1 CONTESTAÇÕES AO REGIME COLONIAL
1. AS CONTRADIÇÕES DO SISTEMA COLONIAL 1.1. Desde o início da colonização, as intenções de Portugal em relação ao Brasil eram bem claras: explorar ao máximo nossas riquezas. Durante os dois primeiros séculos da colonização (XVI e XVII), os conflitos que surgiram entre os colonos da classe dominante e a Metrópole portuguesa foram bem resolvidos, pois havia interesses comuns entre a elite colonial e a política econômica da Metrópole. 1.2. Mas, ao longo do tempo, o funcionamento desse sistema acabou gerando contradições inevitáveis entre a Colônia e a Metrópole. A base dessas contradições tem uma causa de ordem geral: não é possível explorar a Colônia sem desenvolvê-la; isto significa ampliar a área ocupada, aumentar o povoamento, fazer crescer a produção, O simples crescimento extensivo já complica o esquema; a ampliação das tarefas administrativas vai promovendo o aparecimento de novas camadas sociais, dando lugar aos núcleos urbanos etc. Assim, a pouco e pouco se vão revelando oposições de interesse entre Colônia e Metrópole, e quanto mais o sistema funciona mais o fosso se aprofunda. 1.3. Para impedir o desenvolvimento da Colônia, a Metrópole adotou medidas, tais como: •
Proibição, em 1751, do ofício de ourives na região de Minas Gerais, para evitar o extravio de ouro. Em 1766, a medida foi estendida para a Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
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Proibição, em 1785 de todas a manufaturas têxteis, com exceção daquelas que produziam panos grosseiros de algodão, destinados à vestimenta dos escravos ou à confecção de sacos. A medida tinha como objetivo concentrar todos os braços disponíveis na Colônia essencialmente em duas atividades: a agricultura exportadora e a extração de minérios. Os tecidos e outras manufaturas usados pelos colonos teriam que ser importados através do comércio metropolitano.
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Proibição, até 1795, da instalação de indústria de ferro, obrigando os colonos a importar as ferramentas de que necessitavam.
1.4. A FARSA DO NATIVISMO: 1.4.1.A historiografia tradicional dizia que, por essa época, manifestava-se entre os brasileiros o sentimento nativista, isto é, o sentimento de amor à terra natal. 1.4.2.Hoje, evitamos falar ingenuamente em sentimento nativista, pois essa expressão tem um cunho romântico e passa a noção de que os brasileiros lutavam por amor à nacionalidade. 1.4.3.Sabemos que as lutas se deram devido a interesses específicos e localizados, nunca em nome de uma visão de pátria ou de nacionalidade, que ainda não exista. 2. AS REBELIÕES E SEUS OBJETIVOS: 2.1. REBELIÕES SEM OBJETIVO DE SEPARAÇÃO : nesse grupo estão as rebeliões que não pretendiam separar o Brasil de Portugal. Queriam, apenas, modificar aspectos da dominação portuguesa, reformar elementos do pacto colonial, retira entraves econômicos. Entre elas destacam-se: Revolta de Beckman (1684) ; Guerra dos Emboabas (1708); Guerra dos Mascates (1710) e Revolta de Vila Rica. REBELIÕES COM OBJETIVOS DE SEPARAÇÃO POLÍTICA : nesse grupo estão as rebeliões que desejavam separar o Brasil de Portugal. Queriam romper o pacto colonial e proclamar a independência política do Brasil. Entre elas destacam-se a Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798)
2 1. CONJURAÇÃO MINEIRA OU INCONFIDÊNCIA MINEIRA (1789): 1.1. Em Minas Gerais, no final do século XVIII, ocorreu um movimento que se destinava a realizar a independência da capitania, denominado Conjuração Mineira. Conjuração é o ato de conjurar, ou seja, de conspirar contra uma autoridade estabelecida. No caso especifico desse movimento, conjurou-se contra a Coroa portuguesa e contra o regime colonial imposto por ela. 1.2. Esse movimento também é conhecido por Inconfidência Mineira, uma denominação que encontramos freqüentemente em livros, jornais e revistas. No entanto, consideramos o termo conjuração mais adequado, visto que inconfidência significa falta de fidelidade para com alguém, particularmente para com um soberano ou Estado. Por isso falar que os homens que participaram do movimento não estavam sendo fiéis ao governo português é percebê-lo segundo a visão da metrópole, e não da colônia. É desconsiderar o avanço da consciência nacional em uma parte da população, que passou a lutar pela emancipação. 1.3. Um dos maiores problemas no estudo da Inconfidência Mineira é a falta de documentos. Com medo da repressão, os inconfidentes não deixaram documento escrito, nenhum plano militar ou de governo. As investigações históricas baseiam-se nos interrogatórios feitos pela justiça portuguesa e em depoimento dos acusados. Os riscos quanto a sua interpretação são grandes. Os acusados podem ter sido pressionados a falar o que as autoridades queriam ouvir; para se inocentar, muitos acusados imputaram a sua culpa a outros. Como se tratava de homens importantes, nomes e detalhes podem ter sido omitidos através de suborno ou atendendo aos interesses das autoridades, na ânsia de proteger alguém; corre-se o risco de tomar a versão das autoridades pelos acontecimentos em si. Esse é o grande risco. A metrópole estava interessada em esconder a verdade sobre os movimentos anticoloniais para não incentivar outras tentativas, e pode ter tentado manipular os fatos. 1.4. A dificuldade documental fez surgir três interpretações sobre a Inconfidência Mineira: • Uma delas coloca como um movimento sem importância: seriam apenas sonhos de intelectuais que jamais saíram do plano das idéias. • Outra encara o movimento como apenas uma tentativa de caloteiros endividados com a Coroa portuguesa, para se livrar das dívidas por meio da separação de Portugal. • A terceira interpretação, que nos parece mais correta, procura as determinações econômicas, políticas e sociais do movimento. Essa interpretação não nega que os interesses dos grandes proprietários de terras, minas e escravos foram fundamentais para sua articulação. Não descarta também que a Inconfidência Mineira foi o primeiro movimento a compreender e criticar a exploração do sistema colonial e a fazer a ligação entre essa exploração e a decadência das minas e dos grandes proprietários rurais. A Inconfidência Mineira foi o primeiro movimento a propor objetivamente o rompimento do pacto colonial, a tentar criar uma nação independente e a ver nessa independência um futuro de progresso. Essa é a sua importância. 5.5. A situação em Minas Gerais: na década de 1780, a situação na capitania era de dificuldade para a maioria da população, devido, principalmente, ao declínio da mineração de ouro e à cobrança de impostos excessivos. A partir da segunda metade do século XVIII, a mineração entrou em declínio. Dentre os fatores que concorreram para a decadência da atividade, destacam-se: • •
esgotamento do ouro de aluvião (aquele ouro que era encontrado nas camadas mais superficiais do solo, como nas margens e nos leitos dos rios); deficiências técnicas e materiais para a exploração dos veios mais profundos. (As técnicas para este tipo de exploração já eram conhecidas na a Europa, mas não havia um intercâmbio técnico-científico entre o Brasil e o “Velho Mundo”)
3 5.6. Com o declínio da mineração, ocorreu uma redução da produção de ouro e a conseqüente queda na arrecadação de impostos. A Coroa portuguesa considerou que a queda devia-se à sonegação por parte dos mineradores e ao contrabando. Naquela época, Portugal atravessava uma séria crise devido à dependência em relação à Inglaterra. Um conjunto de tratados comerciais assinados entre os dois países : • Tratado de 1642 – Tendo reconhecido a independência de Portuga do domínio espanhol, a Inglaterra obtém garantias de tolerância religiosa e imunidades legais para seus súditos em território lusitano e posição de nação mais favorecida comercialmente. • Tratado de 1654 – As vantagens oferecidas aos ingleses em 1642 são reconhecidas e ampliadas, abrindo-se a eles o comércio do Brasil e da costa ocidental da África, em pé de igualdade com os súditos portugueses. • Tratado de 1661 – Novo tratado ratifica os anteriores. Catarina de Bragança é dada em casamento a Carlos II, rei da Inglaterra, levando como dote a colônia portuguesa de Bombaim, na Índia, e garantias para o comércio inglês nas Índias Orientais. Em troca, a Inglaterra promete apoio militar a Portugal. • Tratado de 1703 – O Tratado de Methuen reafirma a aliança entre os dois países. Os tecidos e manufaturas inglesas teriam livre entrada em Portugal, em troca da redução da taxa de importação dos vinhos portugueses pela Inglaterra. 5.7. De todos os tratados, os mais significativo foi o de Methuen. Assim, ao mesmo tempo em que a mineração entrou em declínio, a Coroa portuguesa aumentou os impostos sobre a atividade e também a fiscalização. O sistema de cobrança de impostos, o quinto foi, foi modificado a partir de 1750. Através de uma Carta Régia, a Coroa portuguesa estipulou o quinto em cem arrobas de ouro anuais. Este era o mínimo que deveria ser pago ao governo metropolitano. Caso esse mínimo não fosse atingido, deveria ser aplicada a derrama, ou seja, a cobrança obrigatória de um complemento a ser pago por toda a comunidade. 5.8. Por algum tempo (cerca de quinze anos após a Carta Régia), o quinto foi pago sem problemas. No entanto, com o esgotamento do ouro de aluvião, com o encarecimento da extração de ouro de camadas um pouco mais profundas (eram necessários mais escravos e mais equipamentos) e com os novos tributos (em 1788 houve uma reforma do sistema de taxas sobre os produtos que entravam na capitania), tornou-se muito difícil obter a cota mínima. Como a derrama recaía sobre toda a população mineira, muitos habitantes mudaram-se para as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. A crise torunou-se mais grave para os que ficaram em Minas. Um número menor de pessoas deveria pagar grandes somas para que a cota mínima fosse atingida. 5.9. A situação era tão crítica que em 1773 a Junta da Fazenda de Minas ( órgão criado em 1765 com a função de cobrar impostos ) suspendeu a derrama. Os mineradores não conseguiam mais pagar os impostos e tornavam-se a cada ano mais endividados junto à Coroa. Em 1788, em função de medidas de caráter administrativo adotadas pelo governo metropolitano, a Junta da Fazenda iniciou os procedimentos para cobrar a derrama. 5.10.Diante da grave crise e da ameaça da derrama, um grupo extremamente diversificado de pessoas, quase todas pertencentes à elite econômica e intelectual das Minas Gerais, deu início a uma série de reuniões cujo tema básico era a possibilidade de uma rebelião. Os planos dos conspiradores continham idéias presentes na Constituição dos Estados Unidos e nas obras dos escritores iluministas franceses. Planejava-se instaurar a república e transferir a capital para São João del Rei. Além destes objetivos, destacam-se outros pontos dos planos: •
criação da Casa da Moeda – com isto todo o ouro seria recolhido e o papel moeda entraria em circulação;
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4 liberação do Distrito Diamantino – a extração de diamantes ficaria aberta a todos os interessados; instalação de uma universidade em Vila Rica. Além da universidade, previa-se a criação de escolas, hospitais e casas de caridade; substituição do exército pelas milícias nacionais – seria instituído o serviço militar obrigatório; cancelamento das dívidas com a Coroa portuguesa e manutenção da estrutura socioeconômica.
5.11.A respeito da idéia de independência, ao que tudo indica, os conjurados pensavam apenas em termos da capitania de Minas Gerais. Em relação à abolição da escravatura, alguns a defendiam, por acharem que os negros, agradecidos, se juntariam à rebelião e lutariam ao lado de seus exproprietários. Já outros a combatiam, provavelmente por serem proprietários de escravos e temerem a falta de braços para o trabalho, após a emancipação da capitania. 5.12.Conforme afirmamos, os participantes eram movidos pelos mais diversos interesses. A idéia separatista era comum a todos, mas analisando a condição de cada conjurado à época do movimento, percebemos que os motivos pessoais que os levaram a conspirar e a defendê-la eram muito fortes. Exemplos: • • • • • • •
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Freire de Andrade : responsável pelo Regimento de dragões da capitania, estava ameaçado de perder o comando das tropas. Alvarenga Peixoto : poeta, juiz, grande minerador e latifundiário, estava falido (devia fortuna em impostos atrasados). Padre Rolim : estava ameaçado de banimento por praticar tráfico de escravos e contrabandear diamantes. Joaquim Silvério dos Reis : contratador, amigo e protetor de Tiradentes, estava ameaçado de perder os bens, porque era um dos grandes devedores da Fazenda Real. Cláudio Manuel da Costa : era advogado de contratadores, dos quais dependia. Cônego Vieira : era acusado de vender sacramentos e de ter uma filha. Tomás Antônio Gonzaga : ouvidor em Vila Rica, era acusado pelo governo português de ser um juiz corrupto, mais interessado nos rendimento do que na imparcialidade da justiça. Autor do magistral Marília de Dirceu. Entrou em conflito com o governador Cunha Meneses e foi transferido para a Bahia. Mesmo depois de substituído, Gonzaga continuou vivendo à custa de ricos amigos em Vila Rica. Era o político mais lúcido do movimento. O único que insista na cobrança da derrama para que a insurreição tivesse sucesso. Segundo consta, seira o primeiro governante da república. Joaquim José da silva Xavier- Tiradentes : era o único da baixa camada social. Alferes era um baixo oficial na hierarquia militar portuguesa, algo como o atual segundo-tenente. Tiradentes perdeu suas propriedades por dívidas e depois tentou, sem êxito, ser comerciante e minerador. Sem meios de subsistência, entrou para a Tropa dos Dragões. Varias vezes esquecido nas promoções, era um ressentido. Exercia o ofício suplementar de “tirador de dentes”, mas vivia entre os oligarcas, nas casas dos quais jogava baralho e com os quais tinha negócios, recebendo portanto sua proteção. Quando comandante da patrulha na Serra da Mantiqueira, Tiradentes dava cobertura aos contrabandos de vários contratadores, dos quais recebia propina. Seu posto era rentável, mas perdeu no governo de Cunha Meneses, q quem detestava.
5.13.Como se pode ver, havia muitos interesses em jogo. Polêmica é a participação de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Para alguns historiadores, é considerado um herói, um homem que lutou pela independência sem nenhum interesse pessoal. Para outros, apenas um divulgador das idéias separatistas da elite endividada, mesmo sendo o mais humilde de todos os participantes.
5 5.14.De acordo com os planos dos conjurados, a rebelião teria início quando a derrama fosse decretado (fevereiro de 1789). Tal fato, acreditavam os conspiradores, atrairia o apoio popular para o movimento. Em função do grande número de pessoas envolvidas e das dimensões do movimento, era praticamente impossível manter os planos em segredo absoluto. Ao que tudo indica, até mesmo as autoridade portuguesas já sabiam das intenções dos conspiradores. É sabido que o próprio Tiradentes terminava os seus discursos nas tavernas de Vila Rica dando vivas à República. 5.15.Em março de 1789, o governador de Minas suspendeu a derrama. As razões que o levaram a suspender a cobrança de impostos são discutidas pelos historiadores. Alguns acreditam que o fato ocorreu após a delação de um dos conspiradores: Silvério dos Reis. Este, esperando obter perdão para suas dívidas, teria contado todos os detalhes dos planos e entregue a relação dos envolvidos. Outros afirmam que o governador, tendo conhecimento prévio dos planos, suspendeu a derrama para evitar a rebelião, antes da delação de Silvério dos Reis. Uma carta dirigida à Câmara de Vila Rica, um dia antes da delação comprovaria esta hipótese. 5.16.O que importa para nós, nesse momento, são os efeitos da suspensão. Não havia mais o motivo para o levante, pelo menos naquela época. Isso porque a derrama foi suspensa, e não cancelada. 5.17.Tomás Antônio Gonzaga, acreditando que sem derrama o levante não teria apoio popular, e de nada desconfiando, insistia para que o governador mantivesse a cobrança. Sua insistência foi um dos motivos utilizados para acusá-lo de conspirador e condená-lo ao degredo em Moçambique, na África, onde, após casar-se com uma das mais ricas herdeiras da colônia, esqueceu-se da bela Marília e torunou-se um dos homens mais poderosos. 5.18.Tiradentes que estava no Rio de Janeiro, passou a ser vigiado. Vários conspiradores, desconfiados e com medo de se comprometer, também escreveram denúncias ao governador, o que revelava o caráter de muitos daqueles homens. Em 1º de maio de 1789, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro. As notícias chegaram a Minas. O povo sequer sabia que uma conspiração estava em marcha. Muitos pensavam que Tiradentes tivesse se envolvido em extravio de diamantes, o que ele realmente fizera durante muito tempo. Outros acreditavam que Tiradentes fora preso por ter criticado o Vice-rei. 5.19.Uma quinzena depois, as prisões começaram em Minas. Um processo de devassa teve início em Vila Rica e no Rio de janeiro. Alguns presos foram condenados à forca e outros ao degredo perpétuo. O comportamento da maioria dos inconfidentes foi vergonhoso. Estavam mais preocupados em se defender, incriminando alguns poucos. O principal indiciado por todos era Tiradentes, acusado de insano. Tiradentes assumiu suas culpas e não denunciou quase ninguém. 5.20.As condenações foram apenas para impressionar e intimidar os acusados. A rainha suspendeu as penas de morte, transformando-as em degredo perpétuo, exceto para aqueles que tivessem “cometido atrocidades ou dado publicidade escandalosa” para seus atos. O único enforcado foi Tiradentes, o falador, o agitador, o único pertencente às camadas mais baixas da população. Havia muito mais envolvidos do que os que foram condenados. Um conluio entre os juizes portugueses, as autoridades coloniais e os condenados não os comprometeu devido à força do suborno e do apadrinhamento pelas autoridades e ao amparo que garantiram às famílias dos condenados. 5.21. A revolta não chegou a existir , mas passou a preocupar as autoridade portuguesas. Pela primeira vez na história do Brasil, um grupo de magnatas, nos quais o governo português confiava para exercer o poder local questionava profundamente o sistema colonial e o domínio
6 metropolitano. Baseados nas teorias políticas da época e na independência dos Estados Unidos., haviam questionado o inquestionável: tinham pensado em viver sem Portugal, em criar uma nova nação. A história brasileira não seria mais a mesma. Não eram negros ou homens sem figura, valimento ou religião que questionavam o sistema. Era a classe dominante, aqueles que haviam sido beneficiários internos da exploração colonial.
6. A CONJURAÇÃO BAIANA OU CONJURAÇÃO DOS ALFAIATES ( 1798) 6.1. Nos últimos anos da década de 1790, ocorreu na Bahia, uma outra conjuração. O movimento baiano teve raízes populares e foi provocado pelas péssimas condições econômicas da capitania. Ao contrário da Inconfidência Mineira – idealizada por advogados, magistrados, militares, padres e ricos contratantes, enfim, a elite da capitania –, a Conjuração Baiana não se restringiu a uma elite de intelectuais e brancos livres e ao ideário político liberal. Teve também a participação e mesmo a liderança dos deserdados brancos pobres, mulatos, negros livres e escravos – e preocupações sociais e raciais de igualdade de raça e cor, fim da escravidão e abolição de todos os privilégios sociais e econômicos. Foi a nossa mais importante revolta anticolonial. Não lutava apenas para que o Brasil se separasse de Portugal; advogava também a modificação interna da sociedade, que era preconceituosa, baseada nos privilégios dos grandes proprietários e na exploração do trabalho escravo. 6.2. De fato, a crise na Capitania da Bahia tem suas origens na decadência da lavoura açucareira. No século XVIII, quando a mineração de ouro tornou-se a principal atividade econômica da Colônia, a Coroa portuguesa transferiu a capital da Salvador para o Rio de janeiro (1763), agravando a crise. 6.3. Salvador, núcleo da conjuração, não possuía uma atividade econômica que garantisse boas condições de vida à sua população. A maioria das construções da cidade foram erguidas antes da transferência da administração da Colônia para a região Sudeste. A ausência de uma atividade econômica de porte pode ser comprovada pelo grande fluxo de mercadorias que entravam e saíam de Salvador. De Portugal eram comprados alimentos, roupas, ferramentas e munições. Do sul da Bahia chegavam alimentos, assim como do vale do Rio São Francisco e da capitanias do Sul. Principais produtos de exportação eram a cachaça, o tabaco e o açúcar, destinados ao mercado africano. 6.4. No final do século XVIII, um viajante descrevia os comerciantes da Bahia como os mais ativos da colônia. Essa prosperidade criava problemas. Leis da Coroa portuguesa obrigavam os plantadores a cultivar gêneros alimentícios nos engenhos e nas redondezas das cidades para que não houvesse desabastecimento e fome. Nas épocas de crise do açúcar, os senhores utilizavam escravos na plantação de mandioca e de outros gêneros alimentícios. Mas nas épocas de expansão o açúcar ocupava quase toda a terra disponível. 6.5. Os senhores de engenho resistiam às determinações da metrópole para que plantassem gêneros alimentícios. Um senhor de engenho chegou a dizer que não plantaria um só pé de mandioca porque não seria tão estúpido a ponto de trocar a melhor cultura da terra pelo pior que nela havia. Os preços dos alimentos subiram. A muito consumida farinha de mandioca estava com o preço nas alturas. Devido aos tributos, ao livre preço e à ação dos comerciantes monopolistas, a carne também era vendida por preços exorbitantes e há muito não freqüentava a mesa dos pobres. A escassez e os altos preços dos gêneros alimentícios não eram privilégio de Salvador no final do século XVIII.
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6.6. A situação se agravar em Salvador, porque a elevação da renda dos senhores de engenho, a liberação dos preços e a ação dos monopolistas encareciam demasiadamente os alimentos. A fome havia se agravado entre as camadas populares de Salvador. Vários incidentes se sucederam. Soldados e populares saqueavam armazéns em busca de farinha e carne. Num desses incidentes, o pelourinho – símbolo do domínio metropolitano – foi incendiado. Negros e mulatos participaram dos tumultos. A Coroa portuguesa insistiu, mesmo em uma época de crise, com a política de cobrança excessiva de impostos. 6.7. As idéias dos conjurados : diferentemente da Conjuração Mineira, na qual houve participação marcante dos homens da elite econômica e intelectual, na Conjuração Baiana verificou-se a participação de representantes dos diversos segmentos sociais – escravos, artesãos mulatos, padres, senhores de engenho, militares, profissionais liberais, escravos artesãos e pequenos mineradores. 6.8. A princípio, as idéias de rebelião (objetivando a instalação de uma república independente) circularam apenas entre a elite intelectual ou elite ilustrada. Eram pessoas que se reuniam para discutir textos de Adam Smith e Rousseau. Desses encontros surgiu a sociedade dos Cavaleiros da Luz, que se dispôs a organizar e divulgar o movimento republicano na Bahia. 6.9. Através de panfletos, foram difundidas as idéias de liberdade e igualdade numa linguagem bem popular. Tais idéias tiveram grande repercussão principalmente entre as camadas humildes. Novos líderes surgiram delas como os alfaiates mulatos Manuel Faustino e João de Deus, e os soldados também mulatos, Lucas Dantas e Luís Gonzaga. 6.10.A partir daí, a questão social (miséria, escravidão, falta de terra e de trabalho) passou a ser discutida juntamente com a questão colonial ( independência da capitania). Ao contrário do que aconteceu em Minas, o movimento dos conspiradores baianos não era a independência dos Estados Unidos. Em função das características sociais e econômicas e das idéias de Rousseau, o modelo era a fase radical da Revolução Francesa. 6.11.A propaganda passou a ser dirigida aos escravos (que trabalhavam em diversas atividades e eram obrigados a entregar os rendimentos aos seus proprietários) e aos artesãos mulatos. As idéias de igualdade social difundidas numa sociedade em que apenas uma minoria da população era branca e grande proprietária exploradora do trabalho escravo teriam de ser interpretadas em termos raciais. Ressentidos, os mulatos baianos se opunham, em geral, a todos os brancos, fossem senhores de engenho, comerciantes, funcionários públicos, pequenos proprietários, brasileiros ou portugueses, leigos ou eclesiásticos, civis ou militares. Queriam derrubar a sociedade e os costumes vigentes e desejavam uma sociedade igualitária e democrática onde a barreira da cor não fosse empecilho para quem aspirasse aos mais altos cargos. 6.12.O baiano Manuel Faustino, alfaiate pardo e forro, que sabia ler e escrever, dizia que a conjuração levaria à formação de um governo em que brancos, pardos e negros seriam iguais. A nova sociedade estaria baseada apenas na capacidade das pessoas para governar e mandar.
8 6.13.A independência em relação a Portugal, liberdade de comércio, criação de uma república, combater à Igreja Católica, libertação dos escravos, fim do preconceito de cor, igualdade social: eis as idéias presentes na Conjuração Baiana . 6.14.O movimento e a reação : o padre Agostinho Gomes, alguns padres da Ordem dos Carmelitas, Cipriano Barata, Moniz Barreto, Oliveira Borges, o tenente Hermógenes de Aguillar Pantoja e o farmacêutico Figueiredo e Melo criaram em 1798, em Salvador, a sociedade secreta Cavaleiros da Luz. Esse grupo se dedicava ao estudo e à propagação das idéias da Ilustração francesa entre a elite baiana. Alguns membros dessa sociedade secreta, como o tenente Pantoja, tinham perspectivas mais radicais e difundiam seus princípios entre as pessoas simples da capitania: os soldados negros e mulatos, brancos pobres, artesão mulatos etc. 6.15.Aos poucos, os ideais dos Cavaleiros da Luz começaram a tomar corpo entre os artesãos mulatos – submetidos à prepotência do Fisco português – e junto aos soldados negros e mulatos – que eram malpagos e não tinham muitas perspectivas de subir na carreira. Formava-se um movimento popular revolucionário em Salvador e nas regiões próximas. 6.16.A medida que o movimento popular crescia, a elite branca, temerosa de uma insurreição negra, se retraía. Alfaiates (artesãos mulatos), soldados mulatos e negros iam tomando a liderança do movimento, que se radicalizava, e defendiam o fim da escravidão. Muitos membros da elite branca também eram favoráveis à abolição da escravidão porque achavam excessivo o número de escravos na capitania e temiam uma insurreição negra. Afinal, temiam por sua vida e por seus bens, porque todo o ódio dos dominados estava por explodir. Era a própria estrutura da sociedade colonial, com o domínio dos brancos sobre a grande propriedade, que estava sendo questionada. 6.17.A 12 de agosto de 1798, as igrejas e outros lugares públicos de Salvador amanheceram cheios de panfletos manuscritos pedindo o fim do domínio português e condenando a religião, que era contrária à liberdade do povo. Os panfletos falavam também em liberdade, igualdade e fraternidade entre os cidadãos. Eram dirigidos ao “magnífico povo baiano” e assinados pelo “supremo tribunal da democracia baiana”. 6.18.As autoridades portuguesas começaram a investigar, e os responsáveis pelos panfletos foram identificados e seguidos. O principal suspeito era o escrivão profissional Domingos da Silva Lisboa, que logo foi preso. Alguns dias depois, novos panfletos surgiram nos lugares públicos de Salvador. Mais investigações e prisões. Os presos foram Luís Gonzaga das Virgens, João de Deus, Lucas Dantas e Luís Pires, alfaiates ou soldados pardos, todos, como dizia a autoridade, “ de péssima conduta e faltos de religião, sem entendimento, sem conhecimento e luzes”. 6.19.Não havia provas de que indivíduos da “alta esfera” estivessem envolvidos, embora o vice-rei tivesse mandado uma carta do Rio de janeiro insinuando que poderia estar envolvido o padre Agostinho Gomes, rico empresário baiano. O governador investigou e nada descobriu – além de que o padre lia jornais ingleses e franceses. Em resposta a carta do vice-rei, o governador baiano dizia que nenhum homem de bens, propriedades e raízes, estabelecido no comércio ou na lavoura, estava envolvido, pois o que mais temiam era uma insurreição de escravos, que poderia tirar-lhes os bens e a própria vida. 6.20.O clima de revolta teve início na capital baiana devido a uma série de incidentes nos quais os mulatos se julgaram insultados. Um sargento-mor branco foi nomeado comandante do regimento dos mulatos, enquanto o regimento dos negros era comandado por um negro; mulatos eram preteridos nas promoções militares.
9 6.21.Outros fatos contribuíram para precipitar os acontecimentos: a elevação dos preços dos alimentos ; a reclamação contra os impostos cobrados aos artesão mulatos e homens livres pobres em geral; os protestos dos negros contra a escravidão; e as reivindicações dos soldados que queriam aumento de soldo. 6.22.Depois da prisão dos principais implicados, novas delações chegavam ao governador. Mulatos e escravos denunciavam outros mulatos e negros envolvidos; homens brancos e pobres denunciavam outros brancos e pobres; proprietários rurais e padres denunciavam outros proprietários rurais e padres. O governo português agiu rapidamente. O terror policial foi implantado em Salvador. Casas eram invadidas pela polícia, que executava prisões arbitrárias e torturava os presos de baixa condição social. Teve início uma devassa que se estendeu para outras cidades e para os sertões. Mesmo pessoas da elite, como Cipriano Barata, Moniz Barreto, Oliveira Borges e o tenente Pantoja, foram presas por divulgar os “abomináveis princípios franceses. 6.23.Em seu depoimento, Cipriano Barata demonstrou como a elite branca, mesmo quando revolucionária e partidária dos princípios franceses, não estava isenta dos preconceitos raciais e sociais do seu tempo. manteve contatos sediciosos com várias pessoas das baixas camadas, mas manteve os valores rígidos de seu grupo social. Quando lhe perguntaram sobre os princípios da Revolução Francesa e por que os pregava, respondeu que eles “não tinham aplicação no continente do Brasil” e que seus discursos “eram mal-ouvidos e pior interpretados pelos pardos, que não tinham condições intelectuais de entendê-los”. 6.24.A devassa teve mais de trinta réus, a maioria mulatos de baixa condição social. Alguns eram escravos, outros mulatos alforriados, alguns artesãos e soldados. Mesmo entre os brancos presos, grande maioria provinha das mais baixas camadas sociais, como soldados e artesãos. Na Inconfidência Mineira, as penas foram comparativamente mais leves, pois a imensa maioria dos participantes era oriunda das camadas dominantes. Na Conjuração Baiana, a justiça portuguesa mostrou claramente que, além de colonial, era classista e racista. As penas foram severas. Seis foram condenados à morte, mas um deles, Luís Pires, nunca foi capturado, e o outro, Romão Pinheiro, teve sua pena comutada para degredo perpetuo. Os quatros restantes foram enforcados. Foram tinta e três presos: 11 escravos; 5 alfaiates; 9 militares; 1 carpinteiro; 2 ourives; 1 bordador; 1 cirurgião; 1 pedreiro; 1 professor; 1 negociante. 6.25.O cheiro dos corpos esquartejados e pendurados em lugares de grande movimento provocou malestar na cidade de Salvador. Por isso, os corpos foram retirados dos postes públicos. Os demais foram condenados à prisão e ao degredo na África, mas não nas colônias portuguesas, para que os seus “abomináveis pensamentos” não as contaminassem. Os membros da elite branca envolvidos na devassa, graças a subornos e influência familiares, não foram condenados. Para incentivar as delações no Brasil colônia, as autoridade metropolitanas agraciaram os traidores com pensões e outros favores. 6.26.A ameaça de insurreição dos mulatos e negros assustou os “homens bons” e proprietários de toda colônia. Procuraram se recompor com as autoridades metropolitanas, pois temiam uma revolução social. Passaram a achar que a instalação da Corte no Brasil tornaria as coisas mais fáceis para os grandes proprietários. Algumas autoridades portuguesas, incentivadas pelos ingleses, também passaram a imaginar a transferência da Corte para o Brasil, pois o pequeno e frágil reino absolutista não teria condições de resistir à iminente invasão francesa. Dois motivos, porém, impediam a transferência da Corte: os interesses de uma poderosa oligarquia mercantil-industrial portuguesa, quem temia perder os lucros que obtinha com os monopólios do comércio brasileiro, e o horror que o príncipe regente dom João tinha de se retirar da Europa e estabelecer-se no
10 Brasil. Essa solução foi adotada alguns anos mais tarde, devido à invasão napoleônica em Portugal.
7. A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA (1817) 7.1. A presença da Corte no Rio de Janeiro contribuiu para dar à Independência o caráter de uma transição sem grandes saltos. Seria engano supor, porém, que os atritos entre a gente da Metrópole e da Colônia tenham desaparecido porque, por algum tempo, a Colônia se vestiu de Metrópole. Ao transferir-se para o Brasil, a Coroa não deixou de ser portuguesa e favorecer os interesses portugueses no Brasil. Um dos principais focos de descontentamento estava nas forças militares. Dom João chamou tropas de Portugal para guarnecer as principais cidades e organizou o Exército, reservando os melhores postos para a nobreza lusa. O peso dos impostos aumentou, pois agora a Colônia tinha de suportar sozinha as despesas da Corte e os gastos das campanhas militares que o rei promoveu no Rio da Prata. 7.2. Acrescente-se a isso o problema da desigualdade regional. O sentimento imperante no Nordeste era o que, com a vinda da família real para o Brasil, o domínio político da Colônia passara de uma cidade estranha para outra igualmente estranha, ou seja, de Lisboa para o Rio de Janeiro. A revolução que estourou em Pernambuco em março de 1817 fundiu esse sentimento com vários descontentamentos resultantes das condições econômicas e dos privilégios concedidos aos portugueses (os comerciantes portugueses monopolizavam o comércio importador e exportador). Ela abrangeu amplas camadas da população: militares, proprietários rurais, juízes, artesãos, comerciantes e um grande número de sacerdotes, a ponto de ficar conhecida como a “revolução dos padres”. Chama a atenção a presença de grandes comerciantes brasileiros ligados ao comércio externo, os quais começavam a concorrer com os portugueses, em uma área até então controlada, em grande medida, por estes. 7.3. Outro dado importante da Revolução de 1817 se encontra no fato de que ela passou do Recife para o sertão, estendendo-se a Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. O desfavorecimento regional, acompanhado de um forte antilusitanismo foi o denominador comum dessa espécie de revolta geral de toda a área nordestina. Não devemos imaginar, porém, que os diferentes grupos tivessem os mesmos objetivos. Para as camadas pobres da cidade, a independência estava associada à idéia de igualdade, uma igualdade mais para cima do que para baixo. Uma curiosa carta, escrita no Recife pouco após o fim da revolução, descreve como “os cabras, mulatos e crioulos andavam tão atrevidos que diziam que éramos todos iguais e não haviam de casar senão com brancas das melhores”. Os boticários, cirurgiões e sangradores davam-se ares de importância e até os barbeiros recusavam-se fazer a barba das pessoas, alegando que estavam “ocupados no serviço da pátria”. 7.4. Para os grandes proprietários rurais, tratava-se de acabar com a centralização imposta pela Coroa e tomar em suas mãos o destino, se não da Colônia, pelo menos do Nordeste. Aquele era, aliás, um momento economicamente difícil, combinando a queda do preço internacional do açúcar e do algodão com a alta do preço dos escravos. Mais uma vez, não devemos supor que, em quaisquer circunstâncias, as posições radicais fossem assumidas pelos mais pobres e as conservadoras, pelos ricos. Por exemplo, um dos membros radicais do levante, defensor da abolição da escravatura, era o comerciante Domingos José Martins, casado com moça nascida em uma família ilustre da terra. 7.5. Os revolucionários tomaram o Recife e implantaram um governo provisório baseado em uma “lei orgânica” que proclamou a República e estabeleceu a igualdade de direitos e a tolerância
11 religiosa, mas não tocou no problema da escravidão. Foram enviados emissários às outras capitanias em busca de apoio e aos Estados Unidos e Inglaterra e Argentina, em busca também de apoio e de reconhecimento. A revolta avançou pelo sertão, porém logo em seguida, veio o ataque das forças portuguesas, a partir do bloqueio do Recife e do desembarque em Alagoas. As lutas se desenrolaram no interior, revelando o despreparo e as desavenças entre os revolucionários. Afinal, as tropas portuguesas ocuparam Recife, em maio de 1817. Seguiram-se as prisões e execuções dos líderes da rebelião. O movimento durara mais de dois meses e deixou uma profunda marca no Nordeste.