De Esperança, suor e farinha

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Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP 5ª

de esperança, suor e farinha de Paula Giannini 1


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Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP 5ª

de esperança, suor e farinha de Paula Giannini

Associação Centro Cultural 3


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Para Michele Cabral, Eris D´Souza, Lucas Jeremias, Neusa Fontolan, Jamaica, Baixinho e tantos outros que, de alguma forma, inspiraram estas histórias feitas de farinha.

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PREFÁCIO “Quais contornos tornam algumas vidas humanas menos valiosas que outras? Quais são as figuras vivas hoje que não alcançam o estatuto de vida humana?” Judith Butler Estou convencido de que palavras nos dão dimensões infinitas, com elas, podemos viajar e, mais que isso, compreender o sentido intrínseco das coisas. Algo de surpresa aconteceu comigo na leitura da obra “De esperança, suor e farinha”, de Paula Giannini. Escrita em forma de contos, a peça retrata situações vividas por pessoas com as mais diversas peculiaridades, singularidades inusitadas, nas quais se pode perceber o quão similares são as dificuldades da vida, ainda que inseridas em diferentes camadas, esferas e situações. Os contos, de certa forma, nos projetam em cada uma das personagens ali retratadas, vestimos a pele da empatia, refletindo muito sobre as animosidades com que a vida se apresenta para os que se encontram em situação de invisibilidade social, para os desprovidos de (quase) tudo, pois, que se por um lado já não possuem o mínimo para sua sobrevivência, por outro, se vestem de dignidade, e, de alguma forma, se permitem seguir sonhando, agarrados à esperança, sempre.

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A leitura é leve, até lúdica, porém, há um imenso peso no fato de nos sabermos cúmplices, em certa medida, da condição de subsistência de tantos seres-humanos, tantos brasileiros, tantas vidas tratadas como refugo humano. É como diz Zygmunt Bauman em seu livro “Vidas Desperdiçadas”: Todo lixo é em potencial venoso – ou pelo menos, definido como lixo, está destinado a ser contagioso e perturbador da ordem das coisas”. Com riqueza de conteúdo, a autora consegue ser feliz no que cria, ela nos prende a atenção e a curiosidade em cada linha lida. Sinto-me enaltecido por poder prefaciar este trabalho que agora ganha o palco, contos que refletem as mais variadas situações em diferentes regiões do nosso país, nos tornando, através da arte, responsáveis pelas vidas ali retratadas. “... Somos responsáveis pelo outro, estando atentos a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas.” Zygmunt Bauman Marcelo Jorge Azim Jornalista 7


INTRODUÇÃO Paula Giannini brinda-nos com De Esperança, Suor e Farinha, um belo texto de dramaturgia que envolve o leitor/espectador desavisado num turbilhão de vozes e de acontecimentos que se entrelaçam, formando uma tessitura de fragmentos de vida que não é tudo. Com o manejo delicado de monólogos impregnados de regionalismo e de coloquialidade, intencional para assim representar as cinco regiões que compõem nosso diverso país, vemo-nos debruçados sobre relatos de cultura e de memória que levantam questões sobre a sobrevivência e a ancestralidade, revelando a nua consciência de nossa existência em fios delicadamente trançados em subtextos. É quando mergulhamos no mais profundo dos abismos: os conflitos não se limitam aos personagens, mas dizem respeito a nós e a toda humanidade. É quando o texto deixa de ser escrita e se torna luta - e cicatriz -, porejando na pele em exercício de sensibilidade com rara qualidade literária. De Esperança, Suor e Farinha trata do ciclo da vida, e da morte, em cinco partes, cinco histórias que se entrelaçam e nos levam a acompanhar o sofrimento dos invisíveis. No primeiro monólogo, que diz respeito ao nascimento, é a parteira que (re)nasce, e entende o (re)nascer como um tipo de morte, afinal, é preciso despir-se do velho para aceitar o novo. A cena avança e no segundo monólogo - Cumacanga, a menina a resistir aos feitiços, à crueldade do mundo, é o botão em flor que se oferece com ingenuidade, embalando em cantigas de roda o velho tecido transformado em boneca, sua única companhia. Cumacanga diz ‘eu sou sua mãe e mães não têm medo’, ela é a mãe do mundo, é a ilusão pueril que transforma 8


carne e farinha em paçoca, diamantes em pedrinhas de brincar, num movimento inverso ao dos adultos, como se a simplicidade fosse capítulo de nossa busca e nossa salvação. Em um terceiro movimento, o monólogo de Jesus da Silva mostra que a incompletude das relações definha sem o alimento devido. É quando a desnutrição (de afeto) leva à solidão, que acaba tomando posse do que custa a respirar, tão bem retratada no marido que pranteia a esposa distante, nas filhas que se ressentem das ausências (inclusive a da porta do lar), na mãe que se culpa por não ser alimento a nutrir de amor a família arrombada. O pai ainda insiste, procurando fornecer afeição da forma que lhe cabe, para manter o que restou da família à mesa. Resistir é preciso. E o texto segue para o quarto monólogo, que mostra a labuta de Thayanara que é também a nossa, que nunca cessa e nunca nos torna plenos. É a mulher que sobrevive da lida no garimpo, em chão que nunca será de estrelas, nem de diamantes. A Thayanara, só resta o esperançar do sonho que nunca se concretiza, só resta a farinha de tapioca no vinho de bacaba para esconder a sensação de que somos tolos e a certeza de que nossa ganância nunca será recompensa. O ciclo se finda com a pungência da morte, e Tauan, em sua loucura, se remete às próprias origens, resgatando o sabor de infância enquanto delira na solidão. Então, contrariando a lógica humana de finitude - e como uma grande epifania da autora -, o monólogo passa a nos revestir de fios de esperança, rompendo a diversidade do país (e das pessoas) apenas com palavras de encantar. Sandra Godinho Escritora 9


SINOPSE Cinco monólogos se desenvolvem em cenas curtas, um em cada uma das cinco regiões brasileiras, Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Nelas, os personagens têm suas vidas interligadas por algum laço afetivo, peculiaridades nos modos de falar, de ser, de pensar. Em comum, todas as cenas têm, como símbolo que ata cada uma das vidas aqui retratadas, a farinha, ingrediente presente no prato do brasileiro do Oiapoque ao Chuí, ingrediente capaz de unir todo um povo em um laço tecido em cultura, esperança e memórias. A narrativa se constrói em uma estrutura que tem no conto o seu ponto de partida, é em uma fala repleta da coloquialidade do maneirismo de cada uma das regiões brasileiras, modos que se diferem em um país de dimensões e modos de pensar continentais. As cenas - todas desenvolvidas dentro de cômodos de casa dos personagens, podem ser montadas juntas, em um único espetáculo, ou separadamente independentes uma da outra, propondo à plateia que retorne em outra apresentação, a fim de conhecer as demais histórias. As tramas, recortes simples do cotidiano de cada um dos protagonistas, trazem histórias de vida que mesclam o estranhamento de um país cheio de interiores e inacreditáveis situações de privação à contemporaneidade do século XXI, fazendo-se presente mesmo nos lugares mais longínquos e mesmo ermos. O espetáculo ou sequência de apresentações tem início em um nascimento e fecha o ciclo em uma morte, símbolo que permeia todas as cenas, na fala, na boca e

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na ação de cada um dos personagens, jargão presente na vida de todos nós, brasileiros. “Para tudo nessa vida há um jeito. Exceto para a morte”. CENÁRIO Com poucos elementos, a cena é composta por peças chaves, símbolos de cada um dos conflitos desenvolvidos. Uma maca (ou similar) funciona ora como cama, ora como mesa, ora como outros elementos. Duas cadeiras simples. Tecido branco, jarra (com farinha dentro) e bacia de ágata, e uma colher são adereços comuns a todas as cenas. PERSONAGENS Nona – A parteira – Sul do país, aqui representado por Santa Catarina. – Nona é uma transexual e exerce o ofício tradicionalmente conhecido como feminino desde muito cedo. Em seus braços nasce Jesus da Silva. Thayanara – A garimpeira – Norte do país, aqui representado por Roraima. – Thayanara é esteio de família e abriu mão do convívio com filhos e marido em busca do sonho do diamante. Mais que isso, em busca do sonho de sustentá-los com dignidade. É casada com Jesus da Silva. Jesus da Silva – O pai - Desempregado – Nascido no Sul, vive no Sudeste e luta para equilibrar a necessidade de sustentar e de proteger as filhas que cria sozinho em uma favela da Maré, no Rio de Janeiro. Suas filhas estudam no colégio onde leciona Tauan, o professor.

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Menina – Filha de Maria Piçarra - Amiga de Thayanara, mora com a madrinha no Mato Grosso do Sul. Sétima filha, única sobrevivente de uma família só de meninas, carrega consigo a marca do preconceito das crendices da população local. Tauan – O professor - Exonerado por romper as regras ao querer ajudar a comunidade onde leciona, na Favela da Maré, Tauan volta para sua cidade, no sertão da Bahia, a pé. Transformado em morador de rua, ele delira levar consigo as sementes do sonho de uma vida melhor. É professor das filhas de Jesus da Silva.

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Cena 1 Nona (Escuro) (Na sonoplastia – som de respiração vai aos poucos se intensificando. Os sopros de ar são ritmados – do tipo “cachorrinho”). (Luz sobe aos poucos - foco trêmulo em tom amarelado revela uma maca/cama no sentido longitudinal do palco em direção à plateia. Nela, uma estrutura simula a existência de duas pernas em posição de parto, cobertas por um lençol branco. O público enxerga Nona – a parteira – através de uma abertura no lençol, como se fosse a parturiente ou o bebê. Ela traz um galho de arruda na orelha. A seu lado, uma banqueta e, sobre ela, os adereços da cena. Uma bacia e jarra). Nona — (reza – para si) Santo António é meu pai, São Francisco é meu irmão, Os anjos são meus parentes, Já estão tendo geração. (para a parturiente) Força menina, coragem, respira. Vamos. Isso... Menina não. Que você agora é mulher. Tão novinha... Deus que a benza. A você e a esta criança que vem aí. Vai ser menino, sabia? Eu sei. Conheço bem... Barriga pontuda, é menino, não dá outra... Calma filha, calma que já tudo se desenrola. Tudo nessa vida tem o seu tempo. Eu sei... Sei muito bem o quanto essa dor dói. Nascer dói. Mas viver dói mais ainda. E uma coisa é certa, essa dor de agora, essa sua, não é nada. Não. É só o treino. O começo. Porque mãe sofre, viu menina? Se sofre... Mãe sofre demais... (pausa) Mas comigo não. Comigo, você vai ver, sua hora vai chegar com calma. Com amor. (pausa) Só não pode parar de respirar. Só isso. Não para de fazer como eu lhe ensinei, que vai dar tudo certinho. Isso... (enfática) Vai

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ser menino... Ser mãe de menino é melhor, sabia? Homem tem menos sofrimento nesse mundo, minha filha. Disso eu sei. Ah, se sei... (Nona examina a menina) Nona — E o seu, olha aí, já vem sentadinho. Menino, né? Manezinho é criatura que já vem ao mundo, que vem folgado. (pausa) Aqui, olha, na palma da minha mão... Eu estou sentindo. Porque dá para sentir. Viu? Quietinha... Viu só? Ele vem é de bundinha... (ri) Não... Não se apavore que eu sei todo o jeitinho de fazer. Já ponhei para mais de setenta crianças nesse mundo. Tudo aqui, nesta nossa Santa Catarina. E quer saber? Todas vivas! É o meu orgulho. Tudo saudável, graças a essas mãos grandes. Com a ajuda de Nossa Senhora. E olha que já tive de tudo aqui, seguro por mim. De tudo... Gêmeos, menino que veio de pé, de cabeça, sentado. Teve um que veio atravessado. Eu desvirei. Com amor, com reza, muita reza. (ri) Até hoje, eles me encontram e pedem a benção. Pedem, sim... Porque não há o que o tempo não cure... Hoje tudo está mais calmo. Mas antigamente, não. Hoje, todos me beijam as mãos. Todos eles. Sou madrinha de umbigo. É o que eles dizem. Tudo saudável. Tudo criado. Tudo. Menos um... Um só. Uma. Era menina. (suspira) Um anjinho... (suspira) Mas disso, olha, não quero falar que não sou eu quem importa aqui nessa noite... (pausa) Só tem uma coisa, você tem que ajudar. É esse o seu papel aqui. Tem que respirar, que se acalmar, que o seu filho sente tudo que você sente e quanto mais você tem medo, mais medo é que ele tem também. Você agora já é mãe. Então, desse momento em diante, você trata de esquecer de sua dor e de pensar só nele. Na dor que ele está sentindo para vir para esse mundo de provação. Respira, vai. Isso... Puxa o ar e solta, puxa e solta, assim... (retoma a ladainha) Nossa Senhora é minha

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madrinha, Prometeu me dar um dote, Eu peço que ela me dê, Na hora da minha morte. (Nona se afasta um pouco da menina – fala para fora) Nona — Oh, Tilda, coloca uma água aí para esquentar. Outra... Não a do parto. Uma para o caldo. Presta atenção, Tilda. Ai, meu chapéu... Essa mocinha é lentinha... Vai ver está de olho no celular. (pausa) A cabeça do peixe está aí, na saca de papel. Já está até limpa e cortada ao meio. Já está tudo aí. É para a menina tomar depois, para ficar forte. Para ter bastante leite. Faz uma quantidade boa, que dá para nós três. Está tudo aí. A cebola e o alho você doura, faz um refogado... Depois coloca o tomate, o colorau. Está entendendo? (para a menina) Está nada... Você vai ver... Ela diz que entende, mas já, já, aparece aqui perguntando tudo novamente. Coitada. É lenta... Se distrai com o telefone. Mas é queridinha. Me acompanha para tudo que é canto, sem reclamar. Porque criança para nascer, você sabe, não tem tempo. Eles criam quando bem entendem. De madrugada, no frio... Não vê o seu? Olha essa tempestade lá fora... (para fora) Oh, Tilda, você larga um pouco o que está fazendo e vê se cobre aí todos os espelhos. Tudo que brilha. Entendesse? Está trovejando... E muito. Não vamos dar chance para o coisa ruim. Não mesmo. (A personagem volta para a parturiente) Nona — Então, menina, vamos lá? Me deixa ver isso aqui como está. Está tudo bem, viu? Olha aí, já está com 4 dedos. (esfregando as mãos para aquecer) Você não se assuste que minha mão está quentinha. Essas mãos aqui, nem parece, não é? Mas são delicadas, que você nem sente. (aquece as mãos) Nem parece... No começo,

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o povo não queria... Sim... Teve muito pai que me mandou embora... Tinham preconceito. Eu tenho essa mão grande, esses dedos grossos, mas eram esses dedos que eles corriam para buscar na hora que nada dava mais jeito. Na hora em que a hora da vida acontecia no tempo e no lugar em que ninguém mais ia. E quem ia? Eu. Sempre a Nona aqui. Na época, eu era nova, claro. Eu acho que os maridos não me queriam lá porque, na certa, eu mexia era com a cabeça deles. Mas no fim, era eu. Sempre eu. No lodaçal, nos mangues, na última hora, na serra, criança entalada, até na ilha, de barquinho velho, uma tempestade medonha que nem a de hoje. Pior... Parecia que o vento ia nos transpassar, que a gente ia virar, quem sabe sumir no mar sem fim, igual ao seu avô. Eu já via a hora de o mar me engolir... (pausa) Nesses chamados, nessas horas difíceis, quem é que ia? Eu. O menino nascia, o dia já alto, o sole a pino. E depois... Quantas vezes... O mesmo pai que mandou me buscar, mandava um piá ponhar um agrado na minha trouxa e sumia. Não me olhava mais na cara. De longe. eu via ele me cuidando. Se eu me virava, baixava a cabeça. É assim... Coisa de macheza, coisa jaguara do modo de ser homem. Eu sei. Sei bem. Homem tem seu orgulho. Nasce com isso de ter que ter seu orgulho a todo custo. Mas no final, quer saber? Eles sofrem menos. Eles mandavam o menino ponhar a moeda nas minhas mãos... E eles ponhavam com um risinho no canto da boca. Vergonha, curiosidade, sei lá. (pausa) Agora, não. Agora, eu sou respeitada. Já sou velha e estou toda é encarangada. Se a menina quer saber, eu nem vinha hoje... Não posso mais. Quase que não estou mais me aguentando... Meu braço quebrou... (mostra) Aqui e aqui, viu? E foi na lida, puxando menino entalado. Eu me machuco, mas salvo a criança. Por isso eu vim. Por que Nossa Senhora me mostrou você no Salve Rainha. Nossa Senhora é danada... Ela me protege, me auxilia, mas também me dá missão.

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Aí, eu vim. Sua mãe nasceu aqui, nesses braços. Mirrada. Coitada. Sua avó passava muita necessidade... Seu avô foi para o mar, não voltou mais... A Uiara pegou ele. É o que dizem. Mas você deve saber dessas histórias melhor do que eu... (pausa) Respira, vai criança. Respira que já tudo passa. Respira que assim que sua mãe olhar para a carinha do neto, tudo passa. Ela se derrete e perdoa tudo... Você vai ver que não é por acaso que dizem que avó é mãe duas vezes... Você vai ver. (Lembra-se de Tilda) Nona – Oh, Tilda, larga esse celular e não esquece de colocar a cebolinha, a salsinha picada e a alfavaca, viu? Caldo de peixe sem esse tempero não é caldo, é lavagem. Não é porque é de resguardo que tem que ter gosto de hospital. E olha, coloca aí uma tesoura aberta que é para desenrolar logo a coisa aqui. Esse menino é teimoso e não quer coroar... Está difícil de se mostrar. Nem cabeça, nem bundinha, nada... E, olha... Esse peixe que está aí é nobre. É tainha. Vai ficar louco de bom. Só não exagera no sal, que a mãezinha não pode subir a pressão... Ah, lembrei! Esquenta a banha. A de porco, que estou muito precisada aqui. (Voltando ao parto) Nona — Nossa Senhora do Bom Parto, socorrei-me. Nossa Senhora do Bom Parto, amparai-me. Nossa Senhora do Bom Parto, auxiliai-me. (pausa) Deixa eu ver, menina... Coragem. Estamos quase lá. Seu menino não encaixou. Vou tentar desvirar. Aguenta firme. Olha aqui, vou massagear com a banha de porco. Quentinho, gostoso... Está vendo? Aqui, olha, vem, menino, vem que o mundo espera por você. Vem... Isso... Você já escolheu o nome dele? Não? Não... Não chora, filha. Não chora que para

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tudo nessa vida tem um jeito. Para tudo. Só não para a morte... (pausa) Mas olha, eu tenho para mim que nascer também é um tipo de morte. Então, tudo se resolve. Por que para a vida também não há de se ter um jeito... E tem mais, ser mãe é uma benção. Você vai ver. Mãe... A minha foi amor do início ao fim. Sempre. Foi por isso que eu segui os caminhos dela nesse ofício de partejar. Ela me ensinou tudo. (ri – lembra) No começo, não queria... Eu seguia ela pela estrada. Ela me mandava voltar. E eu voltava? Nada... Menino-homem não podia entrar na sala onde se desenrolava um nascimento. Não mesmo. Mas eu ia. Eu era danada... Hoje pode. Hoje pode tudo. Os pais entram... Eu não gosto... Eles desmaiam, fazem fiasco. (ri - pausa) Respira. Isso... Olha que lindo... Estamos quase chegando... (retomando) Eu ia me esquivando, com cuidado, de longe, mas ia seguindo... Levava uma roupa que peguei dela escondida. Eu fazia de vestido. Eu era terrível... Na primeira vez, ela quase me surrou. Me viu ali, um menino vestido como uma menina... Nunca esqueço a feição dela naquela hora... Ia me surrar, nem tanto pela raiva, mas pela vergonha. Nem sei se era vergonha, era mais para fazer o que pensava que as pessoas achavam que era o correto se fazer. Mas a vida escolhe, não é? A vida escolhe os próprios caminhos. E o menino, o que estava nascendo naquela hora, estava roxo, o cordão preso naquele pescoço fininho... E aí ela me pegou para ajudar... A mãezinha, coitada, quase que também não aguentou, estava fraca de se acabar e não tinha mais ninguém lá. Ela era igual a você, novinha de tudo, e precisava de ajuda. Eu tive medo, não vou mentir, fiquei apavorada, mas fui ligeirinha. Eu sempre tive talento. A gente nasce com isso... E no mais, aprendi tudo com ela, só observando. A criança criou, a mãezinha se recuperou e eu passei a ajudar a mãe em todos os chamados. Ela fez um vestido branco para mim e levava escondido na trouxa. E eu que não abrisse a minha boca.

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Ela não dava chance para fuxico. O que acontece aqui dentro, na hora do parto, fica aqui, trancado a sete chaves. É segredo. É mistério. Do lado de fora não, na rua eu tinha que me comportar direitinho. Bonitinho. Tinha que vestir camisa, roupa de menino, me comportar como um hominho. Era o nosso trato. (pausa) Olha aí... Virou. Eu não disse? Já vai coroar. Nossa senhora não me deixa na mão nunca. (Lembra-se de Tilda) Nona — Oh, Tilda, já deitasse a cabeça da Tainha n´água? Apure que o menino já está na hora de coroar. Com a farinha polvilhada você faz um pirão para nós duas. (Volta à ladainha) Nona — Lá vem a Virgem Santa, dando grito no ar, a mulher que pare filho, venha me ajudar a chorar, que as mulheres que não parem filho, não tem pena e nem pesar. (pausa) Isso, menino. Vem para a luz que sua mãe está aqui que não se aguenta mais. (pausa) Esse menino vai ser teimoso demais... Eu era. Teimosa. Sou até hoje. Talvez por isso tanta criança se criou nos meus cuidados. Eu não aceito um não. Não aceito o coisa ruim. Não aceito a morte... Só uma vez. Só uma. Perdi aqui, olha, entre os dedos... Era menina. Mas não vou contar, não. Agora é momento de alegria. E o que meu pai fez ou deixou de fazer em vida, ele vai prestar contas é no julgamento dele. Não guardo mágoa. Nunca. Nunquinha... Só dó. Dó de ver o rosto de minha mãe quando viu que ele me descobria. Dó de ver o barrigão que ela estava. Barriga redonda, bonita. Ela sempre quis ter uma menina. Eu era. Era menina, você sabe...Mas... Não era. Você me entende, não é? Ela entendia. Amor de mãe é grande

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demais. (pausa) Olha aí... A chuva parou... O sole já está surgindo e seu filho coroando. Sinal de sorte. Sinal que ele vai ser grande. Que vai ser um bom moço. Ajuda agora, faz força. Isso. Vamos. (Na sonoplastia – Música mesclada a choro de bebê) (A luz pinta a cena com tons de âmbar) (Nona retira o lençol que cobria a estrutura e o enrola como um bebê) Nona — (com o menino nos braços) (em um foco branco no canto da cena toda alaranjada) Tilda, traz a tesoura fervida e os galhos de arruda para curar o umbigo do menino. (finaliza a reza) Salve rainha, mãe de misericórdia, Vida doçura, esperança nossa, salve. A vós bradamos degredados filho de Eva. A vós suspiramos gemendo e chorando neste vale de lágrimas. (Nona retira um galho de arruda de seu sutiã) Nona — Essa menina é lentinha... (para o bebê em seu colo) Agora você, menino. Trata de ser um bom menino, um homem de bem. E trata, também, de ajudar a sua mãe que ela é criança como você. E chora... Até eu choro... Está vendo? Depois de velha dei para chorar. Dei para recordar. E olha que não chorei nunquinha... Nunca. Nem quando o pai deu o primeiro tapa em mim, na mãe. Nem quando a bolsa da mãe estourou ali, no meio da estrada de terra. Ou quando eu vi que não tinha mais jeito... A morte tem sua hora e a de alguns é na hora da vida mesmo... A surra foi grande... Não igual a essa que agora lhe dou... Com arruda. Essa aqui é de amor. Só de amor... Eu tenho para mim, criança, que o que falta no mundo para ele ser bom é se acabar, de uma vez por

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todas, com o que eu chamo de desamor. (Nona levanta a trouxinha/criança) Nona — (Suspira) Eita... Mais um manezinho na ilha. Mais um Jesus da Silva, nessas terras santas de minha Santa Catarina. (Em um gesto leve, Nona desfaz o tecido e o deixa no chão, antes de sair) (Música) (O alaranjado da cena vai dando lugar a tons de chocolate)

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Cena 2 Menina (Música) (Entra Menina – Ela puxa as cadeiras coloca-as lado a lado, com as costas viradas para a plateia. É a janela.) (Ela retira a toalha de cima da mesa e com ela faz uma boneca – Na jarra, coloca uma flor - Da travessa da cena anterior, retira as 5 pedrinhas que lá estão desde a cena de Thayanara - e vai para debaixo da mesa). (A luz simula fim de tarde) Menina — Senta aqui, olha. Essa é a minha brincadeira preferida. Cinco-Marias. Eu vou colocar assim, está vendo? Cinco pedrinhas. Fui eu mesma quem escolhi. Uma por uma. Peguei lá na porta. Eu gosto das branquinhas, as bem redondinhas. Assim não machuca a mão. Está vendo? Joga uma para cima e pega as outras, sem deixar essa aqui cair no chão. Eu sou boa nisso, viu? Não pode derrubar de jeito nenhum. Viu? Se cair, você perde o jogo. Não vale xexar. Minha madrinha que fala assim... Xexar. (ri) ( joga) Gostou? Eu gosto! Eu gosto disso e de brincar de Mamãe. Mamãe-Posso-Ir, Mãe-da-Rua... Mas dessas coisas não dá para a gente brincar. Não. Precisa ter mais participantes. E aqui não tem ninguém. Só eu... E você, claro. (Música) (Enquanto joga, Menina recita cantigas infantis) Menina — O que você tem? Saudades. De quem? Do cravo, da rosa e de mais ninguém. Subi na roseira, desci pelo galho, fulano me acuda, senão eu caio. 22


(Menina se levanta – brinca - pula) Menina — Viu como eu sei pular? Em um pé só. Viu? Olha que alto. (pula) Se tivesse uma corda é que ia ser divertido A gente ia cantar enquanto pula. Mas tem que ter mais duas meninas pelo menos. Uma em cada lado da corda. (pula) Bom, uma só já dava. A gente amarrava a outra na ponta da cadeira. Mas não tem outra menina... Não. Por isso que eu canto assim. Eu falo fulano. Fulano não é ninguém. É só modo de falar. As outras crianças não querem brincar comigo. As mães delas não deixam. Não. Eu sei. Eu finjo que não sei, mas sei. Eu escuto. Eu sou boa de ouvido. Eu escutava atrás da porta as coisas que a minha mãe falava. E a minha madrinha. Está vendo esse crucifixo aqui, no meu pescoço? É bonito? É para me proteger. Eu sou encantada, sabia? Sou. Mas não é de princesa. Não. É que, quando eu crescer, eu vou virar a Cumacanga. Mas eu não quero. Não. É isso que falam lá na cidade da minha mãe. Eu tenho muito medo, sabe? Muito. Mas eu não falo isso para a minha mãe, porque ela chora. E eu não quero que ela chore. Eu não gosto de ver ninguém chorando. E então eu fico assim, brincando com você, porque você não foge de mim. Você não chora. Nunca. E você não tem medo de mim. E não liga porque minha mãe é Maria. (Menina senta na cadeira, de lado, olha pela janela) Menina — (canta) O sapo não lava o pé. Não lava porque não quer. Ele mora na lagoa, não lava o pé porque não quer. (pausa) Eu adoro essa música. Minha madrinha me ensinou, porque eu tinha medo de sapo. Mas isso era antes. Tinha muito sapo lá no rio, sabe? No fundo da casa que eu morava com a minha mãe. Antes... A madrinha me ensinou a cantar para espantar o temor. Eu vou cantando e vou trocando as vogais. Ela que

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ensinou. A, e, i, o, u. São as vogais. Entendeu? (canta) A sapa na lava a pá, na lava paca na cá... E com a letra e? (canta) Ele mere ne leguee, ne leve e pé peque ne que. Gostou? Minha madrinha é sabida. Ela entende de quase tudo. Ela que me deu o crucifixo. Para me proteger da tentação. Foi assim que ela falou. Porque aqui nessa cidade dela, ela disse, aqui no Mato Grosso, ninguém fala de Cumacanga e nem de Curacanga. Não... Nem de Maria. Não. Minha tia vai na igreja. Mas a minha mãe também ia. Maria pode ir na igreja. Né? (pausa) Pode. Pode sim. (pausa) Sabia que aqui, menina assim que nem eu, que é a sétima filha mulher de uma família, não vira nem Cumacanga? Não. Aqui, eu ia virar é porco. Porca. Vote... Uma porcona enorme. Que come gente. Ou bruxa, que vira morcego. Mas eu não quero. Eu não gosto. Eu nunca ia comer uma pessoa. Nunca. (pausa) Porquinho eu já comi. O homem do garimpo, lá da minha cidade e da minha mãe, que matou e fez para ela de presente, no Natal. A gente foi na festa. Mas não gostei. Eu não gosto de comer nenhum bicho que foi vivo. Eu tenho pena. (Música) (Menina se levanta – ela desfaz a boneca de pano – arruma o tecido e volta a enrolar) Menina — Eu penso que, se for para eu virar encantada, se não tiver jeito, então eu prefiro virar a Cumacanga mesmo. Aí, meu corpo, sabe? Meu corpo vai ficar em casa guardado e só a minha cabeça vai voar e voar pelos ares, brilhando que nem um balão. Que nem a lua. (pausa) Cumacanga também faz maldade. Mas eu não vou fazer não. Eu prometo, olha! Não tem nem um dedinho cruzado aqui. Não. Tem menina que cruza o dedo para poder quebrar a promessa. Eu não. Eu só prometo de verdade. Minha mãe que falava... Sou Maria,

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ela que falava... Sou Maria, mas sou de palavra. Tem muita mulher casada que pula cerca, ela falava. Mas eu não vou pular cerca. Só minha cabeça que vai voar. (Menina retira a florzinha da jarra) Menina — (recita) Mariquinha morreu ontem. Ontem mesmo se enterrou. Na Cova de Mariquinha, nasceu um botão em Flor! (apontando para as pétalas da flor) Bem-me-quer... Mal-me-quer... Viu? Deu bem-me-quer. Quer dizer que você me ama. Muito. E de verdade, sabia? Eu só não vou despetalar, porque a gente só tem essa florzinha. Uma só. E eu vou guardar para a minha irmã. Quando eu for visitar a minha mãe, eu vou plantar. (pausa) Eu ouvi, sabia? Eu ouvi quando a minha madrinha disse que tinha jeito. Esse negócio de feitiço. De eu ser encantada. A sétima filha, sabe? Tem jeito. Era só a minha irmã mais velha me batizar. Eu ia gostar, porque aí, era ela que ia ser a minha madrinha. É isso que as madrinhas fazem. Elas jogam água benta na cabeça das crianças. E as crianças são salvas. Igual à minha irmã. Ela está salva. Por isso que ela não pode jogar água na minha cabeça. Ela foi para o céu. Ela e as minhas outras irmãs. Todas. Só fiquei eu...Sozinha. (longa pausa) Elas pegaram doença da lua. (Menina volta para debaixo da mesa) Menina — (recita) A água do coco é doce. Ela é boa de beber. Quem bebe a água do coco, morrendo torna viver. (pausa) Está vendo o meu vestido? Era da minha irmã. É bonito? É. Minha madrinha vai arrumar para mim. Ela era linda. (pausa – mudando de tom) Quer ver uma coisa? Foi ela quem me ensinou. (retira um cadarço que amarra seu vestido) Olha esse cadarço. Vou tirar aqui do vestido. Minha madrinha não precisa saber, não. Ela

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amarra na minha cintura porque a Mocinha era muito maior que eu, e assim o vestido não cai. Ela vai arrumar o vestido para mim. Mas curto, não. Ela falou assim, curto é coisa de Maria... Eu não ligo... Mas eu vou tirar só um pouquinho. O cadarço, claro. (trançando o cadarço na mão, como no jogo cama-de-gato) Você tem que passar a mão no cordão, assim. Viu? É cama-de-gato. Dá para fazer cada desenho lindo. Só com as mãos e o cordão. Mas não vai dar. Aqui só estamos eu e você. E você não tem mão. Não. Mas não fica triste. Que para você, a mão não faz falta. Você é linda mesmo assim. Se a minha mãe estivesse aqui, ela fazia tudo para você. Mão. Braço. Perna. Minha mãe costura bem. Eu ia pedir para ela fazer uma mão de meia para você. Você ia querer? Foi ela mesma quem fez todas as roupinhas das minhas irmãs. Sozinha. Lavou no rio, com sabão de coco e perfumou com priprioca. Lá em Roraima tem priprioca. O rio estava cheinho de sapo. Mas ela é corajosa. Não tem medo de nada. Ela disse que mãe é assim. Não pode ter medo de nada. E pendurou tudo no varal. Ficou lindo. Tudo branquinho. Igual minhas irmãs ficaram. Ela falou que era simpatia para a lua. Para ela não levar as minhas irmãs, sabe? Mas ela levou. Não gostou das roupinhas, acho. Quando a minha cabeça virar lua, eu não vou dar doença para ninguém. Não. Eu não gosto de ver as pessoas chorando. Me dá um nó aqui. Na garganta. Estranho, não é? A madrinha disse que esse nó é porque não é para eu falar disso. (Menina sai da mesa, volta para a janela) Menina — (canta) Dizei, senhora viúva, com quem quereis se casar... Se é com o filho do conde, se é com seu general, general, general. (aponta) Olha lá o sol. Está se escondendo. Daqui a pouco, a gente precisa sair. (pausa) Se o ônibus não vier, vamos amanhã. (pausa) Eu

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não gosto de escuro. Não. Eu gosto é de estrela. Eu acho lindo. Mas para ter estrela tem que ter escuro. Minha madrinha que fala assim. Ela diz cada coisa... Fala para eu não apontar para as estrelas porque nasce verruga no dedo. Ela devia gostar muito de estrelas quando era menina. (ri) Você já viu a mão dela? Mas ela não virou Cumacanga, e nem Bruxa. A mãe dela não teve sete filhas. Não. Ela só teve três. A minha madrinha é a terceira. Se fosse a sétima, virava Porcona. E aí, ela ia ser igual a mim. Não. Ela nunca ia ser igual a mim. A mãe dela não era Maria. Foi ela quem disse. (pausa) Se eu fosse menino, eu ia virar Lobisomem. Mas não vou. Eu sou menina, né? Eu vou virar outra coisa. Coisas feias. Tem gente que diz que eu sou bruxa. (pausa) Tem gente que chama boneca de pano de bruxa... Mas eu não tenho verrugas. Nem você. Não... (pausa) Minha mãe não vai casar novamente. Tem gente que diz que ela namorou até o padre. Mas é mentira. Minha mãe diz que o meu pai era um homem bom. Que já foi para o céu. Que foi cuidar das minhas irmãs... Mas é mentira. Elas morreram, sabia? Mas ele não faleceu. Não. Não sei. Acho que não. Ele era gringo, de olho azul, igual ao meu... Não sei. Foi embora. Diziam que ele era só o meu pai, das minhas irmãs, não. Diziam baixinho. Pouca vergonha. Minha madrinha que disse. Que o meu pai, na certa, já até pegou aquela doença. Ela falou isso também... Aquela doença. Não sei qual é. Ela diz e se benze. Mas eu não ligo. Meu pai era bonito. Não conheci... Aí, eu finjo que sim. Que ele sorri, e que canta comigo, bem alto. Eu gosto. Eu sei que ele está feliz, porque ele sorri. (pausa) Mas, agora, eu só canto baixinho, que é para ninguém fugir de mim. (Menina aponta a lua – do lado de fora da janela) (A iluminação marca - anoitece – é noite de lua cheia)

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Menina — (recita) Oh, lua que por aqui passaste. A graça da minha filha levaste. Hás de por aqui passar. A graça da minha filha hás de deixar E a tua hás de levar. (pausa) Olha a lua. Cheia. Minha cabeça vai ficar assim, sabia? É bonito? Minha mãe diz que eu sou linda e que não é para eu ficar pensando nessas coisas feias. Mas eu penso. Por isso que eu quero fugir. Hoje. Se o ônibus chegar, claro. Minha madrinha falou que a condução passa bem na porta. Mas não sei. Talvez ela tenha errado o horário. Não sei. Já esperei lá tantas vezes. (pausa – observa a lua) De quem será aquela cabeça que virou lua cheia? Deve ser de uma menina muito linda. O corpo dela, a essas horas, está lá, na casa dela, guardado, dormindo... (pausa) Não se fie em tambeiro mansinho... A madrinha sempre diz isso quando vê alguém dormindo, quietinho... (pausa) O corpo da menina nem imagina o que a cabeça está fazendo agora. Lá no céu. Toda cheia. A lua. Vote... Tomara que não seja maldade. Você tem medo? Você não precisa ter medo de nada. Porque está aqui comigo e eu sou a sua mãe. Eu vou colocar você aqui, dentro do meu vestido. Viu? Para não apanhar luar, quando a gente sair... (pausa) Talvez ela também tenha medo. A menina da lua. Talvez ela tenha levado minhas irmãs para ter alguém com quem brincar. Mas você não precisa ficar triste. Nem chorar. Eu protejo você. Aprendi com a minha madrinha. Ela é benzedeira. Me rezou pela frente e pelas costas. Bateu em mim com uma planta que ela pegou lá no mercadão. Arruda. Até doeu. Mas só um pouquinho. Não era para machucar. Era só para fazer a benzedura mesmo. E deu certo. Acho. Eu não peguei doença da lua, né? (pausa) Se a gente não fosse fugir, ela podia benzer você também. (Menina sai da janela e se aproxima da mesa – dessa vez não vai para debaixo dela – pega uma das cadeiras, encosta na mesa) 28


Menina — (canta) Um, dois, feijão com arroz. Três, quatro, tenho um prato. Cinco, seis, pulo uma vez. Sete, oito, como um biscoito. Nove, dez, olho meus pés. (Menina sobe nela, buscando algo) Menina — Essa cantiga me dá fome. Aí, na mesa, deve ter um lanchinho. Viu? A minha madrinha sempre coloca um lanchinho na mesa para mim. Cambucá, pequi, mangaba... Às vezes até paçoca, que eu adoro. Ela sabe. Ela pega a carne, a farinha e bate com o pilão. Fica horas pilando, pilando... Eu acho que ela coloca a paçoca aí, porque ela adivinha que a gente vai fugir. Ela fala, para de mula e vem comer. (ri) Para de mula... (pausa) Ninguém pode fugir de barriga vazia, nem escondido da madrinha. Saco vazio não para em pé. É o que ela diz. Ela sabe muitas coisas. (pausa) Você está com fome? Fome de comida? De paçoca? E de colo, depois da comida? Eu não gosto de ficar longe dela. Da minha mãe. Eu sei que ela chora. Vai chorar muito se eu não fugir, sabia? Por isso que eu vou. Para encontrar ela, entendeu? Mas eu não quero que ela me veja virando porca. Não. Então não vou... É, eu não vou. (pausa) Talvez seja até bom ser porquinha. Porquinhos tem companheiros, tem filhas. Eu vou ter cinco filhas. Sete não. Porque eu não quero que a minha filha chore. Nunca. Bebezinho chora, mas é de fome. Não é de tristeza. Nem de lua. Porque de lua, ele fica fraquinho e não consegue nem chorar. Só a mãe que chora por ele... (pausa) Está escuro, não é? Eu acho melhor a gente ficar. Só hoje. Eu peço para a minha madrinha costurar a sua mão com cinco dedinhos, para a gente brincar de Fura-bolo-emata-piolho. Você quer? Quer. Ela não costura igual a minha mãe. Mãe sabe de tudo. Mas ela também sabe. Um pouco. E eu sou a sua mãe, né? E é por isso que a gente vai ficar. Viu? Não precisa ter medo... (sussurra) Amanhã a gente foge. 29


(Música) (A luz cai aos poucos) (Foco em Menina brincando sob a mesa é o último a sair)

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Cena 3 Jesus (A luz muda. É dia claro.) (Na sonoplastia, sons de criança brincando.) (Entra Jesus – Usa um avental amarrado na cintura Arruma o pano que Thayanara colocou sobre a maca, como toalha de mesa. Arruma a cena. Levanta a segunda cadeira. Tudo alinhado.) (Ele coloca as duas cadeiras lado a lado e, sobre a mesa, três canecas de ágata e três pratos de plástico. Tudo alinhado caprichosamente) Jesus — (senta-se em uma das cadeiras – ele fala para a segunda, vazia) O senhor pode sentar. Isso, é assim que eu vou falar... O senhor fique à vontade que aqui a casa é simples, mas é um coração de mãe. Não... Ele vai perguntar cadê a mãe. Mãe? Cadê? Cadê? Todo o santo dia, as gêmeas me perguntam. Cadê a mãe? E eu sei? Não. Não sei. E eu digo o quê? Que ela entrou por um buraco e sumiu? Que enlouqueceu? Que nossa Estrela virou foi estrelinha? A Thayanara? (pausa) Que está vindo para cá. Voltando para casa a pé... Está? Ela está? Já não sei... Eu não sei. A única coisa que sei é que não é fácil. Não é fácil ver os olhinhos delas pedindo explicação que eu não tenho, mas que elas confiam que eu tenha. E eu não tenho. (pausa) Inferno... Cada vez que o cachorro do vizinho late, meu coração acelera. Eu penso que é ela. Eu penso que ela vai afastar a cortina e vai entrar por ali, sorrindo e fazendo graça... Que o diamante da sua vida sou eu e as nossas filhas... Que... Mas não é. Não é ela. Não é. É só a gata da rua, no cio... E a cortina que levanta, é o vento batendo, me lembrando que eu tenho que colocar é uma porta aí na porta. O primeiro dinheiro que entrar vai ser para isso. Uma 31


porta simples, pode ser, mas com tranca na fechadura. (pausa – para a cadeira) O senhor senta, por favor. Senta que eu lhe sirvo um café... Não. E café cadê? Não tem. Café não tem... Se as garotas comem? Claro que comem. Sou capaz de tirar da minha boca para dar a elas. O senhor está pensando que sou o quê? Não... Assim também não posso falar. Ele vai se ofender. Vai pedir para ver a dispensa. Vai perguntar se estou empregado. E estou? Estou nada. Emprego que aparece é só bico. E deixar as garotas aqui, sem porta... Aqui é perigoso, o senhor sabe. Não. Ele não sabe e não vai nem querer saber. É rapaz estudado, é... Eu para ele sou o que? Povo. Povinho vagabundo e irresponsável. Não. Sou número. Estatística. Ele não vai saber... É assistente social, só isso. Ele não vai saber é de nada. E quem é que sabe? Quem é que conhece a história do outro dentro de casa? Da porta para dentro? Da cortina para dentro? Quem é que conhece as dores? As graças? (Jesus levanta-se – coloca a bateia, que agora funciona como travessa de alimentos, sobre a mesa – reorganiza os pratos e canecas, tudo no mesmo lugar, porém mais alinhados, como se antes estivessem em desordem. Alisa a toalha de mesa com cuidado) Jesus — (fala enquanto realiza as ações) O senhor senta. Fica à vontade. Eu vou dizer com um sorriso. Sorriso sem dentes, que é para também não assustar... Por aqui tudo vai bem. Aos poucos, as coisas se ajeitam. Já passou do tempo em que as garotas diziam que a barriguinha roncava e eu, mal disfarçando a preocupação, falava para elas irem brincar lá fora. Ou então para beber água. E dormir. A vizinha que ensinou... O sono alimenta, sabe? Mas ele vai saber? Sabe de nada. Vai olhar na minha cara e perguntar como foi que cheguei nessa situação... E eu sei? A vida nos leva, já dizia aquele

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cantor... Aquele... Não sei. A vida vai guiando a gente e quando a gente vê, já está aqui, ali... Não sei... É destino. Acho. (pausa) O senhor aceita uma água fresquinha? Água tem. E tutu. Tutu de feijão preto. Eu gosto mais do carioquinha. Mas hoje veio do preto. Aqui no Rio vocês preferem do preto, não é? O senhor aceita? Tem. Tem, porque ainda tem gente boa nesse mundo. Gente solidária. O brasileiro é assim. Solidário. Amigo. Aqui, pelo menos, é. (pausa) Será que conto a ele? Conto porque vergonha é roubar e não poder carregar. Aceita um tutu? Tem porque um professor lá da escola... Aqui é zona de risco, o senhor sabe, não é? Sabe. Deve saber. Claro que sabe. Se não soubesse não estaria aqui fazendo a assistência social... O professor falou que ganha adicional para ensinar aqui. E o senhor? Ganha o quê? Porque ganha. Ganha, sim. (ri) Isso, claro, eu não vou perguntar. Só vou pensar. Eu não sou besta. (Jesus pega a colher e a travessa – senta-se – mexe o tutu) Jesus — O senhor aceita? Prova, porque garanto que nunca comeu um tutu assim... Lisinho, olha. Aprendi com a vizinha. Mineira danada de forte. Ela e o marido. Gente boa, gente amiga. Ela que me ensinou. Você pega o feijão, tempera com um refogado, o que tiver... Cebola, alho... Isso aqui é luxo, mas o feijão da escola até que já vem bem temperadinho. Tem um caldo bom, grosso. Tem sustança. Dá para jogar água e a farinha, aos poucos, e vai mexendo... O professor percebeu que a criançada não tinha o que comer em casa. O senhor acredita que tinha uma, danadinha, que escondia o que dava na roupa. Escondia na calça, embaixo do braço... E aí andava assim, se espremendo. O professor chamou por ela, perguntou, a menina negou. Ele apertou, a pequena contou que em casa tinha irmão pequeno. Que não

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aguentava merendar, sabendo que o caçula só comia farinha... Farinha tinha. Farinha sempre tem. Farinha e água. (pausa) A de mandioca. Eu prefiro... Fica lisinho... Farinha sempre tem. (pausa) Só sei que o professor ficou louco. Fez uma revolução lá dentro. Ele é danado, esse professor... Um baianão dessa altura. Também, ele passou poucas e boas antes de virar professor. Este sabe onde o calo aperta. Foi criado pela avó, a mãe morreu, passou o diabo... E ele fez o quê? Fez o povo todo levar potinho de margarina, sacola, o que tivesse. E na saída ele dava tudo o que sobrava. Tudinho. Ué, sobrava mesmo. Ia tudo para o lixo. Tem gente lá dentro que não gostou. Quiseram proibir, sabe? Tem gente que não tem consciência... Mas o professor é besta? Nada. Baianão dobrado. Só ele. Um só. Que os outros professores faziam vistas grossas. Nem ligavam. A diretoria chamou ele para conversar... Sozinho. Mas ele é besta? É nada... Ele chamou jornal. Fez a maior revolução. Falou que era o exército de um homem só. Só um. Fez um escarcéu. Veio político, veio ong, jornal. Ofereceram um caminhão cheio de comida. Diz que era para ele levar para a terra dele. Ele quis? Não. Ele disse que comida ajuda, mas acaba. Lá tem farinha. Farinha tem, né? Em tudo que é canto... Falou que saco vazio não para em pé. Que tem que ter comida. Tem, claro. Mas que o que ia mudar o mundo, era outra coisa... Esse professor tem fibra. Eu não disse? Não. Melhor não dizer. Isso não vou dizer. Não sei... Cada um, escuta as coisas como quer escutar. Vai saber o que esse assistente vai entender disso tudo... (Jesus para – olha em direção à coxia – escuta) (A luz, aos poucos, vai mudando – anoitecendo) (Na sonoplastia – um forte vento) Jesus — Era o vento. Tem hora que eu chego a sentir o perfume dela. Maluca... Disse que vinha até aqui a

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pé. Que pegava carona no caminho... Faz mais de três meses que não recebo notícias. Nada. Nem o dinheiro das gêmeas, o de todo o mês, ela depositou... Estou estranhando. Com um aperto na garganta, um nó no peito... A vizinha falou que é para eu não perder a esperança. Mais dia, menos dia, ela aponta ali com aquele jeito dela, que parece até que passou um furacão. Aí tudo vai melhorar. Tudo. (pausa) As garotas perguntam. Eu não digo. Desconverso. Digo que ela chega logo. Ela chega. Um dia... Então, não digo nada... Já não sei mais o que dizer. Mando ir brincar lá fora. Mando dormir que o sono alivia. Elas obedecem, são boazinhas. As duas. (pausa - suspira) Eu fico aqui pensando no que é que ia mudar esse mundo. O que o professor falou na televisão... É dinheiro? Não... Dinheiro não traz felicidade. Mas traz comida... A Thayanara é que falava assim... (Jesus volta a levantar – vai em direção à coxia – porta – espia) (Da coxia, entra uma luz trêmula) Jesus — Estão lá as duas! Olha as pernas, dois cambitos correndo... (grita para fora) Mais cinco minutos, hein! Já está ficando escuro. Estou de olho. Vocês entrem, lavem as mãos, que o tutu já está na mesa. (pausa) São boazinhas. Entram, comem e depois, eu não preciso nem mandar, vão fazer a lição. Sozinhas. Puxaram a mãe, são responsáveis. Puxaram em tudo. Menos no gênio, que a mãe delas é um furacão. Um furacão... (ri) Em todos os sentidos... Eu brinco que ela só queria o meu corpinho... Era quando eu via ela sorrir. Só nessa hora. Nessa hora, ela voltava a ser menina. Os olhinhos brilhando... Duas estrelas... Pretinho... Que nem esse feijão. Chegava a sair faísca.

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(É noite – Jesus levanta – acende a luz) Jesus — O senhor chegou em boa hora. Acho que assim é melhor. Em boa hora. Tem tutu, aceita? Ele vai ver que as garotas estão de banho tomado, comendo... Fazendo a lição... A mãe? Viajando. Trabalhando fora... A porta? Consertando... Foi o vento. Comida? Tem todo dia, claro. Tem, sim senhor. Aceita um pouco de água? Quer mais farinha? É de mandioca. Fininha... É casa de pobre, mas sempre cabe mais um. Coração de mãe. Não. Não sei. A vizinha falou para eu não me preocupar. Disse que ninguém tira criança assim da família, do pai... Que isso de assistente social é só porque o professor colocou esse caixa-prego aqui na televisão... Aí eles querem dar pitaco, mostrar serviço... (pausa) O senhor senta... Por que elas andaram gazeando a escola? Eu... Eu conto... A culpa foi minha. Eu tinha medo. Uma garota andou sumindo aí na Maré e eu tinha arranjado um bico... Fiquei com medo de elas voltarem assim, sozinhas, tão pequenas. Aqui tem de tudo. Tiroteio, bala perdida... Não. Não... Já voltaram a ir à escola normalmente. Foi só três. Isso, três meses. Mas já está tudo normal. Tudo. (pausa) Eu sei. Eu sei. É o futuro delas. Eu sei. Eu já saí daquele trabalho. Elas vão à escola. A mãe já já vai chegar. Comida? Tem. Tem todo dia. Água? Claro. Não está vendo? Luz? É gato. A vizinha empresta. Não. Isso não vou falar. Melhor não. A santa da vizinha ainda vai levar a culpa. E gato emprestado é proibido? Não. Não sei... Não mesmo. Trabalho? Tem... Tem bico. Às vezes. Mas fazer o quê? Nada. As garotas precisam ir à escola. É o futuro delas em jogo. E o meu futuro? Não sei. Mas quem é que sabe? Quem? O senhor? Duvido. Não. Isso não digo. Digo assim... Futuro? Quem tem? (Jesus caminha em direção à porta) (Da coxia, entra uma luz trêmula)

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(Jesus para – suspira) (Ele sai por esta abertura) Jesus — (sorriso forçado) O senhor pode entrar... Fique à vontade... Chegou em boa hora. (Na sonoplastia o vento sopra) (A luz cai)

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Cena 4 Thayanara (Música) (Entra Thayanara – Traz uma colher - Ela afasta a maca que fazia as vezes de cama na cena anterior e a derruba em um canto, assim como afasta todo e qualquer elemento cenográfico, deixando o centro do palco livre e o redor com um aspecto de desconstrução) (Ela cava durante toda a cena – Durante a ação, ela encontra 5 pedrinhas sem valor que vai jogando na bateia) Thayanara — (começa a cavar, a colher faz as vezes de pá e a bacia do parto, a bateia) (fala com o retrato do marido e dos filhos, pendurado por um cordão em seu pescoço) Tu não me apoquentas, Jesus. Eu já falei. Eu só saio daqui depois de... Rapaz, o diamante é um valor danado. Um diamantinho do tamanho dum caroço de arroz é um valor danado... E tu achas o quê? Pensas que é de minha vontade ficar aqui nessa vida? Ficar aqui, feito bicho? Nessa vida sem valor? Tu achas? (pausa cava) Não achas... Tu não achas é nada. Tu... Na verdade, eu já nem sei o que é que tu achas. O que pensas. Já nem sei mais quem tu és. Não... Só de uma coisa eu sei. E o que sei, para mim, é lei e pronto. Minha lei. Aqui dentro, mando eu. E se está proibido lá fora, eu vou cavar é aqui mesmo. Na sala. Na minha sala. Na minha casa, mando eu. (pausa) É minha última tentativa. E é aqui. Aqui mesmo, no centro do nosso mundo. É aqui que eu vou encontrar. Tu vais ver... Vai ser igualzinho àquela história da pessoa que corre o mundo atrás da felicidade e depois descobre que a danada estava é ali, o tempo todo, em sua casa, debaixo do seu nariz. Eu sei... Eu sei... Tu dizes...

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Se estivesses aqui, tu dirias... Ia dizer que dinheiro não traz felicidade. Está certo. Não traz. Mas comida, traz. Ah, se traz. Comida e da boa. E felicidade, para mim, é ver minhas filhas comendo todo dia. (pausa) Eu vou te falar, viu... Essa proibição é a coisa mais sem humanidade que já vi na vida. Tu pensas o que? Que as pessoas daqui sabem fazer mais o quê? Nada. Aqui, todo mundo só sabe é garimpar. É batear diamante... E mais o quê? Mais é nada. E agora? O que é que vai ser? (pausa – cava) Preservar a natureza? Concordo. Está é lindo. Está muito é lindo. Mas e o ser humano, Jesus? Quem é que preserva, hein? Só me fala é isso. Quem é que preserva o ser humano? Eu vou cavar aqui... Que esse chão aqui é meu. É nosso. Compramos com o que? Com nosso suor. Com esses calos que racham a nossa mão... Eu vou cavar. Vou. Tu queres motivo? Motivo?! Motivo... Motivo é porque eu não deixei minha família para nada. Não. Mas não mesmo. (fala sem parar de cavar nunca) Era só o que me faltava, criar filha minha comendo vinho de Bacaba com farinha de tapioca a vida toda. Bacaba... Bacaba é bom? É, é bom. Mas todo dia do mesmo não é bom. Mas não mesmo. E tem outra. Bacaba cadê? Acabou foi tudo. Tudo. Não deixaram um pé de árvore no Tepequém. Isso aqui virou sertão. (Thayanara encontra a primeira pedrinha – observa-a – joga dentro da bateia - arranca a foto do marido do pescoço e coloca pendurada na maca virada) Thayanara — Fica aí, Jesus. Fica. Fica porque tu pensas demais. Tu falas com os olhos. Fala dentro de mim. Da minha culpa. E eu queria é saber o que eu tenho para ficar culpada de querer melhorar a vida das minhas filhas, a nossa vida? Isso aí de se acabar tudo é culpa de quem? De quem? Do governo. Dos grandes. Das máquinas. Ou tu pensas que o trabalho de formiguinha

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do homem tem essa força? Tem. Eu sei. Tem. Mas quem acabou com tudo foi a ganância. Ou foi o quê? Essa gente de mão calejada é que não foi. Ah, mas não foi mesmo. (pausa – cava em silêncio) Eu só quero um, Jesus. Umzinho. Um só. (Thayanara para. Suspira. Pega a segunda pedrinha, examina-a – joga na bateia - Observa a cena) Thayanara — Eu vou cavar aqui, no meio da minha sala. Eu quero ver alguém me proibir. Está aqui, olha. (Thayanara saca uma carteira surrada, de dentro, retira um papel dobrado em quatro, amassado e o abre – depois coloca o papel sobre a maca virada, ao lado da corrente com a foto pendurada) Thayanara — Dois por dois. Está aqui. Esse chão é meu. (pausa) E tu não penses que vamos morar em chão batido para sempre... Se tu pensas, trata de dispensar. (para a foto) E tu fiques aí. Pensando... Que de pensar morreu um burro, como dizia a minha madrinha, que Deus a tenha. Eu vou cavar. E eu vou descer é sozinha. Sozinha. (pausa) Está vendo ali? Olha. Viu? Vertendo água... E água só verte onde passa rio. E rio aqui é sinal de riqueza. Tu vais ver... Eu tenho sorte. Nasci para a lua. A madrinha sempre falou. E aqui no Tepequém, o que mais tem é chance para quem veio virado para a lua. Diamante aqui, ainda tem é muito. É só saber batear, ter paciência. E batear é coisa que eu sei. Eu sou tinhosa. Está certo... Sou mesmo. Eu sou uma mula. (A luz vai lentamente mudando, aos poucos, anoitece) (Thayanara cava sem parar – joga uma terceira pedra na bateia) (Música)

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Thayanara — Olha aí... Já está escuro. A noite aqui chega mais cedo que aí, onde tu estás. Minha noite não é mais a sua. A noite aí, de onde tu nunca é que devias de ter saído... Mas saíste. Saíste não foi? Foi. E a gente se encontrou... Eu daqui, tu daí... E a gente ousou ter sonho de sonhar junto. Sonho... Jovem é bicho besta. Sonha que nem bobo... E agora? Agora a única coisa que tu divides comigo são as estrelas da noite. Que uma coisa eu garanto, as daí e as daqui são exatamente as mesmas. Tu olhas uma, é a mesma que olho daqui, ainda que as daí tu não possas ver direito, não é? Não vê. Nossa noite é a mesma, e não é... (pausa) Jovem é besta... (Thayanara para - Procura uma vela – acha – acende – olha para cima) Thayanara — A primeira estrela que eu vejo, realizai meu desejo... É vela. Cortaram a luz. Tu pensas o que? Tem que ter luz para enxergar o brilho da estrela nesse lodaçal. Estrela... Tu lembras? Tu me chamaste de estrela e minhas bochechas lascaram de pegar fogo... Que coisa boba... (pausa) Outro dia, apareceu um moço aí... Moço... Moço é modo de dizer. Ele era é um gringo. Veio de conversa e perguntou se eu era Maria. Falou que tinha dinheiro... Vê lá se sou mulher para ser Maria... Eu faço de tudo, Jesus, prometo. Tudo. Mas Maria não... Não estou criticando. Não. Eu respeito, sou amiga. Cada um sabe a dor de ser o que é. Mas não... Não é para mim, nem com nojo. Não... Eu respeito. Gosto de todo mundo. Maria Bicicleta, a Maria Piçarra... (pausa) E tu pensas? Vou te contar que até as Marias estão em tempo de se acabar por aqui. Sem diamante, quem paga? Os gringos que vêm aqui para ver a beleza da Serra? Beleza, pois sim... Só quem chegou aqui quando nós chegamos é que sabe o que é beleza... As araras vinham aqui, tu lembras? Na porta. Entravam aqui dentro do Tepequém para comer... Coisa mais linda, chega faziam nuvem. Vermelha... Azul... Hoje não tem. 41


Vez em quando uma, outra... Raríssimo. Maria também está virando coisa rara... Maria, vida triste. A Piçarra mandou a filha para a casa da madrinha, no Mato Grosso. Coitada. Pelo menos, lá não passa fome, não vai ter o mesmo destino das outras... Anjinhos. Anjinhos de Maria... No fim das contas, dá tudo no mesmo, Maria, mulher casada... Estamos todas no mesmo barco. Ainda mais agora que Maria virou quase que coisa em extinção por aqui, como é que se coloca comida na mesa? Maria... Coisa rara, feito o diamante... Mas sem valor nenhum. Coitadinha da Menina... (Thayanara volta a cavar – pega a quarta pedra e repete a ação anterior, jogando-a na bateia) Thayanara — Mas vou te falar... O que é meu está guardado, porque o que é do homem, o bicho não come. Nem que seja um de tiro. Nem que seja um... (pausa) Contei para o gringo a história dos garimpeiros do começo... Sei lá se é lenda... Que quando viam diamante pequeno, colocavam na arma para fazer de bala e davam tiro é para cima. Ele riu foi quando eu disse que vou achar um. Um de tiro. (pausa - suspira) Apesar que ele pagou... Tu acreditas? Trouxe Bacaba. Perguntou onde e como que fazia para preparar. Deve ter comprado Bacaba a peso de diamante... Onde que ele achou, não sei... Vê se pode... O que para uns é graça, para outros, é desgraça. Eu cozinhei a Bacaba para ele na água quente, macerei, fiz o vinho... Misturei a farinha de tapioca... Ele queria doce, farinha eu tinha, açúcar não... Ele comeu natural mesmo. Fez careta. Careta de gringo. Não gostou. Mas comeu. Tu achas? Estava brocado. Comeu tudinho. E pagou. Eu não queria... Ele olhou em volta da casa com o olho comprido. Olho de gringo, meio dissimulado... Dissimulado, mas bom de prosa. Queria saber tudo... As lendas de Amajari, da terra

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do Deus Fogo... Contei o que eu sabia. Virei guia turística, pode? Falei dos Macuxi, que sacrificaram três virgens, e o vulcão, em vez de fogo, jorrou diamantes... Ele riu, e pagou. (pausa) Eu falei que era casa de pobre, mas que era limpinha... (ri) Agora não. Agora, está que é uma buraqueira só. Ainda bem que tu não estás aqui para ver... (Pausa) Espera. Olha. (Thayanara vai até a maca - Pega a corrente, beija a foto, pendura no pescoço - Pega a vela e se abaixa, aproximando-se do “buraco”) Thayanara — Espera. Brilhou. Tu viste? Brilhou, homem, eu estou falando... Olha. Olha. Espera... Eu vi. Eu sei o que eu vi. Não foi golpe de vista. Não. Eu sei... Espera. (Thayanara cava com uma colher – exaspera-se) Eu vi. Cadê, Jesus? Cadê que eu já cavei um poço aqui no meio da minha sala e o Senhor não me mostra? Por que O Senhor não mostra, Jesus? Por que que tu não me mostras só uma, Deus? Uma só. (sem parar de cavar com as mãos) Pensar que aqui o chão era é de estrelas. Pensar que o Tepequém foi nosso sonho, nossa vida... Tudo. Uma pedrinha de diamante do tamanho de um caroço é um valor danado. Uma de tiro... (desespera-se – joga fora a colher, cava com as mãos) Por que que tu me fizeste nascer virada para lua e não me mostras, Deus? Por que é que tu não me mostras? Eu não peço nada. Não é para mim. É para as minhas filhas, que criança para crescer precisa comer... Por que que tu me fizeste ser mãe? Tu não és pai? Me mostra! Uma só. Uma... (Thayanara se cansa aos poucos – Vai se calando – Cavando em silêncio) Thayanara — Uma só... Uma...

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(A luz volta a mudar – amanhece lentamente) (Lentamente, também, o tom de Thayanara vai mudando) Thayanara — Uma só... Uma que já nem mais sala eu tenho... Que eu não tenho é mais é nada. Nunca tive. Só Jesus. Só ele. E nem sei mais... Nem sei mais se sou estrela... A dele. (pausa) E as nossas filhas... Por que é que tu não me levaste à força, homem? Por que é que tu tinhas que ter nascido tão mané? Por que é que tu me deste duas filhas, peste? Eu não queria... Eu nunca quis. Eu falei, vamos em uma índia que já bastam duas bocas aqui para passar fome. Mas boca adulta se vira. A gente ia voltar. Ia embora. Tu não quiseste. Tu querias um filho? Veio duas. Por que é que eu tinha que ser tão tinhosa? Uma mula. Uma... Uma só. Mas tu és mais. Tu és infinitamente mais mula. Tu me sais e me voltas com papel, dizendo que colocou o nome nas gêmeas de Maria... As duas. Das Dores e Da Graça. Tu... Tu és bisonho. Carimbaste sina na testa delas. Ao menos, por aqui ... E elas são de onde? São daqui. Daqui. Eu não sei mais nada. Eu não sei mais quem é que tu és... (arranca a corrente do pescoço) Maria... Que Maria aqui, tu queres saber? Maria aqui, é o que eu vou ser se o gringo aparecer naquela porta com aquela cara de azedo. E eu só quero é ver, quem é que vai ter a coragem de falar um isso de mim. Que eu vou ser é a Maria Estrela. E tu? Tu vais ser o quê? Tu vais é ser o Jesus da Estrela, que é Maria... Pode até ser... Mas que é ela que paga a tua comida. E a das gêmeas. As duas. As tuas. Que elas são Maria... São... Mas que Maria, Maria mesmo, elas jamais vão precisar de ser. (Thayanara larga a colher – a bateia – caminha até o pano que Nona deixou jogado no chão do palco e com ele limpa o suor)

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Thayanara — (para si) Diacho. Eu vou ser é nada nesse buraco... (Thayanara levanta a maca. Estira o pano sobre ela. Puxa a cadeira. Coloca-a de pé. Senta-se. Recoloca a corrente no pescoço. Apoia as mãos na mesa e a cabeça nela.) Thayanara — Diacho... Eu vou... Nem que eu tenha que criar peixe aqui, igual estão fazendo lá fora. Alguns... Aqui tudo cria. E vai ser nesse buraco. Eu juro... Eu vou... Maria é que minhas Marias nunca nessa vida é que vão ser. (Joga com força a última e quinta pedra na bateia) (A luz cai suavemente)

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Cena 5 Tauan (Música) (A luz retorna – É noite – chove muito) (Tauan está parado ao lado da mesa da cena anterior. Ele pega o pano-boneca. Retira as cadeiras da janela, joga-as em um canto. Arrasta a mesa para o lado oposto) (Tauan, então, organiza os objetos de cena e os enrola com o pano, fazendo lembrar uma mortalha envolvendo um corpo). (A estrutura montada com a mesa e a mortalha, fica em segundo plano, com luz tênue, iluminando-a durante toda a cena em um crescente). (Em foco fechado, ele puxa uma das cadeiras – retira um pedaço de papel do bolso – caneta, e, no colo, começa a escrever uma carta – em seguida, amassa o papel e o joga no chão, repetindo o gesto por algumas vezes – retira o papel – escreve – amassa – joga – retira – amassa – joga, até formar um montinho de papéis amassados) (Recomeça a escrever). Tauan — Querida Voinha... Oxe... Não. (amassa o papel, joga no chão – recomeça mais uma vez) Querida Dona Ignácia, escrevo porque... Porque... Por que, meu Deus? Por quê? (Tauan volta a amassar o papel – joga no chão recomeça) (Enquanto fala, Tauan ri muito)

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Tauan — Querida Dona Ignácia, escrevo porque estou voltando. Voltando para casa, para minha cidade, para os meus. Voltando para a casa de minha avó, de quem tanta saudade eu sinto. E de quem tenho estado tão longe. Voltando para o lugar de onde já estive distante por tempo demais... Demais... (ri) (Tauan repete a cena - amassa o papel – joga no chão – recomeça ainda mais uma vez) Tauan — Querida Dona Inácia. Aqui é o Tauan, filho da falecida Dona Santa, neto de Dona Adélia, primo de... Não sei se a senhora se recordará de mim. Mudei muito. Mudei tanto... Já nem sei se mesmo eu me reconheço. O tempo passou e... Consegui seu endereço através de um amigo que... Oxe... O mundo é mesmo pequeno... Oxe... (ri) Que porcaria... Que porcaria... (Tauan volta a amassar o papel – joga no chão – se levanta – anda de um lado para o outro. Desta vez, porém, abaixa-se e apanha uma das folhas já amassadas) Tauan — (Desamassando a folha – lê) Cresci. Mudei... (ri) Cresci, mudei, ganhei o mundo e aprendi. Aprendi tudo aquilo que queria aprender... E o que não... (ri) A vida não é fácil, minha tia, eu sei, eu vi. E não é só por aí que, o que se planta, muitas vezes seca antes mesmo de sair da semente... Não é só por aí. (pausa) Se aqui também tem seca? (ri) Não. Seca não tem. Aqui tem é chuva. Tem é muita... Muita... (Tauan afasta o papel de si) (Agora, embora fale como quem lê, ele trava um diálogo imaginário com sua interlocutora, consigo mesmo)

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Tauan — Tomei a liberdade de escrever para a senhora devido à condição de minha avó. O amigo que encontrei por aqui, o mundo é mesmo pequeno, me contou o quanto ela anda adoentada... (ri) E, Voinha, a senhora sabe, além de ter a vista ruim, mal conhece as letras para escrever o próprio nome... (pausa) Com alguma dificuldade consegui envelope, caneta, papel... E luz. Aqui, eu não tinha eletricidade, mas com ajuda dele mesmo, aquele amigo de quem acabo de falar, agora estou bem. (ri) Estou melhor. Estou por cima da carneseca. Ele me empresta uma extensão e, uma lâmpada na ponta ilumina minhas necessidades. O problema é que a lâmpada apaga sempre que ele, o amigo, que é rico, marajá, mas é gente boa, é patrão, resolve trazer para casa uma moça da limpeza. Aí, a vida complica, porque ela, a moça da limpeza, desliga a tomada e esquece de religar... (para si) Esquece... Acho que esquece. (ri) Sei lá... (voltando à carta) Aqui, minha tia, ao contrário do que acontece por aí, não conto com um gerador para iluminar minha casa. (para si) Casa... (voltando à carta) Por aí tem, não é? Gerador? Tem... (ri) Estou sabendo... Me contaram... Agora este Sertão aí está ajeitado. Agora tem orelhão para telefonar. Tem só um, mas tem. E tem luz elétrica, não é? Das seis às dez da noite. Oxe... E às dez desliga tudo, não é? É, eu sei. (ri) Porcaria... (Tauan volta a amassar o papel – joga no chão – aleatoriamente escolhe outro que desamassa e lê) Tauan — Depois, desliga tudo... Não mudou nada no Sertão depois que eu parti, não é? Nada. Mas quer saber? Por aqui também não. Nada muda. Nunca. Por aqui também é sempre a mesma coisa. Sempre a mesma desgraceira... (ri) Se por aí seca, aqui inunda. É assim. Quem pode, pode, quem não pode, se sacode... Nada muda, aqui, aí, lá, acolá... (pausa) Quem mudou, quer

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saber? Depois de tudo? Quem mudou, eu acho que fui eu... (Tauan escolhe outro papel no chão - desamassa - lê) Tauan — Querida Dona Ignácia, escrevo porque estou voltando e gostaria imensamente de lhe pedir um favor... Queria saber de Voinha, se está bem, se melhor, se a doença que tem é grave, se não, se é coisa da idade, se da sina de todos nós, se... Diga a ela, minha tia, que estou chegando, que me preocupo, que não sumi... Diga que agora sou professor. (ri) Que ensino aos meninos, que ensino a ler, a escrever, que estou voltando, que para Salvador. Que vou de avião, que eu vou todo delideli. Que sou amigo do rei, do rei da cocada preta, e ele vai me ajudar e, depois... Depois não sei. Depois dou meu jeito. Eu sempre dou. Eu sempre dei, não foi? (ri) Oxe... Eu sempre dei... (pausa) A senhora diga a ela para colocar mais água no feijão. Diga que eu demorei, por que eu tinha um sonho. Sonho em que eu voltava para casa de caminhão. A senhora acredita? A senhora está me entendendo? Eu voltava para casa de caminhão e eu levava para ela o resultado de tudo o que fiz. O resultado de meu sonho, da esperança que eu tinha em menino quando sai daí... (ri) (pausa) A senhora se lembra? Pergunte a Voinha, pois garanto que ela lembra. Eu era menino abusado, eu reclamava de tudo, do banho gelado mesmo naquele calor danado. Eu era abusado, dizia que ia ser grande, que queria luxo... (ri) Luxo. Eu dizia assim, luxo, mas era só para mangar com ela. Eu queria é nada... (pausa) (ri) Eu queria é tudo! Queria ser professor. Queria não... Eu fui. Eu sou... Sou professor e vou até aí é de caminhão. (Tauan anda de um lado para o outro, chuta um papel aqui, outro ali) (Apanha mais um – estica bem

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esticadinho – pega a caneta – volta a escrever) Tauan — Dona Inácia, como está minha avó? Será que tem febre? Será que tem dor? Será que a idade é que pesa? Será que a saudade? Será que a vida? Diga a ela, minha tia, que eu sonhei... Sonhei que comia capitão no colo dela, igualzinho a quando criança. (ri) Eu comia capitão e ela me olhava e dizia que capitão não é mais para mim, porque é comida de pobre. E é nada... É não... Capitão é comida de amor. Oxe... E lá existe isso de comida de pobre, comida de rico? Tem nada. Comida é comida. E só. Não foi com isso que a senhora me criou?, eu dizia. Não foi com isso? Oxe... Não sei. Era sonho... Vai ver foi pesadelo, porque o meu amigo, sabe? O que me empresta a luz, ele também me dá comida. Me traz o que sobra da janta dele... Quando sobra, claro. (ri) E eu como. Eu como. Mas como é com nó na garganta. Como é com vergonha de sonhar com feijão miúdo, com feijão de corda e farinha... Quando eu penso naquelas crianças que só a farinha é o que têm na mesa... Tem farinha, e só. Farinha têm. Farinha sempre tem... (ri) Porcaria... (Mais uma vez, Tauan repete seu ritual com o papel) Tauan — Querida tia Ignácia, eu agradeço, sabe... Não a Deus, que Deus é meio esquisito... Mas ao patrão, que me traz água, as vezes até um doce. E eu como. (ri) Como com culpa, mas como, que saco vazio não para em pé, então, eu engulo é tudo... Eu sei, eu sei... Eu mesmo me criei foi comendo isso, não foi? Foi. Era farinha, com água e caldinho de feijão que era para render mais. E era bom. O pior é que era bom... Era bom... (pausa) Estou nostálgico, amalucando, não sei... Deve ser essa vida, na rua. A saudade. Saudade de minha avó, de mim mesmo feito gente, que agora estou feito é bicho... (pausa) E a saudade, a senhora sabe, tem caminhos misteriosos... A

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senhora fala para ela, por favor... Eu falava assim... (ri) Eu fazia roda de menino com potinho na mão, e enquanto a merendeira distribuía as sobras... Porque sobrava. Sobrava muito. E enquanto ela distribuía o que ia para o lixo, eu contava do capitão. Da saudade... Contava historinha da minha infância... Era uma pobreza de fazer dó, não era? Eu me igualava a eles e eles ficavam todos contentes. (ri) Sabiam que não estavam sós, que tinham espelho, exemplo... (desdenhando de si) Grande exemplo... (ri) Eu contava que a gente comia o mata fome para enganar a dita. A fome... Mas que era gostoso, viu? Capitão... Bolinho de farinha com feijão... Eu mostrava para eles como eu comia com as mãos. (ri) Contava que o tempero era de quê? De amor, eu dizia. E a meninada ria de dar gosto. O tempero da comida de minha infância era de amor. (ri) (pausa) Minha tia, cuide de minha avó... Cuide que logo eu estou saindo é para o aeroporto. (Tauan recolhe todos os papéis do chão – desdobra-os e junta em um só volume) Tauan — Querida Voinha, pedi a Dona Ignácia que leia esta carta para senhora, porque sei que a vista é fraca, que a luz é pouca, e a saudade é muita. (ri) Queria fazer surpresa, mas resolvi contar logo que estou voltando. Volto para casa com um caminhão carregadinho de sonho... (ri) O bicho tá bonito, todo enfeitado. Só falta mesmo é abastecer, mas, estou cuidando disso. (ri) Cuido disso e agradeço à minha tia por cuidar da senhora... Eu agradeço todos os dias. Eu tenho um amigo, já lhe contei? É o rei da cocada daqui, é o marajá, mas está me ajudando porque é bom de coração, porque parece criança... Me dá comida, me deu até uma barraca, acredita. A chuva anda forte demais. Convidei para ir comigo... Ele disse que vai pensar. Vai pensar, já

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imaginou? (ri) Um marajá no Sertão? Falei para fazer a mala, para levar capote, que em Carnaíba do Sertão, de noite, faz um frio é da moléstia... Faz. Claro. Ele riu. (ri) Riu sim, fez igual à meninada lá da escola. (ri) Uma porcaria... (Tauan escolhe uma das folhas do volume e rasga) Tauan — Hoje não tem luz. Não sei, meu amigo saiu, viajou... Hoje à noite é só a luz da lua e das estrelas. Luz de vela, sei lá. Tinha mãe de menino lá da escola que cozinhava com um lampião, imagina... Isso é um abuso. Uma pouca vergonha. A gente pensa que é só por aí que tem privação. É nada. Isso de não se ter nada é em tudo que é canto. É aí, aqui, lá, acolá... No Brasil, é em tudo... (ri) Mas, amanhã, eu saio daqui... Chego por aí, estaciono o caminhão na praça e a senhora vai ver, vai ser uma festa só. Vai ser uma miragem chegando no Sertão. Vai ser menino que nunca viu isso correndo louco atrás do caminhão... Eu estou chegando. (ri) Estou chegando e estou levando sonho para todos eles. É surpresa. Caminhão de surpresa... (ri) Vou levar um caminhão de presentes, todo iluminado, se abrindo com controle remoto e tudo... Eles vão pensar o quê, Voinha? Vão pensar que Papai Noel lembrou deles, que é disco voador chegando no Sertão. (ri) Está certo. (ri) Sou louco. O patrão aqui, o marajá, ele fala que sou. Vai ver, sou. Vai ver, endoideci. Mas se sou, não sei se sou, é louco é de amor, é por minha gente. (ri) Eu quero dar a esses meninos tudo o que eu nunca tive... Tudo o que eu não pude dar aqui, na escola de onde me enxotaram. Me enxotaram, vê se pode. Professor Amâncio, que revolucionou a merenda na escola, enxotado. E as crianças ficam como? Na miséria. Ficam na penúria. Porque a miséria daqui é a mesma. E dói. (ri) Quer saber? Acho que, aqui, a miséria dói bem mais doído. Dói, porque

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aqui eles morrem de sede é em frente ao mar. Eles têm acesso a tudo. Acesso a ver... Ver sem tocar. Eles veem de tudo. Ver e só. (ri) Uma bosta... (Tauan rasga mais uma folha) Tauan —Tinha menina lá que não tinha nada... Nem calçado, nem porta na casa tinha, pode? O pai desempregado, a mãe desaparecida. Andarilha... E o que eu fazia? (ri) O que eu podia fazer? Eu fiz aquela confusão do feijão, aquela briga com a escola porque comida não é para jogar no lixo... Então, eu dava tudo o que sobrava. Escondido, mas dava. E sonho. Eu dava sonho... E o que é que se dá para essa meninada sem futuro, minha avó? Eu dava sonho, esperança... Contava história... Dizia que a mãe era uma estrela, que estava encantada, que estava olhando por ela onde quer que estivesse. No céu, na terra, na estrada... Sonho. Só isso é o que eu podia dar. (pausa) (ri) Mas, olha, chega de enrolação que a viagem é longa e eu, aqui, estou é varado de tanta fome. Não vejo a hora de chegar em casa e cair de boca no capitão. (ri) E eu caio é nada... Eu sinto é culpa. Acho que nunca mais na minha vida vou comer sem culpa. (pausa) E nunca mais vou viver sem saudade... Saudade tem cheiro e tem cor. Acho até que, para falar a verdade, ela colore o mundo, as memórias, com cores melhores e mais bonitas. (ri) Estou... Estou nostálgico e não vejo a hora de dar um cheiro na minha velhinha. Pedir a sua benção, porque a senhora, para mim, vale mais que diamante. (ri) Bosta de vida... (Tauan rasga mais uma folha) Tauan — Querida avó, precisei esperar mais um dia antes de partir. O marajá viajou mesmo e a escuridão aqui está dando nó até nas tripas. O vento quase levou minha

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barraca, ou quem sabe foi a polícia... (ri) Estou aqui, liso, leso e louco... (ri) Mas eu dou meu jeito... Eu sempre dou. (ri) E tem mais, escola é o que não falta nesse país, precisando de um bom professor. Deixa eu chegar por aí, tomar meu banho frio e passar colônia no cangote, para ver se não dou meu jeito... Eu dou. (ri) (pausa) Eu? Louco? Loucura é não fazer nada. Loucura é ficar de braços cruzados, vendo criança passar fome, com medo de ser processado pelos pais. E lá quem não tem o que comer vai processar alguém? Isso sim é coisa de louco... É coisa de bicho. (ri) Loucura... Loucura é ver menino morrendo de parto porque não tem vaga em hospital. E Nossa Senhora... (ri) Nossa Senhora é que faz os partos por lá... Faz de tudo. Benze, dá remédio... Nossa Senhora. Mas não a santa, uma moradora mesmo. (ri) Uma Nossa Senhora fajuta que vive naquele fim de vida há anos... Santa mesmo não é... Que santa, lá, quem é que é? (ri) Coisa de bicho. Uma bosta sem fim... (Tauan risca um fósforo, dois, três, tenta montar uma pequena fogueira com as folhas, mas não consegue, todos os fósforos se apagam) Tauan — Porcaria... Porcaria de vida, de chuva, de... (ri) Está tudo molhado, minha avó. (ri) Entra água na barraca. Mas eu não reclamo. A senhora me chamava de príncipe, lembra? A senhora me chamava de príncipe, mas eu vou virar é sapo. (ri) (pausa) Mas não se preocupe, viu? Olhe, amanhã eu chego de caminhão no meio é da praça. Eu estaciono, e aí eu ligo o som... Aí é só chamar a meninada toda para a festa. Festa de presente, festa de sonho, de doce e de capitão. Claro, de capitão. Festa boa que se preze, tem que ter é muito capitão. (ri) Porcaria... (Pausa – a escuridão é imensa – a chuva não para)

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Tauan — Querida Dona Ignácia, como é que está minha avó? Chego aí em poucas horas. É longe... É chão. Mas o farol do caminhão ilumina tudo e quando eu aparecer assim, na madrugada, vão pensar que é disco voador chegando no Sertão. (ri) Não... Não chego... Eu chego quietinho. Entro, pé ante pé, e durmo na rede. (ri) A senhora se arrume bem bonita, viu? Coloque o vestido de flor, aquele da foto. Coloque. Porque amanhã vai ser dia de festa. Depois, vamos lá, eu mais a senhora falar com o Prefeito. Quero ver ele começar com negócio de historinha. Ele não é nem besta... Já me conhece. Garanto que me viu na televisão. (ri) Está certo que a câmera pegou bem na hora que rasguei meu diploma e comi. (ri) Eu comi o papel. (ri) Porcaria. (ri) Bem na hora que lasquei uma tapa na cara do diretor. (ri) Mas ele mereceu... Justa causa, ele falou, (ri) Justa causa... (ri) Causa justa foi é o que fiz. Ele, lá, é um lixo. (ri) Lixo... (Tauan volta a tentar atiçar a fogueira) (Olha ao redor – procura por algo) Tauan — Não voltou. O marajá não voltou. Deve estar é na outra casa dele. A gente rica daqui é assim. Tem várias casas para morar. (ri) Várias casas... E o mundo nem é tão pequeno... (ri) Várias casas... E eu aqui não tenho é nem uma, não é? Mas também não quero. Por que o que é do homem, o bicho não come e eu vou mesmo é voltar. Voltar por cima, a senhora vai ver. Na hora em que a música tocar e o caminhão abrir, vai aparecer o prefeito todo deli-deli se exibindo na praça. Aquilo ali é o maior arroz de festa. Eu sei. Eu sei... E eu tenho medo? Tenho nada. Não viu o circo que armei no Rio de Janeiro? Se ele é o rei da cocada, eu WWW.CENTROCULTURAL.SP.GOV.BR sou o príncipe é do coco... (ri) Oxe. Está bem. Só estou R. Vergueiro, 1000 / CEP 01504-000 mangando. Estou só mangando, não se preocupe.... (ri) Paraíso / São Paulo SP / Metrô Vergueiro Porcaria 11 3397 4002(ri) Eu sei que por essas bandas a música toca ccsp@prefeitura.sp.gov.br

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é diferente. Mas olhe, onde eu trabalhava é quase o mesmo... É tudo o mesmo nesse Brasil. Tudo. (ri) Porcaria... (Tauan remexe em suas coisas, encontra um último papel amassado em um canto – desamassa) Tauan — Querida Dona Inácia... Diga a minha avó que está tudo bem. Claro que está. Sempre está. Para tudo na vida tem jeito... Para tudo. Menos para a morte. (ri) Mas por aqui, não tem ninguém morrendo, não é? Tem, claro que tem, que para morrer basta viver, como dizem. Mas agora, agora mesmo não tem ninguém... (ri) Ela está bem? Está levantando da cama? Será que com dor? Será que ainda lembra de todos? De mim? Será? Será que chamou por mim? Que lembra meu nome? Ela está fraquinha? Será que piorou? O que ela tem, Dona Inácia? Olhe, quando chegar, vamos ao hospital. (pausa) Vamos. De caminhão. É longe, mas a gente vai... (pausa) Vamos. (ri) Oxe. Fala para ela, Dona Inágcia, não esquece. Fala para ela que estou chegando de caminhão. E que o tesouro que vou levar, eu acredito, cura é tudo. (ri) E a senhora sabe por quê? Porque amanhã é que o mundo começa a mudar. Um pouco. Ou muito. Mas começa. Tudo vai depender do sonho e da vontade de cada um. (ri) (pausa) Não é fácil. Eu sei que não... Eu? Eu só estou levando a semente... Eu vou ser o agricultor do amor. (pausa) (ri) Eu levo as sementes, os diamantes... E quero ver se o mundo não vai mudar. Ah, vai. Oxe. Ah, se vai... (ri) Eu falei tudo isso para o marajá. Que sou professor, eu contei os segredos para ele. Que fui excomungado de lá. Expulso, feito bicho, feito sapo. Foi justa causa, eu contei. (ri) Ele riu... Ele ri... (ri) Ele pensa que sou louco. Ele pensa. (ri) Que não falo coisa com coisa. Mas ele vai ver. A senhora vai. E minha avó... (ri) Como ela está? Vou mandar Nossa Senhora aí para curar ela, visse? Oxe. É minha chegada, minha amiga... (ri) Porcaria de

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vida... (ri) Para ela, eu contei o segredo. O presente que estou levando no caminhão de luz. Quer saber? (ri) Não conto... (ri) Bosta... (Tauan dobra o papel com cuidado – guarda no bolso) (A chuva dá uma trégua) Tauan — Parou... Até a chuva parou para saber do mistério que vai mudar o mundo... É curiosa. Mas para a senhora eu conto. Quer saber? Conto. Conto, porque amanhã, quando eu chegar... Oxe... O segredo já não vai mais ser tão secreto, não é? Não vai... Quer saber? (sussurra) O segredo que estou levando são os livros. Livros! Os livros serão a semente e os meninos a terra. E eu, o professor agricultor, já pensou? Eles queriam me dar comida. Não quis. Eu quis livro. Por justa causa! A comida, que eles deem para os meninos de lá. E dão? Dão é nada... Eu vou levar um caminhão de livros do jeitinho que eu sonhei. (ri) Quando eu era menino, lembra? Minha avó dizia que seu neto seria professor. Que eu ia conhecer as coisas, mudar o mundo... Ela sonhou, me cuidou, me alimentou... Com bolinho de farinha, não foi? (ri) E com suor. Muito. Suor de sua lida, não é assim que se diz? E a minha tia vai ser importante, visse? Vai ser a guardiã da biblioteca. Depois minha avó ajuda, quando ela se curar. Quando acordar desse sonho sem fim em que vive agora... Está fraquinha... (pausa) Estou indo, viu? Chego logo, eu prometo. Eu chego e vamos ao hospital. De caminhão... Que outro jeito? Não tem (ri) Porcaria de vida... (Música) (Tauan se recolhe embaixo da mesa onde está a mortalha como se fosse sua barraca) Tauan — Eu não demoro, viu? Eu não demoro. Minha avó

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vai se curar. No hospital tem recursos... É longe, mas ela é forte... Ela é... É a mulher mais forte que conheço. A senhora diz a ela? Diz? Diga que eu a amo... Diga que ela é a mulher que conheço, que mais entende da matéria de que somos feitos. Ela me ensinou tudo. Tudo. Oxe (ri) De que é que somos feitos? De esperança, minha tia... De esperança, de amor... De sonho. De suor. E de quê? De farinha, minha tia... Somos todos feitos é de farinha. (ri) Me espere, visse. (ri) (sussurra) Bosta de vida... (Música) (A luz sobre a mortalha está no auge) (No lado oposto da cena, a luz sobre Tauan cai aos poucos, enquanto ele retira um punhado de farinha de dentro da jarra e deixa escorrer, em metáfora às cinzas de um morto) (A luz cai aos poucos.) (Escuro)

Fim São Paulo, 2018.

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GLOSSÁRIO

Região Sul - Santa Catarina 1 – Ponhar - corruptela da conjugação do verbo por, muito falado no Paraná e em algumas regiões de Santa Catarina. 2 – Entendesse - corruptela de conjugação dos pretéritos, muito utilizado em Santa Catarina, especialmente na região litorânea. 3 – Tchozinho – menino. 4 – Jaguara – que não serve para nada, de pouco valor. 5 – Sole – corruptela para Sol, provável origem italiana. Região Norte - Roraima 1 – Vinho de bacaba – caldo da fruta bacaba, similar ao açaí. 2 – Diamante de tiro – lenda local que diz que os antigos garimpeiros, ao encontrar pedra, na época considerada pequena, colocavam dentro de um revólver e davam tiro para cima. 3 - Tu – conjugado na segunda pessoa. Embora o uso da segunda pessoa do singular em sua conjugação “na norma culta” varie imensamente no país, em algumas localidades do Norte ainda se pode perceber o uso coloquial de ambas as formas. “Queres água?” ou “Tu quer água?” pode ser ouvido sobretudo em Belém do Pará, e, em Rio Branco no Acre. Fonte pesquisada - Variações do “Tu” e “Você” nas capitais do Norte - Dissertação de Lairson da Cota – Universidade Federal do Pará

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Sudeste - Rio de Janeiro 1 - Sustança – força. 2 – Cambitos – pernas finas. 3 – Caixa-prego – lugar distante. Centro-Oeste - Mato Grosso do Sul 1 - Não se fie em tambeiro mansinho – Não confie em quem está quieto. 2 – Xexar – roubar. 3 – Vote – expressão similar ao Oxe da Bahia ou ao Tchê do gaúcho, também usado como proteção. “Vote, em mim, olho grande não pega”. 4 - Parar de mula – para de fazer bagunça. 5 – Cumacanga (embora figure na cena do Centrooeste, o vocábulo pertence à região Norte) (lenda folclórica do Norte do país que diz que a sétima filha de uma família só de meninas é encantada, transformandose em uma versão feminina do Lobisomem – em noite de lua cheia). Nordeste - Bahia 1 – Oxe – similar à utilização do tchê gaúcho. 2 – Capitão – bolinho de farinha e feijão que se come com as mãos, também conhecido como mata fome. 3 – Capote – casaco. 4 - Negócio de historinha – mentira. 5 - Deli-deli – exibido. 6 – Por cima da carne-seca – Bem de vida, poderoso.

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Do que fica Os invisíveis estão entre nós – o tempo todo – mas, não os enxergamos ou ouvimos seus pedidos de socorro. Ou não queremos. São histórias humanas perdidas - para sempre - para a miséria, para o abandono, para a fome. Quem tem Fome tem pressa, seja de comida, seja de amor... De Esperança, Suor e Farinha traz à cena a história de cinco personagens que abrem suas almas e nos mostram seus medos e angústias, suas fragilidades, sua humanidade. No fim deste processo não existe catarse, não existe salvação. E assim seguimos, esperando... Amauri Ernani Diretor, ator e produtor

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De Esperança, Suor e Farinha é um debruçar sobre a memória sem distanciar-se do universo repleto de riquezas singelas que existem nos longínquos rincões do nosso país. O espectador (e o leitor), por certo, irá acompanhar e se identificar com as imagens, a linguagem viva destituída de artifícios acadêmicos, mas, com emoções das palavras simples. Cada história é uma parada súbita para a reflexão sobre a vida real e mantém a admirável unidade da obra, com o lirismo e a poética espontânea de Paula Giannini.

Francisco. E. Kokocht Dramaturgo, figurinista e cenógrafo DE ESPERANÇA, SUOR E FARINHA Em cartaz no CCSP de 12 de julho a 11 de agosto na Sala Jardel Filho

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DE ESPERANÇA, SUOR E FARINHA Em cartaz no CCSP de 12 de julho a 11 de agosto na Sala Jardel Filho Dramaturgia Paula Giannini Direção Amauri Ernani Elenco Paula Giannini e Amauri Ernani Iluminação Beto Bruel Concepção Cênica e Figurinos Francisco Kokocht Concepção Sonora e música original Sérvulo Augusto Sonoplastia Amauri Ernani Apoio técnico e afetivo Andreza Crocetti, Marcelo Azim, Maradona, Gilda Vandenbrande, Olívia Nascimento, Thiery Maciel. Produção Palco Cia. de Teatro Assessoria de Imprensa Nossa Senhora da Pauta Realização Centro Cultural São Paulo Foto contracapa: Arô Ribeiro Contato da autora palcoproducoes@hotmail.com

Prefeito de São Paulo Bruno Covas Secretário de Cultura Alê Youssef Centro Cultural São Paulo Diretora Geral Erika Palomino Diretor Adjunto Jurandy Valença Secretária Veruska Matos Curadorias Supervisor Rodolfo Beltrão Artes Visuais Maria Adelaide Pontes Cinema Célio Franceschet e Carlos Gabriel Pergoraro Dança Sônia Sobral Literatura Hélio Menezes Moda Karlla Girotto Música Alexandre Matias Performance Maurício Ianês Teatro Adulto Kil Abreu Teatro Infantojuvenil Lizette Negreiros Supervisão de Ação Cultural Adriane Bertini Supervisão de Acervo Eduardo Navarro Supervisão de Bibliotecas Cida Reis Supervisão de Informação Fábio Polido Supervisão de Produção Luciana Mantovani

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Articulação Cultural Jaergenton Corrêa Núcleo de Gestão Francis Vieira Soares Núcleo de Projetos Kelly Santiago e Walter Siqueira Assessoria de Imprensa do CCSP Neriê Bento imprensacentrocultural@gmail.com Curadoria de Teatro do CCSP Kil Abreu Assistente de curadoria Urion Braga Comunicação Fábio Polido Projeto gráfico e capa Solange de Azevedo Impressão Laboratório Gráfico do CCSP Prefixo Editorial: 99954 Número ISBN: 978-85-99954-24-9 Título: 5ª Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP: de esperança, suor e farinha Tipo de Suporte: Papel distribuição: gratuita no CCSP tiragem: 1200

realização

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WWW.CENTROCULTURAL.SP.GOV.BR R. Vergueiro, 1000 / CEP 01504-000 Paraíso / São Paulo SP 11 3397 4002 ccsp@prefeitura.sp.gov.br

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