PensarCompleto 1911

Page 1

Ensaio

A TRADIÇÃO DOS PRIMEIROS IMIGRANTES, OS AÇORIANOS, E OS REFLEXOS NA CULTURA CAPIXABA Páginas 10 e 11

Livro

O RESGATE DE NARCISO ARAÚJO, O POETA SOLITÁRIO DE ITAPEMIRIM Página 4

O homem que se transformou em lenda Há 20 anos, a voz poderosa do Queen se calou. Mas Freddie Mercury jamais será esquecido Página 5

Pensar Arte

A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO NA ADAPTAÇÃO DE OBRAS PARA OUTRAS LINGUAGENS Página 8

Artigo

UMA VIDA TRILHADA NOS CAMINHOS DA JUSTIÇA, ÉTICA E CIDADANIA Página 12

VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

www.agazeta.com.br

Além da liberdade SOLANO TRINDADE, O POETA QUE TRANSFORMOU O NEGRO EM HERÓI

Páginas 6 e 7


2 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

quem pensa

Aline Prúcoli de Souza é mestre em Estudos Literários pela Ufes. leeprucoli@hotmail.com

Jô Drumond é tradutora e escritora membro da AEL e do IHGES. jonund2@yahoo.com Vinícius Baptista é jornalista da TV Gazeta e músico nas horas vagas. vanjos@redegazeta.com.br Suely Bispo é mestranda em Letras na Ufes, atriz, graduada em história e escritora suelybispo@yahoo.com

marque na agenda prateleira Debate 2º Colóquio de Artes e Pesquisa

Em 29 e 30 de novembro, no Centro de Artes da Ufes, com o tema “Arte, história e contemporaneidade: diálogos possíveis”. A programação completa no http//colartes2.blogspot.com.

Festival de cinema 6ª Mostra Cinema e Direitos Humanos

São 47 filmes, representando dez países da América do Sul, incluídos longas inéditos de Eliane Caffé, Mara Mourão e Érika Bauer. As exibições acontecem de 23 a 29 de novembro, no Centro Cultural Carmélia Maria de Souza. Contato: 3381-3413

João Moraes é jornalista, músico e documentarista. joaopatuleia@superig.com.br

Karina de Rezende Tavares Fleury é doutoranda em Letras (com ênfase em Estudos Literários) pela Ufes. karina.fleury@gmail.com

Jacira Freire de Mattos é professora de Literatura e poeta.

Entrecruzando dados autobiográficos, personagens da “grande” história e as vidas de pessoas comuns, Amós Oz recria a sua infância em Jerusalém, entre tantos outros filhos de imigrantes asquenazes. 280 páginas. Companhia das Letras. R$ 43

Rock 'n' roll e outras peças Tom Stoppard Embora as peças de Stoppard já tenham sido encenadas no Brasil, esta edição traduz algumas de suas obras mais influentes. Ao todo, são sete peças que contemplam releituras satíricas de obras clássicas, algumas de suas criações de vanguarda e peças líricas.

Ivana Esteves édoutorandaemLetrasecoordenadoradaMostra deSinergiaUVV. ivanaesteves@yahoo.com

Caê Guimarães é jornalista, poeta e escritor. Publicou quatro livros e escreve no site www.caeguimaraes.com.br

O monte do mau conselho Amós Oz

624 páginas. Companhia das Letras. R$ 54

22

Uma cidade

Melhores contos Hélio Pólvora

de novembro

Lançamento do livro “Vi sões sobre a cidade: a Grande Vitória em textos e im agens”, na terça-feira, a partir das 18h, na Adufes, Ufes. São vários artigos, inc luindo um inédito, sobre a cidade de Vitória, sua paisage m, sua arquitetura e seus monu mentos.

jakiemattos@gmail.com

Fabiene Passamani é gestora cultural, mestranda em Artes na Ufes. fabienepassamani@gmail.com

23

novembro

O Quebra-Nozes

Antonio de Pádua Gurgel é jornalista e organizador do livro “O Diário da Rua Sete”. apaduagurgel@terra.com.br

O Balé da Cidade se apresenta no Teatro Universitário, na Ufes, em Vitória, às 19h30. Contato: 4009-2953.

288 págs. Global Editora e distribuidora Ltda. R$ 39

Dreamer In concert Stacey Kent O álbum inclui quatro faixas anteriormente não gravadas; duas de Antônio Carlos Jobim, e duas novas composições de seu marido, o saxofonista e produtor do álbum Jim Tomlinson. 12 faixas. EMI Music Brasil. R$ 29,90

Carol Rodrigues e Vilmara Fernandes

É BOM LEMBRAR Caros leitores, O registro de algumas datas comemorativas são importantes por nos lembrar de fatos que o dia a dia empurra para o esquecimento. Um exemplo está nas páginas 6 e 7, onde há um belo texto de Suely Bispo sobre a vida de Solano Trindade. O poeta que ousou transformar em herói negros como Zumbi do Palmares, o homem que é símbolo do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado amanhã. Nosso resgate vai ainda a Açores, Portugal. Fabiene Passamani nos ajuda a lembrar dos

A obra reúne quinze trabalhos do escritor baiano, aclamado como um dos maiores contistas da atualidade. Segundo Lygia Fagundes Telles, ele é dono de “uma sensibilidade de vidente, aliada a uma rica experiência artesanal, imaginação cintilante e linguagem de renovação poderosa e singular”.

Editoras interinas do Pensar, novo espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados. cferreira@redegazeta.com.br e vfernandes@redegazeta.com.br

primeiros imigrantes que chegaram ao Estado, um povo esquecido, cujas raízes ainda se fazem presentes na cultura estadual, como a festa do Divino Espírito Santo, realizada em Viana. Por último, temos a lenda do rock. Um homem simples e ao mesmo tempo complexo que, com sua banda – Queen – mudou por completo o conceito de megashows em estádios. Freddie Mercury, cuja morte completa 20 anos, dispensa apresentações. Nossa edição traz ainda belos textos sobre literatura, cinema, ética, cidadania, além de crônicas e poemas. Aproveite!

Pensar na web Confira trechos de livros, apresentações de Freddie Mercury e um pouco mais sobre a cultura dos açorianos.

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8323


3

entrelinhas

Pensar

por Aline Prúcoli

INOCENTES METAMORFOSES

O Museu da Inocência Orhan Pamuk. Companhia das Letras. 568 páginas. Quanto: R$ 59

O

que fazer quando parte de nosso passado, de repente, torna-se presente e insiste em se transformar em futuro? Eis o grande dilema vivido por Kemal Bey, o protagonista de “O Museu da Inocência”, novo livro do prêmio Nobel turco, Orhan Pamuck. A partir de um foco narrativo que, imperceptivelmente, varia da terceira para a primeira pessoa, dando-nos uma dimensão um tanto quanto nebulosa sobre o tempo, “O Museu da Inocência” nos apresenta uma Turquia dividida entre a tradição dos valores orientais e a promissora modernidade trazida pela cultura ocidental. O quadro é apresentado sob a ótica de um jovem rapaz que tropeça de metamorfose em metamorfose na tentativa de deixar para trás os vestígios de sua despreocupada adolescência para se tornar um homem de família e de negócios. Kemal Bey é noivo de Sibel Hanim, a pretendente dos sonhos de todas as famílias tradicionais. Uma garota alegre e idealista que experimenta a agonia de viver a mudança cultural porque passa seu país. Entrega sua virgindade à Kemal, como uma adolescente moderna e ao mesmo tempo romântica que confia cegamente na aparente eternidade do amor. O casal assiste passivamente a angústia de ver o forte sentimento nascido de uma juventude promissora, transformar-se em uma união contratual que não consegue se desvencilhar do peso de uma tradição que enlaça todos os jovens casais com amarras invisíveis e, no entanto, rígidas como aço.

Kemal se torna a representação da inconsistência e do desejo que se contrapõe ao amadurecimento forçado pela idade, que se quer livre para desconstruir”

inconsistência e do desejo que se contrapõe ao amadurecimento forçado pela idade, que se quer livre para desconstruir. Diante da impossibilidade de se livrar da lenta deglutição que a areia movediça do compromisso religioso estabelecido com sua noiva promove e diante da ausência súbita de Fusun, Kemal refugia-se no apartamento solitário para construir um mundo paralelo, atemporal, feito de lembrança, memória e imaginação. A trama se desenrola numa Turquia dividida entre a tradição e a modernidade

Fronteiras

A partir deste pano de fundo, o romance começa a se transformar em um labirinto temporal que sutilmente nos envolve ao extrapolar as fronteiras estabelecidas pelas ofegantes 568 páginas. As estreitas linhas que separam passado, presente e futuro confundem-se e se dissolvem para se estabelecerem como pura memória. E é pela memória que Kemal Bey começa a se relacionar com Fusun, uma prima com quem havia se envolvido nos tempos não muito distantes de sua adolescência. Fusun é descrita com palavras que, ao mesmo tempo, estão carregadas de erotismo e meninice. É a moça de 18 anos que desfila uma beleza excêntrica e é a mulher de pele bronzeada, cintura fina e lábios carnudos que inalam um hálito fresco de

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

tutti-frutti. É a lembrança que, de repente, sai do passado de Kemal Bey para embaralhar as cartas de seu presente e desfazer todas as certezas até então reservadas para o futuro. A virgindade de Fusun, desfeita por Kemal sobre os lençóis empoeirados do apartamento de móveis antigos, une-se à da noiva Sibel, empilhando mais uma tonelada de responsabilidade dura e ao mesmo tempo doce sobre as costas de nosso protagonista.

Assim começa a coleção que constrói “O museu da inocência”, indicado pelo título do livro. Duas virgindades dividem o espaço do sótão memorialístico do protagonista com um par de brincos, um copo de vidro, um velocípede e um batom rosa gasto pela vaidade dos lábios ainda não maduros que se perdem em beijos lânguidos e pesarosos, dados com o fervor, a fome e a pressa de quem pode morrer no próximo minuto. Kemal se torna a representação da

Solidão

A narrativa prossegue sem pressa. Kemal ainda passará pelo sofrimento das mais de 300 páginas que se colocam a sua frente como uma porta de ferro enferrujada que range dolorosamente ao sentir a força do mais leve empurrão. Não à toa, Orham Pamuk enumera todos os detalhes das inúmeras e longas passagens em que Kemal Bey monologa na solidão de seus devaneios. Com grande maestria, consegue nos fazer sentir a elasticidade da demora e o peso da espera sentida pelo personagem, prendendo-nos pelo fio invisível da imaginação com as garras de uma escrita fabulosa e nos revelando que o museu de nossa memória se constrói, paradoxalmente, pelas sutis metamorfoses de nossa eterna inocência.


4 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

livros por Jô Drumond

O RESGATE DE UM POETA CAPIXABA

O solitário de Itapemirim Consulta: Acervo da Biblioteca Municipal de Vitória, que funciona no prédio da Fafi

Narciso Araújo passou a última fase de sua vida isolado, numa clausura domiciliar, mas sua obra, pouco conhecida da maior parte do público, pede um urgente resgate histórico

N

a galeria dos expoentes da poesia capixaba, figura o nome de Narciso Araújo, frequentador da roda literária de Olavo Bilac, no Rio de Janeiro, onde se graduou em Direito. Nascido em Brejo dos Patos, passou a maior parte de sua vida na sede do município de Itapemirim, Sul do Estado. Além de poeta, atuou como advogado, jornalista, político, professor particular e médico autoditada. Na última fase de sua vida, distanciou-se do mundo, numa voluntária clausura domiciliar. A misantropia de Narciso provocou algumas lendas em torno de sua pessoa e deu origem ao epíteto “O solitário de Itapemirim”, como ainda é conhecido. Dizia-se enfastiado de intrigas, hipocrisias e corrupções mundanas. Entediado pela mesquinhez e pela perversidade humana, ele se exilava para o culto à sua musa.

Soneto que trouxe fama SAUDADE ESTÉRIL

Descaso

Eleito em janeiro de 1942 como “Príncipe dos poetas capixabas” – sem ter se candidatado –, foi esquecido posteriormente pela maioria de seus compatriotas. Ganhou como prêmio a publicação de sua obra completa. Estranhamente, alegando nada ter de valor que merecesse ser publicado, recusou-se a entregar os originais aos promotores do concurso. Os encarregados da edição lançaram mão do que lhes foi possível coletar em jornais e revistas, e publicaram, à revelia do autor, um livro de poemas intitulado “Poesias – 1ª Série”. O subtítulo deixava a entender que outras séries viriam, mas até o ano 2010, nada havia sido publicado, além de poemas esparsos, em jornais e revistas. Atendendo à solicitação da Academia Espírito-santense de Letras, dispus-me a fazer uma análise crítica dos manuscritos de tal poeta, no afã de resgatar sua produção literária. A pesquisa foi publicada em formato de livro, sob os auspícios da Prefeitura de Vitória, com o título “O solitário de Itapemirim”. A quase totalidade da produção poética de Narciso é em forma de soneto. Embora tenha vivido até 1944, permaneceu incólume às mudanças conceituais da arte durante o pré-modernismo e o

A saudade comum, essa consiste Em nos rememorar cada momento Um quer que seja, cujo afastamento, Pungindo-nos o peito, o torna triste. Outra saudade todavia existe Que nos agita: vem do firmamento Nos clarões do luar, e o pensamento, Por mais firme e tenaz, lhe não resiste.

Narciso Araújo, um poeta parnasiano na forma, mas simbolista no conteúdo

É a saudade de ignotas primaveras, É a saudade de quadros incriados, É a saudade de cousas nunca tidas,

modernismo. Apesar de ter privilegiado a forma fixa parnasiana, pode-se discordar daqueles que o rotulam de poeta parnasiano. Baseando-se na tendência à subjetividade, à exaltação do espírito, à expressão viva dos sentimentos, pode-se afirmar que sua produção poética está voltada para o simbolismo. Sabe-se que os primeiros simbolistas, assim como Narciso, eram parnasianos na forma e simbolistas no conteúdo. Normalmente negavam o racionalismo, o cientificismo e o materialismo da vertente realista, e se enveredavam por num universo etéreo, brumoso, imaginário, e às vezes místico. Deleitavam-se em entrelaçar realidade e fantasia; e alçavam voos oníricos em busca de outros firmamentos. Grande parte da obra de Narciso ba-

É a saudade fecunda das esferas, Onde os astros rolaram, conglobados, Desde as fundas idades escondidas

seia-se no platonismo amoroso. Os sonetos variam de acordo com seu estado de espírito. Em momentos de euforia, faz a apologia da mulher amada; estando nostálgico e esperançoso, faz poemas evasivos, com a recorrente temática dos sonhos; e quando está depressivo, chora sua desesperança em métrica e rima.

Saudade

Uma temática recorrente em sua obra é a saudade dos bons momentos ao lado da amada. Entretanto, em “Saudade estéril”, soneto com o qual se tornou conhecido nacionalmente, não se trata de simples saudade amorosa. Trata-se da saudade insólita de algo inaudito e paradoxal: “de ignotas primaveras, de quadros incriados, de cou-

sas nunca tidas”. Grande parte dos manuscritos inéditos, ressecados e carcomidos por cupins, encontram-se em cadernos antigos e folhas avulsas, carentes de adequada conservação. É imperioso que sejam digitalizados ou digitados o quanto antes, para se possa resgatar a obra completa do autor. Na esperança de que toda sua produção poética seja disponibilizada aos leitores num futuro próximo, fica aqui esta tentativa de resgate inicial do esquecido bardo de Itapemirim.


5

falando de música

Pensar

por Vinícius Baptista

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

“NÃO SEREI CONHECIDO, SEREI UMA LENDA”

À

DIVULGAÇÃO

s 18h45 daquele domingo, 24 de novembro de 1991, uma broncopneumonia causada pela Aids tirou o último sopro de vida de Farrokh Bulsara. Mas se a doença venceu o homem, a lenda já estava construída de uma maneira tão sólida que nem a morte poderia derrubar. Para se tornar mito, Farrokh precisou criar um personagem que revolucionaria para sempre a história do rock. Farrokh precisava dar lugar ao seu alter ego. Precisava dar lugar a Freddie Mercury. Nascido em 1946, na ilha africana de Zanzibar, o menino, de origem persa, cresceu em uma lugar místico. A antiga colônia britânica está na confluência da África, Ásia e Oriente Médio. Terra das “Mil e Uma Noites”. Foi nessa mistura de cores, mitologia e sons, que o garoto passou os primeiros anos. A missão de jogar luz sobre a infância renegada do astro é do escritor francês Selim Rauer, autor de uma das biografias de Freddie. Rauer conta que Farrokh era filho de um funcionário do governo britânico. Preocupado com a instabilidade política na ilha, Bomi Bulsara mandou a criança, aos sete anos, para um internato na Índia. Sozinho, sofreu nas mãos dos outros garotos, que adoravam bater no menino magrelo e dentuço. Farrokh encontrou refúgio nas aulas de piano, nos discos de ópera e também no teatro. A música, usada como fuga, passou a pulsar dentro dele.

A Night at the Opera (1975) Apontado por muitos críticos como o melhor álbum do Queen. Cada integrante da banda emplacou um sucesso, entre eles “'39” (May), além de “Love of My Life” e a mais complexa e perturbadora música composta por Mercury, a opera-rock “Bohemian Rhapsody”. Queen (1973) O primeiro disco do quarteto inglês, onde estão os primeiros hits emplacados pela banda: “Keep Yourself Alive” e “Seven Seas of Rhye”. Das dez faixas do álbum, Mercury compôs seis. The Works (1984) Foi a volta por cima depois do fracasso comercial do disco anterior (Hot Space). Nele a banda voltou às origens, com um rock poderoso e ao mesmo tempo lírico. Nele estão os clássicos “Radio Gaga”, “I Want to Break Free”, “It's a Hard Life” e “Hammer to Fall”. Live at Wembley (1986) Destinado a quem quer conhecer os principais sucessos da banda. É um álbum duplo gravado durante duas noites no mítico estádio inglês. O Queen já era a banda de rock mais importante do mundo em atividade. Mas, infelizmente, o mega show aconteceu no último ano em que a banda saiu em uma turnê mundial. Innuendo (1991) A melancolia e a união marcam o último disco gravado pela banda, lançado dez meses antes da morte de Freddie. Seria o último trabalho que fariam juntos. Todas as 12 faixas foram assinadas por um único autor: “Queen”. No álbum estão as músicas de despedida: “These Are the Days of Our Lives” e “The Show Must Go On”.

Presença

Aos 15 anos, voltou para Zanzibar. Dois anos depois, a família se mudou para Londres, onde pela primeira vez, o adolescente persa se sentiu em casa. Lá, Farrokh adotou o apelido Freddie Bulsura. Anos 60, auge dos Beatles, Rolling Stones e Jimi Hendrix, que em especial encantou Freddie com seus lenços e presença de palco. A faculdade de design era só uma satisfação para dar ao mundo. Mas foi na universidade que conheceu os estudantes Brian May e Roger Taylor, da banda Smile. A afinidade foi imediata. Enquanto May e Taylor seguiam com o Smile, Freddie se tornou vocalista do Ibex, que também se chamou Wreckage. Quando percebeu que com aquela turma não alcançaria seu objetivo, saiu com uma frase bem ao seu estilo: “Não serei conhecido; serei uma lenda”. Quando a banda de May e Taylor perdeu o vocalista, Freddie apresentou sua ideia: para vencer é preciso

álbuns fundamentais

No próximo dia 24 completam-se 20 anos da morte de Freddie Mercury

ser diferente. “Conseguir fazer a simbiose entre o som e a imagem”, dizia. Com esse espírito inovador, em 1970 nascia o Queen. O talento de May na guitarra, a precisão e a elegância de Taylor na bateria, e a marcação firme do baixo de John Deacon ganharam liga com a genialidade de Freddie. O espírito perturbado, forjado pela mistura dos mundos persa, africano, indiano e inglês, movia o vocalista no palco. A voz poderosa alcançava notas agudas, como um tenor, e graves, como um barítono. Para Freddie, que começou a usar o nome Mercury, o palco era lugar de espetáculo. Como no teatro. Foi o Queen que trouxe ao mundo o conceito de mega shows em estádios. As luzes, as

roupas e as coreografias eram tão importantes quanto as notas que ecoavam dos instrumentos. O Queen foi aonde ninguém jamais havia chegado. Foi a primeira banda a explorar territórios assustadores, como países dominados por ditaduras sangrentas na América do Sul, incluindo o Brasil. Pioneiros, levaram o rock à África do Sul, no auge do Apartheid, e venceram a intransponível Cortina de Ferro do Leste Europeu. As músicas clássicas que serviam de alento na solidão da Índia, Freddie trouxe para o rock. No álbum “A Night at the Opera”, ele cuidou das orquestrações como um maestro, sabendo que sua orquestra de quatro músicos era capaz de executar o que nenhuma banda con-

seguia. Ousou ao máximo ao compor “Bohemian Rhapsody”. A primeira música pop em três atos. Se essa era uma ópera, Freedie era a Prima Donna. Castigado pela Aids, ainda encontrou forças para gravar com a soprano Montserrat Caballé, sua cantora favorita. Mas não teve tempo de ver a música-tema nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992. No palco, ninguém jamais superou Mercury. Diante de 100 mil pessoas, parecia olhar nos olhos de cada um. Nos bastidores do Live Aid, em 1985, enquanto o Queen se apresentava, seu grande amigo Elton John cochichou com Paul McCartney: “Veja! O bandido está nos roubando o show!” Mas o autor de “Love of my Life” sofria da mais profunda solidão. Dizia que teve mais amantes do que Elizabeth Taylor, mas nunca um amor de verdade. Morreu jovem, aos 45 anos. Era feliz? Ninguém pode confirmar. Mas o legado deixado por Mercury foi tão fascinante quanto os contos das “Mil e Uma Noites” que o menino Farrokh lia em Zanzibar.


6 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

7

literatura

Pensar

por Suely Bispo

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

Solano Trindade soube como ninguém retratar de forma simples e lírica as mazelas de um povo explorado, como Zumbi dos Palmares, homenageado amanhã, Dia Nacional da Consciência Negra

ALÉM DA LIBERDADE ESTÉTICA

DIVULGAÇÃO

Lembremos que Trindade cita Zumbi também no poema “Sou negro”: “Meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi...”. Se em Luiz Gama – precursor da poesia negra brasileira – temos um poema intitulado com a pergunta Quem sou eu?, em seu herdeiro direto, Solano Trindade, encontramos a resposta afirmativa da negritude num sonoro “Sou negro”. O que não quer dizer que Gama também não o tenha feito. Em “Bodarrada” outro título para “Quem sou eu?”, o poeta assume o epíteto que lhe foi lançado como desairoso de “negro ou bode” e o reverte para aqueles que o lançaram. – Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta, Pois que a espécie é muito vasta...”

ESCRITORA ANALISA OBRA DO POETA QUE ROMPEU COM OS MOLDES TRADICIONAIS E TRANSFORMOU O NEGRO EM HERÓI

S

olano Trindade (1908-1974) nasceu no Recife e passou para a história com o epíteto de poeta do povo. Para analisar a sua obra, uma frase dita por ele é fundamental: “Pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte”. Ao assumir esta posição, carrega as consequências que sua atitude pode acarretar: o preconceito, a discriminação e a marginalização na literatura brasileira, ocupando posição periférica nesse panorama da estratificação social que se reproduz também dentro da instituição Literatura. Sua produção coincide com o Modernismo no Brasil. Entretanto, nunca foi inserido nesse movimento. Trindade integra um movimento à parte, de escritores marginalizados por setores oficiais, o movimento denominado Literatura negra ou afro-brasileira. Ainda assim, encontramos na sua poesia características modernistas: versos livres, em linguagem coloquial, aparentemente simples. Segundo Oluemi dos Santos, o Modernismo propicia a eclosão da poética negra, exatamente porque nesse momento passa a vigorar “melhores condições para aflorar uma poesia negra no

Brasil”, a partir de reformulações de valores estéticos que preconizavam uma maior valorização das raízes nacionais. Entretanto, quanto ao mérito, no que tange à inclusão do negro na literatura, Benedita Damasceno, autora do livro “Poesia negra no modernismo brasileiro”, observa: “Antes de se atribuir ao Modernismo a maior parcela na reabilitação da cultura negra, é importante lembrar que o movimento teve correntes diversas e até mesmo opostas. Algumas dessas correntes, como o Antropofagismo, nem sequer cogitaram da existência do negro”.

Liberdade

A autora chama atenção para a importância da tendência mineira Leite Criôlo que “quebrou o silêncio em torno do negro dentro do Modernismo”. Contudo, é inegável que reformulações dos padrões estéticos nessa época, trouxeram maior liberdade quanto à forma: métrica, ritmos e expressão de seus pensamentos, sentimentos, experiências e também quanto ao tema, incluindo-se aí a temática negra. Solano Trindade, além da liberdade estética, contava ainda romper através da sua escrita, as amarras impostas com a

Cantares ao meu povo, a identidade negra e seu resgate”, como pontua Oluemi dos Santos. No ensaio Zumbi dos Palmares na poesia negra brasileira, Zilá Bernd traça histórico da presença heroica de Zumbi na literatura do país. Desde Castro Alves, passando por Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Edimilson de Almeida Pereira e Domício Proença Filho. Entre esses nomes, ela reconhece Trindade como o primeiro a dar “a dimensão épica que o episódio requeria”.

Trindade assume sua identidade negra, como nunca antes tinha sido feito por alguém na poesia brasileira” Limite

escravização para encontrar o sentido da verdadeira liberdade. Sendo assim, Trindade buscou na figura de Zumbi dos Palmares a inspiração para muitos versos, em poemas antológicos como “Sou negro”, “Zumbi”, e “Canto dos Palmares”. No conjunto da sua obra, “Canto dos Palmares”, com 195 versos, se destaca. “Longo e de tom épico, o poema define uma das temáticas mais correntes em

tinuarem lutando através dos séculos. – Ainda sou poeta meu poema levanta os meus irmãos. Minhas amadas se preparam para a luta, os tambores não são mais pacíficos, até as palmeiras têm amor à liberdade...

Tradicionalmente definida como o gênero literário que narra as grandes ações históricas e feitos heroicos, encontramos em Massaud Moisés uma acepção interessante: “É a poesia em que o poeta se reflete para fora de si, alargando o eu até o limite do nós: na subjetividade do poeta se reflete um povo, uma raça e mesmo toda a humanidade”. Ele também aponta para uma mudança quanto à figura do herói no seio do épico com o advento do Romantismo, que começa a transformar estruturas tradicionais. Dessa forma, observa-se a abertura de es-

>

Identidade

Em “Sou negro”, Trindade assume sua identidade negra, como nunca antes tinha sido feito por alguém na poesia brasileira, de forma tão plena, desde o título até o fim do poema. Não por acaso, Solano Trindade tornou-se nome obrigatório nas antologias poéticas afro-brasileiras, pelo seu poder simbólico de representação de um discurso negro na literatura. Se no século XX, ele deu continuidade à linha de poesia negra, inaugurada por Caldas Barbosa no século XVIII, e Luis Gama no século XIX, nos anos 70, iniciativas como as dos Cadernos Negros e do Quilombhoje – coletivos de poetas negros – darão prosseguimento a essa postura, tendo já como referências esses nomes. Por fim, nesta temática do QuiSolano: nome obrigatório na poesia afro-brasileira por seu poder simbólico de representação de um discurso negro na literatura lombo dos Palmares na poesia brasileira, podemos mencionar ainda: paço para o surgimento do não-he- oprimido, se organiza para a conquista pelo escritor negro, mas como refe- “Poema sobre Palmares de Oliveira rói ou do anti-herói, como vemos do seu direito à liberdade, por uma rencial que evidencia a alteridade, a Silveira”, publicado em 1987, “Dioem “Canto dos Palmares”, onde ocorre sociedade mais justa, menos desigual. diferença do discurso literário negro. A nísio esfacelado – Quilombo dos Paluma inversão de valores, pois não mais Assim, ele opera um deslocamento onde literatura produzida por Solano Trin- mares” (1984), de Domício Proença seria um épico de reis e rainhas, nos os citados autores deixam de ser pa- dade se insere na perspectiva de um Filho, e “Escalando a Serra da Barmoldes tradicionais, que celebra feitos râmetros para sua escrita. Pelo contrário, descentramento do olhar etnográfico. riga”, de Abdias do Nascimento. vitoriosos dos heróis das epopeias gre- ao romper com os moldes tradicionais, no Assim, no épico quilombola, Zumbi, Estes escritores, em diferentes époga, romana ou portuguesa, como se lugar de reis e rainhas, Trindade coloca a mesmo vencido, é transformado em cas, são irmanados pelo mesmo espírito observa logo no início do poema: figura de Zumbi dos Palmares, um ex-es- herói. Cantar o episódio marcante da rebelde em busca da afirmação de uma – Eu canto aos Palmares cravo transformado no poema em herói. história dos afro-brasileiros é para o identidade negra e da valorização de sem inveja de Virgílio, de Homero e poeta tão importante quanto o foi para a uma estética afro-brasileira. O movide Camões tradição ocidental celebrar feitos reais e mento dos povos relegados às posições porque o meu canto é o grito de uma míticos através da épica clássica e re- subalternas, ao reivindicar e afirmar raça Virgílio, Homero e Camões não são contá-los noutra perspectiva, num dis- suas identidades, pensamentos e direito em plena luta pela liberdade! evocados como modelos que devem ter curso contemporâneo. Assim, Zumbi so- à fala, foi fundamental no processo O escritor, ao dar voz a um povo seus ideais colonizadores assimilados brevive e conclama seus irmãos a con- de revisão histórica.

>

Olhar


8 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

arte por Ivana Esteves

A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO NA ADAPTAÇÃO DE OBRAS O intercâmbio de conhecimentos e de vivências artísticas é fundamental para superar as dificuldades na transposição de obras, seja para cinema, música, seja para outras formas de arte

O

dom da poesia, segundo o sociólogo Jean-Marie Guyau, é o de falar por imagens. E sendo assim, como simples poema, “Faroeste Caboclo”, sob a perspectiva literária, nos advém como imagens conceituais. Nem vistas, nem ouvidas, mas imaginadas, primeiramente como expressão verbalizada, como história oral, na voz do compositor e cantor Renato Russo, do Legião Urbana. Como música, traz a voz ativa dos excluídos, da alteridade, tanto no texto verbalizado, como no ritmo, que rememora a produção dos repentistas do nordeste, terra natal do personagem central da história, João de Santo Cristo. E a música emoldura a nossa imaginação como se adentrando o ouvido, configurasse um cenário para nossa representação imaginária. Uma obra como “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo, produzida na década de 80, muito próxima da literatura de cordel, dos poemas populares, que procuravam traduzir o sentimento da alma coletiva, cuja letra se sobrepõe à música, e nos leva a mergulhar no enredo da odisséia de João de Santo Cristo, foi transposta em roteiro cinematográfico pelo escritor Paulo Lins.

Conquista

Já era de se esperar, e até demorou, que a história do rapaz sofrido do Nordeste, que deixa sua terra natal e vai para Brasília, em busca de solução individual e coletiva para os problemas da sua gente “que só faz sofrer...”, resultasse em filme. Agora “Faroeste Caboclo”, enfim, fez-se filme. Uma só obra e uma sinergia de linguagens para sua expressão, abarcando literatura, dramatização, música e cinema. Temos então uma obra não só imaginada, não apenas ouvida, mas agora podendo ser visualizada. E regida pela imagem, consolidada polissêmica. O percurso de uma transposição de linguagens não é algo tão simples. As adaptações intermeios tem sutilezas que podem impactar uma obra consagrada. Isso explica a demora para a adaptação para o cinema de “Faroeste Caboclo”. O diretor do filme, René Sampaio, ao revelar os desafios da produção do projeto, em depoimento numa universidade, escalou a questão da transposição

DIVULGAÇÃO

A odisseia de João de Santo Cristo, adaptada em roteiro cinematográfico – Faroeste Caboclo – pelo escritor Paulo Lins

como um dos entraves. Segundo o diretor, o texto levou quatro anos para tornar-se roteiro, tendo passado, segundo ele, pelas mãos de quatro roteiristas. Na maior parte das vezes as linguagens artísticas estabelecem entre si relações de proximidade e de embate. Contudo, o contexto artístico, território permeável ao rompimento de fronteiras de linguagem, prenuncia, concebe e alimenta o diálogo interartes, na perspectiva de uma “poética das correspondências”. A sociedade contemporânea, marcada pela volatilidade e pelas constantes inovações tecnológicas, prenuncia as transposições a cada intercâmbio e enredamento, que se faz e se desfaz. Como uma premência da contemporaneidade, a transposição de linguagens demanda apenas que o autor, o dramaturgo, o músico e o cineasta, dialoguem e intercambiem conhecimentos e vivências artísticas, testando a obra em suportes diversos. A correspondência entre as artes e a transposição de lin-

guagens, conforme afirma a doutora em literatura, Solange Ribeiro de Oliveira, “é fruto da abolição de fronteiras entre artes e mídias”. E o audiovisual, como narrativa híbrida, tem incitado o diálogo interartes, que historicamente já se dava em experiências mais comedidas. Como um exercício de reflexão e indagação, a sexta edição da Mostra Sinergia de Audiovisual da Universidade Vila Velha (UVV), que acontece nos próximos dias 21, 22 e 23 de novembro, no Cineteatro da UVV, tem como temática a Transposição de Linguagens: cinema, música, teatro, dança e literatura. De Fernando Arrabal, com a transposição teatro-cinema; passando por David Tygel, compositor e autor de trilhas para cinema, debatendo a transposição com a música; e arrematando com a dualidade teatro-cinema, conduzida pelo doutor em Artes Cênicas , o dramaturgo Beto Costa, percebe-se que o diálogo é o ponto norteador das transposições de linguagens, na premissa de sua melhor assimilação pelo receptor.


poesias FUGAZ KARINA FLEURY o que há por trás do eu é o instante-nunca que em você jaz.

TEMPO Trago você na linha que o tempo indiferente des a linha.

IDADE a liberdade tem a idade da pedra que amarrei no ponteiro das horas de desilusão que passei ao teu lado despida de emoção.

ETERNIZANDO JACIRA FREIRE DE MATTOS

crônicas QUE LÍNGUA FALO EU? por Caê Guimarães O que segue teve inspiração em um termo utilizado por mim no facebook em junho último para comparar Paulo Francis e Diogo Mainardi, se é possível comparar um gigante intelectual a um homem dominado pela vaidade, o que o faz crer com muita fé ser maior do que realmente é. Tudo começou com a postagem do colega André Hess, que em meio à agenda atribulada de editor deste jornal consegue tempo para pescar e dividir pérolas, como o artigo que Francis escreveu em 1980 sobre morte de John Lennon. Imperdível. No caso, o texto voltou à tona pelas mãos de André Andrès, apreciador de vinhos e boa música. Ponto para os Andrés. Dezenas de comentários enalteceram a verve poderosa do saudoso Francis. E alguns achincalharam seu auto-empossado herdeiro. Em um deles chamei Mainardi de babaca. Ao fazê-lo, lembrei a origem da palavra. Durante dois anos vivi

em Aracruz, próximo às aldeias indígenas. O convívio com os índios, dentre eles o então cacique Werá Djecupé, foi muito enriquecedor na minha vida. Werá, ou Marcelo, seu nome latino, é guardião da cultura dos antepassados e um amigo caro. Ele desenvolveu recentemente um belíssimo trabalho com o cineasta Ricardo Sá, outro amigo, chamado Reikwaapa (www.reikwaapa.blogspot.com), onde mostram o sistema de vida do povo que tanto tem a nos ensinar sobre civilidade. No período em que lá vivi tentei aprender o máximo que pude as línguas e culturas tupi e guarani. Tive menos contato com o tupi, idioma perdido que vem sendo resgatando. Os guaranis nunca perderam a língua e têm no português a segunda opção. Sonoridades instigantes e plasticidade ímpar são suas marcas fortes. Aprendi pouco, mas a admiração ficou.

9

Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

O som do guarani chega aos ouvidos em elipses, como o uivo do vento correndo por entre troncos e galhos da mata, misturado ao ruído incessante do rio ao fundo. Além dos fatores encantatórios, herdamos dos tupis-guaranis inúmeras palavras que tornam o português falado no Brasil um dialeto. Inclusive o adjetivo dado ao Mainardi. Babaca vem de babaquara e quer dizer tolo, aquele que não sabe nada. Para finalizar a crônica fui ao Google pesquisar a expressão tupiniquim e me deparei com o seguinte texto no Wikipédia: “No uso comum, ‘tupiniquim’ também tem sido usado (embora erroneamente) como metonímia de Brasil ou brasileiro em geral: ‘plagas tupiniquins’, ‘cantor tupiniquim’ e até mesmo ‘filosofia tupiniquim’ em vez de ‘plaga brasileira’, ‘cantor brasileiro’ e ‘filosofia brasileira’; nesses casos, ‘tupiniquim’ é utilizado pelos brasileiros de forma pejorativa em relação a eles próprios e sua mentalidade, significando ‘pobre, de araque, de terceira categoria’, como já denominou Diogo Mainardi”. De novo, Mainardi? Larga de ser akitãi, e tenha mais akangatu com o que não conhece, seu babaquara.

TRILHA SONORA Por João de Moraes Machado

Eu quero parar o tempo, eternizar a vida, não acreditar em partida. Mas...que contatempo! A correria do tempo... Esquecer o mal, tornar esta alegria imortal e não sentir saudade. Ah! eu quero seguir no minuto que passa, mas retornar com o vento que retorna, trazendo a primavera. Ah! eu apenas quisera guardar comigo todos os sorrisos, todas as quimeras, eternizar o tempo. reunir todas as estações numa eterna PRIMAVERA!

PASSAGEM Quando chegares não digas nada. Bate a porta devagar. Entra de mansinho e respira a poeira do tempo que ficou pelo caminho. Descansa teus pés machucados de espinhos. Depois, segue depressa. A vida não espera por tua chegada. E amanhã, quem sabe? A noite seja passageira e a madrugada ligeira apressará a aurora e tu te perderás da Estrela-Guia.

Antes de falar a raça humana já fazia música; ao som de palmas ritmadas e grunhidos carinhosos os nenês das cavernas bem que ensaiavam seus passinhos trôpegos que fazem de todos os bebês dançarinos irresistíveis. Melhor ainda quando ostentam no sorriso uma banguela boca de neném. Todos nascem de certa forma programados para saber e sentir o que é música, reagir a ela balançando partes do corpo, transfigurando semblantes de prazer e contentamento. Cada um tem no íntimo uma coreografia ancestral que se manifesta sem qualquer uso da razão. Deve vibrar dentro de cada um de nós uma música que se manifesta nas veias e neurônios quando, por exemplo, choramos ou amamos. É quando somos profundamente nós mesmos, manifestados em certos tipos singulares de alegrias e tristezas. São momentos muito especiais quando, para além dessa música in-

tuitiva que vibramos no íntimo, conhecemos a obra de certos artistas. Como quando ouvi Hendrix pela primeira vez; o Clube da Esquina, Cartola, Zeppelin, Debussy, Zappa, Chet, Elomar, Melodia, Sampaio. Esses momentos sempre revivem a cada vez que ouvimos novamente aquelas canções tatuadas em nossa alma com a tinta dos infinitos e de esperanças. Hoje mesmo acordei numa certa tarde de sol lá em Monte Alegre, na casa de Maria Laurindo, ouvindo ela cantar o Caxambu. “Passei na ponte, a ponte estremeceu. Passei na ponte, a ponte estremeceu. Não sou mais do que ninguém, ninguém é mais do que eu”. Chorei mais uma vez na sala de Fernando Gomes ouvindo Autonomia de Cartola e depois flutuei com Real Beleza do Sergio Sampaio. “Você é assim como a música que Deus fez para se cantar/ Uma canção para o povo da rua e mais erudita não há”. E agora acabou de ventar ali fora no

quintal um certo solo de guitarra do Sergio Dias Batista em Lady Lady. Não me sai da cabeça a Sonia Motta dançando ao som de um Debussy roteirizado pelo Marco Antônio Carvalho, biógrafo de Rubem Braga, amigo cuja voz era incapaz de desafinar. Amigo que em certo carnaval acabou nos inspirando a marchinha carnavalesca “Baudelaire Cisplatino”. Lembro quando ele me procurou na época em que eu tinha um jornal (sim, meu caro leitor, já fiz coisas nessa vida difíceis de confessar) no interior e, após uma tarde inteira pensando e conversando sobre o que ele escreveria, Marco vira pra mim e sentencia. É meu trabalho, mas escrever é uma dor, eu gosto mesmo é de música. De pronto eu respondi, sem nenhuma outra alternativa: você também? Aí mostrei Filme Classe B, uma antiga canção que escrevi há quase trinta anos. Quando eu ia repetir a segunda parte ele cantou comigo e nós choramos e rimos muito. Morria ali um plano editorial.


10 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

11

Ensaio

Pensar

por Fabiene Passamani

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

DIVULGAÇÃO

AÇORIANIDADE CAPIXABA A tradição dos primeiros imigrantes que chegaram ao Estado, vindos de Açores, Portugal, ainda está presente em festas como a do Divino Espírito Santo, em Viana

A reunião de um grupo folclórico completo – com músicos e dançarinos –, na cidade de Angra do Heroísmo, localizada na Ilha Terceira, em Açores

A autora do ensaio, Fabiene Passamani, faz o registro da apresentação de um dos muitos grupos folclóricos da Ilha Terceira, em Açores, Portugal

A

rica tradição oral e o arcaísmo sempre foram características fundamentais da cultura açoriana, consequências diretas de um modelo social extremamente conservador, gerado pelo isolamento geográfico e histórico desse arquipélago português. A insularidade, o contato com o mar, a umidade do ar, os vendavais seguidos de tempestades, a religiosidade gerada no medo “sagrado” de abalos sísmicos e vulcões são fatores de forte influência na música e também em qualquer outra manifestação cultural de tradição açoriana. As origens do folclore açoriano remontam aos usos e costumes dos primeiros povoadores do arquipélago (portugueses e estrangeiros vindos de Flandres), permanecendo imutável durante séculos, sendo transformado vagarosamente através da assimilação, adaptação e apropriação de novos elementos, tendo a tradição como elo de estabilidade e preservação. A música tradicional açoriana é in-

dissociável da música tradicional portuguesa, porém dotada de especificidades, estando sempre entre os principais motivos de reunião de pessoas, seja nas festividades, no acompanhamento do trabalho ou nas comemorações religiosas. Uma análise musical a respeito das cantigas folclóricas açorianas nos revela a simplicidade de suas linhas melódicas e estruturas rítmicas, predominando o andamento lento das canções poéticas e melancólicas, acompanhadas pelos movimentos de marcações simples das danças.

Instrumentos

Os Balhos (festividades folclóricas) eram acompanhados pelo som das violas e outros instrumentos de construção rústica: castanholas, pratos e pandeiros. A viola da terra e a viola da terceira são os principais instrumentos do folclore açoriano, com características físicas e sonoras bastante peculiares.

Os dois corações, nela pintados, apresentam-se como o ponto mais forte do simbolismo referente à viola da terra. De acordo com a explicação popular açoriana os dois corações representam o coração que parte (que emigra para o estrangeiro) e o coração que fica, ligados por um “cordão umbilical” que se une num símbolo, que por sua vez pode representar a saudade ou o “Ás de Ouro”, fazendo referência à busca da fortuna pelos emigrantes. Na passagem do século XIX para o XX, as influências do iluminismo e cosmopolitismo (advindos das trocas comerciais e mecenato da nova burguesia) impulsionaram o desenvolvimento e o reconhecimento da música na sociedade açoriana. Os saraus privados da aristocracia e as salas públicas de espetáculo tornaram-se então locais de grande utilização e visibilidade para apresentação de artistas locais, nacionais e internacionais (que passaram a incluir os Açores em suas turnês europeias). Até os anos 70, os balhos regionais

eram frequentados por pessoas de todas as idades, refletindo a possibilidade de confraternização entre as mais diversas gerações. Com a “invasão” das músicas modernas, altamente sonorizadas, houve uma mudança significativa no comportamento social dos açorianos: o grupo etário de meia idade não se sentia mais à vontade para convivência nos mesmos ambientes freqüentados pelos jovens, onde não eram mais praticadas as danças e os cantares tradicionais. Esta nova mentalidade gerou novos hábitos, silenciando este importante segmento da cultura açoriana. Já na década de 80, uma corrente contrária a esta situação impulsionou o surgimento de grupos folclóricos regionais, que se ocuparam de um intenso trabalho de pesquisa em prol da valorização e divulgação das tradições de seus antepassados, contando com o apoio do Governo Regional dos Açores. Outra vertente da música tradicional açoriana está relacionada às cantigas de desafio: canções individuais ou co-

letivas, constituídas por quadras improvisadas numa espécie de duelo entre cantadores, comuns em momentos de lazer ou de trabalho comunitário O escritor açoriano Vitorino Nemésio (1901-1978), por ocasião do V Centenário do Descobrimento dos Açores (1932), instituiu o termo “Açorianidade” para conceituar a força e a autenticidade do povo açoriano, bem como a passionalidade derivada de sua cultura. Expressou no conjunto de sua obra literária o sentimento de cinco séculos de vivência humana num ambiente marcado pela presença do mar, da solidão, de vulcões e tempestades, evidenciando a afirmação identitária do homem açoriano, a qual ele nomeou “Açorianidade”:

Razões

“(...) Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar. (...) Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas (...) Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria

A história das relações entre os Açores e o Brasil é permeada por sentimentos nacionalistas, estratégicos e afetivos” entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes(..)”. Na obra “Os Emigrantes” de Domingos Rebelo, classificada como regionalista por retratar e valorizar as tradições populares, também encontramos fortes indícios de “Açorianidade” através da representação de um fenômeno social da época. Trata-se de uma cena muito comum para os açorianos que viveram entre os séculos XIX e século XX: famílias que se despediam de seus

entes queridos no cais da Alfândega, confiando num futuro melhor a ser alcançado por meio da emigração. O artista registrou elementos culturais das raízes açorianas como o traje popular, a viola da terra e a arquitetura local. Os personagens estão inseridos numa atmosfera de introspecção e aparente calmaria, refletindo o sentimento de incerteza gerado pela emigração. A história das relações entre os Açores e o Brasil é permeada por sentimentos nacionalistas, estratégicos e afetivos, sedimentados ao longo de séculos por uma renovação humana e cultural advinda dos processos de colonização e de imigração.

Registro

Registros da vinda dos primeiros açorianos para o território brasileiro datam do início do século XVII e de acordo com informações do Arquivo Público Estadual: “o fluxo imigratório para o Espírito Santo iniciou-se em 1812 com a criação oficial da Colônia de Santo Agostinho (atual município de Viana) para onde foram enviados 250 açorianos entre os anos de 1812 a 1814”. Desta forma, o ano de 2012, instituído como o “Ano de Portugal no Brasil”, apresenta-se como de fundamental importância para o cenário cultural capixaba na celebração do “Bicentenário da Imigração Açoriana no

Espírito Santo”, exaltando a contribuição dos imigrantes açorianos na história e na formação deste Estado. Após 79 anos da instituição oficial do termo “Açorianidade” por Vitorino Nemésio, o Espírito Santo inicia o registro de sua “Açorianidade” por meio de um produto cultural que valoriza e divulga as tradições dos primeiros imigrantes que aqui se instalaram: o CD “Açorianidade Capixaba”. Este CD foi desenvolvido através da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) e apresenta um repertório representativo do folclore açoriano com inserção de elementos da musicalidade regional capixaba. As faixas são interpretadas por vocalistas de destaque no cenário estadual (Amaro Lima, Idalina Dornellas e Nano Vianna) e conta com a participação da Tocata da Casa dos Açores de São Paulo na sonoridade fidedigna do folclore açoriano. Está sendo finalizado neste mês de novembro, com previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2012 e será utilizado pelo Grupo Folclórico Açoriano de Viana em suas apresentações. Contempla as principais preocupações contemporâneas de preservação da memória em consonância com as políticas públicas culturais vigentes, com foco na preservação da diversidade étnica e cultural do país e na disseminação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro.


12 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE NOVEMBRO DE 2011

artigo por Antonio de Pádua Gurgel

UMA VIDA TRILHADA NOS CAMINHOS DA JUSTIÇA O jurista, escritor, cronista e militante dos direitos humanos João Baptista Herkenhoff dividiu suas experiências como homem da lei em evento na Biblioteca Pública Estadual

M

erece registro a grande quantidade e a boa qualidade dos eventos que vêm ocorrendo na Biblioteca Pública Estadual, sob a coordenação da diretora Nadia Alcure Campos Costa. No dia 9 de novembro, uma quarta-feira, a Biblioteca teve oportunidade de receber o jurista, escritor, cronista, militante dos direitos humanos e grande figura humana João Baptista Herkenhoff. Como sempre nos últimos 50 anos, acompanhado por sua esposa Terezinha. Foi um autêntico debate-papo, reunindo pessoas amigas que gostam de livros e de gente. A tônica foi a simplicidade do Dr. João, um homem com tantos serviços prestados ao Espírito Santo e ao Brasil, que vem percorrendo todo o território nacional para dividir um pouco da sua sabedoria, do seu amor ao próximo e dos seus conceitos de ética e cidadania.

Infância

Naquele início de noite ele falou sobre sua infância em Cachoeiro de Itapemirim, o amor pelos livros – transmitido pelos pais – e sobre sua única façanha como jogador de basquete: um arremesso de costas que caiu dentro da cesta em “chuá”. Lembrou que, no Cachoeiro de seu tempo, quem fazia sucesso era quem tinha valor. E lamentou que, atualmente, o valor de uma pessoa é medido por seu sucesso, mesmo que esse sucesso seja alcançado por meios inconfessáveis. Explicou como sempre procurou usar a Lei para praticar a Justiça, o que infelizmente não é tão comum como deveria ser. Redigidos pelos poderosos e seus representantes, muitas vezes os artigos e incisos têm como objetivo manter privilégios e impedir a promoção dos direitos humanos. Como juiz, Dr. João sempre esteve atento a isso. Na legislação brasileira existia uma figura denominada “garantia de juízo”, que permitia – em determinadas circunstâncias – ao magistrado conceder habeas-corpus ao réu que tivesse propriedade. Entendia-se que, se alguém

EDSON CHAGAS

João Baptista Herkenhoff vem percorrendo o país para dividir um pouco dos seus conceitos de ética e cidadania

tinha propriedade, não iria fugir e abandonar sua posse. Numa causa, provocado pelo advogado Mário Gurgel, Dr. João concedeu o habeas-corpus a um trabalhador porque este – embora não tivesse título de propriedade – possuía uma “garantia de juízo”: sua carteira de trabalho assinada. Ele aceitou o argumento do advogado de que, se a propriedade podia dignificar alguém, o trabalho também deveria outorgar essa distinção. Outro aspecto de seu caráter é a coragem. Em plena década de 1970, nos momentos mais difíceis da ditadura militar, esse juiz cachoeirense aceitou ser o primeiro presidente da Comissão Justiça e Paz no Espírito Santo. Naquela época eram proibidas manifestações populares, os mandatos parlamentares podiam ser cassados por um simples ato arbitrário e irrecorrível, a imprensa estava sob censura. Até por ser uma instituição internacional, a Igreja era praticamente a única instância a que podiam recorrer os que se julgavam injustiçados. Pois bem, naquele momento – mesmo sendo juiz e, portanto, uma autoridade do sistema do poder – Dr. João aceitou ser o presidente de uma entidade que protestava contra os atos de

Explicou como sempre procurou usar a lei para praticar a justiça, o que infelizmente não é tão comum como deveria ser”

arbítrio, além de defender presos, crianças e prostitutas, comungando com padres que moravam em favelas. O Tribunal de Justiça, cujo Plenário na época tinha vários desembargadores de honestidade questionável, decidiu colocar Dr. João no banco dos réus. Antes de ir para o ato inquisitorial, sua única preparação foi a leitura de um versículo da Bíblia indicado pelo arcebispo D. João Batista da Mota e Albuquerque: “Quando fordes chamado a tribunal por causa do meu Nome, não vos preocupeis com o que havereis de dizer: o Espírito vos soprará”. Perguntado pelos desembargadores sobre como explicava sua postura rebelde, Dr. João falou apenas: “Ajo movido por imperativo da minha consciência”. O Tribunal não sabia se o punia ou não. O voto de desempate em favor de Dr. João foi do desembargador Homero Mafra, que sentenciou: “Atos de consciência são invioláveis e não podem ser julgados”. Dr. João continua lecionando e proferindo palestras voluntariamente, tendo-se transformado num exemplo de amor, humanismo, ética e promoção da cidadania. Que Deus lhe dê saúde, alegria e longa vida!


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.