minas. 15.3. Essa mineração, ficou conhecida como mineração de garimpo, não exigia técnicas especiais nem grandes investimentos. Uma bateia para separar o metal do cascalho, algumas provisões em mantimentos e aguardente. Não exigia pessoal especializado.


20 15.4. Além da população colonial, a sede do ouro atingiu a população do reino português. Em Portugal correu a notícia de que um novo Eldorado, a mítica montanha de ouro, teria sido descoberto no Brasil. Em apenas dez anos, 300 mil pessoas, de uma população de 3 milhões, deixaram o reino e se dirigiram ao Brasil. Era uma drenagem suficientemente alarmante para um país das dimensões de Portugal. Por isso, em março de 1720, a Coroa laçou um decreto limitando drasticamente a emigração para o Brasil, consentindo-a somente mediante um passaporte especial fornecido pelo governo. 15.5. Com tanta gente chegando, a região das jazidas sofreu brusca transformação. Nos lugares desertos do sertão, a corrida do ouro fez nascer cidades da noite para o dia. Havia todo tipo de gente: brasileiros de todas as vilas e regiões; brancos, pretos, pardos e indígenas a serviço dos mineradores paulistas e portugueses vindos do reino. A mistura era composta de homens e mulheres de diferentes condições sociais: nobres e plebeus, ricos e pobres, homens livres e escravos, religiosos seculares e de ordens religiosas, mendigos, foragidos, desertores, soldados, ladrões e assassinos. 15.6. No início não havia leis a não ser as que tratavam da propriedade das jazidas e repartição do veio minerador , que também não eram respeitadas. Os crimes eram muitos, desde o simples roubo até homicídios pela disputa dos garimpos. 15.7. Aos poucos, e não sem resistência, foi-se introduzindo ordem naquele mundo caótico. Os veios de ouro descobertos passaram a ser repartidos. A primeira jazida cabia ao descobridor. A segunda, pertencente ao rei, era vendida em leilão. As demais jazidas eram distribuídas por sorteio; cada pretendente concorria a uma área proporcional ao número de escravos que possuía. Mas, para fazer parte da lista dos que seriam sorteados, o candidato pagava uma taxa ao superintendente das minas e ao seu escrivão. Quando as jazidas se esgotavam ou sua exploração se tornava antieconômica, elas podiam ser exploradas por qualquer garimpeiro. 15.8. A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS. 15.8.1. O governo português viu no ouro a possibilidade recuperar a decadente economia lusitana. Por isso, logo tratou de montar um amplo esquema administrativo para exercer o controle da região. Como parte desse esquema, criou, em 1702, a Intendência das Minas, órgão diretamente vinculado ao rei, com as seguintes funções básicas: distribuir terras para a exploração do ouro; cobrar tributos; e fiscalizar, de um modo geral, o trabalho dos mineradores.( Sobre o ouro recolhido, a Coroa receberia o quinto , ou seja, 20% da produção total.). 15.8.2. O contrabando de ouro em pó, entretanto, era grande. Em 1720, a Coroa portuguesa criou as Casas de Fundição e proibiu a circulação de ouro em pó. A partir de então, o ouro seria fundido e transformado em barras, que receberiam selo real, de modo a assegurar a cobrança do quinto da Coroa. Quem fosse pego com ouro em pó seria degredado por dez anos na África ou nas Índias, além de perder o ouro e todos os seus bens. O denunciante, não sendo escravo, recebia uma parte dos bens do contrabandistas, ficando a outra parte com a Coroa. Se o denunciante fosse escravo, seria libertado; se fosse cúmplice, seria perdoado. Estava instaurada a delação para ajudar o sistema colonial português a controlar a região mineradora. 15.8.3. Todas as estradas de Minas foram policiadas, o que dificultava o contrabando, que entretanto, não deixou de existir. 15.8.4. A Coroa, achando insuficiente a arrecadação e acreditando que o contrabando era grande, instituiu em 1735 o imposto da capitação (cobrado por cabeça): o minerador pagava 17 gramas de ouro por cada um de seus escravos. 15.8.5. Em 1750, a Coroa obteve das Câmaras o direito de receber 100 arrobas anuais de ouro da região de Minas. Entretanto, devido à queda da mineração, os pagamentos iam ficando atrasados. Em 1760, a Coroa portuguesa instituiu a derrama , através da qual qualquer pessoa da região das Minas, fosse ou não minerador, deveria contribuir para o pagamento dos impostos atrasados, sob pena de ter seus bens penhorados. A derrama, executada por milícias, foi uma das causas da Inconfidência Mineira.


21 15.8.6. A região mineradora pagava também outros impostos, como, por exemplo, os direitos de entrada: toda mercadoria que entrasse em Minas Gerais sofria aumento de preço correspondente a essa tarifa, o que contribuías para onerar o custo de vida na região. 15.9. A EXTRAÇÃOA DE DIAMANTES NO BRASIL : 15.9.1. Além do ouro, devemos destacar a produção de diamantes, que se verificou no Brasil a partir de 1729, no arraial do Tijuco, Minas Gerais, atual cidade de Diamantina. 15.9.2. Os mineradores desconheciam os diamantes e, minerando o ouro, encontravam umas pedrinhas e as guardavam para usar como peças de jogo. O certo é que no ano de 1729 o valor econômico do diamante já era conhecido. A descoberta foi comunicada ao rei de Portugal, dom J.o V. que, precisando de dinheiro, criou a Intendência dos Diamantes e proibiu a mineração do ouro no Tijuco. Todas as pessoa que habitavam na vila foram despejadas, perderam suas casas e jazidas auríferas. As ordens religiosas, acusadas de contrabandistas, acabaram sendo expulsas da região. Negros e mulatos libertos não podiam mais minerar o diamante sob pena de prisão, açoite e degredo. Lojas e boticas foram proibidas na vila e seus arredores, até a distância de duas léguas, para evitar o contrabando. Quem comprasse diamantes dos escravos perderia todos os seus bens e seria degredado para a África. 15.9.3. Para ter direito a uma jazida era preciso pagar uma soma exorbitante à Coroa, o que expulsou os pobres da exploração de diamantes. Aos pobres, enfim, só sobrou um recurso: atuar ilegalmente, como traficantes, garimpeiros, contrabandistas e ladrões de diamantes. Caso fossem presos, estavam sujeitos ao degredo ou seriam incorporados à força como soldados nas longínquas regiões do Sul do país, como a colônia do Desterro, atual Florianópolis ou Colônia do sacramento. 15.9.4. Não existia liberdade no Distrito Diamantino. Os mineradores que lá estavam não podiam sair, e ninguém podia entrar. Soldados da Tropa dos Dragões vigiavam toda a região demarcada: cada riacho, arroio, caverna e rio. Decretou monopólio da Coroa portuguesa sobre a extração do diamante, e todos os que haviam comprado jazidas foram proibidos de explorá-las. Muitos perderam todo seu dinheiro, ficaram literalmente na miséria, sem condições de pagar suas dívidas. 15.9.5. Prevendo grandes despesas, a Coroa adotou o sistema de contratação. Em 1739, João Fernandes de Oliveira. Os contratadores podiam admitir associados e formavam uma verdadeira companhia de exploração de diamantes. Tinham autorização para possuir até seiscentos escravos, sobre os quais pagariam uma captação . Contavam com administradores, caixas, feitores e capitães-do-mato para perseguir escravos foragidos, traficantes de diamantes, mineradores e garimpeiros. 15.9.6. Quando começaram os contratos de diamantes, as pessoas que não tinham profissão foram expulsas do Distrito Diamantino, e as negras e mulatas livres ou escravas foram proibidas de vender quitutes e doces nas lavras. Só poderiam fazê-lo nos arraiais, para que não participassem do contrabando. 15.9.7. Mesmo com toda repressão, o contrabando foi grande. Era fácil ocultar um diamante, e a vasta extensão do Distrito Diamantino, cheio de serras, precipícios, cavernas, esconderijos e matagais só acessíveis a animais selvagens, permitia que os garimpeiros aí trabalhassem escondidos. 15.9.8. Garimpo era a mineração furtiva, proibida. O garimpeiro era um pobre coitado, que, por exercer a mineração clandestina ou o contrabando, havia perdido os bens e fora degredado. Por um outro motivo, os garimpeiros haviam conseguido fugir, voltando para rever a família. Como eram perseguidos, viviam em grupos nos esconderijos, fugindo das autoridades e exercendo a mineração clandestina. Sua vida era difícil, e, caso fossem presos, os castigos eram terríveis . Muitos pagavam proteção aos soldados e vendiam seus diamantes por preços baixos a comerciantes ou a capitães de navios estrangeiros nos portos do litoral. 15.9.9. Os garimpeiros não eram bandidos. Não roubavam, não matavam nem maltratavam ninguém. Seu crime era apenas praticar mineração clandestina, ganhando miseravelmente a vida. Às vezes trocavam tiros com as tropas e capitães-do-mato para não serem presos. Tinham proteção de grandes


22 figurões envolvidos no contrabando, porque geralmente fugiam da cadeia e voltavam à mineração clandestina. 15.9.10. João Fernandes foi o homem poderoso do Tijuco. Só uma pessoa lhe dava ordens: a mulata liberta Chica da Silva, por quem se apaixonara. Fernandes lhe trazia roupas e jóias da Europa, e mandou construir um palácio, onde dava shows e festas, além de encenar peças de teatro todos os dias. Como a mulata nunca vira um navio, João Fernandes providenciou um lago e construiu, para Chica da Silva, um navio onde cabiam dezesseis pessoas. 15.9.11. Para obter os favores do contratador, os poderosos de Minas tinham de se humilhar diante da amante. Poderoso e rico, João Fernandes era temido pelo Marquês de Pombal, que o chamou de volta à Corte, onde morreu riquíssimo. Sabendo do não-cumprimento dos contratos e da participação dos contratadores no contrabando, e ainda temendo a autonomia desses poderosos, Pombal aboliu o sistema de contratos e, em 1o de janeiro de 1772, instaurou o sistema da real extração. 15.9.12. Um grosso livro de capa verde, o Regimento Diamantino, continha a dura legislação sobre a nova forma de produção de diamantes, agora feita pelo Estado português. Durante meio século, até a independência, o Regimento Diamantino, uma legislação arbitrária e despótica, foi o terror do Distrito Diamantino. 15.9.13. O intendente dos diamantes tornou-se o pequeno déspota da região; podia expulsar qualquer pessoa da demarcação, confiscando seus bens; pagar quanto e quando quisesse pelos escravos alugados aos moradores; e controlar da sua maneira os pequenos comerciantes locais. As pessoas não podiam recorrer aos magistrados nem ao governador, pois o intendente só devia prestar contas a Lisboa. 15.9.14. A miséria aumentou entre os moradores do Distrito Diamantino, e os garimpeiros foram mais caçados do que nunca. Se resistissem às patrulhas, seriam mortos e deixados sem sepultura para serem comidos pelos urubus. Ninguém se atrevia a enterrá-los, com medo de ser tomado por cúmplice. No Distrito Diamantino, o sistema colonial era mais violentamente aplicado e sentido pelos moradores do que em qualquer outra região do Brasil colonial. 16.AS CONSEGÜÊNCIAS DA MINERAÇÃO. 16.1. A produção aurífera brasileira foi bastante significativa nos primeiros setenta anos do século XVIII. Nesse período, o Brasil produziu mais ouro do que toda a América espanhola em 357 anos. A quantidade de ouro extraído do Brasil correspondeu a 50% de toda a produção mundial entre os século XV e XVIII. 16.2. Infelizmente, porém, toda essa riqueza não foi utilizada para estimular nosso desenvolvimento. É inegável que, nessa época, a região de Minas apresentou um visível progresso e esplendor, como mostram as lindas igrejas, as ruas e os edifícios que foram construídos. Contudo, a maior parte do ouro brasileiro escoou para fora do Brasil, servindo ao enriquecimento de outros povos. 16.3. Nem mesmo Portugal lucrou com o ouro brasileiro, apesar de receber um quinto de toda nossa produção. Nem mesmo Portugal lucrou muito com o ouro brasileiro, apesar de receber um quinto de toda nossa produção. A balança comercial portuguesa esteve momentaneamente equilibrada, mas não o suficiente para livra-se da dependência econômica em relação aos ingleses. 16.4. A grande beneficiaria do ouro brasileiro foi mesmo a Inglaterra, que, pelo Tratado de Methuen, em 1703, fez de Portugal e suas colônias grandes mercados consumidores das manufaturas inglesas. Exportando somente produtos agrícolas, vinho e sal e importando, maciçamente, as caras manufaturas, Portugal vivia devendo aos ingleses. E para pagar suas dívidas externas, socorria-se do ouro brasileiro. Desse modo, a Inglaterra, por intermédio de Portugal, recebia nosso ouro e desenvolvia seu capitalismo industrial. 16.5. Em linhas gerais os principais reflexos da mineração foram:


23 Aumento populacional significativo – de 1500 a 1700 a população colonial chegou aos 300 mil habitantes, passando a 3.300.000 no início do século XIX; • Grande concentração populacional na área mineradora, especialmente nos altiplanos da “gerais”; • Crescente centralização e fiscalização administrativa por parte da Coroa portuguesa; • A descoberta das “ninas” marca o início do “ciclo do ouro”, representando, ainda, a última e mais importante fase do bandeirantismo;

Desenvolvimento da pecuária do sul, na media em que, esta, abastecerá os centros mineradores (tropas de muares e charque);

Surgimento de uma sociedade predominantemente urbana;

Aparecimento de um surto criador, que se manifesta nas artes através do Barroco Mineiro;

Transferência do eixo econômico da colônia, do litoral nordestino para o centro-oeste, com a transferência em 1763 da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro;

Intensificação do trabalho escravo;

Definição de novas fronteiras e rompimento definitivo da linha demarcatória de Tordesilhas;

Criação de novas capitanias (Minas Gerais – 1720, Goiás e Mato Grosso – 1748 – capitanias reais);

Revoltas Coloniais.

16.A SOCIEDADE MINERADORA ( DIFERENÇAS EM RELAÇÃO À REGIÃO AÇUCAREIRA) 16.1. A região mineradora foi a única área realmente urbanizada de todo o Brasil colonial. Enquanto em todo o país as cidades e vilas não tinham vida econômico-social e política própria, dependendo dos imensos latifúndios ao seu redor, uma sociedade rural, dominada pelos senhores de engenho e tendo na base os escravos e dependentes, na região das Minas os núcleos urbanos controlavam toda a vida econômica, política e social. As autoridade coloniais moravam nas cidades, onde estavam as tropas que garantiam o poder metropolitano; os comerciantes que abasteciam as lavras e fazendas também viviam nas cidades assim como a maioria dos grandes potentados, que moravam em sobrados e às vezes palacetes. A vida social, os saraus literários e musicais, os espetáculos de teatro e as reuniões mundanas se realizavam nas cidades. 17.A ERA POMBAL: 17.1. Em julho de 1750, morreu o rei de Portugal D. João V. Seu sucessor D. José I, convidou, para principal ministro e homem forte, Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal. 17.2. Carvalho e Melo creditava o crescimento da agricultura, das indústrias e do comércio inglês ao ouro e diamantes do Brasil. Desconfiava mesmo das intenções inglesas em relação à metrópole e à colônia. Achava que os ingleses estavam interessados em perpetuar a fragilidade e a decadência portuguesa a fim de continuar lucrando com elas. Quanto ao Brasil, acreditava que os ingleses, invejosos da colônia portuguesa, pensavam em anexá-la. Não estava muito enganado. 17.3. A teimosia do futuro marquês em fortalecer o poder do rei, modernizar Portugal e retirá-lo da dependência inglesa foi tamanha que o embaixador inglês em Lisboa chegou a compará-lo a um asno.


24 17.4. As idéias do Iluminismo ou Ilustração, que combatiam o absolutismo e o mercantilismo, também fizeram parte do período pombalino. Elas no entanto não se chocavam com as proposta de fortalecimento do poder real e de proteção do mercado nacional. As idéias de Pombal portanto, visavam combater os privilégios jurídicos dos nobres e a intolerância religiosa e o poder da Inquisição, assim como desenvolver o pensamento literário, educacional e científico. 17.5. Ora, combater os privilégios da nobreza e o domínio da educação pela Igreja, desenvolver as ciências e as técnicas, tudo isso fazia parte da lógica de Pombal de fortalecimento do Estado, modernização de Portugal e sua elevação a grande potência. Por isso, os princípios do mercantilismo e o seu oposto , o Iluminismo, puderam unir-se no governo de Pombal. 17.6. Com mão de ferro, o Marquês de Pombal governou a metrópole e o mundo colonial de 1750 a 1777. No Brasil extinguiu o sistema de capitanias hereditárias e deixou as ainda existentes sob o domínio da Coroa. Elas passaram a ser administradas por governadores e funcionários nomeados pelas autoridades metropolitanas. Virava com isso centralizar de fato e definitivamente a administração colonial. 17.7. Outra grande preocupação de Pombal foi o combate à sonegação de impostos e ao contrabando no Brasil colônia. O Conselho Ultramarino teve seus poderes diminuídos, e o próprio Pombal passou a controlar pessoalmente os assuntos coloniais. 17.8. O sistema de fiscalização da produção do ouro foi totalmente modificado. A Coroa instituiu um sistema de cobrança de 100 arrobas anuais, garantidos pelas Câmaras Municipais, que passaram a ter a seu cargo o lançamento da derrama para cobrir a diferença. Data dessa época a lei que proibiu a circulação de ouro em pó. 17.9. Procurou também proteger os produtores e comerciantes dos dois mais importantes artigos agrícolas do Brasil colônia: o açúcar e o fumo. Criou casas de inspeção de qualidade e peso desses produtos nos principais portos – Bahia, Rio, Pernambuco e Pará. Procurou proteger os produtores endividados, criando uma lei que dificultava a execução das dívidas hipotecárias dos produtores de açúcar e fumo que tivessem mais de trinta escravos. Segundo o governo, a cobrança das dívidas dos produtores havia contribuído para a decadência da produção de açúcar e tabaco. 17.10. Para combater o contrabando e orientar o comércio colonial para a necessitada metrópole, Pombal criou as companhias privilegiadas de comércio. A primeira foi a Companhia do Grão-Pará, em 1755, fundada por sugestão do governador do Maranhão, Mendonça Furtado. Furtado acreditava que o desenvolvimento da Amazônia só seria possível se os jesuítas perdessem o controle quase absoluto sobre a mão-de-obra indígena e sobre o comércio de especiarias da região (as drogas do sertão). 17.11. Para estimular a companhia, enfraquecer os jesuítas e reprimir o contrabando, o governo de Pombal retirou os índios do controle dos jesuítas e os declarou cidadãos livres, que não poderiam ser escravizados. Proibiu a atuação dos mercadores ambulantes, que representavam os interesses das casas comerciais inglesas e se dedicavam a um ativo contrabando. 17.12. Em 1759, baseando-se nos estatutos da Companhia do Grão-Pará, foi criada a Companhia de Pernambuco e Paraíba. Além de monopolizar o comércio na região, a companhia deveria incentivar a produção de açúcar e fornecer escravos negros aos donos de engenho. 17.13. Os jesuítas e os comerciantes prejudicados pelos monopólios começaram a reclamar e a opor-se ao governo de Pombal. Diziam que os monopólios haviam favorecido alguns poucos, enquanto o antigo sistema de comércio distribuía riquezas por toda a nação. 17.14. Em 1763, a capital do Brasil colônia foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. Essa medida revela a crescente importância econômica do Centro-Sul. Além de ter um grande porto exportador e importador, o Rio de Janeiro estava mais próximo da região mineradora e do Sul do País, onde a movimentação dos espanhóis durante séculos preocupava os portugueses interessados em manter seus domínios e participar do comércio na região do Rio da Prata.


25 17.15. A libertação dos indígenas da tutela dos jesuítas serviu aos interesses estratégicos de Pombal. O marquês imaginava que a melhor forma de defender o Brasil seria povoa-lo com índios ou, então, incentivar os casamentos entre colonos portugueses e mulheres indígenas. Claro que a proibição da escravidão indígena nas colônias e da escravidão em geral em Portugal também fazia parte do reformismo moderado inspirado nos ideais do Iluminismo, presentes no Marquês de Pombal. 17.16. O combate aos jesuítas e sua expulsão do Brasil e de Portugal, em parte, são elementos das preocupações estratégicas do governo português. 17.17. A expulsão dos jesuítas de Portugal e do Brasil não foi causada apenas por um fator. Em primeiro lugar, havia a capacidade de os jesuítas fazerem inimigos em todas as camadas sociais, em todas as outras ordens e autoridades religiosas. A imensa fortuna da Companhia de Jesus – escravos, fazendas, terrenos urbanos, armazéns de especiárias e missões – não era controlada pelas autoridades coloniais, tampouco pagava tributos à Coroa. A independência e a política própria da Companhia de Jesus em relação à Coroa eram incompatíveis com a ação de um governo centralizador. Além do mais, a Coroa, necessitada de dinheiro, estava interessada nos rendimentos que as propriedades jesuíticas poderiam gerar para o governo. 17.18. Os interesses estratégicos do governo português também pesaram na expulsão dos jesuítas. Pelo Tratado de Madri (1750), as Coroas portuguesa e espanhola haviam acertado suas diferenças na região do Prata: Sete Povos das Missões passaria para o domínio português, e Colônia do Sacramento caberia aos espanhóis. Os jesuítas, que ocupavam Sete Povos das Missões, sublevaram os índios contra portugueses e espanhóis, na chamada Guerra Guaranítica, e o tratado foi desfeito. 17.19. Correu suspeita nas duas Coroas, de que a Companhia de Jesus estava interessada em criar um império na América, independente de portugueses e espanhóis. O Marquês de Pombal, com ou sem razão, passou a acreditar que os padres andavam conspirando com os comerciantes ingleses prejudicados na região do Prata. 17.20. Em três de setembro de 1758, dom José I sofreu um atentado quando voltava da casa de sua amante para o palácio. O atentado, segundo alguns autores, foi um crime passional. O rei tornara amante da jovem esposa do Marquês de Távora, cuja família era ligada aos jesuítas. Membros da família dos Távora e dos jesuítas forma presos. O rei, alegando que os jesuítas envolvidos na Guerra Guaranítica e no atentado contra sua real pessoa, expulsou-os do reino e das colônias e seqüestrou-lhes os bens. Nenhuma ordem religiosa ou autoridade eclesiástica, em Portugal, protestou contra sua expulsão. 17.21. Não podemos esquecer também que as extensas propriedades da Companhia de Jesus eram cobiçadas por parte dos membros da elite colonial e da própria Coroa. A maioria das propriedades urbanas e rurais confiscadas aos jesuítas foi arrematada em leilão por grandes fazendeiros e comerciantes. Suas maiores igrejas passaram para as mãos dos bispos não integrados nas ordens religiosas. Muitos dos colégios da Companhia se transformaram em palácios de governadores ou hospitais militares. No todo, houve um grande desperdício, em especial de bens culturais, como as bibliotecas, que foram consideradas coisa de pouco valor. 17.22. O ensino até então praticamente monopolizado pelos jesuítas, passou para o controle do Estado português. Para remediar os problemas criados com a expulsão dos jesuítas na área do ensino, a Coroa tomou algumas medidas. Foi criado um imposto especial, o subsídio literário – para sustentar o ensino promovido pelo Estado. O Bispo de Pernambuco criou o seminário de Olinda, que se voltou em parte para as ciências naturais e a matemática., Pequenos clubes de intelectuais surgiram no Rio de Janeiro e na Bahia. 17.23. As medidas de Pombal contra as ordens religiosas faziam parte de uma política de subordinação da Igreja ao Estado português. Este tratou porém de evitar conflitos diretos com o papa. A Igreja por sua vez, aceitou a expulsão dos jesuítas. Mais do isso, em 1773, o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus, convencido de que ela trazia mais problemas do que vantagens. A ordem dos jesuítas só voltaria a existir em 1814.


26 17.24. O governo de Pombal estimulou o crescimento de uma burguesia nacional metropolitana. Os grandes burgueses que faziam parte das grandes companhias de comércio eram próximos do governo e recebiam incentivos, proteção e estímulo não só por meio de privilégios econômicos, mas também com honrarias. Poderiam receber títulos de nobreza e participavam dos órgãos alfandegários e governamentais. 17.25. Os inimigos de Pombal estavam apenas esperando a morte do rei dom José I para comemorar a queda do ministro. Os ingleses, os comerciantes prejudicados pelos monopólios, os nobres que não participavam do regime, os padres, todos ansiavam por esse dia. Com a morte do rei, os padres que cercavam a herdeira dona Maria I, a Louca, articularam, juntamente com membros da nobreza, a demissão de Pombal, que foi comemorada com festejos. 17.26. A demissão de Pombal do governo, entretanto, fortaleceu o grupo de grandes comerciantes e administradores que emergiu com ele. Esse grupo, devido à fraqueza do Estado e ao aumento da corrupção, teve seus privilégios e fortunas aumentados, pois continuou a desfrutar de privilégios na compra de matérias-primas, mão-de-obra e acesso aos mercados. Como o Estado, em nome da liberalização, deixou de ser dono das indústrias e manufaturas criadas por Pombal, elas foram parar nas mão daqueles capitalistas que durante o governo pombalino estiveram envolvidos na sua criação. 17.27. A reputação do marquês logo foi jogada à lama, embora o grupo por ele favorecido se mantivesse e mesmo prosperasse. 18.AS INVASÕES ESTRANGEIRAS NO BRASIL 18.1. OS FRANCESES NO BRASIL: 18.1.1. Em meados do século XVI, a França sofria os efeitos da Reforma protestante. Setores de sua nobreza, da grande e pequena burguesia, bem como dos artesãos haviam aderido ao calvinismo. Para o Estado francês, os calvinistas era heréticos, traidores e rebeldes em potencial porque negavam a máxima católica absolutista “uma fé, uma lei, um rei”, por isso era perseguidos. Essa heresia era considerada crime de lesa-majestade e crime contra Deus, pois o rei governa pela vontade de Deus. 18.1.2. Mesmo perseguido o calvinismo não deixou de crescer, principalmente nas grandes cidades francesas. A plebe, instigada pelo Estado e pelo partido católico, apedrejava os templos e os seguidores de Calvino. Muitas comunidades calvinistas pensavam em partir para uma nova terra onde tivessem liberdade religiosa, estabilidade e segurança. 18.1.3. O Brasil era o lugar mais indicado para abrigar os perseguidos: o litoral já era conhecido dos franceses; as defesas portuguesas eram insignificantes se comparadas às dos espanhóis; o vasto litoral era praticamente despovoado; e algumas tribos indígenas mantinham relações amistosas com os contrabandistas franceses. 18.1.4. O almirante Coligny, chefe do partido calvinista, havia convencido alguns armadores franceses a investir numa esquadra, falando-lhes dos lucros certos que a fundação da nova colônia traria. O capitão Nicolas Durand de Villegagnon assumiu o comando da esquadra que se estabeleceu numa das ilhas da Baía de Guanabara, onde foi fundado o Forte de Coligny, em homenagem ao chefe do partido calvinista. 18.1.5. Mais de meio milhar de franceses habitavam a colônia com os índios tupinambás do continente. Em troca de anzóis, machados e tecidos, obtinham indígenas de outras tribos (que transformavam em escravos), algodão, pescado, carne de caça, papagaios, bugios e água potável. 18.1.6. O terceiro governador-geral, Mem de Sá, atribuiu a seu sobrinho Estácio de Sá a função de expulsar os franceses do litoral. Com apoio de habitantes da capitania de São Vicente, dos índios tememinós do Espírito Santo e dos tamoios de Iperoig (atual Ubatuba, no litoral norte de São Paulo), Estácio de Sá expulsou os franceses. Durante essa guerra, Estácio de Sá fundou, entre os Morro Cara de cão e o Pão de Açúcar, o povoamento de São Sebastião do Rio de Janeiro. Expulsos do litoral


27 fluminense, os franceses procuraram estabelecer-se no litoral do Nordeste, de onde foram também expulsos. 18.2. A FUNDAÇÃO DA FRANÇA EQUINOCIAL (1612-1615) 18.2.1. Alguns traficantes franceses de pau-brasil que visitavam regularmente o litoral nordestino haviam sugerido à Coroa francesa o estabelecimento de uma colônia fixa no Maranhão. Por aí pretendiam entrar no rico Vice-Reino espanhol do Peru. 18.2.2. Em 1612, estando Portugal sob domínio espanhol, Daniel de La Touche, um nobre francês, conseguiu da regente Maria de Médici permissão para ocupar o Maranhão, fundando ali a chamada França Equinocial. Alguns comerciantes franceses interessados na exploração colonial da América financiaram a expedição. Não se tratava mais de contrabandistas, corsários ou dissidentes religiosos. O projeto de colonização tinha o incentivo da Coroa francesa, visava fincar raízes nas proximidades do Peru e tinha objetivos de lucro bem definidos. Os franceses fundaram, assim, a cidade de São Luís, no Maranhão, e trouxeram missionários católicos para converter os indígenas. 18.2.3. O governo luso-espanhol, preocupado com o estabelecimento dos franceses nas proximidades do Peru, enviou para lá uma expedição comandada por Jerônimo de Albuquerque, que em 1615 conseguiu expulsar os franceses do Maranhão. 18.3. OS INGLESES NO BRASIL. 18.3.1. A pirataria ( banditismo que consistia no ataque a navios; não tinha apoio governamental.) e o corso (ataque a navios mercantes de país inimigo para roubá-los; contava com autorização do governo, que às vezes financiava a investida) faziam parte da estrutura comercial da Idade Moderna. Piratas e corsários eram proprietários de uma empresa comercial e associados a outros burgueses e armadores que financiavam a esquadra e as viagens. 18.3.2. Muitas vezes, piratas e corsários eram incentivados pela Coroa de seu país, ou se tornavam até parceiros dela. O objetivo dessa empresa comercial era o ataque aos navios de outras nações para saqueá-los, roubando escravos, açúcar, ouro, prata etc.. Os que atuavam na América se estabeleciam nas Antilhas, onde atacavam principalmente os galeões espanhóis que se dirigiam da América para a Europa. O Estado absolutista inglês incentivava e financiava os corsários que atacavam navios de seus inimigos, e ainda os utilizava na guerra marítima contra potências rivais. 18.3.3. Quando Portugal foi dominado pelos espanhóis, corsários da Inglaterra – país então rival da Espanha – atacaram portos brasileiros. Edward Fenton (1583) e Robert Withrington (1587) tentaram sem sucesso atacar o porto de Santos. No Natal de 1591, enquanto a população participava das comemorações e festividades, Tomás Cavendish saqueou a cidade de Santos. 18.3.4. No ano seguinte, Cavendish fez uma tentativa de ataque à vila de Vitória, no litoral do Espírito Santo (no combate pela conquista da vila de Vitória, morreram 80 ingleses e, devido a bravura dos defensores da vila, esta passou a chamar-se Vitória). 18.3.5. Em 29 de 3 março de 1595, James Lancaster tomou o porto de Recife e lá permaneceu por 31 dias, carregando seus três navios – e outros 12 “alugou” de franceses e holandeses que ali encontrou – com tudo que pôde saquear. Foi a mais lucrativa das pilhagens ao Brasil, superando o butim que o infame capitão Bartholomew Roberts colheu em 1711 do galeão português que zarpara da Bahia abarrotada de jóias. Ouro e açúcar. 18.4. AS INVASÕES HOLANDESAS 18.4.1. Os holandeses ou flamengos, já estavam em Portugal financiando e praticando o comércio antes mesmo da expansão marítima. Participaram como armadores e financistas da exploração da costa africana e atuaram na fundação dos primeiros engenhos de açúcar na capitania de São Vicente.


28 Montaram o sistema produtor de açúcar no Brasil, financiando grande parte das instalações dos engenhos; refinavam o açúcar, para depois transportá-lo e distribuí-lo por toda a Europa. 18.4.2. Essas atividades com o açúcar brasileiro rendiam grandes lucros aos financistas, mercadores e armadores de Amsterdã e outras cidades comerciais holandesas. 18.4.3. Nos primeiros tempos da colonização o sistema colonial português era extremamente “liberal”. O mesmo não acontecia com o pacto colonial espanhol, extremamente rígido. Os produtos da América espanhola só poderiam ser transportados por comboios que tinham data certa para sair e poderiam se destinar apenas a um determinado porto na metrópole – primeiro Sevilha, depois Cádiz. Os comerciantes estrangeiros eram proibidos de comerciar com as colônias espanholas. Quando Portugal foi dominado pela Espanha, essa rigidez foi transplantada para o Brasil. 18.4.4. O rei Filipe II, procurou valer-se do seu domínio sobre as colônias portuguesas da África e da América para impor um bloqueio econômico às atividades comerciais da Holanda. Sentindo-se ameaçada, a burguesia holandesa partiu para o ataque. Fundou a Companhia das Índias Orientais, em 1602, empresa que veio a ser responsável pela conquista de muitas colônias espanholas no Oriente. Com a criação dessa Companhia, os holandeses romperam o bloqueio econômico espanhol, entrando em contato direto com centros produtores de especiarias. 18.4.5. Para a história brasileira interessa, particularmente, a criação de outra empresa holandesa: a Companhia das Índias Ocidentais (WIC), em 1621, responsável pela ocupação de áreas do nordeste brasileiro e no litoral ocidental da África. 18.4.6. O interesse pelo nordeste brasileiro decorria da longa vinculação da burguesia holandesa com os negócios do açúcar. Como já vimos, os holandeses, com sua experiência comercial e o seu poderio financeiro, participaram ativamente na implantação da empresa açucareira no Brasil. Por volta de 1620, Amsterdã era o maior centro europeu de distribuição e refinação do açúcar. 18.4.7. O lugar escolhido para a primeira tentativa de ocupação holandesa foi Salvador, a capital da Colônia. A invasão ocorreu no dia 8 de maio de 1624. A esquadra invasora era composta de 26 embarcações e trazia, além de 1700 soldados, 1600 outras pessoas. Embora a Bahia fosse o segundo produtor de açúcar no Brasil, Salvador foi escolhida como alvo do ataque por vários motivos: durante muito tempo os holandeses habitaram a região e conheciam suas defesas; era a capital do Brasil colônia e sua ocupação facilitaria mais tarde a ocupação do restante do Nordeste açucareiro; a defesa era mais fraca do que a da capitania de Pernambuco; e, segundo suspeitas de alguns historiadores, o governador Diogo de Mendonça Furtado seria um agente holandês. 18.4.8. O governador da Bahia, Diogo de Mendonça Furtado, não conseguiu organizar tropas suficientes para resistir ao ataque. A cidade de Salvador foi facilmente tomada pelos holandeses, que aprisionaram o governador em seu próprio palácio, enviando-o, depois, à Holanda, o bispo D. Marços Teixeira conseguiu fugir para o interior do território e, valendo-se da pregação religiosas contra os invasores calvinistas, foi organizando, pouco a pouco, um exército para lutar contra os holandeses. A tática a ser adotada seria a guerrilha: ataque de surpresa ao inimigo, evitando-se os grandes combates diretos. 18.4.9. Enquanto os colonos luso-brasileiros promoviam sucessivos ataques aos holandeses, uma poderosa esquadra começou a ser aparelhada pelo rei espanhol Felipe IV. Composta de 52 navios com quase 13000 homens, essa esquadra, comandada pelo marquês D. Fradique de Toledo – chamada de “Jornada dos Vassalos”, pois era composta de soldados recrutados em várias possessões espanholas – expulsou os invasores. 18.2.10. Expulsos da Bahia, durante cinco anos os holandeses ficaram na costa da América, pirateando ouro, prata, açúcar e pau-brasil, procedentes das colônias espanholas. Com o capital acumulado na pirataria, preparam a invasão de Pernambuco. 18.3. A INVASÃO HOLANDESA EM PERNAMBUCO (1630-1654)


29 18.3.1. Uma poderosa esquadra, composta de 56 navios, 3500 soldados e 3780 pessoas, foi aparelhada para atacar Pernambuco, a mais rica capitania da época devido à sua produção açucareira. No dia 14 de fevereiro de 1630, essa esquadra foi vista nos mares de Olinda e do Recife. 18.3.2. O governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, dispunha de poucas tropas e pequena quantidade de armas para defender a região. Apesar da enorme resistência, Olinda foi dominada pelos holandeses. 18.3.3. Matias de Albuquerque, percebendo a desigualdade de suas forças em relação às de seu inimigo, resolveu refugiar-se no interior do território, fundando o Arraial do Bom Jesus, situado próximo às cidades de Olinda e Recife. O Arraial tornou-se o principal foco de resistência contra os holandeses. A tática empregada foi novamente a guerrilha, que, aos poucos, ia minando as forças holandesas. 18.3.4. Durante cinco anos de luta, os holandeses não conseguiram dominar a região dos engenhos de açúcar que tanto queriam. A guerrilha estava doando bons resultados para o lado luso-brasileiro, mas a situação começou a inverter-se quando o multo Domingos Fernandes Calabar, profundo conhecedor de toda a região, passou a ajudar os holandeses, fornecendo-lhes preciosas informações. 18.3.5. O gesto de Calabar foi considerado por muitos historiadores como traição ao Brasil, mas tal julgamento é objeto de controvérsias. Afinal, a que Brasil traiu Calabar? Ao Brasil que antes dessa época pertencia a Portugal e agora estava sob o domínio espanhol? Calabar estava entre dois senhores: ibéricos e flamengos. Para os portugueses, era um fora da lei. Era contrabandista. Além do mais, os holandeses prometiam liberdade aos índios e negros que lutassem a seu lado, o que não estava nos planos dos luso-brasileiros. Os holandeses eram mais progressistas, permitiam a liberdade religiosa. E por isso conquistaram a adesão de muitos cristãos novos e judeus. E há que se imaginar os sentimentos pessoais de Calabar. 18.3.6. Os portugueses exploravam os negros e mulatos, o que havia gerado ressentimentos. Os holandeses recém-chegados ainda não eram identificados como exploradores e racistas. Além do mais, seria muito atribuir-se apenas um homem, Calabar, a derrota luso-espanhola. Os senhores de engenho, que haviam lutado contra os holandeses, temerosos de perder suas propriedades, retornavam aos engenhos e eram cooptados pelos flamengos. Sem a resistência dos principais donos da terra, os holandeses foram expandindo seu domínio por quase todo o Nordeste, com exceção da Bahia. 18.3.7. Em 1635, Matias de Albuquerque desistiu da luta. Retirou-se para Alagoas, acompanhado de numerosa tropa. Na marcha de retirada, conquistou a cidade de Porto Calvo, onde prendeu Calabar e condenou-o à morte pela forca. 18.3.8. A resistência luso-brasileira foi liquidada e a Companhia das Índias Ocidentais passou a organizar a administração da região conquistada. Os anos de lutas tinham causado grande desordem econômica. Tanto os senhores de engenho como os holandeses queriam um ambiente de ordem e paz para que pudessem obter lucros com a atividade açucareira. Para cuidar dessa tarefa, a Companhia enviou ao Brasil o conde João Maurício de Nassau Siegen, nomeado governador do Brasil holandês. 18.3.9. Maurício de Nassau chegou ao Brasil em 1637 e aqui desenvolveu uma habilidosa política administrativa destinada a pacificar a região e diminuir a revolta luso-brasileiros contra a ocupação holandesa. Dentre as principais medidas adotadas em seu governo, destacam-se: •

CONCESSÃO DE CRÉDITOS – a Companhia concedeu créditos aos senhores de engenho, destinados ao reaparelhamento dos engenhos, recuperação dos canaviais e compra de escravos.

TOLERÂNCIA RELIGIOSA – as diversas religiões da população (catolicismo, protestantismo, judaísmo etc. ) foram toleradas pelo governo de Nassau. Deve-se notar, entretanto, que a religião oficial era o protestantismo calvinista, sendo, por isso, a mais defendida e difundida.


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OBRAS URBANAS – remodelação da cidade do Recife, onde se construíram pontes e obras sanitárias e criou-se a cidade de Maurícia, hoje bairro da capital pernambucana.

VIDA CULTURAL – o governo de Nassau promoveu a vinda para o Brasil de artistas, médicos, astrônomos, naturalistas. Entre os pintores, estava Franz Post, famoso autor de diversos quadros inspirados nas paisagens brasileiras. No setor científico, destaca-se Jorge Marcgrave, um dos primeiros a estudar nossa natureza, e Willen Piso, médico que pesquisou a cura das doenças mais comuns da região. 18.3.10. Homem culto, Nassau permitia a liberdade religiosa: trouxe cientistas, literatos, teólogos e artistas para incrementar a cultura e a vida intelectual do Nordeste holandês. Construiu um observatório astronômico no Recife, incentivou o plantio de frutas e a agricultura de subsistência para melhorar a alimentação. 18.3.11. Recife até então um simples arraial, foi totalmente urbanizada e transformada na capital do Nordeste holandês, com o calçamento das ruas, construção de pontes, drenagem de pântanos e abertura de canais. Diferente do resto do Brasil colônia, dominado pela vida rural, o Nordeste holandês foi a única região brasileira que até o século XVIII teve uma destacada vida urbana.

18.4. A INSSURREIÇÃO PERNAMBUCANA. 18.4.1. A política conciliatória de Nassau começou a desagradar os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais. Sua popularidade no Nordeste holandês preocupava os patrões que temiam o que julgavam ser a intenção de Nassau: construir um império pessoal no Nordeste. Nassau solicitava verbas para ampliar as conquistas, mas a companhia negava. Os acionistas reclamavam os dividendos e exigiam que Nassau cobrasse as dívidas dos senhores de engenho. Interessado em manter o apoio que estes lhe davam. Nassau ignorava as recomendações da companhia. 18.4.2. Em 1644, cansado das desavenças com os patrões, Nassau se demitiu. Os novos governantes passaram a seguir os mandamentos da companhia e começaram a cobrar as dívidas dos grandes proprietários rurais. Aqueles que não podiam pagar os débitos perderiam as propriedades – terras, engenhos, escravos, gado. Rompeu-se a harmonia entre os holandeses e os senhores de engenho, que, para se livrar da cobrança das dívidas, passaram a financiar a Insurreição Pernambucana, movimento organizado com o objetivo de expulsar os holandeses. 18.4.3. A Insurreição foi dirigida por senhores de engenho e contou com participação popular. Os populares eram na maioria agregados negros e indígenas, como o negro Henrique Dias e o índio Filipe Camarão. Portugal apoiava discretamente o movimento, pois não tinha condições de enfrentar uma guerra aberta com a Holanda. A situação estava difícil. Os insurretos dominavam o interior e os holandeses, abastecidos por mar, controlavam Recife e seus arredores. A expulsão dos holandeses estava difícil, uma vez que a Holanda era a maior potência marítima da época e tinha controle dos mares. 18.4.4. A partir de 1651 o impasse começou a ser resolvido. O governante inglês Oliver Cromwell, querendo desenvolver a marinha mercante de seu país, promulgou os Atos de Navegação. De acordo com o novo regulamento, o transporte de mercadorias entre a Inglaterra e outros países só poderia ser feito por navios ingleses ou do parceiro comercial. No comércio entre a Inglaterra e as colônias, as mercadorias só poderiam ser transportadas por navios ingleses. 18.4.5. Prejudicava por essas medidas – já que era a grande transportadora do comércio marítimo inglês –, a Holanda declarou guerra à Inglaterra. Os holandeses foram derrotados e perderam o controle dos mares. Além disso, a Inglaterra passou a colaborar para a expulsão dos holandeses do Brasil, fornecendo armas, suprimentos, munições e dinheiro ao movimento. Portugueses, agora sem medo da Holanda, em 1653 enviou uma frota para ajudar na expulsão dos holandeses. Em 1654 a situação dos holandeses era insustentável, por isso assinaram a capitulação. 18.4.6. No comando e organização das tropas luso-brasileiras, destacaram-se : João Fernandes Vieira, rico senhor de engenho e antigo aliado dos holandeses; o negro Henrique Dias, que comandou um


31 batalhão de pretos; o índio Antônio Felipe Camarão, que chefiou numeroso grupo de índios; e o paraibano André Vidal de Negreiros, filho de portugueses. No conjunto dessas lutas, destacam-se as Batalhas de Guararapes (1648 e 1649), vencidos pelos brasileiros. 18.4.7. Formalmente a rendição foi assinada em 26 de janeiro de 1654, na Campina da Taborda. Mas só produziu efeitos plenos, em 6 de agosto de 1661, com a assinatura da paz de Haia, onde a República das Províncias Unidas Reconheceu oficialmente o domínio português sobre o nordeste brasileiro e Angola. Em troca, Portugal teve que pagar uma indenização de quatro milhões de cruzados para a Companhia das Índias Ocidentais, pelos prejuízos causados. Além disso, a coroa portuguesa também abriu mão de algumas colônias do extremo oriente (Ceilão, Málaca e Molucas), ocupadas pela Companhia das Índias Orientais. 19.AS PRIMERIAS MANIFESTAÇÕES CONTRA O SISTEMA COLONIAL (NATIVISMO) 19.1. A REVOLTA DE BECKMAN – ( MARANHÃO, 1684 ) 19.1.1. O antigo Estado do Maranhão compreendia a vasta região que ia do atual Rio Grande do Norte até o Pará. Produzia algodão, drogas do sertão e também açúcar. Os grandes proprietários rurais da região utilizavam escravos indígenas como mão-de-obra, pois a oferta de escravos negros era insuficiente. Estes eram vendidos nas regiões açucareiras de Pernambuco e Bahia, as mais ricas, onde alcançavam preços maiores. 19.1.2. Os jesuítas eram contrários à escravidão dos indígenas e, desde que se estabeleceram no Maranhão, entraram em conflito com os colonos. Os Padres da Companhia de Jesus conseguiram o Alvará Régio de 1655, que colocava os indígenas da região sob sua autoridade exclusiva. 19.1.3. As Câmaras Municipais de Belém e São Luís, as principais do antigo estado do Maranhão, lideraram protestos de colonos, prenderam os padres mais atuantes e os expulsaram. Como conseqüência desses protestos, os jesuítas perderam o monopólio sobre o controle indígena, dividindo-o com outras ordens religiosas. Com a morte do rei Afonso VI, o regente dom Pedro II, aluno dos jesuítas e por eles influenciado, restabeleceu, em 1680, o monopólio dos jesuítas sobre o controle dos indígenas. 19.1.4. Para resolver a o problema da mão-de-obra escrava na região e implementar a nova política colonial, a metrópole criou a Companhia Geral de Comércio do Estado do Maranhão. A companhia deveria fornecer 10 mil escravos negros, à média de 500 por ano, e abastecer a região com produtos importados, como azeite de oliva, vinho, sal e bacalhau. Deveria também comprar os produtos da região e incentivar as plantações de cacau, baunilha e cravo. Teria ainda o monopólio do comércio da região com a metrópole por vinte anos. 19.1.5. A Companhia exagerava no seu monopólio. As viagens de seus navios eram irregulares, o fornecimento de escravos era insuficiente e de preço muito alto. Os gêneros importados eram também insuficientes e caros, apesar de estarem sempre estragados. Além do mais, a companhia fraudava pesos e medidas. 19.1.6. A Companhia só aceitava panos e cravo em pagamento de seus produtos. Os outros produtos da região, como cacau e a baunilha, eram vendidos por preços aviltantes a agentes da própria companhia. 19.1.7. A insatisfação dos colonos com a irregularidade do fornecimento, com os altos preços pagos pelos produtos importados e com os baixos valores recebidos por seus produtos motivou a revolta, liderada pelos grandes proprietários Tomás Beckman, Manuel Beckman e Serrão de Castro. 19.1.8. A 25 de fevereiro de 1684, numa reunião na Câmara Municipal de São Luís, os revoltosos decidiram expulsar os jesuítas, seus antigos inimigos no estado, e abolir o monopólio comercial da Companhia do Maranhão. Tomás Beckman foi enviado a Lisboa para negociar com as autoridades


32 portuguesas e lutar pelas reivindicações dos colonos. Queria mostrar a justeza das queixas dos colonos e afastar qualquer idéia de revolta contra o rei e a metrópole portuguesa. 19.1.9. A Coroa procurou contemporizar. Aboliu o exclusivismo comercial da Companhia do Maranhão e nomeou novo governador, Gomes Freire de Andrade, homem enérgico e dotado de grande habilidade política. A simples extinção do monopólio havia desmobilizado os rebeldes, e o governador nomeado não teve dificuldades em debelar a rebelião. Os líderes foram presos, alguns obtiveram perdão, outros foram degredados. Manuel Beckman, considerado o principal líder, foi enforcado. Os jesuítas retornaram ao Maranhão recuperando o monopólio do controle sobre os indígenas. 19.2. GUERRA DOS EMBOABAS (MINAS GERAIS 1709 – 1710) 19.2.1. As primeiras descobertas de ouro feitas pelos bandeirantes paulistas, na região de Minas Gerais, para lá atraíram todo tipo de gente. Portugueses que vinham da metrópole em busca da fortuna rápida e fácil, aventureiros e desclassificados de toda a colônia, senhores de gado e de engenho do Nordeste, escravos e índios, pretos, brancos, mulatos, homens e mulheres, clérigos. O povoamento da região foi rápido, e no início a legislação e a presença da Coroa portuguesa eram insignificantes. 19.2.2. Desde o princípio os paulistas opunham-se à presença de forasteiros: alegavam que eles haviam descoberto o ouro e que as minas ficavam em território de sua capitania. Na época, Minas pertencia à Capitania de São Vicente. 19.2.3. Injúrias entre os dois bandos eram freqüentes. Os forasteiros chamavam os mamelucos paulistas de “bárbaros”, nômades”, “bandoleiros sem lei”. Os paulistas deram aos portugueses e outros forasteiros o apelido de “emboaba”, palavra que, em tupi-guarani, significa “ave emplumada”, “pinto penudo”. Isso porque eles protegiam as pernas e os pés com botas, ao contrário dos bandeirantes que andavam descalços. 19.2.4. Os conflitos que viriam a eclodir entre eles não tinham outra motivação a não ser a disputa pela posse das jazidas auríferas. 19.2.5. Os dois bandos armados estavam sob comando e autoridade de chefes próprios. Os paulistas eram comandados por Borba Gato, velho bandeirante paulista, superintendente das Minas. Os emboabas viviam sob o comando de Nunes Viana, português de origem, homem valentão, rico criador de gado nos sertões da Bahia. 19.2.6. Os incidentes eram cada vez mais freqüentes, ocorrendo linchamentos de ambos os lados. Mais numerosos, os emboabas conseguiram expulsar os mamelucos paulistas da maior parte da região das Minas e proclamaram Nunes Viana governador provisório até a chegada de uma autoridade real. 19.2.7. Os paulistas foram encurralados ao longo do Rio das Mortes. Bento do Amaral Coutinho, um assassino perverso refugiado na região, ficou encarregado de expulsá-los. Cerca de cinqüenta paulistas foram rendidos, desarmados e mortos, no chamado Capão da Traição. O restante refluiu para Parati, São Paulo e Taubaté a fim de organizar a revanche. Em abril de 1709, foi organizada uma tropa de mais de 2.000 homens para recuperar a posse das minas . Depois de alguns combates, os paulistas, derrotados, bateram em retirada. 19.2.8. A Guerra dos Emboabas não foi nenhuma reação contra a nova política colonial portuguesa, mas uma luta típica da região mineradora. Foi uma disputa pela posse das jazidas de ouro, ocorrida num momento em que a Coroa portuguesa ainda não havia estabelecido a estrutura política-administrativa e fiscal na região. 19.2.9. Para prevenir-se contra futuros conflitos e diminuir o contrabando do ouro e a sonegação dos quintos reais, a Coroa resolveu criar a capitania de São Paulo e das Minas de Ouro, separada da Capitania de São Vicente, com funcionários e governador próprios, encarregados de fiscalizar a distribuição das jazidas auríferas e cobrar os impostos reais. Os paulistas expulsos foram reintegrados em suas antigas minas e o governo da nova capitania procurou estabelecer o equilíbrio político entre as facções oponentes nas Câmaras Municipais das novas vilas criadas na região.


33 19.3. A GUERRA DOS MASCATES : 19.3.1. O movimento colonial que recebeu o nome de Guerra dos Mascates opôs os senhores de engenho que habitavam Olinda aos comerciantes portugueses, conhecidos por mascates, que moravam em Recife. 19.3.2. Uma das causas desse conflito foi a perda de autonomia dos senhores de engenho de Olinda, motivada pela nova política colonial portuguesa no início do século XVIII. Outra causa foi a crise da economia açucareira nordestina no mesmo período. 19.3.3. A concorrência do Açúcar antilhano e a própria crise portuguesa tornavam difícil a colocação do açúcar nordestino nos mercados europeus, o que levou à redução dos preços do produto. A proibição do comércio com navios e em portos estrangeiros para coibir o contrabando, além do aumento dos tributos pagos pelos senhores de engenho, tornava mais difícil a situação econômica dos aristocratas rurais de Olinda. 19.3.4. Com a crise, os rendimentos dos senhores de engenho caíram, e os débitos aumentaram. As dívidas dos senhores de engenho com os comerciantes portugueses de Recife tinham origem na compra a crédito de escravos e produtos importados e na nova sistemática de impostos criada pela Coroa portuguesa: a arrematação. Por esse sistema, os comerciantes portugueses de Recife arrendavam da Coroa o direito de cobrar impostos na região, pagando uma taxa às autoridades portuguesas. A diferença entre o imposto cobrado e a taxa paga ao rei era o lucro do contratador. 19.3.5. Para cobrir os gastos com a arrematação e obter maiores lucros, os comerciantes se tornaram eficientes cobradores. Sem dinheiro para saldar seus compromissos, os senhores de engenho viam aumentar suas dívidas e os juros souber elas. Não demorou para que a oposição econômica entre senhores endividados e comerciantes credores passasse para o plano político. 19.3.6. Olinda, cidade senhorial, estava perdendo prestígio para o povoado de Recife. Quando invadiram Pernambuco, os holandeses fizeram de Recife sua cidade preferida. Urbanizaram-na, construindo pontes e canais e pavimentando as ruas. Depois da expulsão dos holandeses, a migração da metrópole para o Brasil aumentou, devido a crise portuguesa. Os imigrantes preferiam morar em Recife, por causa de seu excelente porto. O antigo povoado tinha uma vida urbana mais desenvolvida e era habitado por uma rica camada de comerciantes de origem portuguesa. Olinda, em parte destruída na guerra contra os holandeses, jamais recuperou o antigo brilho. As próprias autoridades portuguesas preferiam morar em Recife. 19.3.7. Apesar de mais urbanizado, Recife dependia administrativamente de Olinda, pois a Câmara Municipal de Olinda legislava por Recife. Como os cargos da Câmara eram privativos dos grandes proprietários rurais, os comerciantes recifenses não conseguiam participar como vereadores. Por isso apelaram às autoridades coloniais. 19.3.8. Como monopolistas, os comerciantes ajudavam as autoridades coloniais a orientar o fluxo do comércio em função dos interesses metropolitanos. Percebendo que não podiam deixar tão importantes aliados fora do poder local, as autoridades coloniais permitiram que os comerciantes recifenses se candidatassem como vereadores à Câmara de Olinda. Porém a situação nada mudou para os comerciantes de Recife, pois a aristocracia olindense controlava as eleições. O passo seguinte foi pedirem a elevação de Recife à categoria de vila, e a criação de uma Câmara Municipal, tornandoa independente de Olinda. 19.3.9. A 19 de Novembro de 1709, Recife foi elevada à categoria de vila. Os aristocratas de Olinda se revoltaram e semanas depois invadiram Recife. O governador fugiu para a Bahia. A rebelião foi vencida, e os principais implicados foram punidos. Recife foi mantida na categoria de vila independente de Olinda.


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19.4. A REVOLTA DE VILA RICA OU DE FILIPE DOS SANTOS (MINAS GERAIS, 1720) 19.4.1. Certa historiografia tradicional brasileira, que gosta de fantasiar e romantizar os acontecimentos, endeusou a figura de Filipe dos Santos. Procurou colocar o movimento por ele liderado como o primeiro a realmente buscar a autonomia brasileira. Os documentos e fatos, porém não comprovam essa hipótese. A Revolta de Vila Rica foi determinada pela situação específica da região das Minas e s e opunha ao fisco português. 19.4.2. O governador português, o tirânico Conde de Assumar, era uma figura odiada. Incorruptível, procurou estabelecer a ordem e a lei numa população de aventureiros, vindos de todos os lados, que procuravam enriquecer rapidamente e voltar às suas terras. 19.4.3. Para essa população, todos os meios eram legítimos na busca de riqueza fácil: roubo, assassinato, prostituição, indiferença às leis e às ordens. 19.4.4. O relaxamento dos costumes não poupava quase ninguém. Os religiosos davam os piores exemplos: vendiam sacramentos, contrabandeavam ouro, escandalizavam e perturbavam a população. Depois da Guerra dos Emboabas, os paulistas promoviam desordem em algumas regiões; e os forasteiros, em outras. Para aqueles homens, a fome de ouro e a cobiça eram as únicas coisas sagradas. 19.4.5. Os primeiros governadores tiveram de conviver com vícios e abusos. O Conde de Assumar, a princípio, procurou conviver com eles. Em carta escrita ao rei, dizia: “ Desejei nessa ocasião, se me fora lícito, usar dos mesmos meios dos paulistas para assassinar a todos, porque são a mais vil canalha de vassalos que El-Rei tem”. Como os abusos se intensificavam, teve de recorrer à força e à repressão, o que lhe valeu o grande ódio das populações turbulentas das minas. 19.4.6. A população das minas dedicava-se ao contrabando de ouro em pó e sonegava o quinto do rei. A fim de conter a evasão do ouro, uma lei de fevereiro de 1719 implantou na capitania as Casas de Fundição. A partir daí, todo o ouro seria fundido e transformado em barras. No ato da fundição, já se cobraria o quinto real. O ouro em pó só poderia circular dentro da capitania. Quem levasse ouro em pó para fora da capitania perderia todo o minério, teria todos os bens confiscados e seria degredado por dez anos para as Índias ou África. Prometia-se ao denunciante metade dos bens do condenado. Caso o denunciante fosse cúmplice, seria perdoado e, se fosse escravo seria alforriado. 19.4.7. A criação das Casas de Fundição foi causa do motim de quase 2.000 mineiros. O líder da rebelião, o português Filipe dos Santos, era um rancheiro no povoado de Antônio Dias. 19.4.8. Sem força suficiente para debelar o movimento, o governador contemporizou com o revoltosos e prometeu perdoar os amotinados e suspender a criação das Casas de Fundição. Quando os revoltosos depuseram as armas e se dispersaram, o governador mandou prender os líderes e esquartejar Filipe dos Santos. 19.4.9. Como fizera justiça sumária contra portugueses, não respeitando a lei, o Conde de Assumar teve de se explicar perante o monarca. Para melhorar sua situação, inventou um crime de lesa-majestade, dizendo que os revoltosos queriam libertar-se de Portugal e fundar uma república. Esta versão é que foi difundida pelos historiadores ufanistas, atribuindo aos amotinados uma intenção que eles não tinham.


35 20.OS TRATADOS E AS FRONTEIRAS DO BRASIL. 20.1. OS TRATADOS DE UTRECHT (1713 E 1715 ) 20.1.1. No princípio do século XVIII, diversos países europeus estavam envolvidos em uma grande guerra: Espanha e França uniram-se contra Áustria, Holanda e Inglaterra. Portugal viu-se obrigado a participar da luta, tomando partido em favor da Inglaterra, com quem mantinha fortes relações comerciais. 20.1.2. Essa guerra que se desenvolvia na Europa teve importantes reflexos no Brasil: os francese, por exemplo, atacaram por duas vezes a cidade do Rio de Janeiro. Na primeira ocasião (1710), foram derrotados pelos habitantes da cidade. Na segunda (1711), saíram-se vitoriosos, e exigiram dos moradores do Rio uma considerável quantia em dinheiro, bois e açúcar. Os espanhóis, por sua vez, invadiram a Colônia do Sacramento, no sul do país. 20.1.3. A guerra chegou ao seu final quando os países se reuniram na cidade holandesa de Utrecht para assinar um tratado de paz. Nessa oportunidade, Portugal também estava presente e procurou solucionar os conflitos existentes no Brasil, com relação aos espanhóis e franceses. Como resultado desses encontros internacionais, foi assinado, em 1713, um tratado com a França e, em 1715, um outro tratado com a Espanha. Nesses tratados ficava acertado basicamente, o seguinte: • no norte do país, a França aceitava o rio Oiapoque como limite entre a Guiana Francesa e o Brasil; • no sul do país, a Espanha concordava em devolver a Colônia do Sacramento para Portugal. 20.2. TRATADO DE MADRI (1750): 20.2.1. Mesmo depois da assinatura do Tratado de Utrecht, os espanhóis e portugueses continuaram disputando as terras da Colônia do Sacramento. A continuidade dos conflitos entre os colonos das duas nações levou Portugal e Espanha a se reunirem novamente, a fim de estudar uma outra solução que pusesse fim àquela disputa de fronteira. Como resultado, no dia 13 de janeiro de 1750, na cidade de Madri, foi assinado um tratado que determinava fundamentalmente o seguinte: A Colônia do Sacramento fiaria com a Espanha. Portugal, para compensar a sua a sua perda receberia em troca o território dos Sete Povos das Missões, localizados na região do atual estado do Rio Grande do Sul. 20.2.2. O Tratado de Madri merece destaque porque acabou reconhecendo a ocupação territorial além da linha de Tordesilhas. Com isso, poder se dizer que, desde o Tratado de Madri, ficou definido, em linhas gerais, a atual configuração do território brasileiro. 20.3. O ACORDO DO PARDO (1761) 20.3.1. Por inúmeras razões, o Tratado de Madri não pode ser cumprido. O território dos Sete Povos das Missões não pode ser ocupado, pacificamente, pelos portugueses. Isso porque havia nele grandes aldeamentos indígenas organizados por jesuítas espanhóis os índios guaranis, guardando antigos rancores dos bandeirantes, protestaram contra a transferência dessa região para o domínio português. Por outro lado, os colonos portugueses não queriam entregar a Colônia do Sacramento aos espanhóis. 20.3.2. Espanha e Portugal resolveram então, em 1761, através do Acordo do Pardo, anular o Tratado de Madri. 20.4. O TRATADO DE SANTO ILDEFONSO (1777) 20.4.1. Em 1762, um novo conflito estourou na Europa: Inglaterra e Portugal entraram em guerra contra França e Espanha. O conflito europeu ecoou no Brasil. Os espanhóis, contando com poderosas forças militares, invadiram a Colônia do Sacramento pela quarta vez e avançaram com suas tropas pelas terras do atual estado do Rio Grande do Sul, ocupando, também, a ilha de Santa Catarina.


36 20.4.2. No dia 1º de outubro de 1777, Espanha e Portugal, mais uma vez, resolveram assinar um tratado isso, os representantes das duas nações reuniram-se na cidade espanhola de Santo Ildefonso. Através desse novo tratado, a Espanha se comprometia a devolver para Portugal a ilha de Santa Catarina e boa parte do território do atual Rio Grande do Sul. Ficava, porém, com a Colônia do Sacramento e a região dos Sete Povos das Missões. 20.4.3. Muitos consideraram o Tratado de Santo Ildefonso injusto para Portugal, já que este país perdia a Colônia do Sacramento e nada recebia em troca. 20.5. TRATADO DE BADAJÓS (1801) 20.5.1. Parte dos prejuízos causados a Portugal pelo Tratado de Santo Ildefonso foi compensada pela assinatura do Tratado de Badajós, em 1801. Por esse Tratado, a Espanha renunciou seu direito aos Sete Povos das Missões, reconhecendo que foram os luso-brasileiros que, efetivamente, ocuparam a região. De seu lado, Portugal confirmou o direito espanhol à posse da Colônia do Sacramento. 20.6. Os tratados de Utrecht, Madri, Santo Ildefonso e Badajós fixaram a configuração geográfica do Brasil, que, com pequenas modificações estabelecidas posteriormente, mantém-se até os dias atuais.


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