Pensar_09_06_2012

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VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

www.agazeta.com.br

Entrelinhas

ANA MARIA MACHADO INSPIRA-SE EM FATOS RECENTES DO PAÍS NO ROMANCE INFÂMIA. Página 3

Artes

MANET REPRESENTOU A RENOVAÇÃO DA PINTURA DE SEU TEMPO, APONTA CURADORA. Página 4

Música

COMO O POETA PAULO CÉSAR PINHEIRO CRIOU CANÇÕES QUE FIZERAM HISTÓRIA. Página 5

Ensaio

HOMEM MODERNO VIVE SOB A DITADURA DO OLHAR, AFIRMA ESPECIALISTA. Páginas 10 e 11

Revolução ou mito? ESCRITOR PROPÕE NOVAS LEITURAS PARA A SEMANA DE ARTE MODERNA

Páginas 6 e 7

O pastel “penumbrista” “Boêmios” (1921), de Di Cavalcanti, integrou o movimento que mudou a forma de ver e pensar o Brasil


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

quem pensa Maria Amélia Dalvi é professora da Ufes, mestre em Letras e doutora em Educação. mariaameliadalvi@gmail.com

Maria D’Ermoggine é italiana, professora de História da Arte e curadora de exposições no exterior.

marque na agenda prateleira Literatura Sérgio Blank lança livro em Cariacica

No dia 21 de junho, às 19 horas, o autor autografa “Os dias ímpares - Toda poesia de Sérgio Blank”, na Escola Stélida Dias, em Campo Grande.

Cinema Longa tem exibição comemorativa de 20 anos

Wilson Coêlho é Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris. wilsoncoelho@gmail.com

Ivan Borgo é professor universitário e escritor. iborgo@superig.com.br

Nayara Lima é escritora e graduanda em Psicologia pela Ufes. www.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

Tavares Dias é jornalista, escritor e mestre em Estudos Literários pela Ufes. tavaresdiasjorn@gmail.com

Gabriel Ramos égraduandoemArquiteturaeUrbanismopelaUfes eescritor. http://gabrieltramos.com/longevoquando

Antonio Rocha Neto éeconomista,cronistaemembrodaAcademiade LetrasHumbertodeCampos. arochanet@gmail.com Flávia Dalla Bernardina é advogada, bailarina e escritora. www.tubodeensaios.com.br

Coletivo Peixaria reúne amigos que desenham porque gostam. coletivo.peixaria@gmail.com

O filme “Kazhumbi Ojo Kalunga (Mal das Águas)”, de Sidemberg Rodrigues, terá exibição especial no dia 12 de julho, no cerimonial Le Buffet, em Jardim Camburi. O evento é uma parceria com a Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer (AFECC). Os interessados devem solicitar o ingresso pelo site www.sidemberg.com.

15

de junho

Clássicos da mús popular americanicaa

O grupo porto-alegrense de jazz Delicatessen se apresen ta na próxima sexta, às 20h, no Teatro do Sesi, em Vitória. No rep ertório, clássicos da canção norte -americana gravados em seu tercei ro álbum, “Goodnight Kiss”. Ingres so: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia ). Informações: (27) 3334 -7300.

22

de junho

Estudo sobre a tradição pomerana

A arquiteta Bianca Aparecida Corona lança o livro “Pomerisch Huss: A Casa Pomerana no Espírito Santo”, às 19h, na Biblioteca Pública Estadual. A obra destaca os valores da cultura pomerana através da sua arquitetura.

O Tubarão de 12 Milhões de Dólares Don Thompson

O autor desvenda o jogo financeiro e de marketing por trás do mercado de arte contemporânea, tendo como ponto de partida a compra de uma obra do famoso artista Damien Hirst: um tubarão de 5 metros de comprimento e 2 toneladas, mantido numa tina com formol, vendido pelo valor de US$ 12 milhões. 408 páginas. Bei Editora. R$ 65

O Bagaço da Cana Evaldo Cabral de Mello

O historiador analisa a atividade canavieira nordestina entre o início da colonização portuguesa e a definitiva retirada dos holandeses, constituindo uma obra essencial para entender o primeiro boom econômico do Brasil Colônia. 216 páginas. Companhia das Letras. R$ 23

Anatomia de um Julgamento: Ifigênia em Forest Hills Janet Malcolm

A jornalista investiga o caso da médica judia Mazoltuv Borukhova, acusada de mandar matar o marido porque perdeu a guarda da filha na separação do casal, em Nova York, e aponta um desfecho inesperado para o crime. 200 páginas. Companhia das Letras. R$ 39,50

A Obra-prima Ignorada Honoré de Balzac

Este volume pocket reúne dois contos do gênio francês (1799-1850): “A Obra-prima Ignorada” e “Um episódio durante o terror”. Em foco, as questões da arte e o suspense em torno de uma estranha confraria. 64 páginas. L&PM Editores. R$ 5

NOVENTA ANOS DEPOIS...

José Roberto Santos Neves

Para muitos estudiosos, a Semana de Arte Moderna é vista como o ponto de partida para a fundação de um novo modelo cultural para o Brasil. No entanto, 90 anos depois de sua realização, o acontecimento que representou uma renovação de linguagem na pintura, na escultura, na poesia, na literatura e na música ainda é cercado de mitos e questionamentos. No livro “1922 – A semana que não terminou”, Marcos Augusto Gonçalves refaz os passos dos artistas protagonistas e critica a supremacia paulista no movimento, bem como o fato de a mostra ter sido bancada pela “fina flor da oligarquia cafeeira,

Pensar na web

quando quase todos os integrantes eram oriundos de famílias ricas e influentes, tendo sido educados na Europa, onde aprenderam línguas e frequentaram boas escolas”, conforme observa o escritor Wilson Coêlho em artigo sobre a obra. “Eram os playboys intelectuais de 1922”, afirmou Guilherme de Almeida, um dos organizadores do evento. Leituras elitistas à parte, a estética modernista mantém até hoje sua hegemonia no fazer cultural do país, como se percebe em movimentos como a Tropicália. E a “semana que não terminou” continua aberta a novas interpretações...

é editor do Caderno Pensar, espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados.

jrneves@redegazeta.com.br

Galeria de fotos da Semana de Arte Moderna, composições de Paulo César Pinheiro, trailer do filme “Meia-noite em Paris” e trechos de livros comentados nesta edição, no www.agazeta.com.br.

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493


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entrelinhas

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por MARIA AMÉLIA DALVI

AS MÚLTIPLAS FACES DA REALIDADE EM “INFÂMIA”

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mais recente romance de Ana Maria Machado, “Infâmia”, publicado em 2011 pelo selo Alfaguara, não escapa a certos tiques da literatura contemporânea em prosa, desde a sagração de monstros da estirpe de, por exemplo, Ítalo Calvino, Jorge Luís Borges e Umberto Eco: a problematização das noções de autoria, memória, original e verdade; a multiplicidade de vozes, dicções, focos e perspectivas narrativas; a rasura dos gêneros; a estética do fragmento; o gosto por personagens comuns em crise; a hipertrofia – e, ao mesmo tempo, derrisão – do eu; a dissolução das estruturas pensadas a partir de núcleos e hierarquias; a ambiência privilegiadamente urbana; a evidenciação da leitura e do leitor, alçados, muitas vezes, à condição de problemas, temas e mesmo personagens ao redor dos quais giram os enredos; a intertextualidade; o jogo entre culturas (que muitos hesitam em nomear como “eruditas” ou “populares”); e o desfecho em suspenso – tudo isso sem deixar de ser um livro palatável: mesmo que, para tal, entre uma piscadela e outra à crítica, precise pôr sobre a mesa a própria carpintaria. Se a tensão entre o valor artístico na contemporaneidade e a concessão ao público já poderia cobrar de um escritor menos aquilatado uma alta fatura, a incorporação explícita – em tom ideológico marcado e discursivamente autoproclamada – de episódios políticos e jornalísticos recentes não deixa que o preço e o risco que ele agrega sejam regateados: o modo como Ana Maria Machado maneja essas facas de dois gumes, pondo-se sempre de pé ante o fino fio de corte, confirma o inegável mérito de sua produção ficcional adulta (mesmo que possamos sinalizar um ou outro talho indesejável). O remorso, a aposentadoria, a passagem do tempo, a perda de prestígio, a convivência com a diferença, o discurso (e a dúvida) sobre os limites do documento, da invenção e da intromissão, o papel social da imprensa: tudo isso gravita a órbita dos diplomatas Vasconcelos, Vilhena e Xavier (reiterados ao longo do romance com distintos nomes e papéis sociais), do almoxarife Custódio (vítima de infâmia, já que posto sob suspeita pela mesma mídia à qual procura para denunciar um esquema de corrupção no serviço público), das embaixatrizes Ana Amélia, Cecília e Madalena, da estudante de pós-graduação em literatura Camila, do fisioterapeuta Jorge,

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INFÂMIA Ana Maria Machado. Alfaguara/Objetiva. 277 páginas. Quanto: R$ 43

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TRECHO “Voltando para casa depois do trabalho, pelo mesmo caminho de sempre, no mesmo horário de todos os dias, Custódio mais uma vez se surpreendia a ruminar as mesmas ideias dos últimos tempos. Nada de mais: afinal, nada mudava e ele não conseguia encontrar qualquer resposta para sua aflição. A única mudança tinha sido a da semana anterior, quando alguém na repartição deixara em cima de sua mesa um jornalzinho interno, que só circulava mesmo nas repartições do Instituto. Tinha uma seção de boatos e fofocas, como sempre, cheia de piadinhas e brincadeiras com o pessoal que trabalhava lá. Mas dessa vez, publicava uma referência pouco clara a uma certa comissão de sindicância que poderia ser constituída em breve — e o único nome citado era o dele.”

Romance de Ana Maria Machado tem inspiração em fatos políticos e jornalísticos

do clarinetista Edu, da professora aposentada Mabel, do roteirista Luís Felipe, da copeira Guiomar, da governanta Angelina, e de outros tantos seres de papel e tinta aos quais a trança de histórias enreda e arrasta – e sem deixar de pontuar questões espinhosas como as de gênero, de etnia e de classe. Não sendo crime expor o mérito mais

óbvio, podemos ressaltar o valor ético-estético que há em flertar com os gêneros panfletários e didáticos em literatura e deles sair: não ileso, mas mais ousado, mais corajoso, mais disposto a dar a cara a tapa por um bom motivo. Faz bem dizer que o leitor aprende – e muito – com o romance da escritora carioca, pois vê na urdidura ficcional espelha-

mentos de sua condição cotidiana, para a qual a recorrente falta de respostas do/no texto literário funciona como potência e como solidariedade. As múltiplas possibilidades de apropriação cultural que Ana Maria Machado descortina (inclusive na segunda parte do livro, chamada “Intromissão”, em que faceiramente comenta o livro de contos “Tutaméia”, de João Guimarães Rosa) reforçam a importância – e a urgência – de uma crítica que aproxime a excelente ensaísta (de que a tese publicada sob o título de “O recado do nome” é exemplo mais do que suficiente) da prolífica escritora. “Infâmia” é, sim, um enorme telhado de vidro, suscetível a muitas pedras: o mais bacana, contudo, é que, tendo-o por teto, mais se desfruta – como leitor – da luz do sol e do negrume da madrugada. Talvez o romance de Ana Maria Machado seja a possibilidade de um prumo que tantas vezes faz falta a bem arquitetadas construções artísticas que são lançadas, à mancheia, ao mundo, sob chuvas torrenciais de cinismo.


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artes plásticas por MARIA D'ERMOGGINE

MANET: O MÁRTIR DA PINTURA MODERNA Para curadora da mostra “Mestres Franceses”, aberta à visitação até amanhã, no Palácio Anchieta, pintor representou a renovação radical do estilo e conteúdo da arte de seu tempo

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douard Manet (Paris, 23 de janeiro de 1832 - Paris, 30 de abril de 1883) tem o mérito de ser a renovação radical do estilo e conteúdo da arte de seu tempo. Com suas obras ousadas e “provocativas”, ele tem, desde suas primeiras aparições públicas, chocado e tornado perplexos críticos e público. Manet foi considerado pelos jovens artistas da época o símbolo da revolta contra as convenções pictóricas do “Salon” oficial e do círculo acadêmico, mas continuou a ser um pintor “à margem” dos outros artistas, não reconhecendo a aventura impressionista, que continuava a ser apreciada em muitos aspectos. Em essência, a posição de Édouard Manet é a de um artista altamente individualista e, certamente, “isolado”. Nascido em uma família abastada, o pai não queria um filho artista e sim um estudante de Direito. Foi assim que sua família preferiu deixá-lo partir para o Brasil como um estudante de marinheiro em um barco-escola, ao invés de vê-lo entrar em um estúdio de arte. Após seu retorno, Manet vence seus pais pelo cansaço e começa a estudar no ateliê do pintor e mestre Thomas Couture. O jovem Manet tem a oportunidade de viajar

DIVULGAÇÃO

Obras como a gravura “Olympia” tornaram Édouard Manet o símbolo da revolta contra as convenções pictóricas do círculo acadêmico de sua época

e visitar os grandes museus da Europa, onde ele “encontrou” os maiores artistas do passado, para ele uma fonte de inspiração e de interpretação. Era fascinado por Ticiano, Goya e Velásquez, cuja influência está discutida inevitavelmente em

muitas de suas obras. Porém, Manet não imitava Velásquez; ele relia e transportava seus signos para uma tradição moderna. Os quadros de Édouard representam, com clareza afiada, o espetáculo da vida social parisiense. Na exposição “Mestres

Franceses”, aberta à visitação até amanhã, no Palácio Anchieta, o visitante poderá ver a representação de algumas das suas maiores obras-primas pintadas sobre tela. Entre elas, a dramática e muito criticada “O Toureiro morto”. O quadro tem um detalhe curioso: ele foi dividido em duas partes. Uma que traz o episódio inicial do trabalho e retrata toureiros em ação, e a outra com o toureiro morto. A obra, apresentada no Salão de 1864, causou indignação no público presente. Além desta obra, o olhar atento do visitante não pode deixar de ficar fascinado pelas duas gravuras que retratam uma das mulheres mais comentadas na arte mundial, a famosa “Olympia”. Um projeto em que Manet trabalhou com sensualidade “inebriante, agressiva e ambígua” e que ia contra os códigos de representação e de padrões estéticos vigentes na época, no entanto de acordo com seus sentimentos.


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falando de música

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por JOSÉ ROBERTO SANTOS NEVES

A MISSÃO DO POETA E O PODER DA CRIAÇÃO

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a segunda metade dos anos 70, João Nogueira, Sérgio Cabral e Maurício Tapajós participavam de uma edição do Projeto Pixinguinha pelo Nordeste. Passaram mais de um mês fora, curtindo as delícias da estrada, sol, samba, álcool. Mas, depois desse frisson, bateu aquela saudade de casa. Tapajós então sugeriu ao parceiro Paulo César Pinheiro a composição de uma letra com o mote “eu tô voltando...”. Paulinho, que sabia bem que sentimento é esse, burilou uma letra sobre a melodia que o parceiro havia lhe passado. Assim nasceu “Tô voltando”, um dos maiores sucessos daquele ano de 1979, lançado por Simone no LP “Pedaços”. Acontece que o Brasil vivia o momento de anistia aos exilados políticos, e Paulo César Pinheiro surpreendeu-se ao ver uma matéria no “Jornal Nacional” em que os amigos entoavam “Tô voltando” no aeroporto, entre abraços e lágrimas pelo regresso ao país. E, assim, “Tô voltando”, que fora pensada como uma canção de retorno do músico ao lar doce lar, tornou-se um dos hinos da anistia. “O que mostra que o destino das canções não está em nossas mãos. Elas são o que quiserem ser, acima dos motivos por que foram feitas”, comenta Paulo César Pinheiro no livro “Histórias das minhas canções” (Leya Brasil), no qual revela os bastidores da criação de mais de 60 composições de sua autoria, a maioria em parceria com nomes como Tom Jobim, Baden Powell, Mauro Duarte, João Nogueira, o supracitado Maurício Tapajós, Eduardo Gudin, Lenine, entre tantos outros com quem produziu as mais de duas mil músicas de sua lavra. Formado nas esquinas de São Cristóvão, em meio à boemia, aos morros e à malandragem do carioca típico, Paulo César Pinheiro une em seus versos a sofisticação de quem passou a infância devorando livros de poesia com o olhar atento ao cotidiano do subúrbio, fazendo de suas canções saborosas crônicas do dia a dia. Escreve na linguagem do povo, com musicalidade, harmonia, sensibilidade, humor e uma dose de ironia fina que atraiu cantoras como Elis Regina, que sempre encomendava um samba “daqueles” quando queria dar um recado a algum desafeto. E não foram poucos, como se pode ouvir em “Vou deitar e rolar” (Quaquaraquaquá), “Cai dentro” e “Última forma”, todas em parceria com Baden Powell, sendo a última dirigida ao ex-marido Ronaldo Bôscoli, que a Pimentinha por algum motivo preferiu não gravar.

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HISTÓRIAS DAS MINHAS CANÇÕES Paulo César Pinheiro. Leya Brasil. 2010. 256 páginas. R$ 44,90

REPRODUÇÃO DO LIVRO “HISTÓRIAS DAS MINHAS CANÇÕES”

Paulo César Pinheiro com o violonista e parceiro Baden Powell: “O destino das canções não está em nossas mãos”

No livro, o compositor descreve o começo de sua carreira, ainda menino, com 14 anos, quando escreveu com o violonista João de Aquino a canção “Viagem”, imortalizada por Marisa Gata Mansa. Aquino era primo de Baden; este, 12 anos mais velho, praticamente adotou o garoto precoce e teve a ousadia de compor com ele a capoeira “Lapinha”, apresentada a Tom e Vinicius no bar Veloso, hoje Garota de Ipanema. Enciumado por ver o parceiro de afro-sambas compondo com um adolescente, Vinicius retirou-se da mesa, deixando Paulinho magoado. Anos depois tornaram-se amigos.

Alumbramento

Por meio da voz do poeta sabemos como se deu a amizade entre ele e João Nogueira, que rendeu frutos como a Trilogia do Alumbramento, como ele batizou os sambas “Súplica”, “O Poder da Criação” e “Minha Missão”, e fazemos uma viagem ao início dos anos 70, quando os músicos tinham de usar malícia e criatividade para driblar a censura. Foi recorrendo a esses expedientes que Paulinho conseguiu a liberação de “Pesadelo”, parceria com Maurício Tapajós.

O letrista estava injuriado com a censura a sua “Sagarana”, inspirada no livro homônimo de Guimarães Rosa (“Isso parece linguagem de código. Mensagem cifrada. Coisa de guerrilheiro, sei lá” – teria dito um dos censores) e resolveu fazer uma música direta, sem metáforas, sem firulas, que dissesse o que eles sentiam em relação ao regime. Ao perceber que o Departamento de Censura não dava a mesma atenção aos cantores bregas e românticos, ele anexou “Pesadelo” à pasta de letras do LP de Aguinaldo Timóteo, com a conivência de um amigo encarregado desse serviço. No dia seguinte, chegou a autorização, o MPB-4 gravou, e “Pesadelo” virou a mais poderosa música de contestação à ditadura, com mensagens como “Você corta um verso, eu escrevo outro/Você me prende vivo, eu escapo morto”. Nenhuma revelação, porém, é mais emocionante do que as passagens dedicadas a Clara Nunes. Eles se casaram em 1975 e viveram juntos até 1983, quando a cantora morreu devido a um choque anafilático durante uma cirurgia de varizes. Para Clara, o poeta deu o seu coração e obras-primas como “Menino Deus”, “Canto das Três Raças”, “Portela na Avenida” e “As Forças da Natureza”, este

um poema premonitório de 1976 que já previa o desastre ambiental que vivemos hoje. O processo que antecedeu a morte da Clara foi doloroso e provocou comoção nacional. Após o desfecho, João Nogueira e Mauro Duarte lhe propuseram compor um samba de despedida; Paulinho, a princípio, declinou. Ainda estava de luto. Mas João o convenceu: – Paulinho, só você tem autoridade pra fazer esse samba. Se não fizer, vai pintar uma enxurrada de samba ruim sobre o assunto, e você vai ter que aturar, pra sempre, papo e melodia de merda no teu ouvido, onde quer que vá. Pensa nisso com mais calma. João tinha razão, confessa o poeta. E assim surgiu “Um ser de luz”, uma declaração de amor e saudade que conta a história da Clara Guerreira desde o seu nascimento, “em uma cidade do interior”, até a partida, “quando o menino Deus chamou/E ela se foi pra cantar/Para além do luar/Onde moram as estrelas”. Uma biografia lírica e musical definitiva, de métrica e melodia perfeitas, à altura da cantora que um dia se transformou num sabiá, “rainha do seu lugar”, e cuja voz “onde chegava espantava a dor/Com a força do seu cantar”.


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estudo das artes

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por WILSON COÊLHO

Livro traz questionamentos sobre o acontecimento que, 90 anos depois, é visto como o festival que se transformou numa espécie de mito sobre a fundação da cultura moderna no Brasil

MODERNISMO: UMA SEMANA INACABADA

REPRODUÇÃO

ESCRITOR REVÊ CRÍTICAS E EXALTAÇÕES AO MOVIMENTO QUE ATÉ HOJE DETERMINA OS RUMOS DA CULTURA NACIONAL

F

alar em Semana de Arte Moderna, para início de conversa, é colocar em pauta uma série de questões. Primeiramente, a própria ideia de semana que, entendida como um período de sete dias fixado no calendário, a tal Semana de Arte Moderna se realizou em três, a saber, nos dias 13 (segunda), 15 (quarta) e 17 (sexta) de fevereiro de 1922. Depois, se desenvolveram diversas polêmicas acerca do conceito de Arte, tendo em vista que muito daquilo que se apresentou e se expôs no Teatro Municipal de São Paulo, na visão de alguns críticos da época, não poderia ser aceito como arte. Ainda, a ideia de Moderno, levando em conta o teor nacionalista que o movimento pretendia, não estava bastante clara, pois era confundida com o Mário de Andrade (o sexto em pé, da dir. para esq.) com colegas da Congregação futurismo e, em muitos casos, traziam Mariana. Poeta estreou em 1917 com “Há uma gota de sangue em cada poema” evidentes as influências dadaístas, cubistas, surrealistas etc. Os modernistas, por iniciativa do escritor maranhense Graça Aranha, voltando os escritores Guilherme de Almeida, Me- zyrembel e António García Moya, sendo o ao Brasil depois de alguns anos como nochi Del Picchia, Mário de Andrade e primeiro polonês e, o segundo, espanhol. diplomata na Europa, anunciavam mostrar Oswald de Andrade; o escultor Victor Também participaram o pintor suíço John no Teatral Municipal o que havia de mais Brecheret; a pintura de Anita Malfatti e Graz, os escultores Wilhelm Haarberg e “rigorosamente atual” no mundo da arte, alguns outros, como Tarsila do Amaral, (conforme já citado) Brecheret, respectanto da escultura quanto da literatura, embora estivesse em Paris. Ainda, con- tivamente, alemão e italiano, embora o passando pela música, pela arquitetura e forme lista publicada pelo “Correio Pau- último já fosse considerado “nosso”. Para pela pintura. Na troupe paulista constavam listano”, estavam os arquitetos Georg Pr- este grande evento, mesmo não tendo

nada a ver com o modernismo, mas como garantia de público, também fora convidada a grande celebridade paulista do piano Guiomar Novaes. Foi nesta ocasião que o público paulista teve a grande oportunidade de conhecer o carioca Villa-Lobos, referido no jornal como o “extraordinário compositor brasileiro”, acompanhado dos poetas e artistas, também cariocas, Ronald de Carvalho e Oswaldo Goeldi. Mas, apesar de todas as controvérsias construídas em torno do tema, o modernismo no Brasil, com a pretensão de ser aceito como um “estilo novo” se sustenta, pelo menos no plano simbólico, da Semana de Arte Moderna. Para muitos, ela é considerada como uma espécie de divisor de águas, tendo em vista a sua proposta de ruptura com o tradicionalismo cultural identificado com as correntes literárias e artísticas anteriores, a exemplo dos parnasianos, os simbolistas e os partidários da arte acadêmica.

Oligarquia

Hoje, 90 anos depois, a Semana de Arte Moderna é vista como o festival que se transformou numa espécie de mito sobre a fundação da cultura moderna

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O óleo “A onda” (1915-1917), de Anita Malfatti, é um exemplo de pintura moderna da artista, produzido no período em que ela estudou nos Estados Unidos

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no Brasil. Mas há muitos questionamentos sobre a verdade dos acontecimentos. Numa mescla entre jornalismo e relato histórico, Marcos Augusto Gonçalves, em sua crônica documentária “1922 – a semana que não terminou”, publicada pela Companhia das Letras, propicia-nos uma interessante e esclarecedora reflexão sobre os passos que culminaram naquela prestigiada semana que, num certo sentido, não passou de uma fraude da elite paulistana. Um show bancado pela fina flor da oligarquia cafeeira, quando quase todos os integrantes eram oriundos de famílias ricas e influentes, tendo sido educados na Europa, onde aprenderam línguas e frequentaram boas escolas. Conforme o próprio Guilherme de Almeida confessa, eles não passavam de “os playboys intelectuais de 1922”. Neste sentido, no momento da criação do modernismo no Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922 passa a ser alvo tanto de críticas ressentidas quanto de absurdas exaltações. Para se possibilitar uma visão

das causas e efeitos dos três dias de festival da Semana de 22, Marcos Augusto Gonçalves, refazendo os passos que criaram aquela Semana, em sua obra retoma e abarca mais de 20 anos de história, considerando a pesquisa que focaliza desde a virada do século e se estende até 1923. Nesta empreitada, recorre a manchetes, colunas, artigos e trechos de reportagens publicadas nos jornais da época como artifício para desenvolver o enredo de uma obra cujo compromisso com o tema, para além de uma manifestação telúrica, também se socorre de observações e apontamentos históricos e realistas que de certa maneira desmitificam algumas fantasias que até então têm sido consagradas como verdades.

Criação de mitos

Na medida em que o autor se propõe a trocar em miúdos os elementos que passo a passo redundam no evento, ele também propicia um olhar para o processo de criação de mitos que – ao longo do tempo

– foram cercando o evento de certas fantasias triunfalistas na tentativa de assegurar uma espécie de superioridade paulista na formação da cultura moderna brasileira. Do mesmo modo, o autor expõe as manifestações daqueles que insistem em diminuir a importância histórica dos festivais encenados pelos rapazes modernistas e patrocinados pela elite econômica da emergente Pauliceia cujo objetivo era a garantia de autovalorização histórica e hegemonia intelectual. Apesar da predominância dos paulistas no protagonismo da Semana, considerando a rede de relações pessoais amplas e complexas — pelas quais transitavam oligarcas, playboys, mecenas, mulheres fatais, “imortais” da Academia e poetas “passadistas” –, o autor se empenha a reavaliar a forma de participação do Rio de Janeiro naqueles momentos de formação da modernidade artística brasileira e vai em busca dos jovens personagens de 1922. E é a partir de uma ampla pesquisa, com extensa fonte bibliográfica, repleta

de entrevistas com especialistas, que a obra — recheada de fotos e reproduções — se faz acessível ao leitor que se inicia no assunto, ao mesmo tempo em que poderá servir de mote para despertar o interesse do meio acadêmico. Enfim, a Semana de Arte Moderna aconteceu e, mesmo não tendo terminado, entre fatos e mitos, continua uma porta aberta a novas interpretações. Conforme o autor, o título “1922 – a semana que não terminou” é um chiste parodiando Zuenir Ventura e Laurentino Gomes, ou seja, “uma espécie de blague quase oswaldiana”.

1922 - A SEMANA QUE NÃO TERMINOU Marcos Augusto Gonçalves. Companhia das Letras. 376 páginas. Quanto: R$ 49 (livro) e R$ 34 (e-book)


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ideias por IVAN BORGO

TEMPOS ESPECIAIS Inspirado no filme “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen, e na literatura de Ernest Hemingway, escritor reflete sobre a magia que torna inesquecíveis certos períodos históricos

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ntem à tarde, vendo a lua subir, grandalhona, incendiando de beleza as águas da praia de Camburi, lembrei-me dos índios Cree. Radicalmente, eles não contavam os dias em que não se podia ver a lua. Sem lua o tempo não existia. Um radicalismo estético até compreensível diante do espetáculo que via nessa tarde. O fato é que nós, vinculados ao conceito agostiniano de tempo, ampliamos nossa visão de modo que ficam para trás dias de lua, sem lua e de sol. Escavar esses tempos foi e é principalmente tarefa de historiadores. Mas é comum a reclamação de faltar algo em suas abordagens. Muitas vezes por esquecimento ou impossibilidade de seguir a regra de Marco Aurélio, o romano, que dizia ter duas pátrias: Roma, enquanto era Marco Aurélio, e o mundo, enquanto homem. Mas na verdade, na esteira dessas preliminares, queria mesmo era falar de um filme recente, o “Meia-noite em Paris”, que escava um período de tempo muito grato, em especial para quem gosta de literatura. Nele, Woody Allen, seu diretor, se permite transgredir o código de nosso conceito de tempo. Se há épocas, na linha agostiniana, que devem ser ignoradas por irrelevantes, há outras justamente lembradas de forma recorrente, e este é o caso dessa Paris dos anos vinte. A Guerra acabou e uma geração inteira, vinda de várias partes do mundo, se junta às tribos locais, talvez procurando entender (como se isso fosse possível) a estupidez em que o mundo se viu metido em recentes anos anteriores. Ernest Hemingway (1898-1961) é um dos personagens dessa confraria, participa do filme e me fez recordar de um de seus livros, o último deles, aliás: “Paris é uma festa”. Embora seja uma visão pessoal, compreendo sua prosa nesse livro como uma espécie de desforra da visão de um mundo do objeto, frio e descolorido. O americanão que, mergulhado nos traços materialistas de sua cultura, galhardamente os ultrapassa. Vai ao acaso: “Os carros-tanques eram pintados de marrom e amarelo-açafrão; quando trabalhavam na rue Cardinal Lemoine, ao luar, aqueles cilindros com rodas puxados pelos cavalos traziam-nos à lembrança alguns quadros de Braque”. A referência ao luar provavelmente já seria suficiente para agradar

DIVULGAÇÃO

Owen Wilson e Rachel McAdams caminham pela Paris mágica de Woody Allen, retrato de uma época que tem Hemingway (acima) como ícone

aos índios Cree, mas para nós é, de início, intrigante que coisas tão prosaicas pudessem atrair a atenção do escritor. Afinal ele não estava falando, por exemplo, das pirâmides do Egito numa noite de lua, mas apenas de um trabalho de operários de limpeza nas ruas sujas em que morou nos primeiros tempos. Apesar disso, num segundo momento e na sequência de sua prosa, passamos a não ter dúvida que ele conseguiu extrair uma óbvia beleza de coisas desatreladas de uma objetividade fria. Mas volto ao “Paris é uma festa” para flagrar H. na produção de um dos melhores contos já escritos: “Três dias de vento”. Por assim dizer, para examinar vestígios da própria anatomia dessa obra-prima. Acompanhemos Hemingway. Na Place Saint-Michel, ele entra num café “agradável, quente, limpo e acolhedor”. Ali então começou a escrever sua história que se passa em Michigan, onde coloca dois rapazes conversando trivialidades. A história, aparentemente banal, poderia

ter sido escrita em outro lugar que não nessa Paris mítica? Quem sabe? Mas para mim ela integra a mesma atmosfera que dá uma luz diferente a coisas e casos mergulhados no barro do quotidiano e que, na superfície, aparentam características monotonamente parecidas ou irrelevantes. Uma irrelevância desmentida pela já mencionada capacidade de H. de dar cor ao descolorido “mundo do objeto” e de colocar problemas fundamentais dos humanos nesse novo ambiente. Flashes da vida com suas contradições, sofrimentos e epifanias. Vasculhar os mistérios dessa Paris mítica constitui sim um tempo para lembrar. Afinal lá estava também Fitzgerald, dono de uma prosa de poder encantatório brilhantemente extraída das rudes teias do mundo industrial. James Joyce que, por exemplo, no conto “Os mortos”, do “Dublinenses”, usou também um conceito do tempo que escorre pelos dedos das mãos

como água. Enfim, parceiros e convivas na fruição dos ares do momento de uma cidade que lhes permitia exercitar a fórmula clássica onde a dura realidade não é bastante e é ultrapassada pela obra de arte. Tempos especiais? Existem sim, e além da ideia do “ah, no meu tempo”. Lembremos do prof. Remy e seus amigos de “Invasões bárbaras”. Não sei dizer se foram justos, mas, para eles, em 1950, todo mundo era idiota, tanto fazia que estivesse em Atenas ou em qualquer outro lugar. Mas, ao contrário – diz ele – veja a Atenas de 416 A. C. Na estreia da peça “Electra”, de Eurípedes, estão na plateia ninguém menos que seus rivais Sófocles e Aristófanes e, ainda, seus amigos Sócrates e Platão. Ali estava a Inteligência. Veja Florença em 1504. Ali estão Leonardo, Rafael, Michelangelo e Maquiavel. Em compensação, diz Remy, da morte de Tácito até o nascimento de Dante foram 11 séculos de mediocridade. Para ficar num exemplo doméstico: a revolução de bom gosto proporcionada pela bossa nova de Tom Jobim e seus parceiros não acontece num tempo especial da cultura brasileira? Há alguns anos, numa passagem por Paris, procurei algo da cidade mítica e não encontrei. Mesmo contando com a hospitalidade de anfitriões receptivos, o Louvre e o edifício da Ópera, a imagem mais forte que me ficou foi a de gente mal-humorada. Felizmente, “aquela Paris” está guardada nos livros, nos quadros de seus artistas e, como pretende Woody Allen, nos ajuda a viver em nosso próprio tempo.


poesias QUASE LODO GABRIEL RAMOS

crônicas O CAMINHO DO CÉU

por NAYARA LIMA

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Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

monstrou a mesma fragilidade que a minha e, entre riso e temor, disse que deveríamos voltar correndo. Gostei de Jonathan não ser forte, e de não termos um dado segurança ao outro. A todo instante os versos de Adélia Prado me corriam no pensamento. Fiquei amando o nome do rapaz ser exatamente o mesmo para quem o eu lírico dela se declara. Depois ele me veio fazer uma confissão: “Na verdade meu nome é outro. Digo esse de brincadeira, mas não é. Meu nome mesmo é André Prando. Mas olha (e então falou para consolar meu espanto de frustração), André Prando até lembra Adélia Prado!”. Fingi não perceber. Continuo achando o André extremamente Jonathan. Sinceramente Jonathan. E a poeta pareceu adivinhar: “[...] Se eu lhe dissesse você é estúpido/ele diria sou mesmo. Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear/eu iria. As casas baixas, as pessoas pobres/e o sol da tarde/imaginai o que era o sol da tarde/sobre nossa fragilidade. Vinha com Jonathan/pela rua mais torta da cidade. O Caminho do céu”.

o tempo todo eu tento invento repenso desencanto certo momento tomo o tempo todo qual um grande copo dágua deixo pela metade quase todo quase lodo de tanto tempo metade de todo quase esbarro os olhos no silêncio estúpido e lento quero que seja rápido a tempo de tomá-lo depressa de me aprumar pro mundo o tempo todo me ocupo com os letrados em seus ritmos apressados são a própria contramão da avenida de chão não escuto os desdentados não procuro sinto cheiro ou afago quem são quem sou que são sou eu quando sou só

Conheci Jonathan na Rua Sete, em Vitória, depois de sair do Teatro Carlos Gomes, onde fui ver um show que, não fosse a voz das meninas do coro e a beleza incansável do teatro, não teria valido a pena para mim. Jonathan é um rapaz bonito, de barba e livre. Não sei o que achou do show, mas tem seu próprio violão e se entrega a ele. Quando fui deixá-lo em casa, parecia um pássaro voando aos subir as escadas do beco. Achei que fosse alegria. Depois ele me contou que era um lugar perigoso, e ele subia as escadas daquele modo para assim não correr risco. Com o cabelo solto e os saltos ligeiros nos degraus, voava, portanto, até eu não ver mais. Antes falávamos de qualquer coisa no bar da Rua Sete, como o nome que escolherei para minha filha, quando um dia eu tiver uma. Eu disse: “Será Maria

LENTIDÃO

NO CASE DA GUITARRA DE JOHNNY URUBU

Cecília”. E ele: “Ah não, coloca Cecília Maria, fica mais bonito”. Ficou. Depois decidi que ouviria alguma canção composta por Jonathan. Aquela música, sim, valeu a pena. Versos bons, melodia bonita. Depois teríamos uma festa para ir. Em cima do bar ao lado de onde estávamos, uma luz rosa já iluminava o cômodo, o som de boate começaria a acontecer, e entraríamos lá para sentir se a festa era boa. Depois eu daria carona a ele até vê-lo subir as escadas como um pássaro. Foi assim. Tive medo no caminho até o carro, porque nossa cidade é de beleza e risco. Mas achei que confessando a Jonathan o meu medo ao ver alguém esquisito se aproximando, ele diria algo que protegesse a situação e que nos permitisse continuar no mesmo caminho. Mas de-

por TAVARES DIAS

correr quando se tem pressa me torna devagar quando estou longe ou perto demais faz tão pouco ser muito do tamanho das minhas lentes

VIDA TODA MINHA ando a nado e nada ando até o pé pelejando pensando ser quando

TODA VONTADE toda tarde arde louca toda sede cede a boca toda a pele anda à solta toda mão quer a outra toda vida grita rouca toda vontade grita rouca toda vida quer a outra toda a mão anda à solta toda pele cede a boca toda sede arde louca

Johnny Urubu vem voando, em rota descendente, pelo sky abaixo, em manobra radical chamada pleonasmo literário. Vem do heaven. Usa ambas as asas para voar, mas ainda assim consegue carregar seu instrumento musical. Explicações acerca desse talento extra do personagem devem ser creditadas à anedota original, cuja origem se perde na night dos times. Sedento após a longa jornada, Johnny pousa junto ao river no qual, na anedota original, seu ancestral teria jogado um sapo que pegara carona clandestina na viola do músico. Fosse num filme americano e o Narrador já teria entremeado esta narrativa com flashes de Rose Jaca Dura. Estaria deitada de bruços no riverside, em trajes de Eva, dourando ao sol as protuberâncias que a batizaram enquanto personagem desta fabuleta. Mas isso aqui não é cinema. Calma. Dá-se o encontro dos amigos. -Qual é a boa, Johnny? – Jaca Dura

quer saber de hypes. -Vai ter party no heaven, neste finde – John Urubu ama ser portador de novidades. -Mó boa. Causarei! – Jaca Dura é rica em doçura e rima pobre de marré. -Mas só pode entrar gente da derriére pequena – Johnny é pura lascívia. -Tadinha de Mary Tanajura – sentencia, falsamente compungida, Rose Jaca Dura. Na sequência da narrativa, não pense algum inadvertido leitor que seria impossível pra Jaca Dura se esconder no case da guitarra do nosso bom Johnny Urubu, na volta do hype celestial. Mesmo que faça sentido perguntarem: mas e a vistosa preferência tupiniquim? Saibam todos, então, que, no tempo desta fabuleta conduzida em tom de paráfrase de antológica aeroanedota, a tônica é a iconoclastia. Basta lembrar que, contrariando antigas regras de edição, há até mesmo modelos e ma-

rias-chuteiras que hoje aparecem de ré nas fotos dos jornais. Então, por que estranhar que a engenharia silicônica já tivesse criado próteses desinfláveis e escamoteáveis, destinadas a facilitar o acondicionamento de peruas clandestinas popozudas? Já aquele negócio de “Te jogo no rio” e “Não, por favor, me joga na pedra”, o Narrador acha por bem modificar. Fica assim: flagrada escondida no case da guitarra de Johnny, no retorno do heaven, Rose Jaca Dura exercita sua sedução. Johnny Urubu pode então queimar incenso no altar de Vênus em pleno ar, em manobra radical conhecida como morram de inveja. E sem deixar cair a guitarra - essas coisas de protagonistas. Ou a cara leitora e o caro leitor não sacaram a filmada gulosa de Johnny em Jaca Dura, quando, em decúbito ventral na beira do river, nossa musa dourava ao sol sua retrofisionomia?


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

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ensaio

Pensar

por ANTONIO ROCHA NETO

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

DIVULGAÇÃO

VIVEMOS HOJE SOB A DITADURA DO OLHAR Autor propõe reflexão sobre o lugar ocupado pela visão na percepção humana e conclui que o homem moderno está ficando cego, escravo de um mundo que pensa ter dominado

P

retendo neste ensaio “lançar um olhar” sobre o sentido da visão, sobre o lugar por ele ocupado dentre os sentidos da percepção humana. O homem é um ser visual. Diariamente somos submetidos a uma infinidade de informações visuais. Ao sairmos às ruas somos bombardeados por inúmeros apelos visuais que nos chegam através de outdoors, faixas, panfletos etc. Pretendo aqui iniciar uma investigação sobre o porquê dessa supremacia do olhar sobre os demais sentidos. De início, vale lembrar que o olhar possui, junto com a audição, uma vantagem em relação aos demais sentidos. O tato e o paladar são os mais limitados, pois para serem exercidos imprescindível se faz a presença física. Enquanto não provo um alimento não posso avaliar seu sabor, e é apenas apalpando um tecido que posso opinar sobre sua textura. Quanto ao olfato, embora não seja tão limitado, pois podemos sentir cheiros à distância relativamente grandes, talvez seja ele o sentido menos explorado na modernidade, justamente por ser o que oferece menos possibilidades de ser comercialmente explorado. Tanto isto é verdade que basta que atentemos para as propagandas de desodorantes, perfumes e xampus que, não podendo fazer chegar a nós, via TV, as fragrâncias de seus produtos, tentam nos induzir ao consumo por meio do apelo visual de belas(os) modelos. Costumo dizer, quando vejo um carro de pipoqueiro, que se a pipoca fosse tão gostosa quanto é cheirosa não seria tão barata! O fato é que, exceção feita aos perfumes e cosméticos em geral, o cheiro pouco influi no valor final de um produto, o que leva a, numa sociedade movida e promovida pelo consumo, relegá-lo a segundo plano. A mídia, inteligentemente, nos oferece os produtos aos olhos, que após devorá-los com volúpia sentem ainda uma “inexplicável” sensação de vazio, que só o consumo satisfará. É surpreendente o papel desempenhado pela TV na exacerbação da vantagem do olhar sobre os demais sentidos. Podemos dizer que até o advento do rádio o olhar reinou soberano entre os sentidos. Com o surgimento deste, a audição talvez tenha atingido seu apogeu, embora creia que em momento

algum tenha ameaçado a soberania do olhar. Mas com o surgimento da TV e do cinema e o contínuo desenvolvimento das tecnologias a eles associadas, como o cinema e a TV tridimensional, penso que não seria exagero dizer que vivemos hoje (e cada vez mais intensamente) sob a ditadura do olhar.

Símbolos

Sobre a supremacia do olhar cabe notar o fantástico poder exercido pelos símbolos. Qualquer criança ocidental pré-alfabetizada consegue ler em outdoors o nome Coca Cola ou fazer imediata ligação daquele famoso M estilizado com a rede de lanchonetes McDonald’s. No mundo moderno pode-se ler o mundo mesmo antes de aprendermos a ler formalmente. E a linguagem do símbolo traz consigo ainda a vantagem de sua universalidade. “Vejamos” agora o que se passa com nossa linguagem. “Viram” como comecei tanto esta como a frase anterior? Pois é, o verbo ver é talvez o mais versátil dos verbos. Eu poderia ter escrito alternativamente ao que escrevi “analisemos” na primeira frase e “perceberam” ou “notaram” na segunda. Quantas vezes nos pegamos dizendo coisas como: “Você viu o que ela disse?” “Olha o cheiro desta comida!” “Você já viu a nova música do Chico?” “Estou vendo que isto não vai dar certo!” A civilização ocidental atual é aquilo que vê. É como se tivéssemos estabelecido uma espécie de Teorema Ótico da Existência que decreta que “tudo o que não é destinado a ser visto é destituído de ser”. Importante salientar ainda o significativo papel da realidade virtual. Já podemos hoje, no aconchego de nossos lares, visitar virtualmente qualquer recanto do planeta, fazer viagens interplanetárias, manter relações sexuais virtuais etc. Viajamos com os olhos, esquiamos com os olhos, exploramos florestas virgens, comemos, bebemos, copulamos com os olhos! Numa palavra: somos e seremos cada vez mais através de nossos olhos. Nenhum deficiente físico nos parece tão limitado e nos provoca tanta piedade quanto o cego. Olhamos com curiosidade para

“O poder da imagem é tamanho que nenhuma visibilidade pode ser refutada com argumentos.” —

Antonio Rocha Neto é economista e cronista

os surdos-mudos e com compaixão para os cegos. Diante deste quadro, que nada tem de fantasioso, vem-me à mente uma passagem do diálogo Da Redenção, do livro “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, que diz: “Vejo e vi... homens, precisamente, aos quais falta tudo, salvo que têm demais de alguma coisa - homens que não passam de um grande olho ou de uma grande boca ou de um grande ventre ou de qualquer outra coisa grande; aleijados às avessas, chamo tal gente.” Eis-nos diante de uma boa descrição daquilo que somos nós, ocidentais: aleijados às avessas, pares de olhos, dotados de mãos, de ouvidos, estômago, pernas, ventre, cérebro, todo um organismo pronto a acatar-lhes as ordens. Ordens que, contudo, não surgem desde si, embora eles mesmos, a mais das vezes, nunca disto se deem conta. Ordens que lhes são impostas pelo Rei Consumo, e que eles não fazem senão transmiti-las aos súditos subalternos. O que nos faz ver o mundo é ao mesmo tempo o que nos torna cegos a seu respeito: nossa ideologia, “nossa” visão de mundo. Esta se utiliza, sobretudo, de nossos olhos para abastecer-lhes de ideias. As imagens, ao contrário das palavras, são acessíveis a todos, e sua linguagem é universal, não enfrentando as barreiras da língua. O poder da imagem é tamanho que nenhuma visibilidade pode ser refutada com argumentos. Substitui-se por outra, ou permanece vigente.

Visual

Outrora ouvíamos músicas e nos deliciávamos com suas melodias, e muitas vezes tão somente com elas. Hoje, infelizmente, as músicas não são mais vendidas pelo que dizem ou pela melodia que possuem. Importa, antes de tudo, o “visual” do cantor(a) ou da banda. Ao ligarmos o rádio, apenas com boa dose de sorte ouviremos algo que tenha, em si mesmo, valor. Em algumas rádios, nem com toda sorte do mundo! É a “ditadura do olhar” determinando até o que deve agradar aos nossos ouvidos! Mas por que há no Ocidente esta supremacia do olhar? Uma análise do aspecto religioso do Ocidente pode lançar alguma luz sobre a questão.

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No livro “Vida e morte da imagem - Uma história do olhar no Ocidente”, Régis Debray observa que a evidência natural de uma civilização é considerada ilusão pela outra

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Nas antigas culturas egípcia, grega, bizantina, medieval e, hoje, nas culturas budista e hinduísta, o que era (ou é) verdadeiramente estava ausente. A suspeita incidia sobre o visível, como observa Régis Debray, em “Vida e Morte da Imagem - uma história do olhar no Ocidente”: “O que é para nós a própria realidade os budistas chamam naturalmente ‘o vazio’, ‘sunya’; o que é a plena realidade do budista parece-nos, muito naturalmente, parvoíce e futilidade. A evidência natural de uma civilização é considerada ilusão pela outra.” Para cada dois de três monoteísmos, Deus não possui rosto nem corpo. É palavra. Pretender dar-lhe uma imagem seria tido como loucura. No cristianismo, surge a imagem física do Divino. O que é o “Deus cristão”? O Deus cristão é o Cristo. Deus que se fez homem e habitou entre nós. Há a Doutrina da Trindade por trás da

“Uma simples questão para o próximo milênio: como ver bem à sua volta sem admitir, ao lado, por baixo ou por cima, ‘coisas invisíveis’?” —

Régis Debray é filósofo, professor e escritor francês

divindade cristã, mas não passa de mera teoria, que talvez interesse aos teólogos, mas passa ao largo do interesse dos fiéis. A estes interessa louvar e adorar ao Deus visível, material; ao Deus-homem. Surge então a questão: se mesmo Deus, que é o que há de mais imaterial, se materializou para se legitimar no Ocidente, a expressão material passa a ser o critério de identificação do real. Apenas o visível é real! Com a tecnologia e a capacidade de expandirmos nossa capacidade visual através de lentes, esta tendência ainda mais se agrava, e traz consigo seu custo. Na mesma obra de Régis Debray, já citada, lê-se: “Uma simples questão para o próximo milênio: como ver bem à sua volta sem admitir, ao lado, por baixo ou por cima, ‘coisas invisíveis’? Não obrigatoriamente anjos nem corpos astrais. Realidades ideais, mitos ou conceitos,

generalidades ou universais, imaterialidades ou símbolos que jamais terão traduções visuais possíveis, nem que fossem virtuais, em um cyberspace.” Concluímos com uma grave observação: o homem moderno está ficando cego. Quanto mais desenvolve meios que o possibilitam ver mais longe, menos longe vê. Quanto mais desenvolve meios que permitem que se veja com mais amplidão, mais reduz a amplitude de seu olhar. Quanto mais pensa ter se assenhoreado do mundo, mais se torna seu escravo, um cada vez mais desprezível apêndice. Brilhante o alerta que nos deixa René Char, citado por Régis Debray, naquela mesma obra: “Se por vezes o homem não decidisse, soberanamente, fechar os olhos, acabaria por deixar de ver o que vale a pena ser olhado.” Talvez seja exatamente esta soberania que estejamos precisando recuperar.


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Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 9 DE JUNHO DE 2012

ficção por FLÁVIA DALLA BERNARDINA; ILUSTRAÇÃO: COLETIVO PEIXARIA

ENTRE CLICHÊS, SONHOS E POEMAS “Sem que eu esperasse, você pediu que eu lesse uma passagem do manuscrito do meu livro”, aponta o eu lírico deste conto sobre relações afetivas e criação literária

E

ra um som abafado que vinha de longe. Vozes e música ruim, devia ser uma garrafa de conhaque regando tudo isso. Estávamos numa daquelas nossas noites, deitados em redes que não eram nossas, tomando vinho sob o céu estrelado e falando sobre coisas aleatórias, quase sem importância. Só parece um clichê, e é bem provável que seja, mas para nós é irrelevante. Avançávamos sem ser vistos. É claro que se fôssemos desenhar esse clichê ele tomaria outras proporções, a noite ainda seria estrelada, mas o som seria melhor ou mais nítido, a taça nunca ficaria vazia e deixaríamos a mata, a noite e a montanha falarem por nós. Como tínhamos que lidar com o que estava disponível, nosso clichê se tornou nós na rede sob um céu estrelado de montanha, um som abafado e umas vozes bêbadas ao fundo. Se ao menos a música melhorasse, ganharíamos um fôlego no sereno. Sem que eu esperasse – ultimamente eu tenho me treinado para isso – você pediu que eu lesse uma passagem do manuscrito do meu livro. Justamente no momento em que eu havia desistido de escrever. Eu tentei me mover desconcertada. A rede modelava meus movimentos, me atrapalhando. Naquela tarde estéril eu havia apagado tudo. O que estava escrito, o que eu havia dito, as fotos, os filmes, as testemunhas. Não havia sequer uma prova de que eu havia, ao menos, tentado. Que eu habitei aquelas linhas por meses ou dias. Que eu existi. Você tentou contemporizar, dizendo que uma boa história sempre merece ser recontada. Que é melhor ter uma história inventada do que ter história nenhuma. Nesse momento eu já havia me libertado da rede e estava de pé. Sem largar a taça, andei em círculos, um pouco desorientada, como se tentasse encontrar algo perdido. Me dei conta que não estava mais ali. Ironicamente, no cenário do nosso clichê, eu desbotei junto com o botão “delete”. Fui apagada com meus versos. Mesmo que eles não

prestassem, poderiam ser rabiscados para dar vida a algo melhor, quem sabe. Dei um gole prolongado, acabando com o líquido da taça, que vazou numa das laterais da minha boca. Não enxuguei. Como de costume você ainda dormia, quando eu acordei. Observei o quarto ao meu redor. Senti preguiça, minhas pernas, meu cheiro, minha vida. Minha energia poupada, ávida por ser consumida. Estradas vazias, linhas em branco, dias do calendário, um roteiro sem rimas. Minha erudição, minha distância e meu descanso. Meu sumiço e meu esquecimento, meu silêncio. Eu reapareci. Eu que sempre tenho algo a dizer, não tinha mais nada. O que se pode viver é somente aquilo que se sente. O resto são tentativas esforçadas de demonstrar o inapreensível, o momento exato em que você realmente viveu, aquele exato momento em que você realmente sentiu. O resto são só tentativas. A vida mesmo está na esquina de cada coisa, onde se enxerga cada grão de poeira, a folha balançando naquela árvore, o dia nascendo e indo embora, e nascendo de novo, e por causa disso sentir raiva, até um pouco de desgosto, depois sentir ânimo e até um pouco de alegria. Sentir até mesmo um desinteresse pela eternidade. Você ainda dormia. Pela altura do sol, isso já não era tão habitual. Eu saí do quarto. Abaixei a cabeça para alongar a coluna. Respirei fundo. O que foi feito ontem, poderia ser feito hoje. Só não seria a mesma coisa, nem a mesma pessoa, nem o mesmo poema. Entre sonhos e clichês, sentei-me à mesa. Algo me esperava, mas eu aprendi de vez a esperar por nada. Não pedia, nem raciocinava. Naquela hora, deixei de gostar, deixei de querer, deixei a mim. Caí num esquecimento pleno, perdi a noção de tempo, ocupei mais espaço que precisava. Me lembrei e na lembrança acordei de novo, com um sorriso involuntário e um cansaço no corpo, um cansaço que me permitia correr a praia. Um calhamaço de papel rigorosamente empilhado iluminava a mesa. Sem título, nem índice.


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