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FILE#1 BALLAD OF TODAY


André Cepeda. Sem título, da série «Ballad of Today», Lisboa, 2019


A

ndré Cepeda vagueia pela cidade de Lisboa, explorando-a e apoderando-se dela e cada um de nós – espetador – entra e circula nela, observando-a de diferentes ângulos, deambulando com ele por esta cidade. “André Cepeda parece seguir os cães, os vadios, os noctívagos, os desempregados através da rede de canais dum organismo complexo”, isto é, ele segue as pessoas através das ruas e dos bairros desta cidade complexa que é Lisboa. “Bare life” significa “vida nua”, uma vida despida e reduzida ao mínimo. Agamben na sua tioria

de “bare life” ressuscita uma figura obscura como sendo a vida nua para repensar e debater a cidadania do Estado Ocidental moderno. Neste projeto “Ballad of Today” as imagens remetem-nos para uma vida minimalista, de coisas simples e despida de toda a luxúria. Para fotografar estas imagens é utilizada uma máquina de grande formato, uma viewfinder, que André Cepeda carrega sempre com um tripé debaixo do braço e um pano preto no bolso. A fotografia é pensada: o ângulo de visão, o detalhe e o ponto de vista do fotógrafo, tudo acontece quando dessa parece debaixo do pano preto durante o tempo em que a fotografia é tirada. Esta imagem retrata a vida nua da cidade, onde parece que se enquadra num ambiente rural, de campo. Em tons de verde e castanho é uma imagem onde o elemento central, os pedaços de pedra colocados de forma a criar uma es-

cada, são consumidos pela vegetação que os rodeia. Este “atalho” enquadra-se no lado esquerdo da imagem, acompanhando o nosso olhar, de cima até descer à parte central da imagem em si, parecendo que estas escadas vão ficando cada vez mais consumidas pelas ervas à medida que o nosso olhar desce.Esta imagem é um elemento nu que André Cepeda capta, não das partes ricas e arranjadas da cidade, mas daquelas por onde um cão vadio passa.



FILE#2 A COLLISION BETWEEN A STREAM OF LIGHT AND AN OBJECT


“E se soubéssemos o dia da nossa morte? Continuaríamos a viver como mortais?” No projeto de design especulativo PARCAE, 7 passageiros são enviados diariamente para o espaço com um destino: a morte. Este ritual consiste numa viagem em que o objetivo é a aceitação do fim e a reflexão da dualidade da existência humana, o sentido da vida e da morte. Desta forma, o universo torna-se o espaço para a análise e ponderação, quer para os sete passageiros quer para o oitavo, o espectador.

PARCAE deu origem a um outro projeto, Time to Go, e foi este que atraiu a nossa atenção. Uma experiência audiovisual, de Iolanda Tavares, que integra a dimensão psicológica de um destes 7 passageiros: alguém que aproveitou a vida e aceitou a morte com naturalidade. Esta experiência expõe as memórias e as sensações que leva consigo, transmitindo uma sensação de nostalgia que é intensificada progressivamente pela expressão sonora.


Após a investigação de ambos os projetos, tecemos algumas perguntas de forma a que Iolanda pudesse ajudar-nos na compreensão do seu processo criativo e objetivo. Segue-se, então, o diálogo realizado:

Como chegaram a esta ideia final de PARCAE? Como foi o processo criativo? “Este projeto sofreu muitas alterações ao longo do tempo. Primeiro foi-nos pedido que víssemos o filme Solaris, de Tarkovsky e, a partir daí, retirar um tema para a criação de uma ficção. Baseámo-nos, então, na pergunta “E se soubéssemos o dia da nossa morte?’”. Tivemos algumas dificuldades inicialmente, em pensar como partilhar este mote e como levar os outros a refletir connosco. Antes da chegada da pandemia, o suposto era fazer uma instalação sobre a nossa ficção. Estávamos a pensar em tornar uma das salas da faculdade na nossa nave, mas depois com o COVID-19 o projeto passou a ser totalmente virtual e tive-

(Sobre PARCAE)

mos que pensar noutro formato. Desta forma, surgiram diversas ideias e acabámos por escolher o podcast, a escrita de um guião que contasse a história de uma das milhares de cápsulas lançadas por PARCAE. Quanto ao processo, depois de definido o mote, tivemos então um momento de reflexão de como dar vida ao projeto. Quando chegámos a um consenso sobre o que fazer, apercebemonos que criar uma identidade que representasse bem PARCAE estava a ser também um grande desafio. Criámos um teaser (uma fase do proj) e procurámos referências que nos inspirassem e

sustentassem o conceito. Criámos as personagens, começámos a escrever e a dividir os episódios da ficção. Procurámos quem nos ajudasse a dar voz às personagens e recolhemos as gravações para as editarmos. Fizemos vídeos para acompanhar o áudio para ajudar a montar um ambiente e ser mais imersivo. Ao mesmo tempo criámos os objetos de comunicação, como a estratégia do Instagram, cartazes, website, entre outros.”


Porquê a escolha do número 7? “O número 7 é considerado o número da perfeição e representa o lado oculto e místico da vida. Tem alguma espiritualidade associada.” Porque decidiram abordar o tema da morte sendo este um tema delicado? “Apesar de ser um tema delicado achámos ser um tema muito desafiante e incógnito. Existem imensas teorias sobre o que acontece para lá da morte (se é que acontece alguma coisa) e cada pessoa tem a sua visão e opinião quanto ao assunto, porque ninguém tem certezas de nada. Só nos resta a nossa

imaginação. É um tema tão abstrato que acaba por nos dar uma maior liberdade para a construção de uma ficção.”

Tendo em conta que PARCAE é uma última esperança, uma confissão final, estará de alguma forma relacionada com a religião? Talvez em forma de metáfora? “Não consigo dizer que este projeto esteja relacionado com alguma religião. É mais sobre as várias reações que cada personagem tem quanto à sua condição mortal, estando estas perspetivas diretamente relacionadas com as vivências de cada personagem,

as suas personalidades, valores morais e até a própria idade. Algumas personagens veem aquele momento (o último dia de vida) como uma dádiva porque a vida deles na Terra foi miserável, outros sentem uma grande injustiça e receio... foram mais nestas diferentes perspetivas em que nós nos quisemos focar.”


(Sobre TIME TO GO)

Porque decidiste fazer uma experiência audiovisual? “O enunciado para este projeto era mesmo fazermos um vídeo individual que complementasse a ficção do projeto final.” Porquê o uso do preto e branco? “O tema do vídeo é a nostalgia, memórias de uma personagem que está dentro da nave PARCAE. Os vídeos que estão a preto e branco são exatamente essas memórias, e os vídeos das luzes a me-

xer (que estão a cores apesar de não se notar tanto) são o momento presente. Eu decidi fazer a preto e branco, porque a memória não é algo tão nítido como uma visão do presente, principalmente quando são memórias mais antigas, então tirar a cor não só faz com que haja um maior contraste entre o presente e o passado, mas também dá uma sensação de menor certeza e nitidez.” Estes lugares que retratas no teu “filme” têm algum significado para ti? Revês-te, de certa forma, nas memórias deste “passageiro”? “Não era a minha intensão colocar

a minha personalidade e vivências dentro do vídeo, mas a verdade é que estes são lugares que eu conheço muito bem, cresci no campo, e se fosse eu que estivesse na situação desta personagem talvez também me viriam à cabeça estas imagens. Por outro lado, foi também uma questão de “estes lugares é o que eu tenho para filmar de jeito em tempo de quarentena”.


Porque decidiste apresentar apenas memórias boas e nenhuma “má” ou dolorosa? “Boa pergunta. Esta personagem em específico não estava numa posição de remorsos ou zangada com a vida. Imaginando que era uma pessoa já com uma certa idade, que viveu muita coisa, boas e más, eu imaginei que fosse uma pessoa que estivesse meio que a refletir sobre a vida dela de forma nostálgica. O sentimento que eu tinha

que retratar no filme era a nostalgia, e quando nós estamos a sentir este tipo de saudade sobre alguma coisa do passado, normalmente não são memórias ou momentos tristes. A personagem está a sentir nostalgia dos simples momentos da sua vida, que, num momento anormal como o que ela está a presenciar, são os mais propícios a ser relembrados.” A primeira cena do filme (que aparece noutras alturas) representa a viagem? Porque decidiste retratá-la (a viagem) desta forma? “É como já disse, essas cenas são

o presente, o momento em que ela está a descolar na nave PARCAE. E era, também, para existir uma maior relação com a ficção do projeto PARCAE.” Gostaste da experiência deste projeto? Ficaste contente com o trabalho final? “Gostei bastante de fazer este vídeo sim. É um trabalho que, já por si, gosto muito de fazer. A ideia surgiu-me muito rapidamente, foi mesmo só ir aos locais filmar e depois fazer a edição. Foi um processo bastante rápido e que me deu muito gozo.


T

endo em conta o esclarecimento sobre o projeto e as referências dadas, decidimos criar um objeto audiovisual como contrarresposta (colocado na Drive). À semelhança do trabalho da Iolanda, o nosso filme baseia-se nas recordações de um passageiro que está numa das naves PARCAE. Um homem que sempre viveu uma vida monótona, que dependia da rotina. Deste modo, retratamos apenas lugares de passagem, instantes que passam despercebidos e ruído que, no dia a dia, não tem volume. Os momentos repetidos do quotidiano ocupam-lhe maior parte da memória e, em situações como esta, chega à conclusão que gostaria de ter fei-

to mais, ou apenas melhor. Todos já sentimos o medo de não ter aproveitado o tempo que nos foi dado.... Faremos por isso então. Estamos constantemente expostos a um fim repentino, portanto para quê deixar para amanhã o que podemos fazer hoje? Com o objetivo de verificar a pertinência da afirmação “resta ao design ocupar a ficção” através da análise de um objeto da mostra de finalistas e realização de um teaser, verificámos que o design ocupa, de facto, a ficção. Que permite responder e criar a partir do irreal (por exemplo o nosso trabalho) com a presença de conceitos importantes ou questões existenciais. Permite não só compreender, como refletir e formar novas ideias, valores e mensagens.



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