1 DA EXPANSÃO TERRITORIAL À VINDA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL 1.
Como disse o historiador do período colonial frei Vicente do Salvador, nos primeiros séculos da colonização os portugueses, como caranguejos, arranhavam a costa do Brasil do Brasil. Iam até o interior mas sempre voltavam para a costa. O Brasil era deserto. No litoral, os núcleos de povoamento eram muito dispersos. No sul, alguns núcleos isolados, como Rio de Janeiro e São Vicente, vegetavam no litoral. No planalto, os paulistas haviam fundado Santo André da Borda do Campo e São Paulo de Piratininga, que viviam de uma agricultura de subsistência. 1.1. Os núcleos de povoamento da Zona da Mata nordestina, na época a região mais povoada do Brasil, também ficavam dispersos. Eram pequenas vilas, como Salvador, na Bahia, e Olinda e Recife, na capitania de Pernambuco. As capitanias que iam do Rio Grande do Norte até o Pará – nas fronteiras atuais __ haviam fracassado e, durante a maior parte do século XVI, ficaram abandonadas. Apenas os franceses aliados aos indígenas se estabeleciam no Norte. 1.2. O caráter litorâneo da ocupação portuguesa está relacionado à própria situação econômica da colônia. Toda a economia colonial girava em torno de produtos voltados para o mercado externo, que, por problemas de custo, tinham a sua produção desenvolvida próximo ao litoral. O interior era o que o colonizador chamava de “ sertões”: a terra dos temidos índios tapuios. 1.3. Mas foi a partir do século XVII que os portugueses começaram a expansão territorial que viria a contribuir para a anexação ao domínio português da maior parte do Brasil atual. Essa expansão territorial foi obra de vaqueiros, jesuítas, entras e bandeiras.
2.
OCUPAÇÃO DO LIT0RAL NORDESTINO E DA REGIÃO NORTE: 2.1. A ocupação do litoral nordestino, do Rio Grande do Norte ao Pará, foi iniciada ainda no domínio espanhol (1580-1640), motivada por uma série de fatores. Em primeiro lugar, havia os franceses estabelecidos no Norte, onde, aliados aos indígenas, traficavam peixes, peixe-boi e outros animais, além de drogas do sertão, como cacau, guaraná, baunilha e castanha-do-pará. A presença de franceses no Norte ameaçava o vicereinado do Peru, grande região produtora de metais preciosos do império espanhol. 2.2. Outros fatores também contribuíram para a ocupação do litoral nordestino. Os índios, revoltados com os maus-tratos impostos pelos luso-espanhóis, constantemente atacavam engenhos e fazendas. Prendendo os índios, os colonos defenderiam suas propriedades e obteriam a mão-de-obra escrava de que necessitam para suas lavouras. 2.3. Na luta para expulsar os estrangeiros ---- principalmente os franceses ---- do litoral do Nordeste, militares e colonos luso-espanhóis fundaram vários fortes. Mais tarde as fortificações militares deram origem a cidades, como Filipéia de Nossa Senhora das Neves, atual João pessoa (1584); Forte dos Reis Magos, atual Natal (1599); Forte de Nossa Senhora do Amparo, atual Fortaleza (1613); Forte do Presépio, atual Belém (1616). A cidade de São Luís, no Maranhão, foi fundada pelos franceses, quando lá estabeleceram a colônia França Equinocial. 2.4. A fundação de Belém , no Pará, permitiu a exploração do Rio Amazonas pela Coroa luso-espanhola. O espanhóis queriam encontrar um caminho alternativo para o rico Vice-Reino do Peru. Pedro Teixeira, subiu o Rio Amazonas em 1637, chegando até o Peru, o que mostrava a viabilidade de uma nova rota que, partindo do Estado do Maranhão e Grão Pará, chegava ao Peru. Belém se transformou, então, em passagem obrigatória para todo o interior da Amazônia e porta de entrada para a região peruana. As riquezas naturais do Amazonas levaram as autoridades coloniais a promover o seu desenvolvimento com forma de mantê-la sob seu domínio. Quando terminou o domínio espanhol, a Coroa Portuguesa também se interessou pela região. 2.5. No final do século XVII, a dinastia portuguesa de Bragança entendeu que Belém do Pará poderia ser a base do restabelecimento do comércio português de especiarias, pois os portugueses haviam-no perdido no Oriente para outros povos. Não só os produtos naturais da terra deveriam ser explorados mas também se deveria incentivar o cultivo de produtos orientais como o cravo, a pimenta-do-reino e a canela. 2.6. O crescimento da pequena cidade criou inúmeros problemas. Os navios que vinham da Europa preferiam aportar nas cidades mais bem aparelhadas do Nordeste. Isso gerava problemas de abastecimento e falta de mercado para os produtos de Belém. Os mercados para esses produtos estavam na Europa. O solo era
2 impróprio para a produção de especiarias orientais e de açúcar com base na tecnologia da época. A insalubridade, os mosquitos e as epidemias também contribuíram para o fracasso do empreendimento agrícola montado na Amazônia no final do século XVIII. Esse fracasso pode ser debitado ainda ao renascimento agrícola do Nordeste brasileiro, cuja produção de açúcar, fumo e algodão se desenvolveu, tornando-o mais atraente e lucrativo para grandes agricultores e comerciantes do que o longínquo e despovoado Pará. 2.7. A única atividade econômica efetiva que perdurou na Amazônia foi o apresamento de indígenas para exploração das drogas do sertão. Os jesuítas estabelecidos na Amazônia também exploravam a mão-de-obra indígena para coleta desses produtos. Com efeito, os padres da Companhia de Jesus monopolizavam a exploração do trabalho dos índios que coletavam e armazenavam as drogas do sertão nos armazéns dos jesuítas. Esses produtos eram enviados para a Europa, onde eram v3ndiso pela Companhia de Jesus com grande lucro. A concorrência do poderio econômico e a defesa contra a escravidão dos indígenas fizeram com que a Companhia de Jesus e os demais exploradores da região amazônica vivessem em constante conflito.
3. OCUPAÇÃO DO INTERIOR: 3.1. CONQUISTA DO SERTÃO DO NORDESTE: 3.1.1. A disputa entre o açúcar devorador de terras e a pecuária na sua procura por pastos levou à ocupação do sertão nordestino em meados do século XVII. Para conquistar o agreste e o sertão nordestino, a pecuária teve de vencer algumas dificuldades. Em primeiro lugar, os negros foragidos que se refugiavam nos quilombos do agreste, dos quais o mais famoso foi o dos Palmares. Vencidos os quilombolas, restaram os índios, que resistiram à ocupação. 3.1.2. Na dizimação de negros e indígenas, atuaram bandeirantes paulistas contratados pelas autoridades coloniais. Resolvidos os obstáculos, o sertão nordestino foi dividido em imensos latifúndios dedicados à criação extensiva do gado. 4. EXPANSÃO BANDEIRANTE: 4.1. Origem dos Bandeirantes: 4.1.1. Certos historiadores paulistas criaram o mito dos bandeirantes, assim como os historiadores norteamericanos criaram o mito do pioneiro e do caubói, como os conquistadores do Oeste e símbolos da nacionalidade. 4.1.2. Os pobres mamelucos de São Paulo, vivendo próximos da indigência, foram transformados em superhomens destemidos, corajosos, intrépidos, que, vencendo o índio feroz, ocuparam para os portugueses a maior parte do Brasil atual. Transformaram-se assim nos grandes construtores da nação brasileira. A palavra bandeirante até hoje designa o pioneiro, o homem de iniciativa, aquele que conseguiu enriquecer em alguma atividade nova. 4.1.3. Mas a História desmente esses mitos. Os homens que participavam das *bandeiras eram mestiços rudes e pobres que vagavam pelos sertões em busca da sobrevivência econômica, fosse escravizando índios, fosse procurando metais preciosos. Não eram colonizadores: homens que ocupavam a terra e se fixavam nela para trabalhá-la: eram conquistadores nômades, predadores que destruíam missões jesuíticas e indígenas. 4.1.3.1. *Bandeiras: eram partidas de homens empregados em prender e escravizar o gentio indígena. O nome provém talvez do costume tupiniquim, referido por Anchieta, de levantar-se uma bandeira em sinal de guerra. Dirigia a expedição um chefe supremo, com os mais amplos poderes, senhor da vida e da morte de seus subordinados. Abaixo dele com certa graduação marchavam pessoas que concorriam para as despesas ou davam gente. ( J. Capistrano de ABREU, Capítulos de História Colonial (1500-1880), Livraria Briguet, 1954, p. 178. 4.1.4. Se ultrapassam a linha do Meridiano de Tordesilhas e conquistaram a maior parte do Brasil atual para o domínio português, fizeram-no inconscientemente, como um subproduto da luta desesperada pela sobrevivência. As Bandeiras, sua realidade e seu mito surgiram devido à situação peculiar da capitania de São Vicente. 4.2. A SITUAÇÃO DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE:
3 4.2.1. A primeira vila fundada no Brasil foi São Vicente, no litoral paulista, onde também se instalaram a lavoura canavieira e os primeiros engenhos de açúcar. Outras vilas foram fundadas no litoral, como Santos e Itanhaém, ao sul. No século XVI, essas vilas litorâneas não passavam de refúgios de náufragos, fugitivos e degredados da justiça portuguesa. Mais para o interior, no planalto, foram fundadas Santo Amaro e Santo André da Borda do Campo, e os padres jesuítas, Nóbrega e Anchieta, haviam fundado o Colégio de São Paulo de Piratininga, origem da cidade de São Paulo. 4.2.2. Por uma série de razões, a lavoura canavieira entrou em decadência em São Vicente. Uma das razões é a localização do litoral paulista, limitado a Oeste pela Serra do Mar e pela Mata Atlântica que recobria; era portanto uma estreita faixa de terrenos arenosos e pantanosos, de solos pouco profundos, bem diferentes e menos férteis que as ricas terras de massapê da extensa Zona da Mata nordestina. O senhores de engenho e os capitalistas estrangeiros que os financiavam deram preferência ao litoral da Bahia e de Pernambuco para desenvolver a produção açucareira. São Vicente estava mais distante da Europa, o que tornava o frete mais caro e inviabilizava a colocação do açúcar no mercado consumidor europeu. 4.2.3. Por essas e outras razões a capitania regrediu a uma agricultura de subsistência, e a vila de São Vicente esvaziou-se. Temerosos dos ataques de corsários e indígenas, os vicentinos mudaram-se para a vila de São Paulo, situada numa clareira natural no planalto. O núcleo central de São Paulo estava assentado numa colina, só acessível por um lado, o que a protegia contra os ataques indígenas. O donatário de São Vicente extinguiu a vila de Santo André, que também havia se despovoado em benefício de São Paulo. 4.2.4. No planalto os moradores dedicavam-se a uma agricultura de subsistência, com produtos tradicionais da agricultura indígena, como milho e mandioca, e criavam porcos e galinhas. Mesmo produzindo para a subsistência, não deixavam de utilizar escravos, que eram arrebanhados nas aldeias indígenas da vizinhança. Os indígenas tinham a “vantagem” de poder ser transportados facilmente até o mar, de onde eram embarcados para serem vendidos no Rio de Janeiro. Os demais produtos do planalto eram difíceis de ser transportados até o mar porque a ligação entre o litoral e o planalto era feita através de um estreito caminho indígena que cortava a Serra do Mar. 4.2.5. Como havia falta de mulheres brancas, os colonos viviam com mulheres indígenas. Por isso a maioria da população era formada de mamelucos que falavam o idioma materno e adotavam o etnia do pai. Até o século XVIII, a língua dominante em São Paulo era o tupi-guarani. Raras pessoas falavam português, e se falavam era todo arrevesado (confuso) e cheio de expressões em tupi-guarani. Os costumes também eram indígenas. Colonos vivam nus como os índios, “vivendo em pecado com as índias”, como se lamentavam os jesuítas. 4.2.6. A fim de moralizar os costumes na vila, os jesuítas remetiam cartas para a metrópole pedindo que mandassem mulheres brancas, mesmo as de “má conduta” que aqui achariam bons casamentos. 4.2.7. As casas eram de taipa, com poucos e rústicos móveis. Dormia-se em redes indígenas e quase não havia camas. Praticamente todos andavam descalços, cobertos com trapos feitos de algodão ou de pedaços de velas de navios. As figuras mais importantes, para demonstrar superioridade, faziam-se carregar por escravos indígenas em redes de dormir. 4.2.8. As autoridades coloniais haviam esquecido a pobre e longínqua São Vicente. Raramente visitavam a capitania, contribuindo para a autonomia de seus habitantes. 4.2.9. João Ramalho, fundador da vila de Santo André, foi advertido e ameaçado pelos jesuítas de ser levado ao Tribunal da Santa Inquisição devido a seus “maus costumes”. O bandeirante não transigiu e respondeu aos jesuítas que, se o Tribunal lá aportasse, seria recebido a flechadas. A Inquisição, que em outros lugares da colônia provocava arrepios, na capitania de São Vicente não era respeitada. Quando a Coroa portuguesa estava sob o domínio espanhol e, por pressão dos jesuítas, declarou livres todos os indígenas, tal lei não foi cumprida em São Vicente. 4.3. BANDEIRAS DE APRESAMENTO DE ÍNDIOS: 4.3.1. O apresamento e o tráfico de escravos indígenas em São Vicente era tão antigo quanto a capitania. Inicialmente os habitantes dedicavam-se ao escambo com os indígenas. Estes, em suas guerras, aprisionavam os derrotados, que seriam sacrificados e depois devorados em rituais antropofágicos. O prisioneiro da tribo vencedora era engordado para o sacrifício num dia festivo. Nesse dia era banhado e amarrado para ser abatido por um jovem guerreiro. Esse jovem só seria considerado guerreiro se
4 abatesse o prisioneiro sozinho. Morto o inimigo, suas vísceras eram retiradas, cortadas em pedaços e cozidas. Depois das danças, toda a tribo banqueteava-se. Essa antropofagia tinha um sentido ritual. Os vencedores devoraram o inimigo porque acreditavam que estavam adquirindo sua força. 4.3.2. A chegada dos europeus em parte quebrou esse ritual. Os portugueses começaram a traficar com as tribos com as quais mantinham contatos amigáveis. Trocavam os prisioneiros de guerra indígenas por artigos de ferro, anzóis, tecidos, espelho, e os transformavam em escravos dos colonos. 4.3.3. À medida que os vicentinos avançavam para o planalto, os indígenas começaram a reagir contra a usurpação de suas terras. Os habitantes de São Paulo lançavam contra eles as chamadas “guerras justas” e os reduziam à escravidão. Essas lutas do século XVI ensinaram aos vicentinos as trilhas e os caminhos dos sertões. 4.3.4. Como já vimos, os holandeses que se estabeleceram no Nordeste brasileiro ocuparam também as regiões africanas fornecedoras de escravos negros, durante o domínio espanhol. A falta de escravos negros, principalmente na Bahia, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, provocou o aumento da procura e do preço do escravo indígena. Os moradores de São Paulo viram no alargamento desse mercado, no qual tinham grande experiência, a oportunidade de elevar seus rendimentos. Fundaram empresas comerciais – as bandeiras – especializadas em capturar e escravizar indígenas. Todos os homens livres da capitania de uma forma ou de outra participaram dessas empresas, como integrantes, financiadores ou traficantes, com a finalidade única de obter bons lucros. 4.3.5. Uma bandeira financiada e organizada por capitais particulares tinha um chefe, o capitão e uma estrutura militar, segundo a qual todos deviam obediência irrestrita ao comandante. Seu núcleo principal era composto de raros homens brancos, sendo a maioria mamelucos. Os indígenas livres ou escravos acompanhavam as bandeiras como batedores, carregadores , plantadores e encarregados de outros trabalhos braçais. O capitão, para mostra sua importância, muitas vezes fazia-se transportar em grande rede. 4.3.6. As bandeiras vagavam meses e até anos pelos sertões, em busca de escravos. Descalços, com uma indumentária rudimentar, munidos de armas de fogo, mas também de armas indígenas, atravessavam riachos a nado, de jangada ou em toscas canoas indígenas. Como os indígenas, alimentavam-se de mel silvestre, coleta de frutos ervas e raízes, pesca e caça. Muitas vezes sem alimentos, plantavam mandioca e acampavam até a colheita. 4.4. A DESTRUIÇÃO DAS MISSÕES JESUÍTAS: 4.4.1. No início do século XVII, jesuítas da América espanhola haviam aldeado grupos indígenas na província de Guairá, no oeste do atual estado do Paraná. Essas várias reduções reuniam, em seu conjunto, mais de 100 mil indígenas, que viviam e trabalhavam sob a direção dos jesuítas. 4.4.2. Os bandeirantes de São Paulo passaram a atacar as missões, porque facilitava o trabalho de captura e aumentava os lucros. Numa só incursão poderiam arrebanhar centenas de indígenas já habituados ao trabalho rotineiro e no artesanato. 4.4.3. Desde 1616, os bandeirantes, cujo papel correspondia ao dos oficiais de tropa, promoveram várias entradas na direção do porto de Patos e do Rio Grande e investiram sobre o território do Paraguai, onde não só arruinaram as Missões guarani, organizadas pelos jesuítas, mas também, as cidades espanholas de Guayra e Villa Rica. Essas expedições, empreendidas por verdadeiros exércitos, que muitas vezes mobilizavam mais de 2.000 mil homens, recrudesceram (aumentaram) com o correr dos anos, em franco desafio à autoridade do Rei de Espanha, senhor também da Coroa de Portugal.
4.4.4. Só para se Ter uma idéia da força destruidora dos bandeirantes, em menos de 6 anos, eles devastaram mais de 300 aldeias ao redor de São Paulo, matando mais de 200.000 indígenas, e, ao avançar pelo sertão, dizimaram os numerosos tupiniquins que habitavam o vale do Tietê e o Alto Paraíba. O raio de despovoamento e da depreciação, “característico inseparável das bandeiras”, no dizer de Capistrano de Abreu, estendeu-se à Bacia do Prata. 4.4.5. A partir de 1628, os ataques dos bandeirantes tornaram-se freqüentes. Missões eram destruídas e milhares de indígenas eram escravizados. Velhos e crianças e enfermos que não podiam ser trazidos para
5 São Paulo como escravos eram exterminados. Dos 300.000 nativos, capturados, nas Missões, para escravizar, não mais que 20.000 a São Paulo, porquanto os demais pereceram no curso de 300 a 400 léguas que precisavam caminhar, acorrentados, coleiras no pescoços, transportando madeiras e outras cargas silvestres. 4.4.6. Os assaltos às Missões, redobrando-se a violência, não tiveram apenas o objetivo de aprisionar os indígenas. O estabelecimento daquelas comunidades obstaculizava a expansão do comércio português, quebrantando-lhe a articulação, que se assentava na aliança entre os bandeirantes e os mus (chefes indígenas aliados e parentes dos mamelucos de São Paulo, segundo o conceito de família tribal) e, desde 1550, já se estendia à cidade de Assunção. Assim, segundo o historiador Jaime Cortesão, “feridos os portugueses e luso-brasileiros nos seus interesses de exploração comercial, primeira, embora precária, forma de exercício da soberania, a reação não se fez esperar”. E os jesuítas, no mais das vezes, tiveram que arrostá-la ( encarar, resistir) sozinhos. 4.4.7. Com efeito, durante muito tempo, os bandeirantes contaram com a tolerância, quando não com a conivência, das autoridades de Assunção e de Buenos Aires e, várias vezes, os espanhóis, particularmente os encomenderos, a eles se associaram para a captura dos indígenas. Comerciantes e colonizadores, fossem portugueses, espanhóis ou mamelucos os que se opulentavam de escravos e se assenhoreavam das terras, solidarizavam-se no combate às Missões, que bloqueavam o acesso ao estoque de mão-de-obra e contrariavam os apetites mercantilistas, constituindo uma excrescência (tumor) no contexto colonial, em virtude do caráter comunitário de sua organização. 4.4.8. Quando os holandeses foram expulsos do Nordeste brasileiro e das regiões africanas que traficavam escravos negros, o tráfico negreiro foi reaberto. Isso levou à decadência as bandeiras de apresamento de índios. Mas dezenas de milhares de indígenas já haviam morrido nas lutas ou no cativeiro. 4.5. BANDEIRAS DE BUSCA DE OURO: 4.5.1. Portugal reconquistou a independência em relação à Espanha em meio a profunda crise econômica causada pela queda da produção açucareira no Brasil. Depois de expulsos do Nordeste brasileiro, os holandeses se aliaram a espanhóis, franceses e ingleses para produzir açúcar nas Antilhas e concorrer com a produção brasileira. 4.5.2. Com a crise, a Coroa portuguesa necessitava de ouro e prata para custear suas importações. Esse metais eram obtidos de duas maneiras: através do comércio ou da descoberta de minas nas colônias. A metrópole procurou obtê-los por essas duas vias: fundou a Colônia do Sacramento (1680), às margens do Rio da Prata, para participar do contrabando com o império espanhol e incentivou a busca de minas empreendida pelos bandeirantes paulistas, conhecedores dos sertões, riachos, rios e picadas. O incentivo da Coroa portuguesa coincidiu com o declínio do bandeirantismo de apresamento do índio. Sem alternativas econômicas, os mamelucos de São Paulo voltaram aos sertões, agora em busca de ouro, prata, diamantes e outras pedras preciosas. 4.5.3. As primeiras descobertas de ouro datam de 1695, quando o apresador de índios Antônio Rodrigues Arzão, natural de Taubaté, na capitania de São Vicente, encontrou algumas oitavas ( oitava parte de uma onça, equivalente a 3,586 g. a onça equivalia a 28,691 g.) de ouro, no atual Estado de Minas Gerais. 4.5.4. A partir daí, bandeiras formadas de homens brancos, mamelucos e indígenas partiam da capitania de São Vicente e dirigiam-se à região das minas. Eram homens “bárbaros”, os primeiros povoadores das minas. “Homens sem lei, sem fé e sem rei”, no dizer dos contemporâneos, “os paulistas eram a pior canalha de vassalos do rei de Portugal”. Tumultuosos, matavam por qualquer punhado de ouro, qualquer pedaço de terreno. 4.5.5. Forasteiros que vinham de Portugal e de outras capitanias disputavam com eles a posse das minas. Expulsos das minas (será estudado na Guerra dos Emboabas), foram descobrir ouro e diamantes em Goiás e Mato Grosso . 4.6. OCUPAÇÃO DO MATO GROSSO E GOIÁS: 4.6.1. O insucesso na manutenção das minas levou os bandeirantes paulistas para os atuais estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que então já eram conhecidos dos paulistas, que ali escravizavam indígenas desde a primeira metade do século XVII. As primeiras descobertas de ouro na região datam de 1719, quando o bandeirante Pascoal Moreira Cabral descobriu o metal precioso no Rio Cuiabá.
6 4.6.2. A notícia da descoberta do ouro de Cuiabá alcançou a vila de São Paulo e ganhou a capitania. De todas as vilas próximas a São Paulo, como Sorocaba, Santana do Parnaíba e Itu, novos aventureiros corriam para a região. A lenda, como sempre, superou a realidade. Dizia-se que na falta de chumbo os bandeirantes usavam pepitas de ouro como munição nas armas de caça, e que as pedras utilizadas como fogão eram de ouro. Habitantes de Minas Gerais, de outras capitanias, de Portugal e de outros reinos dirigiram-se para a região. 4.6.3. O caminho entre São Paulo e Cuiabá era longo e perigoso. A partir de Porto Feliz, no atual estado de São Paulo, os bandeirantes desciam o Rio Tietê em batelões, ou seja, grandes canoas. Houve anos em que inúmeras pessoas partiram de São Paulo mas ninguém chegou à vila de Cuiabá. Muitos relatos falavam de corpos boiando nos rios. Depois da viagem acidentada, havia os índios, que declaravam guerra aos intrusos. Se houvesse sobreviventes, restaria a fome. 4.6.4. O tempo de viagem entre São Paulo e Cuiabá era maior que entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Os bandeirantes desciam o encachoeirado Tietê até o Rio Paraná. Algumas dessas quedas d’água eram pequenas, podendo ser descidas no próprio barco. Outras, porém, eram grandes e violentas, e o barco e as mercadorias deveriam ser arrastados por terra. O trabalho dos pilotos, proeiros e romeiros dos batelões era monótono, cansativo e perigoso. Por isso, as tripulações eram formadas de desclassificados, vadios e pobres, homens marginalizados da época e forçados ao trabalho. Nos pontos de descanso a tripulação era vigiada por guardas armados. Alguns preferiam fugir e enfrentar os sertões desconhecidos a continuar no trabalho penoso. 4.6.5. No início, pelo péssimo acondicionamento das mercadorias, os víveres chegavam deteriorados à região. Como os mineradores haviam colocado todos os seus escravos à procura de ouro e quase não plantavam para conseguir alimentos., houve escassez e fome. Aliás, a crise de abastecimento era uma constante na região. Os povoadores plantaram algumas roças de mandioca, milho e feijão, mas os resultados foram desanimadores. Gafanhotos, pássaros e uma praga de ratos introduzidos na região através dos carregamentos que partiam de São Paulo destruíram a maior parte dos alimentos. 4.6.6. Os preços dos produtos eram altíssimos e fizeram a fortuna de alguns comerciantes que se arriscaram a enfrentar o Rio Tietê levando mercadorias. Animais domésticos como galinhas e porcos eram raros. As poucas cabeças de gado bovino foram levadas depois de 1730m transportadas nos barcos que partiam de Porto Feliz. O pescado e a caça eram o alimento cotidiano da região. 4.6.7. A Coroa portuguesa dificultava o plantio de cana-de-açúcar em regiões de mineração, porque tornava possível a fabricação de aguardente, causa de muitas desordem e a “perdição dos negros”. Apesar da proibição, algumas engenhocas surgiram naquelas distantes paragens, onde a aguardente servia para comemorações e embriaguez, e também como remédio. 4.6.8. A tecnologia utilizada na mineração era rudimentar, e o rendimento era escasso. Na região hoje denominada Minas Gerais, a terra e a água extraídas das minas eram carregadas por animais de transporte. No Mato Grosso eram levadas por escravos, pois não havia animais de tração. Os tributos cobrados pela Coroa e os direitos de entrada que as autoridades coloniais cobravam sobre as mercadorias na região estavam sempre aumentando. O padrão de vida da população era baixíssimo. Apenas alguns poucos e rudes potentados locais – prepotentes e arbitrários, que se arvoravam autoridade, lei e ordem – enriqueciam. 4.6.9. Pouco depois de uma década da descoberta, as minas de Cuiabá estavam em franco declínio. Desiludidos e mais pobres, os mineradores dirigiram-se para o norte de Mato Grosso e para Goiás, onde também descobriram minas de ouro e diamantes. 4.6.10. Apesar das dificuldades das dificuldades, Cuiabá foi ponto de partida para novas expedições que fundaram arraiais em Mato Grosso, como Ouro Fino, Boa Vista, Nossa Senhora do Pilar e Lavrinhas. A ocupação do noroeste de Mato Grosso tornou ultrapassado o Tratado de Tordesilhas. As terras eram espanholas, mas seus donos efetivos eram os portugueses. A Coroa portuguesa já se considerava proprietária da região, tanto é que, em 1748, foi criada a capitania de Mato Grosso, separada da capitania de São Paulo mas administrativamente subordinada a ela. 4.6.11. Os bandeirantes paulistas já conheciam o território goiano desde o século XVII, quando por lá andaram aprisionando índios. Em 1722m a bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva fez as primeiras descobertas de ouro na região, perto da atual cidade de Goiás Velho. Aventureiros que partiam da Bahia,
7 de Minas Gerais e do próprio Mato Grosso acabaram povoando a região e fundando vários arraiais, como Santa Rita, Água Quente, Formosa, Cachoeira, Carmo, São José São Domingos. 4.6.12. Mais tarde, em 1746, encontrou-se diamantes em Goiás e, em seguida, em Mato Grosso. Para suprir suas necessidades, os habitantes de Goiás desenvolveram uma agricultura de subsistência, com mandioca, batata-doce, abóbora, milho, feijão e algodão. A pecuária também era comum, com bovinos trazidos da Bahia, de Minas Gerais e Mato Grosso. Os habitantes plantaram ainda cana-de-açúcar em pequena escala para produzir aguardente. 4.6.13. A produção de ouro e diamantes do Centro-Oeste era bem inferior à das Minas Gerais, mas assumiu grande importância devido ao povoamento e ocupação de vasta área do império colonial espanhol.
5.
TRATADOS LIMITES ENTRE PORTUGAL E ESPANHA: 5.1. Para se precaver da expansão dos portugueses na região do Prata, a Espanha fundou a cidade de Montevidéu, próximo a Colônia do Sacramento. A presença portuguesa no noroeste do Mato Grosso e na região do Rio da Prata criava conflitos com os espanhóis. As duas Coroas, auxiliadas por outros países europeus interessados na resolução dos conflitos, tentaram solucionar os problemas fronteiriços na América do Sul através de uma série de tratados. 5.2. O TRATADO DE UTRECHT (1715) 5.2.1. Entre 1701 e 1714, ocorreu a Guerra da Sucessão Espanhola, que acabou envolvendo várias potências européias. O rei da Espanha havia morrido sem deixar herdeiros diretos e, em seu testamento, nomeara para sucedê-lo um francês, o Duque d’Anjou, neto do rei francês Luís XIV. Essa aliança francoespanhola aumentava o poderio francês, o que não agradava a outros países europeus. 5.2.2. A Inglaterra, aliada à Holanda e ao Sacro Império (atual Alemanha), declarou guerra aos franceses e espanhóis. Portugal, dependente da Inglaterra, apoiou o arquiduque Carlos de Habsburgo, pretendente ao trono espanhol apoiado pelos ingleses. As rivalidades entre portugueses e espanhóis repercutiram na região do Prata, e os castelhanos invadiram e ocuparam a Colônia do Sacramento. 5.2.3. A França e a Espanha foram derrotadas e obrigadas a assinar o Tratado de Utrecht (1715). Entre outras cláusulas do tratado, a Espanha foi obrigada a devolver a Colônia do Sacramento aos portugueses. 5.2.4. Portugueses e espanhóis interpretavam de maneira diferentes o Tratado de Utrecht. Os primeiros achavam que tinham direito a toda a região próxima a Colônia do Sacramento, enquanto os espanhóis achavam que os portugueses só tinham direito sobre a Colônia do Sacramento. A diferença de interpretação fez com que os espanhóis invadissem e ocupassem novamente a Colônia do Sacramento. Em 1737, por interferência da França. Espanhóis e portugueses assinaram um armistício, e os portugueses mantiveram a posse da Colônia. 5.2.5. Não apenas no Sul havia problemas fronteiriços entre os dois países. Na Amazônia e no noroeste do Mato Grosso eles também existiam. No Sul, Colônia do Sacramento estava praticamente cercada. Enquanto o governo português procurava colonizar o atual Rio Grande do Sul, os espanhóis estavam ocupando e colonizando todo atual Uruguai, área próxima a Colônia do Sacramento. Os portugueses não tinham condições de se expandir mais no Sul. 5.3. O TRATADO DE MADRI: 5.3.1. Portugal pretendia fixar como limites na América do Sul o Rio Amazonas, ao norte, e o Rio da Prata, ao Sul. O tratado de Utrecht havia fixado o Rio Oiapoque como fronteira com a Guiana Francesa, e mantivera a Colônia do Sacramento como propriedade de Portugal. Mas os conflitos com a Espanha continuavam. Saques e roubos eram praticados de lado a lado. 5.3.2. Dom Fernando VI, rei espanhol desde 1746, era casado com uma princesa portuguesa da dinastia de Bragança. Essa aliança facilitou as discussões fronteiriças chefiadas pelo negociador português Alexandre de Gusmão, nascido no Brasil.
8 5.3.3. A situação internacional também favorecia o acordo entre as duas nações ibéricas. A Espanha estava em conflito com a Inglaterra e não queria conflitos com os portugueses. Portugal enfrentava revoltas nas suas colônias do Oriente e não desejava uma guerra com a Espanha por causa da Colônia do Sacramento. Aliás, Sacramento nada rendia a Portugal, pois os beneficiários do comércio com a região do Prata eram os ingleses. 5.3.4. Por Ter nascido e vivido no Brasil, o negociador português tinha conhecimento dos problemas fronteiriços na América do Sul. Alexandre de Gusmão sabia que os espanhóis sempre lutariam pelo domínio do estuário do Rio da Prata porque era a entrada para o coração da América do Sul. Sabia também que, para os portugueses, era importante controlar o Amazonas, as regiões produtoras de ouro e diamantes do Mato Grosso e o gado do Rio Grande do Sul. Propôs o direito do uti possidetis, um princípio jurídico do Direito Romano que considera possuidor da terra aquele que efetivamente a ocupa . 5.3.5. A Espanha aceitou as condições e assinou o Tratado de Madri, que reconheceu as pretensões portuguesas sobre a Bacia Amazônica; em troca, obteve a posse da Colônia do Sacramento. Os portugueses receberam a missão jesuítica espanhola de Sete Povos das Missões. Portugal trocava uma colônia que nada lhe rendia por uma região rica em gado e erva-mate. 5.4. GUERRAS GUARANITICAS: 5.4.1. Desde o final do século XVII, os jesuítas haviam fundado no noroeste do atual Rio Grande do Sul, então território espanhol, várias missões ( São Miguel, São Lourenço, São João, Santo Ângelo, São Luís, São Nicolau e São Borja ), que ficaram conhecidas como Sete Povos das Missões. Nessas reduções, os jesuítas organizaram estâncias para criar gado e exportavam couro. Outra atividade econômica de exportação aí desenvolvida era a produção da erva-mate. A mão-de-obra indígena era fiscalizada e dirigida pelos padres jesuítas. 5.4.2. A terra e os demais instrumentos de produção pertenciam à comunidade. Cada família recebia um lote para produzir seu sustento. Porém deveria trabalhar as terras comunais alguns dias da semana para o sustento das viúvas, dos órfãos, dos velhos, dos doentes, dos administradores e dos padres da Companhia de Jesus. 5.4.3. Bem só da produção de erva-mate e do gado vivia Sete Povos das Missões. O artesanato também era desenvolvido entre os índios missionários, que se dedicavam ainda à arquitetura, à escultura e a trabalhos em metalurgia, fiação e tecelagem. Cada uma das missões era praticamente autônoma e não pagava impostos à Coroa espanhola, que sequer inspecionava essas unidades. O poder real aí inexistia. As comunidades pagavam impostos apenas à Companhia de Jesus. 5.4.4. A independência, autonomia e poder da Cia de Jesus em relação às Coroas em conflito na América do Sul provocaram a inveja de autoridades e de outras ordens religiosas, dos colonos e dos funcionários coloniais. Dizia-se que a Companhia de Jesus procurava criar um império teocrático independente de Portugal e Espanha, o que preocupava as autoridades coloniais. 5.4.5. Pelo tratado de Madri, as missões deveriam se retirar para as margens ocidentais do Rio Uruguai, e isso representava o trabalho de gerações, durante décadas, jogado fora. Tanto par os índios como para os jesuítas, aquela terra era deles e não de portugueses e espanhóis. A mudança significava fracasso, ruína, destruição. Era necessário resistir, defender as terras, a alimentação de suas famílias, tarefa para a qual estavam preparados: devido às incursões e ataques dos bandeirantes, os jesuítas haviam instruído militarmente os índios aldeados em Sete Povos das Missões. Quando os missioneiros decidiram-se pela resistência, os padres da Companhia de Jesus dividiram-se em três correntes de opinião. 5.4.6. Alguns temendo ser considerados rebeldes pelas Coroas portuguesa e espanhola, foram contra; outros defenderam a resistência; e uma minoria não só foi favorável, como também lutou ao lado dos índios. Foram dezessete anos de carnificina e mortandade. Os indígenas tiveram de lutar contra tropas portuguesas e espanholas e contra os famigerados mamelucos paulistas. 5.4.7. Devido a essas Guerras Guaraníticas, o Tratado de Madri perdeu a validade. Milhares de indígenas morreram, outros foram vendidos como escravos para regiões longínquas ou se refugiaram em regiões isoladas onde procuraram reconstruir o seu antigo modo de vida tribal. O gado foi desapropriado de seus
9 legítimos donos; as terras e habitações foram perdidas. Os jesuítas, acusados entre outras coisa de insuflar a guerra dos índios, foram expulsos de Portugal, do Brasil e de todo o império espanhol. 5.5. OUTROS TRATADOS DE LIMITES: 5.5.1. O novo rei espanhol Carlos III, denunciou o Tratado de Madri. O Ministro português Sebastião de Carvalho, conhecido como o Marquês de Pombal, tentou sem êxito modificá-lo. Nenhum dos dois países ibéricos estava satisfeito, e os problemas das fronteiras do Sul continuavam sem solução. Em 1777, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Santo Ildefonso, pelo qual Sete Povos das Missões e Colônia do Sacramento ficavam com a Espanha. Esta, por sua vez, deveria se retirar de Santa Catarina, que havia invadido e ocupado. 5.5.2. Caudilho ( chefe militar) e estancieiros gaúchos, no entanto voltaram a ocupar a região de Sete Povos das Missões, levando à assinatura do Tratado de Badajós (1801), que confirmou o que havia sido estabelecido no Tratado de Madri. Sete povos das Missões ficou para Portugal, e Colônia do Sacramento, para a Espanha. O longo e tortuoso problema das fronteiras do Sul estava resolvido.
6. A NOVA POLÍTICA COLONIAL PORTUGUESA: 6.1. Em 1640 ocorreu a Restauração portuguesa. Auxiliada pela Inglaterra, a dinastia de Bragança assumiu o poder no reino português, cuja economia estava totalmente debilitada. 6.2. Durante o período em que esteve unido à Coroa espanhola, Portugal participou de uma série de guerras européias ao lado da Espanha. Como conseqüência, perdeu várias possessões africanas e asiáticas, fontes de escravos negros e de especiarias. A porção asiática do império, onde se desenvolvia o tráfico de pimenta e outras especiarias, estava definitivamente perdida. Holandeses e ingleses dominavam a maior parte do sudeste asiático e das Índias: Japão, preocupado com as atividades dos missionários católicos, havia fechado seus portos ao comércio português de especiarias . 6.3. Na América, a situação econômica não era muito diferente para os portugueses. Devido às guerras contra o domínio holandês, a economia colonial também estava arrasada. Engenhos haviam sido incendiados; aproveitando-se da guerra, escravos fugiam para os quilombos. Para piorar a situação, na Segunda metade do século XVII, holandeses, franceses e ingleses haviam começado a produzir açúcar nas Antilhas, principalmente em Barbados e na Ilha de São Domingos, atuais República Dominicana e Haiti. 6.4. Os holandeses eram os grandes conhecedores das técnicas de refino e dos pontos de venda do açúcar na Europa. Amsterdã, na Holanda, era o grande entreposto comercial do açúcar europeu. Como o frete marítimo entre as Antilhas e a Europa era mais barato do que entre o Brasil e a Europa, o preço final era mais baixo na América Central, o que levou ao declínio da produção brasileira de açúcar. A queda dos preços chegou a mais de 40%. 6.5. No mesmo período, o tabaco, outro produto colonial, também sofreu queda acentuada nos preços. S preços dos produtos metropolitanos, como azeite, trigo e vinho do Porto, também haviam caído, com o fechamento dos portos do norte da Europa ao comércio português. Os capitais, como o dos flamengos e judeus, haviam saído de Portugal. 6.6. Diante dessa situação econômica de crise, o pequeno e frágil reino de Portugal precisava garantir sua independência contra a s pressões espanholas e holandesas. O único poder naval que poderia defendê-lo era o da Inglaterra. Portugal comprou essa segurança através de uma série de acordos comerciais, dentre os quais o mais famoso foi o Tratado de Methuen assinado com os ingleses em 1703. 6.7. O TRATADO DE METHUEN (1703) 6.7.1. Pelo tratado de Methuen, os produtos ingleses de lã entravam sem pagar tributos em Lisboa e na cidade do Porto, as vitrines de Portugal. Em compensação, os vinhos portugueses contavam com privilégios alfandegários no mercado inglês. O intercâmbio era muito favorável aos ingleses, que tinham mais tecidos para vender do que consumidores para o vinho português. Os déficits portugueses eram compensados pelo ouro e pelos diamantes que saíam do Brasil. 6.7.2. Os negros que trabalhavam nas minas brasileiras, os diamantes que brotavam no solo brasileiro, os vinhateiros da região do Porto, os plantadores de oliveira de Portugal, existiam para enriquecer o comércio e a indústria inglesa. Portugal parecia colônia da Inglaterra. O domínio britânico sobre a
10 economia do pequeno reino ibérico, no dizer de portugueses esclarecidos, era mais nefasto do que havia sido o domínio espanhol. 6.7.3. Portugal era grande importador dos manufaturados ingleses, que prevaleciam no comércio interior de Portugal e do Brasil. Os próprios comerciantes portugueses que agiam na colônia raramente o faziam com capitais próprios. Na maioria das vezes, eram agentes itinerantes de casas comerciais inglesas. 6.7.4. A situação em Portugal tornou-se desfavorável para as manufaturas. As poucas manufaturas existentes em Portugal faliram ou se tornaram insignificantes. Quais os motivos que levaram os portugueses a assinar tal tratado, tão desfavorável? A sociedade portuguesa, apesar de todo o pioneirismo na expansão marítima, ainda era dominada pela nobreza proprietária das terras. A burguesia ainda lutava para ascender socialmente. Ela e a nobreza tinham interesses diferentes e era muito difícil a convivência. Pode-se mesmo falar que as duas classe viviam em permanente conflito. 6.7.5. Ao assinar o Tratado, a nobreza conseguiu uma vitória importante: ao mesmo tempo que garantia a venda do vinho, produzido em sua terras, ela enfraqueceu a burguesia. A entrada dos produtos manufaturados ingleses iria levar a burguesia portuguesa, que também produzia manufaturados, a enfrentar uma concorrência que dificilmente ela teria condições de vencer. Assim ao mesmo tampo em que aumentava seus lucros, a nobreza conseguiu levar a burguesia à falência. Mesmo que isso significasse a decadência da nação portuguesa, como de fato se deu. As poucas manufaturas existentes em Portugal faliram ou se tornaram insignificantes. 6.8. A NOVA POLÍTICA ADMINISTRATIVA DE PORTUGAL EM RELAÇÃO AO BRASIL: 6.8.1. Com a perda do comércio no Oriente, Portugal percebeu que a saída para a crise seria a exploração mais efetiva e racional do Brasil. Passou-se a admitir que a colônia deveria viver em função da metrópole. A relativa liberdade comercial que marcara os primeiros séculos da colonização já não convinha. A grande autonomia dos senhores de engenho em seus vastos domínios, das Câmaras Municipais nas vilas e dos donatários nas capitanias precisava desaparecer ou, pelo menos, ser atenuada. 6.8.2. No primeiro século da colonização portuguesa no Brasil, não havia na metrópole nenhum órgão específico para cuidar da administração da colônia. Os assuntos coloniais eram tratados pelos vários órgãos administrativos portugueses. 6.8.3. Depois da Restauração, Dom João IV criou o Conselho Ultramarino (1642) para cuidar da administração colonial, função que exerceu até o fim do período colonial. A centralização e o fortalecimento do poder metropolitano foram se impondo cada vez mais na colônia. Progressivamente, os donatários iam sendo expropriados de seus grandes poderes e subordinados aos governadores nomeados pelo rei. O poder dos donatários ficou restrito aos benefícios financeiros que retiravam da exploração econômica de suas capitanias. Os administradores passaram a ser meros delegados do rei, até que, na Segunda metade do século XVII, o Marques de Pombal acabou por extinguir o sistema de capitanias hereditárias. 6.8.4. As Câmaras Municipais também viram desaparecer a grande autonomia que haviam acumulado nos primeiros séculos da colonização. Devido à fragilidade da administração portuguesa no Brasil, as Câmaras chegaram a acumular um grande poder nas vilas, legislando sobre quase todos os assuntos governamentais. A situação começou a se inverter a partir de meados do século XVII. Nessa época, os representantes da Coroa passaram a deter toda a autoridade na colônia, transformando as Câmaras em meras executoras de suas ordens nas vilas. A centralização efetiva do poder começou com a nomeação dos juizes de fora, em substituição aos juizes ordinários. Estes, que exerciam a presidência das Câmaras Municipais, além de suas funções como juizes nos municípios, eram eleitos nos municípios pelos senhores de engenho. Os juizes de fora eram nomeados pelo rei de Portugal. Na Bahia, sede do governogeral na época, os vereadores das Câmaras passaram a ser nomeados pelas autoridades da metrópole. 6.8.5. Outras medidas foram tomadas pela administração portuguesa para acabar com autonomia local dos colonos e centralizar o poder em benefício da Coroa portuguesa e dos interesse metropolitanos. 6.9. A NOVA POLÍTICA ECONÔMICA: 6.9.1. Durante o domínio espanhol, Portugal acabou com as vantagens dos comerciantes estrangeiros estabelecidos no Brasil. Ficaram proibidos de residir e comercializa livremente na colônia, a exemplo do que já ocorria na América espanhola. Apesar das restrições impostas pela Coroa luso-espanhola, as
11 autoridades portuguesas faziam vista grossa; por isso, muitos comerciantes estrangeiros ainda residiam e comercializavam no Brasil. 6.9.2. Mas depois da Restauração os portugueses não só mantiveram como ampliaram e tornaram realmente efetivas as restrições aos comerciantes estrangeiros. Colonos que facilitassem a entrada de navios estrangeiros no Brasil seriam severamente punidos. Somente algumas potências que haviam imposto tratados aos portugueses, como os franceses, holandeses e ingleses, poderiam aportar navios no Brasil, mas mesmo assim desde que viessem em comboios organizados em Portugal com destino ao Brasil. Fora dos comboios controlados pela metrópole, nenhum navio poderia navegar da colônia para a metrópole ou em sentido oposto. O controle tinha por objetivo evitar os freqüentes ataques de piratas, corsários e bucaneiros no Mar das Antilhas, além de impedir contrabandos. 6.9.3. As restrições mercantilistas também atingiram os colonos portugueses que viviam no Brasil. A adoção do sistema de comboios impedia os contrabandos e a organização de frotas nas quais os senhores de engenho e comerciantes partiam para comprar escravos negros diretamente na África. 6.9.4. Um novo monopólio comercial mais amplo, copiado dos holandeses e ingleses, foi adotado pela Coroa portuguesa. Tratava-se das companhias privilegiadas de comércio, que tinham o direito exclusivo de realizar o comércio externo de certas regiões da colônia com a metrópole. 6.9.5. Em 1647 foi criada a primeira companhia privilegiada de comércio, que teria o direito de explorar o comércio externo desde o Rio Grande do Norte até a costa de São Vicente. Seu monopólio seria válido por vinte anos, prorrogáveis por mais dez, desde que assim o desejassem os concessionários. Só eles teriam o direito de vender na região os produtos vindos do reino, como vinho, azeite de oliva, farinha de trigo e bacalhau. Mas o fornecimento era tão irregular, os preços tão exorbitantes e o descontentamento dos colonos tão grande, que o monopólio foi extinto doze anos mais tarde. 6.9.6. Pará e Maranhão também tiveram uma companhia de comércio privilegiada: a Companhia do Maranhão e Grão-Pará, criada em 1682, comas mesmas concessões à anterior. 6.9.7. Outras medidas econômicas tomadas pela metrópole portuguesa também afetaram a vida dos colonos portugueses residentes no Brasil. A produção do sal foi proibida na colônia , porque o mineral era produzido pela metrópole e vendido com exclusividade pelos comerciantes metropolitanos. A produção na colônia poderia incentivar o contrabando. A produção de aguardente também foi proibida porque as autoridades metropolitanas acreditavam que fizesse concorrência com o vinho produzido na metrópole. 6.9.8. O cultivo de oliveiras, trigais e vinhas também foi proibido, para que não concorresse com a produção de Portugal. Especiarias como cravo, canela e pimenta-do-reino eram outras mercadorias de produção vetada no Brasil. A simples notícia da existência de jazidas de ferro no Maranhão, em fins do século XVII, levou a Coroa a criar leis proibindo sua exploração, pois poderia prejudicar o comércio da metrópole com a colônia. 6.9.9. No decorrer do século XVIII, com o desenvolvimento da mineração, aumentaram as restrições e o controle da metrópole sobre a colônia. No final do século XVIII, a rainha dona Maria I a Louca proibiu a instalação de qualquer manufatura no Brasil colônia, para que não houvesse concorrência com o comércio metropolitano. 6.9.10. A política portuguesa, até o fim do período colonial, consistia em proibir que se produzisse na colônia qualquer produto que interessasse à produção metropolitana ou que pudesse concorrer com ela. A função da colônia passou a ser a de canalizar para o reino os produtos das suas atividades, compensando as perdas do comércio português em outras regiões. 6.9.11. A relativa liberdade comercial deixou de existir. Restrições e monopólio passaram a ser as palavraschaves da política de Portugal em relação ao Brasil. A política da metrópole era clara: a colônia se tornava uma simples produtora e fornecedora de produtos que pudessem ser vendidos pela metrópole nos mercados europeus com grandes lucros; além disso, a colônia deveria consumir os produtos vindos da Europa ou simplesmente vendidos pelos comerciantes metropolitanos. A autonomia e as perspectivas econômicas da colônia foram sufocadas. A opressão administrativa reinava sobre o Brasil colonial motivando uma série de revoltas contra o monopólio e o domínio português.
7. A MINERAÇÃO:
12 7.1. O POVOAMENTO DE MINAS GERAIS: 7.1.1. Já em fins do século XVII, bandeirantes paulistas divulgaram as primeiras descobertas de ouro no atual estado de Minas Gerais. O ouro brasileiro encontrado na época era na maior parte de aluvião (aquele ouro que fica depositado nos leitos do rio, necessitando, para ser retirado, apenas utensílios rudimentares) e se achava nos cursos e margens dos rios, riachos e córregos. A ação da água nas rochas onde se encontravam os metais espalhou-os durante séculos por uma extensa área superficial. Por isso, o ouro descoberto logo se esgotava, levando os mineradores a procurar outras minas. 7.1.2. Essa mineração chamaremos de mineração de garimpo, não exigia técnicas especiais nem grandes investimentos. Uma bateia para separar o metal do cascalho, algumas provisões em mantimentos e aguardente. Pelas técnicas rudimentares utilizadas, não exigia pessoal especializado. Esgotado o filão aurífero, o acampamento era abandonado. Mais adiante descobria-se outro filão e rapidamente formavase um novo acampamento, que quando se esgotava também era abandonado. Alguns desses acampamentos deram origem a cidades. 7.1.3. O povoamento da região mineradora foi rápido. De São Paulo correu a notícia de que um novo Eldorado, a mítica montanha de ouro, teria sido descoberto no Brasil. Em apenas dez anos, 300 mil pessoas, de uma população de 3 milhões, deixaram o reino e se dirigiram ao Brasil. Portugal parecia se despovoar. Certa regiões portuguesas quase ficaram sem habitantes, e a Coroa portuguesa foi obrigada a editar leis proibindo a emigração para o Brasil. 7.1.4. Na região, que não estava preparada para o rápido povoamento, tudo faltava: alimentos, animais de transporte, escravos. Havia todo tipo de gente: brasileiros de todas as vilas e regiões, brancos, pretos, pardos e indígenas a serviço dos mineradores paulistas e portugueses vindos do reino. A mistura era composta de homens e mulheres de diferentes condições sociais: nobres e plebeus, ricos e pobres, homens livres e escravos, religiosos seculares e de ordens religiosas, mendigos, foragidos, desertores, soldados, ladrões e assassinos. 7.1.5. No início, quase não havia leis, a não ser as que tratavam da propriedade das jazidas e repartição do veio minerador, que também não eram muito respeitadas. Os crimes eram muitos, desde o simples roubo até homicídios pela disputa dos garimpos. 7.1.6. Aos poucos, e não sem resistência, foi-se introduzindo, ordem naquele mundo caótico. Os veios de ouro descobertos passaram a ser repartidos. A primeira jazida cabia ao descobridor. A Segunda, pertencente ao rei, era vendida em leilão. As demais jazidas eram distribuídas por sorteio; cada pretendente concorria a uma área proporcional ao número de escravos que possuía. Mas, para fazer parte da lista dos que seriam sorteados, o candidato pagava uma taxa ao superintendente das minas e ao seu escrivão. Quando as jazidas se esgotavam ou sua exploração se tronava antieconômica, elas podiam ser exploradas por qualquer garimpeiro. 7.2. A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS: 7.2.1. Sobre todo ouro recolhido, a Coroa recebia o quinto, ou seja 20% da produção total. Em 1702, a Coroa criou a Intendência de Minas, que tinha a função de controlar e fiscalizar a distribuição, o arrendamento e a produção das jazidas e cobrar o quinto. 7.2.2. O contrabando de ouro em pó, entretanto, era grande. Havia rotas para São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, por onde os contrabandistas levavam ouro sem pagar o tributo da Coroa. Em 1720, a Coroa portuguesa criou as Casas de fundição e proibiu a circulação de ouro em pó. A partir de então, o ouro seria fundido e transformado em barras, que receberiam selo real, de modo a assegurar a cobrança do quinto da Coroa. 7.2.3. Quem fosse pego com ouro em pó seria degredado por dez anos na África ou nas Índias, além de perder o ouro e todos os seus bens. O denunciante, não sendo escravo, recebia uma parte dos bens do contrabandista, ficando a outra parte com a Coroa. Se o denunciante fosse escravo, seria libertado; se fosse cúmplice, seria perdoado. Estava instaurada a delação para ajudar o sistema colonial português a controlar a região mineradora. Todas as estradas de Minas foram policiadas, o que dificultava o contrabando, que entretanto, não deixou de existir.
13 7.2.4. Mas a Coroa, achando insuficiente a arrecadação e acreditando que o contrabando era grande, instituiu em 1735 o imposto da capitação (cobrado por cabeça): o minerador pagava 17 gramas de ouro por cada um de seus escravos. 7.2.5. Em julho de 1750, morreu D. João V rei e Portugal, em seu lugar ascendeu ao trono D. José I, que convidou para seu principal ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal. Uma das primeiras medidas da nova administração foi reformar os métodos de fiscalização da produção aurífera do Brasil. O recolhimento do tributo senhorial do quinto da produção total do ouro passou a ser feito segundo os métodos propostos pelos habitantes de Minas Gerais ao Conde de Galveias, em 1734. Em dezembro de 1750 a Coroa acolheu a proposta de 1734 que oferecia uma contribuição básica (mínima) de 100 arrobas (1.465,6 kg) de ouro por ano garantida pelas Câmaras Municipais, a cujo cargo ficaria o lançamento de um tributo local per capita ( as derramas) para cobrir a diferença porventura resultante. 7.2.6. A renda do ouro mineiro caiu bruscamente. A quota de 100 arrobas fora satisfeita e excedida na década de 1750. No decênio seguinte o quinto rendeu a média anual de apenas 86 arrobas e entre 1774-85 caiu novamente a média, agora para 68 arrobas. O governo português ordenou que junta da fazenda de Minas Gerais insistisse na imposição imediata da derrama, o tributo que deveria compensar o crescente déficit do sistema de quota de ouro de 1750. A derrama executada por milícias foi uma das causas da Inconfidência Mineira. 7.2.7. A região mineradora pagava também outros impostos, como, por exemplo, os direitos de entrada: toda mercadoria que entrasse em Minas Gerais sofria aumento de preço correspondente a essa tarifa, o que contribuía para onerar o custo de vida na região. 7.3. O DISTRITO DIAMANTINO: 7.3.1. Não se sabe ao certo quando foi descoberto o primeiro diamante no Brasil. As minas de ouro do arraial de Nossa Senhora da Conceição, hoje cidade do Serro, descobertas no final do século XVII, eram muito famosas e atraíram muitos aventureiros. Num riacho chamado Tijuco, que em Tupi quer dizer lama, foi descoberto ouro em abundância. Os aventureiros atraídos para essa localidade deram início a um povoado chamado de Tijuco, hoje a cidade de Diamantina. Até 1729, as lavras do Tijuco eram puramente auríferas e subordinadas à Intendência das Minas. 7.3.2. Os mineradores desconheciam os diamantes e, minerando o ouro, encontravam umas pedrinhas brilhantes e as guardavam para usar como peças de jogo. Também não se sabe quem foi o primeiro minerador a reconhecer os diamantes. O certo é que no ano de 1729 o valor econômico dos diamantes já era conhecido. A descoberta foi comunicada ao rei de Portugal, Dom João V, que, precisando de dinheiro, criou a Intendência dos Diamantes e proibiu a mineração do ouro no Tijuco. 7.3.3. Todas as pessoas que habitavam na vila foram despejadas, perderam suas casas e jazidas auríferas. As ordens religiosas, acusadas de contrabandistas, acabaram sendo expulsas da região. Negros e mulatos libertos não podiam mais minerar o diamante sob pena de prisão, açoite e degredo. Lojas e boticas (farmácias) foram proibidas na vila e seus arredores, até a distância de duas léguas, para evitar o contrabando. Quem comprasse diamantes dos escravos perderia todos os seus bens e seria degredado para a África. 7.3.4. Para Ter direito a uma jazida era preciso pagar uma soma exorbitante à Coroa, o que expulsou os pobres da exploração de diamantes. Aos pobres, enfim só um recurso: atuar ilegalmente, como traficantes, garimpeiros, contrabandistas e ladrões de diamantes. Caso fossem presos, estavam sujeitos ao degredo ou seriam incorporados à força como soldados nas longínquas regiões do Sul do país, como a colônia do Desterro, atual Florianópolis ou Colônia do Sacramento. 7.3.5. Não existia liberdade no Distrito Diamantino. Os mineradores que lá estava não podiam sair, e ninguém poderia entrar. Soldados da Tropa dos Dragões vigiavam toda a região demarcada: cada riacho, arroio, caverna e rio. 7.3.6. Decretou-se monopólio da Coroa portuguesa sobre a extração do diamante, e todos os que haviam comprado jazidas foram proibidos de explorá-las. Muitos perderam tudo: o dinheiro que haviam pago pelo direito de extrair os diamantes; as benfeitorias da casa, lavras e roças. Uma parcela ficou literalmente na miséria, sem condições de pagar suas dívidas. A Coroa ainda não sabia se explorava os diamantes por conta própria ou se arrendava a exploração a algum contratante.
14 7.3.7. Prevendo grandes despesas que teria para explorar os diamantes, a Coroa decidiu fazer um primeiro contrato de exploração, a fim de adquirir experiência. Em 1793, João Fernandes de Oliveira tornou-se o primeiro contratador. 7.3.8. Os contratadores podiam admitir associados e formar uma verdadeira companhia de exploração de diamantes. Tinham autorização para possuir até seiscentos escravos, sobre os quais pagariam uma capitação. Contavam com administradores, caixas, feitores e capitães-do-mato para perseguir escravos foragidos, traficantes de diamantes, mineradores e garimpeiros clandestinos. Os contratadores eram verdadeiros donatários dentro das demarcações do Distrito Diamantino. Podiam executar judicialmente os devedores, isto é, tomar os seus bens para pagamento das dívidas, denunciar contrabandistas e garimpeiros clandestinos ao intendente dos diamantes, mesmo sem provas. Quem se dedicasse a essas atividades ilegais tinha seus bens confiscados e era exilado, ficando dois terços dos bens para os contratadores e um terço para a Fazenda Real. Os habitantes da região tinham verdadeiro ódio aos contratadores, devido ao seu despotismo e má-fé . 7.3.9. Quando começaram os contratos de diamantes, as pessoas que não tinham profissão definida foram expulsas do Distrito Diamantino, e as negras e mulatas livres ou escravas foram proibidas de vender quitutes e doces nas lavras. Só poderiam fazê-lo nos arraiais, para que não participassem do contrabando. 7.3.10. Mesmo com toda a repressão, o contrabando foi grande. Era fácil ocultar um diamante, e a vasta extensão do Distrito Diamantino, cheio de serras, precipícios, cavernas, esconderijos e matagais só acessíveis a animais selvagens, permitia que os garimpeiros ai trabalhassem escondidos. 7.3.11. Garimpo era a mineração furtiva, proibida. O garimpeiro era um pobre coitado, que, por exercer mineração clandestina ou contrabando, havia perdido os bens e fora degredado. Por um ou outro motivo, os garimpeiros haviam conseguido fugir, voltando para rever a família. Como eram perseguidos, viviam em grupos nos esconderijos, fugindo das autoridades e exercendo a mineração clandestina. Sua vida era difícil, e, caso fossem presos, os castigos eram terríveis. Muitos pagavam proteção aos soldados e vendiam seus diamantes por preços baixos a comerciantes ou a capitães de navios estrangeiros nos portos do litoral. 7.3.12. Os garimpeiros não eram bandidos. Não roubavam, não matavam nem maltratavam ninguém. Seu crime era apenas praticar mineração clandestina, ganhando miseravelmente a vida. Ás vezes trocavam tiros com as tropas e capitães-do-mato para não serem presos. Tinham proteção de grandes figurões envolvidos no contrabando, porque geralmente fugiam da cadeia e voltavam à mineração clandestina. Os negros foragidos que viviam nos quilombos da região dedicavam-se também à mineração clandestina de diamante e ouro. 7.3.13. Os grandes contrabandistas eram os traficantes de escravos que, a pretexto de vender sua mercadoria, entravam no Distrito Diamantino e compravam diamantes a baixo preço dos garimpeiros. Em 1745, depois da prisão de alguns deles, sua entrada foi proibida no Distrito Diamantino. 7.3.14. Os contratadores deviam remeter os diamantes a Lisboa, onde o preço era menor e se pagavam impostos sobre a venda. Muitos contratadores dedicavam-se também ao contrabando, e alguns até permitiam garimpeiros no Distrito Diamantino, dos quais compravam a produção. Boa parte dos diamantes contrabandeados, senão a maior parcela, ia enriquecer holandeses e ingleses. 7.3.15. Alguns contratadores, como Felisberto Caldeira Brant, foram presos e tiveram suas dívidas executadas, acabando na miséria. Outros, como o desembargador João Fernandes, o último contratador, eram tão ricos e poderosos que assustavam a metrópole. 7.3.16. João Fernandes foi o homem poderoso do Tijuco. Só uma pessoa lhe dava ordens: a mulata liberta Chica da Silva, por quem se apaixonara. Fernandes lhe trazia roupas e jóias da Europa, e mandou construir um palácio, onde dava shows e festas, além de encenar peças de teatro todos os dias. Como a mulata nunca vira um navio, João Fernandes providenciou um lago e construiu, para Chica da Silva, um navio onde cabiam dezesseis pessoas. Chica ia à missa coberta de diamantes, acompanhada por 12 mulatas esplendidamente trajadas. “O lugar mais distinto do templo era-lhe reservado”, diz Joaquim Felício dos Santos, segundo o qual Chica era “ alta, corpulenta, de feições grosseiras e cabeça raspada; não possuía graças, não possuía beleza, não possuía espírito”. (Chica morreu em 1796)
15 7.3.17. Para obter os favores do contratador, os poderosos de Minas tinham de se humilhar diante da amante. Poderoso e rico, João Fernandes era temido pelo Marquês de Pombal, que o chamou de volta à Corte, onde morreu riquíssimo. 7.3.18. Sabendo do não-cumprimento dos contratadores no contrabando, e ainda temendo a autonomia desses poderosos, Pombal aboliu o sistema de contratos e, em 1º de janeiro de 1772, instaurou o sistema de real extração. 7.3.19. Um grosso livro de capa verde, o Regimento Diamantino, continha a dura legislação sobre a nova forma de produção de diamantes, agora feita pelo Estado português. Durante meio século, até a independência, o Regimento Diamantino, uma legislação arbitrária e despótica, foi o terror do Distrito Diamantino. 7.3.20. O intendente dos diamantes tornou-se o pequeno déspota da região: podia expulsar qualquer pessoa da demarcação, confiscando seus bens; pagar quanto e quando quisesse pelos escravos alugados aos moradores; e controlar da sua maneira os pequenos comerciantes locais. As pessoas não podiam recorrer aos magistrados nem ao governador, pois o intendente só devia prestar contas a Lisboa. 7.3.21. A miséria aumentou entre os moradores do Distrito Diamantino, e os garimpeiros foram mais caçados do que nunca e deixados sem sepultura para serem comidos pelos urubus. Ninguém se atrevia enterrálos, com medo de ser tomado por cúmplice. No Distrito Diamantino, o sistema colonial era mais violentamente aplicado e sentido pelos moradores do que em qualquer outra região do Brasil colonial. 7.4. CONSEQÜÊNCIA DA MINERAÇÃO: 7.4.1. A URBANIZAÇÃO: A região mineradora foi a única área realmente urbanizada de todo o Brasil colonial. Enquanto em todo o país as cidades e vilas não tinham vida econômico-social e política própria, dependendo dos imensos latifúndios ao seu redor, na região das Minas os núcleos urbanos controlavam toda a vida econômica, política e social. As autoridades coloniais moravam nas cidades, onde estavam as tropas que garantiam o poder metropolitano; os comerciantes que abasteciam as lavras e fazendas também viviam nas cidades, assim como a maioria dos grandes potentados, que moravam em sobrados e às vezes palacetes. A vida social, os saraus literários e musicais, os espetáculos de teatro e as reuniões mundanas se realizavam nas cidades. 7.4.2. Os núcleos urbanos mineiros dos séculos XVII e XVIII foram edificados em lugares pouco acolhedores e montanhosos. Os bens de que necessitavam eram comprados a peso de ouro, em várias e longínquas regiões. 7.4.3. Com o declínio da mineração, nos fins do século XVIII, a maioria das cidades se esvaziou, passando a um nível de vida medíocre. Isso lhes permitiu subsistir como “cidade mortas” e manter quase intactos, até hoje, o seu traçado urbano e a arquitetura característica da época mineradora. 7.5. DESENVOLVIMENTO DO MERCADO INTERNO: 7.5.1. A terra na qual brotavam ouro e diamantes quase levou boa parte da população a morrer de fome. Em Minas Gerais faltava tudo, até alimentos. Mas a abundância de ouro e diamantes atraiu o interesse dos comerciantes, que por lá construíram estalagens e vendas, para as quais eram enviados mantimentos e roupas luxuosas que chegavam de Portugal através do porto do Rio de Janeiro. De todas as partes da colônia também chegavam mercadorias: charque e muares do Rio Grande do Sul; gado da Bahia; escravos do Nordeste – onde a economia açucareira estava em decadência – e, do Rio de Janeiro, os que acabavam de chegar da África. Pela primeira vez um mercado interno articulava economicamente as diversas regiões do Brasil. Porém tudo era caro. Os comerciantes de fora da capitania faziam fortuna, mas a imensa maioria da população, os pobres, sofria crises de fome. 7.6. AMPLIAÇÃO DO TRABALHO LIVRE: 7.6.1. A região mineradora que ia do Rio das Velhas, em Minas Gerais, até Cuiabá, em Mato Grosso, foi o centro econômico do Brasil colonial, até a Segunda metade do século XVIII, já que a economia açucareira do Nordeste estava em declínio. 7.6.2. Em 1763, o Rio de Janeiro, porto importador e exportador, tornou-se a capital teve como objetivo aumentar o controle da região mineradora, mais próxima do Rio do de Salvador.
16 7.6.3. A região das minas monopolizava a imigração portuguesa. Todos vinham tentar a sorte. Afinal, a mineração, ao contrário do engenho, não exigia muito capital nem escravos. Somente as grandes jazidas exigiam investimentos de vulto e escravaria. Mas era possível a sorte nos garimpos. Esse era o sonho dos pobres, não só de Portugal mas de todos os recantos da colônia que para lá afluíram. Havia lugar para homens livres, que, com uma bateia e poucos custos, poderiam pelo menos sonhar com a riqueza. Se a fortuna não lhes sorrisse na mineração, poderiam trabalhar no contrabando; quem sabe montar uma lojinha; dedicar-se ao comboio do gado. Enfim, um homem pobre e livre tinha mais oportunidades na região mineradora do que na fechada e exclusivista sociedade nordestina. 7.6.4. Mas não nos enganemos. Embora proporcionalmente a mineração tenha utilizado mais trabalhadores livres do que a empresa açucareira, a base do trabalho continuou a ser escravista. 7.6.5. A vida do escravo minerador era mias difícil que a do escravo no engenho, mas o seu sonho de liberdade era maior. Vivia em choupanas, sem as condições que tinha no engenho. Aliás, as habitações eram sempre precárias e provisórias, uma vez que os acampamentos estavam em constante mudança à procura de um veio mais promissor. A alimentação era péssima, porque custava caro. Sexualmente, o escravo minerador também sofria privações, porque o número de mulheres escravas era insignificante. 7.6.6. O trabalho era extenuante e perigoso. Os negros trabalhavam curvados dentro do leito dos rios, correndo risco de afogamento, de doenças, ou deformações físicas. Podiam ser assassinados por outros escravos interessados em lhes roubar ou mesmo por outros mineradores que disputavam a jazida como os senhores ou até mesmo por seus senhores, com medo de ser denunciados por eles. 7.6.7. Apesar desses perigos, o escravo tinha mais chance de ser alforriado do que nas outras atividades econômicas coloniais. Poderia ser libertado pelo rei, se denunciasse seu senhor como contrabandista; ou pelo senhor, caso achasse uma grande quantidade de ouro ou diamantes; poderia ainda comprar a liberdade. 7.6.8. Como trabalhava algum tempo para si, o escravo podia juntar algum capital para comprar sua liberdade, ou mesmo roubar o minério que encontrava, já que trabalhava sozinho. Quase todos os senhores logravam o fisco. O escravo podia ser seu cúmplice ou denunciá-lo à Coroa – nesse caso correndo risco de morte por parte do senhor –, mas duas formas era possível obter a liberdade. 7.7. O MITO DA RIQUEZA DA MINERAÇÃO: 7.7.1. Um dos grandes mitos da história brasileira é sem dúvida, a pretensa riqueza da região mineradora na época colonial. Fala-se de suas igrejas de ouro; da fortuna da prostituta de luxo dona Beija de Araxá; dos poderes e riquezas ilimitados do contratador de diamantes João Fernandes. Frei Antonil, no século XVIII, reclamava da jogatina e dos gastos que os poderosos de Minas realizavam. O bom frei reclamava do alto preço pago por um negrinho zombeteiro e por uma mulata maltratada, com quem o dono cometia seus “ freqüentes e escandalosos pecados”. Sua escrita não se cansava de reclamar do mau uso do ouro, gasto em cordões e brincos das mulatas e negras de “mau viver”. Mas isso era apenas nas aparência. Algumas raras pessoas construíram grandes fortunas, mas a maioria vegetava na pobreza. Minas não tinha fortuna nem grandeza, apenas miséria e atraso econômico. 7.7.2. Nos primeiros anos, o ouro borbulhava na superfície e atraía uma multidão de aventureiros ávidos de enriquecer e voltar à terra natal. Ninguém plantava, criava, nem se preocupava com o futuro. Tudo era importado, A carestia era constante, assim como a fome para os pobres. Quem ganhava fácil gastava fácil no jogo, na prostituição, nas bebidas... Os favores com a situação eram os comerciantes de fora da capitania, que obtinham grandes lucros com as suas mercadorias. 7.7.3. Na região das minas havia muitas prostitutas, garimpeiros perseguidos pelas autoridades coloniais, faiscadores (mineradores pobres que se dedicavam à extração do ouro nas jazidas abertas à livre mineração) que não conseguiam retirar da terra nem o suficiente para se alimentar, ladrões e pistoleiros a serviço dos poderosos. Esses desvalidos ou eram presos ou deportados para regiões longínquas, onde eram obrigados ao trabalho forçado ou a assentar praça nas tropas que lutavam contra os espanhóis ou contra “índios bravios) 7.7.4. A partir de 1750, o rendimento das minas começou a declinar. O veio superficial estava esgotado, e era necessário aprofundar a exploração. Mas não havia tecnologia nem capital para comprá-la. Naquelas condições tecnológicas, a mineração estava falida, e a herança mineira eram a desorganização
17 econômica, a ruína, o desemprego e a miséria. A mineração trouxe uma riqueza aparente, passageira e improdutiva que poucos aproveitaram. 7.7.5. Os donos das grandes fortunas de Minas estavam endividados com os contratadores da cobrança dos tributos e com os comerciantes que lhes vendiam a crédito. Os contratadores, por sua vez, deviam para a Coroa. Enfim, era uma economia de endividados, na qual nem os bens pessoais eram suficientes para pagar as dívidas. 7.7.6. Será que a metrópole, que havia implantado um sistema colonial rígido sobre a região mineradora, ficou com toda a riqueza gerada em Minas? Não. De nada valeu a Portugal, que estava economicamente subordinado à Inglaterra desde o Tratado de Methuen. Como já vimos, os manufaturados ingleses que abasteciam os portugueses e os colonos foram pagos com o ouro proveniente do Brasil. 7.7.7. Na primeira metade do século XVII, Lisboa, então a maior cidade da Península Ibérica, era um dos três centros comerciais mais ricos da Europa. Mas no início do século XVIII, quando sucessivas frotas transportavam o ouro e os diamantes do Brasil, a capital portuguesa era descrita como uma cidade de mendigos. 7.7.8. Parecia mesmo ter razão o Frei Antonil, quando dizia que Deus permitira que se descobrisse em Minas tanto ouro para com ele castigar o Brasil. Poderíamos acrescentar que a Portugal Também.
PESQUISA ELABORADA POR : SÉRGIO BARBOSA.