Pensar_18_05_2012

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VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

www.agazeta.com.br ARQUIVO AG

Entrelinhas

REEDIÇÃO DE ERICO VERISSIMO TRAZ JOANA D’ARC COMO UMA MENINA GUERREIRA. Página 3

Cinema

AS NEVES DO KILIMANJARO ABORDA O DRAMA DE UM CASAL EM MEIO À CRISE EUROPEIA. Página 4

Música

DISCO AO VIVO DE JANIS JOPLIN REGISTRA O AUGE DA PSICODELIA.

Página 5

Artigo

LUIZ PAIXÃO RELATA COMO O ENCONTRO ENTRE JAZZ E BOSSA NOVA MARCOU O SÉCULO XX. Páginas 10 e 11

A criação do Parque Moscoso, que completa hoje 100 anos, integrou o grande projeto de urbanização do governo Jerônimo Monteiro

O velho Moscoso

HISTORIADOR DESTACA O PAPEL CULTURAL DO PARQUE MAIS ANTIGO DE VITÓRIA

Páginas 6, 7 e 8


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

quem pensa Renata Bomfim é escritora, mestre e doutoranda em Letras pela Ufes. Autora do blog www.letraefel.com

Andréia Lima éjornalistaespecialistaemJornalismoCulturalna Contemporaneidade. deia_limas@yahoo.com.br.

marque na agenda prateleira Biblioteca Pública Estadual Mesa-redonda sobre o bairro São Benedito

No próximo dia 24, às 19h, Pedro J. Nunes e Joel Vieira participam de debate sobre o livro “SECRI – Serviço de engajamento comunitário: bairro São Benedito”, na Biblioteca Pública do Espírito Santo, em Vitória.

Campus Ciências Sociais discute obra de Borges

Leandro Reis é estudante de Jornalismo e está escrevendo um livro sobre rock’n’roll. leandrosr.blogspot.com

Everaldo Simões Souza é professor de História (Ufes) e mestre em Educação (Ufes). essouza@sedu.es.gov.br

Luiz Guilherme Santos Neves é escritor e historiador. luiz.guilherme.neves@terra.com.br

Caê Guimarães é jornalista, poeta e escritor. Publicou quatro livros e escreve no site www.caeguimaraes.com.br

Antonio Rocha Neto éeconomista,cronistaemembrodaAcademiade LetrasHumbertodeCampos. arochanet@gmail.com

Alan Rodrigues Costa é jornalista. alankrc@hotmail.com

“Jorge Luis Borges e a cidade” é o tema da edição de maio do Café das Ciências Sociais da Ufes, que tem como convidado o mestre em História Pedro Domenech. O encontro acontece na próxima quinta-feira, às 19h15, na sala 9 do IC2, campus de Goiabeiras.

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de maio

Pinturas musicais

O pintor Brezinski abre a exposição “Fast Expo – Brezinski Point” na pró xima quinta-feira, das 20h à meia-noite, no Livercho pp, na Av. Getúlio Vargas, s/n (em frente à CEF), em Colat ina. Em destaque, retratos em aquarela de músicos qu e participaram das sessõe s musicais no bar onde acontecerá a mostra.

Paulo Bonates é mestre psiquiatra e professor universitário. pai.vix@uol.com.br

O professor da Escola de Comunicação da UFRJ lança um olhar lúcido sobre as questões culturais da atualidade, tendo como mote a produção cinematográfica dos últimos 20 anos. Os 10 ensaios abordam filmes de Claire Denis, Wong Kar-Wai, Jia Zhang-ke, Wim Wenders e Lucrecia Martel, entre outros diretores. 224 páginas. Rocco. R$ 29,50

A Menina, o Coração e a Casa María Teresa Andruetto

Vencedora do Prêmio Hans Christian Andersen 2012, a escritora argentina narra nesta obra os conflitos de uma menina de cinco anos cujos pais vivem separados. A trama traz a escrita poética e melancólica que marca o estilo da autora. 96 páginas. Global Editora. R$ 21

Mar Morto Jorge Amado

Edição de bolso do livro que melhor sintetizou o mundo pulsante do cais de Salvador, com a rica mitologia em torno de Iemanjá. O contraste entre o tempo do mito e o da história move este que é o romance mais lírico de Jorge Amado, como aponta o posfácio de Ana Maria Machado.

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272 páginas. Companhia das Letras. R$ 24

Na próxima sexta, às 20h30, o multi-instrumentista Wanderson Lopez lança o disco “Violão em Concerto Vol 1” no Theatro Carlos Gomes, no Centro de Vitória. Ingressos: R$ 20 e R$ 10.

A segunda edição da vasta pesquisa do autor abrange mais de oito mil verbetes, contemplando vocábulos que chegaram ao país com a diáspora dos negros bantos.

de maio

Violão em concerto

Luiz Paixão é pesquisador de jazz e Bossa Nova.

No Coração do Mundo Denilson Lopes

Novo Dicionário Banto do Brasil Nei Lopes

312 páginas. Pallas. R$ 47,20

CENTENÁRIO AFETIVO

José Roberto Santos Neves

Mais do que um patrimônio material, o Parque Moscoso deve ser compreendido como um bem cultural imaterial de Vitória, um lugar concreto de memórias coletivas que provoca diversas emoções, sensações e percepções em seus frequentadores. Esse é o ponto de vista defendido pelo historiador Everaldo Simões Souza no ensaio que ocupa as páginas centrais desta edição. Trata-se de um misto de reflexão e homenagem ao centenário da área de lazer mais tradicional da Capital, criada no governo Jerônimo Monteiro dentro de um grande projeto de urbanização inspirado

Pensar na web

na Belle Époque francesa. O significado afetivo do Parque Moscoso para os moradores de Vitória está representado na crônica de Luiz Guilherme Santos Neves, sobre um menino que pedala sua bicicleta na região, há mais de 70 anos, quando esta “já se afirmava como a única e nobre área verde de Vitória, espaço aberto ao povo, sem muralhas, sem portões e sem gradis, para que todos pudessem nele entrar e dele sair com a naturalidade de quem vivia tempos de um viver provinciano”. Sintam-se, pois, convidados a viajar por essas paisagens. Boa leitura, bom sábado, bom Pensar.

é editor do Caderno Pensar, espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados.

jrneves@redegazeta.com.br

Galeria de fotos do Parque Moscoso, vídeos de Janis Joplin, gravações de jazz e Bossa Nova, trailer do filme “As Neves do Kilimanjaro” e trechos de livros comentados nesta edição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493


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entrelinhas

Pensar

por RENATA BOMFIM

JOANA D’ARC PARA TODAS AS IDADES

A VIDA DE JOANA D’ARC Erico Verissimo. Companhia das Letras. 288 páginas. Quanto: R$ 35

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TRECHO

oana d’Arc é uma personagem histórica. Ela nasceu em Domrémy, na França. A sua vida púbica foi relativamente curta, inscreveu-se entre os anos de 1429 e 1431. O Caderno Pensar do dia 12 de novembro de 2012 publicou um ensaio intitulado “As múltiplas faces de Joana d’Arc”, no qual apresentei esta personagem retratada pelos olhares do dramaturgo Bertolt Brecht e do escritor capixaba Luiz Guilherme Santos Neves, no romance “As chamas na missa”. Agora, tenho a alegria de apresentar Joana d’Arc pelos olhos de Erico Verissimo. “A vida de Joana d’Arc”, escrita por Verissimo (1905- 1975) em 1935, foi o primeiro livro de uma série dedicada ao público infanto-juvenil. Em 2011 a Cia das Letras reeditou-o com ilustrações de Rafael Anton. O carinho de Verissimo por Joana d’Arc é explícito, tanto que ao final da obra ele endereça a ela uma carta: “Fora do tempo e do mundo, a “doce Joana” pertencerá “a quem quer que tenha um pouco de fé ou imaginação”. Esta é uma obra para todas as idades. Nela Verissimo descreve acontecimentos marcantes da vida de Joana d’Arc, expõe os jogos políticos da época e as lutas que fizeram com que a “camponesinha de Domrémy, que levava as ovelhas para o campo, e viajava na garupa do burrinho”, se tornasse uma guerreira. Esse percurso narrativo é feito de forma lúdica; cada capítulo da história é colorido pelo escritor com detalhes e acontecimentos inusitados e comoventes.

“Joana vai pensando que a sua querida aldeia de Domrémy, cujo chão ela agora pisa com tanto amor, podia ser um paraíso se não fossem as guerras. A vida vai correndo muito bem, mas de repente se ouve um barulho, uma gritaria, um tinido de ferros e fica alarmada... Os bichos começam a gritar nos quintais, os burros zurram, as vacas mugem, os galos fazem um cocoricó assustado...”

Animais

Joaninha é uma menina que “caminha resoluta” pela floresta, possui “passos largos” e “os seus pés descalços parecem duas pombas brancas”. Os enunciados, aparentemente simples, revelam múltiplas camadas de leitura: o bosque, as pedras, a coragem com que Joana enfrenta os lobos para defender os animais, e outras imagens, ganham uma dimensão outra quando vistas com um olhar crítico. Joana é destemida e possui o coração cheio de amor. Enquanto os “meninos maluquinhos” brincam de guerrear, ela contempla a natureza, observa os “cabelos verdes” dos salgueiros beijarem o rio Mosa e se emociona com os peixes, dos quais ela tem “muita pena”. Joana acredita que os peixes não deveriam ser retirados de dentro dágua: “Deus não deve gostar de ver os peixes irem para a panela da mamãe Isabel”. Joaninha sente extrema compaixão pelos animais.

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

A menina guerreira observa os peixes em ilustração do livro de Erico Verissimo

A aldeia seria um paraíso “se não fosse a guerra”. As variadas invasões perpetradas à aldeia de Joana por saqueadores fazem com que uma antiga profecia seja relembrada: está escrito que uma virgem libertará a França. Tio Henrique reúne as crianças para contar histórias e Pedrinho quer ouvir relatos de guerra, Jacquemin quer ouvir sobre as fadas, mas Joana quer conhecer a história dos santos. A história de santa Margarida, que morreu decapitada sem

perder a fé, gera nela o desejo de “morrer por Jesus”. As histórias de encantamento e magia estão muito presentes no imaginário dos camponeses, embora sejam desestimuladas pela igreja: o jovem Merlin e suas profecias, a fada Viviana, o rei Arthur, a árvore das fadas, dão forma a um universo de beleza que se contrapõe aos horrores da guerra. Joana foi visitada por uma forte luz, os “seus santos”, presenças

amigas que lhe acompanhariam até o seu último suspiro. A donzela do Mosa dedicou-se a ajudar o “gentil delfin”, Carlos de Valois; ela levou esperança, luz e força a um exército desmotivado que, sob a sua direção, obteve várias conquistas. A jovem guerreira passou a conquistar admiradores e também muitos inimigos. A traição marcou a derrocada da vida de Joana d’Arc. Ao ser aprisionada pelo inimigo, os seus amigos a abandonaram. Deixada à própria sorte, Joana foi humilhada, e quando passava, presa, a multidão gritava e gesticulava chamando-a de “feiticeira, herege, filha do diabo”. Exposta a variados interrogatórios, a virgem guerreira já tinha seu destino traçado, pois o Bispo Cauchon não descansaria enquanto ela vivesse. Condenada à morte na fogueira, em Ruão, Joana d’Arc – “como uma santa no andor” – seguiu rumo ao seu destino. A amarraram em um poste, “a multidão uivava”. Joana exclamou: “Ó São Miguel! Valei-me”, enquanto “a chama do fogo” crescia, lambendo os seus membros. Joana “se contorce de dor” com olhos fitos na cruz, o pavor reina na multidão que quer “afastar dos olhos a cena horrenda”, mas não pode. A heroína morre, então, com “um grito de dor, de desespero e, ao mesmo tempo, de triunfo: Jesus”! A liberdade radical que marca a história da vida e da morte de Joana d’Arc, a sua fé, o seu amor pelas pessoas e pela pátria, a sua coragem, são elementos que imantam essa personagem com uma aura de transcendência muito sedutora, que certamente renderá, ainda, muitas boas histórias.


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

cinema por ANDRÉIA LIMA

DOCE PROVOCAÇÃO À SOCIEDADE EUROPEIA Em “As Neves do Kilimanjaro”, Robert Guédiguian se inspira em poema de Victor Hugo para falar de humanismo e dos conflitos ideológicos e políticos vividos hoje na Europa

DIVULGAÇÃO

Filme em cartaz no Cine Jardins mostra o drama de Michel (Jean-Pierre Darroussin) e Marie-Claire (Ariane Ascaride), casal operário francês que é vítima da crise econômica

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os momentos finais de “As neves do Kilimanjaro” (2011), de Robert Guédiguian, Marie-Claire (Ariane Ascaride) encontra-se sentada observando o mar quando chega o marido Michel (Jean-Pierre Darrousin), com quem está casada há trinta anos, para lhe contar sobre uma decisão que ele tomou. Na conversa ela descreve, de forma poética, as pessoas que apreciam o mar de Marselha como bichos divertidos num zoológico. É a deixa para acalmar o coração de Michel de toda a turbulência pela qual eles passaram nos últimos dias. O filme, que tem como ponto de partida a crise que se instalou na Europa nos últimos anos, vai além ao abordar temas pungentes como a culpa, o valor da amizade, o abandono, o ressentimento e, claro, a humanidade. A película foi a grande vencedora, de público e de crítica, do Festival de Valladolid, na Espanha, e está em cartaz no Cine Jardins. Michel é o líder sindicalista de uma empresa portuária na cidade de Marselha, na França, e foi o incumbido para fazer o sorteio que anunciaria os 20 nomes que seriam demitidos da empresa. Socialista convicto, ele põe seu próprio nome na caixinha a ser rifada mesmo tendo direito a não fazê-lo. Com isso, ele é sorteado junto com outros colegas que perderão o emprego. Ele passa então a viver de uma aposentadoria forçada enquanto sua esposa passa o dia trabalhando como cuidadora de

Diretor trabalha militância com sensibilidade uma cidade em crise, e um país pouco complacente com outros povos. O racismo, a política, o socialismo e a esperança são os principais temas abordados. O filme ganhou o prêmio da crítica da European Filme Academy.

Tema social Nascido em Marselha, na França, em 1953, Robert Guédiguian (foto) é filho de mãe alemã e pai armênio. Diretor, ator, roteirista e produtor francês, suas películas são marcadas por uma abordagem voltada para questões sociais e políticas atuais. A cidade natal do diretor costuma ser o espaço escolhido para muitas dessas filmagens e o tema social perpassa toda a sua filmografia. Eis algumas de suas obras:

“O Último Mitterrand” (2005) O ator Michel Bouquet interpreta os últimos 15 meses de vida do ex-presidente francês François Mitterrand, que morreu em 1996, pouco tempo depois de deixar o poder. A partir do olhar do jornalista Antoine (Jalil Lespert), o diretor analisa o imaginário dos franceses sobre o presidente, aflorando aí questões que marcaram a sua vida.

“A Cidade está Tranquila” (2000) A película traça um panorama da cidade de Marselha – antigo polo portuário e industrial francês – através do olhar de personagens distintos que em certa medida se entrelaçam: a mãe desesperada, o amigo misterioso, a filha viciada, o desempregado etc. A ideia é apontar

“Armênia” (2006) Por ser de origem armênia, este título não deixa de retratar as raízes de Guédiguian. Neste longa, além da direção ele assina o roteiro junto com a atriz que o acompanhou em vários filmes, Ariane Ascaride. Ela interpreta Anna, uma mulher que vai em busca do pai que está doente do coração e precisa ser operado mas que resolveu viajar para a sua cidade natal, no país armênio. Neste percurso, ela acaba se deparando com um país em conflito, o que lhe possibilita conhecer suas origens e a si mesma.

idosos, além de se ocupar com a casa, os filhos e os netos. No dia do aniversário de casamento dos dois, eles recebem de presente da família passagens e dinheiro para realizar o sonho de conhecer o monte de Kilimanjaro, na Tanzânia. É quando a trama percorre outros caminhos. Na noite em que Marie e Michel re-

cebem a irmã dela, Denise (Marilyne Canto), e o marido que é o melhor amigo de Michel, Raoul (Gérard Meylan), para jogar cartas eles são assaltados e perdem tudo o que tinham para a viagem, além de sofrer grandes traumas. A descoberta da identidade do assaltante faz com que tanto Michel quanto Marie tomem ati-

tudes inexplicáveis para o resto da família. Suas escolhas e posturas são questionadas por todos e possibilitam ao espectador um olhar ao mesmo tempo ingênuo e mordaz do mundo. Em “As neves do Kilimanjaro”, a inocência está muito próxima do lado amargo da vida, e é aí que reside toda a sua delicadeza. A pureza encontrada em Michel e Marie contrasta com a austeridade vivida por Cristophe (Grégoire Leprince-Ringuet) e a mãe dele (Karole Rocher). As dificuldades por que passaram esses personagens os impede de ter uma visão romântica da vida. Assim, ao contrário de nosso casal principal, eles se comunicam com o público pelo ódio. E isso acaba expondo visões de mundo diferenciadas e até mesmo conflito de gerações sobre temas distintos, como questões políticas e sociais. Inspirado no poema “Les Pauvres Gens”, de Victor Hugo, “As neves do Kilimanjaro” a princípio nada tem a ver com a obra de mesmo título de Ernest Hemingway que deu origem ao filme de Henry King, de 1952. Dialoga sim com os conflitos ideológicos e políticos vividos na Europa de hoje. De pequenas falas na trama, como a que Marie diz ao saber que Michel foi demitido: “É duro ser casada com um herói”, até a trilha de músicas em inglês, a “língua dos colonizadores”, como diz Michel, tudo parece se encaixar numa crítica à sociedade europeia atual. Na direção de Guédiguian não há ingenuidade gratuita, mas uma doce provocação.


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falando de música

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por LEANDRO REIS

NO CORAÇÃO DA PSICODELIA

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LIVE AT THE CAROUSEL BALLROOM 1968 Janis Joplin. Sony Music. 14 faixas. Quanto: R$ 24,90

DIVULGAÇÃO

uando não é possível decorar um produto com adornos orquestrados ou reparar uma imperfeição com recursos de computador, revela-se a face mais sincera da arte sonora. É aí que se separam os aprendizes dos virtuoses, as confusões das harmonias. Em estúdio, há tempo de se corrigir, mesmo quando se trabalha com métodos de gravação rudimentares. Num registro ao vivo, porém, as marcas se potencializam e a possibilidade de se voltar atrás é remota. Em 23 de junho de 1968, no Carousel Ballroom, a única imperfeição provavelmente notada pelo público foi a incapacidade de o tempo ser suspenso. Os cerca de 70 minutos de performance do Big Brother and the Holding Company com Janis Joplin à frente não foram – e afirmo com certeza, embora mais de quatro décadas nos separem – suficientes. A gravação inédita do show, lançada em março deste ano, é uma redescoberta de um dos cenários mais importantes da música: o rock psicodélico norte-americano da década de 60. Lá, no Carousel, em São Francisco, EUA, nomes como Blue Cheer, Jefferson Airplane, Grateful Dead e Jimi Hendrix tocaram alguns dos acordes que sustentam o rock’n’roll até hoje. Eis aqui um pedaço da história.

Durante a performance de Janis em “Ball and Chain”, a cantora Mama Cass, do The Mamas & The Papas, ficou boquiaberta na plateia. Em 1968, o Big Brother e Janis voltaram ao estúdio e lançaram um dos maiores clássicos do rock, “Cheap Thrills”. A pegada blues da cantora aliada à psicodelia da banda rendeu ao disco aclamações da crítica e mais de um milhão de cópias vendidas até o fim do ano.

Supergrupo

Contracultura

Janis Joplin, como boa parte dos mártires da contracultura, teve uma carreira meteórica. Nascida numa cidadezinha conservadora do Texas, a cantora se mudou para São Francisco, reduto dos hippies e da geração beat em meados de 1960. A essa altura, o Big Brother já estava se estabelecendo como uma banda de rock num cenário em ebulição, ao lado do Jefferson Airplane e do Grateful Dead. Em 1966, Chet Helms, o empresário do Big Brother, ao observar o sucesso do Jefferson Airplane e do Great Society com vocalistas femininas, adicionou Janis Joplin ao Big Brother. No ano seguinte, foi lançado o álbum homônimo com Janis nos vocais, após o grande sucesso do grupo no Festival Pop de Monterrey. O que se seguiu após o Monterrey pode ser descrito como um déjà vu.

Disco de Janis Joplin com banda Big Brother registra parceria entre gigantes do rock

Homenagem a produtor A despedida de “Bear” Stanley “Live at the Carousel Ballroom”, além de toda sua influência relacionada exclusivamente à sonoridade, carrega um peso póstumo. A gravação ficou aos cuidados do lendário produtor Owsley Stanley, conhecido como “Bear”. Ele cuidou da captação e da masterização do álbum.

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

O mestre de São Francisco Sem Bear, o rock de São Francisco não sofreria apenas o vazio da não existência deste registro, mas várias performances de outras referências da psicodelia dos anos 60 seriam negligenciadas, em especial as do Grateful Dead. O disco é dedicado ao produtor, que morreu dias depois de supervisionar a gravação.

Quem vê Janis Joplin na capa do “Live at the Carousel Ballroom”, pode pensar que o Big Brother era apenas uma banda de apoio. Mas o que se observa na audição do disco é a junção de duas atmosferas, uma confeccionada pela excelência dos instrumentos, outra expelida pela magnitude da voz. James Gurley, na guitarra, disparava solos que remetem a John Coltrane no saxofone, como em “I Need a Man to Love” e “Light is Faster Than Sound”. Para servir como um bom obstáculo à dominância de Janis no vocal, Sam Andrew, que segurava a outra guitarra, fazia o backing vocal com maestria, entrando nas lacunas que a voz da cantora deixava. A bateria marcial de David Getz e o baixo de Peter Albin resguardavam a cozinha enquanto deixavam uma avenida para os clássicos do Cheap Thrills, como “Piece of My Heart” e “Ball and Chain”, passarem. “Summertime” e “Catch Me Daddy” carregam uma tensão sexual que capta o clima de amor livre do reduto hippie, ao mesmo tempo em que expressam a urgência de uma voz feminina à frente das emoções de uma década ainda conservadora e machista. Ainda que o registro daquele 23 de junho de 68 seja resultado de uma colaboração entre gigantes do rock, há momentos em que Janis Joplin se sobrepõe ao Big Brother. Talvez pelo seu natural excesso de tudo, o que levaria ao fim da parceria dois meses depois do mítico show no Carousel Ballroom. Talvez pela necessidade de um testamento de sua vida inadequada, precocemente encerrada em 1970. De qualquer forma, estes 70 minutos ajudam a cobrir o que de resto lhe foi negado. Eis aqui um pedaço da história.


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

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patrimônio histórico

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por EVERALDO SIMÕES SOUZA

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

Criação da área de lazer que completa hoje 100 anos está ligada ao grande projeto de urbanização do governo Jerônimo Monteiro (1908-1912) para a Capital, inspirado na Belle Époque francesa

ESPAÇO DE MEMÓRIAS COLETIVAS

ARQUIVO BIBLIOTECA CENTRAL DA UFES

HISTORIADOR DESTACA A IMPORTÂNCIA DO PARQUE MOSCOSO COMO BEM CULTURAL IMATERIAL DE VITÓRIA

Parque Moscoso recém-inaugurado: logradouro foi planejado seguindo eixos administrativos como higienização, racionalização e embelezamento dos espaços públicos

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século XIX teve como cenário um processo efervescente de modernização e embelezamento dos núcleos urbanos, que mais tarde transformariam e mudariam as mentalidades das elites burguesas emergentes deste processo. Essas transformações inscrevem também, nesse tempo histórico, novos costumes e novas formas de relações sociais que seriam disseminados, e então passam a concentrar-se nos centros urbanos. A Europa torna-se território de influência para o mundo e o recrudescimento dessa mentalidade enraíza-se no grande projeto arquitetônico e urbanístico conhecido como a “Belle Époque”, que chega nas cidades indicando um esforço notável de estabelecer e consolidar uma política urbana para (re)pensar as áreas metropolitanas, com ênfase em eixos como embelezamento, racionalização e higienização do espaço público. Essas mudanças e transformações perpassam também, por meio de novas relações políticas, econômicas e sociais, que produzem e imprimem marcas e registros na paisagem local, testemunhando e sedimentando informações de

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nesse ensaio. Podemos dizer que, se o espaço é compreendido como possibilidade de movimento, percebe-se então o lugar como pausa, reflexão, impressão, encontro, fronteira, que se desdobram em uma multiplicidade de relações sociais. Deste modo, contextualizo o Parque Moscoso compreendendo-o na perspectiva de lugar de memória e, portanto, de pertença identitária cultural, sendo criado a partir de um campo de intencionalidades de uma gestão administrativa em um arcabouço de várias ações de melhorias do centro urbano da cidade de Vitória.

Jerônimo Monteiro

A Vila Moscoso antes da criação do Parque: construção do local representou um olhar modernizador sobre Vitória

vários tempos e sujeitos históricos, (re)contando a própria história a partir de um território, de um espaço e de um lugar. Aponto que várias construções de sentido emergem desses lugares projetados, e as relações de poder de quem as institui inscrevem em um tempo his-

tórico múltiplas intenções e mentalidades de um período. Portanto, a modernização da ilha de Vitória é inserida nessa mentalidade e intenções, intensificando-se e personalizando-se em alguns gestores desse tempo histórico.

O Parque Moscoso - 19 de maio de 1912 - adentra então a esse novo olhar modernizante, ou seja, todos os vestígios da cidade na perspectiva provinciana são substituídos pelo cumprimento dos pilares do projeto francês de urbanização já explanados anteriormente

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É importante lembrar que o ato de criação do Parque Moscoso está intimamente ligado ao grande projeto de urbanização do governo Jerônimo Monteiro (1908-1912) inspirado na Belle Époque francesa, abarcando os eixos: higienização, racionalização e embelezamento dos espaços públicos, como é descrito no relatório de governo: “...sendo indispensável a bem da saúde pública, e do embelezamento da cidade, o aterro e a drenagem do campinho (Vila Moscoso), re-

Todos os vestígios da cidade na perspectiva provinciana são substituídos pelo cumprimento dos pilares do projeto francês de urbanização” —

EVERALDO SIMÕES SOUZA Historiador

solvi mandar executar essa obra, extinguindo um foco permanente de infecção, como era aquela extensa área ”.(relatório de gestão 1908-1912 do governo de Jerônimo Monteiro, grifo meu). Os senhores Antônio José Duarte,

Pedro Bosisio e Antenor Guimarães elaboraram o projeto de aterro e escoamento a partir de drenos para tornar o local (Campinho do Moscoso) melhor otimizado. Mas ficou sob a responsabilidade do senhor Paulo da Mota Teixeira o contrato de “ ajardinamento do Campinho”, tendo, deste modo, transformado o local em um belo e atraente logradouro público da cidade de Vitória. Ressalto que no relatório de gestão, o presidente Jerônimo Monteiro relata o zelo e a dedicação que esse senhor demonstrou por esse espaço, sendo entregue para a abertura pública no dia 19 de maio de 1912, com a inauguração do busto do senhor Dr. Henrique Ataíde Lobo Moscoso, como homenagem aos serviços prestados ao Espírito Santo quando este foi presidente da província. Considero que a criação do Parque Moscoso deve ser compreendida como bem cultural (I)material, pois é inscrito em um lugar concreto de memórias coletivas, tendendo para o campo do sensível e do abstrato dessas memórias, sempre a partir dos seus símbolos e significados, que alinhavam o tempo em que esse ato se instaura, perpetuando-se no campo

das intencionalidades, sendo sempre atualizado. Ademais, esses registros do vivido fazem parte e tornam-se lembranças que eternizam lugares como referência e cenários, para uma constante visita ao passado, trazendo em si diversas percepções, emoções e sensações. Nessa direção, o mundo, os países, os Estados, as cidades, as edificações, os patrimônios, os parques, ligam os indivíduos, as famílias e os grupos sociais entre si. Uma dessas resistências que não permitem que suas memórias fiquem perdidas no tempo, dando um caráter de pessoalidade e, ao mesmo tempo, de coletividade, entrelaçando entre o tempo histórico vivido a sensibilidade e as emoções humanas. Finalmente, é fundamental não esquecermos jamais que a história de um lugar é o resultado da ação, num determinado momento, sobre um determinado espaço/lugar e de processos atuantes em escalas que precisam ser amplas e plurais, aproximando o indivíduo do grupo no qual está inserido, para que a (i)materialidade do sentimento de pertença se concretize nas emoções e impressões cotidianas desse lugar.


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 19 DE MAIO DE 2012

+ tema de capa por LUIZ GUILHERME SANTOS NEVES

O MENINO E O PARQUE Sobre uma bicicleta Hércules, o personagem desta crônica conduz o leitor a uma época em que o Parque Moscoso era o ponto de encontro de quem vivia tempos de um viver provinciano

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á 73 anos um menino pedalava seu velocípede na calçada da José Bonifácio. Nascera cinco anos antes na casa nº 1 daquela rua, sendo recebido pelas mãos de Dona Augusta Mendes, parteira que atendia a domicílio as parturientes da cidade antiga. Nas pedaladas que dava o menino se sentia um Pintacuda (referência ao campeão de corridas automobilísticas da época) preparando-se, sem o saber, para futuras conquistas geográficas. Uma delas seria a do Parque Moscoso, a curtíssima distância da casa onde nascera. Desse tempo, o menino guardaria uma de suas mais recuadas lembranças: ele e o pai foram ao Parque e se sentaram num banco de concreto sem encosto, reto como uma tábua, duro como uma pedra, onde o menino merendou banana prata diante de um jardim com flores de inesquecíveis corolas amarelas. Um pouco adiante estava o Parque Tênis Clube com seu alambrado alto e duas quadras de saibro demarcadas com linhas brancas como fitas espichadas pelo chão. Mas ainda não era o momento do menino saber que jogaria naquelas quadras. Seria necessário que antes de se fazer tenista-mirim fosse morar temporariamente na casa do avô, na rua da Santa Casa, sobre uma padaria que a cada fornada expandia o cheiro irresistível do pão fresco pela vizinhança toda. Aos seis anos, já na casa 73 da rua Afonso Brás, o menino volta a se achegar ao Parque. Dali, esticando o olhar pela rua Vasco Coutinho, podia ver o Parque Tênis Clube, onde se iniciou no jogo do tênis sem que lograsse ser um campeão nesse bretão esporte. Mas, afinal, que Parque Moscoso era este de que estamos falando? Que nos conduza através dele o menino desta crônica, não mais pedalando um velocípede, mas encimado numa bicicleta Hércules, de cor preta, aro 28, na qual ia prazerosamente andar sobre o piso de areia batida do Parque Moscoso. Pedalando sem parar, segue pela alameda Paulo Mota – então uma projeção natural da atual Marcos de Azevedo - que, com seu nome, rendia homenagem ao

LIVRO BIBLIOGRAFIA DE UMA ILHA, DE SERAFIM DERENZI

A nobre área de Vitória aberta ao povo, sem muralhas, sem portões e sem grades, em 1930. À direita, o Cine Politeama

idealizador da planta física do Parque que, apesar das sucessivas modificações sofridas, conserva relativamente as suas bem traçadas linhas. Firme na bicicleta, o menino contorna o coretinho com telhado de flandres e escadinha lateral onde, a poucos metros dele, armava-se um tablado em que pulavam os foliões e mascarados que no Carnaval vinham a pé de Caratoíra e Vila Rubim cantando animadamente sambas e marchinhas; o menino passa em seguida pelo Orchidario, com o formato de uma oca indígena gigantesca; roda agora pela fonte dos Cavalos, o mais antigo monumento do Parque; avança na direção do Clube Vitória, na esquina da avenida Cleto Nunes, mas sem sair do Parque; dobra à esquerda onde fica hoje a Concha Acústica; corta transversalmente a grande alameda dos oitis que vara o Parque, tirando com sua bicicleta um fino na máquina fotográfica de um lambe-lambe; atinge a curva em que, do outro lado da Cleto Nunes, localizavam-se o Cine Politeama e a Padaria Sarlo; vira à esquerda e segue pelo piso de areia grossa tendo à direita a avenida República com seus canteiros centrais, postes com luminárias e trânsito nenhum, e à esquerda o lago do Parque com as ilhas artificiais que lhe dão graça e servem de cenário para os namorados se fotografarem ao estilo das décadas de 30 e

40; chega agora na esquina da avenida República com a rua José de Anchieta, onde mais à frente situa-se o Quartel da Polícia Militar com suas ameias eriçadas para uma guerra que nunca houve; ganha novamente a alameda Paulo Mota, ladeada por fícus verdejantes, rente aos quais o menino tira outro fino, já sabemos que se trata de um jovem ciclista que gosta de tirar finos pedalando a bicicleta. Por essa alameda o menino atinge um conjunto de fícus majestosos, hoje substituídos por uma quadra esportiva, perto dos quais tinha lugar o recreio dos alunos do curso primário do Colégio Sagrado Coração de Jesus, da professora Mariazinha Silva, o menino entre eles; passa depois pelo chafariz de clássicas figuras esculpidas em bronze cujos jorros o vento espalha; chega próximo do alambrado do Parque Tênis por onde ramas de trepadeiras se engatam; enviesa para a esquerda e, fechando finalmente o périplo pelo Parque, o menino, com sua hercúlea bicicleta preta, aro 28, vai passar pelo banco de concreto sem encosto, reto como uma tábua, duro como uma pedra, onde num indeterminado dia de sua infância, acompanhado pelo pai, merendou banana prata diante de um jardim com flores de inesquecíveis corolas amarelas. Embora o menino não seja capaz de identificar esse banco quando bicicleteia

ao lado dele, tal lapso de memória há de lhe ser perdoado porque em nada desfaz a força nostálgica da recordação que conservará permanentemente desse imorredouro recanto do velho Moscoso. Que velho Moscoso era este? Se a volta dada com o menino em sua bicicleta não foi bastante para responder à pergunta que se repete, diga-se então que era um parque que tinha pouco mais de trinta anos, mas que já se afirmava como a única e nobre área verde de Vitória, espaço aberto ao povo, sem muralhas, sem portões e sem gradis, para que todos pudessem nele entrar e dele sair com a naturalidade de quem vivia tempos de um viver provinciano. A este parque, e ao que resultou dele devido às intervenções que acabou sofrendo para o bem e para o mal, o menino, que se fez adulto, continuou ligado durante a sua vida. Dispenso-me de espichar outras lembranças além das que foram levantadas. Mas não posso deixar de dizer que o menino, que envelheceu tendo o Parque Moscoso como centro de gravidade ao longo de sua vida, acha, sem modéstia alguma, que se faz merecedor da gentileza de um gentílico que é para ele um motivo de orgulho: o de ser um parquemoscosense da gema!


poesias ODE À SOLIDÃO ALAN KARDEK RODRIGUES COSTA E então, porque é que se faz assim, Solidão? Inerente ao sorriso, Fomentada no amargo, nunca esquecida. Seja no êxtase, ou no pranto, Há sempre de ser vivida. Corrompendo os prazeres, com a mesma força que se cria, Estás lá, atenda ao mínimo chamado. Como não há sombra sem luz, nem fogo sem vento, Há o lamento. Inútil. Pertinente a toda alma, é um tesouro Também em ti eu vejo o ouro, Do conhecimento, da riqueza, do individual e do coletivo. Pois é no sozinho que és caracterizada, Mesmo no sozinho da multidão. Salve salve solidão. Enquanto muito se repudia, de muitos há idolatria. O só já pode ser tudo, e do só és a companhia. Sem reclamas, Sem espasmos, Sem chiliques, Nascida de algo, também somos nós. Eu, tu, eles e vós. Mas dura pouco, somente até o primeiro choro. Mesmo assim está em todos, com todos, Se preferem a ti do que ao próximo. Mas em se tratando de pessoas, Do individual, do egoísta, Não há nada mais lógico. E então, permaneça, Não fique quieta, E me enriqueça, solidão!

crônicas O NOCAUTE

por CAÊ GUIMARÃES

O zumbido vai e vem. Torna-se mais agudo e menos espaçado no corredor do ouvido esquerdo. Caminha até o meio da cabeça e retorna. Toma conta de todas reações, provocadas no começo por uma batida distante, leve e grave, para tornar-se um estremecer sutil, lento, pastoso. Sobrevém o silêncio, pequeno e intenso, uma ausência de todo movimento. Um naco do nada que gera o vácuo e detona a onda. O crânio segue firme encimando o pescoço, até porque não pode desabar antes de ser o teatro que abriga o balé dos dentes rilhando. A partir destes, o zumbido desgraçado fica mais intenso e volátil. Um calafrio começa nas alças das omoplatas e chega na flauta das vértebras. Depois ganha o corredor do Úmero e chega às mãos, onde vários ossos em forma de

escamas trepam uns nos outros e terminam em ossinhos cilíndricos a que chamamos dedos. O par desse conjunto é minha ferramenta de trabalho. Sou um boxeador. O apito agudo vibra em forma de choque. Corta a bacia em fatias, desce pelo fêmur e chega nas pernas. Quase caio. Sou salvo pelo reflexo que passa potente das molas dos joelhos à fratura dos molares. É quando tudo em mim frita, como em um nocaute, o que só me dá a possibilidade de fuga. Ou ao menos a tentativa. Por isso corro até rebentar tendões e patelas. Até estourar unhas e calos por dentro dos tênis. Corro para além da rua e do bairro, cortando o sol refletido no asfalto ou a lua esparramada nas vidraças. Corro para além da cidade e seus limites. A lâmina perde o fio a cada passada. O que é estridente volta a ser

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grave. Do nada, a sirene interna desaparece, fazendo com que eu me sinta o campeão mundial dos pesos médios. Penso, “acabou”, mas todo o alívio e recompensa têm um teto. O asfalto fumegante fuma a tarde mormacenta de verão. O vapor sobe rente por entre pernas de calças e de saias. A umidade escorre por peles e pelos, encharca colarinhos e meias. Calçadas entupidas, vias públicas entupidas, coronárias e varizes entupidas. Abro a porta e entro. Após fechá-la, vejo de relance meu rosto cansado e as serpente empapadas dos cabelos no espelho da parede. Ao chegar na janela, olho ao redor, a rua e seus sobrados cujas fachadas escondem qualquer coisa que soe familiar ao afeto. Apesar de tanta gente, há deserto nos olhos embaraçados pelo mormaço. Há névoa nas retinas baças. Há enfado e não há cuidado, ternura, concentração ou interesse nas gentes se arrastando pelo devir incessante do cotidiano tirano, silencioso, implacável. E há um zumbido adormecido em minha cabeça, esperando pacientemente o tempo de retornar.

BRAÇOS ABERTOS por ANTONIO ROCHA NETO

NASCIDO PRA QUÊ? Nascido pra quê? A mando de quem? Pelo bel prazer consumado, Repentino ou desejado. E por amor também. Na luxúria daqueles segundos, Indescritível como os dois mundos, A gente vem. E depois de chegado, só uma afirmação, Em algum instante tudo terá acabado. E nesse intervalo, Imenso, É que surge o porquê. Um porque a cada dia, Vários porquês a cada minuto. E só uma resposta: O caminho é sem volta. Não vale ficar puto.

Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara... Quem é que nunca ouviu esta belíssima melodia, de nosso saudoso e inesquecível poeta e compositor Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, popularmente conhecido como Tom Jobim? Homem que tinha Brasileiro no nome, e mais que no nome, na alma! O “Samba do Avião”, nome, conhecido por poucos, da conhecidíssima canção na qual esta frase foi imortalizada, é uma obra autenticamente “jobiniana”, em cuja construção se deu ao luxo de abrir mão de um de seus tantos e não menos ilustres parceiros, com Vinicius, Dolores Duran, Chico Buarque de Hollanda e Billy Blanco, sem contar, é claro, com as parcerias das lembranças de uma “Garota de Ipanema” e de mulheres, como “Ligia” e “Ana Luiza”, de um des-

pretensioso “Sabiá”, que um dia pousou em uma de suas canções, e das praias, matas, rios, Rios e “Águas de Março”, lembradas, cantadas e temidas por todos, no fim de cada verão. Mas não é sobre Jobim e sua obra que pretendo, hoje, escrever algumas linhas, mas sim sobre a imagem por ele evocada, no “Samba do Avião”, símbolo maior do Brasil mundo afora: o Cristo Redentor. Tem uma coisa que muito me impressiona naquela magnífica escultura: ela representa a imagem de Jesus Cristo de braços abertos. A imagem de um homem que morreu crucificado, de um homem que morreu com os braços abertos, pregados numa cruz, há mais de dois mil anos. E é daí que vem meu encantamento. Encanta-me constatar algo que me parece extremamente im-

provável, que é o fato de aquela imagem, no alto do Morro do Corcovado, na qual se vê Jesus Cristo com o corpo em forma de cruz, não trazer, a quem a contempla, de perto ou de longe, ao vivo, em imagens, de baixo ou a bordo de helicópteros que, seja dia ou seja noite, estão sempre à sua volta, a lembrança de uma cruz. O Cristo Redentor nos remete à ideia de um abraço, de um fraterno e sempre em potencial abraço. No alto do belíssimo Morro do Corcovado Cristo não nos aparece “com os braços abertos”, como esteve na cruz, mas “de braços abertos”, espontaneamente abertos, como a acolher em seus braços todo aquele que em sua história encontra conforto, encontra um modelo, encontra um caminho, encontra força, para melhor carregar sua própria cruz!


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por LUIZ PAIXÃO

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JAZZ E BOSSA NOVA: DOIS GÊNEROS QUE NASCERAM UM PARA O OUTRO Pesquisador mostra como a aproximação entre os estilos musicais proporcionou alguns dos mais belos registros da canção popular americana e brasileira do século XX

DIVULGAÇÃO

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música de concerto. Ouça Chet Baker, Gerry Muligan. Seguiu-se, nessa mesma década, o third stream, fundindo-se às formas clássicas como o rondó e a fuga, em improvisos longos e cerebrais. Miles Davis, Dave Brubeck, Lennie Tristano, Lee Konitz remexem a panela. Na esteira do cool veio o West Coast, em contraposição ao hard bop. As invenções, resultado da inquietação com o destino do jazz, trouxeram ainda o progressive, o free e o fusion. A partir dos anos 60, o jazz tornou-se um cipoal. Mas os músicos mais lúcidos, coerentes com as raízes negras, nunca esqueceram o jazz New Orleans. Convém registrar que os anos 50 fizeram jorrar sobre as próximas décadas os sons do rock and roll e da brasileira Bossa Nova.

Origem

João Gilberto, Tom Jobim e Stan Getz na gravação do álbum “Getz/Gilberto”, em 1964: momento em que a Bossa Nova virou a trilha sonora do Brasil moderno

O

jazz é uma das mais belas flores do jardim do século XX. Mas é uma flor que cresceu das fumaças de quatro ou cinco séculos de escravidão, e que adicionou uma dimensão essencial aos respectivos talentos dos músicos. O jazz me parece uma arte singular que existe na mente de cada um de nós. Uma força especial que deriva do nosso modo de sentir e de interpretar atos determinados que cada indivíduo tenta analisar de forma especial e particular.

Eis uma maneira de se tentar definir o jazz: uma liberdade de criação que, baseada nos fundamentos básicos, faz com que a melodia se torne um veículo para atingirmos aquele ponto místico. O jazz não é algo que se toca, mas como se toca. Jazz não é ritmo ou dança, mas uma espécie de comportamento musical. O jazz é sentido de tempo, espontaneidade, criação, sonoridade, fraseado. Seu princípio musical é a improvisação, que lhe concede liberdade conceitual. Dizzy Gillespie, um dos maiores

trumpetistas da história do jazz, disse certa vez: “Os músicos do jazz são os mais afinados com o universo e o criador. Como poderíamos improvisar sem inspiração divina?” O jazz não é um “tipo” de música, mas modo de expressão musical. Suas raízes são negras, afro-americanas, associadas à música e à harmonia europeia. O jazz está cercado de estilo por todos os lados. Ao primeiro deu-se o nome de New Orleans. Com ele definiu-se a Jazz Band, tocada basicamente por músicos negros. Imitados

por músicos brancos, esse mesmo jazz recebeu o nome de Dixieland. O ragtime e o citado Dixieland seguiram firmes até o surgimento do swing, por volta de 1930. O swing caracterizou as big bands, com seus sons poderosos e envolventes. O jazz, nessa época, era uma espécie de dança. Os anos 40 trouxeram uma revolução rítmica e estilística com o bebop de Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelonious Monk, Max Roach e Charles Mingus. Os anos 50 revelam o cool, forma mais limpa, insinuante e calma, próxima à

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Da forma como o conhecemos, o jazz começou na virada do século XIX. Mas as músicas dele derivadas são muito mais antigas. O jazz é uma mistura de formas e estilos afro-americanos e europeus. Daí a sua riqueza melódica e rítmica, provocando certa dificuldade para sua compreensão por parte dos que não têm algum conhecimento de sua história. O jazz, a exemplo da música erudita ou clássica, é melhor compreendido quando seu ouvinte está informado do contexto em que esta música foi composta. É comum ouvir-se dizer que o jazz é música complicada ou de interesse intelectual. Trata-se de desinformação. Jazz é música popular. Mas é válida a advertência de Herbie Hancock: “É uma espécie de música erudita”. O ouvido democrático saberá isso distinguir. Einstein disse: “Na música popular, o jazz leva a palma. É de todas a mais interessante e sincera”. É um fato conhecido no mundo musical que a Bossa Nova foi, no começo, influenciada pela música americana das décadas de 40 e 50. Jovens músicos brasileiros como Tom Jobim e João Gilberto, ambos com excelente formação musical, começaram a ouvir discos de jazz da Califórnia com o estilo conhecido como cool jazz. Era a época dos beatnicks, de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, Charlie Parker e Dizzy Gillespie. Com talento e um incrível sentido de oportunidade, juntaram os elementos daquele som sofisticado com a batida do samba e criaram uma música completamente nova, genial, que se transformou,

A cantora Julie London e o trompetista Chet Baker foram alguns dos músicos americanos que influenciaram o modo de tocar e de cantar dos bossa-novistas

para brasileiros e estrangeiros, numa das marcas registradas do Brasil: a Bossa Nova. Músicos como Charlie Bird, Stan Getz, Coleman Hawkins e Billy Eckstine, ao ouvirem aquele som inovador, começaram imediatamente a executar temas como “Wave”, “Garota de Ipanema” e “Corcovado”, e a criar novas músicas e improvisos baseados naquele ritmo. Para críticos e apreciadores do gênero, a Bossa Nova passava de influenciada a influenciadora. “Wave” e “Garota de Ipanema” viraram standards do jazz. Muitos artistas brasileiros sofreram influência das canções e do modo de tocar e cantar de um grupo de artistas americanos como Perry Como, Dick Haymes, Bing Crosby, Peggy Lee, Ella Fitzgerald, Julie London, e de muitos outros, como o trio de Nat King Cole, Chet Baker etc. Para que se possa conhecer esses artistas, sugiro que se ouça um pouco de alguns deles. Por exemplo: Julie London em “Cry me a

River”; Dick Haymes em “You’ll Never Know”; Peggy Lee em “The Man I Love” e “There’s a Small Hotel”; Ella Fitzgerald em “Blue Moon” e “Misty”; Nat King Cole em “Embraceable You”; Chet Baker em “My Ideal”; entre outros. A influência era tanta que Carlos Lyra fez um samba falando sobre a situação que existia naquela época, chamado “Influência do Jazz”.

Cheios de bossa

Mas a coisa então começa a mudar e a Bossa Nova começa a influenciar a música americana, coisa que até aí era feita ao contrário. E lá vem a turma brasileira encabeçada por João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, entre outros, com suas músicas gostosas de se ouvir, cantar e tocar, que dominaram os cenários musicais do mundo todo, a ponto de fazer com que artistas famosos do ambiente jazzístico como Barney Kessel,

Charlie Bird, Stan Getz e outros gravassem as nossas canções que apareceram nos primeiros lugares nas paradas musicais internacionais. Dizem que tudo começou com “Chega de Saudade”, na qual João Gilberto mostrou um estilo completamente diferente de cantar e tocar violão. Eis alguns exemplos: Frank Sinatra na gravação de “Garota de Ipanema”, que vendeu milhões de cópias em todo mundo e que ele cantou com seu compositor – Tom Jobim; Stan Getz em “Samba de uma Nota Só”, “Garota de Ipanema” e “Corcovado”; e daí em diante, até hoje, a Bossa Nova é executada no mundo todo, especialmente no Japão, onde eles a adoram. A Bossa Nova não foi um fato isolado. Parece que foi o despertar da consciência brasileira, que até então estava há muitos anos parada. Junto com a Bossa Nova surgiu o Cinema Novo: o Brasil ganhou a Palma de Ouro em Cannes com o “Pagador de Promessas”; a Copa do Mundo de futebol em 1958 e 1962; Maria Esther Bueno ganhou o campeonato de tênis em Wimbledon; Bruno Hermany foi campeão mundial de caça submarina. Havia aquele impulso que Juscelino Kubitschek estava dando com a inauguração de Brasília e a indústria automobilística. E, 50 anos depois, a Bossa Nova ainda está aí, embora mais tocada fora do Brasil do que aqui. Mas, aqui na nossa terra, algumas pessoas não deixaram a peteca cair; e a Bossa Nova é considerada, sem dúvida, uma das maiores expressões musicais do mundo. Bom gosto, aliado à qualidade técnica e artística, fazem com que, hoje em dia, os grandes músicos do planeta sempre venham ao Brasil para ter contato com a nossa música. Entre eles, destacaria a ótima cantora americana Karrin Allyson, que gravou 14 músicas de Tom Jobim num dos seus últimos álbuns. O escritor Ruy Castro disse: “Todas as vezes que Tom Jobim abria o piano em sua casa, no Jardim Botânico, no Rio, o mundo melhorava. Quando corria os dedos pelas teclas, produzia uma beleza de tal ordem que até os ecologistas se esqueciam de que aquele marfim exigira o sacrifício de não sei quantos elefantes”. A Bossa Nova tem uma responsabilidade direta na estrutura e acabamento do majestoso edifício que hoje encanta o mundo: a MÚSICA POPULAR BRASILEIRA.


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artigo por PAULO BONATES

A CRISE NÃO É APENAS MORAL, É DE COMPETÊNCIA Psiquiatra faz leitura do sistema imunológico das instituições brasileiras e conclui que as raras aparições de seriedade e patriotismo são ridicularizadas e expulsas dos organismos

D

iz a lenda que um qualificadíssimo físico foi chamado às pressas a uma usina nuclear onde vazava radioatividade. Mal chegou, examinou o complexo sistema e deu duas voltas em um pequenino parafuso. Cobrou um milhão de dólares. – Para apertar um parafuso? – reclamaram os contratantes. – Não, para saber qual deles apertar. A crise brasileira não é apenas moral, onde diariamente aparecem ladrões baratos de galinhas caras nas diferentes altas camadas do sistema, por assim dizer. É fundamentalmente de competência. Os larápios baratos dos porcos gordos não sabem apertar o parafuso. As instâncias de controle e avaliação, fundamentais em qualquer organismo, são, em geral, preenchidas no país por pessoas extremamente incompetentes, parte de uma máfia incapaz que assola o mesmo até na área esportiva. As raras aparições de seriedade e patriotismo são afastadas, ridicularizadas ou até assassinadas. Dizem que Pedro Álvares Cabral, ao ver um montão de índios saudando os in-

vasores portugueses que deveriam combatê-los, disse para Pero Vaz de Caminha, referindo-se à Ilha de Vera Cruz: - Isso aqui não vai dar certo. O imaginário social impõe a repetição dos atos daqueles que deveriam defender a honra e o país, pelo menos deixando as galinhas e porcos para o povo faminto, para todos. Confusa, e sem saber para que lado levar a revolta, a nação cabocla declara guerra contra a torcida de futebol adversária, queima pessoas na rua e reclama. Reclama do país como se não fosse parte dele. “Tudo começa em casa”, diz Donald Winnicott, gênio do pensamento da psicanálise no Reino Unido, e também na escola, digo eu, modestamente apenas genioso. Até bem recentemente participei com orgulho de uma tradicional instituição quarentona de ensino superior, digna de louvor, como professor. Formou profissionais brilhantes, apesar do esquema de autoavaliação extremamente infantil. Relegava-se essa missão para pessoas extremamente despreparadas, com alto teor de narcisismo primário. Sequer tinham formação na área. O resultado é óbvio. Só para citar um exemplo, as perguntas dos questio-

nários importantes para o controle da avaliação institucional admitiam em larga escala respostas subjetivas do tipo: bom, muito bom, péssimo, divino, maravilhoso. Uma graça. Creio que semanas depois após ser indicado para compor o grupo, e naturalmente por ser técnico pós-graduado também em pedagogia, dando lá meus palpites, fui convidado a retirar o meu talento de campo. Aliás, essa mesma instituição jamais permitiu, através de um confuso esquema de “eleição”, que um ex-aluno fosse diretor, apesar de várias dezenas de anos em funcionamento. Não soube avaliar o significado de não valorizar o próprio produto. Em todo o país avaliadores do MEC deparam-se com relatos ensaiados e alunos, professores e funcionários são obrigados a mentir, sob pena de serem prejudicados. Implanta-se o terror, necessário para manter tudo como está. Creio com isso estar ajudando meu país a identificar sistemas de farsas que acionam mecanismos que não têm sequer a ideia do que é o tal parafuso. E não permitem quem sabe se aproximar, é claro. Caríssimos irmãos, em toda nação verde e amarela, cabos eleitorais travestidos

de chefes, chefinhos e chefetes defendem as próprias regalias, e a função de cabos eleitorais, para não perder as boquinhas mais absurdas. (Justiça seja feita: a presidente Dilma está colocando barbas e barbas de molho, mas ainda é uma das exceções). Sem um sistema competente de avaliação, as ações serão desastradas, mesmo que bem intencionadas. O país parece na essência, independentemente de quem seja o presidente e seu grande elenco, ser dirigido pelo fantasma do ex-líder, o enlouquecido Ayatollah Khomeini. O dirigente, seja lá do que for, acorda de manhã, olha para o próprio umbigo, lembra do contracheque e - socorro começa a pensar por si só. Foi assim que saiu a Transamazônica, a milionária estrada que liga nada a coisa nenhuma, só para levar o exemplo para longe. Hoje, sem controle ou avaliação, as obras simplesmente não existem. Mesmo assim são financiadas a alto custo. Tudo é noticiado e anulado por qualquer advogado corrupto. Nunca há provas suficientes, nunca há uma verdadeira avaliação. E assim vai. Para onde? Ainda não foi avaliado.


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