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VITÓRIA, SÁBADO, 29 DE OUTUBRO DE 2011

www.agazeta.com.br

Entrelinhas

BUKOWSKI NARRA A HISTÓRIA DE UM ESCRITOR QUE VIVE NO UNDERGROUND. Página 3

Música

O TALENTO DE JON LORD, O TECLADISTA QUE FEZ A PONTE ENTRE O ROCK E O ERUDITO. Página 5

Letras

O PERFIL DE MARIA ANTONIETA TATAGIBA, UMA PIONEIRA DA POESIA. Página 8

Ensaio

A RUPTURA E A OUSADIA DE UM ÍCONE DA POESIA CONCRETA. Páginas 10 e 11

“Caipira picando fumo”, de Almeida Júnior: obra de 1893 se aproxima da realidade brasileira e deixa de lado as formulações acadêmicas

O Brasil em formas

LIVRO DE ENSAÍSTA ANALISA A DIVERSIDADE E OS DILEMAS DA ARTE PRODUZIDA NO PAÍS.

Págs. 6 e 7


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quem pensa

Wilson Coêlho é Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris. wilsoncoelho@gmail.com

Vera Márcia Soares de Toledo é professora de Literatura e História da Faculdade Saberes. veramarciast@terra.com.br

marque na agenda prateleira Cinema Curta-metragem seleciona atores

A produção do filme “Cais dos Cães” faz teste público de seleção com atores e coadjuvantes, hoje, das 9h às 21h, na Fafi, Centro de Vitória. Roteiro e direção de Marcos Veronese.

Música erudita Atração da República Tcheca em Vitória

PedroJ. Nunes é escritor com cinco livros publicados. pedrojnunes@tertuliacapixaba.com.br

O Trio Smetana inicia turnê pelo Brasil no dia 3 de novembro, com apresentação gratuita, às 20h, no Teatro Carlos Gomes. No repertório, Tchaikovsky e Antonin Dvorak. Os ingressos devem ser retirados na bilheteria do teatro, uma hora antes da apresentação.

Karina de Rezende Tavares Fleury é doutoranda em Letras (com ênfase em Estudos Literários) pela Ufes. karina.fleury@gmail.com

Tavares Dias é jornalista, escritor, compositor e mestre em Estudos Literários. tavaresdiasjorn@gmail.com

Alex Pandini éjornalistaejátrabalhoutambémcompublicidade, cinema,teatroemúsica. pandini70@gmail.com

O autor conta o percurso da habitação desde a Idade da Pedra até a atualidade, em um estilo que pode ser definido simultaneamente como uma narrativa histórica, um tratado de sociologia, um compêndio de história da ciência e uma divertida coleção de curiosidades culturais. 536 páginas. Companhia das Letras. R$ 49

Filosofia Concisa Garrett Deweese e J.P. Moreland Questões centrais da existência humana, como “O que é real?”; “O que é conhecimento?” e “O que é o certo e o errado?”, são respondidas de forma acessível, com o objetivo de estimular a reflexão e mostrar a presença da filosofia na vida das pessoas.

Fabíola Menezes é artista plástica, professora e mestre em Artes. fabiolavmenezes@gmail.com

Nayara Lima é escritora e graduanda em Psicologia pela Ufes. ww.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

Em Casa – Uma Breve História da Vida Doméstica Bill Bryson

160 páginas. Edições Vida Nova. R$ 25,90

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Odisseia Homero

de outubro

Um dia para celebrar

o poeta maior A escritora Maria Améli a Dalvi fala sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade no “Dia D – Dia de Drum mond”, uma ideia do Instituto Moreira Salles que incen tiva o país a comemorar a data de aniversário do poeta. Na próxima segunda, às 19h, na Bib lioteca Pública Estadua l.

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de novembro

Marli Siqueira Leite é professora de Língua Portuguesa e mestre em Letras pela Ufes. marlisiqueiraleite@gmail.com

Chico Lessa em dose dupla

O músico comemora 45 anos de carreira com shows em Vitória, no dia 5, às 22h, em Jesus de Nazareth, e no dia 6, às 17h30, na Concha Acústica, Parque Moscoso.

Poema épico fundamental para a tradição literária ocidental, a “Odisseia” narra o regresso de Ulisses, herói mítico da Guerra de Troia, à sua terra natal, Ítaca. Na introdução, o especialista Bernard Knox apresenta diferentes teorias sobre a origem da narrativa e de seu autor. 576 páginas. Companhia das Letras. R$ 34

A Dama do Bar Nevada – Cenas Urbanas Sergio Faraco Seleção de contos representativos do grande autor gaúcho, laureado em 1988 com o Prêmio Galeão Coutinho, da União Brasileira de Escritores. 160 páginas. L&PM Editores. R$ 14

ARTE A SER DECIFRADA

José Roberto Santos Neves

Como discutir as artes plásticas em um país que não tem muita tradição na área, com público seleto, e onde a apreciação e o consumo dessa produção historicamente ainda são vistos como símbolo de status social? Esse foi um dos desafios enfrentados pelo crítico Rodrigo Naves no livro “A forma difícil”. O volume, considerado um clássico da crítica de arte no Brasil, ganha reedição em que o estudo original das obras de Debret, Guignard, Volpi, Segall e Amilcar de Castro é acrescido de dois novos capítulos dedicados a Almeida Júnior e Mira Schendel.

Pensar na web

Quem nos dá mais detalhes sobre esse trabalho é Fabíola Menezes, artista plástica e mestre em Artes, que se detém especialmente na análise da emblemática obra “Caipira picando fumo”, de Almeida Júnior, escolhida para ilustrar a capa desta edição. No Pensar de hoje, o leitor encontra ainda um ensaio de Marli Siqueira Leite sobre poesia concreta, o resgate da poetisa capixaba Maria Antonieta Tatagiba por Karina Fleury, e a resenha de Wilson Coêlho para o livro “Mulheres”, do adorável maldito Charles Bukowski. Boa leitura e até o próximo sábado!

é editor do Caderno Pensar, espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados.

jrneves@redegazeta.com.br

Galeria de poemas do concretista Ronaldo Azeredo, vídeos do tecladista Jon Lord e trechos de livros comentados nesta edição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493


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entrelinhas

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por WILSON COÊLHO

A FICÇÃO É A VIDA MELHORADA

MULHERES Charles Bukowski. Tradução de Reinaldo Moraes. L&PM. 320 páginas. Quanto: R$ 19, em média

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er Charles Bukowski é tomar um porre, no melhor dos sentidos, e um prazer, em muitos outros. É um percurso das relações de gozo e frustrações que implicam no contato do homem consigo mesmo, tanto na tentativa de se entender como tal quanto na expectativa de compreender a mulher. Quando conheci, no final dos anos 70, o fiz acompanhado também de bebidas e drogas. Como no caso de alguém chegar numa festa em que os amigos já se encontram num adiantado estágio de embriaguez e, por mais que se tente ser agradável, fica sempre faltando algo, ou seja, alcançar o nível etílico suficiente para um mínimo de sintonia nos pretensos diálogos. Assim é reler Bukowski. Na verdade, para se ler Bukowski é preciso ser um iniciado. Hoje, quase 40 anos depois, apesar das poucas cervejas e nenhuma droga, o faço muito mais embriagado pelo poder desnorteante e desmoralizador de sua escrita: a literatura que se basta pela capacidade de dizer – sem maneirismos – a partir de si mesma, como uma poética da existência, onde a mundidade (não confundir com mundaneidade) se revela contra a razão. O livro é uma narração no mais puro e simples estilo da vida amorosa, alcoólica e sentimental de Bukowski. Como uma espécie de crítica da razão puta, uma razão puta com a lógica da hipocrisia e da mediocridade, Bukowski escreve por espasmos, como se possuído pelo que há de mais necessário e cru na angústia. Apesar de nascido na Alemanha, filho de soldado americano com uma jovem alemã (aos 3 anos de idade foi levado para os EUA), Bukowski é considerado o último escritor norte-americano “maldito”. Um tipo de anti-herói, alcoólatra de misantropo, de certa forma, uma espécie de beat honorário, considerando seu parentesco com o movimento, mesmo sem ter se associado a nenhum dos autores beatniks. Dentre os personagens citados ou que transitam no romance, figuram seus contemporâneos como Bob Dylan, Willian Burroughs, John Fante, Céline, Hemingway, Gable, Cagney, Bogart, Errol Flynn, Catherine Deneuve, Judy Garland, Randy Newman e outros. A obra também está repleta de personagens fictícios ou pseudônimos simbolizando alguns dos mitos que impregnaram o espírito de comportamento da época, como é o caso de Tanya, que ele compara com Betty Boop, personagem considerada a rainha dos desenhos animados da década de 1930, bem como a alusão que faz ao modismo místico da classe média, através de Drayer

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Baba, um cara que nasceu na Índia e morreu em 1971, dizendo que era deus. Estou falando de “Mulheres”, romance de 1978, das aventuras de Henry Chinaski que, além de protagonista de outras quatro obras e pequenos textos e poemas, é uma espécie de alter ego de Bukowski. É a história de um escritor velho que vive em ambientes underground e que, apesar de ter se tornado famoso, continua com seu estigma de perdedor, vivendo entre uma bebedeira e outra e se divertindo com diversas mulheres. Este personagem, assim como o próprio Bukowski, é um escritor autobiográfico que cresce pobre, tem casos com diversas mulheres bem jovens e – apesar de odiar – durante muitos anos trabalhou nos correios. E por falar em mulher, conforme Henry Chinaski, por causa dela “muito cara legal foi parar debaixo da ponte”. Num dado momento, uma de suas amantes lhe pergunta: “Quer dizer que você só vive para escrever depois?”. Ao que ele responde: “Não, eu só existo. Daí, mais tarde, eu tento me lembrar de umas coisas e coloco-as no papel”.

Mulher ideal

Bukowski narra as aventuras de um velho escritor afogado em álcool, amor e dor

TRECHO “Eu tinha cinquenta anos e há quatro não ia pra cama com nenhuma mulher. Não tinha amigas. Olhava pras mulheres nas ruas ou em qualquer lugar que as visse, mas olhava sem desejo e com uma impressão de futilidade. Me masturbava regularmente, mas a ideia de ter um relacionamento com uma mulher – mesmo em termos não sexuais – estava além da minha imaginação. Eu tinha uma filha ilegítima de seis anos. Vivia com a mãe, e

eu pagava pensão pra criança. Anos antes, tinha me casado, aos 35. Durou dois anos e meio. Minha mulher pediu divórcio. Só estive apaixonado uma vez – ela morreu de alcoolismo agudo, aos 48, quando eu tinha 38. Já minha mulher era 12 anos mais jovem que eu. Deve estar morta também, não tenho certeza. Ela me escrevia uma longa carta todo Natal nos primeiros seis anos depois do divórcio. Nunca respondi...”

Milan Kundera, em “A insustentável leveza do ser”, define dois tipos de amantes: o romântico e o épico. O romântico como aquele que nunca se realiza por acreditar na existência da mulher ideal e que, por mais que tenha experiência com diversas mulheres, nunca a encontra e, o épico, como aquele que sabe sentir prazer na particularidade, ou seja, naquilo que cada uma tem de diferente das outras. Henry Chinaski não é um nem outro, ou é um e outro ao mesmo tempo. Nisso, numa espécie de ciranda entre Eros e Tanatos, ele mesmo se confessa confundido entre a crueldade de Marquês de Sade, sem o seu gênio. Ao mesmo tempo, seduzido pelo mito de Don Juan, reproduz o comportamento de “Casanova”, de Fellini, apaixonado pelo manequim de uma loja. Num certo sentido, creio que Chinaski é mais fiel ao conselho daquele anjo de “A última tentação de Cristo”, de Nikos Kazantzakis, afirmando que na vida do homem só existe uma mulher e que, nesta mulher, o que muda é a cara e o nome. Em “Mulheres”, esta “mulher” se apresenta com o nome de Lydia, April, Dee Dee, Lilly, Mindy, Hilda, Cassie, Sara, Valerie, Tanya e tantas outras. Por mais que, para muitos, a obra possa parecer uma história de sexo e bebedeiras, para Bukowski, na verdade, “Mulheres” é um poema sobre o amor e a dor.


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história por VERA MÁRCIA SOARES DE TOLEDO

O AUGE E A QUEDA DO IMPÉRIO BIZANTINO

DE BIZÂNCIO PARA O MUNDO Colin Wells. Trad.: Pedro Jorgensen. Bertrand Brasil. 320 páginas. Quanto: R$ 49, em média

Livro de Colin Wells mostra que legado da civilização estabelecida entre 391 d.C. e 1453 permaneceu nas diversas estruturas que formam o esqueleto da evolução do Ocidente

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Império Bizantino possui uma fascinante e rica história que, hoje, encontra-se fora dos círculos especializados, meio envolta em brumas. Este nome é uma denominação genérica dada ao Império do Oriente, estabelecido pelo imperador Teodósio I, em 391 d.C., quando foram consolidadas, oficialmente, as duas capitais de um já combalido Império Romano: Roma, no Ocidente, e Constantinopla, no Oriente. Bizâncio era o nome da antiga colônia grega megárica fundada, ainda no século VII a.C., na confluência entre Europa e Ásia, na passagem do Mar Negro para o Mar Mediterrâneo. Constantinopla foi edificada exatamente sobre a antiga Bizâncio, pelo imperador Constantino, em 330 d.C. O imperador foi motivado por razões de ordem estratégica e econômica: a necessidade do estabelecimento de um centro administrativo, numa região de ativo comércio e trocas com os povos do Oriente. Além da condição geopolítica destacada, a cidade era também militarmente privilegiada, favorecida por forte proteção, numa península que se pronunciava sobre o Mar de Mármara, confluência entre o Negro e o Egeu, em condições naturais que facilitavam sua defesa e dificultavam as incursões inimigas. Por essa vantajosa localização, Constantinopla tornou-se um importante centro de comércio e cultura, transformando-se numa cidade rica, forte e cosmopolita, em contraste com o restante do Império Romano, estagnado e em crise, no século IV. Segundo o professor Hilário Franco Jr., ela foi, deste período até meados do século XI, “um dos maiores centros urbanos do mundo”, conforme destacou no livro “O Império Bizantino”, escrito com Ruy de Oliveira Andrade Filho e publicado pela Brasiliense, em 1985. Chegou a ter, no século VIII, perto de um milhão de habitantes enquanto Roma ou Paris não chegavam a 20 mil. O Império Bizantino ou Império Romano do Oriente formou-se e se desenvolveu em torno dessa quase “mítica” cidade. Em 1930, passou a se chamar Istambul (forma turca para o grego constantinopólis). Seu fausto,

TRECHO “Num canto retirado de Istambul, aninhada sob as compactas muralhas terrestres da Cidade Velha, bem perto de onde elas começam a descer até o Corno de Ouro, há uma pequena Igreja ortodoxa junto a uma praça tranquila. Os guias turísticos a chamam de Kariye Camii, versão turca de seu nome grego bizantino, mais antigo — igreja de São Salvador em Chora. Mais ou menos o equivalente à gíria estadunidense “in the sticks”, o qualificativo “em Chora” exprime a localização periférica da igreja em relação ao movimentado coração urbano da Cidade Velha.” Obra “A Tomada de Constantinopla pelos Cruzados”, de Delacroix: o fim de uma era

sua grandeza e também suas especificidades moldaram uma conotação civilizacional para o termo “bizantino”. À primeira vista, pode-se pensar na palavra com um sentido étnico (“do povo bizantino”). Mas, na verdade, corresponde aos indivíduos de fala grega e religião cristã ortodoxa, pertencentes a variadas etnias (sírios, armênios, eslavos, gregos, egípcios, persas, etc.), que viveram sob o Império Romano do Oriente. O delicioso livro “De Bizâncio para o mundo” pretende contar a rica história do Império Bizantino para o leitor comum. É digno de nota que o autor, Colin Wells, frisa, o tempo todo, que seu livro não é destinado a historiadores especializados. Seu objetivo é recordar a importância de uma passagem rica da História para o leitor leigo. É também digno de menção que, apesar da linguagem simples e acessível, da relação clara e objetiva dos

fatos apresentados e da divisão didática dos capítulos, a obra é fruto de pesquisa meticulosa e cuidadosa.

Cronologia

Em respeito ao leitor comum, mas que deseja aprofundar-se no assunto, o autor reúne: uma farta lista de nomes de figuras destacadas do Império, uma cronologia do tipo timetable (calendário), mapas difíceis de serem encontrados até em referências históricas importantes, notas detalhadas e muito bem organizadas, uma bibliografia preciosa de fontes primárias e secundárias pesquisadas e um índice onomástico muito facilitador. Enfim, uma obra não especializada, mas que fornece elementos essenciais para um aprofundamento no assunto. Além disso, Colin Wells trabalha com duas teses, muito bem esboçadas, sobre o legado da cultura bizantina. A primeira é a de que há uma dimensão dupla nesse

legado: a combinação de uma prática de fé cristã com heranças da cultura grega. A segunda diz respeito ao estudo dos beneficiários desse duplo legado: a civilização ocidental, a civilização árabe e o mundo eslavo. Toda a narrativa de Wells é baseada no encaminhamento que ele faz das duas teses (que não são originais, nos estudos históricos, mas, aqui, discutidas em minúcias e com grande clareza). A partir dessas teses ele divide o seu livro em três partes: “Bizâncio e o Ocidente”; “Bizâncio e o mundo islâmico” e “Bizâncio e o mundo eslavo”. Quando os turcos, em 1453, tomaram Constantinopla/Bizâncio, chegou ao fim o Império Oriental visível, mas não o legado desta peculiar civilização. Este permaneceu nas diversas estruturas que formam o esqueleto da História do Ocidente e nas provas do rico intercâmbio entre culturas no palco da Idade Média, lembrados nesta obra tão agradável de Colin Wells.


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falando de música

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por PEDRO J. NUNES

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JON LORD: UM ROQUEIRO ERUDITO

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erta feita perguntaram a Jon Lord por que estava ele próprio, antes de um show do Deep Purple, passando a roupa que usaria no show. Ele respondeu, com o ar gentleman de sempre: “Para nunca me esquecer de que já não preciso mais fazer isso”. Provavelmente o grande mestre do Hammond se referia a sua origem humilde. O rock teve muita sorte quando o marido de uma irmã de John Douglas Lord, nascido em 1941, em Leicester, na região central da Inglaterra, deu de presente à família do músico, ainda criança, um piano. Família, aliás, muito pobre. Apesar da dificuldade financeira, seu pai, Reginald – que era saxofonista num conjunto de música dançante – arranjou uns trocados para proporcionar ao menino aulas de música erudita nesse instrumento inesperadamente presenteado. Dois professores, o primeiro um desses mestres rígidos que quase o fez desistir, o segundo um concertista exilado em Leicester, na região central da Inglaterra, que ensinou a Jon Lord o amor pela música. A primeira influência, claro, foi a música clássica. Mas Jon logo se interessaria por jazz. Entre seus grandes ídolos estão Dave Brubeck e, claro, o organista Jimmy Smith, seguramente uma de suas grandes influências. Mas foi com “Whole lotta shakin’ going on”, de Jerry Lee Lewis, que ele inclinou os ouvidos ao rock. Antes de se dedicar inteiramente à música, no entanto, Jon Lord tentou a carreira de ator, estudando por dois anos em uma escola de teatro em Londres, tempo que levou para descobrir que artes cênicas não eram a sua. Ele chegou a integrar alguns grupos de jazz, tocando com o conjunto de Bill Ashton, que viria a dirigir a National Youth Jazz Orchestra. As primeiras gravações, no entanto, foram numa banda de blues liderada pelo cantor Art Wood, irmão mais velho de Ron Wood, o guitarrista dos Rolling Stones – com quem viria a tocar em seguida, num grupo instrumental chamado Santa Barbara Machine Head. Com Art Wood ele faria várias cooperações, tocando em The New Art Wood Combo, The Artwoods (banda que conseguiu relativo sucesso na época) e a de nome esquisito St. Valentine’s Day Massacre, com a qual encerrou as atividades com o cantor. A carreira musical de Jon Lord parecia bastante indefinida. Enquanto is-

KLAUS “PYRO” PORZIA/DIVULGAÇÃO

O tecladista britânico em turnê com o Deep Purple, na Alemanha, em outubro de 2000, e ao lado da formação mais conhecida da banda, na década de 70: músico fez a ponte entre o rock e a música clássica com execuções brilhantes

so ele havia de pagar o aluguel de um pequeno apartamento e a comida, trabalhando em algumas bandas de apoio, como a The Flowerpot Men, que acompanhava o cantor Tony Burrows, e participando de sessões aqui e ali. Os empresários musicais Tony Edwards e John Coletta, nessa época, estavam inclinados a financiar uma banda idealizada pelo baterista Chris Curtis, também cantor. Jon Lord e um tímido guitarrista chamado Ritchie Blackmore foram agregados ao projeto que, claro, não deu certo. Essa primeira tentativa de formar o Deep Purple foi batizada com o nome de Rondabout. Chris Curtis, claro, foi colocado em seu lugar e seu lugar foi ocupado por um baterista ligado ao jazz chamado Ian Paice. Estava formado o núcleo do Rondabout, aliás Deep Purple, rebatizado com o nome da música favorita da avó de Ritchie Blackmore. Com o Deep Purple Jon Lord ins-

creveria seu nome na história do rock’n’roll, o que é uma história bastante conhecida. Como conhecida é a história do Deep Purple, uma banda do tipo ame-a ou a odeie. Exatamente isso: o que é uma história para mais de metro.

Orquestra

Jon Lord nunca se afastaria da música clássica. Após três discos lançados pela primeira formação do Deep Purple, Jon apresentou o projeto Concerto for Group and Orchestra, que mesclaria elementos de música clássica ao rock. Claro que a apresentação, ocorrida em 1969, no Royal Albert Hall, foi recebida com a pompa da estranheza. Não se tem notícia de tamanha ousadia, um tecladista de hard rock aparecer com um concerto que misturava nada mais nada menos que a Royal Philarmonic Orchestra e um bando de cabeludos ba-

rulhentos. O fracasso desse concerto fez com que a banda desse uma orientação mais hard à sua música, possibilitando a origem de um grande clássico do Deep Purple, o álbum “In Rock”, cujo vocalista, Ian Gillan, era considerado o melhor cantor inglês da época. Era de se esperar, inclusive por causa do grande sucesso do Deep Purple, que Jon Lord esqueceria de vez a influência da música clássica, mas ele não só tocaria trechos de músicas clássicas durante os concertos da banda como voltaria a lançar obras sinfônicas, caso de “Windows”, “Gemini Suite” e do extraordinário “Sarabande”. E se demitiria da banda em 2002 para dedicar-se inteiramente à sua música, lançando vários álbuns de música clássica pela EMI Classics. Recentemente diagnosticado com câncer, ele noticiou em seu site oficial que um dos aspectos de seu tratamento será continuar a escrever peças clássicas.


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artes plásticas

Publicado originalmente em 1996, “A Forma Difícil”, de Rodrigo Naves, considerado como um

Aquarela “Negra tatuada vendendo caju”, de Debret, 1827: pintor francês registrou em suas obras cenas do cotidiano de escravos e homens livres no Rio de Janeiro

DESVENDANDO A NOSSA ARTE LIVRO DE ENSAIOS INTERPRETA A RIQUEZA ESTÉTICA E OS DESAFIOS DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA BRASILEIRA


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por FABÍOLA MENEZES

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m clássico da crítica brasileira de arte, retorna em sua terceira edição, revista e ampliada

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uem está acostumado a ler sobre a História da Arte sob um viés linear e por vezes cronológico, onde as produções artísticas são enquadradas em classificações somadas ao sufixo ismos, pode se deparar surpreso diante de “A forma difícil”, de Rodrigo Naves. Considerado como um clássico da crítica brasileira de arte, desde sua primeira edição, em 1996, “A forma difícil” retorna em sua terceira edição, revista e ampliada, publicada pela Companhia das Letras. Para entender um pouco do motivo de surpresa a que me refiro, devemos nos voltar às próprias palavras do autor, na página 16: “Se insisto na natureza tateante desses textos é porque de fato considero que o objeto desses ensaios de algum modo impõe ao estudo um andamento particular, que desaconselha encadeamentos por demais desenvoltos e tons superlativos, por mais que nos afeiçoem os trabalhos analisados. Quem já escreveu sobre arte sabe bem a diferença de falar sobre uma obra já envolvida numa prosa que se instila em sua aparência, permitindo uma argumentação mais ventilada, e enfrentar produções que exigem antes uma descrição crítica cerrada, que propicie ao olhar algo mais do que o deleite ou o inefável.” Rodrigo Naves interpreta a arte brasileira, que, por sua vez, não se encaixa no perfil artístico periodizado internacional. E diferente de outras áreas, como a música, a literatura, a arquitetura e o cinema feitos aqui, que alcançaram um estatuto razoavelmente digno, a arte ainda tem uma

menor penetração pública, e segundo o autor, a nossa produção até meados da década de 1970 – possivelmente com a exceção do período do barroco mineiro –, foi irregular e esparsa. Através de um olhar decorrente de um corpo a corpo com as obras analisadas, Naves procura tecer uma interpretação que perpassa artistas como: Debret, Guignard, Volpi, Segall e Amilcar de Castro. E agora com mais dois novos capítulos, um sobre Almeida Júnior e outro sobre Mira Schendel. Acreditando que estes dois novos ensaios tenham sido escritos numa linguagem diferente da dos demais textos, Rodrigo Naves se defende dizendo que talvez o tempo tenha lhe dado uma maior clareza na compreensão das obras e, desse modo, acredita que aprendeu com os trabalhos interpretados que “raras vezes fazemos aquilo que realmente gostaríamos de fazer”.

Debret

Para desenvolver o ensaio sobre Debret, Rodrigo Naves utilizou-se de um aparato bibliográfico, quase ausente nos outros textos, além de seguir um viés mais histórico, e para obter a segurança em suas conclusões acompanhou de forma mais ou menos minuciosa a carreira desse artista com heranças neoclássicas. O que Rodrigo Naves destaca em Debret é justamente o fato de que esse pintor estrangeiro se deu conta de que não bastava aplicar um sistema formal preestabelecido como o neoclassicismo na representação da realidade brasileira. Suas obras serviram de material para historiadores, etnólogos e

Óleo sobre tela de Mira Schendel, 1953: artista demonstra sua recusa às imposições da realidade, mesmo diante de uma história de vida dramática

antropólogos ao registrar cenas mais ou menos verídicas do cotidiano de escravos e homens livres, de aristocratas a homens pobres, festas, pontos geográficos, animais, plantas, frutos e monumentos. Sobre Guignard, identificou através da observação de seus trabalhos “a imensidade que perpassa boa parte das paisagens”, além da recusa do artista em “fazer sua pintura retornar à espacialidade da tradição”. Seus trabalhos desencadeiam o questionamento da imaterialidade sugerida pelas dimensões visuais que se caracterizam como “um mundo de névoas, sem solo ou pontos de apoio firmes”. De Volpi, enalteceu sua singularidade e salientou a sua noção de trabalho que se volta mais para uma “atividade de ordem artesanal”. E ainda diz que Volpi conseguiu compensar “a ausência de um sujeito forte na formalização dos trabalhos” através de sua singeleza. A inclusão de Segall nesse corpo de ensaios, segundo Rodrigo Naves, se deu por sua trajetória inverter as “características que o aproximariam da arte brasileira”; e a de Amilcar de Castro, pela profunda originalidade em relação ao construtivismo.

Almeida Júnior

Com um olhar que desvenda até os pequenos detalhes, Rodrigo Naves descreve, nas páginas 147 a 149, a pintura de Almeida Júnior “Caipira picando fumo”, de 1893, de maneira que nos faz percorrer desde as relações tonais rebaixadas e a representação da luz até a descrição física que se mistura com o detalhamento do lugar onde o caboclo se encontra. “O sol forte não parece incomodar o homem sentado nos degraus da casa. Uma tarefa singela concentra toda sua atenção: picar fumo, atender a um pequeno vício. Não se trata propriamente de trabalho. E sua concentração corresponde ao aspecto caprichoso da atividade. (...) Fisicamente, também o homem se distancia pouco desse meio rude. A roupa simples está gasta como aquilo que o cerca. A camisa branca – cortada pobremente, sem botões –, em lugar de realçar a figura humana, torna mais forte a luz do sol, que age sem piedade sobre seu corpo.” Para Naves, Almeida Júnior fez um esforço ao produzir uma pintura que se aproximasse mais da realidade brasileira e deixasse de lado o universalismo das formulações acadêmicas. Ao pintar temas regionalistas, Almeida Júnior destaca não somente as figuras humanas envolvidas com trabalhos, mas também ressalta o meio onde a cultura e a natureza trocam de posição constantemente. Nascido em uma família pobre no interior de São Paulo, e apesar de ter estudado em Paris e ter passado pelas aulas de Victor Meirelles na Academia

Nacional de Belas Artes, Almeida Júnior colocou de lado as idealizações acadêmicas e manteve-se fiel às chamadas telas regionalistas ou caipiras. Sobre Mira Schendel, Rodrigo Naves não fala somente da sutileza das linhas traçadas por volta de seus 70 anos, quando desenvolveu uma de suas últimas séries, conhecida como “Monocromáticos”. Ele reforça que sua arte sempre se manifestou como uma recusa às imposições da realidade mesmo diante de uma história pessoal que envolveu desde perseguições fascistas a mudanças de país, assim como uma vida familiar difícil. No entanto, seu trabalho suplantou as adversidades da vida e se manifestou em obras em que “poucas vezes linhas tão frágeis produziram intervenções com tanta intensidade.” Muitos de seus trabalhos foram feitos em papel-arroz: desenhos, os “Objetos gráficos”, as “Droguinhas” e os “Trenzinhos”, os dois últimos tendo o papel-arroz sido torcido, enrolado, transformado em nós, criando objetos tridimensionais. Para Rodrigo Naves, interpretar os trabalhos de Mira Schendel é percorrer um caminho de oposições paradoxais, em que o crítico se vê diante de um jogo entre delicadeza e força, quando “a partir da delicadeza de suas intervenções que os materiais conseguiam alcançar uma presença intensa.” Rodrigo Naves defende que embora haja uma discussão sobre a “nacionalidade” da arte de Mira Schendel, é necessário reconhecer que em determinados aspectos a comparação de suas primeiras pinturas com a de outros artistas brasileiros pode ser esclarecedora, justamente pela semelhança nas preocupações. Para Naves, esse livro surge das perplexidades, tropeços e dificuldades de um crítico de arte, que sempre esteve acompanhando de perto a arte moderna no Brasil. E para nós, leitores, cabe a abertura em nosso olhar que permita ver as formas difíceis através dos olhos desse autor.

A FORMA DIFÍCIL: ENSAIOS SOBRE ARTE BRASILEIRA Rodrigo Naves. Companhia das Letras, 304 páginas. Quanto: R$ 48, em média.


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estudos literários por KARINA DE REZENDE TAVARES FLEURY

A TOCADORA DE FRAUTA A importância de Maria Antonieta Tatagiba para o cenário da literatura de autoria feminina produzida no Espírito Santo, no início do século XX e nos dias de hoje, é inquestionável

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oi no dia 17 de setembro de 1895, na bucólica cidade de São Pedro do Itabapoana, na Região Sul de nosso Estado, que a poetisa Maria Antonieta Tatagiba nasceu. Filha de Maria Rita Cássia de Castro e Artur Antunes Siqueira, Antonieta foi retratada por Anna de Castro Mattos (uma das fundadoras da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras) da seguinte maneira: “Tez moreno-clara, lindos e expressivos olhos negros, cabelos lisos e também pretos, nariz regular, boca bem feita, formando um conjunto harmonioso”. Professora nomeada em São Pedro, a escritora casou, em 05 de maio de 1922, com José Vieira Tatagiba. Estava então com 26 anos (idade adiantada para uma moça se casar em primeiras núpcias) e teve na pessoa de seu marido, que a descreveu como “um formoso espírito casado com um belo tipo de mulher”. Seu esposo, além de promotor de Justiça, era também poeta e romancista, bem como um grande incentivador e admirador da veia literária de sua esposa, atributo raro aos homens da época. Tiveram quatro filhos: Maria do Carmo Tatagiba (apelidada Miriam), Ruy Vieira Tatagiba (Ruyzinho), Stael Tatagiba Fernandes e Geraldo Vieira Tatagiba. Há quem diga que Antonieta adoeceu por ocasião do prematuro falecimento de Ruyzinho. Todas as manhãs, bem cedinho, frio penetrando pelo corpo ainda quente do aconchego do leito, ela perfazia uma longa caminhada até o cemitério para colocar flores no túmulo do filho. Doença traiçoeira, a tuberculose não lhe deu tempo nem chance de reação. Sinistramente, avançou dia após dia, levando-a a um estado de alquebramento tal que a obrigou a permanecer internada, no Rio de Janeiro. Longe do marido e dos filhos pequenos, conheceu a solidão, outra inimiga poderosa. Consciente da complexidade do mal que insistia em trazê-la cativa, Antonieta ainda buscava força nos livros que lia, nas poesias que escrevia. Numa página em branco da obra “L’homme que rit”, de Victor Hugo, deixa registrada uma “carta-testamento” divulgada por José Paulino Alves Junior em seu texto proferido, no dia 08 de março de 1941, por ocasião do seu discurso de

A poetisa em registro da revista “Vida Capichaba”, em 15 de janeiro de 1934; no destaque, capa do livro “Frauta agreste”, publicado em 1927

posse na cadeira de nº 32, da AESL, cuja patrona é Maria Antonieta Tatagiba: “Meus filhos: Um mau destino cedo nos veio separar para sempre. Quando vós mais precisáveis dos cuidados e carinhos que só uma mãe pode e sabe dispensar aos filhos pequeninos é que uma cruel fatalidade vem de me arrancar do meio de vós, infelicitando-nos para sempre. [...]” Em casa, mantinha-se reclusa num quarto. José Vieira Tatagiba, cercado pelas duas meninas, tomava o pequeno Geraldo nos braços e abria a porta do quarto para que a mãe pudesse vê-los de longe sem lhes prejudicar a saúde. E assim, às 10h, em 13 de março de 1928, moça e amada, foi Maria Antonieta Tatagiba “dormir entre rosas, frias rosas”, percepção sensível da morte que cantou em “Morrer moça”.

[...] Morrer quando se é moça é dita imensa Às eleitas cabida... A ventura é perfume que se evola E quase não consola... Tão ligeira, tão leve, não compensa Os espinhos da Vida. [...] Antonieta publicou apenas um livro de poemas: “Frauta agreste” (1927). Na obra (frauta como sinônimo de poesia), podemos distinguir, num jogo de sombra e luz, momentos de acentuada tristeza, desalento e sofrimento atenuados com a chegada da sempre sorridente e perfumada primavera que lhe renovava as esperanças. Tudo o que viu e sentiu, Maria Antonieta soube transformar em

versos graças a sua força criadora. De Vicente de Carvalho, ela herdou o interesse frequente com que tematizou a natureza e o amor; de Olavo Bilac, a habilidade técnica que a levou a escrever sonetos metrificados e cuidadosamente rimados. Da musa inspiradora Maria Eugênia Celso, a coragem de lançar-se publicamente como literata. A poetisa cantou, em “Frauta agreste”: as estações do ano (“Eis o outono que chega”), o trabalhador do campo (“Vejo-a nas mãos do forte lavrador”), o sol e a lua (“O primeiro fulgor, roseo do dia/ Doura o oriente, porem, ainda fluctua/ Um resquício de treva fugidia/ Na altura azul onde desmaia a lua”) e o bucolismo de sua terra natal (“No regaço macio da montanha/ Envolvida no crepe/ Da bruma que é uma renda da Bretanha/ Tem o povoado a graça de um presepe”). E ainda, o amor e a dor (“Que importa o canto acerbo da cigarra triste/ Que chora no mangal?/ Que importa a noite, a treva, o silencio... si existe/ Fulgindo dentro de mim o teu sol estival?”); a sua religiosidade (“Deste-me, ó Deus, a inexcedível graça,/ De crer”); o filho morto (“Maio voltou florindo os mattagaes,/ Só tu partiste para nunca mais!”) e a brevidade das rosas. Mas é em “Tocadora de frauta” que encontramos o poema-síntese da obra: Tocadora de frauta, em meu caminho. Das cidades fugi, fugi do borborinho Onde viça a miséria e a orgia tumultua... E a vaidade que goza sem pensar Não vê, pisando o negro pó da rua Que nele há de acabar... Patrona da Cadeira 02 da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, Maria Antonieta Tatagiba tem sido homenageada de tempos em tempos. Sua importância para o cenário da literatura de autoria feminina produzida no Espírito Santo, no início do século XX e nos dias de hoje, é inquestionável e tem sido registrada em vários estudos que podem ser encontrados tanto nas Bibliotecas Públicas, quanto na Academia Espírito-Santense de Letras, bem como em sites e blogs.


poesias ALEX PANDINI Um dia eu virei aqui e modificarei tudo Mas não amanhã Amanhã não Que amanhã eu vou fabricar bolinhas de sabão Um dia eu virei aqui e ferrenho modificarei tudo Com meu uivo hirto E minha grossa mão E todos vocês sentirão minha justiça intrínseca Nas entranhas de seu pecado e de seu pavor Eu trarei o séquito por mim criado E como um míssil teleguiado A horda arrebentará sobre vocês Uma onda gigante diante de um corpo aerado sem fulgor Eu estraçalharei suas vísceras suas máculas suas féculas seus ritmos e tudo o mais que Neste mundo julgarem ser seus Eu farei a vingança e a matança a dança e a profecia Do juízo final E vocês jamais verão um ódio igual Ao meu Eu vou massacrar sua fé impotente seu desejo latente e seu delírio de razão Mas não amanhã Amanhã não Que amanhã eu vou fabricar bolinhas de sabão

crônicas O MAR! por NAYARA LIMA Não desejo que este texto se torne uma crítica teatral. Não é este o meu ofício. Desde muito pequena descobri que diante de uma obra que me toca não consigo fazer mais do que senti-la. Só descrevo se alguém me pede. Quando insistem muito, recorro à única palavra que me sobra: “Impronunciável”. O que achou do filme? Impronunciável. E da peça? Impronunciável. Eis a palavra possível diante da falta das demais, que de mim se ausentam com razão. Sempre algo faltará. É assim, e aí está o que movimenta a vida. Foi impronunciável ter um dia visto de perto a Bibi Ferreira cantar no palco do Teatro Carlos Gomes. Foi impronunciável o que senti quando ouvi pela primeira vez as notas de Villa-Lobos, que compôs “O Trenzinho Caipira”. Foi impronunciável “O Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa, o dia em que aos oitos anos me apaixonei por um piano, e, por fim, foi

impronunciável o que senti durante os sessenta minutos da mais nova obra de Aderbal Freire-Filho. Dessa vez tento dizer mais que uma única palavra. Trata-se do monólogo “Depois do Filme”, assinado e encenado pelo próprio Aderbal. A peça estreou o Teatro Poeirinha, erguido com a garra e a paixão das duas grandes atrizes e amigas Marieta Severo e Andréa Beltrão, no Rio de Janeiro. Achei justo que esse monólogo estreasse o palco. É um batismo merecido, promissor. Depois de Aderbal interpretar Ulisses, no filme “Juventude”, de Domingos de Oliveira, o personagem precisou continuar, na peça. Pude vê-la nesta edição do Festival Nacional de Teatro, cidade de Vitória. Impossível esquecer da maravilhosa música de Tato Taborda e do cenário absurdamente bem feito com as cadeiras de Rostand Albuquerque e Fernando Mello da Costa. À luz de Maneco Quinderé, o texto se iluminou inteiro por

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dentro. Iluminou a mim, inteira, por dentro. Diante de Ulisses, de quem o amor pela juventude fez tremer o tempo do meu tempo ainda jovem, nada pude, senão com entrega, contemplá-lo. Em meio aos efêmeros segundos da vida, Ulisses quase não suporta vê-la passar. A interpretação de Aderbal está entregue e ele já não mais pode adiá-la. Embora seja um dos mais importantes diretores de Teatro deste país, agora já é impossível fugir do ator: é que deu tempo. Aderbal está para sempre nos próprios personagens, da menina bonita à boliviana vendedora de pulseiras. Do amigo que recebia os telefonemas ao próprio Ulisses, que amou a juventude, em longa-metragem. Meus vinte e três anos quase não suportaram olhar, pelo reflexo dos olhos da boliviana, o tempo ir embora. Quase fraquejaram quando aquelas cadeiras caíram. Mas se salvaram, meus vinte e três anos, quando Ulisses pôde ainda se surpreender frente à paisagem das ondas. Depois do filme a juventude passa, mas não acaba. A plateia termina, mas continua. O cinema fecha, mas permanece. O tempo, Aderbal, é feito o mar que está sempre ali. Impronunciável.

BANGALAFUMENGA por TAVARES DIAS

*** desculpe amor se acabei com seus sonhos bem antes acabaram com os meus desculpe se eu não luto lá atrás ficaram minhas guerras inúteis desculpe por roubar seu sorriso um dia a árvore ficou mais alta que o muro do jardim que o latido do cão que a folha voando que a calçada velha que a infância de Deus numa boca muda minha boca nunca olha para o futuro com medo de reconhecê-lo igual ao escuro de meus lábios fechados eu flutuo só quando estou no interlúdio meu normal é não desatar do resquício estamos presos amor à vida querendo morrer e não indo indo e não consentindo não sabendo querer e sorrindo para um mundo mudo de nós e de Deus e de tudo.

– Bangalafumenga. O palavrão soa contundente, contudo vazio de significado. Feito um búzio soprado sem vento, desvozeado porta-voz em meio a nevoeiro. Por isso barco nenhum se faz ao mar. É que o palavrão, impregnado d’áfricas, passa deslido, não deslindado. Lindo. Mas a dor fica no ar. Panlinguística, gestoêmica na amplitude de suas ondas – pra quem é de ouvir de ouvido fundo, da idade do mundo. E cachorro, mesmo sem dono, que orelha e olfata mais de 30 vezes mais do que gente, então agora gane, intrujado por compaixão no lamento do deserdado perdido tão longe de casa. Noiadão, acordou da noite desdormida e vai de calundu, meio banzeiro, caçando entreveros, e ingrizias. Mas esses negócios de bangalafumengas, de quizílias e de ingrizias são só reminiscências vazadas

de chofre do coité do mano em fogo, em foco, sob a caloria da pinga ruim demais, da vida de menos, da grana curtinha feito um beicinho de pulga – nem pra uma pedra de 10 pra fumar. E, naquelas noias, o ancestral africano se reteza de novo, como que outra vez sob o látego, sob o tráfico, sob o fétido dos cortiços e das dívidas da madrasta história. É um redemoinho, com setecentos capetas dentro, girando o cristão por entre as buzinas dos carros de tantas cores ao sol. E é um trancetê, um tanto capoeira, um quê de cateretê, queria ver como é que fazia se fosse tu, malandro, sem um manozinho só, de sangue ou de alma, que desse uma demão, que rogasse um valha-te quem o possa. E é então que de vermelho se banha, começa a sentir que voa, que se alevanta, que se alivia. Leva de volta, pra Mãe África, como último congelado quadro do seu thriller de noia sem

grana nem pra uma pedrinha só, a imagem boa dos olhos de uma tal mulher que nunca saber pudera se tão linda flor ente da Terra era, mesmo, ou se o espera agora na Aruanda, a banda dos orixás, onde cachoeiras e florestas e pedreiras nunca haverão de se acabar. Azeviche materiazinha que foi gente agora boia, já desmorada de egum, no mar que motorista vê da avenida Beira-Mar, na água suja que não é das pratas nem dos ouros de Iemanjá. E tome pedra e pau, e pinga, e rua com apelido de rua do pó, e vamo que vamo, que a onda é causar. E quem haverá, com tanto traficante pra fornecer pra ficante, e droga de doutor e de dono de bar, com tanta estranha boca suja de substâncias pra beijar, na balada, pra nunca mais se lembrar, quem, me diga lá, quem haverá de querer saber que bangalafumenga só quer dizer joão-ninguém?


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O MÍNIMO MÚLTIPLO (IN)COMUM DA POESIA CONCRETA DE RONALDO AZEREDO Nome importante do movimento concretista, poeta sintetizou exemplarmente os ideais do grupo em suas criações: geometrismo, imagem, som, movimento

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uando professora do ensino fundamental de uma escola paulistana e em meio a um dos projetos com poesia, propus, certa vez, a leitura vocalizada de dois textos: “cidade”, de Augusto de Campos, e “velocidade”, de Ronaldo Azeredo. Ao fim da aula – agitada e incomum –, fui interpelada por um aluno, entusiasmado: “Os poemas lidos são de meu avô e de meu tio-avô!”. Iniciava-se ali meu interesse, cada vez maior, pela obra de Azeredo e dos concretos. É a trajetória do poeta que passo a apresentar aqui. 1954. Aos 17 anos, o jovem carioca, até então alheio à literatura, surpreende o cunhado Augusto de Campos, articulador da poesia concreta ao lado do irmão Haroldo de Campos e de Décio Pignatari, com o primeiro poema: “ro”. Tratava-se de uma trovoada de rebeldia do caçula da família, sempre rodeado pela atenção das irmãs intelectuais, Lygia e Ecila, da mãe, Da. Chiquita Pinto Azeredo e, ainda, pela rigidez do pai militar. O primeiro trabalho, ainda pré-concreto, levou Décio Pignatari a afirmar que o jovem era um “possível comensal da mesa Noigandres”, referindo-se ao grupo responsável pela articulação do Concretismo, nos anos 50. Ronaldo foi se inteirando do universo literário e revelando sua identidade como poeta. O texto inaugural, cuja sílaba-título se refere ao apelido do autor, já expõe seu desejo de romper com a sintaxe e com o verso, de utilizar o espaço da página de forma experimental e de explorar a visualidade, característica de sua produção. Em um exercício aliterativo, o poeta-rato rói o verso, a sintaxe, as palavras, fazendo restar o mínimo: poder de síntese e de concisão que marcaria seu percurso. Foi só o começo. Em 1956, já integrante do Noigandres, Azeredo participa da Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A mostra, alvo de polêmica, segue para o Rio de Janeiro, ampliando a repercussão nacional do movimento. Três textos do autor integram a exposição – “ro”, “a” e “z”.

ao vento e à correria das grandes cidades; quer, enfim, pela simetria e simultaneidade, determinadas pela forma geométrica e equilibrada. Com a repetição da conjunção “e”, na diagonal e no canto inferior direito, a obra sugere a circularidade e reafirma o movimento incessante do texto. O poema não trata do mover da cidade. É a cidade que se move na configuração do poema. Na década de 1960, a revista “Noigandres”, divulgadora dos trabalhos do grupo, encerra seu ciclo. Passa-se à publicação de Invenção, aberta a novos propósitos e a outros autores e críticos. Além do quarteto original, acrescido de José Lino Grünewald, passam a contribuir com a publicação nomes como Paulo Leminski, Pedro Xisto, Jorge de Sena e Max Bense. São tempos duros, de repressão e conflitos. A poesia concreta, que trazia como princípio uma acentuada preocupação estética, vê-se desafiada a incorporar, mais diretamente, a realidade à sua volta.

Temáticas sociais “velocidade”: poema emblemático da poesia concreta, publicado em 1958

Um ano mais tarde, a assimilação dos ideais do grupo pelo jovem de 20 anos traduz-se, de maneira integral e surpreendente, no trabalho que acabou se tornando emblema da poesia concreta: “velocidade”. Produzida e divulgada juntamente com outros dois hits do período – “ruasol” e “oesteleste” –, a obra, com simplicidade de construção e economia linguística, sintetiza exemplarmente os ideais do grupo: é geometrismo, é imagem, é som, é movimento. Em congruência com a velocidade dos anos 1950, o poema propõe uma comunicação econômica, substituindo o princípio analítico-discursivo pelo sintético-ideogrâmico, exatamente como pretendiam os integrantes do Noigandres e como anunciara Guillaume Apollinaire, no início do século XX, embora haja significativas dife-

renças entre os caligramas do francês e a produção concretista. O espaço da página é redimensionado, interagindo com o texto, como experimentara Stéphane Mallarmé, no final do século XIX, em seu “Um lance de dados”. Tal estratégia viabiliza o movimento, gera ambiguidades e multiplicidade de leituras. Em “velocidade”, o sujeito poético dá lugar à linguagem, materializada na quadrícula rigidamente montada. O texto se faz simplesmente da dinâmica entre a composição da palavra e seus fragmentos – letra, fonema, grafema –, que sintetizam tudo. Assim, a velocidade se faz textualmente, quer pela construção-desconstrução do substantivo-chave no espaço da página, possibilitando o movimento; quer pela aliteração em “v”, criando uma sonoridade alusiva

Surgem obras que buscam aliar os ideais primeiros a temáticas sociais e políticas, como a tensa relação entre ricos e pobres, poderosos e submissos, sem perder o trabalho poético proposto inicialmente. Desafio que, para muitos e com controvérsias, foi um dos fatores responsáveis pelo declínio do Concretismo, no final da década de 1960. É desse período, “portões abrem”, de Azeredo. O texto traz à tona o conflito e o diálogo entre patrões e empregados. Além dessa vertente da poesia participante, o autor, com Décio Pignatari e Luiz Ângelo Pinto, investe no poema semiótico (texto visual, que conta com uma chave léxica para a sua interpretação), dando sinais de sua forte tendência à exploração da linguagem não verbal e do caminho seguinte, sempre resistente à palavra. Foi na década de 1970 que Azeredo se entregou, mais deliberadamente, à visualidade, estimulado pelo artista ítalo-brasileiro Alfredo Volpi. Ambos foram vizinhos no bairro do Cambuci, na capital paulista. E se tornaram grandes amigos, numa relação mar-


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por MARLI SIQUEIRA LEITE

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“ruasol”: o sol em movimento no espaço em branco, um dos três hits concretistas de 1958

“armar”, de 1977: um poema quebra-cabeça, a ser recortado e montado pelo leitor; à direita, visualização das dez peças montadas

cada por cumplicidade, humor e... uma pinguinha de garrafão entre uma prosa e outra. Se o poeta já revelava uma atração nítida pela imagem, a convivência com o artista acentuou tal tendência. Volpi patrocinou os oito poemas do amigo dessa década. Em todos eles, Azeredo dribla as palavras. Nega-as, mas, paradoxalmente, não prescinde delas. O poeta testou as fronteiras entre o universo da literatura e das artes visuais. O poema sem título (e sem palavra) “mulher de pérolas” (tratado desse modo, aqui, apenas como uma referência) é um ótimo exemplo dessa fuga do verbal. A obra se compõe de quatro imagens em sequência, nas quais um rosto de mulher é delineado por um cordão de pérolas. É importante lembrar que a pérola é fruto de uma anormalidade (uma impureza

que se introduz no interior da cavidade onde se desenvolve a ostra). É força do acaso. O contraste apontado, associado à sua raridade, faz da peça um objeto cercado por uma aura de magia, cobiça e poder. Na primeira imagem, o rosto de mulher está em processo. Na segunda, o cordão de contas passa a se espalhar no interior da figura, como se tivesse rompido, ganhando outra significação: os sinais da catapora. Neste trabalho, a doença decorre do excesso. A multiplicação das pérolas leva ao mal da vaidade, transforma luxo em lixo. Ao mesmo tempo em que explora a similaridade visual entre a pérola e a mancha da catapora, o texto se processa sob a força indicial desses dois elementos: a conta, signo de beleza, luxo e status; a mancha, índice de doença, imperfeição e finitude. A primeira, um bem para poucos; a segunda, um mal possível a todos. Uma diferencia; a outra iguala.

“céu mar”, de 1978, feito em parceria com o artista Hermelindo Fiaminghi: o último trabalho patrocionado pelo ítalo-brasileiro Alfredo Volpi

Imensidão

No final da década, Azeredo produz “céu mar”, em parceria com o artista Hermelindo Fiaminghi. O trabalho, que suscita duas direções de leitura e, portanto, um movimento circular, expõe a imensidão e o limite tênue entre essas duas grandezas, assim como ocorre entre poesia e pintura. O autor passa também a se interessar por Marcel Duchamp, descoberta que o leva a trabalhos conceituais e ainda mais enigmáticos, como a mini-instalação “casa de boneca” e “noite noite noite”, espécie de antologia do poeta em forma de pirâmide. A sua última produção, divulgada em livro a ser tateado, é “lá (bis) os dois”. Aqui, a palavra surge apenas para orientar a leitura, a ser feita (sensualmente) com as mãos: “1. Feche os olhos suave mente / 2. Com as pontas dos dedos / tateie as páginas leve mente / 3. Terminada a leitura: / feche o livro e pense brutal mente”. Em seguida, um corpo de mulher se estende, metafórica e metonimicamente, por suas páginas, para o toque, o prazer (e o pensar) do leitor. Foi seu último trabalho divulgado. Em novembro de 2006, falece o poeta, sem ter visto a exposição comemorativa dos 50 anos da poesia concreta, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, aberta ao público no mês seguinte. Restam-nos os poemas, a serem vistos, ouvidos, manipulados.

O artigo é resultante da pesquisa de Mestrado em Letras, cuja dissertação, “Ronaldo Azeredo: o mínimo múltiplo (in)comum da poesia concreta”, foi defendida em março deste ano pela Ufes. O estudo contou com a contribuição da família do poeta: Alexandre e Henrique (netos), Amedea (esposa), Lygia e Ecila (irmãs) e Augusto de Campos (cunhado). Além deles, a colaboração de Marcelo Tápia – editor da antologia de Azeredo “Pensamento impresso”, publicada em 1984 e recolhida pela editora por questões gráficas –, foi fundamental. A todos, o meu agradecimento.


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