REVISTA ACADÊMICA DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA DA UNISINOS EDIÇÃO DE LANÇAMENTO 00 - ANO 01 ABRIL DE 2014
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Avenida Unisinos, 950 | São Leopoldo/RS Cep: 93022-000 | Telefone: +55 (51) 3591.1122 www.unisinos.br ADMINISTRAÇÃO REITOR: Dr. Marcelo Fernandes de Aquino VICE-REITOR: Dr. José Ivo Follmann PRÓ-REITOR ACADÊMICO: Dr. Pedro Gilberto Gomes PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Dr. João Zani DIRETOR DA UNIDADE DE GRADUAÇÃO: Dr. Gustavo Borba GERENTE DE BACHARELADOS: Dr. Gustavo Fischer COORDENADOR DO CURSO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA: Prof. Dr. Sérgio Roberto Trein
Telefone: +55 (51) 3591.1122 (R.1334) E-mail: publicidade@unisinos.br ORGANIZADOR Prof. Dr. Sérgio Roberto Trein PROJETO Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) COORDENADORA-GERAL: Prof. Dra. Thaís Furtado SUPERVISORES DE PROJETO Prof. Dra. Luciana Braun Reis Robert Thieme ARTE PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO, REVISÃO E CAPA: Leonardo Rampon Patikowski SUPERVISÃO TÉCNICA: Jornalista Marcelo Garcia AGRADECIMENTOS Dra. Ana Elisabeth Iwancow; Prof. Angela Lovato Dellazzana; Fernanda Laís Ramazzini; Iara Janice Michalski; Juliana Rosa Silveira; Leandro Maciel Ferreira; Lisandra Darde Krüger; Lucas Rodrigues Escouto; Prof. Dra. Luciana Braun Reis; MS. Magda Rosí Ruschel; Prof. Dr. Sérgio Roberto Trein; e MS. Taís Flores da Motta.
editorial
I
magine uma revista sem anúncios. Para muitos leitores, certamente seria o ideal. Para nós, publicitários, um espaço a menos para mostrar toda a criatividade e a qualidade da publicidade brasileira. A Publi, de fato, é uma revista sem anúncios. Porém, uma publicação com muita publicidade e propaganda. É uma iniciativa do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), que reúne textos de alunos e professores. São valiosas e relevantes pesquisas em diversas áreas do conhecimento da Comunicação. E, mais especificamente, nos campos da Publicidade e da Propaganda. Além de contribuir para o fortalecimento dos estudos na área, a Revista Publi tem, ainda, como objetivo, incentivar a produção acadêmica dos docentes e discentes do próprio Curso, tornar-se referência para novas pesquisas dentro e fora da Universidade e também despertar a perspectiva de ingresso dos alunos ou de qualificação de alunos e professores em programas de mestrado e de doutorado. Nesta primeira edição, apresentamos nove trabalhos muito interessantes, que abordam temas diversos e atuais do nosso contexto publicitário e propagandístico. É com muito orgulho e satisfação que convido para a leitura e apreciação da Revista Publi.
Prof. Dr. Sérgio Roberto Trein, Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Dra. Luciana Braun Reis
Pág. 5
1 2 3 4 Moda e estilo Folk. A releitura como tendência de moda Fernanda Laís Ramazzini Magda Rosí Ruschel
Pág. 16
Da promoção de vendas ao branding: a evolução da linha de comunicação da marca STIHL Iara Janice Michalski Angela Lovato Dellazzana
As relações entre consumo e felicidade: A busca pela felicidade no ato de comprar
Lisandra Darde Krüger
Pág. 32
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Pág. 50
Pág. 60
A postura ética adotada nas mensagens veiculadas na propaganda eleitoral na campanha para presidência da república em 1989 Juliana Rosa Silveira
Artigo inspirador para ilustração de capa
Placas tectônicas em movimento
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Linguagem cinematográfica em trailers de Jogos Digitais Leandro Maciel Ferreira
Pág. 78
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Revisitando o processo metodológico de uma pesquisa sobre marketing de experiência em um festival de música Lucas Rodrigues Escouto Taís Flores da Motta
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Tão perto e tão distante: A comunicação política da Prefeitura Municipal de Porto Alegre através das placas de obras
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Adultescente e a maturidade jovem
Dr. Sérgio Roberto Trein
Pág. 108
Dra. Ana Elisabeth Iwancow
Pág. 124
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Curadoria de Marcas e Estética Simbólica: Placas Tectônicas em Movimento 1 Autor(a): Dr.ª Luciana Braun Reis ²
RESUMO Este texto explora o sentido que as marcas têm para os indivíduos, e a importância da construção do simbólico na coesão do discurso imanente da comunicação, e, por assim dizer, do negócio. Nesse escopo, a atualização das marcas para a construção do imaginário conectado com o contemporâneo dos consumidores materializa-se no rito, no simbólico, na estética e na experiência resultante dos pontos de contatos entre marcas e indivíduos, imbricados no caldo social.
¹ Texto produzido para a primeira edição da revista Publi: revista acadêmica do curso de Publicidade e Propaganda – Ciências da
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Palavras-chaves Comunicação; Marcas; Publicidade; Estética; Imaginários; Social.
Comunicação – Universidade do Vale dos Sinos. ² Docente do Ensino Superior – Graduação e Pós-Graduação, Doutora em Comunicação, Mestre em Comunicação, Especialista em Marketing, Publicitária. Consultora na área de linguagem para negócios. lubraun21@gmail.com
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A COMUNICAÇÃO E O SOCIAL A comunicação é um campo do conhecimento influenciado por várias áreas extensivas do comportamento humano, das trocas sociais, entre outros. Está em todos os lugares e instantes do dia a dia: desde a manifestação mais vulgar, porém de grande manifestação simbólica, até nas sofisticadas tecnologias e nos processos corporativos. Por sua vez, a comunicação está imbricada no indivíduo, no seu fazer, no pensamento e em qualquer atitude, valorada ou não. É constituinte e constitui-se de vida que aí está. O cotidiano é profícuo em revelar o caldo cultural e, por sua vez, comunicacional, em resultado de como o entrega e recria-se para o mundo. Maffesoli (1995, p. 153) colabora com essa noção quando afirma “pretendo indicar que a forma, em todos os sentidos do termo, do quotidiano mais banal é epistemologia mais sofisticada, é aquilo mesmo que vai constituir o ethos, o sagrado, o ambiente abrangente da pós-modernidade.”. Logo, o cotidiano, o banal, o errático é o que tempera o tempo, o extraordinário e o planejado. Por isso, empresas, por vezes, frustram-se, não compreendendo o porquê de uma estratégia ter êxito em um lugar, e não passar de estágios medíocres em outros, mesmo com cenários semelhantes. As mudanças dos mais variados ambientes e cenários interferem na mediação que os indivíduos fazem em relação ao seu corpo ou ao social. Por exemplo, a Google criou uma campanha de comunicação mutante, com alterações diárias na página de abertura do portal, que homenageia datas e celebridades, espetacularizando o produto principal de venda da empresa: a pesquisa na Internet. A busca digital, hoje, é algo do cotidiano de indivíduos e organizações – “Se não aparece na busca do Google, duvida-se que exista.” – afirma algum incrédulo à busca. A mobilidade da comunicação em substratos e plataformas cada vez mais potentes faz com que se tenham relacionamentos com mais instantaneidade, quando cada instante pode ser motivo de uma publicação em alguma rede social. Uma manifestação pública interfere não só na dinâmica das ruas e na logística da cidade, mas também no clima e sentimento entre o grupo manifesto, e principalmente, na agenda que repercute entre as pessoas externas ao grupo. Isso nos reporta ao pensamento que se vive em constante construção e desconstrução, sutura e ruptura simbólica, vivida em alguns momentos organicamente e, em outros, com grande aprendizado. Conforme Ruiz (2003, p. 58 apud Ortiz-osés, 1993, p. 55), “A fratura é real é a sutura simbólica.”³, ou seja, o ethos do cultural é que vai unir e arraigar as pessoas em uma sociedade. Por analogia, pode-se entender que a comunicação está para a superfície do mundo como
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o chão em que se pisa está para as placas tectônicas que se movimentam nas camadas mais profundas da Terra, e causam grandes eventos na superfície, por vezes catástrofes. O movimento das placas tectônicas são todas as alterações, como ampliações e inovações que acontecem no dia a dia, como uma nova tecnologia, a portabilidade da comunicação, uma nova linguagem ou um código visual, constituindo o imaginário de época e local. Conforme Legros (2007, p. 10) afirma: “O imaginário, assim diz respeito a uma civilização: circula através da história, das culturas e dos grupos sociais.”. A nova mediação causada por qualquer acontecimento, anódino ou não, (re)constrói sentidos e significados, criando textos ainda não lidos. Assim, o imaginário modifica-se e empurra a sociedade à construção e à destruição contínua. Essa ruptura, essa destruição e construção do código são onde se encontra a grande angústia das empresas e dos gestores de marcas: atualizar a comunicação, o sentido do discurso à velocidade e ritualística do social. A autora afirma que o social é mais dinâmico que as tabelas de Word. Logo repousa sobre ele (o social) as dinâmicas convergentes e subjetivas, cujo princípio norteador é antes “do quanto”, “o como” e “o porquê”. A maior assertividade ocorre no campo da hermenêutica e da compreensão sem culpa do devir, e sim apenas o que está. Ruiz (2003, p. 67) contribui para esta afirmação com:
O sentido é sempre social. Ele se organiza em teias e estruturas de significados, a fim de estabelecer suturas simbólicas que dêem coerência à ação humana. Por esse motivo, a realidade se manifesta para o ser humano de modo contraditório: como algo sólido e efêmero, paradoxalmente específico e fugaz, tensionalmente presente e futuro. Ele não pode compreender a realidade num só aspecto, sem-
Maffesoli (2012, p. 59) ainda acrescenta à discussão que “Através dos fenômenos quotidianos do corpo que cuidado, vestido, construído, existe uma espécie de impulso vital que se expressa.”. O que o conecta com outra de suas obras (MAFFESOLI, 2007, p. 75) “[...] é urgente que o discurso sobre o social saiba escutar, com atenção redobrada, o discurso do social, ainda que este possa vir a chocar, por sua incoerência, os espíritos rigorosos formados pelo racionalismo das Luzes.”. ³ Las claves simbólicas de nuestra cultura. Barcelona: Anthropos, 1993. p.55 s.
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pre deve compreendê-la como abertura a ser construída.
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Logo, o que nos empurra ao método que as marcas e os negócios deveriam empregar para atualizar o discurso com os indivíduos, uma vez que esses indivíduos se abastecem das mais diversas fontes, e estão em constante construção de sentido, por intermédio do que explicamos por imaginário coletivo, é a sintonia. Esta sintonia poderia ser entendida como uma sintonia nos antigos rádios com dial, em que o ouvinte movimenta o botão, tentando aproximar ao máximo a busca do sinal sem ruído, para que possa escutar sem interferência de chiados. Nesse caso, é necessário salientar que indivíduos e marcas/negócios intercalam a posição, um querendo escutar, outro querendo ouvir, provocando uma dinâmica de um à procura do outro. O método citado está imbricado no dia a dia, nas falas fortuitas, nos pequenos nadas a que Maffesoli (2007) se refere. Contudo, escutar e saber da existência do fato não basta. É preciso conciliar a riqueza do social, com a vocação empresarial, para que a pesquisa desse método não seja usada somente como oportunidade percebida no mercado, e sim como uma oportunidade para ampliar e afirmar o planejamento estratégico da empresa, explícito na visão, missão e valores da empresa. Nem tudo que as empresas têm condições de produzir e fazer devem necessariamente produzir e fazer, pois nessa equação, sempre complexa, há de avaliarem-se fatores em que o total é maior que a soma das partes, mas principalmente a soma das interações, dos nós que unem cada parte da equação. É a compilação de fatores internos e externos que vai mediar a avaliação do gestor de marcas. O gestor emprega para a marca contorno de curador, termo comumente usado nas artes plásticas que, em lato sensu, designa aquele que dá sentido à exposição, e, assim, zela por ela. As obras, os objetos, dependendo da relação de um com o outro, manifestam em seu conjunto entendimentos diferenciados. Por isso, a autora prefere usar a expressão curador de marcas, compreendendo que o ensaio do sentido e da operação da empresa responde à significação da audiência. Na prática, hipoteticamente, uma empresa tem condições de produzir e lançar de uma única vez mais de cem produtos, pois a linha de produção, em termos de estrutura e recursos econômicos e financeiros, pode fazê-lo. Contudo, dificilmente os consumidores entenderão o sentido e o porquê dos cem produtos, além do elevado investimento para comunicá-los em ações de pré-lançamento como embalagem, produção e pesquisa para todos eles, e, depois, nos investimentos com a logística, com a capacitação da equipe de venda entre outros, além de, é claro, os investimentos de lançamento: mídia, merchandising, design, promoção, assessoria de imprensa e relacionamento com os públicos. A empresa projeta-se de dentro para fora, esquecendo-se de integrar-se ao social e ao discurso “do” social, tentando justificar que o que é bom para a empresa é bom para a audiência que vai consumir. Poderia fazê-lo com mais assertividade, se focasse em menos produtos, mas explorasse a significação de cada um para os consumidores.
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O projeto curatorial de uma marca promove o simbólico, o relacionamento e a compreensão dos discursos com seus públicos. Sabendo da operação do negócio, encaminha o entendimento, zelando pela sustentabilidade e pela atualização do discurso, alimentando-se do resultado das mediações para continuar o diálogo entre as partes.
A Publicidade encanta por sua criatividade, oferecendo novas abordagens aos consumidores. Tais abordagens estão imbricadas em escutar o social, conciliando com o que as marcas devem expressar em cenários complexos, sem preconceitos do que se encontra como social. Essa leitura do social, quando expressa na fervura do caldo em que está, encontra posicionamentos e imagens fortes que impactam e interferem na mediação e no relacionamento marca/indivíduos. O social é convertido em simbólico e uma imagem tem o poder de converter um pensamento, se essa imagem tiver em si o “vírus do social”. Paviani (2003, p. 54) explora a dimensão do tecido social, que necessita se expressar, deixando sua marcação a partir do lúdico, o que o autor chama a gênese do social: “Há no homem, juntamente com o instinto lúdico, uma necessidade de se expressar, e é disso que surgem ritos e ritmos fundamentais, como a ordem, a tensão, o movimento, o gesto, a fala, o silêncio.”. É exatamente esse carácter lúdico, onírico, mágico que as marcas representam na contemporaneidade para os indivíduos. Pois elas, além de serem um projeto que compila variáveis em ambiente complexo, também dão sentido à sua existência, à empresa e ao consumidor. Para Semprini (2006, p. 50), “A marca é, em certo sentido, a instância que fornece um contexto dotado de sentido a uma experiência ou a um imaginário que, sozinhos, tenderiam a ser imprecisos ou muito abstratos.”. Esclarece dessa forma a interdependência das marcas, seu significado, sua empresa e seus, consumidores. Tornaram-se com o passar do tempo entidades com contornos de indivíduos, que expressam temperamentos, sentimentos, e estão cada vez mais imbricadas no cotidiano da sociedade. Adivinham o pensamento dos consumidores, estão próximas para ajudá-los quando necessário, e, ao mesmo tempo, aparentemente longe, no anonimato, sem logomarca, mas com signos e discursos bem próximo, como são as articulações em redes sociais, os virais que aparentam serem espontâneos, os jogos, as experiências sensoriais que lembram a marca. A marca, quando construída de forma crescente, convergindo esforços, constrói
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A COMUNICAÇÃO E A PUBLICIDADE
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não só uma reputação, mas um discurso que vira referência até quando a logomarca não é espetacularizada. Reis (2012, p. 104) refere Lindstrom (2009) ao relatar a experiência da Coca-Cola, Cingular Wireless e Ford na final do programa de televisão American Idols:
Cada marca comprou a sua participação no programa: a Ford veiculou anúncios, a Coca-Cola e a Cingular tinham anúncios, porém, mais que isso, elas desenvolveram interações com o programa, como os copos de Coca-Cola colocados em frente aos jurados, que se deliciavam com goles do refrigerante, além de o mobiliário e as cores do cenário fazerem referência à marca. A Cingular era citada de tempo em tempo, a fim de convidar o público a votar. Resultado: as marcas Coca-Cola e Cingular não só foram percebidas, como fizeram com que os entrevistados do experimento de Lindstrom não se lembrassem da Ford, indicando que a montadora havia perdido mercado.
Marc Gobé (2011) reforça a intenção da autora de estimular a curadoria de marcas em termos de constância, saindo o universo puramente instrumental e da poluição das logomarcas, dirigindo-se ao extraordinário e ao banal do cotidiano. As marcas necessitam viver e ter o que dizer a seus consumidores, caso contrário ficam reclusas em suas empresas e negócios, como se a existência do social fosse abastecer a empresa de consumidores e não o contrário, a empresa deve servir ao social, tanto de produtos, como inspiração:
As marcas precisam estar perto das pessoas, verdadeiramente prontas a inspirá-las. [...]. A ideia é essencial: não há nenhuma marca sem uma ideia forte, e não há nenhuma comunicação sem a ideia que pode ser alavancada em todas as
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novas mídias que estamos experimentando nesta era (p. 208). [...] o trabalho que celebra o poder da imaginação sempre é celebrado pelas pessoas, porque gravitamos naturalmente na direção do extraordinário (p. 230).
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Gobé acrescenta (2011, p. 195 apud Elliot, 2005) que “o desafio do nosso setor é tornar a publicidade um negócio de ideias, em vez de um negócio de anúncios e sua distribuição”. Logo, isso empurra a publicidade para o campo de repensar não só as formas de acessar os consumidores, mas seu próprio negócio. Esse questionamento, porém, não será levado adiante neste artigo, deixando a pauta para outro ensaio.
AS MARCAS E A ESTÉTICA A construção de imaginário conectado com o contemporâneo dos consumidores materializa-se no rito, no simbólico, na estética e na experiência resultante dos pontos de contatos entre marcas e indivíduos, imbricados no caldo social. Logo, a estética é aqui configurada não somente como forma em seu aspecto físico, mas como o formismo apresentado por Maffesoli (2007, p. 32), que afirma que “Forma é formante e não formal.” Isso nos leva à noção de melhor expor problemática, ao invés de retornar às verdades acachapantes, cabíveis ao isolamento, sem ressonância no mundo pós-moderno e contemporâneo em que se está. Isso encaminha a estética não somente para o sensível visual, mas para a construção do sensível. Quando esse autor trata a forma, como e segundo pressuposto da sociologia compreensiva, escreve:
A noção de formismo não mais permite contra-sensos (sic) habitualmente induzidos pela idéia de “Forma”; e essa parece bastante adequada para descrever, de dentro, os contornos, os limites e a necessidade das situações e das representações constitutivas da vida cotidiana. Assim se tempera a rigidez do estruturatrata-se, portanto, de modulação temperada que permite aprender tanto na labilidade, quanto as cálidas correntes do vivido.
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lismo, preservando-se, porém, sua pertinente perspectiva relativa à invariância;
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O mesmo autor assinala que após “séculos de iconoclasmo” (MAFFESOLI, 2007, ps. 31-35), a forma é importante, pois nossas relações sociais estão imbricadas em imagens, levando-nos à memória e ao reconhecimento do corpo social. Nesse ponto, entende-se que as imagens instalam-se na comunicação, e stricto sensu, na publicidade, como mensageiras da hermenêutica de um tempo e lugar, em um discurso superlativo à existência visual, pois traduz o caldo social do imaginário, emocionando, reconhecendo, agregando e isolando os pares que solidarizam o cotidiano. O código visual que se emprega e as escolhas comunicacionais dos publicitários resultam de uma série de discursos que se estabelecem em camadas, sobre o resultado pictórico. O discurso, o clima organizacional, as cores de uma marca, os elementos atmosféricos (entre outros) a ela atribuídos agem na lembrança dos consumidores, reconstruindo por atalho a presença da marca, em ausência das logomarcas. Sabe-se o mood de uma marca e percebe-se como se fosse a presença de alguém assinalada pelo perfume que deixou no ar, quando passou e foi-se embora. Ainda sobre o código, sabe-se que ele é inacabado, pronto para ser ampliado, modificado, destruído e reconstruído, um sobre o outro (FEIJÓO, 1998). Isso parece óbvio hoje, e simples, como Marcel Duchamp ter assinado um mictório em 1917, e intitulado-o “A Fonte”. Porém, no contexto da arte para o início do século passado, foi como o homem pisar na Lua. Por analogia, o mesmo acontece com a publicidade, após proposta por imagem, discurso, olhar; parece que sempre existiu, sem nunca ter existido. Pode causar estranhamento, mas, no final, integra-se ao cotidiano se bem aceito, ou cai no esqueci-
Figura 1 - Fontaine, Marcel Duchamp, 1917. Fonte: Meggs (2009, p. 328).
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mento, quando o código está distante da compreensão do social. Nesse último caso, um caminho de construção, de agendamento em todos os meios disponíveis ao alcance das marcas deve ser feito para que a audiência entenda-lhe o significado, e tenha a significação pretendida ao final. A autora ouviu o relato que descreveu que o desejo do cliente era um aparelho pequeno, móvel, que coubesse em qualquer canto. Isso é o que “era” bom, pois, depois de um tempo, o mesmo consumidor, no mesmo espaço físico desejava o mesmo aparelho da versão muitas vezes maior, desmerecendo a anterior. Nesse caso, não é somente o argumento publicitário que se processou, mas toda a comunicação, como a assessoria de imprensa, design, merchandising e outros que aproximaram esse consumidor de outro paradigma, antes nem ventilado. É um bom exemplo da frase “a comunicação é substantiva”, isto é, ela se constrói em todas as manifestações, mesmo quando não comunica objetivamente, estando em ausência, mas sempre em pregnância.
A publicidade tem seu fazer imbricado no mundo e na sociedade. Esta vive como se tivesse sobre placas tectônicas em movimento, pois o imaginário coletivo está em constante atualização e construção, assim como destruição de códigos e mensagem. A comunicação precisa ser entendida como substantiva para o imaginário, tanto como o é para os negócios. A curadoria de marcas vem celebrar, no sentido mais amplo do conceito curatorial, a construção de sentido das marcas, em sua existência para as empresas e para os indivíduos, que se comunicam mais pelas marcas que apreciam, do que propriamente pelo código tradicional da fala. As marcas, se desenvolvidas através da leitura do social, encaminham-se ao sucesso. Àquelas que apenas vomitam para o social a invenção de um discurso, criação de uma mensagem que se estrutura na superfície, bifurcam seus esforços em muitos discursos, nem sempre conectados, gerando ruído, incompreensão e custos que não se convertem em investimentos favoráveis à sustentabilidade. O caminho está aberto, e passa pela curadoria de marcas e pelo entendimento de que o mundo, assim como a comunicação, é provisório. A atualização das marcas ao mundo é que precisa ser permanente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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AAKER. David A. Marcas: brand equity gerenciando valor da marca. Tradução de André Andrade. São Paulo: Negócio, 1998. GOBÉ, Marc. Brandjam: O design emocional na humanização das marcas. Tradução de Maria Clara de Biase. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. 381. p. FEIJÓO, Benito. Um não sei quê. 1. ed. Tradução de José Augusto Mourão e Maria Estela Guedes Lisboa: Vega Passagens, 1998. LEGROS, Patrick et al. Sociologia do imaginário. Tradução de Eduardo Portanova Barros. Porto Alegre: Sulina, 2007. (Coleção Imaginário Cotidiano). 287p. LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Tradução de Marcello Lino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. 207 p. MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995. 168p. ______. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Tradução de Aluísio Ramos Trinta. Porto Alegre: Sulina, 2007. 295p. ______. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense. 2012. MEGGS, Philip B.; PURVIS, Alston W. História do design gráfico. 4. ed. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2009. PAVIANI, Jayme. Estética mínima: notas sobre arte e literatura. 2. ed. EDIPUCRS: Porto Alegre, 2003. (Coleção Filosofia, 44). 156 p. REIS, Luciana Braun. A comunicação do ambiente de varejo popular sob a influência da sedução estética: percepções sobre a rede Lojas Marisa. 287p. 2012. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2012. RUIZ, Castor Bartolomé. Os paradoxos do imaginário. São Leopoldo: Unisinos, 2003. 267p. SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2006.
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Dra. Luciana Braun Reis: Docente do Ensino Superior; Graduada e Pós-Graduada; Doutora em Comunicação; Mestre em Comunicação; Especialista em Marketing; e Publicitária. Consultora na área de linguagem para negócios.
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Moda e Estilo Folk A releitura como tendência de moda Autores(as): Fernanda Laís Ramazzini 1
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RESUMO Nesta pesquisa expomos as referências que levam o homem a utilizar a moda como sistema de adaptação. Pesquisamos como o estilo folk é usado pelas diversas classes sociais e encontramos a classe alta consumindo a “moda cultural”. Através de pesquisas bibliográficas foi possível visualizar a forma com que o estilo é utilizado pelas grifes e unindo a este projeto, encontramos as respostas que nos levaram à moda como um sistema cíclico, de recriação.
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Ex-aluna. Bacharelada em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda pela UNISINOS – Universidade do Vale
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Palavras-chaves Cultura; Folclore; Folkcomunicação; Moda; Tendência.
do Rio dos Sinos 2013/1. 2
Professora orientadora - Mestre em Audiovisualidades pela UNISINOS e Especialista em Comunicação e Saúde.
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Trabalho apresentado na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, no semestre de 2012/2.
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CORPO DO TRABALHO
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Em um grupo social, são os fatores culturais que mais influenciam nas escolhas e estilo de vida. É a cultura que insere o indivíduo na comunidade e o faz participar socialmente. É a partir deste momento que ele é iniciado na religião, política e modo de convivência com os demais do grupo. A inserção nesses grupos passa a ter tamanho significado, que se tornam os motivos de mudanças bruscas de comportamentos e preferências. Entendemos cultura por um entrelaçado de informações que compõem hábitos e costumes de povos de determinada região. Infelizmente ignoramos o nível de interferência que a cultura pode exercer quando trabalhada em argumentos planejados visando determinado sucesso ou retorno em vendas. O presente trabalho visa explorar a cultura na sua forma mais audaciosa do que realmente estamos acostumados a encará-la. Tomamos conhecimento do termo folkcomunicação, onde nossas pesquisas se concentraram, a comunicação que se utiliza dos meios populares para se expandir. O termo até então desconhecido apresenta uma cultura que se forma a partir de suas próprias influências, se fechando para interferências exteriores ou dificultando a entrada de informações que não pertençam ao seu contexto histórico ou que não façam parte de seu campo de conhecimento. Observamos a ampla relação que se forma entre moda e cultura e como essa relação se mostra para as sociedades. Estilos que se completam unindo passado e presente em peças que fazem a cabeça dos consumidores, se reinventando a cada nova coleção, formando um ciclo de reciclagem da moda. A pesquisa que desenvolvemos investiga a importância da cultura dentro das comunidades. Como uma sociedade é capaz de mudar o status de um objeto por associações com as influências que recebe do meio cultural. Acreditamos que entender a necessidade dos grupos em criar vínculos com suas culturas, seja necessário afim de compreender como as sociedades passam a se reinventar e como elas se tornam tão afixadas em padrões já existentes. Neste artigo desenvolvemos a relação existente entre a cultura e a moda como um dos fragmentos dessa comunicação. Até que ponto a cultura pode servir de base para a moda, ou seria a moda uma parte importante da cultura?
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A cultura teve seu início na comunicação, como necessidade de trocar experiências e informações entre pessoas de convívio comum. Featherstone (1997) já afirmava que sem a comunicação não existiria sociedade ou a própria cultura, por não haver a interação entre pessoas e não possuir, então, a troca de conhecimentos que é fonte fundamental para a construção da civilização. Assim como o autor, Cohn (1987), coloca que a comunicação inicia ainda na infância do indivíduo, quando ele aprende os códigos de conduta que regem a sociedade em que está inserido. O autor aponta que no momento em que o indivíduo passa a seguir as práticas culturais do grupo no qual faz parte, ele passa a reforçar para si próprio estes aprendizados e assim a identidade social se fortalece. Ainda afirma que as sociedades reforçam as tradições e junto com o meio ambiente e as mudanças de comportamento de outros grupos, ela pode reinventar papéis para a sua própria cultura. O autor declara que: “A manutenção do consenso cultural é mais notável nas sociedades mais simples, onde a tradição de uma ideologia singular é dominante”. (COHN, 1987, p.217) Os autores sugerem que a troca de informações que o ser humano é obrigado a exercer para viver em sociedade, seria o grande formador de culturas. É através dessa comunicação de conversação e interação que surgem, mantém e difundem as culturas. Para Cohn (1987), as sociedades ou culturas não conseguiriam existir se não houvessem as comunicações entre os indivíduos. Ele inclusive afirma que não existiria a possibilidade do progresso nas civilizações, por falta desta comunicação e transmissão de conhecimentos através das gerações. Solomon (2011) destaca o fato da cultura ser mutável, que define prioridades dentro de um grupo social. Assim como o autor, Engel (2000) menciona a cultura como a orientadora de ética e convívio social, mas também a coloca de forma material, sendo representada pelos objetos que os grupos desenvolvem para manter suas tradições. As culturas, para garantirem sua permanência nas sociedades, necessitam serem difundidas. Neste quesito, Ayala (1995) e Featherstone (1997) colocam que a permanência da cultura depende de fatores frágeis, como a memória. Quando dita frágeis, refere-se ao fato de poderem ser facilmente esquecidas ou substituídas por outros ritos quando estes se apresentarem mais coerentes com a sociedade e o tempo em que ela se encontram. Solomon (2011), fala sobre conceitos que envolvem a cultura como um objeto de valor, não mais simbólico ou representativo. Nos apresenta três termos inseridos na cultura das sociedades: sacratização, objetização e dessacratização. A sacratização seriam os objetos, pes-
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CULTURA E FOLCLORE
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soas ou práticas comuns que recebem significados que são considerados sagrados para uma cultura. A objetização se refere quando objetos ou pessoas são associados a determinado objeto ou são representados por ele. A cultura passa a acreditar que o objeto detém o poder ou a representação viva do que consideram sagrado. Já a dessacratização seria quando um objeto considerado sagrado é retirado de sua cultura e utilizado por outra em que desconhece seus valores simbólicos, ou quando o replicamos em massa, de forma a perder esse poder atribuído, tornando-o ‘profano’. O autor coloca que objetos podem se tornar sagrados ou profanos ao longo de sua vida. Um objeto pode iniciar sendo sagrado e devido aos rumos que a sociedade toma, ele pode passar pela dessacratização, quando ele perde esse posto de importância que lhe foi atribuído em algum momento e passa a ser visto como um objeto sem significado relativo. Cohn (1987) faz uma análise sobre o termo cultura, onde afirma que sem as comunicações sociais, não existiriam as culturas ou comunidades, visto que o indivíduo não teria forma de se expressar e passar seus ensinamentos adiante, ficando a mercê do tempo. Junto ao pensamento de Cohn, Featherstone (1997) compreende a cultura como um processo de homogeneização de costumes, dando origem a um código comum, que podemos compreender por tradições. As comunidades tinham a tendência de se fechar e manter as tradições dentro dos grupos. Um dos motivos desse isolamento é colocado por Featherstone quando diz que:
A articulação dessas crenças e o senso de particularidade do lugar tendem a se aguçar e a se definir melhor quando a localidade se envolve em lutas de poder e em disputas pela eliminação com seus vizinhos. Em situações como essas podemos ver a formação de uma cultura local, em que é enfatizada a particularidade de sua própria identidade. Nesse caso, a localidade apresenta aos poucos uma
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imagem por demais unificada de si mesma. (FEATHERSTONE, 1997, p.153).
Ayala (1995) coloca que um dos itens que mais caracteriza o folclore é o ato de manter os padrões já estabelecidos, continuar com a tradição. O folclore é constituído apenas por itens abstratos, ou seja, ele é formado por conhecimento, fatores éticos e comportamentais. Beltrão (1980) coloca que os grupos que estariam entre duas formações diferentes de culturas, estariam aptos a adquirir pensamentos e práticas de ambos. Para o autor, seriam os grupos
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‘marginalizados’. Beltrão (1980) coloca que estes grupos possuem um nível de instrução relativamente baixo e que seriam estes, indivíduos “à margem de duas culturas e de duas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente”. (BELTRÃO, 1980, p.39) Nestes grupos, o nível de rejeição de práticas culturais seria mais baixo, pelo fato de terem crescido recebendo informações variadas.
FOLKCOMUNICAÇÃO Para Beltrão (1980) a sociedade, afim de se comunicar, faz uso dos diferentes meios que ela possui, não sendo eles necessariamente tecnológicos. Esses grupos se veem na necessidade de se comunicar com seus iguais, e essa troca de informações se dá através de mensagens que estão ligadas diretamente ou indiretamente ao folclore. Beltrão (1980) denominou essa comunicação de folkcomunicação. Segundo ele, a folkcomunicação é um processo de comunicação feito para os indivíduos próximos:
A folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente, ainda
Ainda segundo Beltrão (1980), os grupos marginalizados fazem uso de meios como cantos, coreografias e danças, que para os grupos tendem a representar os ideais de sua cultura. Segundo Díaz (2006), assim se cria um código singular para cada comunidade, fator que dificulta a troca de informações entre sociedades com códigos linguísticos diferenciados, ou seja, dificulta a compreensão dos ritos e cantos de culturas afastadas, desconhecidas. Levando em consideração a abordagem feita por França (2002) e reafirmada por Hanke (2002), quando desenvolvendo a temática de cultura, diz que o grupo social desenvolve formas de se diferenciar de outros grupos, e essa diferenciação inicia através de “mecanismos internos, de agregação,
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que dispersa. (BELTRÃO, 1980, p.28)
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quando externos - a identificação do outro”. (HANE, 2002, p.8). Beltão (2001) afirma que “as classes populares têm, assim, meios próprios de expressão e somente através deles é que podem entender e se fazer entender”. (BELTRÃO, 2001, p.125) Beltrão (2001) defende a ideia de que é através do folclore a forma mais utilizada pelas classes baixas para se comunicar e se fazer ouvir pelas classes superioras. O povo cria e mantêm nos gostos populares músicas e cantigas que fazem parte do momento em que vivem e assim, facilmente são utilizadas como referência para os povos. A falta de acesso as mídias contemporâneas impossibilita que os grupos marginalizados conheçam outras visões e os impedem de passar sua percepção para os demais grupos sociais. Os grupos se fecham dentro de suas culturas, agregam pouco conteúdo externo e tendem a disseminar em seu meio, a cultura de origem. Siqueira(2005) cita Featherstone, quando afirma que “o consumo, não deve ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente com o consumo de signos”. Para Siqueira (2005), o que domina a sociedade de consumo da atualidade é a variada gama de opções que são apresentadas para os grupos, para que eles as consumam e as desejem. Logo, levantamos a hipótese da folkcomunicação como auxiliadora nas escolhas, onde o grupo social recebe influências culturais e desta forma, é guiado nas escolhas mercadológicas.
MODA Castilho (2009) afirma que o vestuário seria:
(...) um elemento de composição de um texto universal. Ele pode, então, ser considerado como elemento fundante em cada cultura, por exibir-se como linguagem e por caracterizar-se pelas particularidades que assume em determinados
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contextos, nos quais se presentificam técnicas, ritos, costumes e significados que se encontram ‘contrastados’ no interior de uma organização social e que se diferenciam de uma civilização à outra. (CASTILHO, 2009, p.85)
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[...] grupos subordinados tentam adotar símbolos de status dos grupos superiores, buscando ascender na escada de mobilidade social. Os estudos dominantes, desse modo, originam-se nas classes superiores e descem para as que estão abai-
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Lipovetsky (2008) remete à moda como um objeto de significados e descreve como “um dispositivo social caracterizado por uma temporalidade particularmente breve, por reviravoltas mais ou menos fantasiosas, podendo, por isso, afetar esferas muito diversas da vida coletiva”. (LIPOVETSKY, 2008, p.24) Os autores pontuam que para muitas sociedades as roupas além de proteger, tinham significados em ritos ou até mesmo carregavam expressões de classes sociais, sendo um fator muito importante para distinção de classes dentro dos grupos. É então o conjunto de itens que sofrem alteração com o tempo, não ficando submetidos a permanência por questões de costume ou cultura (objetos permanecem em uso mas perdem o significado cultural). É variável de tempos em tempos e exerce função diferenciadora de classes dentro de grupos sociais. Assim como Lipovetsky (2008), Solomon (2011) percorre o universo da moda apontando os significados por trás de cada peça. O autor coloca que a moda seria uma linguagem para indicar um significado. Ela própria é utilizada como veículo que transmite e informa ao receptor (o que observa) o que o emissor (o que veste) aceita ou diverge frente ao contexto em que vive. Segundo Solomon (2011), “estar na moda significa que algum grupo de referência avalia positivamente essa combinação”. (SOLOMON, 2011, p.617) Lipovetsky (2008) acredita que a moda atribui status a quem a sustenta como parte de seu porte físico, como a ‘extensão do corpo’, citada por Pitombo (2007). Para Lipovetsky (2008), a moda é parte de uma relação do indivíduo com o seu íntimo. Lorenzoni (2012) complementa este pensamento ao colocar que a aproximação da moda com a cultura cria uma ressignificação dos itens presentes já na cultura em que é trabalhada enquanto Pitombo (2007) afirma a moda como um “espaço de comunicação e meio de mediação entre os indivíduos, grupos sociais e culturais, entre civilizações inteiras”. Os grupos que se encontram nas classes econômicas mais baixas, usam a moda como um dos fatores que seria responsável pelo ideal de progresso, de passagem para uma classe econômica mais elevada. Solomon (2011) e Ramos (2009) colocam a necessidade que as classes baixas tendem a se assemelharem às classes superioras. Segundo os autores, as classes subordinadas utilizam objetos que são atribuídos às classes do topo como tentativa de passar de uma classe para outra. Solomon (2011) coloca que:
xo. No entanto, é aí que a segunda força atua: as pessoas dos grupos superiores
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estão constantemente olhando para baixo na escala para garantir que não sejam imitados. (SOLOMON, 2011, p.620)
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Segundo Pitombo (2007), o ato de vestir-se encontrou na cultura uma forma significante de ser. A autora coloca que “a moda é sempre um fato de costume; mas sua origem pode representar um ou outro movimento.” Neste trecho ela coloca ‘costume’ sendo a necessidade de se vestir para proteção/pudor e, ‘movimento’ sendo a necessidade de integrar suas ações à cultura local. Lorenzoni (2012) ao apresentar o folclore, nos fez notar a forte ligação que se cria com a cultura, folclore e moda. O autor afirma que a escolha desses objetos de uso pelos grupos, é fundamentada nas experiências culturais sofridas, que podem ser observadas em cada individuo ou na sociedade como um todo. A construção desse repertório de objetos se dá pela utilização da cultura base, em conjunto com as situações atuais que passam a fazer parte do convívio. Castilho (2009) alega que a moda não é apenas expressão de conteúdo, que junto com o corpo ela se transforma em um discurso. Com essa expressão, a autora coloca que junto, corpo e vestimenta, seriam a forma mais completa que o homem teria para expressar suas crenças. Seria através da vestimenta a forma primária que o homem utilizaria para se comunicar com outros de seu grupo ou de outras formações culturais. Neste contexto Rivière (1977) expõe que a moda é capaz de saciar tanto o desejo de identificação (de pertença a um grupo específico), quanto o desejo de diferenciação (possibilidade de agir, ser diferente). (RIVIÈRE, 1977, p.95) Assim como Rolim (2005), Guimarães (2008) enfatiza a necessidade de existência da cultura para o desenvolvimento da moda. Segundo Guimarães (2008) “a moda, como produto da cultura, terá um papel decisivo na construção e expressão dessas novas identidades e também nas relações de consumo”. (GUIMARÃES, 2008, p.4) Ramos (2009) cita a obra de Georg Simmel (1971) ao destacar que:
[...] para que a moda, assim como para que qualquer outro fenômeno social possa nascer numa sociedade são necessários desejos contrastantes: necessidade de união, de pertencer a um determinado grupo social, e anseio pelo isolamento, a necessidade de se singularizar” (RAMOS apud GEORG SIMMEL, 1971)
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A autora ainda coloca que moda seria uma parte do contexto sociocultural, por ser um sistema com linguagem própria, capaz de transmitir significados. Ao ter a forma de se vestir ligada à cultura, traz os grupos folclóricos como disseminadores da moda ou de características comuns que venham a se tornar padrão de uso dentro de grupos sociais de mesma influência cultural. Através da moda, o indivíduo pode tanto se mostrar pertencente de um grupo, como pode mostrar seus valores individuais. Segundo uma entrevista dada por Lipovetsky (2008) ao Jornal Folha de São Paulo (02 de setembro de 2012), o homem com a necessidade de se expressar de forma individualista, para se reafirmar frente à sociedade em que vive, faz uso do luxo. O luxo não seria nada além de um símbolo de status adotado pela sociedade. Outro fator que altera significativamente o modo com que a estrutura da moda se desenvolve, são as tendências. Segundo Tavares (2010), o termo em geral nos remete à moda ou ao universo de estilos. Seria uma inclinação ou uma facilidade de escolha por determinado padrão de ações ou comportamentos. Na moda, é atribuído ao termo o significado de ‘disseminação de informações’, que seria desenvolvido, ou tomaria forma através da comunicação. Estilistas e designers se baseiam no que é observado em um determinado grupo de referência para indicar o que será ou não será moda para uma próxima temporada. No caso, a autora cita influências econômicas, demográficas e de estilos de vida. Para Tavares (2010), tendências seriam indicadores de comportamento, uma previsão de probabilidades de gostos e aceitações, seria o desenvolvimento de hábitos ligados diretamente ao desenvolvimento das sociedades visando maior êxito ou aceitação frente “a demanda do mercado global”. Seguindo os ideais de tendência e surgimento de estilos a partir de fatores comunicacionais foi identificado o surgimento do estilo de vestimenta baseado em fatores folkcomunicacionais, o que impulsionou o desenvolvimento deste trabalho. A partir do conteúdo visto sobre cultura, moda e tendências é possível traçar indicações do que é conhecido por Estilo Folk, juntamente com as explicações para a difusão do estilo.
Segundo Solomon (2011) é comum uma cultura dominante fazer uso de itens que pertençam a outras culturas ou épocas, modificando seu significado e reapresentando para um público maior. Assim, os objetos perdem seu significado original e passam a receber denominações de pessoas que desconhecem ou rejeitam as origens dos itens resignificados.
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ESTILO FOLK NA MODA
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Entende-se o Estilo Folk como disseminador de itens populares. É baseado no estilo dos hippies, povos indígenas americanos, tribos nômades, remetendo aos anos 60 e 70. O estilo ainda é apontado por Booz (2012) como:
[...] intimamente ligado aos temas étnicos e multiculturais, sendo uma mistura de várias culturas e estilos diferentes. Alguns elementos fashion como as franjas, estampas étnicas, couro desgastado, penas, e feltro com cores como bege, ferrugem,
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conhaque e chocolate são marcas registradas do estilo folk [...]. (BOOZ, 2012)
Colocamos ainda que quando se traz uma tendência que já existiu, ela não traz apenas tecidos, formas e cores, traz junto todo o ideal criado pelo estilo, toda a forma e vida que era passada em uma sociedade. Temos então o conceito de moda servindo como base para outras referências, para expressar um momento na sociedade, fazendo menções a momentos já vividos ou que buscam alusões no imaginário popular. Ao visualizar os desfiles das grandes grifes, pode ser observada a quantidade de referências que são utilizadas para todas as peças. Não apenas no colorido ou nos acessórios característicos de lendas, mitos, folclores e culturas, mas muito também na própria defesa por parte dos estilistas. A cultura que perde o significado, a referência com os acontecimentos atuais não admite ou não dá razão para essas motivações culturais. Elas deixam de existir como movimentos mas permanecem como influências estéticas. Sendo assim, no momento em que a sociedade passa a não se encontrar mais com um estilo, a filosofia é substituída por outra que esteja mais coerente com a realidade do grupo social, restando apenas a moda que foi um dia tendência, como base para referências futuras. Pitombo (2007) já afirmava que no momento em que a moda é vista como personificação de um sistema simbólico a peça de roupa baseada em culturas antigas passa a ser vista como um objeto de ruptura de tempo, que mesmo estando na atualidade, remete ao passado. Engel (2000) e Wajnman (2002) compartilham do pensamento de que o indivíduo é influenciado por seu grupo de referência, que pode ser tanto as pessoas da família, quanto de outro ambiente que o indivíduo frequente. Engel (2000) coloca que “grupos de referência fornecem padrões (normas) e valores que podem tornar-se a perspectiva determinante de como uma pessoa pensa e se comporta”. (ENGEL, 2000, p.461) O Estilo Folk, se cria em cima de outros estilos, trazidos por artistas ou até mesmo seguindo a linha mais individualista, onde o sujeito busca por seus próprios adereços de forma única. Corrêa (1989)
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destaca um ponto importante quando coloca que qualquer item de vestimenta ou adorno retirado do seu contexto social e colocado dentro de outro onde sua cultura de origem seja desconhecida ou não se torne um agravante, este objeto perde seus significados de origem e passa a ser uma peça sem valor. O autor coloca que “o efeito dessa prática consiste em, principalmente, vulgarizar os símbolos de origem, transformando-os em meras peças de consumo, sem o valor inicial”. (CORRÊA, 1989, p.76) Se observados os temas escolhidos para as estampas deste estilo, temos dois tipos que se destacam: as que fazem referência ao estilo inspirado nas estamparias astecas e as inspiradas nas indianas. As estamparias de origem asteca, tanto quanto as de origem indiana, possuem significados religiosos e em algumas tribos, significados inclusive políticos. Hoje encontramos estas estampas sendo utilizadas por pessoas de diferentes culturas e locais, que podem ou não vir a conhecer a procedência de tais materiais, mas que não mais os usa pelos fatores religiosos e políticos, e sim, apenas estético. A estampa fazia parte dos símbolos que a cultura hippie trazia, “especialmente da contracultura, movimento de contestação social, que buscava uma transformação dos valores e costumes da época”. (LEMOS, 2011) A autora ainda coloca que a estampa era associada a alta riqueza e foi justamente por isso que os hippies a utilizaram, para tornar popular o que era considerado para poucos. Segundo Ferrari (2012) o padrão de cores e formatos da cultura asteca era representada por figuras geométricas e cores quentes, o que pode de fato ser observado na tendência da moda folk. Há ainda outros elementos que constituem este universo. São as miçangas e os motivos em couro. Sempre buscando referências nos estilos dos antigos cantores de rock folk que se inspiravam em agentes rústicos e culturais para compor suas vestimentas ou até inclusive, fazendo uso de penas, tiras de couro e miçangas, utilizadas com frequência na cultura dos índios norte americanos. Durante o desenvolvimento dos estudos em cima do Estilo Folk para melhor conhecer suas características e movimentação na moda do século XXI, observamos que o estilo se dissipou para diversas classes sociais, se tornando uma tendência. O que mais chama a atenção é o fato do estilo oriundo de culturas ancestrais, se mostrar presente na moda voltada para a classe A. surpreende a aceitação de algo tão popular, rústico, por uma classe conhecida por seus altos padrões de exigência. Durante o desenvolvimento dessa reflexão, observamos um fragmento do mercado de luxo, e a profanação de itens culturais sendo livremente comercializados. Como aponta Guimarães (2008), a moda faz uso da cultura para se recriar. Itens utilizados fazem referência aos símbolos que fazem parte de outras culturas. A moda utiliza referências culturais que se mostram aceitas pelo público e a aplica em coleções, desenvolve peças baseadas em estilos que fizeram sucesso e ressurgem com uma moda nova, que é inspirada em um movimento anterior. Segundo Solomon (2011), essa releitura é comum pois estamos sempre buscando pelo novo, por formas atualizadas, por objetos que representem essa atualização.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das pesquisas realizadas no campo de cultura, moda e folclore, encontramos dados referentes à atualização do sistema de moda em conjunto com a cultura. Quando nos referimos à moda como parte integrante da cultura, levantamos o questionamento de como a comunicação, com base no folclore, se atualiza dentro da cultura de moda. Ao pesquisar sobre folkcomunicação, moda e traços comunicacionais, observamos que a moda trabalha de forma cíclica. Ela faz uso das referências que adquire das culturas, sejam elas as que o indivíduo está inserido, sejam elas de outros locais ou tempos. A moda é feita por quem a veste, quem a utiliza como forma de se comunicar para o mundo. Ela surge como uma opção utilizada por poucos, como tendência, e pode vir a se tornar referência de estilos ou épocas, tudo dependendo da aceitação que ela desperta. Ela precisa se inspirar em algo para acontecer, precisa se basear em fatores presentes na sociedade, encontrar oportunidades. A moda é antes de tudo uma referência ao que a humanidade está vivendo ou para onde ela está se encaminhando. Buscar referências nas culturas passadas, mostra o interesse pelo visual adotado por outras épocas, a nostalgia de viver como antes. A releitura, mostra a forma com que a moda se desenvolve, inventando e se reinventando. Adaptando novas formas ao que já foi utilizado como tendência algum dia. Isso foi o que encontramos pela expressão de “ciclo de moda”, é a forma com que as tendências se desenvolvem. Entre os estilos que a moda desenvolveu, temos em destaque o Estilo Folk, a forma clara da utilização de técnicas e objetos antigos, neste sistema. A moda utiliza os padrões visuais que foram criados pelas culturas, mantidas por suas experiências folclóricas. O estilo faz uso de referências folclóricas e culturais para existir. Diferente de outros estilos que faz uso de diversos materiais, podendo eles serem atuais, o Estilo Folk volta ao passado, buscando estilos e objetos já trabalhados na história. Ao fazer uso destes objetos, a moda os afasta da sua realidade inicial. Ao fazer uso de objetos estéticos retirados de outros contextos culturais, a moda desliga o objeto do significado comunicante e o insere em um novo local, privando-o de suas conotações especiais. Assim, a moda adquire novos objetos, novos adornos, une a tendências, estilos, e se reinventa. A moda cria, recria, faz com que a sociedade busque um novo estilo, mude de estilo, e o consumidor se adapte conforme a sua necessidade de pertença. A moda não discrimina, é feita para todos. Cria estilos para pobres e ricos, deixa eles escolherem como querem se mostrar frente a comunidade a qual pertencem, ou a qual querem pertencer. O estilo em questão foi desenvolvido baseado em culturas antigas, simples, sem o requinte das classes altas atuais. E este estilo, tão democrático quanto a moda, se adapta e se customiza para atender á classe social que o deseja. Em mesma época que encontramos o Estilo Folk estampado nas revistas da marca voltada para a classe AA, encontramos o mesmo estilo nas araras das lojas do consumidor popular. Democrática como só ela sabe ser. Cabe ao consumidor encontrar a forma mais adequada a sua realidade para fazer uso da moda.
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Consideramos ainda que este estudo é baseado em um universo limitado, onde buscamos as respostas que nos levaram a entender sobre moda e o estilo recriado, como se dá esta formação cíclica que a cultura da moda faz uso. Entendendo ainda que no momento em que a sociedade se encontra, os objetos de uso se tornam cada vez mais efêmeros, as tendências passam a se atualizar buscando novas referências dentro de seu próprio ambiente, como também dentro de outros grupos. A moda reage a estas adaptações trazendo mais itens para si, agregando novas informações culturais, tornando passageira até a noção do que é tendência. Múltiplas tendências, pois é a forma estampada das diversas realidades culturais em que um grupo se encontra, ou seja, é a personificação da convergência de sentimentos e anseios, todos expressos através de objetos de consumo. Deste cenário surge questionamentos que nos remete a outro estágio do campo de consumo de tendências de moda: como o indivíduo se coloca frente a essas tendências? Nossas observações buscaram compreender como a cultura, vista como um organismo vivo, reage e cria informações para si mesma. Agora a questão que nos inquieta é a forma com que o indivíduo de uma cultura qualquer se porta em relação a estas tendências efêmeras. O que faz o sujeito entender a tendência na atualidade? Como um indivíduo, como peça dentro de um grande grupo de outros como ele, percebe uma tendência? O que faz com que ele queira aceitar uma nova manifestação cultural? Quais os atrativos que o novo pode despertar para saciar os anseios de um indivíduo em trânsito constante por várias culturas? Ou ainda, será que podemos falar em tendência? Aqui encontramos um novo rumo a ser tomado para a compreensão deste ser vivo tão complexo ao qual denominamos de ser humano. Isso significa encarar que este projeta está em fluxo, e conecto com outras ideias para os futuros estudos da autora.
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Fernanda Laís Ramazzini: Ex-aluna, bacharel em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
MS. Magda Rosí Ruschel: Professora , Mestre em Audiovisualidades pela Unisinos e Especialista em Comunicação e Saúde.
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Da promoção de vendas ao branding: a evolução da linha de comunicação da marca STIHL 1 Autores(as): Iara Janice Michalski 2 Angela Lovato Dellazzana 3
RESUMO Com a crescente evolução do número de concorrentes no mercado, as organizações têm demonstrado a necessidade de investirem em promoção de vendas e propaganda para garantir resultados positivos em vendas. Entretanto, algumas empresas percebem nestas ferramentas uma oportunidade para alcançar sucesso também na construção da percepção positiva da imagem e reputação da marca, como parte do processo conhecido como branding. Desta forma, pretende-se verificar como as campanhas promocionais de vendas da marca STIHL podem contribuir para a imagem positiva da marca. Através da metodologia de estudo de caso, foi possível perceber que a empresa analisada vem evoluindo a forma de utilizar as ferramentas de promoção de vendas e propaganda, passando de uma abordagem racional para uma abordagem emocional.
¹ Este artigo é uma adaptação do Trabalho de Conclusão de Curso de Iara Janice Michalski apresentado ao Curso de Publicidade e
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Palavras-chaves promoção de vendas; branding; propaganda.
Propaganda da Unisinos em julho de 2013, sob orientação da Profa. Dra. Angela Lovato Dellazzana. ² Aluna do curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos/RS. 3
Docente do curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos/RS.
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INTRODUÇÃO O cenário competitivo vivenciado atualmente pelas organizações tem demonstrado a necessidade das empresas estarem muito bem posicionadas no seu segmento de atuação, gerarem resultados positivos em vendas e ainda garantirem a evolução dos negócios, sustentadas por uma marca sólida. Uma estratégia bastante utilizada pelas empresas são campanhas de promoção de vendas em que os clientes podem ganhar muitos benefícios, como mais opções do mesmo produto, brindes, sorteios ou descontos, e na maioria das vezes, sentirem-se satisfeitos por ter aproveitado preços e condições especiais. Já o fabricante pode aumentar o volume de vendas e o faturamento, reduzir o estoque de determinado produto ou ainda incentivar o consumidor a experimentar a sua marca. É notório que campanhas de promoção de vendas, se bem planejadas, podem render bons frutos tanto para o intermediário como para o fabricante. Entretanto, além de excelentes resultados em vendas, muitas organizações têm buscado com esta ferramenta sucesso também na construção da imagem e reputação da marca, processo conhecido como branding. Esta gestão de marca compreende, entre outros aspectos, a comunicação institucional, que busca promover a imagem da marca de forma positiva junto aos seus diversos públicos, e envolve planejamento em longo prazo. Por meio de ações de comunicação institucional, a marca pode diferenciar-se das demais e contribuir para a prosperidade dos negócios da empresa. Isso significa que uma gestão de marca eficiente pode influenciar diretamente nos resultados financeiros de uma organização, de forma positiva, se a imagem for boa, ou de forma negativa, se a imagem da marca não corresponder ao que promete entregar. Entretanto, uma marca poderá contribuir para diferenciar os produtos de seus concorrentes, se de fato, os consumidores perceberem-na como uma marca de valor. Existem, porém, empresas ou organizações que não dispõem de verba suficiente para investimentos em propaganda institucional. Com isso, suas ações de marketing ficam restritas a campanhas promocionais de vendas e propaganda, que normalmente precisam de menor investimento e apresentam resultado em curto prazo. O desafio atual é descobrir como fazer com que o consumidor perceba esta marca como diferente das outras, quando praticamente todos os investimentos em marketing da organização são voltados para campanhas de promoção de vendas. Estabelecer formas eficazes de promoção que possam comunicar também o valor da marca são habilidades importantes para todas as empresas, em especial para aquelas que não dispõem de verba para comunicação institucional. Assim, este artigo busca entender como as campanhas promocionais de vendas podem
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contribuir para a imagem positiva da marca, através da análise da evolução da linha de comunicação da marca STIHL Ferramentas Motorizadas Ltda. Para analisar empiricamente o objeto de estudo, foi feita uma comparação da estratégia da promoção de vendas e propaganda adotada nas campanhas promocionais veiculadas em 2009, 2010, 2011 e 2012, destacando-se os temas de campanhas, os apelos de vendas e as linhas criativas utilizadas pela marca STIHL.
Para o consumidor, o processo de decisão de compra tornou-se muito mais difícil nos últimos tempos. Com a ampla oferta de produtos no mercado e o crescente número de empresas, há uma grande quantidade de itens disponíveis, que proporcionam mais opões para o cliente e em muitos momentos, podem até mesmo gerar dúvida sobre qual escolher. É nesta hora que o consumidor resgata suas experiências em relação às marcas oferecidas, e tende a escolher por aquela que já conhece, mas também pode optar por uma marca que o cative e demonstre que tem muito a oferecer. Para Sampaio (2002), a marca representa a experiência vivida pelos consumidores em relação a produtos, serviços, empresas ou instituições. Em outras palavras, entende-se que o conceito de marca está relacionado ao conhecimento e relacionamento do indivíduo com a empresa, seus produtos ou serviços. A vida agitada e complexa da sociedade moderna precisa apoiar-se em decisões rápidas de consumo. Com isso, as marcas assumem um papel importante na vida dos consumidores. Torna-se mais fácil optar por aquela marca na qual se pode confiar, do que correr riscos comprando uma marca desconhecida ou que tenha pouca credibilidade. Por outro lado, percebe-se que a sociedade hoje também tem se mostrado mais receptiva ao novo, a experimentar novos produtos e ter novas experiências com novas marcas. A necessidade da marca estar presente na vida e na mente dos clientes tornou-se fundamental para as organizações. Entretanto, para que uma marca seja reconhecida pelos consumidores, é preciso ter mais que um nome, é necessário representar alguma coisa, fazer algum sentido. Sampaio (2002) afirma que as marcas passaram a tomar lugares respeitáveis na comercialização de mercadorias e no próprio modelo de gestão da empresa. De acordo com Martins (2005, p. 17), “Uma boa marca é capaz de atrair e reter o consumidor para o seu produto ou serviço [...].”.
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MARCA: MAIS QUE UM NOME
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Nesse sentido, há empresas que tem buscado investir em estruturados projetos de branding para criarem suas marcas, uma vez que sem um planejamento adequado para as ações, a marca pode tornar-se apenas uma promessa. Para Kotler e Keller (2006, p. 269) “Branding significa dotar produtos e serviços com o poder de uma marca. Está totalmente relacionado a criar diferenças”. Isso demonstra a importância da marca destacar-se no mercado não somente pelas promoções e preços competitivos que ela oferece, mas por suas particularidades que não são encontradas em marcas concorrentes.
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PROMOÇÃO DE VENDAS: QUEM QUER COMPRAR? Os investimentos em promoção de vendas, que cresceram consideravelmente nos últimos anos, demonstram que essa ferramenta de comunicação vem conquistando cada vez mais o respeito e despertando o desejo dos consumidores. De acordo com Ferraciù, (2002), “A promoção de vendas define-se por si própria: é uma técnica de promover vendas. Promover implica fomentar, ser a causa, dar impulso, fazer avançar, provocar, diligenciar, desenvolver, originar, favorecer, etc.”. Além de gerar sentimento de urgência, a promoção de vendas estimula a compra por impulso e a aquisição de produtos supérfluos. Tudo isso pode fazer com que o consumidor permaneça mais tempo na loja e sinta-se atraído pela oportunidade de comprar com condições especiais. Isso indica que, muito provavelmente, quanto mais tempo ele passar na loja, mais irá comprar. Promover vendas, estimulando o consumidor a comprar determinado produto ou serviço é a atividade fim da promoção de vendas, que visa um retorno financeiro do investimento feito para realização da ação em curto prazo, uma vez que estas ações são frequentemente planejadas para atingir metas e resultados em vendas. Há ainda a possibilidade de oportunizar benefícios para a empresa através da promoção de vendas, buscando reduzir ações da concorrência, por exemplo. Estar presente no mercado com uma promoção interessante pode tornar o produto mais atraente em relação à concorrência. De acordo com Batista (2007, p.352) a promoção de vendas pode ser utilizada para obter vantagens mercadológicas tais como neutralizar ao máximo a ação da concorrência ou reforçar a imagem de uma marca perante o consumidor ou o comércio. Nesse sentido, a pro-
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moção de vendas, além de obter resultados em curto prazo para o faturamento, pode influenciar para aumentar a fatia de participação no mercado pela empresa, o que aumenta significativamente os resultados da ação como um todo, e vai além da promoção, trazendo benefícios para a imagem da marca. As promoções são oportunidades em que podem ser adquiridos produtos que não seriam comprados se não houvesse a promoção (como o desconto ou a condição de pagamento facilitada). Para isso, a promoção de vendas pode utilizar-se tanto de apelos racionais, como também de apelos emocionais. Ferracciù (2002, p. 147) indica que “Nem todos os apelos das campanhas precisam ser rigidamente racionais ou exclusivamente emocionais.”. Há situações em que os clientes compram mais por motivos emocionais do que racionais, como em datas comemorativas, por exemplo. Os argumentos emocionais são embasados em sentimentos como “Nosso shampoo xxx vai deixar seus cabelos lindos e brilhantes pra você ter um dia mais feliz”. Os argumentos racionais buscam convencer o cliente através de benefícios como características técnicas, desconto ou condições de pagamento favoráveis, como “parcele em 10 vezes”. Em alguns momentos, pode-se utilizar os dois artifícios, emocionais e racionais: “Fique linda e pague muito menos”. Muitas das ações classificadas como promocionais poderiam facilmente ser classificadas de outra forma. Entretanto, a promoção de vendas é a soma de todos os esforços da área comercial para alcançar um objetivo comum: vender.
Fundamental para divulgar em grande escala a promoção de vendas, a campanha publicitária vem contribuir para que os resultados esperados em comunicação possam ser alcançados, e reúne uma série de ações de comunicação que são desenvolvidas de forma alinhada. Figueiredo (2005) afirma que o segredo da persuasão em campanhas publicitárias é criar um elo entre os valores do consumidor e as características ou valores expressos pela comunicação do produto. Seduzir o consumidor e persuadi-lo torna-se mais fácil quando este processo se dá por meio de valores percebidos pelo cliente, assim a publicidade tende a tornar-se menos invasiva e passa a fazer parte de um contexto na vida do consumidor. De acordo com Hoff e Gabrielli (2004, p. 29) “Uma campanha publicitária é um conjunto de peças, criadas para divulgar um produto ou serviço, que atendem a um mesmo objetivo de comunicação”. Na prática, pode-se entender que uma campanha é tudo que é criado de forma
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A SEDUÇÃO DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS
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alinhada e desdobrado em diferentes peças de comunicação para conquistar o público. “[...] a publicidade comercial explora o universo dos desejos, um universo particular.” (CARVALHO, 2002, p.10). Para dar conta das diferentes necessidades de comunicação, há vários tipos de campanha: promocionais, institucionais, de varejo, do terceiro setor, políticas e de marketing. Comumente utilizada para promover vendas ou divulgar promoções, as campanha promocional e a de varejo trazem uma linguagem publicitária que busca seduzir, pois o objetivo maior está diretamente relacionado a aspectos comerciais de um produto ou serviço. Assim, quanto mais ‘atraente’ o produto parecer, mais pessoas desejarão tê-lo. Segundo Hoff e Gabrielli (2004), em uma campanha publicitária são somados todos os esforços na obtenção de resultados e de impactos positivos para o consumidor. De forma geral, a campanha é importante pois canaliza e direciona todas as formas de comunicação com os clientes. Considerando que a publicidade, muitas vezes, não deixa transparecer suas verdadeiras intenções, ideias e sentimentos para convencer e seduzir o receptor, Carvalho apresenta três diferentes recursos utilizados pela publicidade para persuadir o receptor: “a ordem (fazendo agir) – ‘Beba Coca-Cola’; a persuasão (fazendo crer) – ‘Só Omo lava mais branco’; ou a sedução (buscando o prazer) – ‘Se algum conhecido lhe oferecer flores, isto é Impulse’. (CARVALHO, 2002, p.10). Sendo assim, é possível perceber que a principal função da campanha publicitária é apresentar o produto ou a marca da forma mais atrativa possível, procurando tornar convincente a mensagem publicitária transmitida e levando em conta as crenças e valores do consumidor. No âmbito da comunicação, torna-se evidente a necessidade de que a campanha tenha um tema claramente definido, além de apelo e linha criativa adequada ao público. Entretanto, para que a campanha publicitária possa ter uma identidade visual homogênea, é fundamental resgatar algumas definições acerca da escolha do tema. Hoff e Gabrielli (2004) acreditam que toda campanha deve ter um tema que aborde um valor ou qualidade notável, o diferencial ou a promessa de entrega. Nesse sentido, o tema cumpre duas funções: construir a unidade da campanha e auxiliar no processo de persuasão. O tema pode ser considerado o primeiro nível do processo de persuasão – de convencimento – do consumidor. Embora, isoladamente, não seja responsável por toda a força persuasiva da campanha, em conjunto com os demais elementos que a constituem torna-se responsável pela persuasão do consumidor. (HOFF e GABRIELLI, 2004, p. 37). As autoras afirmam que o tema da campanha assume sua parcela de responsabilidade em relação à persuasão. Ao carregar uma mensagem principal, planejada e
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criada especialmente para o público ao qual se destina, o tema da campanha pode influenciar o processo de decisão de compra do consumidor. Ao identificar-se com o tema, o cliente pode perceber também as vantagens que o produto ou a marca em questão estão oferecendo. Para Figueiredo (2005), o tema de campanha deve associar a marca à personalidade do consumidor. Isso significa que a criação precisa ter habilidade para compreender a visão de mundo do consumidor e traduzi-la em um texto. No âmbito da comunicação, é fundamental que a campanha publicitária seja fundamentada por uma linha criativa que possa sustentar o conceito e traduzir o tema. Além de traduzir o tema, a linha criativa também precisa refletir o apelo escolhido, e passar com clareza todas as informações que o público alvo precisa ter conhecimento. O apelo, outro recurso importante e que irá auxiliar na definição do tema, pode ser emocional, utilizando-se dos benefícios que o cliente tem ao utilizar determinado produto, ou racional, que foca nas características técnicas do produto. Já a definição da linha criativa implica na escolha do tom de abordagem que será utilizado para expressar o apelo/tema. Para Hoff e Gabrielli (2004, p. 41) “As linhas criativas são ferramentas”, que podem ajudar a agência a desenvolver a parte criativa da campanha. Em outras palavras, pode se dizer que a abordagem auxiliará na definição de elementos que irão compor o conceito da campanha. Ainda, segundo a autora, há diferentes possibilidades para a linha criativa: humorística, erótica, testemunhal, informativa, irônica, polêmica, lúdica, entre outras, sendo que a aplicação da linha criativa dependerá do apelo utilizado e tema de campanha utilizados.
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METODOLOGIA Para dar conta dos objetivos desta pesquisa, foi utilizado o método de estudo caso, que demonstrou ser adequado para analisar a evolução de uma marca. Como unidade de análise, foi realizado um estudo de caso da marca STIHL Ferramentas Motorizadas, multinacional alemã do ramo de ferramentas motorizadas portáteis, líder em seu segmento de atuação. O estudo de caso, que tem status de método, de acordo com Yin (2001), permite investigar um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, onde são utilizadas múltiplas fontes de evidências. O estudo de caso traz informações baseadas em experiências reais vivenciadas pela organização, e apresenta de maneira empírica as evidências encontradas na coleta de dados. Para analisar empiricamente o objeto de estudo, foi feito um estudo comparativo da estratégia da promoção de vendas e propaganda adotada em campanha promocional no ano de 2009, 2010, 2011 e 2012. A análise foi feita com base nas peças de comunicação, a partir da identificação do apelo utilizado, da linha de comunicação e argumentos de venda, e do papel destas ações na gestão da marca. Em função do espaço disponível nesse artigo, restringiu-se a análise aos filmes das campanhas publicitárias promocionais veiculadas pela empresa.
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ANÁLISE: DA GARANTIA IMBATÍVEL AO SEX APPEL O filme “Garantia”, veiculado em 2009, traz a garantia como principal diferencial, sendo apresentada pelo vendedor ao cliente no momento da compra. Neste comercial são reforçados os atributos do produto por meio da fala do vendedor: “Esta promoção é um ótimo negócio. Você está levando uma roçadeira de alta tecnologia por um preço imperdível.” Ao finalizar a venda, o vendedor ainda destaca a garantia: “Ah, peraí: sua garantia. Traz a garantia aqui.” E então outro funcionário da loja entra em cena com um carrinho de carga, e apresenta a garantia de 18 meses como mercadoria a ser entregue. A locução em off entra para falar que só a STIHL pode oferecer os melhores preços e ainda dar uma garantia de 18 meses. Entram em cena pessoas utilizando os produtos e os preços da campanha são informados em lettering.
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Ao final, o vendedor aparece outra vez ajudando o cliente a colocar o número 18 dentro do porta-malas do carro. E conclui: “Só uma líder como a STIHL pode oferecer tanto por tão pouco.”
A garantia entra no filme como um “presente” ao cliente. A STIHL pretende mostrar que além de adquirir um produto de alta tecnologia por um preço “incrível”, o cliente ainda ganha 18 meses de garantia. Todos esses argumentos de venda são utilizados para reforçar o posicionamento da marca STIHL: “Somos mais pelo mesmo valor”, ou seja, a STIHL oferece mais vantagens, mais qualidade, mais serviços, tudo isso por um preço competitivo. Se analisada essa peça da campanha de 2009 sob o ponto de vista de Hoff e Gabriele (2004), é possível perceber que a abordagem adotada é racional, pois as peças falam de atributos técnicos, preços, características da linha de roçadeiras, da garantia. A campanha traz como tema central a garantia e os preços “incríveis”, que são as promessas oferecidas ao cliente, e a linha criativa aplicada tem um tom informativo, pois fala dos produtos. Já na campanha de 2010, percebe-se que a STIHL traz personagens para representar o enfoque na tecnologia e no preço. O filme “Alemão Chinesa” é uma conversa entre um alemão e uma chinesa, em um cenário com fundo branco, que traz destaque para o logo da empresa ao fundo. O alemão está segurando a roçadeira STIHL FS 55, produto destaque na campanha.
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Figura 1 - Filme Garantia 30’. Fonte: Arquivos STIHL
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Figura 2 - Filme Alemão Chinesa 30’. Fonte: Arquivos STIHL
No comercial, os personagens falam com sotaque característico das suas nacionalidades. O início é marcado pela fala do alemão, fechando os olhos ao olhar para a japonesa: “O STIHL é marca de qualidade. Você pode comprar de olhos fechados.” Em seguida, a chinesa reforça: “Mas é melhor abrir bem os olhos para a promoção de roçadeiras.” A cena é finalizada pelo alemão: “Com tecnologia alemon...” e a chinesa complementa: “E precinho da China né? ihihihi” fazendo um sinal com os dedos, indicando os preços baixos. Entra então a locução off e as imagens das roçadeiras sendo utilizadas, informando preços, além do reforço dos letterings. No final, o alemão lembra: “Tudo com 12 meses de garantia...” e a frase é concluída pela chinesa: “e satisfação, por muitos anos!” Este final demonstra que assim como em 2009, a STIHL continua reforçando a garantia oferecida para sua linha de produtos. Ao afirmar “satisfação por muitos anos”, a empresa está propondo que o cliente ficará satisfeito ao adquirir um produto STIHL. A abordagem da campanha é racional e a linha criativa da campanha segue um tom informativo, mas traz um toque de humor muito sutil, marcado pelas falas características dos personagens, que a deixa mais leve. Também com humor, a linha criativa da campanha de 2011 foi marcada pelo forte apelo: “Vai cuidar do jardim? Só se for com uma STIHL”. O filme “Mato”, começa com um uma trilha de ação, enquanto as imagens, ora em close, ora em negativo, mostram um homem em uma garagem se equipando, com coturno, colete, cordas, cinto com pequenas ferramentas para jardim. Quando a trilha se encaminha para o auge, aparece a cena do homem pintando o rosto, como se fosse para uma batalha, e logo em seguida, a imagem em negativo dele com a tesoura para podar, dando a entender que está preparado para a “missão”. Na cena seguinte, o mesmo homem preparado para a “missão”, chega ao jardim e encontra sua esposa e uma amiga dela conversando animadamente, quando ela pergun-
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ta: “Aonde cê vai assim?” Ao que ele responde: “Fazer o jardim, querida!” E ela prontamente responde: “Há, fazer o jardim? Só se for com uma STIHL né?”, dando a entender que cuidar do jardim com STHIL é algo fácil e tranquilo.
Em seguida, entra a locução em off e anuncia: Pra cuidar muito bem do seu jardim, aproveite a promoção STIHL. Roçadeiras com preços de 2010. Isso mesmo, preços de 2010.” Durante esta locução, são mostradas cenas do marido utilizando a roçadeira no jardim de casa, enquanto o lettering informa o preço da roçadeira FS 55 por R$ 699,00. Além disso, o lettering informa: “Na compra de uma roçadeira a combustão, ganhe um óleo lubrificante para motores 8017H de 100 ml e um conjunto misturador.” O filme termina com o marido e sua esposa sentados na varanda, conversando, e na mesma cena, à esquerda, aparece o alemão, personagem do filme produzido para a campanha de roçadeiras de 2010. Ele entra em cena segurando a roçadeira na mão, e anuncia: “Eficiência com economia, só podia ser a STIHL!”, e então encerra com a assinatura da STIHL. Neste comercial, é possível perceber que a linha criativa adotada para a campanha tem um tom humorístico, na cena em que o homem prepara-se para a “batalha”, que se demonstra vencida quando as ferramentas são STHIL. O objetivo principal deste filme parece ser anunciar a promoção da linha de roçadeiras, mas é possível perceber que além de divulgar a promoção, o filme instiga o espectador a pensar sobre a maneira como ele pratica os cuidados com o jardim, e convida-o a conhecer a STIHL. O filme evidencia que, ao usar uma STIHL, o homem irá fazer o trabalho mais facilmente e terá mais tempo para o lazer, para estar ao lado da sua esposa. A técnica de abordagem empregada nesta campanha, de forma geral, é de persuasão, pois, segundo Carvalho (2002) a persuasão pretende fazer o consumidor acreditar no que está sendo dito. Na cena final, percebe-se que o casal está feliz, desfrutando o tempo juntos. Em linhas gerais, é possível perceber que o comercial busca mostrar ao consumidor as vantagens que ele tem ao utilizar uma roçadeira STIHL. No filme, a marca deixa de
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Figura 3 - Filme Mato 30’. Fonte: Arquivos STIHL
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ressaltar os atributos do produto como principais diferenciais, como vinha fazendo nos anos anteriores, para investir na comunicação marcada pelos benefícios ao cliente. Por fim, na campanha de 2012, a STIHL veiculou o filme “Linha de Jardinagem”, marcado pela trilha musical em inglês em que uma mulher com voz sexy canta em inglês “He is a man, a man that I want” (Ele é um homem, um homem que eu quero), especialmente construída para esta produção. O filme começa com a trilha e a cena de um homem bonito e forte cortando a grama com a Roçadeira FS 55 R na frente da sua casa, com muita desenvoltura. Duas jovens corredoras passam em frente à casa e ficam boquiabertas com a beleza e virilidade dele, quase chegam a parar. Na cena seguinte o homem aparece soprando as folhas secas com o soprador BG 86 C-E. Neste momento, uma executiva passa de carro e abre a janela para contemplar o homem. Já na próxima cena, o homem aparece lavando a calçada com a Lavadora RE 98, quando uma jovem passa segurando a guia do seu cachorro, comendo um picolé, sendo praticamente puxada pelo cão e perdendo a direção pois só tem olhos para o homem.
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Figura 4 - Filme Linha de Jardinagem 30’. Fonte: Arquivos STIHL
O filme termina com a cena da esposa, que aparece na porta com um copo de suco sorrindo para ele, e a locução: “Quem não tem tempo a perder e exige qualidade em tudo que faz, escolhe sempre a linha de jardinagem STIHL.” O homem é recebido dentro de casa pela sua mulher, e se transforma em um homem comum, sem atrativos físicos e sem os encantos que tinha quando utilizava os produtos da linha STIHL e entra a locução: “Tudo fica melhor com STHIL”. Durante todas as cenas em que o homem aparece utilizando os produtos são mostrados letterings com o nome e o preço dos produtos com a condição parcelada em 6 vezes, fator que pode ser percebido pelo cliente como condição facilitada para aquisição do produto. Neste filme é possível perceber que o foco não é o produto nem mesmo as características técnicas, mas sim o que o cliente pode fazer com ele e como pode se sentir quando está usando os produtos. A empresa coloca o cliente como protagonista da história, e apresenta a linha criativa que é permeada por um tom de sex appeal, além do humor, que também se faz presente no final do filme. Ao utilizar os produtos STIHL, o homem
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CAMPANHA 2009
CAMPANHA 2010
CAMPANHA 2011
CAMPANHA 2012
RECURSO
Persuasão
Persuasão/Ordem
Sedução
Sedução
TEMA DA CAMPANHA
Garantia de 18 meses, preço promocional
Tecnologia alemã, preço da China
Cuidados com o jardim, facilidade para realizar as atividades de jardinagem
Cuidados com o jardim, como o cliente se sente ao utilizar os produtos
APELO PRINCIPAL
Racional
Racional
Racional/Emocional
Emocional
LINHA CRIATIVA
Informativa
Informativo/Humor
Humor
Humor/Sedução, Sex appeal
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sente-se bonito, forte, atraente e capaz de realizar todas as tarefas domésticas de cuidado com o jardim. Se analisada sob o ponto de vista de Hoff e Gabriele (2004), a persuasão se dá através da figura masculina, que desperta a atenção das mulheres. Carvalho (2002) diz que a publicidade utiliza a manipulação disfarçada. Quando relacionado ao aspecto emocional, o comercial ainda busca despertar no público o universo particular dos desejos (CARVALHO, 2002). É da natureza masculina atrair o sexo oposto, especialmente do homem, que na sua masculinidade gosta de atrair e sentir-se desejado. Hoff e Gabriele (2004) apresentam uma lista de necessidades básicas, e entre elas está o desejo de atrair e ser atraído, apreciar a beleza, exibir-se, aspectos que foram contemplados neste filme. Ao propor que o homem que utiliza os produtos STIHL não tem só vantagens técnicas, a STIHL amplia sua marca de forma exclusiva no mercado. A empresa comercializa produtos que comumente exigem um argumento técnico para convencer o cliente e diferenciá-lo da concorrência, como qualidade, desempenho, segurança, potência ou garantia. Entretanto, explorar a comunicação fundamentada em aspectos emocionais mostra que é possível envolver o público em uma situação cotidiana comum, com a qual muitos conseguem criar empatia. Nesta campanha de 2012, além da emoção, que está fortemente presente no filme, há também outro aspecto importante que motiva as pessoas: o sonho. As pessoas sonham em conquistar muitas coisas, como ter um bom emprego, uma boa casa, o carro do ano. Mas também sonham em ter características pessoais que as tornarão pessoas “melhores”. Um dos recursos utilizados pela publicidade que Carvalho (2002) apresenta é a sedução. Seduzir é da natureza humana e este é um argumento que parece ter funcionado muito bem neste contexto. Além de valorizar as atividades de jardinagem como algo que pode ser prazeroso, a STIHL deixou a figura masculina mais atraente, valorizando o trabalho de quem cuida do jardim. No quadro 1, construído a partir da visão de Hoff e Gabriele (2004), é possível acompanhar a evolução da linha de comunicação adotada nos últimos quatro anos. Importante ferramenta para construir a campanha, o recurso utilizado evoluiu da persuasão para a sedução. A partir do momento em que a sedução é utilizada como recurso, o produto passa a ser exibido como objeto que pode ser desejado pelo cliente. Além de estimular as vendas, pois induz o cliente a acreditar no produto, a marca passa a estar em evidência.
Quadro 1 - Evolução da linha de comunicação
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Em relação ao tema e apelo, verificou-se que a campanha de roçadeiras trazia nos anos 2009 e 2010 basicamente temas com apelos racionais, como preço baixo, tecnologia, garantia, com linha criativa informativa. Já nos anos de 2011 e 2012, as campanhas tiveram temas relacionados aos benefícios e vantagens que os produtos STIHL podem proporcionar ao cliente. Diferente dos anos anteriores, o recurso utilizado foi a sedução, e a linha criativa foi permeada por um tom de humor.
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A marca representa uma experiência vivida pelos consumidores em relação a produtos, serviços ou empresas. Este artigo permitiu perceber que, através da evolução e uma apela puramente racional para um apelo emocional, a STIHL buscou promover uma aproximação do público, estimulando a experiência de identificação com a marca. Para os que já conhecem e se identificam com a marca, entende-se que o apelo das últimas campanhas contribuiu para manter e fortalecer a relação do consumidor com a marca, além de estimular também a relação com o público que ainda não teve nenhum tipo de experiência com a marca. Ou seja: mesmo que o consumidor ainda não tenha tido nenhuma experiência de compra, pode ter sido impactado emocionalmente pelos argumentos das campanhas. Nesse sentido, percebe-se a preocupação da marca STIHL em buscar o relacionamento emocional com seus consumidores. A partir do momento em que a STIHL adota a abordagem emocional no filme produzido para a campanha, demonstra ao público que está disposta a estreitar os laços de relação. Não obstante, o fato de trazer como tema de campanha os cuidados com o jardim, também permite que o consumidor crie uma imagem de empresa mais humana, que está atenta ao que ele precisa para realizar suas atividades. Pode-se dizer que a comunicação deixa de voltar seus esforços para o produto e passa a olhar para o cliente como elemento principal, pois o apelo emocional remete a um tom mais humano, mais próximo das pessoas. O sentimento e a emoção despertados no consumidor assumem um papel fundamental para a percepção da imagem da marca. Verificou-se que a mudança na linha de comunicação da STIHL representa uma evolução no processo de branding através das campanhas com apelos emocionais. Em um horizonte de longo prazo, se a STIHL continuar evoluindo neste ritmo, é muito possível que a marca alcance um nível de credibilidade ainda maior junto ao mercado, tornando-se ainda mais conhecida e prestigiada. Talvez seja este o momento ideal para planejar e iniciar os investimentos em comunicação institucional. Por fim, considera-se que a promoção de vendas e as campanhas publicitárias são importantes ferramentas que podem ser utilizadas para o processo de branding, promovendo o crescimento contínuo da marca.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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BATISTA, Leandro. Promoção de vendas: A teoria da prática. In: PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan. (Orgs). Hiperpublicidade: fundamentos e interfaces. São Paulo: Thomson Learning, 2007; CARVALHO, Nelly. Publicidade: A linguagem da sedução. São Paulo: Editora Ática, 2002; FERRACIÙ, João de Simoni Soderini. Promoção de vendas. São Paulo: Pearson Makron Books, 2002; FIGUEIREDO, Celso. Redação Publicitária: sedução pela palavra. São Paulo: Thomson Learning, 2005; HOFF, Tania; GABRIELLI, Lourdes. Redação Publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004; KOTLER, Philip; KELLER, Kevin. Administração de marketing. 12ª Edição. São Paulo: Pearson, 2006; MARTINS, José Roberto. Grandes marcas grandes negócios. 2ª Edição. São Paulo: Global Brands, 2005; SAMPAIO, Rafael. Marcas de A a Z: como construir e manter marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Campus Ltda, 2002; YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª edição. Porto Alegre: Bookman, 2001.
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Iara Janice Michalski: Graduanda em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
Angela Lovato Dellazzana: Docente do curso de Publicidade e Propaganda da unisinos.
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As Relações entre Consumo e Felicidade: A Busca pela Felicidade no Ato de Comprar ¹ Autor(a): Lisandra Darde Krüger²
RESUMO
Estudiosos nomeiam a sociedade contemporânea como “sociedade de consumo”. O capitalismo determina a importância de ter, de adquirir e de acompanhar as mudanças e as atualizações constantes dos produtos. São infinitas ofertas, além de diferentes opções para pagar: tudo facilitado. Comprar é um prazer, uma alegria, um refúgio, um alívio, uma necessidade. Neste cenário, ser feliz é mais do que um desejo, é um direito - algo pelo qual é legítimo lutar. A publicidade garante que a felicidade está ao alcance das mãos enquanto convive-se com o aumento exponencial do estresse, da ansiedade, da depressão. A sociedade de consumo desenha uma atualidade de contradições, de questionamentos. O consumismo e os anseios íntimos humanos confundem-se e traçam um novo caminho a ser seguido. Este artigo trata das relações entre consumo e felicidade e como elas afetam a realidade e as relações humanas.
¹ Trabalho apresentado na disciplina de Teoria e Pesquisa em Publicidade e Propaganda, no semestre de 2013/1.
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Palavras-chaves sociedade de consumo; consumismo; felicidade; publicidade.
² Graduanda em Publicidade e Propaganda, email: lisandradk@gmail.com
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AS RELAÇÕES ENTRE CONSUMO E FELICIDADE: A BUSCA PELA FELICIDADE NO ATO DE COMPRAR Consumir é a grande atividade humana contemporânea, que desempenha uma importância significativamente maior do que nas sociedades anteriores. Sobre esse aspecto, Barbosa (2008, p. 14) pontua:
a cultura material e o consumo são aspectos fundamentais de qualquer sociedade, mas apenas a nossa tem sido caracterizada como uma sociedade de consumo. Isto significa admitir que consumo está preenchendo, entre nós, uma função acima e além daquela de satisfação de necessidades materiais e de reprodução social comum a todos os demais grupos sociais.
A vida organiza-se para garantir que o ato de comprar com frequência e constância seja garantido e legimitimado, possível aos diferentes públicos e culturas, todas as horas do dia, no comércio local ou na internet. Mais do que isso, o consumo independe de renda e de classe para acontecer; é uma prática possível para todos, de acordo com Barbosa (2008). Bauman (2008, p. 41) define:
[...] “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por
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assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo,
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Lipovetsky (2007, p. 80) destaca que, inclusive a lógica do mercado foi invertida, uma vez que “não se trata mais de produzir primeiro para vender em seguida, mas de vender para produzir, tornando-se o consumidor final uma espécie de ‘comandante’ do produtor”. A sociedade atual, debruçada nos avanços tecnológicos constantes e na atualização contínua dos produtos, além dos lançamentos sempre aguardados com ansiedade, vive o que Baudrillard (2008) chama o “tempo dos objetos”. Sua expressão chama atenção para o fato de que nos conformamos com o ciclo de vida rápido dos bens que adquirimos. Somos espectadores do seu nascimento, produção e morte, e já esperamos conscientes para que isso aconteça. Ninguém mais adquire algo pensando em torná-lo uma peça perene em sua família ou em sua história. Ao contrário das civilizações anteriores, em que os objetos permaneciam, sobrevivendo às gerações humanas. Denominada como obsolência programada, essa prática mantém a produção em pleno vapor e as garante a manutenção do desejo pelas últimas novidades. Os valores desta forma de vida, entretanto, ultrapassaram os limites mercadológicos e estão presentes nos relacionamentos, nos objetivos e nos sonhos pessoais. Consumir é muito mais do que um direito de membros da sociedade, é um dever e um comportamento esperado, de acordo com Bauman (2008). O autor concorda que nas posses sempre esteve o conceito da diferenciação, do status e da exclusividade, mas a geração presente tem sido protagonista da mudança dos parâmetros em relação a valorização das pessoas, do que são e como de movimentam em sociedade, e que esses aspectos são diretamente influenciados por essa nova perpectiva. A constituição humana e sua visão de si são diretamente afetadas por essa realidade. Quando as escolhas passam a ser permeadas pela vontade de acompanhar os lançamentos e atualizações, pela necessidade de “estar na moda”, pela vontade de diferenciarse e mas também de fazer parte, de não ficar de fora, a visão que desenvolve-se de si próprio sofre uma mudança radical: assume-se o papel como consumidor. Como o tal, é minha responsabilidade aplicar meu capital da forma como desejar.
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assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais.
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O critério para a aquisição de qualquer coisa passa a ser a minha escolha. É o império da ética do self, em que cada um de nós se torna o árbito fundamental de suas próprias opções e possui legitimidade suficiente para criar sua própria moda de acordo com o seu senso estético e conforto. Finalmente, como não existem grupos de referências nem regras que decidam por e para nós, os grupos sociais são indiferenciados em termos de consumo. Todos somos consumidores. (BARBOSA, 2008, p. 22)
O individualismo desponta como carro-chefe dos impulsos consumistas e uma das principais bases de construção da sociedade atual: o que eu compro é o que eu decido. E esse mecanismo de repete para outras esferas e relações. É interessante observar que a opção de escolher o que comprar é sempre um ato só, por mais que acontece na companhia de alguém. Para Lipovestky (2007, p. 337) é esse cenário de individualismo que dá embasamento para busca pela felicidade.
Quando o indivíduo é posto como valor primeiro, a felicidade se impõe de imediato como ideal supremo: esse processo não fez mais que se ampliar. Longe de ser um desvio aberrante, a obsessão contemporânea por plenitude representa a realização perfeita, irresistível, do programa da modernida-
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de individualista e mercantil.
Bauman (2008) destaca que a promessa de plenitude na vida terrena é inédita na história humana: ser feliz é possível e deve acontecer aqui e agora. Sociedades anteriores acreditavam na felicidade após a morte, em uma dimensão diferente da terrena. A mudança de mind set ecoa nos valores, princípios, atitudes e sonhos. Para Baudrillard (2008, p. 49),
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Todo discurso sobre as necessidades assenta numa antropologia ingénua: a da propensão natural para a felicidade. Inscrita em caracteres de fogo por detrás da menor publicidade para as Canárias ou para sais de banho, a felicidade constitui a referência absoluta da sociedade de consumo, revelando-se como equivalente autêntico da salvação.
Desta forma, ser feliz é o que motiva as atitudes e as decisões dos consumidores na atualidade. Neste ponto, cabe a reflexão do motivos que levam a buscar comprar felicidade. Um primeiro aspecto que pode ser levantado é o que comenta Barbosa (2008): a grande maioria do que consumimos está disponível parar ser adquirido no mercado. Não há motivo, então, para que a felicidade não seja comprada. Além disso, há um outro aspecto: “as respostas à pergunta “Você é feliz?” dadas por membros da sociedade de consumidores podem, de maneira legítima, ser vistas como o teste maior de seu sucesso e fracasso.” (BAUMAN, 2008, p. 61). A publicidade então trabalha com essas duas necessidades contemporâneas: de manter-se atualizado e de ser feliz. Seu discurso é sempre próximo, para buscar seu público-alvo e a ele demostrar o caminho certo para casar essas duas vontades.
A publicidade vê-se por toda a parte a mimar os modos de comunicação imediatos, intimistas e pessoais. Procura falar à dona de casa a linguagem da dona de casa que mora em frente, esforça-se por falar ao quadro ou à secretária como o patrão ou a colega, empenha-se por se dirigir a cada um de nós como amigo, como superego, como voz interior, servindo-se do modo de confissão. Suscita assim intimidade, segundo um verdadeiro processo de simulação, onde ela não existe, que entre os homens, quer entre estes e os produtos. Eis o que entre coisas (e talvez em primeiro lugar) se consome na publicidade. (BAUDRILLARD,
Por outro lado, Barbosa (2008) apresenta a realidade de que a maioria dos consumidores não acreditam na publicidade que assistem e declaram que suas decisões
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2008, p. 215-216)
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de compra são pouco influenciadas por anúncios e campanhas. É difícil negar, porém, o importante papel da publicidade, das marcas, da propaganda, do marketing para a realidade atual. A felicidade como objetivo supremo da vida é chamada por Pondé (2012) de tirania. Seu aspecto impositivo e a “lista” de características e comportamentos esperados por alguém feliz na atualidade são vistos pelo estudiosos como uma distorção da visão da realidade. Neste cenário, Lipovestky (2007, p. 201) afirma:
O paradoxo merece ser sublinhado: eis uma sociedade em que mais de 90% dos indivíduos se declaram felizes ou muito felizes e na qual, ao mesmo tempo, as depressões e tentativas de suicídio, as ansiedades e consumos de medicamentos psicotrópicos se propagam à maneira de uma torrente inquietante. [...] O fato está aí: quanto mais triunfa o consumo-mundo, mais se multiplicam as desorganizações da vida mental, o sofrimento psicológico, a dificuldade de viver.
Afirmando esse fenômeno, Segatto et al (2009) aponta os alarmantes números que colocam o Rivotril, um remédio tarja preta que combate a ansiedade, como o segundo mais vendido do Brasil. Uma nação que orgulha-se da alegria que expressa para o muito inteiro, consome (destacando aqui o verbo “consumir”) quantidades elevadíssimas de um anti-depressivo que causa dependência pelo uso prolongado. As relações entre consumo e felicidade ligados fortemente, conforme afirma Lipovestky (2007, p. 343):
A busca da felicidade por meio de bens e dos serviços mercantilizados está
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apenas no começo de sua aventura histórica. Saúde, lazeres, jogos, transporte, cultura, informação, proteção da natureza – é a integralidade das necessidades que será anexada pela lógica da mercadoria, instalando a fase III [contemporânea] em todo planeta. É preciso render-se à evidência, a sociedade de hiperconsumo se impõe como nosso único horizonte, nada
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deterá a expansão do consumo pago a todas as nossas atividades, a onimercantilização do mundo. Se existem diferentes políticas econômicas ou sociais, não existe, por ora, solução alternativa à sociedade de hiperconsumo.
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O desafio é encontrar o equilíbrio neste contexto que apenas potencializa-se com o avançar do tempo.
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REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. LI, Jaqueline. Dinheiro, pra que te quero. Revista Sorria: para ser feliz agora. São Paulo, ed. 31, p. 30-35, 2013. LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. PONDÉ, Luiz Felipe. A Tirania da Felicidade e o Mundo do Trabalho. [S.l.], 2012. 1 post (43 min 21 s). Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=GKH x39grtAM>. Acesso em: 07 abr. 2013. SEGATTO, Cristiane et al. Rivotril: por que o medicamento é o segundo mais vendido no país? [S.l.], 19 fev. 2009. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI27270-15257-1,00-RIVOTRIL+POR+QUE+O+MEDICAMENTO+E+O+SEGUNDO+MAIS+VENDIDO+NO+PAIS.html>. Acesso em: 26 mar. 2013. Matéria postada no site da Revista Época, no link Saúde e bem estar.
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Lisandra Darde Krüger: Graduanda em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
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A postura ética adotada nas mensagens veiculadas na propaganda eleitoral na campanha para presidência da república em 1989 ¹ Autor(a): Juliana Rosa Silveira²
RESUMO Como qualquer outra área de atuação profissional, a execução das atividades de Comunicação Social exige uma postura ética. Com a propaganda, isso não é diferente. Por se tratar de um dos casos de maior repercussão no Brasil e por provocar diversos debates, o enfoque desse trabalho está no período histórico-político de grande polêmica para a opinião pública brasileira, ou seja, a Campanha Eleitoral de 1989 para a Presidência da República. Neste artigo que será apresentado a seguir, realiza-se uma análise do discurso das falas presentes em algumas propagandas dos candidatos Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva exibidas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral para televisão.
¹ Este artigo é baseado no Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel
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Palavras-chaves Propaganda Eleitoral; Ética na Propaganda; Retórica; Análise do discurso.
em Publicidade e Propaganda, do Curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; tendo como orientador o Prof° Dr. Sérgio Roberto Trein no ano 2013/1. ² Graduanda no Curso de Publicidade e Propaganda. Email: ju.lianarsesteio@gmail.com
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INTRODUÇÃO A escolha do tema de artigo reflete o interesse pela pesquisa na área da propaganda política. Mais precisamente, pelo cenário político do ano de 1989 e para o período que antecedeu as eleições diretas para a Presidência da República, ou seja, a campanha eleitoral daquele ano. Além disso, procura-se realizar uma discussão sobre a postura ética adotada nas mensagens da propaganda eleitoral dos candidatos que disputavam o pleito de 1989. Assim sendo, nesse texto procura-se responder o seguinte questionamento: Quais foram as posturas éticas adotadas durante a Campanha Eleitoral de 1989 no Brasil, no que tange as estratégias de comunicação e o compromisso moral das propagandas eleitorais? E para responder a tal pergunta utiliza-se uma metodologia de estudo baseada na ferramenta análise do discurso e com amparo nas técnicas de estudo da pesquisa bibliográfica e pesquisa de matérias jornalísticas por sistema de clipagem ou clipping. Dessa forma, pode-se afirmar que o artigo é fundamento em uma pesquisa de caráter exploratório e vertente qualitativa. A fim de pontuar o objeto de estudo aqui presente, deve-se citar que o material analisado baseou-se em seis trechos dos programas eleitorais veiculados no chamado Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral para televisão no ano de 1989. Já como forma de proporcionar direcionamento a este artigo, a escolha das propagandas anteriormente citadas refere-se à expressão de votos nas urnas no primeiro turno por parte dos concorrentes, ou seja, as propagandas perteceram aos dois candidatos mais bem votados nesse pleito: Fernando Collor de Mello do PRN (Partido da Reconstrução Nacional, com 28,52% dos votos) e Luíz Inácio Lula da Silva do PT (Partido dos Trabalhadores, com 16,08% dos votos). Por sua vez, autores como Albuquerque (1999) e Pinto (1991) foram de suma importância para se ter acesso a esse material de pesquisa. A questão da ética também surge como uma forma balizar o objeto de estudo desta monografia. Na verdade, torna-se relevante a observação e a análise da propaganda eleitoral com base em uma ciência capaz de realizar um juízo de valores e de observar as condutas humanas, como bem lembra Lopes (2003) em sua obra. Esse autor ainda fornece uma ideia para o campo de estudo desta monografia, relatando que a ética relacionada à propaganda é capaz de criar um grande projeto: a realização de um trabalho honesto e descente. Assim sendo, o estudo da ética contribui para verificação dos discursos dos candidatos Collor e Lula no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral em 1989, ponderando suas posturas e suas condutas como políticos participantes de um embate eleitoral. O interesse pela análise do discurso presente nas propagandas eleitorais de 1989 é justi-
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ficado pelo seu caráter de “assujeitamento do emissor”, assim descrito na obra de Barros e Duarte (2008). Já que por meio dessa verificação, é possível notar que o sujeito se expressa mediante a incorporação de discursos sociais já instituídos, como o próprio discurso publicitário (neste caso, o discurso da propaganda eleitoral), conforme as observações feitas na obra desses autores. Sendo assim, tem-se a oportunidade de notar e de verificar as falas dos candidatos à Presidência da República naquele ano. E acredita-se que essa é a forma mais adequada de exame das propagandas dos candidatos de 1989, porque, como o próprio Rodrigues (1995) explica em sua obra, o homem (o candidato) expressa de diferentes maneiras a sua relação com uma mesma realidade, assim como constrói novos sentidos para o mundo, pronuncia sentenças e faz declarações que transformam de algum modo a própria realidade. E isso se torna muito importante, visto que se pode notar como cada um dos concorrentes ao pleito de 1989 se apropria da linguagem da propaganda eleitoral e da linguagem televisiva para construir sua mensagem e atingir o eleitor. Como é própria desse método de pesquisa, segundo a explicação presente na obra de Barros e Duarte (2008), a desconstrução do texto em discursos ou em vozes, adotou-se essa forma de proceder. A partir dos textos de Albuquerque (1999) e Pinto (1991), inicia-se, dessa forma, a leitura e a transcrição dos trechos das propagandas de Collor e Lula. O objetivo dessa primeira iniciativa baseia-se na análise propriamente dita, ou seja, na retirada de partes dos discursos presentes na propaganda eleitoral (falas dos candidatos e demais interlocutores presentes nesse contexto), para que se possa perceber a estrutura comunicacional construída, bem como a postura ética adotada em cada caso.
Para a análise presente neste artigo, o discurso proferido por Collor e Lula em alguns de seus programas eleitorais é o centro das verificações e das observações. Para ser mais preciso, selecionaram-se para esse estudo, os trechos dos discursos veiculados na televisão e transcritos das obras de Albuquerque (1999) e Pinto (1991), como no caso, dos programas que foram ao ar nos dias vinte e três de outubro de 1989, dois de novembro de 1989, entre outros. Após a constatação de que havia inúmeros trechos das propagandas desses candidatos nas obras de Albuquerque (1999) e Pinto (1991), optou-se por selecionar os discursos que representassem de cada estilo de comunicação adotado por Collor e Lula. E como critério para
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COLLOR X LULA: A BATALHA ELEITORAL NA PROPAGANDA
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construir essa análise, buscando a otimização do estudo e a percepção das peculiaridades das propagandas de cada candidato, realizou-se uma contraposição entre os discursos desses adversários políticos. Na sequência desta parte do artigo, pode-se observar que será apresentado um trecho da fala de um candidato e sua análise, seguido pelo trecho do seu adversário e sua respectiva verificação do discurso. Nessas falas selecionadas, procurou-se observar a presença de um aspecto em comum no discurso de ambos concorrentes nesse pleito, como por exemplo, a discussão ideológica presente em cada caso, a busca da participação popular na campanha por parte dos candidatos, bem como, o ponto de vista desses candidatos sobre um mesmo assunto de interesse público. Essa estratégia ou técnica de análise foi observada nos estudos de Albuquerque (1999) e de Pinto (1991). E se pode afirmar que essa serviu de inspiração para a criação da análise presente neste artigo, pois, ficou evidente, a partir da leitura dessas obras, a facilidade para notar as características das falas de cada candidato. Contudo, neste presente artigo, apresenta-se um diferencial, acrescentando um estudo do ponto de vista ético sobre o discurso eleitoral nas propagandas de 1989. Também é importante frisar que nesta análise constará o posicionamento da autora deste artigo. Porque, faz-se necessária a explanação do entendimento dos conceitos pesquisados, aliado a reflexão sobre os trechos da propaganda eleitoral de 1989. Esse ponto de vista estará presente em alguns momentos do texto, bem como no desfecho deste texto que trata sobre os discursos presentes nas propagandas eleitorais. Em um primeiro momento, serão apresentados dois trechos de propagandas eleitorais de 1989, um de Collor e outro de Lula, para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral da televisão. A escolha dessas falas fundamenta-se no interesse por um aspecto em comum apresentado nesses momentos dos discursos dos candidatos; pontualmente, volta-se para suas buscas pelo engajamento na campanha presente em suas respectivas propagandas eleitorais. Também é interessante notar que Albuquerque (1999) realiza um comentário sobre esse espaço na mídia televisiva, citando que, em alguns casos, esse horário de propaganda serviu para promover um convite ao telespectador, para que esse colaborasse ativamente com a campanha.
Narrador em off: “Lula é o único candidato que não pede dinheiro aos pode-
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rosos. Quem sustenta a candidatura de Lula é o povo. Os trabalhadores da Volkswagen arrecadaram 11.400 cruzados novos em apenas uma tarde”. Albuquerque (1999, p. 92).
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Começamos sozinhos, o povo e eu, sem apoio de nenhum grupo, de nenhum político, sem apoio de nenhum empresário. Sozinhos lutamos contra tudo isto que aí está e que vai acabar para sempre no nosso país. Pinto (1991).
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A partir da análise dessa propaganda eleitoral nota-se que há um foco no engajamento da campanha, diferentemente, de outras mensagens transmitidas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. Visto que o objetivo principal da propaganda veiculada nesse meio era a conquista da confiança do eleitor e, por consequência, do seu voto. Segundo Albuquerque (1999), esse tipo de apelo era veiculado nas propagandas eleitorais em 1989 de forma secundária e, geralmente, eram apresentados no final dos programas dos candidatos. Contudo, pode-se notar que a estratégia de comunicação realizada voltou-se para a busca do auxílio direto e objetivo do telespectador/eleitor. Aliada a essa ideia está a obra de Rodrigues (1995), podendo verificar o conceito descrito por ele através da análise desse discurso da propaganda de Lula, especialmente, no que tange o ato ilocutório. Dessa forma, pode-se perceber que, nesse pronunciamento, constrói uma argumentação baseada no apelo; e se anuncia uma informação: “Lula é o único candidato que não pede dinheiro aos poderosos [...]”. A partir disso, outra análise que pode ser feita refere-se à contradição apresentada nesse pequeno trecho da propaganda de Luiz Inácio Lula da Silva, pois o candidato formulou uma incoerência no que tange os valores e ideais por ele divulgados ao longo da campanha de 1989. Obviamente que, apenas por uma breve leitura desta fala, não é possível realizar esse exame, mas, deve-se ter ciência de que essa relato foi extraído de todo um contexto discursivo (dos programas eleitorais de Lula em 1989). E por inúmeras oportunidades o candidato expôs as dificuldades financeiras que o Brasil e, especialmente, as camadas mais humildes da população enfrentavam na época. Além disso, a militância da sua causa política, da causa dos partidos de esquerda era baseada no conflito de classes sociais (os ricos exploravam os pobres). Por esse motivo, acredita-se que, em sua propagação ideológica e eleitoral por meio da televisão, Lula apresentou argumentos discrepantes, pois pediu contribuições financeiras justamente àqueles que mais tinham dificuldades (e o próprio candidato afirmava isso em seus programas para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral). Assim, uma falácia argumentativa esteve presente nesse discurso, um problema ético para a propaganda eleitoral. Por sua vez, a propaganda Fernando Collor de Mello mostra outra perspectiva sobre esse apelo ao engajamento do eleitor:
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A propaganda de Collor, por sua vez, também trouxe uma mensagem fundamentada no engajamento na campanha. Nessa mensagem do programa eleitoral, o candidato usou, de forma sutil, argumentos que o posicionasse lado a lado como o povo brasileiro, para que, assim, pudesse ser apresentado como um representante das camadas mais humildes. Essa linha argumentativa da propaganda de Collor reflete o conceito abordado por Sant’Anna (1995) sobre a Lei da Unanimidade e de Contágio. Dessa forma, o candidato se posiciona ao lado da maioria da população brasileira, como aparece no trecho: “Começamos sozinhos, o povo e eu [...]”. Justamente aqui nesse ponto da discussão sobre essa propaganda, pode-se verificar a afirmação de Ochoa (2000) sobre os objetivos da propaganda política, quando ele escreve que esses se baseiam na busca do convencimento da maioria da população sobre a bondade de determinadas ideias políticas, além de pretender o aumento da adoção de simpatizantes a uma causa ou sistema de valores e ideais. Também se pode considerar a constatação realizada por Pinto (1991), se referindo ao fato que, neste trecho, Collor desprezou publicamente o apoio de grupos políticos e de empresários. Entretanto, como a autora mesma adverte, o candidato possuía a apoio de diversas classes sociais e representações de classe (e esse fato era de conhecimento público), inclusive do Presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, na época, Mário Amato. Dessa forma, observa-se uma falta de coerência, neste trecho do discurso de Collor, ou seja, o fato dele ter afirmado que estava sozinho nesta empreitada. Informação essa que não estava totalmente em conformidade com a realidade política de 1989 (Collor não estava sem nenhum apoio, sozinho, na campanha para Presidência da República, pois inúmeros setores da sociedade brasileira manifestaram publicamente estar a favor dele), podendo, dessa forma, levar muitos cidadãos que vissem esta propaganda ao entendimento errôneo desta mensagem (induzir ao erro). Por isso, Fernando Collor comete uma falha em sua propaganda, sob o ponto de vista da ciência ética, porque infringe normas e princípios (honestidade e veracidade nas afirmações) tanto de conduta social quanto na formulação de sua comunicação política. Na sequência, apresentam-se mais dois trechos das propagandas eleitorais de Collor e Lula para a televisão em 1989. As falas transcritas desses programas referem-se à discussão ideológica presentes nessas mensagens veiculadas no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.
Lula: Enquanto a dona de casa, enquanto o trabalhador se mata pra comprar feijão, se mata pra comprar o que comer diariamente, às custas de uma inflação de quase 40% […]. Albuquerque (1999, p.158 e 159).
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Segundo Albuquerque (1999), esse tipo de argumentação desempenhou um papel primordial nos programas da Frente Brasil Popular (nome dado à coligação partidária que apoiava a candidatura de Lula) para a televisão. Ele também cita que, nesse trecho da propaganda, o candidato apresentou um comentário sobre fatos concretos (problemas sociais daquele Brasil de 1989), no lugar de uma mera interpretação da realidade. Isso pode ser notado nesse ponto da propaganda: “Enquanto a dona de casa, enquanto o trabalhador se mata pra comprar feijão, se mata pra comprar o que comer diariamente, às custas de uma inflação de quase 40% [...]”. Já, no que se refere ao tema principal dessa propaganda, ou seja, a inflação brasileira, Albuquerque (1999) coloca que ele foi apresentado sob o ponto de vista da ideologia marxista, tratando da luta de classes. Nesse ponto da análise, também se pode relacionar o conceito de propaganda política tratado por Ochoa (2000). Em sua obra, ele a descreve como uma atividade baseada no uso de recursos e de meios para difundir determinada ideologia, além disso, cita que sua realização emana de partidos políticos e candidatos que concorrem em uma eleição popular. Além disso, pode-se recorrer ao conceito descrito por Perelman (1996), especificamente, aquele que trata do prestígio de um orador que usa argumentos didáticos para realizar a análise desse discurso de propaganda eleitoral, visto que sua fala, mesmo que nem sempre expresse as verdades ou teses aceitas por todos, pelo menos, defende valores que não estão sujeitos a controvérsias. Da mesma forma, Gomes et al. (2006), em sua obra, descreve essa finalidade retórica encontrada no discurso de Luís Inácio, considerando também que seu fim não era o de persuadir, mas ensinar o possível. Já para verificar a forma de abordagem empregada nessa propaganda, busca-se o conceito descrito por Sampaio (2003). Visto que a retórica da propaganda de Luiz Inácio também voltou-se para a dramatização de alguns fatos, focando no problema a ser enfrentado (inflação de quase 40%) e na solução ao escolhê-lo como candidato à Presidente da República. Com base nesses dados acima citados, pode-se perceber que esse trecho da propaganda de Lula está condizendo com uma postura ética, visto que o candidato realizou de forma coerente sua comunicação com o eleitorado, pautando sua fala na conduta moral apropriada a um homem público que respeita as ideias do adversário e os valores da sociedade que poderia o eleger. Da mesma forma, realiza-se a transcrição de um trecho da propaganda eleitoral de Fernando Collor de Mello para televisão. Esse trecho foi retirado da obra de Albuquerque (1999, p.140), servindo de base para a análise dos discurso desse candidato, sob o prisma do posicionamento ideológico.
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Narrador em Off: Collor quer abrir a economia do Brasil para o mundo. E por isso tem gente que diz que pensa que Collor é de direita. Mas também tem gente que acha que Collor é de esquerda: porque Collor vai fazer a Reforma Agrária [...]
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Collor é isso: Collor Equilíbrio. Albuquerque(1999, p.140).
O que se observa nessa propaganda é que coube ao Narrador em Off o papel exclusivo de mediar as posições ideológicas de Collor, como mesmo afirma Albuquerque (1999). Esse autor ainda lembra que a propaganda foi ao ar no dia dois de novembro de 1989, sendo a única ocasião na qual o candidato informou aos telespectadores/eleitores sobre seus ideais políticos e sua forma de conceber a estrutura governamental para o Brasil. Observa-se isso no trecho: “Narrador em Off: Collor acha que o cidadão deve ser mais forte do que o Estado; Collor apoia a livre iniciativa; Collor quer abrir a economia do Brasil para o mundo”. No entanto, também cabe a constatação de que o próprio candidato não fez as menções de suas referências ideológicas, como forma de preservar sua imagem (Collor Equilíbrio) frente ao grande público, evitando, dessa forma, o confronto direto com os interesses e ideais dos diferentes segmentos da sociedade brasileira. Realiza-se esse entendimento a partir da análise do trecho: “ E por isso tem gente que diz que pensa que Collor é de direita”. Essa propaganda de Collor também apostou na estratégia de apresentar um discurso moderador, no sentido, apresentar o candidato como simpatizante da causa política da esquerda (Reforma Agrária, por exemplo) e da direita (Abertura da Economia Brasileira). Seria o que Ochoa (2000) escreveu sobre a propaganda política, relatando que seus objetivos eram busca do convencimento da maioria da população sobre a bondade de determinadas ideias, além da adoção de simpatizantes a uma causa ou sistema de valores e ideias. Dessa forma, o intuito da veiculação dessa propaganda de Collor seria apenas a busca de mais simpatizantes a sua causa, não tendo nenhum compromisso com a discussão ideológica e com a exposição de seus valores e ideias. Aliado a essa constatação está o conceito abordado por Ochoa (2000), tratando da propaganda eleitoral como um formato que busca propagar ideias, além de “vender” a imagem do candidato, destacando seus valores, princípios e demais aspectos. Entretanto, o próprio autor adverte que, em alguns casos, essa mesma propaganda pode mascarar a verdadeira atitude do candidato, pois esse aparece relatando ser seguidor de um sistema de valores que não corresponde a sua preferência ideológica. Portanto, o que se pode verificar é que, na verdade, houve uma falha na sua postura ética no que tange a propaganda eleitoral, visto que Collor em sua argumentação criou apenas uma
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fala astuciosa ou aquilo que Perelman (1996) descreveu como uma forma disfarçada de coerção de ideias, não estabelecendo uma persuasão verdadeira por meio de conceitos e ideias concretas e precisas. Por isso, a propaganda desse candidato deixou de estabelecer o grande projeto da ética descrito por Lopes (2003), mais precisamente, “fazer corretamente” e trabalhar o belo, o verdadeiro de forma descente e honesta. Já o próximo passo desta parte do artigo é a observação e reflexão sobre as propagandas de Collor e Lula no ano 1989 com base nos seus pontos de vista a respeito de um mesmo assunto (o evento do desperdício de alimentos em um celeiro no estado de Goiás).
Narrador em off: E nós viemos constatar a veracidade da notícia. E constatamos que o arroz realmente está estragado. Vocês podem notar milhares de toneladas de arroz aqui se estragando enquanto o povo brasileiro passa fome. Acontece que o candidato do PRN – o candidato Fernando Collor de Mello – ele disse ape-
Nesse trecho, o candidato expôs o problema do desperdício de alimentos: “Vocês podem notar milhares de toneladas de arroz aqui se estragando enquanto o povo brasileiro passa fome”; e, ao mesmo tempo, questionou a veracidade dessas informações noticiadas por um dos primeiros programas de Fernando Collor para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral para a televisão: “Acontece que o candidato do PRN – o candidato Fernando Collor de Mello – ele disse apenas meia-verdade”. Além disso, no decorrer dessa mensagem, Lula realizou uma denúncia contra o candidato do PRN, relatando que o responsável por essa perda de alimentos era um dos coordenadores da campanha de Collor, Lázaro Barbosa, que, na época do ocorrido, ocupava o cargo de secretário-geral do Ministério da Agricultura. Também é possível, a partir das considerações feitas por Albuquerque (1999), estabelecer outros entendimentos. Logo de início, nota-se que neste trecho da propaganda de Lula não foi utilizada a fala de Fernando Collor de Mello (por meio da reedição de imagem e áudio da propaganda do adversário). Luís Inácio em seu discurso apenas fez uma menção ao fato do desperdício de alimentos e uma denúncia sobre uma “meia-verdade” pronunciada por seu adversário em outras propagandas eleitorais. Assim, Lula não usou os chamados recursos audiovisuais (reedição de imagens e de som) em sua mensagem, preferindo realizar a construção da narrativa de sua propaganda com seus argumentos, com sua interpretação e com seu ponto
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nas meia-verdade […] Albuquerque (1999, p.104 e 105).
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de vista (sua própria retórica) sobre o fato. Por isso, o que se consegue depreender dessa mensagem é que havia uma relação política entre o candidato do PRN e Barbosa, manchando, assim, a reputação ilibada do “caçador de marajás”. Assim sendo, nenhum conflito ético pode ser percebido nesse sentido, visto que Lula até podia ter sugerido uma acusação de meia-verdade contra Collor, porque, realmente constatou-se na sua argumentação que houve a omissão do fato do coordenador de campanha de Goiás estar diretamente ligado ao incidente da perda do arroz. E, conforme a explicação dada por André (1994) sobre o Código de Ética dos Profissionais da Propaganda, o candidato Luiz Inácio não infringiu um de seus incisos ou, para ser mais preciso, aquele que trata da proibição de difamar os concorrentes e depreciar seus méritos técnicos. Assim, o candidato Lula se manteve no linear do bom senso, cumprindo seu papel como orador e como postulante ao cargo de Presidente da República, pautando-se por um entendimento das normas de conduta social e eleitoral. Essa constatação é baseada no texto de Lopes (2003), no qual o autor explica que a moral sobrepõe-se ao direito, à ética, pois seu espectro é mais amplo, mais significativo. E, segundo esse autor, ela escapa do direito, porque suas “regras” são impostas ao ser humano como princípios, frutos da consciência, ou seja, a razão e a base da convivência humana. Na sequência, observa-se mais uma vez o texto de Albuquerque (1999, p.105), onde está descrita a fala de Fernando Collor de Mello na propaganda eleitoral sobre o mesmo caso do desperdício de alimentos no estado de Goiás:
Narrador em Off:[…] Lula foi lá e viu: é verdade o que Collor denunciou. Lula: E nós viemos constatar a veracidade da notícia. E constatamos que o arroz
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realmente está estragado. Albuquerque (1999, p.105).
A partir da observação do trecho acima exposto pode-se realizar algumas considerações a respeito da propaganda de Fernando Collor de Mello. Em primeiro lugar, o narrador em off foi utilizado para a argumentação e em nenhum momento o próprio candidato surgiu para a discussão dos temas expostos. Como se verifica no trecho: “Narrador em Off: […] Lula foi lá e viu: é verdade o que Collor denunciou.”. Logo em seguida, esse interlocutor que realizou tal denúncia também afirmou que o candidato só falava a verdade e que estava até mesmo seu adversário, Lula, tinha constatado isso: “Fernando Collor só fala a verdade e isto até os outros
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reconhecem. Lula foi lá e viu: é verdade o que Collor denunciou”. A partir desse ponto da propaganda, pode-se notar que ocorreu realmente a utilização da fala do adversário, mais precisamente, da fala de Lula extraída de sua própria propaganda para TV : “E nós viemos constatar a veracidade da notícia. E constatamos que o arroz realmente está estragado.” Assim, a propaganda de Collor retirou uma frase da propaganda de Lula do contexto original, alterando seu sentido. Outra reflexão que pode ser relacionada a essa análise refere-se ao entendimento de Sant’Anna (1995) sobre o processo comunicacional, nele, o autor explica que existe uma apresentação de signos e símbolos entre o emissor (candidato) e o receptor (eleitor), ou seja, os interlocutores dentro desse processo, para que se possa transmitir significados e valores. Contudo, a partir dessa constatação de Sant’Anna (1995), consegue-se também entender que caso haja uma alteração nessa apresentação de signos e símbolos (no formato), ocorrerá uma mudança no sentido da mensagem, ou seja, nos significados e valores transmitidos. Por isso, este fato ocorrido na propaganda eleitoral de Collor (a descontextualização da fala de Lula) torna-se uma questão central para a análise desse discurso. Ao realizar a análise desse trecho da propaganda de Collor, sob o prisma da postura ética ainda nota-se outras peculiaridades. Primeiramente, percebe-se que o candidato em sua propaganda eleitoral poderia ter usado técnicas discursivas que permitiriam provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que lhes apresentam ao assentimento, conforme explica Perelman (1996), pois o telespectador que votaria naquele ano precisava estar bem informado sobre a vida pública do seu candidato, incluindo nisso suas relações políticas. A supressão dessas informações (a versão de Collor para a denúncia de Lula) proporcionou um abalo na confiança do eleitorado, portanto, sua propaganda eleitoral acabou por não cumprir suas funções precípuas: informar, argumentar e conquistar o voto do eleitor. Mais um aspecto que pode verificado nessa análise volta-se para a utilização da fala de Luiz Inácio nessa propaganda eleitoral de Fernando Collor. Para isso tem-se o auxílio da obra de Albuquerque (1999); e esse lembra esta parte da propaganda no seu contexto original: “E nós viemos constatar a veracidade da notícia. E constatamos que o arroz realmente está estragado”. Ele ainda comenta que essa, por sua vez, tinha o objetivo de pontuar uma denúncia contra Collor; no entanto, o candidato do PRN, em sua propaganda, reproduziu essa mesma fala de Lula, a retirando de sua narrativa originária e, consequentemente, mudando seu sentido. Assim, o que na verdade ocorreu foi que este trecho do programa eleitoral de Fernando Collor distorceu a argumentação presente na fala de seu adversário, provocando outro entendimento: “Collor falava a verdade e Lula verificou isso”. Além disso, Albuquerque (1999) comenta que os próprios recursos das edições de imagem e áudio empregados no meio televisivo permitiram a manipulação das declarações dos candidatos à Presidência da República em 1989.
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Por meio dessa constatação, pode-se deduzir que esse fato, da mesma forma, contribuiu para uma perda significativa na qualidade das informações e das ideias transmitidas ao público, possibilitando um entendimento errôneo do conteúdo transmitido nas mensagens do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. Perelman (1996) ainda lembra que o orador frente a qualquer ataque contra os valores oficialmente reconhecidos por ele (a denúncia feita por Lula sobre as relações políticas de Collor) poderá realizar um controle dos meios de comunicar as ideias, tornando difícil para o adversário as condições prévias da argumentação. A partir desses fatos, percebe-se que foi justamente o que Fernando Collor fez por meio de sua propaganda, ou seja, intrometeu-se no discurso de seu adversário, retirando do contexto originário e dando-lhe um novo sentido, com o objetivo de descaracterizar a argumentação e cercear expressão de suas ideias ou, no caso, da denúncia que comprometeu sua imagem política. Portanto, pode-se constatar que Collor durante esta propaganda eleitoral manteve uma postura inadequada aos princípios morais de um anunciante/candidato. Visto que sua mensagem foi capaz de induzir ao erro muitos eleitores, pois, conforme o Código de Ética dos Profissionais da Propaganda regulamentado pela Lei 4.680, de 18 de junho de 1965, é dever fazer divulgar, somente acontecimentos verídicos e qualidades ou testemunhos comprovados (não forjados do edição de áudio/vídeo). Uma instrução dada tanto ao publicitário quanto ao anunciante (candidato/partido político).
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CONCLUSÃO Este artigo baseado na análise dos discursos presentes nas propagandas eleitorais de Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral no ano 1989 proporcionou uma ampla visão sobre a construção da comunicação política empregada nesse meio. Por meio desse método, observou-se o papel da propaganda eleitoral, os elementos formadores do discurso presente na mensagem eleitoral, bem como a questão ética inserida nesse contexto. Além disso, com a verificação de cada trecho das propagandas desses dois candidatos, percebeu-se a forma como cada um realizou sua estratégia comunicacional para atingir o público (eleitorado) e para conquistar a confiança e o voto desse. Da mesma forma, conseguiu-se verificar a postura ética adotada por Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva nesses discursos analisados, com base no referencial teórico adotado para essa monografia. Bem como, apontou-se, em cada trecho de propaganda ana-
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lisado, algumas considerações sobre a forma de conduzir a mensagem de cunho eleitoral, a maneira de lidar com o adversário político e, principalmente, o modo de expressar opiniões, pontos de vista, ideologia, valores e princípios. A principal conclusão obtida por meio deste artigo foi a de que os dois candidatos de maior expressão nas urnas nas eleições para Presidência da República em 1989 mantiveram uma postura ética inadequada em um determinado de sua campanha eleitoral. Essa constatação foi obtida com base na leitura das obras de alguns autores, como Albuquerque (1999) e Pinto (1991), que proporcionaram a descrição dos discursos presentes nas propagandas eleitorais de Collor e Lula. Ao selecionar alguns trechos dessas mensagens para análise do discurso, procurou-se relatar as principais peculiaridades presentes na comunicação de cada candidato, principalmente, no que tange a postura ética. Assim sendo, Collor manteve uma postura inadequada durante a execução e veiculação de sua propaganda eleitoral em 1989, pois se verificou que suas mensagens apresentaram problemas de ordem moral, como, por exemplo, as afirmações falsas (estar sozinho, sem apoio nenhum em sua campanha eleitoral); a falta de divulgação de princípios políticos na sua propaganda eleitoral e a superficialidade na explanação de seus ideias; a desfiguração da fala de seu adversário, a retirando de seu contexto original e dando lhe outro significado. Lula, por sua vez, também apresentou algumas falhas. Porque, esse candidato, em pelo menos uma ocasião, demonstrou em sua propaganda eleitoral uma certa incoerência no que tange uma conduta pautada pela ética. Isso pode ser observado em pelo menos um trecho presente nessa análise, como, no caso, de sua iniciativa de não apelar por votos, preferindo pedir auxílio financeiro para o eleitor/telespectador. Sendo que, em seus discursos ao longo campanha sempre afirmou estar ciente dos problemas financeiros enfrentados pela população brasileira, especialmente, pela classe operária. Obviamente, deve ser levado em consideração que, para esta análise, foram utilizados apenas três trechos de discursos de cada candidato. E essa representatividade das propagandas eleitorais não abrange o total conhecimento das iniciativas de comunicação adotadas durante as campanhas de Fernando Collor e Luiz Inácio. No entanto, sim, proporcionam uma amostra para a verificação de como podem ocorrer erros em termos de postura ética, de respeito aos valores morais na formulação do discurso presente em uma campanha eleitoral. A relevância destas constatações depreendidas dessa verificação está no fato de contribuírem para a percepção de erros cometidos no passado, a fim de evitar possíveis falhas na criação das mensagens eleitorais futuras, principalmente, da parte dos profissionais da comunicação social, os responsáveis pelo planejamento, criação e veiculação dessas propagandas eleitorais. E os grandes beneficiados com isso são os eleitores brasileiros que terão acesso a informações de qualidade e que não destoam dos princípios morais de sua sociedade.
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Juliana Rosa Silveira: Graduanda em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
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Linguagem Cinematográfica em Trailers de Jogos Digitais.¹ Autor(a): Leandro Maciel Ferreira²
RESUMO Sintetizar e despertar a curiosidade do público em ver como tal história termina são objetivos a serem alcançados através das veiculações de trailers. A narrativa empregada por essa linguagem através dessa ferramenta, quando atinge o seu target o incita a apreciar a obra por completo na sala projetora mais próxima ou aquela de seu agrado, mas e os jogos digitais? O trailer de uma jogo digital pode ser pensado em caráter de uso sob a mesma linguagem?
¹ Trabalho apresentado na disciplina de Teoria e Pesquisa em Publicidade e Propaganda, no semestre de 2011/2.
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Palavras-chaves linguagem; trailer; jogos digitais.
² Graduando em Publicidade e Propaganda, e-mail: leandromacielf@hotmail.com.
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INTRODUÇÃO O cinema traz em sua essência artística aspectos que contribuem para a formação de um processo que há séculos foi criada, assimilada, reproduzida e vem sendo constantemente reinventada pelo ser humano em diferentes formatações, a linguagem, é por meio dela que nos fazemos entender, que nos engajamos e fazemos parte de uma sociedade hoje, nitidamente audiovisual. Nesse contexto, as obras cinematográficas vêm exercendo um papel de destaque na esfera de mudanças em que a linguagem vem se apresentando em nosso cotidiano, pois a cada novo filme vemos que trata-se de uma visão ímpar do seu realizador, de uma linguagem inerente ao aspecto artístico.
Tornando linguagem graças a uma escrita própria, que se encarna em cada realizador sob a forma de um estilo, o cinema tornou-se, por esse motivo, num meio de comunicação, de informação, de propaganda, o que não constitui, evidentemente, uma contradição da sua qualidade de arte. (MARTIN, p.22)
O cineasta russo Dziga Vertov, foi um dos pioneiros a transmitir nas suas produções um tipo de linguagem focada na realidade, não no sentido documental, mas de captar o quão autentico essa realidade poderia ser e em que nível sua carga informativa atingiria o público, instaurando assim, uma expressão criada por ele e ainda hoje reproduzida na linguagem das produções audiovisuais, “cinema verdade”.
“Quando Dziga Vertov diz Cinema Verdade, ele não quer dizer de maneira alguma
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que tenta “captar a verdade”, mas simplesmente a “autenticidade” dos acontecimentos, e o que é indissociável de seu pensamento, de utilizar essa autenticidade captada para ensinar, para informar os homens”. (LANTERNA MÁGICA DO BETO LEÃO – Acessado em 15/11/2012 em http://pec.utopia.com.br/tiki-view_blog_ post.php?postId=925 )
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Alguns exemplos atuais desse foco de linguagem cinematográfica preocupada em informar o seu público podem ser encontrados em produções como as do filme Obrigado por fumar (EUA 2006), na qual a película transmite de forma autentica e sarcástica as relações que giram ao redor da indústria tabagista existente nos Estados Unidos e por que não dizer no restante do mundo, indústria esta que pela característica de indústria podemos compará-la como a encontrada no cinema, mas que precisa ir além da mercantilização, há um desejo intrínseco da humanidade em contar histórias e fazê-las ecoar com o passar do tempo.
“Mais do que o seu caráter industrial é o caráter comercial que constitui um grave inconveniente para o cinema, pois a importância dos investimentos de que necessita torna-o tributário das forças econômicas para as quais a única regra de ação é a rentabilidade e que acreditam poder falar em nome do gosto do público, em virtude de uma hipotética lei de oferta e procura...” (MARTIN, p.21)
No entanto, como descrito anteriormente referimo-nos hoje a um público que é basicamente audiovisual e que consome de forma audiovisual, a linguagem cinematográfica constituída por aspectos técnicos como montagem e edição até então conhecida e aplicada encontrou na propaganda, talvez a sua maior força de transmissão relativa a seu cunho comunicativo, que são os trailers. Sintetizar e despertar a curiosidade do público em ver como tal história termina são objetivos a ser alcançados através das veiculações de trailers, toda a obra audiovisual conta com essa ferramenta no intuito de fazer-se entendida em poucos minutos e em alguns casos em segundos pelo público, porém sem deixar passar a idéia de como tudo termina. A narrativa empregada por essa linguagem nos trailers quando consegue atingir o seu target o incita a apreciar a obra por completo na sala projetora mais próxima ou aquela de seu agrado, mas e os jogos digitais? Será que eles passam pelo mesmo fenômeno? O trailer de uma jogo digital pode ser pensado em caráter de uso sob a mesma linguagem?
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A NARRATIVA NOS TRAILERS
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“Por aqui, a questão mobiliza representantes de searas diversas. “O problema desse debate é que ele costuma julgar o potencial artístico dos games por critérios que funcionam para outras obras de arte, mas nem sempre se aplicam à linguagem interativa dos jogos eletrônicos”, diz o escritor Daniel Galera, que já escreveu ensaios sobre o tema. Para ele, games são uma nova forma de se contar uma história.” (Acessado em 11/11/2012 http://tonka3d.com.br/blog/crescimento-do-mercado-de-consumo-e-producao-de-jogos-no-brasil/ )
Uma nova forma de arte que como o cinema possui uma linguagem própria, o sentido de “verdade” explorado por Vertov em sua filmografia é visitado mais uma vez agora pelos jogos eletrônicos especificamente em seus trailers, onde temos a linguagem cinematográfica trabalhando com a linguagem da interatividade proposta pelos games, pois através da peça publicitária de um jogo a antecipação de uma experiência que ultrapassa o quesito assistir acaba sendo enriquecida pela chance de decidir e vivenciar por algumas horas outra vida, sabendo que as escolhas do jogador podem acarretar mudanças significativas no desfecho da história apresentada no trailer.
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A IMERSÃO NOS TRAILERS DE JOGOS DIGITAIS
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Figura 1 - Heavy Rain 3
A linguagem cinematográfica trabalha com uma multiplicidade de expressões de nível cultural, as que mais nos despertam os atributos sensoriais relacionados à nossa humanidade e 3
O jogo Heavy Rain desenvolvido pela empresa Quanticdream teve seu trailer produzido a partir de cenas resultantes das escolhas
possíveis a serem realizadas pelos futuros jogadores. (Fonte: Google imagens).
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a bagagem cultural que trazemos conosco, como situações que nos causam o riso ou o medo, por exemplo, tornam-se os componentes na produção de um trailer, cabe sublinhar que essa linguagem se expressa sob uma ótica fotográfica daquilo que consideramos real, nos jogos eletrônicos a linguagem interativa já mencionada acentua outro fator que também é comum as duas linguagens: a capacidade de imersão experimentada a partir do momento que temos contato com o trailer de determinada obra, seja ela digital ou cinematográfica. Quando se passa a considerar a existência de uma gama de informações sensoriais que nos são transpostas a realidade com a qual estamos acostumados ou que consideramos dentro de um nível aceitável em nosso cotidiano, através da linguagem cinematográfica presente em uma veiculação promocional de um jogo eletrônico, adquire-se um aumento da possibilidade de êxito da assimilação da mensagem comercial e posterior consumo do produto final.
“Esta ambigüidade de relação entre o real objetivo e sua imagem fílmica é uma das características fundamentais da expressão cinematográfica (...) relação que vai desde a crença ingênua na realidade do real representado à percepção intui-
Figura 2 - Fonte Google Imagens
O trailer do game The Elder Scrolls V – Skyrim cria a atmosfera de épocas medievais resultando em uma experiência imersiva de qualidade sensorial muito próxima as conferidas em obras audiovisuais. A linguagem apresentada nessa peça de divulgação, preocupada em
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tiva ou intelectual dos signos implícitos.” (MARTIN, p.25)
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informar o real de forma ainda que simulada, busca e encontra uma congruência entre essas duas vias de expressão artística.
“Profissionais de música, arte e roteiro se envolvem na criação do game”, diz Guilherme Loureiro, gerente de publicação da desenvolvedora Hoplon Infotainment. (Acessado em 11/11/2012 - http://tonka3d.com.br/blog/crescimento-do-mercado-de-consumo-e-producao-de-jogos-no-brasil/ )
O elemento básico da linguagem cinematográfica é a imagem, segundo Marcel Martin em seu livro: A linguagem Cinematográfica é na imagem que se estabelece a relação de conluio entre a realidade do telespectador e o que está sendo visualizado por ele na tela.
“A imagem fílmica suscita, por tanto, no espectador um sentimento de realidade em certos casos suficientemente forte para provocar a crença na existência objetiva do que aparece na tela.” (MARTIN, p.28)
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Não que essa combinação de sabotar a realidade do espectador tenha o intuito de gerar um resultado negativo, mas sua característica lúdica de exprimir conceitos presentes no imaginário do público ocasiona discussões em que a mescla de linguagem audiovisual e a forma de expressão destoam o significado e a proposta da peça produzida o que não significa ela estar fadada ao fracasso, uma vez que não respeita o convencionalismo tradicional das ações esperadas em um trailer, fazendo nos perguntar se ao que estamos assistindo é o trailer de um filme ou um jogo eletrônico?
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Figura 3 - Fonte Google Imagens
Um exemplo desse processo foi a produção do trailer do jogo Dead Island para Playstation 3, no qual aspectos da linguagem cinematográficas relacionados a linearidade de cenas e de roteiro proporcionam o tipo de questionamento levantado no parágrafo anterior, a peça audiovisual nos narra os acontecimentos de trás para frente com flashbacks do mesmo conjunto de ações acontecendo na ordem normal dos fatos até chegarem a um ponto comum que define onde inicia e finaliza a enredo contado.
“Esses signos ingênuos seriam chamados para uma organização mais elaborada e, por conseqüência, para acolher ou instituir neles próprios uma espécie de con-
Mas essa elaboração no que diz respeito a convenções traz a baila outro artifício relacionado a organização de determinados temas na veiculação desses trailer e que se inserem nesse contexto de linguagem audiovisual encontrada nas produções cinematográficas: o conteúdo artístico, presente nessas peças tem um apelo estético que por si só, em muitos casos são proveitosos em seu conteúdo, porém, deixam lacunas em seu teor prático pois ao jogá-los percebe-se que no trailer a linguagem sofreu uma deterioração significativa no que tange ao argumento, contudo sua essência fica preservada no toques refinados de uma tomada ou ângulo em que observamos o desenrolar da história, tornando possível estabelecer os estilos artísticos atribuídos a essas obras.
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vencionalismo...” (MARTIN, p, 23)
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Dessa forma a linguagem cinematográfica adquire outro patamar de relevância apontado por Marcel, que a eleva a condição dos aspectos apontados por Vertov em sua filosofia de trabalho relacionado ao que ele chama de cinema verdade, a autenticidade só é possível de ser alcançada se for atrelada a um núcleo estritamente rico em essência.
“Há filmes”, escreve Lucien Wahl, “cujo argumento é suficiente, a realização não tem erros, os atores tem talento, mas o filme não vale nada. Não conseguimos ver o que lhes falta, mas sabemos que é o principal.” “O que lhes faz falta é aquilo a que alguns chamam a alma, ou a graça e a que eu chamo o ser.” (MARTIN, p.25)
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Figura 4 - Fonte Google Imagens
Como exemplo, podemos citar o trailer realizado para divulgação do jogo SoulCalibur 4, onde verificamos a preocupação de seus realizadores quanto ao aspecto da abordagem de caráter estilístico utilizado em sua produção, durante todo os acontecimentos mostrados no vídeo temos as inserções de termos como: condenação, salvação, medo, vingança, esperança entre outros para trabalhar o sistema de associação dessas palavras com as imagens dos personagens em ação, remetendo-nos a sensações presentes na essência de cada indivíduo e experimentados, de uma forma ou de outra, em algum momento da vida. Dentro da linguagem cinematográfica, a montagem exerce um papel fundamental partindo-se do princípio de que através dela forma-se a via de percurso a ser veiculada pela lógica de nosso entendimento, para que sejamos afetados pela mensagem contida na peça e logo haja
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uma significação ideológica e moral com o assunto apresentado.
“Existe ainda uma outra dialética externa, fundada sobre as relações das imagens entre elas,quer dizer, sobre a montagem, noção fundamental da linguagem cinematográfica.” (MARTIN,p.33)
A câmera trabalha como um agente ativo na construção da realidade a que se predispõe inserir o espectador, tal qual sua importância é tratada na produção de trailers os resultados obtidos são os mais contundentes no aspecto de dissolução da realidade vivida por quem os assisti. Os planos e movimentações exercida por ela acentuam as relações sensoriais que somados aos enquadramentos tornam a experiência de consumo desses trailers, dentro do objetivo traçados, algo ímpar.
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Figura 4 - Jogos de tiro em primeira pessoa como FallOut 3 exprimem os atributos estéticos relacionados a linguagem cinematográfica logo na apresentação inicial de seu trailer, nesse caso específico, apresentando um forte apelo publicitário de caráter metalingüístico (Fonte - Google Imagens)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O conjunto de atributos referentes a essas produções que pertencem a linguagem cinematográfica de uma forma geral traçam referências que nos permitem analisar de maneira mais detalhada de que forma esses trailers são constituídos, entender melhor como funciona a aplicação dessa linguagem , pode ser um divisor de águas que flui para uma nova nascente de uma estética narrativa, a qual pode nos conduzir a um oceano onde navegam juntos os aspectos imersivos dos jogos digitais e dialética persuasiva dos trailers publicitários.
REFERÊNCIAS
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ASSIS, Jesus de Paula. Artes do Videogames – Conceitos e Técnicas: Alameda, 2007. MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica: Dinalivro, 2005.
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Leandro Maciel Ferreira: Graduando em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
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Revisitando o processo metodológico de uma pesquisa sobre marketing de experiência em um festival de música.¹ Autor(a): Lucas Rodrigues Escouto ²
MS. Taís Flores da Motta 3
RESUMO Este texto retoma os principais processos e escolhas realizados no desenvolvimento de uma pesquisa que, teve como objetivo geral compreender a relação, ou mesmo se existe alguma, entre a experiência gerada pela ação de marketing promovida pela Heineken e a experiência proporcionada pelo Lollapalooza Brasil 2013. A intenção é revisitar o que foi desenvolvido atentando para o fato de que, as escolhas metodológicas determinaram a problemática e os resultados da pesquisa.
¹ Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida, por ESCOUTO, Lucas Rodrigues. Marketing de experiência e festivais de música: a análise de uma ação de marketing promovida pela Heineken no Lollapalooza Brasil 2013. Trabalho de conclusão de
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Palavras-chaves Marketing; Marketing de Experiência; Festival de Música; Lollapalooza; Heineken.
curso em Publicidade e Propaganda – UNISINOS, apresentado em 2013/1. Tendo como professora orientadora Taís Flores da Motta; ² Ex-aluno do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, email: lustif@gmail.com; 3
Professora Mestre em Ciências da Comunicação. Docente dos cursos de Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Análise de
Sistemas na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, email: taisfm.tfdm@gmail.com.
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INTRODUÇÃO Ao longo do desenvolvimento de nosso trabalho, recorremos a diversos instrumentos metodológicos. A metodologia norteou nossos passos e nos auxiliou na caminhada para atingir os objetivos da pesquisa acadêmica. De acordo com Bonin (2008), a metodologia é o eixo condutor que orienta e conduz os processos de construção de uma pesquisa em todos seus âmbitos de investigação. Tal como expõe a autora, as práticas metodológicas estiveram presentes em todas as etapas de nosso estudo. A seguir apresentamos as escolhas e instrumentos de coleta e análise de dados utilizadas em cada etapa da referida pesquisa.
CONHECENDO O CAMPO DE ESTUDO: ETAPA DE PESQUISA DA PESQUISA 4 Uma das práticas metodológicas propostas por Bonin (2008) é a pesquisa da pesquisa. Esse instrumento metodológico consiste em aproximar o pesquisador das contribuições acadêmicas anteriores e possibilitar um melhor aproveitamento dos avanços teóricos e metodológicos concretizados previamente. A autora ressalta:
A pesquisa da pesquisa torna-se, por conseguinte, uma prática relevante para tomar contato com esta produção, a fim de que as novas investigações contemplem e considerem estes desenvolvimentos e aquisições e busquem efetivamen-
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te avançar com e a partir deles (BONIN, 2008, p.123).
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Bonin (2008) defende que a pesquisa da pesquisa, vista como operação metodológica, traz elementos que permitem uma elaboração profunda e consistente da problemática, assim como uma ampliação da capacidade de desenvolver o problema, potencializando a investiga4
A pesquisa foi realizada em bancos online de trabalhos acadêmicos, tais como Google Acadêmico, Scielo, CAPES, Biblioteca virtual Unisinos e Intercom,
em outubro de 2012.
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Utilizou-se a ferramenta de busca online da Google para encontrar as informações desejadas; a pesquisa foi realizada em novembro de 2012.
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ção de um determinado assunto. Uma vez definido o tema do presente trabalho, realizamos a pesquisa da pesquisa , na qual percebemos certa carência de trabalhos acadêmicos na área da comunicação, que discutam o marketing voltado para experiências. Se limitarmos ainda mais, selecionando apenas estudos sobre marketing de experiência que tratem do ambiente dos festivais de música como uma plataforma de comunicação, o número é praticamente inexistente. No entanto, foi possível encontrar recortes de outras produções acadêmicas que nos ajudaram a explorar e entender nosso tema mais profundamente. Com o objetivo de listar os conteúdos, selecionamos trabalhos que abordavam assuntos relacionados a marketing, eventos, patrocínios, música e comportamento. Encontramos um cenário rico em conteúdos relacionados aos diferentes assuntos abordados neste trabalho, mas carente de pesquisas voltadas para marketing de experiência e festivais de música. A pesquisa da pesquisa foi de grande valor para aprofundarmos nosso conhecimento em relação ao cenário estudado, descobrirmos bibliografias relacionadas ao tema e delimitarmos nosso foco de pesquisa. O passo seguinte à pesquisa da pesquisa foi uma coleta de dados a respeito de festivais de música e seu universo. O objetivo desta etapa foi compreender a realidade a ser estudada. Os dados foram coletados na internet5 e, com o objetivo de estudar e compreender a nossa realidade de comunicação, limitamos a pesquisa aos festivais de música realizados no Brasil. Mesmo assim, foram encontrados muitos festivais realizados em território nacional, proporcionando inúmeras possibilidades de escolha para o ambiente e objeto de estudo. Uma vez reunidos os dados, foram considerados diversos eventos realizados no Brasil. Alista inclui nomes como Rock in Rio, Planeta Terra Festival, Lupa Luna, SWU, Porão do Rock, Sertanejo POP Festival, WROs, Planeta Atlântida, Lollapalooza, Summer Soul Festival, MECA, entre outros. Foi necessário selecionarmos um evento para estudarmos, e o principal critério utilizado foi a data de realização de cada festival. Alguns festivais de música já haviam acontecido no início do segundo semestre de 2012, período em que o tema de pesquisa deste estudo ainda estava sendo definido. Outros iriam ser realizados em datas posteriores, entrando em conflito com a data de entrega da pesquisa. As questões relacionadas à data de acontecimento dos festivais de música e a entrega do presente estudo fizeram com que a quantidade de festivais fosse resumida a um número menor de opções. A lista final apresentava quatro nomes que não entrariam em conflito com as datas de realização e entrega deste trabalho: Lollapalooza, Planeta Atlântida, Lupa Luna e MECA. Dentre os festivais de música que atendiam ao período de realização do trabalho, demos preferência aos de maior público. Em festivais de grandes proporções, onde há uma maior
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concentração de pessoas, existe mais interesse de diferentes marcas em estarem presentes e relacionarem-se com seus públicos de interesse. Tal característica foi de extrema relevância para este estudo, já que a ação de marketing a ser analisada seria escolhida somente no dia de realização do evento, sem qualquer possibilidade de escolha prévia. Dessa forma, tornou-se claro o fato de que deveríamos escolher um festival que abrisse espaço para muitas marcas e, consequentemente, oferecesse inúmeras ações de marketing ao público. Ainda no sentido de valorizar ambientes atrativos para as marcas, observamos as propostas de cada festival, dando preferência às que atendiam diferentes públicos e estilos musicais e à presença de artistas nacionais e internacionais. Dessa forma, foram priorizados os espaços multiculturais e internacionalizados. Após essa análise das possibilidades de ambientes de estudo, seguindo os critérios apresentados anteriormente, selecionamos o Lollapalooza Brasil como o festival que iríamos estudar. Nosso primeiro passo após a seleção do festival de música foi investigarmos sua história e nos aproximarmos um pouco mais de sua realidade, conforme apresentamos no segundo capítulo deste estudo.
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CONHECENDO O OBJETO NO ENCONTRO COM O EMPÍRICO: A ETAPA EXPLORATÓRIA DA PESQUISA
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Uma vez selecionado o Lollapalooza Brasil 2013 como ambiente a ser estudado, iniciamos a busca por uma marca patrocinadora do evento. Foi necessário que encontrássemos uma marca que utilizasse o festival como plataforma de comunicação e relacionamento. Em um vídeo divulgado pela organização do Lollapalooza Brasil6, foram encontradas 8 marcas presentes na edição de 2012 do festival. Marcas como Trident, Oi, Heineken e Coca-Cola realizaram diferentes ações para se aproximar de seus públicos. Ainda assim, nem todas haviam confirmado sua presença na edição de 2013, o que poderia nos levar a uma escolha precipitada. Para alcançarmos o objetivo de definir uma marca para trabalharmos ao longo deste estudo, surgiu a necessidade de realizarmos uma pesquisa exploratória. De acordo com Bonin (2008), esta etapa metodológica pode trazer importantes contribuições para uma determinada investigação; permite que o pesquisador desconstrua teorias prévias a respeito do objeto 6
Lolla Brasil 2012 Sponsors. Disponível em: <http://vimeo.com/44765388> Acesso em: 25 de nov. 2012.
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O Facebook é uma rede social online. A página do Lollapalooza Brasil na rede pode ser acessada em: <http://www.facebook.com/LollapaloozaBR>
Acesso em 31 de maio de 2013. 8
Disponível em: <http://docs.google.com> Acesso em: 23 de outubro de 2012.
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de estudo e possa enxergá-lo de outros ângulos. Os procedimentos de uma pesquisa exploratória são variados e vão desde a análise de dados já existentes até a observação de fenômenos relativos à problemática estudada. A autora afirma:“A pesquisa exploratória oportuniza experimentar, vivenciar e testar métodos e procedimentos para compor e construir arranjos metodológicos sensíveis às demandas da problemática e das lógicas dos objetos empíricos” (BONIN, 2008, p.123). Frente a nossa realidade de pesquisa, foi necessário aproximar-se de nosso ambiente de estudo, o Lollapalooza Brasil, e da realidade das marcas presentes na última edição do evento. Para tanto, foi traçada como meta a realização de dez entrevistas com o público que participou da última edição do festival, com o objetivo de entender um pouco mais o universo das marcas e identificar quais foram as marcas com maior índice de lembrança apontada pelos entrevistados. Para a realização da pesquisa exploratória, foram escolhidos participantes da última edição do festival através da página oficial do Lollapalooza Brasil no Facebook7. Os selecionados foram pessoas que interagiram através de comentários em fotos e postagens oficiais e que votaram em enquetes a respeito dos shows que aconteceram na edição de 2012. Buscando definir com quais pessoas entraríamos em contato, criamos critérios de seleção que levaram em conta a idade dos participantes, limitando-se ao público com idade máxima de trinta anos, e sexo, sendo metade dos selecionados homens e a outra metade, mulheres. Para nos assegurarmos de que a meta de dez entrevistados seria cumprida, decidimos contatar um número maior de pessoas, com o objetivo de compensar um eventual baixo número de respostas. A amostra final foi composta por vinte e cinco mulheres e vinte e cinco homens, totalizando cinquenta participantes. O questionário foi desenvolvido digitalmente através de uma ferramenta online gratuita disponibilizada pela Google, o Google Docs8, e enviado por meio da conta pessoal do Facebook do pesquisador para cada um dos cinquenta selecionados. O contato com as pessoas foi feito através de mensagens privadas do Facebook; cada mensagem continha um texto que explicava o tema da pesquisa e um link de acesso ao questionário. O questionário ficou aberto para respostas por dois meses, até ser encerrado, no dia vinte e três de dezembro de 2012. Nesse período, onze pessoas responderam ao questionário, número que nos permitiu atingir a meta estabelecida antes do início da pesquisa. Apresentamos, a seguir, os principais resultados obtidos com a realização da pesquisa exploratória. Dentre os entrevistados, sete eram homens e quatro mulheres, com idades entre dezoito e trinta anos. A renda média mensal dos entrevistados é de mil trezentos e trinta e quatro reais, e eles residem em diferentes cidades brasileiras, não sendo possível definir nenhum padrão geográfico.
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Os entrevistados foram questionados sobre as marcas que viram no Lollapalooza Brasil 2012. Entre os onze que responderam a pergunta, dez afirmaram lembrar-se de marcas presentes naquela edição do festival. A marca Heineken foi lembrada por todos os entrevistados que afirmaram recordar-se de alguma marca presente no Lollapalooza Brasil 2012. Veio seguida pela Coca-Cola, com nove citações, e a Trident, com sete. Os entrevistados afirmaram ter visto as marcas em lanches e bebidas, na praça de alimentação, em áreas temáticas das marcas e através de materiais promocionais distribuídos durante o festival. Entre os materiais mais citados estavam flyers diversos, chicletes da Trident, tubos de neon da Heineken e copos da Coca-Cola. Ao questionarmos os entrevistados sobre qual marca eles associariam à imagem do Lollapalooza Brasil, quatro elegeram a Heineken; dois, a Trident; e outros dois, a Coca-Cola. Os outros entrevistados não responderam essa questão. As perguntas também abordavam a presença de marcas no festival de música. Os entrevistados foram questionados sobre se viam isso como um aspecto positivo ou negativo no espaço do festival. Entre as onze pessoas que responderam à questão, apenas um afirmou que a presença delas era negativa, todos os outros afirmaram que as marcas podem contribuir positivamente para o Lollapalooza Brasil. A análise dos dados coletados nos permitiu entender que as marcas tiveram um forte impacto na última edição do festival, visto que praticamente todos os entrevistados afirmaram recordar-se de pelo menos uma delas. Associaram sua lembrança ao fato de que elas estavam presentes em produtos, materiais promocionais e espaços promovidos pelas próprias marcas. Somado a isso, os entrevistados acreditam que a presença de marcas no ambiente do festival é positiva. A Heineken foi a marca mais lembrada pelos entrevistados. É importante destacar que, nessa questão, as pessoas puderam citar quantas marcas conseguissem lembrar. No entanto, apenas a Heineken foi citada por todos os entrevistados que responderam a pergunta. Além disso, a maioria afirmou que se tivesse que associar a imagem do Lollapalooza a uma marca específica, essa marca seria a Heineken. A realização da pesquisa exploratória foi de extrema importância nesse momento de elaboração do trabalho, pois nos colocou em contato com o objeto de estudo e possibilitou a compreensão de alguns aspectos que deveriam ser abordados na pesquisa dentro do ambiente do festival, a ser realizada posteriormente. Foi, sem dúvidas, tal como exposto por Piovesan e Temporini (1995, p. 322), uma etapa de construção da própria pesquisa que viria a ser realizada dentro do Lollapalooza Brasil: “A pesquisa exploratória, assim norteada, integra-se ao planejamento da pesquisa principal. Constitui parte dela e não subsiste por si só. E um meio simplesmente, mas um meio muito importante para mostrar a realidade de forma verdadeira”.
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Após a pesquisa exploratória, ainda visando certificar-se de que a marca escolhida estaria presente na edição de 2013 do festival, realizamos um levantamento dos patrocinadores através do site oficial do evento9. No entanto, no período de acesso (outubro de 2012), apenas TAM, Chilli Beans e Heineken haviam sido confirmadas como patrocinadoras oficiais do Lollapalooza Brasil 2013. O último passo foi contatar, via e-mail, a organização do festival em busca de mais informações. Apesar de existirem indícios de que outras marcas estariam presentes na próxima edição do festival, de acordo com Rodrigo V., responsável pelos patrocínios do Lollapalooza Brasil, somente TAM, Chilli Beans e Heineken estavam confirmadas. Rodrigo sugeriu que a grande patrocinadora do evento seria a marca Heineken. Ao refletir sobre as informações coletadas até então, definimos nossa escolha pela marca Heineken e decidimos que iríamos analisar uma de suas ações de marketing no Lollapalooza Brasil 2013. As razões foram expostas previamente: ela foi a marca mais lembrada pelos entrevistados na pesquisa exploratória, foi diretamente associada à imagem do festival, patrocinou o evento no ano anterior, era uma das poucas marcas que já haviam confirmado sua presença na edição de 2013 e a organização do evento sugeriu que a Heineken era a principal patrocinadora do evento. Com o Lollapalooza definido, como ambiente a ser estudado, e a Heineken como marca a ser analisada dentro do festival, pudemos finalmente construir nosso problema de pesquisa de forma precisa e bastante delimitada. Traçamos como objetivo investigar uma das ações de marketing realizadas pela Heineken no Lollapalooza Brasil 2013, buscando compreender a relação, ou mesmo se existe alguma, entre a experiência gerada pela ação promovida pela marca e a experiência proporcionada pelo festival.
Para alcançar nosso objetivo de investigar uma das ações de marketing de experiência realizadas pela Heineken no Lollapalooza Brasil 2013, fez-se necessária a realização de um estudo no ambiente do evento. Portanto, foi criada e planejada uma etapa sistemática de observação. Por se tratar de um estudo que busca avaliar e compreender as experiências geradas por um determinado ambiente ou marca, foi preciso 9
Lollapalooza Brasil. Disponível em: <http://www.lollapaloozabr.com/> Acesso em: 9 de dez. 2012.
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PESQUISA NO AMBIENTE DO FESTIVAL DE MÚSICA: A ETAPA SISTEMÁTICA DA PESQUISA
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identificar formas de apreensão dessa realidade e levar algumas questões em consideração. Na obra Gestão da experiência do cliente, Schmitt (2004, p. 68-69) discute as diferenças entre as pesquisas tradicionais e aquelas voltadas para experiências:
A utilização de técnicas apropriadas de pesquisa e a coleta dos dados adequados para chegar a entender o mundo experiencial do cliente não constituem, porém, uma tarefa qualquer. Até por isso, é fácil entender a opção de alguns gerentes pelo caminho mais fácil: são capazes de jurar que não precisam da experiência do cliente. Para ele, os clientes não estão habilitados a municiar a empresa com informações úteis e ideias originais. O problema, porém não é o cliente, mas a pesquisa tradicional de cliente. Muitas das técnicas de pesquisa de cliente são rigorosas pelos padrões da pesquisa tradicional de marketing (por exemplo, confiabilidade e validade). São, no entanto, técnicas que carecem do realismo, da originalidade e da profundidade da informação necessários para que se obtenha um insight relevante da experiência do cliente. Por isso mesmo, não se pode aplicar grupos de discussão, entrevistas individuais ou pesquisas telefônicas sem adaptá-los às circunstâncias; é preciso atualizar tais procedimentos para que se possa ganhar informação valiosa acerca da experiência do cliente.
Schmitt (2004) ainda destaca três características que são fundamentais para se realizar uma pesquisa voltada para as experiências:
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1) realizar a pesquisa em cenários naturais; 2) usar estímulos realistas para provocar respostas relevantes dos clientes; 3) incentivar os clientes a imaginar uma realidade diferente. O autor defende que a grande maioria das pesquisas tradicionais de marketing é realizada em ambientes artificiais, que têm pouco em comum com o ambiente onde as experiências ocorrem. Em função disso, os dados obtidos com a pesquisa podem ser influenciados por características e situações que não existem no ambiente natu-
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ral, distorcendo os seus resultados. Dessa forma, faz-se indispensável que a condução de uma pesquisa que busca analisar experiências aconteça no ambiente natural do cliente. De acordo com Schmitt, não é suficiente descrever uma situação ou apresentar um determinado cenário quando se está avaliando uma experiência. Pesquisas que descrevem produtos, ao invés de mostrá-los, ou que exibem ambientes de compra em fotos são enfraquecidas, pois não são experiências reais. Para conseguirmos resultados relevantes, é necessário utilizar estímulos realistas, que despertem sensações e sentimentos nas pessoas. Isso pode ser feito, por exemplo, através de ambientes reais, simulações sensoriais e produtos que as pessoas possam experimentar. Por último, Schmitt diz que, no papel de pesquisadores, precisamos fazer com que os clientes pensem em futuras experiências desejáveis, ao mesmo tempo em que avaliam aquelas hoje disponíveis. O autor afirma que a pesquisa voltada para as experiências não deve servir apenas como uma avaliação, mas sim como um momento de expressão da voz criativa do cliente. A mensagem final do autor, no que diz respeito às pesquisas que buscam compreender as experiências, reforça que esse tipo de pesquisa deve, sempre que possível, ser realizada no ambiente natural do cliente. Embora as pesquisas realizadas de Schmitt sejam mercadológicas, entendemos que era necessário construir formas de coleta de dados específicas para o nosso objeto. Nós nos inspiramos em um projeto relatado por Schmitt em uma de suas obras para criar nossa metodologia de coleta dos dados. Dessa forma, a estrutura de nossa pesquisa foi dividida em três partes, buscando observar o público do Lollapalooza Brasil 2013 antes, durante e depois de sua participação em ações promovidas pela Heineken. No trecho a seguir, Schmitt (2004, p. 48) descreve o projeto em que trabalhou:
O projeto consistia de três partes que acompanhavam a experiência do cliente antes, durante e depois de um espetáculo musical. Antes do coseguir, comparecia a um concerto com a equipe da pesquisa. Durante o espetáculo, compartilhava com os pesquisadores suas observações e experiências sobre o teatro e a respeito dos materiais promocionais do Carnegie Hall. Logo depois do espetáculo, o público se reunia outra vez para
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meço do espetáculo, o público se encontrava num grupo de discussão. A
comentar suas experiências; e se envolvia, também, numa tarefa criativa:
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a montagem de um quadro visual representativo de sua experiência no
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Carnegie Hall.
Através de uma estrutura semelhante, mas com formatos adequados ao nosso estudo, buscamos investigar os sentimentos e percepções do público quanto ao ambiente do Lollapalooza, as ações de marketing realizadas dentro do festival de música e a presença de marcas. A pesquisa teve caráter qualitativo, não buscando gerar resultados percentuais ou conclusões absolutas, mas respostas que estão fundamentadas nos sentimentos e percepções das pessoas. Segundo Minayo (2002), a pesquisa qualitativa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado. É focada no universo das motivações, dos sentimentos, das aspirações e das atitudes. Crewswell (2010, p. 209) acrescenta que “a pesquisa qualitativa é uma forma de investigação interpretativa em que os pesquisadores fazem uma interpretação do que enxergam, ouvem e entendem”. Para obtenção dos dados, fez-se necessária a realização de entrevistas com o público que vivenciava diferentes experiências, sejam elas oportunizadas pelo próprio festival ou pelas marcas presentes no evento. O objetivo das entrevistas foi estimular as pessoas a expressarem seus sentimentos e sensações, por isso as entrevistas se pareceram com conversas, e não tiveram uma estrutura fixa ou questionário fechado. Tivemos como dever conduzir as entrevistas de forma aberta, procurando deixar o entrevistado à vontade. Também foi nossa responsabilidade adaptar as perguntas do roteiro original e criar novas sempre que surgiu a necessidade. Tal procedimento metodológico é nomeado por Neto (2002) como entrevista semi estruturada. O autor defende que esse formato de entrevista é mais livre e aborda o tema estudado de maneira ampla, permitindo ao entrevistado explorar seus pensamentos e ideias mais profundamente. Além das entrevistas, também coletamos dados através da nossa observação e envolvimento com o objeto estudado. Neto (2002) chama essa técnica de observação participante, na qual o pesquisador entra em contato direto com o fenômeno observado para buscar informações e entender o contexto de estudo. De acordo com o autor, uma das grandes vantagens desse método é captar situações ou fenômenos que não podem ser obtidos através de perguntas. Mantendo nossa pesquisa alinhada às características propostas por Schmitt, definimos que a abordagem aos entrevistados aconteceria no exato local onde as experiências estavam sendo vivenciadas. No entanto, como já exposto anteriormente, foi
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necessário reunir alguns outros procedimentos metodológicos para que pudéssemos realizar a pesquisa de maneira satisfatória. Sobre o uso de diferentes técnicas e metodologias, Maldonado (2008) defende que a união de métodos, o agrupamento de lógicas diversas e a estruturação de modelos mistos nos permitem relacionar os variados aspectos das problemáticas comunicacionais. O autor também destaca a importância de refletirmos sobre os procedimentos metodológicos de forma a não nos prendermos a eles cegamente. Maldonado (2012) afirma que uma adesão acrítica a métodos e procedimentos e a construção automatizada das investigações nos levam a uma “cultura de receituário”. Ele elucida, ainda, que a teoria não deve estar desconectada do fazer empírico e que isso é um dos deveres dos pesquisadores:
Com respeito ao âmbito teórico da pesquisa, associam-se a uma compreensão equivocada do papel da teoria; à prática de revisão de literatura que na pesquisa adquire vida própria, sem vínculos com os componentes da problemática, com os procedimentos, práticas e processos de investigação
Dessa forma, podemos afirmar que nossa pesquisa foi desenvolvida e planejada sem nunca deixar de lado a realidade estudada, por isso tivemos de reunir diferentes metodologias que abordassem nosso objeto de estudo da melhor maneira. A pesquisa teve foco qualitativo e foi voltada para a análise das experiências vivenciadas pelos entrevistados. Os dados foram obtidos no local onde as experiências aconteceram, através de entrevistas com roteiros semi estruturados que investigaram o sentimento das pessoas e nossos relatos. Como visto previamente, a pesquisa foi dividida em três etapas de avaliação das experiências: antes, durante e depois. Cada etapa investigou uma parte diferente do processo experiencial. Juntas, tinham por objetivo buscar respostas para nosso problema de pesquisa. Através da união dos diferentes momentos de análise, foi possível compreender a experiência proporcionada por uma ação de marketing no ambiente do festival de música.
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empírica (MALDONADO, 2012, p. 45).
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ETAPA ANTES A etapa que chamamos de antes tratou do ambiente do Lollapalooza Brasil 2013 e de seu impacto nas pessoas. A razão de a chamarmos assim vem do fato de termos abordado o público antes de sua experiência com as marcas. Nesse momento, foram entrevistados seis participantes do festival que ainda não haviam participado de ações promovidas por patrocinadores. O objetivo das abordagens foi entrar em contato com o público para entender como o humor e os sentimentos das pessoas haviam sido influenciados pelo ambiente do festival de música. A escolha dos entrevistados aconteceu de forma aleatória e em áreas diversas do evento. Como já destacado antes, o caráter da pesquisa era qualitativo, portanto não havia questões-padrão a serem seguidas; deveria-se apenas estabelecer uma conversa com o entrevistado e extrair as informações necessárias. No entanto, para que todas as entrevistas permanecessem alinhadas aos objetivos da pesquisa, ao final de cada conversa, o pesquisador deveria estar apto a discorrer sobre:
a) b) c) d) e)
o estado de humor do entrevistado; como o entrevistado se sentia no ambiente do festival; possíveis influências do festival no humor do entrevistado; a visão do entrevistado a respeito do ambiente do festival; a opinião do entrevistado sobre a presença de marcas no festival.
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Como exercício de desenvolvimento da pesquisa e recurso a ser utilizado durante as abordagens, foi desenvolvido um roteiro de entrevista com perguntas que abordavam os assuntos relevantes a esta etapa da pesquisa.
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ETAPA DEPOIS A etapa depois foi focada na experiência gerada pela marca Heineken através de uma de suas ações de marketing no Lollapalooza Brasil 2013. Dessa forma, buscamos, através de entrevistas, conversar com o público que já havia participado de uma ação de marketing dentro do festival, depois de sua experiência com a marca. Abordamos seis pessoas logo após sua saída do espaço promovido pelo patrocinador, buscando, assim, verificarmos como a experiência gerada pela Heineken impactou os participantes da ação. As entrevistas foram orientadas para a investigação dos sentimentos e percepções, com o objetivo de entender a relevância daquela experiência na vida dos participantes, e foram gravadas e transcritas na íntegra. Diferentemente da etapa antes, nesse momento o foco foi na experiência gerada pela marca, e não na experiência gerada pelo ambiente do Lollapalooza. Os entrevistados foram selecionados de maneira aleatória, devendo apenas ter participado da ação de marketing. Foi definido como responsabilidade do pesquisador avaliar os seguintes itens: a) b) c) d) e)
o estado de humor do entrevistado; como o entrevistado se sentiu participando da ação de marketing; possíveis influências da ação de marketing no humor do entrevistado; a visão do entrevistado a respeito da ação de marketing; a opinião do entrevistado sobre a presença de marcas no festival.
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Tal como na etapa antes, desenvolvemos um roteiro de perguntas para as entrevistas, que poderia ser utilizado como base para as abordagens junto aos entrevistados.
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ETAPA ANTES Diferentemente das etapas anteriores, a etapa durante da pesquisa não foi baseada apenas em entrevistas. Nessa etapa, chamada de durante porque buscava avaliar e entender a experiência gerada pela marca no momento em que o público a vivenciava, foi necessário contar com outros instrumentos para a investigação, tais como fotografias, vídeos e relatos descritivos do pesquisador. Isso se deve ao fato de que a ação de marketing que viria a ser analisada era desconhecida no momento de desenvolvimento e planejamento da pesquisa, podendo nos surpreender, e até mesmo impossibilitar a realização da pesquisa caso tivéssemos um formato muito fechado. Portanto, contamos com um arsenal maior para a coleta de dados e mantivemos um modelo de análise mais livre, que pudesse ser adaptado de acordo com a realidade da ação que seria estudada. A justificativa para que essa fosse a última etapa da pesquisa foi a nossa decisão de manter o pesquisador livre de opiniões a respeito da ação de marketing, já que, para coletar os dados, seria necessária a sua participação na ação. Assim, a etapa durante funcionou como um elemento de ligação que nos permitiu reunir e validar os conhecimentos adquiridos nas etapas anteriores. Apesar de ser um momento mais livre e aberto da pesquisa, tal como como nas etapas antes e depois, definimos objetivos que nos auxiliariam a alcançar nossas intenções com o estudo:
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a) acompanhar, do início ao fim, o processo de participação do público na ação de marketing analisada; b) relatar os processos de funcionamento da ação de marketing; c) observar as reações do público participante da ação de marketing; d) investigar os sentimentos e percepções dos participantes da ação de marketing; e) identificar momentos geradores de experiência durante a ação de marketing. Por fim, é importante relembrar que nosso objetivo com as etapas antes, durante e depois foi buscar caminhos que nos ajudassem a responder o problema de pesquisa proposto no início deste estudo.
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BREVES CONSIDERAÇÕES
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Depois dessa breve revisita aos processos desenvolvidos na pesquisa empreendida, fica claro como cada escolha e cada procedimento, contribuem para a definição da problemática de pesquisa. Além disso, compartilhamos com a ideia de que a pesquisa se constrói ao longo do processo. A metodologia, por sua vez, deve ser adequada ao objeto de observação e as teorias devem contribuir para o entendimento do fenômeno. Ou seja, não existe uma “receita de bolo” a ser seguida e sim uma construção particular e inédita. Pois, embora nossa pesquisa tenha buscado inspiração em outras já desenvolvidas, foi necessário desenvolver procedimentos que apreendessem o que o nosso objetivo solicitava e o que o nosso objeto oferecia.
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REFERÊNCIAS
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Lucas Rodrigues Escouto: Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Unisinos.
MS. Taís Flores da Motta: Professora Mestre em Ciências da Comunicação. Docente dos cursos de Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Análise de Sistemas da Unisinos.
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Tão perto e tão distante: A comunicação política da Prefeitura Municipal de Porto Alegre através das placas de obras. Autor(a): Dr. Sérgio Roberto Trein 1
RESUMO O objetivo desta pesquisa é o de compreender a estrutura das mensagens verbais e visuais das placas de obras e de que forma uma administração pública municipal utiliza este tipo de publicidade como um instrumento de comunicação política e persuasiva. O estudo foi aplicado junto à Prefeitura de Porto Alegre, em especial, em relação às placas de obras do Projeto Integrado Socioambiental (PISA), programa de maior investimento da atual gestão municipal. A partir de um corpus formado por três placas de obras do PISA, procuramos interpretar as tipologias visuais encontradas nas publicidades, com base nos estudos de Georges Pèninou, e a estrutura linguageira das mensagens, conforme a proposta de Análise de Discurso desenvolvida por Patrick Charaudeau.
¹ Professor Doutor e Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos.
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Palavras-chaves comunicação política; cidades; placas de obra; política; persuasão.
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INTRODUÇÃO Desde que surgiu, o cartaz passou a desempenhar as funções de informar as pessoas; fazer propaganda ou publicidade; educar os indivíduos sobre determinados hábitos e comportamentos; cumprir um papel social na ambiência urbana, especialmente no sentido de ocupar espaços; função estética, pois o cartaz enfeita a cidade; e uma função criadora, uma vez que o cartaz estimula a criação e a produção de artistas. Aos poucos, placas e cartazes de todo o tipo passaram a frequentar as ruas, as praças, as feiras, as festas públicas etc. Para Moles (1974, p. 219), “um dos mais importantes aspectos do cartaz é o seu papel e o seu lugar na cidade. O cartaz tem quase sempre um destino urbano”. Com o advento de novas tecnologias e processos cada vez mais modernos de impressão, o cartaz acabou influenciando e gerando novos usos de mídia exterior e, com isso, novas possibilidades de comunicação. Segundo o autor, entre os diversos segmentos da sociedade que passaram a se valer destes novos formatos está a política, para veicular suas mensagens e se dirigir aos cidadãos, como um meio de comunicar suas ações. Um destes canais, que já faz parte da paisagem urbana das cidades, são as placas de obras. Como o próprio nome diz, é um tipo de publicidade que deve ser colocado junto às obras que estão sendo executadas pelas administrações públicas, descrevendo o nome do projeto e informando qual o seu objetivo. Pode-se dizer que as placas de obras são a oportunidade que os governos têm de entrar nas comunidades e mostrar o seu trabalho. Com isso, além de divulgar a sua marca, o poder público – tanto federal, como estadual ou municipal – pode comprovar aos indivíduos e à sociedade que está cumprindo o seu papel estabelecido no contrato social. O objetivo desta pesquisa é o de compreender como uma prefeitura municipal – no caso, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre – atua sobre o espaço público da sua própria cidade, em termos de estética e de fluxo de informações, a partir da comunicação desenvolvida através das placas de obras. Como suporte metodológico para esta pesquisa, utilizou-se os estudos de Georges Pèninou (1976) quanto às tipologias visuais e a proposta de Análise de Discurso desenvolvida por Patrick Charaudeau (2008). O corpus de investigação é composto por três placas de obras do Projeto Integrado Socioambiental, que é considerado, segundo a própria Prefeitura de Porto Alegre, o programa de maior investimento da administração municipal. Além disso, é um programa cujas ações de comunicação ocorrem apenas através da internet e das placas de obras.
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AS PLACAS DE OBRAS COMO UM CANAL DE COMUNICAÇÃO COM A POPULAÇÃO DE PORTO ALEGRE De acordo com Pèninou (1976), as tipologias visuais dividem-se em quatro grupos: os códigos cromáticos, os códigos tipográficos, os códigos fotográficos e os códigos morfológicos. Segundo o Manual de Confecção de Placas desenvolvido pela Prefeitura de Porto Alegre, os códigos cromáticos devem ser os seguintes: são seis áreas de fundo, duas delas na cor preta, duas em tons de cinza, uma amarela e a outra na cor branca; e, em cada um destes fundos, as mensagens devem ser escritas nas cores branco, preto e cinza, conforme mostra a figura a seguir, em uma comparação entre o layout proposto pelo Manual e as três amostras que compõem o corpus de pesquisa:
Em relação aos códigos tipográficos, podemos observar que, em duas das placas, não é seguido o Manual da Prefeitura Municipal. No caso, a fonte de letra escolhida deveria ser a Helvética, que, segundo Lins (2004), pertence à família tipográfica das fontes sem serifa e, em função de sua legibilidade, é considerada uma das mais populares em todo o mundo. Nas placas “Reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio” e “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre”, mesmo
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Figura 1
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que as mensagens sejam escritas em uma família de letras muito parecida com a Helvética, não é esta a fonte de letra utilizada. Além disso, o nome da obra na placa “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre” foi escrito todo ele em letras maiúsculas, o que também desobedece o Manual. Segundo César (2000), as letras maiúsculas no título de uma publicidade dificultam a leitura, uma vez que não há uma quebra da monotonia visual. A única publicidade cujos códigos tipográficos correspondem ao modelo estabelecido pelo Manual de Confecção de Placas, é a placa “Construção das estações elevatórias e chaminés de equilíbrio EBE’s Cristal e C2”. Quanto aos códigos morfológicos, aparentemente, na comparação dos layouts, há uma unidade entre eles. Porém, percebe-se que as placas “Reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio” e “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre” não seguem alguns itens-padrão estabelecidos pelo Manual de Confecção de Placas, tais como: aplicação da logomarca do agente financiador da obra, que, no caso, é a Caixa Econômica Federal; quem é o responsável técnico pela obra; além da própria descrição do que seja a obra. Apenas na placa “Construção das estações elevatórias e chaminés de equilíbrio EBE’s Cristal e C2” consta a logomarca do agente financiador da obra, que é o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Porém, foi aplicada apenas a logomarca do BID, sem o identificador “Banco Interamericano de Desenvolvimento”, o que dificulta a compreensão deste órgão. Na comparação dos layouts, em relação aos códigos morfológicos, observa-se que há uma diferença importante de comunicação política, nas placas “Reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio” e “Construção das estações elevatórias e chaminés de equilíbrio EBE’s Cristal e C2”: ou seja, o slogan aplicado junto à logomarca da administração municipal, nas duas publicidades, não é a mesmo proposto pelo Manual. Pela figura a seguir podemos verificar esta diferença:
Figura 2
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No caso da placa “Reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio”, a obra foi iniciada em 2008. Nesta época, o slogan da Prefeitura era “Preservando conquistas, construindo mudanças”. Somente a partir de 2009 é que o slogan da administração passou a ser “Nossa cidade, nosso futuro”. Ainda assim, a área a ser alterada, comparando-se com o tamanho da placa, é de fácil manutenção. Bastaria apenas uma repintura, modificando e atualizando o slogan. Já no caso da placa “Construção das estações elevatórias e chaminés de equilíbrio EBE’s Cristal e C2”, que foi colocada em 2010, não se justifica a aplicação equivocada do slogan. Outro aspecto a ser ressaltado, sobre os códigos morfológicos, é que, embora o Manual não faça nenhuma referência quanto à necessidade de informar a qual projeto pertence a obra, não é feita qualquer menção ao Projeto Integrado Socioambiental nas três placas. Entretanto, conforme a própria Prefeitura de Porto Alegre, trata-se do maior projeto desenvolvido pela administração municipal. Além das tipologias visuais, para que se pudesse compreender melhor a estrutura linguageira das três placas que compõem o corpus de investigação, procuramos desconstruir uma por uma das mensagens e estudá-las de acordo com a sua construção discursiva. Inicialmente são analisadas todas as mensagens que obedecem aos princípios de organização do modo enunciativo; em seguida, aquelas que obedecem ao princípio descritivo; e, por fim, as do modo argumentativo; definidos por Charaudeau (2008). Com base no modo de organização enunciativo, podemos encontrar as seguintes informações nas placas: valor da obra e as datas de início e de previsão de término da obra2. Entretanto, nas três publicidades analisadas não é informado o nome da firma empreiteira, assim como também não consta o nome do responsável técnico pela obra. Esta última informação é veiculada apenas na placa “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre”, como se vê na figura a seguir:
Figura 3
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Segundo a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, devem ser informados o nome da obra, o órgão ou a entidade responsável, a firma empreiteira,
o responsável técnico, a data de início dos trabalhos e a data prevista para a sua conclusão.
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O outro enunciado encontrado nas placas é o próprio nome das obras, conforme as figuras abaixo:
Figura 4
Figura 5
Figura 6
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O segundo modo de organização do discurso, como afirma Charaudeau (2008), é o modo descritivo, que, em uma situação de comunicação, tem a função de identificar e qualificar. Por isso, completa o autor, as mensagens deste tipo de construção discursiva devem ser analisadas a partir de três tipos de componentes: o nomear, o localizar-situar e o qualificar. No processo de desconstrução das mensagens presentes nas placas, o modo de organização descritivo foi encontrado em dois momentos. No primeiro deles, conforme as figuras a seguir:
Figura 7
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Figura 8
Mesmo que sejam, também, um enunciado, as mensagens acabam servindo de encenação para o modo descritivo. Na primeira placa, é possível identificar dois elementos com características descritivas: “reforma da EBE Ponta da Cadeia” e “construção da chaminé de equilíbrio”. Na segunda placa: “execução do emissário de esgoto sanitário”, “EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal” e “trecho terrestre”. Por fim, na terceira placa: “construção das estações elevatórias”, “(construção das)3 chaminés de equilíbrio” e “EBE’s Cristal e C2”. Todas as mensagens obedecem aos mesmos critérios de construção descritiva, segundo Charaudeau (2008), que são o nomear, situar-localizar e qualificar. O nomear é dar existência a um ser, é fazer existir seres significantes, fazer com que algo seja. Para isso, utiliza procedimentos de identificação, tais como representar o nomeado por nomes comuns, identificando-o de forma genérica; por nomes próprios, se for para identificar de maneira específica; ou ainda, em função de suas qualidades, classificando por meio de subgrupos ou alguma outra caracterização identificatória. Na placa “Reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio”, em relação à denominação EBE Ponta da Cadeia, é utilizado um nome próprio. Porém, como já dito anteriormente, o que significa a sigla EBE? Não é uma abreviatura suficientemente clara para a população, que indique que se trata da Estação de Bombeamento de Esgotos. Da mesma forma pode-se questionar o termo Ponta da Cadeia. Segundo autores como Macedo (1993), Oliveira (1985), Souza Doca (1941) e Spalding (1967), até a década de 1960, ao lado da Usina do Gasômetro, havia uma cadeia. Mas, como logradouro público e, também, nos mapas da cidade, o nome Ponta da Cadeia já não é mais utilizado. Com isso, o nome EBE Ponta da Cadeia corre o risco de não fazer o menor sentido para a população em geral. 3
A expressão “construção das chaminés de equilíbrio” não consta na placa, entretanto, fica subentendido que se trata disso.
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Figura 9
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Isso se reflete em outro componente na construção descritiva, que é o localizar-situar. Como o nome Ponta da Cadeia não fazer parte do contexto geográfico urbano atual, a construção descritiva fica prejudicada. Por fim, o terceiro componente deste processo de construção descritiva é o qualificar, que procura reduzir a capacidade infinita de interpretações, atribuindo um sentido mais particular: da acumulação de detalhes e de precisões, em geral, com termos especializados e mais ou menos técnicos; e a utilização de analogias, pelo emprego de termos de comparação ou de analogias, metáforas, etc. A mensagem “reforma EBE Ponta da Cadeia” se aproxima mais do primeiro procedimento, embora o termo “reforma” não seja tão explícito, no sentido de informar exatamente o que está sendo reformado. Ainda assim, a palavra “reforma” confere à obra certo sentido de qualificação, pois, se ela está sendo reformada, é porque ela existe. E, se existe, tem alguma função para a infraestrutura do município. Já a análise da expressão “construção da chaminé de equilíbrio” é um pouco mais complexa. A começar pela questão do nomear. O próprio termo chaminé de equilíbrio gera problemas de interpretação e, até mesmo, uma espécie de contradição. Ou seja, toda chaminé é, essencialmente, reta. Sendo assim, além de não ser uma informação clara, do que seria uma chaminé de equilíbrio, ainda coloca em dúvida se haveriam ou não chaminés desequilibradas. Na verdade, o equilíbrio, a que se refere a mensagem, é o equilíbrio ambiental, uma vez que os dejetos são tratados nesta chaminé, ao invés de serem lançados diretamente no Rio Guaíba, que banha a cidade. Talvez, então, devesse ser nomeada como “chaminé de equilíbrio ambiental”. Quanto ao segundo componente na construção descritiva, que é o localizar-situar, não é utilizado nenhum procedimento linguístico neste sentido. Em relação ao terceiro componente da construção descritiva, o qualificar, de acordo com os estudos de Charaudeau (2008), o que se observa é a utilização do procedimento linguístico da acumulação de detalhes e de precisões. Mesmo que a expressão chaminé de equilíbrio não seja suficientemente clara, ela se constitui em um termo técnico. Na publicidade “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre”, inicialmente, na mensagem “execução do emissário de esgoto sanitário”, o nomear, de acordo com as definições de Charaudeau (2008), utiliza uma denominação genérica, pois, da forma como se apresenta, trata-se de um emissário de esgotos qualquer. Na verdade, a obra pertence ao Projeto Integrado Socioambiental, mesmo que não seja feita esta referência. Em relação ao segundo componente da construção descritiva, o localizar-situar, pode-se afirmar que não é utilizado nenhum procedimento linguístico neste sentido. Já no qualificar, segundo Charaudeau (2008), é utilizada a acumulação de detalhes e de precisões; afinal de contas, execução do emis-
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sário de esgoto sanitário é um termo técnico. Na segunda mensagem, “EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal”, o componente nomear utiliza-se de um nome próprio, o que permite identificar a obra de maneira específica. Ou seja, é um projeto realizado naquele trecho da cidade, ainda que o termo Ponta da Cadeia não seja mais usado. Com isso, ao mesmo tempo, no componente localizar-situar, a mensagem utiliza um procedimento preciso, delimita exatamente a região onde será executada a obra. E, também, no qualificar, vale-se da acumulação de detalhes e de precisões. Quanto à mensagem “trecho terrestre”, no nomear o termo pode ser classificado como um subgrupo, pois, em outra publicidade do Projeto Integrado Socioambiental, não utilizada no corpus desta pesquisa, há uma afirmação que parte da obra será realizada por trecho subaquático. Em relação ao componente localizar-situar, não há nenhum procedimento linguístico neste sentido, uma vez que a mensagem não descreve por qual trecho terrestre será desenvolvida a obra. Da mesma forma, no componente qualificar, também não é utilizado nenhum procedimento. Na terceira placa, encontramos duas mensagens descritivas com uma condição muito semelhante à mensagem “construção da chaminé de equilíbrio”, analisada na primeira placa: “construção das estações elevatórias” e “(construção das) chaminés de equilíbrio”. Ou seja, as mensagens não utilizam um nome próprio. Também não localizam-situam e nem qualificam. A terceira mensagem é a expressão “EBE’s Cristal e C2”. No caso, trata-se de um nome próprio, mesmo que o significado da sigla EBE não seja claro. Se, entretanto, a compreensão desta mensagem já era difícil, mais ainda é entender o que significa “C2”. Neste caso, pode-se dizer que não se trata de um nome próprio, de uma identificação genérica e nem da classificação de um subgrupo. É impossível que, por apenas uma letra e um número, alguém saiba que C2 seja, na verdade, Estação de Bombeamento de Esgotos do bairro Cavalhada. Consequentemente, esta questão do nomear acabando influenciando o outro componente da construção descritiva, que é o localizar-situar. A sigla “C2” não permite afirmar absolutamente nada em termos de localização. O mesmo problema vai ocorrer quanto ao componente qualificar. O segundo momento em que o modo de organização descritivo pode ser encontrado na placa, é na parte de descrição do objeto da obra. Contudo, das três placas analisadas, apenas na publicidade “Execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre”, consta esta informação, como pode ser observado pela figura na sequência:
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Nesta mensagem, o procedimento nomear foi representado pelo uso do nome próprio, pois identifica a obra de maneira específica. Ou seja, trata-se da construção do emissário de esgoto sanitário entre as Estações de Bombeamento de Esgoto Ponta da Cadeia e Cristal. Também utiliza termos precisos para localizar-situar a obra. Por fim, no qualificar, vale-se da acumulação de detalhes e de precisões. Diferente dos outros tipos de organização discursiva, o modo argumentativo, de acordo com Charaudeau (2008), é uma atividade discursiva que busca bem mais a influência persuasiva. Nas placas que estão sendo analisadas, foram encontradas duas mensagens argumentativas. A primeira delas é esta, presente em todo o corpus de pesquisa:
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No modo de organização argumentativo, como afirma Charaudeau (2008), inicialmente, é preciso haver uma a asserção de partida (A1), constituída a partir de um enunciado. No caso, este A1 é “prefeitura trabalhando”. A partir desta mensagem, então, decorre uma consequência, chamada de asserção de chegada (A2), representada pela expressão “cidade melhorando”. A asserção de chegada significa o que deve ser aceito em função da asserção de partida, ou seja, é a conclusão da relação argumentativa. O terceiro elemento básico da lógica argumentativa é a asserção de passagem, pois a relação de passagem de A1 para A2 não ocorre de maneira arbitrária. Para Charaudeau (2008), a asserção de passagem, frequentemente, é chamada de prova, inferência ou argumento, é o que justifica a relação de causalidade entre A1 e A2. Nas três placas, as provas ou os argumentos são os enunciados “reforma da EBE Ponta da Cadeia e construção da chaminé de equilíbrio”, “execução do emissário de esgoto sanitário EBE Ponta da Cadeia – EBE Cristal – trecho terrestre” e “construção das estações elevatórias e chaminés de equilíbrio EBE’s Cristal e C2”. Entretanto, este processo de ligação entre as asserções não se dá, simplesmente, pela mera junção das mensagens. Na organização do discursivo argumentativo, segundo Charaudeau (2008), é necessário que haja um modo de encadeamento, que, por sua vez, estabeleça uma relação de causalidade entre A1 e A2. Na mensagem “prefeitura trabalhando, cidade melhorando”, verifica-se o encadeamento através do
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modo consequência, pois a intenção persuasiva é a de levar a crer que a cidade está melhorando em função do trabalho desenvolvido pela prefeitura. Ou seja, A2 (a cidade melhorar) só ocorre por causa de A1 (prefeitura trabalhando). Embora haja uma clara tentativa de convencimento neste sentido, de que a cidade vai melhorar porque a prefeitura está trabalhando, não se pode afirmar que a passagem pertença ao domínio do obrigatório. Para impor este raciocínio, a frase “prefeitura trabalhando, cidade melhorando” utiliza, também, a técnica de persuasão da simplificação, definida por Roiz (1994), que procura reduzir a interpretação sempre a dois campos, geralmente opostos e contraditórios. Ou seja, a cidade só está melhorando, porque a prefeitura está trabalhando. Como a frase “prefeitura trabalhando, cidade melhorando” deve ser aplicada em todas as placas de obras, segundo o padrão visual estabelecido pelo Manual de Confecção de Placas, pode-se dizer que se trata de uma generalização. Ou seja, percebese a adoção de outra técnica de persuasão, classificada por Roiz (1994), que seria a repetição de temas e ideias de forma sistemática. Por outro lado, porém, Canclini (2002) afirma que as pessoas não têm uma noção exata do espaço urbano e de tudo o que acontece e que se realiza e executa nele. Sendo assim, a simples argumentação “prefeitura trabalhando, cidade melhorando” não seria suficiente para que os indivíduos tenham essa percepção sobre o desempenho da prefeitura. Sem a asserção de passagem, o nome da obra, isso não seria possível. Além do mais, especificamente na comunicação do Projeto Integrado Socioambiental, o fato de não haver qualquer identificação do programa nas amostras analisadas, torna cada uma das obras do PISA um caso específico e particular. Cada vez mais, e por todos os ângulos pelos quais se analise a construção discursiva deste tipo de publicidade, percebe-se a importância que tem o nome da obra no sentido da compreensão das mensagens. Porém, como a Prefeitura de Porto Alegre não possui nenhum padrão de construção discursiva do nome das obras e ainda permite que cada órgão, de forma aleatória, denomine as obras conforme a sua própria vontade, interfere na força e capacidade persuasiva das mensagens. As placas representam o poder público municipal. Portanto, elas precisam cumprir a sua função propagandística, em nome da Prefeitura de Porto Alegre. A segunda mensagem argumentativa encontrada nas placas é o slogan da atual gestão da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, “Nossa cidade, nosso futuro”, conforme podemos observar na figura a seguir:
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De acordo com Charaudeau (2008), o slogan da Prefeitura de Porto Alegre tem uma estrutura argumentativa muito semelhante às mensagens analisadas antes. Resgatando a proposta desenvolvida pelo autor, são necessários três elementos básicos nessa lógica argumentativa: uma asserção de partida (A1), uma asserção de chegada (A2) e uma asserção de passagem. A asserção de partida é a mensagem “Nossa cidade”. Dela, decorre uma consequência, que é a asserção de chegada, no caso, a mensagem “nosso futuro”. Conforme o autor, é a conclusão da relação argumentativa, é o que deve ser aceito em função da partida. Mas esta passagem, de A1 para A2, como afirma Charaudeau (2008), não acontece de forma arbitrária e, sim, por meio da asserção de passagem, cuja função é servir de prova, inferência ou argumento. E, novamente, como já havia ocorrido na mensagem argumentativa anterior, a asserção de passagem são os enunciados com o nome das obras.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A conclusão a que chegamos, é que as placas de obras da Prefeitura Municipal de Porto Alegre não possuem uma função propagandística e persuasiva. Em primeiro lugar, conforme a amostra pesquisada, o Manual de Confecção de Placas não é obedecido em vários códigos visuais. Não há uma unidade entre as publicidades. Nos códigos tipográficos, encontramos fontes de letras diferentes nas três placas. Nos códigos cromáticos o maior problema foi nas cores de fundo onde é aplicado o slogan e na própria grafia da frase. Já nos códigos morfológicos, observamos que algumas informações constam em uma placa, mas não aparecem nas outras. Não havendo unidade na aplicação dos elementos visuais, não há, também, a repetição, que é uma das técnicas persuasivas. Da mesma forma, do ponto de vista verbal, o Manual de Confecção de Placas não estabelece um padrão de construção discursiva das mensagens. Se assim o fizesse, poderia determinar quais destas mensagens deveriam ser organizadas segundo o modo enunciativo, descritivo ou argumentativo. Entre outras coisas, a Prefeitura de Porto Alegre poderia evitar o predomínio de termos técnicos no nome das obras publicizadas. Ao invés de expressões como EBE, C2, chaminé de equilíbrio e estações elevatórias, deveriam ser desenvolvidas mensagens que fossem mais próximas da realidade das pessoas, que, em geral, não possuem o mesmo domínio deste vocabulário técnico e nem o utilizam no seu dia-a-dia. Com isso, a administração municipal promoveria um melhor entendimento com a sociedade e daria um tom propagandístico e persuasivo mais forte a suas mensagens. A própria ausência de qualquer menção ao Projeto Integrado Socioambiental nas placas – que, segundo a Prefeitura de Porto Alegre, não é uma simples obra e, sim, o programa de maior investimento da atual gestão municipal – faz com que estejamos tão perto das placas das obras; porém, em função da dificuldade de compreensão das mensagens, ao mesmo tempo, estamos, ainda, muito distantes delas.
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REFERÊNCIAS
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CANCLINI, Néstor Garcia. Cidades e cidadãos imaginados pelos meios de comunicação. Campinas: Opinião Pública, v. VIII, n.. 1, p. 40-53, 2002. CÉSAR, Newton. Direção de arte em propaganda. São Paulo: Futura, 2004. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008. LAVIGNE, Alain. La politización de la información del sector publico. In: GAUTHIER, Gilles; GOSSELIN, André; MOUCHON, Jean (Orgs.). Comunicación y política. Barcelona: Gedisa, 1998. LINS, Guto. Helvética: tipo topa tudo. São Paulo: Edições Rosari, 2004. MACEDO, Francisco Riopardense de. História de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1993. MOLES, Abraham Antoine. O cartaz. São Paulo: Perspectiva, 1974. OLIVEIRA, Clóvis Silveira de. Porto Alegre: a cidade e sua formação. Porto Alegre: Norma, 1985. PÈNINOU, Georges. Semiótica de la publicidad. Barcelona: Gustavo Gili, 1976. ROIZ, Miguel Félix. Técnicas modernas de persuasión. Madrid: Eudema, 1994. SOUZA DOCA, Coronel. O bicentenário da colonização de Porto Alegre. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, 1941. SPALDING, Walter. Pequena história de Porto Alegre. Porto Alegre: Sulina, 1967.
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Dr. Sérgio Roberto Trein: Docente, Doutor e Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
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Adultescente e a maturidade jovem. Autor(a): Dr.ÂŞ Ana Elisabeth Iwancow1
RESUMO O artigo trás um levantamento conceitual de juventude, através da história social da humanidade. Culmina com a contextualização do comportamento do jovem adulto contemporâneo, inaugurando um novo olhar, para o conjunto que integra o comportamento adultescente e a maturidade jovem. Ao longo do referencial teórico faremos inserts dos trechos da pesquisa realizada online em set. 2013, com uma amostra de conveniência que resultou em 13 pesquisados (quatro mulheres e nove homens), com idade entre 24 e 52 anos, residentes no Rio Grande do Sul.
¹ Docente de Publicidade e Propaganda – UNISINOS. Email: profe.anae@gmail.com.
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Palavras-chaves jovem adulto; juventude; maturidade jovem.
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INTRODUÇÃO Agora a adolescência termina aos 25 anos, de acordo com diretrizes atualizadas e dadas a psicólogos infantis. A ideia busca evitar que crianças e jovens se apressem e se sintam pressionados a atingir marcos importantes, o que pode levar a um complexo de inferioridade caso não os atinjam” [...] Agora, existem três fases da adolescência: início da adolescência entre 12 e 14 anos, adolescência média
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entre 15 e 17 anos, e adolescência final de 18 a 25 anos. (BBC, 25 set. 2013).
Na Grécia do século V a.C, a vida em sociedade é orientada pela Paidéia, que na acepção da palavra, dada por Platão, compreende, além das técnicas educativas, as práticas sociais, permitindo que os jovens se transformassem em cidadão integral, segundo Leve e Schimitt (1996). Solidariedade entre jovens e fortalecimento das relações entre classes etárias são suas características. Num sistema de vida em sociedade que enaltece os valores masculinos, a pólis grega era, de certo modo, um clube de homens. Mas a cultura feminina se fazia representar, nessa educação, principalmente, com poetisas, musicistas, dançarinas e até mesmo nadadoras e ginastas. Na Roma Antiga, no início do século VII d.C, a representação dos grupos etários estruturava-se da seguinte maneira: pueritia (puberdade) até os 15 anos; adulescentia (adolescência) dos 15 aos 30 anos; e, iuventus (juventude) dos 30 aos 45 anos. Refletindo muito mais a estrutura social da época, do que as transformações e as metamorfoses do corpo. Essa discrepância entre as definições dos grupos etários, segundo Levi e Schmitt (1996) com uma adulescentia que se prolongava até os 30 anos, tem relação direta com as instituições militares e políticas romanas, que previam a passagem de iunores (mais moços) para seniores (mais velhos) justamente aos 45 anos, marcando o término da iuventus. O excessivo prolongamento da adolescência e da juventude em Roma parece-nos muito mais consequência do que causa de um sistema social, o pátrio poder. Isso configura uma extensão social, além dos limites biológicos, como se a adolescência e a juventude fossem idades prorrogadas de maneira factual com o objetivo de evidenciar a continuação da submissão dos filhos aos pais. Com relação às mulheres, não eram definidas pela idade, mas por sua condição física ou social: fisicamente virgines, antes do matrimônio; socialmente uxores, depois; matronae, se haviam tido filhos e anus, para a velhice. Na Idade Média, ainda segundo Levi e Schmitt (1996) nem todo jovem é um guerreiro co-
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rajoso como os gregos e romanos. Para sabermos do modo de vida dos jovens – único perfil de que se fala nesse período é do sexo masculino e nobre – seus valores e suas condutas, identificamos na literatura cortesã europeia, diretamente relacionada ao amor e à façanha, representada pela cavalaria. Na sociedade medieval, o poder decorre de dominação e servidão que se estabelece entre os jovens descendestes que não tinham direito à herança e que deveriam viver, de certa forma, à margem da sucessão genealógica linear. Essa é uma característica do sistema feudal, no qual se esperava que houvesse morte entre os herdeiros masculinos legítimos, para que uma herdeira se visse na obrigação de arranjar um marido, capaz de cuidar da herança e das funções de chefe de família. Ariès (1981) mostra que a valorização da juventude, como uma fase socialmente distinta, foi se processando no desenvolvimento da sociedade ocidental. Na sociedade europeia tradicional, a criança “mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude” (ARIÈS, 1981, p. 10). A partir do fim do século XVII, quando a escola começa a substituir a aprendizagem informal, a criança deixa de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente pelo contato com eles. Mas somente no Humanismo Renascentista do século XVI e no Iluminismo do século XVIII que a sociedade remete para o sujeito indivisível – “uma entidade que é unificada no seu próprio interior e não pode ser dividida além disso: por outro lado, é também uma entidade que é singular, distintiva, única” (HALL, 2001, p. 25). Embora ainda não se traçasse um limite entre infância e juventude, nem uma noção do que hoje chamamos de adolescência, o termo juventude era correntemente utilizado para todos aqueles que ainda não haviam se tornados completamente responsáveis por suas próprias ações. No início da era moderna, o dever possível da educação e do serviço militar passa a determinar os limites da fase juvenil, ainda que de forma diferente entre a vida no campo e na cidade. A escola da vida, com sua práxis explícita entre jovens filhos de camponeses, com idade entre dez e doze anos, não pode ser fixada genericamente como sendo início e fim de uma fase. Só nas camadas sociais mais letradas é que encontramos a ideia – moderna – de juventude em formação. Ainda, para Ariès (1981) a infância foi assumindo, numa perspectiva paternalista, o significado de metáfora social de dependência, de minoria, sem precisão de início da fase juvenil, mas tendo claramente definida sua maturidade pelo matrimônio e pela casa própria, independente da família. Nessa questão do matrimônio havia enormes diferenças entre ricos e pobres. Estes, por razões de natureza social e política de subsistência, deslocavam-no para uma idade mais tardia, caracterizando o grupo dos indivíduos de fato adultos entre 20 e 35 anos.
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SER JOVEM NA CONTEMPORANEIDADE O nascimento e a formação de uma cultura adolescente, no seio da cultura de massa, se dá a partir de 1950, segundo Levi e Schmitt (1996). A palavra adolescência é comumente usada como se um conjunto de características unitárias definisse um período de idade que cerca a segunda década da vida. A ênfase está, acima de tudo, sobre o que é amplamente típico do adolescente masculino e feminino, enquanto, os diversos estágios de desenvolvimento contrastantes e as diferenças específicas de gênero e determinadas pelo sexo são tomadas por certas, sem maior exame. A adolescência é um período inevitável do desenvolvimento psicológico do ser humano. Não existe nenhuma possibilidade de escapar dele, e tentar fazê-lo provoca graves consequências psíquicas. Embora continuemos a usar por costume o termo adolescer, com o S intermediário, o correto e o termo que realmente deveríamos utiliza e adoLecer. Enquanto, adoleScer vem do latim adulescens ou adolescens (homem jovem), como particípio ativo de adolescere que significa crescer, o termo adoLecer, do latim ad (a) e dolescere, de dolere (doer), cujo significado é “cair enfermo ou padecer de alguma enfermidade habitual” e “tratando-se de afeto paixões, vícios ou más qualidades, tê-los ou estar sujeito a eles”, ou ainda, “causar doença ou enfermidade”. Para Carvajal (1996, p. 21) o termo adolescência “foi tomado por decantação histórica”, dando-se a ele uma conotação de mera etapa de crescimento e perdendo-se no tempo o significado de dor, de vícios e de paixões irredutíveis, sentido muito mais próximo do verdadeiro processo de adolescência, em contraposição ao puro e asséptico de juventude e crescimento. A aventura da adolescência, segundo o autor é de altíssimo risco, sabemos como e quando começa, mas não como vai terminar. Para nossos entrevistados ser jovem é:
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“Ter liberdade de pensamento, atitude ou expressão, independente de idade.” (M, 25 a.) “Curtir a vida.” (M., 37 a.) “Ter pressa, ser curioso, impaciente.” (H., 38 a.) “Ser livre” (M., 38 a.) “Um estado de espírito e não uma condição de idade.” (H., 44 a.)
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“Estar aberto, novidade, diversão e dúvida.” (H., 50 a.) “Ser imortal” (M., 51 a.)
Cada juventude pode definir e reinterpretar a sua maneira o que é ser jovem, para nossos pesquisados, que têm entre 24 e 52 anos, ser jovem é um estado de espírito com liberdade. Na sociedade contemporânea, a rede de poderes sobre os adolescentes manifesta-se através da mídia, lugar de visibilidade dos discursos especializados – da psicologia, da medicina, da publicidade, da moda, da cosmetologia e da estética - campos que não só falam da juventude e adolescência, mas lhe oferecem orientação e, sobretudo, fazem-nos falar. Segundo a sociologia da juventude as definições sobre juventude passam por dois critérios: o etário e o sociocultural. O primeiro delimita a juventude de acordo com faixas etárias, que pode ser de 10 a 24 anos, de 14 a 19 anos, de 15 a 21 anos, ou de 14 a 29 anos etc., está sempre presente com base prévia de uma definição de juventude. Este critério está sempre sendo recriado, mesmo que sob o argumento da relatividade, pois a juventude, o jovem e seu comportamento mudam de acordo com a classe social, o grupo étnico, a nacionalidade, o gênero, o contexto histórico, nacional ou regional etc. O segundo, critério sociocultural designa a juventude como um estado transitório, uma fase cujo início é claramente definido pela aparição da puberdade, e seu fim, variando segundo outros critérios que se possa adotar para avaliar se os indivíduos são jovens. Sabemos que ao dividir a idade cronológica do indivíduo, em fragmentos de tempo, é uma maneira fechada, e não, flexível de definir os períodos de transição de cada fase da vida humana. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que adolescente é o indivíduo entre 12 e 18 anos incompletos. Já o termo jovem é utilizado para designar o indivíduo entre 15 e 29 anos, seguindo uma tendência internacional. Assim, o adolescente no Brasil é todo indivíduo com idade entre 12 anos completos e 18 anos incompletos; os jovens- jovens, com idade entre 18 e 24 anos; e, os jovens adultos na faixa etária dos 25 aos 29 anos. Deste modo, a juventude como categoria social também é a representação social simbolizada e vivida com diversidade na vida cotidiana, uma vez que é um mix entre combinações das situações sociais e das diferenças culturais, buscando contrastes não só em relação às crianças e adultos, mas entre outras juventudes.
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“Dar vasão e ir atrás das ideias surgidas com desejo de mudanças e/ou novidades.” (H., 52 a.)
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ADULTESCENTE - CONCEITO O atual cenário demográfico indica que estamos atravessando um aumento expressivo na faixa etária de 20 a 59 anos, que no período de 1980 a 2010 cresceu 103,7%, e uma explosão demográfica, com os brasileiros acima de 60 anos, cujo aumento foi de 184,9%, segundo o IBGE (2013). Já a população de 0 a 9 anos reduziu em 7,8%, no mesmo período. Nesses 30 anos de análise, a população do Brasil cresceu 60,28%. O censo de 2010 registrou 190.755.798 habitantes no país e, atualizando somos hoje 201 milhões. Com o aumento da expectativa de vida, a maturidade e a velhice podem acontecer mais tarde, dentro das etapas do ciclo de vida, e isso se reflete no comportamento das pessoas. Segundo o IBGE a expectativa de vida do brasileiro, saltou de 66 anos em 1991, para 71 em 2003, e 75 em 2013, chegando a previsão de 81 anos para 2060, segundo dados projetados pelo IBGE (2013). Assim, um indivíduo de 40 anos sabe que tem pelo menos três décadas de vida pela frente, caso não lhe ocorra nada de grave. Então, não há porque começar a envelhecer tão cedo. O que estamos contemplando é que os limites biológicos da idade estão sendo desafiados e que a linha que separa a juventude da maturidade está sendo redesenhada. Vemos isso na música, na cosmetologia, nos objetos de consumo. Em tudo, há uma tendência juvenil ou um certo ar de rejuvenescimento. Dos 13 pesquisados três nunca ouviram falar do termo adultescente, mas mesmo assim expressaram os conceitos:
“Imagino que seja uma mistura de comportamento de adulto com adolescente” (H., 35 a.) “Acredito ser o comportamento ou hábitos de adolescentes em adultos” (M., 51 a) “Passa uma conotação de jovem adulto, com perfil bastante brincalhão, ligado em tudo que acontece. Resumindo: uma pessoa capaz de comunicar-se com to-
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das as tribos e faixas etárias.” (H., 52 a.)
Os demais entrevistados, além de fazerem referência ao comportamento adolescente entre adultos arriscaram uma retrato falado dos mesmos. Destacamos estes testemunhais:
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“Já ouvi falar superficialmente. Acredito que sejam adultos que ainda “se acham” adolescentes.” (H., 24 a.) “Sim, conheço vários. Para mim essa palavra retrata um momento de transição na vida de adolescentes para a fase adulta. uma fase que as responsabilidades da faculdade e do mercado de trabalho começam a se fazer mais presente na vida. infelizmente percebo que muitas pessoas ao meu redor enfrentam dificuldades com essa fase, ao invés de aproveitarem o momento para crescerem e se tornarem independentes continuam vivendo na casa dos pais, muitas vezes não por necessidade financeira, mas por comodismo.” (H., 30 a.) “Adulto q tem espirito jovem, cabeça aberta e com motivações plenas para qq coisa.” (H., 37 a) “Defino como uma pessoa que já passou da idade biológica da adolescência, mas mantem um estilo de vida de adolescente. Por exemplo: um homem de 30 anos que mora com os pais, ainda não ingressou no mercado de trabalho, visto continuar estudando na pós-graduação e vive economicamente de mesada.” (H., 44 a.)
O termo adultescente, neologismo surgido na imprensa britânica em 1997, que mistura as palavras adult (adulto) e adolescent (adolescente), é utilizado para definir um adulto que se comporta como adolescente, quem sabe para remoçar, mas também é um adulto que tenta (e consegue) atingir sua própria idade: a maturidade. Serve ainda para definir uma pessoa adulta que mantém um estilo de vida próprio de adolescente, mas assumem compromissos da vida adulta, sem deixar de se divertir. Eles podem ter 30, 40, até 45 anos, ou idade não declarada, se assim preferirem. Na pesquisa online não queríamos saber se os entrevistados se consideravam adultescentes, mas identificamos uma espontaneidade nos entrevistados que declararam:
– Iphone). Minha namorada acha que isso é um traço adolescente ainda, estar sempre de fones de ouvido, de certa forma concordo com ela, é uma coisa que não consegui largar desde a adolescência, onde quer que eu esteja preciso ao menos a possibilidade de ouvir minha músicas se me der vontade.” (H., 30 a)
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“Pra mim é importante ter um player de música (que hj é o mesmo que o celular
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“Conheço a palavra “adultescente” de vista, hehehe... É a pessoa (como eu) que cumpre seus deveres, assume seus papéis de adulto, mas nem por isso deixa para trás coisas daquela fase da vida tão boa que é a adolescência. E sem culpa! (H., 33 a.)
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O entrevistado homem, com 30 anos expressa: “minha namorada acha que isso é um traço adolescente [...] de certa forma concordo com ela”. Esse jovem adulto reforça nossa teoria de que os adultescentes são reflexos de como a prática cotidiana cria novos tipos e compõem novas redes e sociabilidades. Quando o homem, de 33 anos afirma; “como eu” - faz uma livre associação de valores, atitudes e comportamentos que originam ações táticas da época de adolescente, aproveitando a maturidade para justificar as novas maneiras de agir com responsabilidade, na busca de estilos de vida expressivos e livres, “sem culpa!”. Desde os anos 60, a sociedade tem se convencido de que o amadurecimento pode ser protelado, sem que os indivíduos sejam extremamente infantis ou adolescentes, mas buscando as coisas de que mais gostavam na sua adolescência, como a ilusão de liberdade e a falta de responsabilidade. A adolescência prolongada se for analisada como um adiamento indefinido, a caminho da vida adulta, pode resultar em termos psicanalíticos, na deformação dos atributos de personalidade. Porém, nosso objetivo não é caracterizar distúrbios e prováveis deformações, mas sim, investigar a fase pós-adolescência, que entendemos possa ser examinada como uma continuação do processo adolescente, culminando com a maturidade na formação da personalidade. Assim, o mesmo impulso que leva o adolescente à vida adulta, também permite que o jovem adulto impeça esse movimento para frente, de forma que o processo da adolescência permaneça ilimitado. Assim, com o processo não concluído, algumas gratificações da infância com as prerrogativas da vida adulta passam a fazer parte de sua existência.
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ADULTESCENTE E A CULTURA DO CONSUMO Na sociedade contemporânea, a cultura do consumo, dos bens materiais, deve ser compreendida dentro do universo cultural a que pertença, ou seja, inserida na relação social dos objetos. Segundo Baudrillard (1995), o consumo é uma lógica no plano das significações, na qual um objeto assume determinado valor de uso e troca, de acordo com o seu estatuto lógico como objeto. Um objeto de consumo é um objeto-signo apropriado, mantido e manipulado pelos sujeitos, numa relação concreta de desejo e imposição integral do código junto à sociedade. Essa relação se encarrega de atribuir uma lógica do signo e da diferença, ideia central do seu pensamento, quando teoriza sobre as lógicas sociais de consumo a partir das significações. O verdadeiro objeto de consumo é aquele que, desvencilhado das funções de símbolo, utensílio e produto, está liberto para a lógica formal da moda, isto é, pela lógica da diferenciação e acessibilidade a coisas novas, a última moda, de última geração, a febre do momento, sempre com um toque de aperfeiçoamento.
A cultura do consumo define um sistema em que o consumo é dominado pelo consumo da mercadoria, e onde as reprodução cultural é geralmente compreendida como algo a ser realizado por meio do exercício do livre-arbítrio pessoal na
Assim, um objeto-signo ganha seu sentido na relação diferencial com outros objetos-signos e só podemos falar de consumo quando os objetos se autonomizam como signos, assumindo uma diferença codificada e regendo um valor social. Quando tomamos como exemplo os adultescentes, que vivem numa época em que o marketing e a publicidade são onipresentes, constatamos que eles colecionam atos de compra e venda, nos quais uma coisa leva à outra. O shopping spree – um impulso teoricamente irrefreável, enquanto houver condições financeiras – está presente no seu universo, assim como os signos diferenciais, numa “urgência em produzir significados, sentido, em fazer com que
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esfera privada da vida cotidiana. (SLATER, 2002, p. 17)
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exista o um-para-o-outro antes que o um e o outro existam para si” (BAUDRILLARD, 1995, p. 64). Os indivíduos procuram consciente ou inconscientemente, posição social e prestígio. É nas estruturas do inconsciente que se ordena à produção social das diferenças. Ou seja, o consumo, como intenção do sujeito para com o objeto, é uma relação econômica que envolve a troca. Já a produção social de diferenças se dá no mesmo movimento, porém sistematizado em forma de código, mais em termos de prestígio do que de estrutura de troca, transformando produtos e marcas em símbolos de status e estratificação social. A cultura do consumo segundo Featherston:
[...] envolve um foco duplo: em primeiro lugar na dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como ‘comunicadores’, não apenas como utilidades; em segundo lugar, na economia dos bens culturais, os princípios de mercado – oferta, demanda, acumulação de capital, competição e monopolização – que operem dentro da esfera dos estilos de vida, bens culturais e merca-
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dorias. (FEATHERSTONE, 1997, p. 121)
O adultescente vive num ambiente, no qual é feita uma regulação entre o vai-e-vem, entre tendências e contratendências, e do seu próprio desregramento, que se torna, num certo sentido, uma forma de correção. Na construção da figura do adultescente, aquilo que ele é e aquilo que eu sou provocam uma resposta “de espelho”; em outras palavras, se a realidade das práticas cotidianas contém roteiros tipificadores através da reciprocidade, criamos uma contínua negociação dos modos como lidamos com o outro e como o apreendemos. Dessa forma, uma teoria da subjetividade coletiva, que considere a produção de solidariedade e uma ação conjunta entre os sujeitos do grupo, possibilita como resultado uma identidade claramente compartilhada e organizada para o novo. Ao fundamentarmos a subjetividade coletiva dos adultescentes, devemos saber que a mesma é descentrada, variando de acordo com a identidade e a organização da coletividade. Essa perspectiva nos ajuda a entender as gerações como fenômenos extremamente amplos, que atravessam a vida social e a ratificar nosso conceito de circularidade geracional, que se constitui na mediação entre a localização social do sujeito e a experiência social, concretizadas por discursos, cotidianos, estéticas, atitudes, comportamentos e aparências.
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Assim, na prática de construção da figura do adultescente, tomamos os fragmentos como utensílios interpretativos para a produção de sentido. Sob essa ótica, quando, depois do todo, avaliarmos somente uma parte entraremos na estética do fragmento que nos leva, as surpresas da significação. Na sociedade contemporânea, o sucesso da mídia e da publicidade decorre da influência e do poder de persuasão, junto aos potenciais consumidores, que, impulsionados a comprar e a usar, determinados produtos, buscam uma distinção identitária que o possuir pode proporcionar. Esse jovens adultos estão atingindo uma maturidade jovem, e “qualquer idade que uma pessoa desse grupo tenha, será sempre a melhor idade”, seguindo essa linha de pensamento “com seus 40 ou 50 anos, essas pessoas estão ansiosamente desfrutando passatempos de conotação jovem e de aventura, que reafirma sua juventude e energia.” (GOBÉ, 2002, p. 45). Em nossa pesquisa online, solicitamos que os entrevistados citassem três coisas que faziam, enquanto adolescentes e, que continuam fazendo até hoje, destacamos as mais citadas: ir ao cinema ou assistir filmes (seis entrevistados), ouvir música (três) e ler (três). Mas as respostas mais surpreendentes foram: “Dançar na frente do espelho” (M., 25 a.) e “Masturbação” (H., 50 a.). Nos estudos sobre adolescência vê-se que a crise e os traumas estão em nossa cultura, não nas mudanças físicas. Sob esse olhar: dançar e se masturbar são ações presentes numa adolescência normal. Historicamente, as rupturas na evolução humana, através de movimentos sociais e revoluções, trouxeram como consequência novos estilos de vida, para ratificar ou para romper a agregação social. Quando analisamos os grupos de mães solteiras, o movimento das mulheres e dos relacionamentos homo afetivos vemos que não procuram algo pontual com situações individuais e particularizadas para levantar sua bandeira. O que vemos é uma reconsideração do conjunto das regras de solidariedade. E o objetivo continua repercutindo sobre o conjunto social. Essa ligação não tem a rigidez dos modos de organização que conhecemos. Manifesta-se através dos estilos de vida que vão privilegiar as aparências, as escolhas, sem grupos de status fixos, em favor de “uma aceitação tolerante e igualitária das diferenças” (Featherstone, 1995, p. 120). Desta forma, vemos o reconhecimento dos direitos dos indivíduos para usufruírem os prazeres que tanto desejam, sem censura moral, legitimando suas próprias disposições e estilos de vida específicos. Ao questionarmos sobre o que não pode faltar na necessarie ou porta-luvas do automóvel dos entrevistados, constatamos que sete dos 13 citaram itens de higiene e beleza, de forma genérica, entre eles: lenço de papel, fio dental, perfume, creme para as mãos, lixa de unha, gel para o cabelo, creme dental, hidratante e papel higiênico. São itens de cuidados consigo mesmo, promovendo a aparência. Para duas das quatro mulheres que responderam o questionário, não pode faltar batom.
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Dentre todas as respostas apenas uma marca foi citada – Natura. Isso nos fez referenciar duas campanhas publicitárias: a primeira na figura 1, quando mostra o produto Chronos para várias idades; e, a segunda na figura 2 , quando apresenta o Chronos para mulheres com mais de 70 anos. As duas campanhas são criação da agência Takerda – São Paulo.
Figura 1 - Natura; Cada rosto tem uma história. Fonte: Revista Marie Claire Junho 2010, nº 231, p. 20-21
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Segundo Gobé (2002, p. 33-34) “a marca emocional e o meio pelo qual as pessoas se conectam subliminarmente com as empresas” e “produtos suprem necessidade, experiências suprem desejos”. Seguindo esse pensamento vemos que a linha Chronos, tanto na figura 1, quanto na figura 2, se conecta com suas consumidoras de forma emocional, porque ao anunciar o produto a marca projeta valores emocionais e responde emocionalmente às experiências de vida das consumidoras.
Figura 2 - Natura; Os anos vêm para somar. Fonte: www.meioemensagem.com.br Acesso em 29 set. 2013.
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As demais respostas fizeram referência a produtos, como mercadorias-signos, como por exemplo: CDs, sacolas, paninhos, livro, revistas, garrafa d’água, lanterna, caneta e papel. Já quando perguntamos sobre apelos de rejuvenescimento na publicidade apenas um não reconhece. Quanto às marcas e produtos que se posicionam de forma rejuvenescedora foram citadas: a) Com duas indicações cada - Coca-Cola, Pepsi, Chevrolet (GM), Avon, Boticário; b) Com uma indicação cada – Dove, Natura, Nívea, P&G, Pantene, Nestlé, Tim, Campari, Axé; c) Com indicação comente de produto - carros, fitness e bebidas.
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O conceito de marca emocional, proposto por Gobé (2002) aparece nas propostas de comunicação das marcas mais citadas, uma vez que elas dialogam com seus consumidores, se atualizam e mantém o interesse no consumidor. Considerando que são marcas que estão na maturidade do seu ciclo de vida (Coca-Cola, Pepsi e GM), já possuem notoriedade entre os jovens adultos, mas precisam manter essa confiança. Sob o ponto de vista de Maffesoli (1998, p. 101), conforme “as épocas, predomina um tipo de sensibilidade, um tipo de estilo destinado a especificar as relações que estabelecemos com os outros”. De um lado, temos a ordem pública que diz respeito aos indivíduos e suas associações contratuais e racionais, e de outro lado, sua dimensão afetiva e sensível. Assim, cada grupo, com sua intencionalidade fragmentada, tende a restaurar, uma eficácia simbólica, através de uma rede, que permite assegurar um ressurgimento da cultura na vida social, para Maffesoli (1998) esse é o reencantamento do mundo. Para a cultura do consumo: todo mundo pode ser alguém.
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CONSIDERAÇOES TRANSITÓRIAS
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Adultos precisam parecer adultos? Os indivíduos não pertencem a grupos etários; eles passam por faixas etárias. Ao atravessarem essas faixas, que pode ser com maior ou menor espaço de tempo, estabelecem com a sociedade uma condição de jovem, que caracteriza a juventude, principalmente, pela visão que os jovens têm de si mesmo. Ao defendermos a juventude como categoria social, deve-se reconhecer que a sociedade moderna é constituída não apenas sobre as estruturas de classe ou pelas estratificações sociais que lhes são inerentes, mas também sobre a cronologização do curso da vida, que, ainda precocemente entendemos, deverá inaugurar um novo ciclo não-geracional, para melhor compreender a juventude elevada à categoria social. O conjunto de indivíduos das mais diversas idades em um determinado período é a base para a compreensão da diferença entre geração e grupo etário. Porém, o que constitui e distingue uma geração da outra não é apenas a faixa etária que as delimita, mas principalmente o conteúdo que ele simboliza, o conteúdo geracional. Além do conteúdo geracional, é importante identificar o que sejam os símbolos geracionais, que revelam a situação do indivíduo no processo social, com uma similaridade de tempo histórico, ou seja, as pessoas de um mesmo grupo etário. Muito mais forte do que um papel social que o adultescente esteja representando, nossas considerações sobre essa transição reconhece valores da sociedade, valores de ordem muito mais significativa do que a simples relação dos objetos com os sujeitos, que caracterizam a cultura do consumo. De certa forma, fugindo de uma centralidade da produção para o mercado, na qual tudo parece estar destinado para o consumo, identificamos, no comportamento do adultescente, uma similaridade estratificada, tanto de modo temporal, como experiencialmente. Ou seja, os adultescentes inauguram um novo modo de ser da juventude contemporânea: a maturidade jovem. Eles são jovens porque assumem cultural e socialmente, algumas características jovens, utilizando-se e valendo-se da mudança e da transitoriedade, ora no plano material, ora no plano simbólico, esquecendo, por vezes, as questões mais complexas que envolvem essa reprodução de significados na realidade. Os adultescentes são jovens porque seu comportamento tenta desconstruir os
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estereótipos de outras gerações, ao mesmo tempo em que buscam, nessa transformação, criar novos parâmetros para a construção de subjetividades em seu cenário social. Eles podem determinar o ritmo da história que estamos escrevendo, além de permitir a aceitação do novo, rejeitar as concepções tradicionais, mas ao mesmo tempo reiteram valores e as próprias responsabilidades que advêm do papel social de um adulto com plenos direitos e responsabilidades.
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Dra. Ana Elisabeth Iwancow: Docente em Publicidade e Propaganda e Doutora em Comunicação Social (Processos Sócioculturais).
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