Juventude e território leonardo koury

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Entre a diversidade e a singularidade, construir políticas de juventude pensando o território. Leonardo Koury Martins1

O presente artigo pretende relacionar os conceitos de juventude e território, as relações transversais que intercalam e traz à cena pública a necessidade da positivação e efetivação das políticas públicas voltadas a este seguimento.

Aspectos entre “o ser” presente e futuro Durante décadas ou séculos foi-se elaborado no saber do “senso comum” que a juventude seria o futuro de uma nação. Importante relembrar estes dizeres voltados à expectativa da grande maioria dos brasileiros, que esta posição volta à juventude de continuidade da vida adulta e construção nacional ao mesmo tempo em que possibilitou diversos avanços sociais ao seguimento juvenil, também escondeu problemas estruturantes principalmente aos jovens pobres brasileiros. Este olhar em que a juventude é o futuro e motriz de uma ação transformadora das condições sociais atuais e da melhoria do presente é marcado não apenas no Brasil, mas na história de diversos países. Entre os grandes filósofos e militantes dos Movimentos Sociais, poderíamos citar Mahatma Gandhi que percebia na juventude indiana uma arma pacificadora e conscientizadora fundamental para romper a desigualdade gerada pelo sistema racial de castas. O líder pacifista marca seus diversos discursos ao longo de todo território indiano na idéia da juventude como possibilidade concreta da indignação pelo racismo e construção de outra ordem social. Gandhi descrevia a juventude como o sujeito transformador em que possibilitaria a libertação da Índia frente à colonização inglesa e a construção de um país longe do imperialismo e escravidão, externa e interna. O mesmo cita a juventude em seu discurso na Praça de Calcutá como descrito abaixo: “O calor da Juventude aquece o sangue frio da sociedade, enquanto a juventude se indignar, o mundo 1

Leonardo Koury Martins; Assistente Social, Coordenador de Educação Continuada, Alfabetização de Adultos, Diversidade e Inclusão da Secretaria de Educação e Cultura de Contagem MG, Membro da Comissão Executiva da Política de Educação Integral e Integrada.


estará seguro, pois sempre será melhorado” (GANDHI, 1936)

Segundo LENIN (1921), a juventude russa teria uma condição fundamental para a consolidação do Estado Soviético. O líder comunista descreve a juventude como a “propulsora de uma sociedade do comum” dialogando que a infância, adolescência e a juventude não têm os vícios dos adultos e que os mesmos inter-relacionam na esfera da igualdade, tendo os preconceitos construídos pelo mundo adulto. Em uma condição de futuro, ser jovem é propiciar sem as interferências adultas uma possível jovialidade e igualdade das relações. Na história da América Latina, o ícone do combate a desigualdade, o jovem Ernesto Guevara, conhecido carinhosamente como Che, considerava o seguimento juvenil algo além de um sujeito em formação, mas um ser transformador do presente. Segundo o jovem CHE (1958) em seu discurso em Cuba ele descrevia a juventude na seguinte dimensão: "O alicerce fundamental da nossa obra é a juventude." Incorporada de ideologias transformadoras entre o presente e o futuro, poderíamos citar diversos lideres mundiais que tiveram seu reconhecimento enquanto jovens. Líderes como Malcolm X ou Nelson Mandela perceberam na juventude a importante oportunidade de dialogar sobre a invisibilidade racial e estabelecer o reconhecimento das raízes negras frente ao racismo e suas marcas em todos os âmbitos sociais e econômicos. No Brasil, manifestações sociais em diversos momentos históricos, desde a luta pelo fim da escravidão, como no Quilombo dos Palmares liderado por Zumbi no século 17 ou mesmo na luta pelo petróleo enquanto riqueza nacional em 1954 foi-se construído em grande parte pela juventude brasileira. Os estudantes, mesmo na proibição através de atos institucionais voltados à organização estudantil, tiveram papel fundamental. A União Nacional dos Estudantes continuou clandestina persistindo e organizando a luta pela liberdade de expressão e pelo fim do regime militar. Ao mesmo momento que Edson Luis, presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas era morto pelos militares, Carlos Mariguella organizava guerrilhas populares dialogando e politizando milhares de jovens pela queda do regime de opressão vivenciado no território brasileiro. Não tão distante deste momento histórico, a juventude era marcada pela sua construção nas escolas técnicas como possibilidade de construção do futuro que se garantia pela dignidade através do mundo do trabalho. Esta relação entre a proteção e a uma futura sociedade trabalhadora foi caracterizada segundo BOURDIEU (2008) na engrenagem de proteger o seguimento juvenil para que o mesmo pudesse continuar a história dos seus pais e familiares. O jovem


trabalhador deveria ser digno de um bom presente para possibilitar um bom futuro a toda nação. A dignidade através do trabalho consolidou uma nova identidade sindical que explodiria não na possibilidade de construção de novos tempos ao Brasil, mas possibilitando a emergência social e a luta por direitos que consolidou no movimento das “Diretas Já”, na década de 80. Esta nova fase da juventude refletiu no Impeachment do primeiro presidente eleito do país, após o processo de redemocratização, Fernando Collor de Mello sucumbiu frente aos escândalos de corrupção propiciados pelo Movimento dos Caras Pintadas, estes possibilitaram a visibilidade de um processo já desgastado e vivenciado pelos crimes e escândalos naquele momento histórico ocorrido.

O que é ser jovem no Brasil

A mais importante consideração a pensar os desafios da construção dos direitos sociais dos jovens está no rompimento do mundo “adultocêntrico” que em momentos enxerga a juventude enquanto propulsora do futuro e em outros momentos no único produtor da violência gerada entre outros aspectos positivados na visão adulta da imaturidade relegada ao jovem. Segundo DAYRELL (2005), a juventude é um seguimento transversal a todos os outros seguimentos, pois ser jovem não suprime a condição de gênero, etnia, orientação sexual, porém exposta pela fragilidade por estar em uma condição geracional. De acordo com a Emenda Constitucional 65, que altera o Artigo nº 227 da Constituição de 88, a juventude caracteriza-se como sujeito de direitos. O estado, a família e sociedade têm enquanto (sugestão: use “como” no lugar de “enquanto”) dever assegurar entre outras condições a prioridade absoluta na primazia do direito. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


A faixa etária em que se encontram os/as jovens estabelecida por consenso pelas esferas governamentais e não governamentais está entre 15 e 29 anos. Podem-se aplicar três faixas etárias organizacionais ao seguimento juvenil: o jovem-adolescente entre 15 e 17, o jovemjovem entre 18 a 24 e o jovem-adulto entre 24 e 29 anos. Estas faixas caracterizam a diversidade e especificidade voltadas ao seguimento juvenil no qual segundo os dados do Programas Nacional de Amostragem Domiciliar - PNAD/IBGE em 2010 existem 53 milhões de jovens brasileiras/os. Esta grande maioria da população brasileira se encontra ainda pouco protegida pelo Estado, principalmente os jovens homens que atualmente assumem majoritariamente os índices de homicídios violentos. A juventude brasileira sofre os maiores efeitos da violência. Segundo dados integrados do Ministério da Saúde, Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional da Juventude, os jovens sofrem 53% mais violência e em todas as suas interfaces em relação a todas as outras faixas etárias da população nacional. Haja percebido que dos quase 80 mil mortos/ano por crimes violentos, 46 mil são jovens. Este recorte quando consideramos jovens do gênero masculino, negros ou pardos e pobres somam 89% dos atingidos pelo índice. Segundo os dados do IBASE/POLIS, na região metropolitana de Belo Horizonte, 55% da juventude sofre ou já sofreu a situação do desemprego. Uma imensa maioria recorre a empregos precários sem direitos trabalhistas e 71% não contribuem para a Previdência Social. Estes dados contrapõem a idéia criada de que a juventude é futuro, percebendo em seu presente existe um verdadeiro genocídio e abandono pelo estado e sociedade, trazendo à esfera individual a culpabilização por todos os problemas vivenciados. Percebendo estas contradições voltadas a expectativa da transformação social através da juventude e as reais condições vividas pela grande maioria da juventude brasileira, em especial a juventude pobre, políticas governamentais se articulam buscando amenizar e contribuir na melhoria desta realidade. O Plano Nacional da Juventude - PNE - descreve entre seus desafios o diálogo e articulação com as políticas públicas existentes, além de propor novas ações governamentais, mesmo que ainda sejam pouco eficazes frente à dificuldade intersetorial e à ordem de prioridade dos governos, antagonicamente no atendimento entre a população mais pobre e os grandes detentores do poder econômico. É importante levar em consideração que paralelo aos índices de violência e acesso ao emprego, a escolaridade também reforça os números de desigualdade. Os jovens ricos têm em média 3,4 anos a mais de estudo que os jovens pobres. Segundo o Observatório da Juventude da FAE/UFMG, existe um contraponto onde 69,2% dos


jovens ricos declararam acessar regularmente espaços culturais, educativos e recreativos como Shoppings, Cinemas e Museus entre outros e 22,2% dos jovens pobres declararam nunca ter acessado alguns destes lugares. O seguimento juvenil é marcado pelo antagonismo exposto entre o/a jovem construído/a pelas novelas e minisséries e a/o jovem construída/o pelos documentários e notícias policiais. Este antagonismo é estruturado por todas as condições sociais que trazem aos jovens pobres a possibilidade de representar números como do Índice de Homicídios na Adolescência – IHA no qual traz ao Brasil a perda de jovens por ano na proporção do fim de uma cidade com quase 50 mil habitantes com causa nos crimes violentos.

Juventude e relações sociais no território

Ao mesmo espaço construído pelos índices assustadores dispostos na real condição vivenciada pela juventude brasileira, é fundamental considerar que esta juventude é responsável também por tecer grande parte das redes de sociabilidade nos seus espaços de vivência. Segundo SANTOS (2006) não existe território sem a ação humana, neste aspecto a juventude em sua efervescência possibilita uma enorme série de transformações individuais e coletivas. O jovem através dos espaços públicos vividos como escolas, praças, quadras esportivas entre outros na grande maioria urbanos, traz a cena pública a vida de conflito entre a diversidade cultural e os dados criminais nos quais estão expostos: um paradigma entre a jovialidade e a mortalidade. Como importante exemplo, a juventude das vilas e favelas contextualiza suas vivências em seus territórios através da Cultura Hip Hop deixando sua produção cultural nos muros, na dança, na música e no ritmo construído e ressignificado frente à imensidão dos saberes apropriados pela cultura negra. Esta condição traz à juventude que se organiza pelo Movimento Hip Hop um papel fundamental para a continuidade das raízes afro-brasileiras. A juventude também tende a se organizar em espaços da discussão ambiental, estudantil e dialogam entre o conhecimento da sexualidade e religiosidade, seguimento de múltiplas esferas socioculturais, sempre predisposta ao possível sim e/ou não, ao negar e assumir condições vivenciadas, a própria metamorfose. SANTOS (2006) direciona o olhar conceitual sobre o território para além do chão e da esfera física, traz enquanto análise a ação construída. Esta afirmação de que os sujeitos são transformadores possibilita entender as especificidades juvenis e como elas reinventam o diálogo educativo frente a descoberta e o significado do patrimônio material e imaterial produzido e constituído nas cidades.


A juventude perpassa a idéia de “território chão” quando descobre o diálogo frente aos avanços dos meios de comunicação e encontram nas redes sociais um importante espaço de vivência coletiva. Manifestam nas redes sociais seus desejos e anseios, provocam mobilizações que impactam a forma de ver e sentir sua própria construção, possibilitam entre outras dimensões a construção comunicativa independente que não se limita apenas na esfera presencial. Sobre todos estes argumentos, é importante ressaltar que uma ampla discussão e percepção sobre a juventude faz-se fundamental para percebê-la em toda sua dimensão. Esteja nos impactos provocados pela ausência do estado ou na possibilidade de se entender na diversidade e identidade cultural por ela vivenciada. A juventude enquanto categoria de análise do contexto social aplicado é produtora de um rico diálogo no território, não pela quase inocência injusta em que foi marcada pelo olhar singelo e infantil e nem mesmo pela concretude e responsabilização criminal que injustamente possamos olhar pela vida adulta. A juventude está na transformação e entre estas duas condições geracionais, nem mesmo apenas disposta ao futuro quanto menos ainda apenas relegada ao presente. BOURDIEU, Pierre. A juventude é apenas uma palavra. In: BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 2008. BRASIL. Constituição Federal 1988. Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 211. COLETÂNEA POPULAR. As tarefas revolucionárias da juventude. Expressão Popular: São Paulo, 2005.

DAYRELL, Juarez (org.). Pesquisa Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas. Relatório dos Grupos de Diálogo da Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2005. IBASE & POLIS. Que Brasil queremos? Como chegar lá? – Roteiro para o diálogo da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia. Rio de Janeiro: IBASE, 2005.


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