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Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE MARÇO DE 2012

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visuais

Pensar

por PAULO ROBERTO SODRÉ

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE MARÇO DE 2012

Exposição que será aberta no próximo dia 27, na Ana Terra Galeria, reunirá desenhos, fotografias, objetos e pinturas de 14 artistas, inspirados na poesia de Florbela Espanca e Fernando Pessoa

AS IMAGENS QUE NASCEM DOS POEMAS

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mas lisboetas de Maria Teresa Horta. São, singulares, leituras. Serão verbos os gestos de cor? Serão apostos as linhas que delimitam o corpo dos objetos? Serão adjetivos as sombras a realçarem o alcance do olhar? A composição do texto pictórico ou artístico, seu teor de imagem ou iconicidade, talvez dispense esse amálgama de metáforas a tentar aproximar a linguagem da poesia e da pintura, velhas irmãs na clássica e muito citada afirmação de Simônides de Ceos: “A pintura é poesia muda, e a poesia, pintura que fala”. Bastaria pensar que a textualidade da arte – sabe-se, todo texto implica signos para além dos verbais, na grata lição de Roland Barthes –, estaria, em sua relação com a literatura e suas figuras de linguagem, na busca da metáfora, da antítese, da caricatura etc. que, a despeito de terem sido originalmente pensadas para o texto verbal, servem perfeitamente à arte e a sua “sintaxe” (os símbolos de Redon; as antíteses de Rembrandt; as caricaturas de Daumier).

Intertextualidade

ESCRITOR ANALISA AS CRIAÇÕES DA MOSTRA “FALUAS DO TEJO”, EM HOMENAGEM AO ANO DE PORTUGAL NO BRASIL

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o ponto de vista literário, é comum pensar que os escritores pintam com palavras, imitando os artistas plásticos em sua capacidade de explorar a visualidade do mundo. Mas e o que escrevem os artistas quando tocados pela ideia, pela imagem e pelo som dos poemas? Se um advérbio arremataria a posição das mãos de uma figura de Paula Rego, como delimitariam os artistas a melancolia de um pensamento ou a imaterialidade de uma afeição, ainda que vazados em paisagens – em correlatos objetivos (uma paisagem exterior a significar um estado psíquico), de que trata T. S. Elliot –, que sugerem as palavras imersas em poesia? Que cor, linha ou textura eles usariam, para invocar substantivos e predicados em seus registros? Essas são algumas das indagações que emergem dos desenhos, da fotografia, dos objetos e das pinturas de 14 artistas inspirados na poesia portuguesa, e reunidos em “Faluas do Tejo”, exposição organizada por Attilio Colnago para Ana Terra Galeria de Arte, que tem como norte homenagear o Ano de Portugal no Brasil. Uma infinidade de opções rondaria, decerto, a escolha de temas, autores e

DIVULGAÇÃO

DIVULGAÇÃO

modalidades de textos para a realização da proposta. Colnago selecionou dois poetas portugueses, nascidos no mesmo período, mas com projeção e relevo diferentes: Florbela Espanca e Fernando Pessoa. O primeiro efeito que poderia nos ocorrer é o da ilustração dos textos poéticos; no entanto, se assim a recebêssemos, esbarraríamos em imprecisão de leitura. Desde pelo menos os anos medievais, a ilustração é, como propõe o consenso dos dicionários, uma tentativa de explicar, sintetizar ou mesmo de decorar a edição de um texto. São inúmeros os exemplos de gravuras, fotografias, desenhos e pinturas a acompanharem as publicações, em especial as literárias: os cancioneiros românicos ou góticos e os desenhos informativos sobre os trovadores; Gustave Doré e as linhas sintéticas de “Dom Quixote”. Contudo, os artistas da mostra não ilustram os versos de Espanca, a poeta dos veios passionais, em que pese serem floridos; nem os versos de Fernando, o poeta de vários óculos e nomes, em que Impressão fotográfica sobre tela “Além Deus, ode a Fernando Pessoa”, de Roberto pese serem paisagísticos. Não o fazem, Burura: artistas compreendem e reescrevem versos dos poetas com signos próprios exceto se nos lembrarmos de que uma das acepções do termo ilustração é o de interpretar, como ocorre nos desenhos de Regina Chulam para os poe-

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Sendo a arte texto, cada um dos quadros e objetos expostos em “Faluas do Tejo”, com o propósito de se deixar conduzir pelos poemas da Sóror Saudade e do heteronímico fingidor, poderia ser lido como resultado da intertextualidade, na medida em que sua produção ocorre sob a condição de ser um texto em que se imiscui e se transforma um outro, mesmo sendo de outra índole sígnica. Os versos dos poetas são lidos e atualizados pela leitura plástica que deles é feita, de que resulta, além da intertextualidade, o inverso do “ecfraseamento” que os poetas vêm fazendo ao longo dos séculos em relação às artes visuais. O termo de origem grega, écfrase (ekphrasis), significa etimologicamente evidência, descrição. Lino Machado, em “As palavras e as cores: Guernica (e mais) na caligrafia de Carlos de Oliveira”, publicado pela Edufes em 1999, examina cuidadosamente o conceito e cita a síntese de Vítor M. de Aguiar e Silva: “Como modalidade de ecfrase, além do labor da descrição [sobretudo, de objetos artísticos], também [se considera] o ‘trabalho de recriação, comentário e exaltação da obra de arte (escultura, pintura, etc.)’” (p. 315). Decerto, como se trata de um recurso de linguagem, a écfrase estaria vinculada ao texto verbal. Para as artes plásticas, portanto – e salvo melhor informação –, ela inexistiria. Contudo, com o refinamento da teoria da literatura e da arte, o conceito de écfrase pode ser transmutado, adquirindo dimensões mais complexas. Como tem sido demonstrado pelos estudos interartes, técnicas e procedimentos tradicionais de uma área (literatura) se aproximam e se adaptam a outra (pintura), e vice-versa. O escritor tradicionalmente pinta em

prosa e poema o que os artistas plásticos realizam, como o romancista português Almeida Faria, ao descrever a pintura de Cristóvão de Morais, “O retrato de Dom Sebastião”, de 1571, em “O conquistador”, de 1990. A descrição ou écfrase do quadro coloca o leitor diante do retrato do jovem rei, e o efeito é o de uma pintura, não mais apenas a do português quinhentista, mas a de Almeida Faria. Seria longa, vale ressalvar, a explicação sobre o aspecto teórico concernente à relação entre écfrase e tradução intersemiótica, levantada por Claus Clüver, e aprofundada por Lino Machado. Para já, e brevemente, interessa-me, neste comentário, apontar o efeito retórico e intertextual daquele recurso na mostra “Faluas do Tejo”. Se é lícito considerar que o escritor pinta com palavras, não pode sê-lo menos que um artista escreve com plasticidade. Eis, portanto, a natureza da escritura dos artistas da mostra: uma écfrase invertida, em que os poemas são “evidenciados” e “descritos” por meio de composições de cor e volume, textura e gestualidade, colagem e gravação. Atrelados ao visual, os artistas transpõem, do signo verbal para o pictórico, o ritmo e a imagem dos poemas de Espanca e Pessoa, agora tornados “objetos” de écfrase, para seus trabalhos plásticos. Desse modo, e em certo sentido, não ilustram os artistas, porque seu propósito não é explicar ou informar o que vai, obliquamente, nos poemas. Pretendem criar o que os textos sugerem à sua leitura, apoderando-se deles, para libertarem-se na possibilidade de compreendê-los, reescrevê-los, e, então, ilustram-nos por interpretação e ecfraseiam-nos com signos próprios. Ancorados num mesmo procedimento de citação e atualização, a intertextualidade e a écfrase fundamentam o que expõem os 14 artistas de “Faluas do Tejo”. Reunidos por Attilio Colnago e Ana Coeli, empreendem a leitura de Espanca e Pessoa, fazendo falar a pintura dos poemas, agora faluas de sentidos e ritmos a conduzir os traços dos trabalhos plásticos, no Tejo dos portugueses, no fluir dos brasileiros.

Exposição “Faluas do Tejo” Conceito: Coletiva de pinturas e fotos em homenagem aos 30 anos da Ana Terra Galeria e ao Ano de Portugal no Brasil, inspirada em poemas de Fernando Pessoa e Florbela Espanca. Com os artistas Selma Weissmann (BH) e Ana Cristina Brandão (BH), Attilio Colnago, Liza Tancredi, Fabiola Menezes, Joyce Brandão, Rosindo Torres, Fernando Gomez, Romilda Patez, Maria Helena Salles, Deyse Rezende e Moema Calhau, além dos fotógrafos Roberto Burura e Paulo de Barros.

Em “O Duplo Feminino”, Deyse Resende interpreta o poema “Exaltação”, de Florbela Espanca, por meio de composições de cor, volume, textura e gestualidade

Vernissage: 27 de março, das 20h às 22h30, na Ana Terra Galeria. Rua Eugênio Neto, 106, Praia do Canto, Vitória. Visitação até 28 de abril, de segunda a sexta, das 10 às 19h; e sábado, das 9h30 às 13h.


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