Cenas de “Wood & Stock - Rock, Orégano e Rock’n’Roll”
“Wood & Stock
Fotos: Divulgação
Sexo, Orégano e Rock’n’Roll” Primeiro desenho animado no Brasil a receber classificação para maiores de 18 anos do Ministério da Justiça
O espião Meiaoito na animação de Otto Guerra
Chiqueiro Elétrico ensaia na casa de Wood
Por Neusa Barbosa,
do
Cineweb
SÃO PAULO (Reuters) - Os divertidos personagens do cartunista paulistano Angeli ganham vida nova no longa de animação “Wood & Stock -- Sexo, Orégano e Rock’n’Roll”, que é, quem diria, dirigido por um gaúcho, Otto Guerra. O
filme estréia nesta quinta-feira, em 15 cópias em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Antes mesmo de estrear nos cinemas, “Wood & Stock” já entrou para a história: tornouse o primeiro desenho animado no Brasil a receber classificação para maiores de 18 anos do Ministério da Justiça, no começo deste ano, por supostamente fazer “apologia às drogas”. No desenho, Wood, Stock e seus amigos fumam maconha, que é chamada de “orégano”. O próprio diretor, Otto Guerra, pediu redução da censura do filme para 16 anos. O pedido foi atendido, possibilitando ao desenho alcançar um público maior. Além de escapar da
Naninco e Meiaoito em “Wood & Stock”
censura de 18 anos, Otto Guerra também teve sua adaptação aprovada por Angeli, que acompanhou a primeira exibição do desenho no Cine PE -- Festival do Audiovisual, em Recife, em abril, onde o filme recebeu três prêmios: Prêmio Especial do Júri, melhor trilha sonora e melhor
O garoto careta Overall, Stock e Wood tentam almoçar uma gororoba viva
A banda Chiqueiro Elétrico vai ao bar depois da apresentação
A esotérica Lady Jane (esq.) lê mapa astral com amiga
atriz coadjuvante para Rita Lee, que dubla a voz da personagem Rê Bordosa. Angeli, aliás, deu total liberdade para que Otto recriasse seus quadri-
nhos à sua própria maneira, limitando-se a algumas colaborações no roteiro, assinado por Rodrigo John. Esse encontro dos talentos de dois cinquentões, Otto Guerra e Angeli -- que nasceram ambos em 1956 --, envolveu bem mais do que atravessar as divisas e conciliar os sotaques entre os dois estados (um esforço que também foi
necessário, já que quase todas as vozes dos dubladores do desenho são de gaúchos). A adaptação dos quadrinhos ao cinema levou
nada menos do que 11 anos, por problemas diversos, de falta de verbas à proibição do uso de canções dos Mutantes por parte de um deles, Sérgio Dias. Dias teria pedido um pagamento de 100 mil reais pelo uso de algumas canções -- uma despesa inviável para uma produção de orçamento restrito a 1 milhão de reais. “Para se ter uma idéia, a finalização do desenho custou menos do que ele pediu pelas músicas”, compara o diretor, em entrevista à Muito Mais. Correndo o risco de inviabilizar o filme, Otto conseguiu a cooperação dos outros dois ex-Mutantes, Arnaldo Baptista e Rita Lee, que cederam o uso de algumas de suas canções -- caso de “Eu Vou Me Salvar” e “Hulla-Hulla”, da autoria de Rita e Elcio Decário. Além disso, foram convidados para completar a trilha alguns grupos de rock do sul, como Júpiter Maçã. Tanto trabalho se explica até a trama de “Wood & Stock”, que tem tudo a ver com música, como não poderia deixar de ser. Os dois ex-hippies do título continuam fiéis ao ideal da paz e amor dos anos 1970. Mas agora, no princípio do século 21, eles são
dois cinquentões carecas e barrigudos. Wood se casou com Lady Jane e tem um filho, Overall, que é em tudo o oposto do pai, um obcecado por computadores. Um dia, Lady Jane cansa da vagabundagem do marido e embarca numa viagem
de redescoberta mística junto ao malandro guru Rhalah Rikota. Na ausência da mulher, Wood cai na gandaia com o velho amigo, Stock. No meio de uma bebedeira, os dois acabam tendo uma visão: o profeta Raulzito (uma homenagem ao roqueiro Raul Seixas, com a voz do baiano Tom Zé). A partir daí, eles se inspiram para recriar a banda de rock que tinham há 30 anos. Nessa aventura, sobram humor escrachado e espertas homenagens ao universo pop -- como ao famoso retrato dos Beatles atravessando a rua em seu álbum “Abbey Road” (1969).
Stock descobre que Lady Jane usa calcinha com imagem de Elton John
Stock e Wood, protagonistas de “W Stock”
Overall flagra o pai, Wood, fumando orégano escondido no banheiro
Wood &
filme tem clima de noitada em São Paulo Se “Wood & Stock” fosse colocar em cena todos os personagens que Angeli criou desde que começou a publicar profissionalmente, em 1970, seria o caos. Como acomodar punks com crianças, adolescentes querendo perder a virgindade com ninfomaníacas, alcoólatras com hipocondríacos, e ainda ter uma história que fizesse sentido? A idéia era ir além de uma mera transposição de personagens e piadas, “captar” o universo de Angeli. E a escolha foi por focar o filme na noite paulistana, no rock antigo e no saudosismo dos amigos hippies Wood e Stock. Para o leitor que conhece os personagens, ver os protagonistas em ação causa uma boa surpresa: as vozes “encaixam”, são lentas, cansadas e com o sotaque paulistano que Wood e Stock teriam se existissem. Rê Bordosa aparece com a voz da cantora Rita Lee, e Tom Zé também está presente. Fãs radicais sempre encontram do que reclamar em adaptações, mas surge um “problema” em um filme em que o próprio diretor também é fã: ele respeita tudo. O visual dos personagens, os cenários e, neste caso, o clima underground e o rock barulhento. Há personagens adaptados, poucos para um filme de 81 minutos. É São Paulo na tela, mas também pode ser uma outra grande cidade. Uma metrópole em que há hippies, malucos, bêbados, chatos e adolescentes revoltados com os pais. Um lugar em que, de perto, todo cidadão tem defeitos e qualidades, sem deixar de ser, acima de tudo, um tipinho engraçado. (PC)
Angeli faz crônica social, diz diretor Otto Guerra Filme com personagens de Angeli demorou 11 anos para ficar pronto; a palavra “sexo” no subtítulo dificultou a captação
Wood acende um baseado de orégano no banheiro
A sociedade é hipócrita. E nós somos obrigados a fazer de conta que somos sérios para viver dentro dela. É a visão do cineasta gaúcho Otto Guerra, diretor de “Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock’n’Roll”, filme que tem estréia nacional hoje. Os hippies Wood e Stock são personagens de Angeli, quadrinista e colaborador da Folha. Além deles, aparecem no filme outros personagens, como os Skrotinhos, Meiaoito e Nanico. Para Guerra, há uma estreita relação entre esses personagens engraçados e a sua visão da sociedade: os quadrinhos de Angeli estão tão imbuídos de humor quanto de crítica social. “É um absurdo não considerar o trabalho dele como social”, disse Guerra à Folha. Confira na entrevista a seguir.
O guru tarado e picareta Rallah Ricota
Pedro Cirne Colaboração para
Muito Mais
Stock transa com Lady Jane, mulher de Wood
Muito Mais - O que o atraiu nas histórias de Angeli para transformá-las em filme?
OTTO GUERRA - Eu me identifico muito com ele. Nascemos no mesmo ano [1956], vivemos a mesma geração. Gosto muito do seu humor, da crítica social que ele faz.
s - E o que pesou mais na hora de adaptá-lo? O lado de humor ou o social? GUERRA - Uma coisa está bem ligada à outra. A sociedade é hipócrita. E nós somos obrigados a fazer de conta que somos sérios para viver dentro dela. Senão, criamos problemas para nós mesmos. E aí vem o Angeli, com o humor dele, e coloca o dedo na ferida. O Angeli faz uma crônica bem contundente. É um absurdo não considerar o trabalho dele como social.
- Como o sr. avalia o processo de crias ção do filme? GUERRA - Esse trabalho foi uma pauleira. A história mudou radicalmente pelo menos quatro vezes. Além disso, da primeira vez em que eu falei com o Angeli até hoje passaram-se 11 anos. A palavra “sexo” no subtítulo dificultou bastante na hora de captação de grana. Foi bem complexo. histórias do Angeli s- As sO sr. sentiu alguma pressão têm um lado bem paulistano. por usar personagens criados por outra pessoa e de uma maneira tão diferente, com direito a vozes e movimentos?
O sr. procurou tomar algum cuidado em deixar a história menos paulistana e mais universal?
GUERRA - Não, o Angeli falou que tudo bem desde o início. E foi criada uma história nova: se não funcionasse, ele poderia simplesmente renegar. E, no final, o próprio Angeli gostou. O cara que faz quadrinhos nunca vê a reação do leitor, é um trabalho solitário. Mas nós assistimos lá em Recife com cerca de 2.500 pessoas, que reagiram ao filme, e deu para ver que ele gostou.
GUERRA - São Paulo e Rio são onde as coisas acontecem no Brasil. Eu morei no Rio, é mais diurno, e São Paulo é diurno e noturno, samba e rock. É como fala o ditado: fale de sua aldeia, e você falará do mundo. E São Paulo é uma baita aldeia: está todo mundo lá.
Angeli prepara memorial da geração rock
Pai de Wood & Stock, Rê Bordosa e Mara Tara diz não levar em conta didatismo na hora de criar cartuns
A seguir, leia a entrevista em que Angeli falou da relação entre Ozzy e Wood & Stock e de seus próximos Alexandre Matias Colaboração para
Muito Mais
s
- Qual foi o seu envolvimento com o filme “Wood & Stock”? ANGELI - Bom, eu cedi todo o meu material desde 84 para o Otto fazer o que quisesse, como referência gráfica e de roteiro. E fiquei meio como consultor. Detalhes, coisas dos personagens que eu conheço porque os criei. Depositei toda minha confiança no Otto porque ele é um cara como eu, da minha geração, a gente ouviu as mesmas coisas, tomamos as mesmas coisas. Se eu fizesse o filme, ele seria completamente diferente, porque eu sou virginiano meticuloso e fico completamente obcecado com detalhes. - O filme tem o andamento que você imaginas
va para os personagens? ANGELI - Sim, acho que ele conseguiu pegar o ritmo dos hippies velhos, lentos, cansados... - E as vozes do longa? ANGELI - Gostei . A primeira versão da voz do Stock era ainda mais paulistana -”orra, meo”- e eu gostava mais, mas preferiram deixar mais brando, para o filme ficar sem um sotaque específico. E a Rita Lee é perfeita, ela mesma fala que as tiras da Rê Bordosa são a biografia não-autorizada dela.
- Você não acha que a relação em comum ens
tre seus personagens, sejam os velhos Wood e Stock ou o garoto Ozzya, é o fato de eles representarem uma determinada tribo urbana, quase sempre ligada ao rock’n’roll? ANGELI - Com certeza. Mesmo no trabalho com charge, tenho essa pegada rock, punk.
- Você também tem consciência de que, de s
certa forma, apresentou a história do rock para pelo menos duas gerações... ANGELI - Tenho. Sempre tive. Desde a época da Chiclete com Banana [revista que editava nos anos 80], eu sabia desse aspecto didático. Mas eu nunca me preocupei com isso. Eu nem acompanho quadrinho, quase nem sou desse ramo (risos). Minha literatura é toda de crítica de comportamento e uma visão política sobre
o ser humano, que é pouco quadrinho... - Você não tem essa preocupação com o leitor nem quans
do escreve para crianças? ANGELI - Não. Foi um desafio que eu me propus, porque sempre me achei pesado, imagina pra criança. Eu fiz o Ozzy depois de um convite da Folha, na época em que meu filho tinha a idade do Ozzy. Foi quando comecei a absorver informação através dele, sobre internet, geração Seattle, skate, grunge, essas coisas.
- Você disse que considera seu humor pesado para crians ças, mas a geração Ozzy tem muita informação sobre coi-
sas bem mais pesadas... ANGELI - É, eu sei. É uma geração que não se assusta com assuntos, pode ser serial killer ou sexo anal, para eles é tudo normal e tudo meio sem graça. É uma geração sem tabus. Mas só falar disso não dá em nada.
- E quais são os próximos projetos? s ANGELI - Eu estou numa história longa meio autobio-
gráfica, que vai falar um pouco da minha geração, não só de mim. Falar de coisas que as pessoas que têm a minha idade possam lembrar, ver o comportamento da minha geração. É meio que o início de um livro de memórias. Mas tem lá as primeiras vezes todas, meu primeiro disco... - Qual foi? s
ANGELI - O compacto de “Satisfaction”, dos Rolling Stones.
- E s
que mais Rê Bordosa acorda você tem em ande ressaca damento? ANGELI - Tem coisas que não são minhas, são baseadas em obras minhas, como o filme da Cristiane Ticerri sobre a Mara Tara, que é uma personagem quase bissexta, mas que tem um público feminino muito grande. E a Grace Gianoukas, da “Terça Insana”, pegou minhas coisas para adaptar para o teatro, que deve sair ainda este ano...
- Alguma chance de ver “Angeli em Crise” no pals
co? ANGELI - Comigo? De jeito nenhum! Isso eu não faço! Evito fazer certas coisas, nos anos 80 eu apareci demais, até em tampa de privada! Só sou um desenhista, eu não sei fazer outra coisa, me deixem (risos).