Pensar Completo 0309

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1 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 15:55 AGÊNCIA ESTADO

Entrelinhas COMO HUNTER S. THOMPSON INVENTOU O ESTILO DO JORNALISMO GONZO. Página 3

Ideias

UMA ANÁLISE OBJETIVA DA OBRA DE ESPINOSA, O “FILÓSOFO DA LIBERDADE”.

A RELEITURA DE UM GÊNIO DA MÚSICA

Pensar Página 4

Música

OS DEZ ANOS DO DISCO QUE MUDOU A CARA DO ROCK BRASILEIRO.

Gravadora relança dois discos com diferentes visões sobre a obra de Heitor Villa-Lobos. Página 5

VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

www.agazeta.com.br

O olhar de uma princesa

Páginas 10 e 11

Da Europa O DIÁRIO DE BORDO DO FESTIVAL ESPÍRITO MUNDO. Página 12

RELATOS INÉDITOS DA VIAGEM DE TERESA DA BAVIERA AO ESTADO NO SÉCULO XIX. Páginas 6, 7 e 8


2 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 16:28

2 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

quem pensa

Francisca Selidonha é jornalista e mestre em História Social das Relações Políticas. franciscasp@hotmail.com

Adolfo Oleare é professor do Ifes, mestre em Filosofia e em Letras. aldeiaverbal@hotmail.com

marque na agenda prateleira Campus Congresso de Estudos Literários na Ufes

“Que autor sou eu? Deslocamentos, experiências, fronteiras” é o tema do XIII Congresso de Estudos Literários, de 5 a 7 de outubro, no auditório do ICII. http://celppglufes.wordpress.com

Biblioteca Pública Estadual Revista “Capichaba” em exposição

Fernando Duarte é músico, pesquisador e editor do site www.bandolim.net

Julio Bentivoglio é professor do Programa de Pós-Graduação em História da Ufes. juliobentivoglio@gmail.com

Nayara Lima é escritora e graduanda em Psicologia pela Ufes. www.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

Maninho Pacheco é jornalista,designer gráfico e publicitário. maninho.pacheco@uol.com.br

Jonas Rosa é jornalista e tem contos e crônicas incluídos em diversas publicações. jonas.rr@gmail.com

Vários exemplares da publicação, editada entre as décadas de 1920 e 1950, podem ser conferidos pelo público na mostra que vai até 30 de setembro, na Biblioteca Pública do Espírito Santo, em Vitória. Visitação de segunda a sexta, das 08 às 19h.

10

de setembro

Ícone francesa

A escritora Maria do Ca rmo Marino Schneider lança “Mme de Girardin – a Musa da Pátria” (editora CELD) na Biena l do Livro do Rio, no Riocen tro. Trata-se de uma biogra fia comentada, com textos tirados de toda a obra literária da autora (poesia, drama, romance e, principalmen te, textos jornalísticos consta ntes das Lettres Parisiennes) .

Vitor Lopes é jornalista, pesquisador de música popular brasileira e escritor. vitorlop@yahoo.com.br

Caê Guimarães é jornalista, poeta e escritor. Publicou quatro livros e escreve no site www.caeguimaraes.com.br

O Metro Nenhum Francisco Alvim Nos 87 poemas deste volume, o poeta mineiro de 72 anos exibe amor e devoção pelas palavras, com as quais brinca e seduz em estruturas ora concisas ora descritivas, e repletas de imagens que conduzem o leitor a uma saborosa viagem em torno de sua rede de sentimentos. Alvim descomplica e descortina a vida em versos. 96 páginas. Companhia das Letras. R$ 33

Raul Pompeia Raul Pompeia A Coleção Melhores Crônicas resgata o estilo lírico e crítico do cronista que se consagrou com o romance “O Ateneu”. A seleção traz o texto “Imprensa e suicídios”, publicado dez anos antes de Pompeia se suicidar, em 1895, aos 32 anos. 224 páginas. Global Editora. R$ 35

À Sombra do Cipreste Menalton Braff

8

de setembro

Samba em Madri

A sambista Cyara Santos representa o Espírito Santo no Brazilian Day, em Madri. A festa conta ainda com shows de Almir Guineto Filho (RJ) e da banda Cheiro de Amor (BA).

Laureada com o Prêmio Jabuti – Livro do Ano em 2000, a obra que projetou o autor gaúcho ganha reedição após ter permanecido esgotada por pouco mais de cinco anos. São 18 contos onde o escritor dissipa personagens tirados do cotidiano, seus segredos e dilemas. 112 páginas. Global Editora. R$ 25

Ressurreição Machado de Assis A reedição em formato pocket do romance de estreia do Bruxo do Cosme Velho, publicado em 1872, traz um farto material que possibilita um melhor entendimento sobre o autor e sua obra. 136 páginas. L&PM Editores. R$ 12

DESCOBRINDO A NOSSA HISTÓRIA

José Roberto Santos Neves

Em 1888, a princesa Teresa da Baviera (1850-1925) , uma das aristocratas alemãs de maior erudição do século XIX, chegou ao Brasil para uma série de pesquisas etnográficas que resultaram no livro “Minha Viagem aos Trópicos Brasileiros”, publicado em Munique, no ano de 1897. Três capítulos dessa obra foram dedicados ao Espírito Santo, onde a cientista passou 19 dias, entre agosto e setembro, produzindo um inventário da terra e da gente capixaba do final do século XIX. Esse material, até então inacessível ao público, será reunido neste segundo semestre no livro “Viagem pelo Espírito Santo (1888)”,

Pensar na web

como parte da Coleção Canaã, do Arquivo Público Estadual. A organização é do professor de História da Ufes Julio Bentivoglio, que nos brinda com um brilhante artigo sobre a expedição da princesa-cientista. A edição desta semana traz ainda outros atrativos, como a análise de Adolfo Oleare para o livro de ensaios de Marilena Chaui sobre Espinosa, o “filósofo da liberdade”; a resenha de Francisca Selidonha para a obra de Hunter S. Thompson, o pai do jornalismo gonzo; e o diário de bordo de Caê Guimarães sobre a temporada de artistas capixabas na Europa. Leituras de qualidade para Pensar hoje, amanhã, depois...

é editor do caderno Pensar, novo espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados.

jrneves@redegazeta.com.br

Confira trecho do livro da princesa Teresa da Baviera, composições de Heitor Villa-Lobos, vídeo do Los Hermanos e trechos de livros comentados nesta edição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493


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entrelinhas

Pensar

por FRANCISCA SELIDONHA

SOBRE JORNALISMO, RUM E MULHERES

A

história de “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado” se passa em San Juan, Porto Rico, no inverno de 1958, quando o jornalista Paul Kemp desembarca na cidade para atuar como jornalista no Daily News, depois de deixar Nova York. O autor Hunter S. Thompson, que narra a trama em primeira pessoa, conta que havia algo estranho e irreal em toda a atmosfera daquele mundo onde seu personagem havia ido parar. Era divertido e ao mesmo tempo vagamente depressivo. Descreve que “homens de todos os tipos vieram trabalhar no News, de jovens turcos ensandecidos que queriam partir o mundo ao meio e começar tudo de novo até velhos repórteres medíocres e cansados, com panças de cerveja, que queriam apenas uma chance de terminar seus dias em paz antes que algum bando de lunáticos partisse o mundo ao meio”. Porto Rico era um fim de mundo e a equipe era formada por uma ralé itinerante de temperamento imprevisível. “Como a maioria dos outros, eu procurava alguma coisa, vivia em movimento, nunca estava satisfeito e às vezes me metia nas mais imbecis enrascadas (...) ao mesmo tempo, nutria suspeitas melancólicas de que a vida que levávamos era uma causa perdida”. A primeira confusão se passa ainda no avião, a caminho de Porto Rico, quando Paul se interessa por uma das passageiras e quer impedir que um velhinho se sente no lugar que tinha reservado para a linda mulher. É quase preso por agressão ao idoso. Chega mal vestido, com casaco amassado e bêbado, a própria figura do anti-herói. A redação do jornal era a mais esquisita possível. Paul Kemp fora contratado por Lotterman, um ex-comunista que deixou a Flórida para dar início ao San Juan Daily News. O editor era Segarra, descrito pelo personagem como um picareta, mas que vinha de uma família influente e abastada da ilha. Havia o sueco Moberg, autodestrutivo e degenerado. O fotógrafo Sala, que além de trabalhar no News fazia vários trabalhos como freelancer, com quem dividiu inicialmente a casa, que parecia uma pocilga. Torna-se amigo de outro jornalista, Yeamon, e de sua namorada sensual, Chenault. Outros personagens são o lobista e ex-repórter Sanderson, frequentador das altas rodas, e o investidor Zimburguer. O que tinham em comum era o gosto pela bebida típica do lugar, o rum, consumido em grandes proporções, na maioria das vezes no bar do Al, ponto de encontro predileto dos jornalistas do News,

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

RUM: DIÁRIO DE UM JORNALISTA BÊBADO Hunter S. Thompson. Tradução de Daniel Pellizari. L&PM Editores. Coleção L&PM Pocket. 256 páginas. Quanto: R$ 19

TRECHO Meu apartamento em Nova York ficava na Perry Street, a uma distância de cinco minutos a pé do White Horse. Eu costumava beber por lá, mas nunca conseguia ser aceito porque não usava gravata. As pessoas importantes não queriam saber de mim. Bebi um pouco por lá na noite em que fui embora para San Juan. Phil Rollins, que trabalhara comigo, bancava a cerveja. Eu bebia tudo com sofreguidão, tentando ficar suficientemente bêbado para conseguir dormir no avião. Art Millick, o pior motorista de táxi de Nova York, estava lá. Assim como Duke Peterson, que acabara de voltar das Ilhas Virgens Americanas. Extraído do livro “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado”, de Hunter S. Thompson

Hunter S. Thompson, criador do jornalismo gonzo: realidade e ficção sem barreiras

onde Paul tomava seu café da manhã e encerrava o expediente todos os dias.

Sem fronteiras

O tom da narrativa autobiográfica é a marca principal do autor Hunter S. Thompson, que se consagrou ao criar o jornalismo gonzo, estilo de escrita subjetivo e imersivo onde não há fronteiras entre o escritor e o relato. Longe do mito da objetividade e da neutralidade, o jornalismo gonzo não tem compromisso

com a verdade. Mistura o tempo todo realidade e ficção, mas de forma convincente. Trata-se de estilo subjetivo, pessoal, sarcástico, cheio de humor, exageros e xingamentos. Thompson era crítico da hipocrisia americana e seu estilo influenciou toda uma geração de escritores. Ele inaugurou o jornalismo gonzo com uma reportagem sobre Las Vegas, que era para ser esportiva e transformou-se em comportamento, publicada no livro “Medo e Delírio em Las Vegas”, e que

depois se tornou um filme cult. Também se consagrou com a reportagem especial de imersão no mundo dos Hell’s Angels, motoqueiros violentos de Los Angeles, quando mergulhou tão fundo no tema que passou a consumir drogas e a cometer delitos, perdendo qualquer noção de limite na sua atuação profissional. Thompson iniciou a escrita de “Rum: Diário de um Jornalista Bêbado” quando estava com 22 anos e tinha se mudado para San Juan, em Porto Rico, para trabalhar como jornalista. Em comum, Thompson e Paul Kemp tinham o gosto pelo jornalismo, pelo rum e pelas mulheres. Thompson surpreendeu quando publicou “Rum”, em 1998, depois de 40 anos engavetado. O autor nascido em Kentucky, nos Estados Unidos, suicidou-se com um tiro na cabeça, em 2005, no Colorado (EUA). “Rum” é uma boa oportunidade para se conhecer um pouco mais do estilo autobiográfico e intenso do criador do jornalismo gonzo, que atualmente está em ascensão com o sucesso dos blogs e da internet, bem como o jornalismo cultural com experimentalismo e interatividade.


4 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 20:24

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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

filosofia por ADOLFO OLEARE

ESPINOSA CONTRA O CRISTIANISMO

DESEJO, PAIXÃO E AÇÃO NA ÉTICA DE ESPINOSA Marilena Chaui Companhia das Letras 360 páginas Quanto: R$ 56, em média

Marilena Chaui apresenta o pensador holandês como o pioneiro na compreensão da religião cristã como cultura da culpa e do medo, perspectiva que viria a alimentar a obra de Nietzsche

Para a autora, a filosofia de Espinosa “é uma ética da alegria, da felicidade, do contentamento intelectual e da liberdade individual e política”

“D

esejo, Paixão e Ação na Ética de Espinosa” reúne oito excelentes ensaios de Marilena Chaui, publicados entre 1987 e 2005. Intensamente dedicada à pesquisa sobre Espinosa (1632-1677), a autora o apresenta como o primeiro filósofo a se apartar da tradição judaico-cristã, pioneiro na compreensão do cristianismo como cultura da culpa e do medo, perspectiva que, dois séculos mais tarde, viria a se tornar essencial para a filosofia de Nietzsche, autor de “O anticristo”, publicado em 1895. Confirmando a virada conceitual operada por Espinosa no século XVII, Marilena Chaui chega a sentenciar que a ética espinosana “é a verdadeira entrada da filosofia na modernidade, pois se oferece liberada do peso de duas tradições: a da transcendência teológico-religiosa ameaçadora, fundada na ideia de culpa originária e na imagem de um Deus juiz; e a da normatividade moral, fundada na heteronímia do agente, uma vez que este, para ser moralmente virtuoso, deve submeter-se a fins e valores externos não definidos por ele”, considera, no ensaio “Afastar a tristeza”. No pensamento de Espinosa, ensina a professora paulista, o corpo e as paixões deixam de ser tomados como promotores da degeneração moral humana e como inimigos mortais da racionalidade, instância que, para a tradição moralista, distingue os homens e os torna semelhantes a Deus, uma vez que, em traços muito largos, a vontade corresponde ao impulso racional para a ação, contrário aos apelos das paixões e das inclinações sensíveis. “Pela primeira vez, desde o advento do cristianismo, uma filosofia capta corpo e mente com iguais fraquezas e iguais forças, não mais cabendo ao corpo a tarefa sombria de destruição do espírito, nem a este o trabalho de reprimir e dominar o corpo”, afirma em “Sobre o medo”.

Natureza

Antípoda do apequenamento cristão do homem, Espinosa concebe Deus como Natureza (“Deus sive Natura – ‘Deus, ou seja, a Natureza’”), rejeitando a noção de que a primeira manifestação da liberdade humana tenha sido o pecado original, fundamento da culpa, isto é, da dívida dos

TRECHO “Os filósofos concebem os afetos que em nós travam combate como vícios em que os homens caem por culpa própria: por isso habituaram-se a rir deles, lamentá-los, maltratá-los e (quando querem parecer mais santos) detestá-los. Acreditam, assim, fazer coisa divina e alcançar o cume da sabedoria, ao louvar de muitas maneiras uma natureza humana que em lugar nenhum existe e atacar com seus discursos aquela que deveras existe. Com efeito, concebem os homens não como são, mas como queriam que

fossem. [...]. Tomei todo cuidado para não rir, não lamentar nem detestar as ações humanas, mas entendê-la. Considerei os afetos humanos, como o amor, o ódio, a cólera, a inveja, a soberba, a piedade e tantos outros, não como vícios, mas como propriedades da natureza humana, maneiras de ser que lhe pertencem como o calor, o frio, a tempestade, a trovoada pertencem à natureza da atmosfera”. (Espinosa, Tratado político, 1, §§ 1 e 4, citado por Marilena Chaui)

homens para com uma suposta perfeição divina. Para o filósofo, portanto, o homem não é um ser decaído em função de uma falta originária, mas uma modificação finita de dois atributos infinitos da substância absolutamente infinita: o pensamento (mente) e a extensão (corpo). A finitude humana é, pois, um modo da infinitude de Deus, considerado por Espinosa como causa imanente de todas as coisas no mundo, atividade infinita que produz a totalidade do real, e não como juiz transcendente ou chefe de polícia do universo. Se as paixões, à luz do cristianismo, são o veículo do vício e da desgraça humana, contrárias em tudo a uma vida virtuosa, à luz do pensamento de Espinosa elas não são em nada culpáveis, na medida em que são propriedades e maneiras de ser da natureza humana, advinda da natureza de Deus. O desejo é, para o filósofo, a essência do homem, à qual juntam-se alegria e tristeza, paixões primordiais, respectivamente vinculadas à potência e à impotência de existir. Se, para a tradição metafísica, a razão é a instância capaz de corrigir os âmbitos desiderativo e passional, em Espinosa pensar é também um querer: “O intelecto não é o poder absoluto de conduzir a vontade, visto que um pensamento é uma volição”, explica Marilena Chaui, no ensaio “Liberdade e necessidade – Uma discussão entre Espinosa e seu amigo Tschirnhaus”. Entendendo os filósofos como compositores de modos de existência, concordaremos com a opinião de que, no pensamento de Espinosa, a humanidade está inocentada, absolvida, anistiada, liberada da natureza devedora, culpada, desgraçada, viciada e inglória. “A filosofia de Espinosa é uma ética da alegria, da felicidade, do contentamento intelectual e da liberdade individual e política”, define a autora no ensaio “Afastar a tristeza”.


5 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 20:23

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falando de música

Pensar

por FERNANDO DUARTE

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

PRECIOSIDADES DA KUARUP VÃO DO REGIONAL AO ERUDITO

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DIVULGAÇÃO

or mais de 30 anos, a gravadora e produtora Kuarup concentrou em seu catálogo uma variedade de música brasileira de qualidade e acumulou prêmios, incluindo dois Grammy. Fundada em 1977 como uma gravadora independente, ficou em atividade até a virada de 2008/2009, quando anunciou em nota oficial que “a crise do CD é irreversível e tornou inviável nosso modelo de negócio”. No entanto, as preciosidades musicais da Kuarup não estavam destinadas a ficar muito tempo longe do público. Através de uma parceria com a Sony Music, títulos importantes voltam ao mercado e a gravadora anuncia novos trabalhos, como o da cantora e compositora Luciana Pires. Na primeira leva de relançamentos, as opções passam pela MPB, música caipira, choro e Villa-Lobos. Encabeçando a lista está o disco “Ao vivo em Tatuí”, de Renato Teixeira com a dupla Pena Branca e Xavantinho. A gravação de 1992, que influenciou toda uma geração de músicos, foi o maior êxito comercial da gravadora, vendendo mais de 100 mil unidades. Outro destaque é o disco do show “Noites Cariocas”, registrado em duas noites, em 1987 e 1988. A produção traz uma reunião histórica de músicos de choro, colocando técnica e espontaneidade a serviço de um repertório de clássicos do gênero. Entre os solistas estão o flautista Altamiro Carrilho, o bandolinista Joel Nascimento e o já falecido Chiquinho do Acordeom, famoso pela elegância do seu fraseado e admirado pelo maestro Radamés Gnattali. Se a música regional e a instrumental têm pouca penetração no mercado fonográfico, ainda mais delicado é o caso da música erudita. Heitor Villa-Lobos (1887-1959), nosso compositor mais importante, promoveu uma aproximação da música de concerto com a música popular, mas mesmo assim grande parte da sua produção é desconhecida do pú-

blico brasileiro. Entre os vários discos da Kuarup dedicados à obra do músico, dois já estão disponíveis novamente e, mesmo com abordagens diferentes, ambos têm significativa importância histórica. “Choros de Câmara” traz oito peças da famosa série de Choros do compositor, em gravações respeitosas e zelosas, incluindo a primeira gravação da versão para piano do “Choros nº 2”. Já “A Floresta do Amazonas” é anunciado na capa como um redescobrimento da obra de Villa pelos músicos João Carlos Assis Brasil, Ney Matogrosso e Wagner Tiso. A música orquestral é adaptada para piano, teclado, violoncelo e percussão, e o cantor Ney Matogrosso substitui a parte para soprano (voz aguda feminina). Os músicos adicionam ainda um Improviso, entre as suítes “Na Floresta” e “Além da Floresta”.

Hollywood

Reedições do acervo da gravadora trazem dois discos dedicados a Villa-Lobos

“A Floresta do Amazonas” nasceu da única trilha sonora que Villa-Lobos fez para Hollywood, escrita para o filme “A Flor que não Morreu” (Green Mansions, 1959), com Audrey Hepburn e Anthony Perkins. Tão confuso quanto o roteiro do filme (sobre um fugitivo de uma revolução venezuelana que se apaixona por uma garota da selva amazônica que se comunica com pássaros) foi o relacionamento de Villa com Bronislau Kaper, responsável pela produção. O compositor polonês (famoso pela canção “Hi-lili hi-lo”, do filme “Lili”) alterou tanto a partitura original que acabou ficando com o crédito principal da trilha. Insatisfeito, o brasileiro adaptou as ideias originais numa nova peça, “A Floresta do Amazonas”. Também participa da trilha do filme o etnomusicólogo norte-americano Alan Lomax, fornecendo a “música primitiva” dos selvagens amazônicos.

Novidades e relançamentos Luciana Pires Deixe com o Destino A estreia da cantora de apenas 20 anos marca a volta da Kuarup em 2011. “Olhos Claros” é a canção de trabalho.

Renato Teixeira Ao vivo no Rio O compositor de “Romaria” comemorou seus 30 anos de carreira com esta gravação, em 1998. Além de canções de sua autoria, registrou clássicos da música caipira.

Diversos artistas Sempre Jacob Coletânea em homenagem a Jacob do Bandolim reunindo faixas de outros discos da gravadora e uma gravação inédita, “Primas e bordões”, por Afonso Machado. A música é a única peça para bandolim solo de Jacob e nunca foi gravada comercialmente pelo compositor.

Vander Lee No Balanço do Balaio Lançado em 1999, o segundo disco do compositor e cantor mineiro conta com as participações de Rildo Hora, Beto Cazes, Roberto Marques e Zeca Assumpção.


6 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 16:56

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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

história

Entre agosto e setembro de 1888, pesquisadora percorreu Cachoeiro, Vitória, Santa Leopoldina

RELATOS DE UMA PRINCESA VIAJANTE

TERESA DA BAVIERA PASSOU PELO ESPÍRITO SANTO EM 1888, E REGISTROU EM LIVRO SUAS IMPRESSÕES SOBRE O ESTADO

Q

uando se fala nos estrangeiros que passaram pelo Espírito Santo durante o século XIX, pensamos em nomes como Saint-Hilaire, Biard, Maximiliano e Wilbeforce. Mas pouca gente sabe que uma ilustre viajante passou pela província em 1888, registrando impressões em 3 capítulos de seu “Meine Reise in den brasilianischen Tropen” (Minha viagem aos trópicos brasileiros), publicado em Munique no ano de 1897. Trata-se de Charlotte Marianne Augusta Therese von Bayern, ou simplesmente princesa Teresa da Baviera, filha do rei Luitpold (1821-1912) que governou aquele reino de 1886 até sua morte. Ao desenvolver um projeto de pesquisa no Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) sobre os viajantes estrangeiros que escreveram relatos sobre o Estado, dando ênfase a textos inéditos e desconhecidos, encontrei o livro em alemão de Teresa da Baviera, que está sendo organizado e traduzido para publicação. Ao lado dele localizei também outros relatos como os de Paul Ehrenreich e de Phillipe M. Rey, por exem-

plo. A meta é tornar estas novas obras acessíveis aos leitores capixabas. O livro da princesa-cientista é extraordinário, devido a sua riqueza de informações. Em sua viagem ela trouxe para o Brasil dama de companhia, mordomo e um criado taxidermista. Na bagagem, apenas “uma pequena câmera fotográfica, meus binóculos, mapas e cartas necessárias; sacos de papel e pinças para coleta, remédios e ataduras para picada de cobra (...) uma arma de aves e uma rede para capturar borboletas”. Num universo científico dominado por homens, Teresa foi uma desbravadora. E é uma das poucas mulheres viajantes que passaram pelo Brasil. Falava 12 línguas, estudou ciências naturais, interessava-se por botânica e zoologia. Aos 25 anos, viajou por diversos países na Europa, Oriente Médio, África e Américas. Assinava suas obras como Th. von Bayern para evitar represálias masculinas, embora tenha descoberto espécies, publicado vários livros e dado seu nome a um lagarto. Foi sócia de várias entidades científicas na Baviera, Lisboa e Áustria e recebeu o título de doutor Honoris causa pela Universidade de

Munique em 1897. Em 1914 passou a residir na Villa Amsse, perto do Lago Constança, onde faleceu em 1925, aos 75 anos.

D. Pedro II

A jovem princesa obteve de D. Pedro II, a quem dedicou a obra, autorização para percorrer várias províncias brasileiras. De 26 de agosto a 13 de setembro de 1888, esteve no Espírito Santo e passou por Cachoeiro, Vitória, Santa Leopoldina, Santa Teresa, Mutum, Linhares, Anchieta, Santa Cruz, Carapina, Vila Velha e outros povoados. Percorreu rios, matas; descreveu índios, costumes, imigrantes, geografia, clima, fauna, flora, atividades econômicas, enfim constituiu um rico panorama sobre a terra e a gente capixaba do final do século XIX. Também coletou, fotografou, desenhou e catalogou materiais etnográficos, espécies de plantas, insetos e animais integrados à sua coleção particular em Munique, que causaram sensação na Alemanha e na Europa. Teresa e seus secretários viajaram anônimos, tanto que muitos moradores capixabas pensavam que eram enge-

nheiros disfarçados analisando as condições geográficas para a construção de uma possível ferrovia nesta província. Muitas vezes, na impossibilidade de fazer fotos, Teresa desenhava aquilo que havia observado e, de volta à Alemanha, contava com a ajuda de artistas para retratar em cores vivas aquilo que ela havia visto. Sua contribuição à história natural foi tanta que em vida tornou-se sócia de várias entidades científicas, como a Sociedade Geográfica de Munique e a Real Academia de Ciências da Baviera em 1892 (foi a primeira mulher aceita nesta associação), na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1897, na Sociedade Antropológica da Áustria em 1900 ou na Sociedade Alemã de Antropologia, Etnologia e Pré-História de Berlim em 1913. Recebeu honrarias como a medalha da Áustria-Hungria para a Ciência e Arte (1908) e o título de Officier de l’ Instruction Publique pelo Ministério francês da Educação (1909). Em todos os povoados por onde passou costumava registrar aspectos que considerava relevantes: “Em Guarapari, que exporta peixes salgados, um pouco de algodão, ma-

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Pensar

por JULIO BENTIVOGLIO

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

a, Santa Teresa, Mutum, Linhares, Anchieta, Carapina e Vila Velha, entre outros povoados

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deira para construção e muito bálsamo, não permanecemos por muito tempo, de forma que tivemos que ver a paisagem pitoresca desaparecendo aos poucos diante dos nossos olhos”. A respeito da colônia de Santa Leopoldina indica que sua população era “constituída de tiroleses, alemães, suíços, holandeses, belgas, franceses, italianos, poloneses e luso-brasileiros”.

ARQUIVO JULIO BENTIVOGLIO

Botocudos

Teresa da Baviera constituiu um rico panorama sobre a terra e a gente capixaba do final do século XIX, descrevendo índios, costumes, imigrantes, geografia, clima, fauna, flora. Abaixo, a princesa ao lado de seus ajudantes, em acampamento às margens do Rio Doce

Os brasileiros são muito rápidos em suas promessas, mas não confiáveis no cumprimento. Também pode ser que nestes casos eles apenas prometem por cortesia e nós, alemães de costumes diferentes, acreditamos literalmente.” —

Princesa Teresa da Baviera Aristocrata alemã que esteve no Espírito Santo em 1888

Sobre os aldeamentos indígenas em Mutum, traz algumas pistas para se compreender as relações sociais existentes, mas também revela o caráter etnocêntrico de seu olhar europeu em relação aos botocudos: “Quando entramos na choupana inacabada dos botocudos, aberta em todos os lados, a maior parte destes selvagens estava largada a esmo, sem se ocupar com nada (...). Negociamos com eles flechas, capangas, fusos e vasilhames de cascas de frutas. Para cada objeto tivemos que pagar a mesma soma em dinheiro. Isto nos indicou que eles não possuem um conceito correto sobre o valor do dinheiro.” Sobre o principal produto da província, o café: “A casa onde estamos hospedados [em Vitória] fica perto do porto e é uma das maiores empresas de café do país. Todo o espaço do térreo é ocupado como depósito de café. (...) Justamente neste momento em que estamos aqui, os negros estão muito ocupados em encher os sacos, pesá-los e, com o peso certo fechá-los e em seguida carregá-los sobre a cabeça até o navio ancorado bem em frente à casa.” Outra informação preciosa veio de uma visita feita a uma dama em Vitória: “No retorno de uma das nossas saídas, uma mulher totalmente desconhecida nos convidou para irmos a sua casa, como parece ser costume no Brasil. A sala de estar consistia de cadeiras de bambu empilhadas umas sobre as outras, o que também é costume por aqui. Mas aqui não fomos convidados para tomar o habitual café, mas sim para tomar cerveja. Também nos prometeram um pássaro do lugar, que seria enviado para nós ao Rio de Janeiro. Será que ele chegará? Os brasileiros são muito rápidos em suas promessas, mas não confiáveis no cumprimento. Também pode ser que nestes casos eles apenas prometem por cortesia e nós, alemães de costumes diferentes, acreditamos literalmente.” Como se vê, trata-se de uma obra inédita em português, cujo valor é inestimável para diferentes áreas do conhecimento, e que lança nova luz sobre o passado capixaba no final do século XIX.


8 - SÁBADO - 3 / SETEMBRO / 2011 - 20:19

8 Pensar

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

+ artigo de capa por JULIO BENTIVOGLIO

OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE OS TRÓPICOS Teresa da Baviera encantou-se com o Mestre Álvaro, identificou a influência do Tirol em Santa Teresa e atribuiu o lento desenvolvimento do Espírito Santo ao baixo número de estradas

TERESA DA BAVIERA/ARQUIVO

Vista de Muquiçaba, em Guarapari, onde se encontravam “casas de barro vermelho cobertas de palha”, como descreveu a pesquisadora em sua passagem pela aldeia

A

seguir, trechos do livro “Viagem pelo Espírito Santo (1888)”, da princesa Teresa da Baviera, que contém um recorte dos capítulos dedicados pela pesquisadora ao Espírito Santo, publicados originalmente no livro “Minha Viagem aos Trópicos Brasileiros”, em 1897.

fazenda de um certo senhor Barboza, no dia 31 de agosto de 1888, da qual registrou a seguinte impressão: “A cultura principal era o café, além disso, plantavam milho, cana-de-açúcar e criavam gado. Também havia sido feita a tentativa de uma pequena plantação de cacau, e assim tínhamos novamente a visão dos pés de cacau de cor escura que não víamos desde o Pará. No pátio espaçoso havia cachorros, galinhas ciscando por aí, máquinas faziam seus ruídos e um pomar de laranjeiras bem perto dali nos enviava o seu odor delicioso”.

1) Sobre o Espírito Santo: “O lento desenvolvimento da província, que em si é bastante rica, deve ser atribuído ao baixo número de estradas, que não permitem, ou permitem com muita dificuldade o transporte de produtos do interior para a costa e dali para os locais de exportação”. 2) A respeito da Colônia de Santa Leopoldina ela indica que: “Era uma das colônias fundadas em 1855 pelo governo, em cujo território vivem atualmente 11.000 pessoas. Esta população é constituída de tiroleses, alemães, suíços, holandeses, belgas, franceses, italianos, poloneses e luso-brasileiros. Depois que os primeiros camponeses tiveram que lutar contra muitas adversidades, parece que as pessoas deste lugar usufruem agora de uma vida no mínimo modesta, sendo para alguns até mesmo confortável”. 3) Sobre Santa Teresa: “A localidade, que pertence a Timbuí, ex-colônia de Santa Leopoldina, se situa entre montanhas de altura média, muito próximas umas das outras, bem perto do riacho Timbuí. Ela consiste de apenas alguns casebres feios, com muros em volta e de uma igrejinha que ainda não

Índia botocuda das margens do Rio Doce fotografada por Teresa da Baviera

conta com um sacerdote. As casinhas têm telhados cinza e, sem contar as janelas e as portas, lembram um pouco das casas dos camponeses do Tirol, de modo que daria até para pensar que estávamos no Tirol. Bem de acordo com o costume italiano, a torre da igreja com o sino se encontra à parte; ali o sino não é tocado através de batidas nele como é o nosso costume, mas é tocado, puxando-o por uma corda amarrada”. 4) Às margens do Rio Doce, visitou a

5) A respeito de Linhares a jovem princesa confessa: “Linhares, onde fomos passear na parte da manhã, é uma pequena vila humilde que surgiu de uma antiga aldeia de botocudos. Ela consiste apenas de algumas dúzias de casebres feios, cobertos com telhas e pitorescas cabanas de barro com teto de palha. As casas, todas de um piso somente, são cercadas em três lados por um gramado enorme e ermo”. 6) A descrição da Capital capixaba – Vitória – é feita em seu diário num domingo, dia 9 de setembro de 1888: “Vitória, uma cidade de cerca de 20.000 habitantes, com doze igrejas e capelas, dispõe no momento de apenas um sacerdote. Por conseqüência, só teve lugar uma única missa em toda a cidade e mesmo esta não contou com muitos freqüentadores. (...) A igreja onde a missa foi rezada, não tinha bancos, nem cadeiras e era muito feia. À tarde nos foi oportunizada uma excursão ao mosteiro Nossa Senhora da Penha com uma família brasileira que

praticamente só falava português. Entre os participantes havia uma noiva de dezesseis anos e uma jovem de dezenove que, pelos conceitos do lugar, já podia ser considerada uma moça de idade. Aqui os casamentos são realizados muito cedo, quando as meninas mal deixam seus calçados infantis. As jovens se caracterizam por excessiva timidez e, considerando os costumes do lugar, é algo quase impossível os noivos se conhecerem mais de perto. A noiva que estava conosco só podia ver seu noivo aos domingos, no entanto, dentro de poucos meses ela já deveria pertencer a ele por toda a vida”. 7) E esta, que é uma poética descrição que fez, encantada com a paisagem capixaba, quando visitou o mosteiro de Carapina: “Uma visão magnífica se descortinou aos nossos olhos. A noroeste estava o Monte Mestre Álvaro, majestoso e dominando tudo e coberto com mata virgem desde o sopé até a parte mais alta. Um pouco mais distante e mais a oeste, o Morro da Serra delineava-se em lindas formas escuras contra o céu tropical iluminado. Aos nossos pés, entre as ruínas e o morro distante, estendia-se uma planície maravilhosa, em parte coberta pela mata. (...) Em meio à fartura do verde das frondosas árvores copadas jazia uma relva amarelo-dourada. Ao sul estava a parte montanhosa pela qual acabáramos de passar, e a sudeste acenavam os pontos altos da baía de Vitória com o mosteiro Nossa Senhora da Penha construído nas próprias rochas. A leste estava o mar azul, fechando a perspectiva num todo harmônico”.


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poesias RETRATO JONAS ROSA De repente, havia-nos cabelos Penteados à Hollywood. Éramos menino de fundo de gaveta, Homem de gaveta sem fundos. Ambos amarelecidos, de tempo. Olhamo-nos. Ele espantei-me comigo, Eu espantou-se com ele. De repente, não mais.

ACORDES Anelo escrever minha canção do tempo. Não daquele que passou, do que virá. Que sonoridade teria, memento?

crônicas A COMBATIVA RAÇA DOS VIRA-LATAS ATIVISTAS Por MANINHO PACHECO Eles ignoram passeios com coleira no calçadão. Banhos semanais? Imagina! Isso é desvio pequeno-burguês de cachorro de madame. Sobre quem me refiro afirmo sem medo de errar: sim, eles são de esquerda. Trata-se dos cães vira-latas ativistas, presentes em qualquer parte do mundo onde haja uma manifestação urbana contra o que quer que seja. A eles importa menos a causa que a oportunidade de se juntar à matilha humana de estudantes e sindicalistas para protestar (latir, no caso) e, literalmente, avançar contra a repressão. Não, eles não rejeitam o neoliberalismo nem a privatização do sistema educacional. O que os move é a agitação nos espaços públicos, os jatos dágua despejados por blindados, as balas de borracha, o lacrimogênio,

as bombas de efeito moral. Não são recrutados por flash mob nem se intercomunicam através de redes sociais. Mas nos recentes confrontos ocorridos em Santiago e Atenas sempre havia um deles. Solitários ou em bandos, mas solidários aos manifestantes humanos. Por estarem presentes em diversas partes do planeta, os cães ativistas carregam um involuntário instinto internacionalista. Que os confere um certo ar trotskista. Ou anarquista, como o vira-lata Lukanikos (“salsicha”, em grego) foi tachado por manifestantes atenienses. Lukanikos já foi capa da revista “The Economist”, possui site próprio, clipe. Mas não está só em seu ativismo canídeo. Nas recentes manifestações de Santiago, cães ativistas surgiam de todas as partes arreganhando os dentes

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para os carabineiros e avançando sobre seus escudos acrílicos. Matéria prima não falta. Santiago é a capital com a maior população de cães de rua de todo o continente americano. Algo como 2,5 milhões de indivíduos inteiramente integrados à cidade e extremamente bem tratados pela população. Cães urbanos são da espécie Canis lupus familiaris. Provenientes dos lobos, são animais domesticados. Como tais criaram laços de dependência forte demais com humanos e perderam completamente a capacidade de sobreviver por conta própria. Os que vivem nas ruas são indefesos e vulneráveis à crueldade, fome, doença e morte. Trata-se de uma parcela tão socialmente excluída quanto os humanos por quem se solidarizam. Não são de esquerda ou direita, mas apenas cães. Ao se misturarem aos protestos dos homens não o fazem por motivação ideológica, mas ancestral. Apenas seguem o instinto de estar de uma forma original ao lado de quem os domesticou há cerca de 17 mil anos. E fazer jus à fama de serem seus melhores amigos.

Só mesmo o tempo só, o tempo é que dirá.

AO VENTO No princípio criou Deus minha vila. Havia a rua, morros e milharal. À noite alumiavam lampiões, De dia verdejavam ramas, flores E borboletas de maracujá. Mas deu-me asas o Senhor, ai de mim, antes não. Voejei longe demais. Agora, ora, do nada Peguei um vento. É cisco, creia. Longe de mim Chorar.

SIMPLES, ASSIM Por NAYARA LIMA

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QUEM AMOU SOLANGE DE BELLEVIEW? Naquele antanho, Num veio de madrugada, Os cachorros todos enlouqueceram. Sol saiu, encantada, Meio acordada, meio adormecida, Atraída. Pares de olhos insones espreitaram. Na boca da mata, ele a amou uma, uma vez, Mas tão definitivamente, e tanto! E sementes germinaram por muitos anos. Vinham-lhe rebentos belos, constantes, De finos pelos negros, à luz brilhantes.

Os 103 anos que me olhavam dentro da casa azul e branca, no Recôncavo Baiano, em plena cidade interiorana e alegre que é Santo Amaro da Purificação, disseram o que tempo nenhum consegue apagar. Dona Canô, mãe de oito filhos, Nicinha, Clara Maria, Maria Isabel, Rodrigo, Roberto, Irene, Maria Bethânia e Caetano Veloso. Dona Canô. Difícil transformar em crônica quem é poema. Não pela bonita e nobre razão de que de seu ventre saíram os dois grandes nomes da nossa música. Temos outros raros nomes da MPB e não sabemos de que ventre vieram. Dona Canô é conhecida por ser quem é. Seu luxo é a simplicidade. Em seus gestos estão a fé, a alegria, a lucidez, a ética e o amor. Do que a senhora tem medo? “Não tenho medo de nada”. Por que é feliz? “Porque casei com o homem que amo”. Do que mais se orgulha? “Não tenho orgulho, tenho alegria”. Respostas raras, e nela frequentes. Du-

rante minhas férias de janeiro a Dona Canô me disse o que permanece. E sabemos que em meio às tantas efemeridades cotidianas, encontrar o que permanece é questão ou de sorte ou de destino, se é que ambos existam. Sei que, de repente, percebi o que há de mais eterno. E que brindar tantos anos em meio a tanta sabedoria e lucidez, é nunca ter perdido a delicadeza. O mundo precisa de delicadeza. Pois que há. Ali, dentro de uma senhora com olhos de moça, e que neste mês comemora seus 104 anos de idade com a lucidez que meus vinte e três contemplam calados. Discursa em meio a multidões, recebe multidões outras, não esquece do que quer que seja, lê poesia, não perde as notícias do jornal, coloca ordem pelos cômodos, pede que na mesa todos comam bem. Começo hoje a me preparar para meu retorno à casa azul e branca, que logo estará cheia de cores, netos, amigos,

filhos, música, alegria, e mais uma história para contar. Não sei qual será o enredo que desta vez trarei comigo na bagagem, mas não me esqueço de quando num fim de férias não pude mais conter a pergunta que se repetia insistente, por todas aquelas noites, debaixo do maravilhoso céu de Santo Amaro: “Qual é o segredo para chegar assim aos 103 anos de idade?” Antes da resposta, por instantes, pensei que devesse pegar papel e caneta, anotar a receita, respirar fundo, me preparar para não esquecer de cada letra, tentar entender as nuances de tudo que é entrelinha. Até que Dona Canô sorriu com os ombros como se segredo não houvesse, como quem fez da simplicidade sua mais importante riqueza, e respondeu natural enquanto trazia para perto uma xícara de café: “Ah, minha filha, é só não se preocupar com bobagem...”. Simples, assim.


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música

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por VITOR LOPES

DEZ ANOS DO BLOCO QUE MUDOU O ROCK BRASILEIRO

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

OSCAR VASCONCELOS DOS ANJOS JR.

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BLOCO DO EU SOZINHO Los Hermanos Gravadora: Sony Music. 12 faixas. Quanto: R$ 12,90

Disco em que o Los Hermanos rompeu com a estética esperada pela massa, em busca de novos paradigmas artísticos, completa uma década mantendo seu frescor criativo

R

io de Janeiro. 09 de outubro de 2001. O relógio marca 20h30 e o letreiro do Canecão anuncia o show de lançamento do segundo CD do Los Hermanos, “Bloco do Eu Sozinho”. Minutos antes do início da apresentação o cenário é desolador. Pouquíssimas pessoas preenchem a pista da casa de shows, num possível reflexo lamentável do que foi a ojeriza provocada pela competente e grudenta “Anna Júlia”, música que fez Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Rodrigo Barba e Bruno Medina ícones de um pop midiático brasileiro. Mas se até o primeiro álbum da banda, que teve sua qualidade ofuscada por um estrondoso sucesso monotemático, reservava suas pérolas, não era de se estranhar o que aconteceu naquele outubro de 2001. Como saídos de um ônibus de excursão que faz lotar o auditório do Silvio Santos, fãs (creio que a partir dali já podemos usar o termo fiéis) encheram uma das mais tradicionais casas de shows do país, fazendo daquela uma das grandiosas noites da história da música brasileira contemporânea, com momentos de ora intimidade, ora histeria apoteótica e início de uma louvação só encontrando ecos na findada Legião Urbana. O contraste dessa apresentação é um espelho de toda importância do disco, reservando surpresas aguçadas em uma audição e análise mais atentas.

Sítio

A história por detrás de todo o sucesso segmentado de crítica de “Bloco do Eu Sozinho” já é conhecida, mas merece um resumo: após um primeiro disco com milhares de cópias vendidas, a gravadora esperava mais um sucesso. Recolhida num sítio, a banda tirou um de seus integrantes, rompeu com a estética esperada pela massa, criou quizumba com a gravadora, mudou de produtor e sofreu na pele a geladeira comercial. CD sabotado nas lojas, quase nada vendeu, mas aos poucos foi cravando seu nome na música bra-

sileira, figurando ao lado de pérolas como “Acabou Chorare” (Novos Baianos, 1972) e, arrisco-me a dizer, “Tropicália ou Panis et Circencis” (Vários, 1968), alguns dos álbuns que se apresentam como indicadores de novos paradigmas. Passados 10 anos de seu lançamento e já enraizado por uma boa parte dos atuais cânones da atual crítica de música popular, “Bloco do Eu Sozinho” mantém vigor ao apresentar em seu âmago (ainda que ingenuamente) todas as contradições há tempos debatidas, indo muito além das visíveis diferenças entre os dois compositores do quarteto, Amarante e Camelo.

A importância de cada faixa Todo Carnaval tem seu fim Não por acaso, abre o disco. Sem refrão, música e letra já dão o tom do que vem a ser o álbum: negação à indústria dos hits fáceis. A Flor Compositores de veias distintas, Camelo e Amarante fazem desta uma de suas raras parcerias. Retrato pra Iaiá Antes mesmo de imaginar seu futuro grupo, o Little Joy, Amarante já arrastava suas asinhas para uma espécie de música praiana. Assim Será Música que apresenta flertes profundos de Camelo com letras mais elaboradas, principalmente no jogo de palavras do verso “sei que seu fel fenecerá”.

Pós-utópico

Casa Pré-Fabricada Casamento perfeito entre o peso e o singelo, uma tônica do disco. Cadê teu suin-? Forte jogo de palavras em que Camelo esbofeteia a crítica, jornalismo cultural, indústria e qualquer um que pretendesse guiar os caminhos da banda. Sentimental Dita como uma das mais belas canções da recente música pop brasileira. Está perdido no meio da letra o forte verso “se ela te fosse direta, você a rejeitaria”. Cher Antoine Início em francês e final em português. A banda raras vezes tocou essa música em show. No álbum, dá os primeiros sinais do affair com o circense. Na MPB, retoma a cultura da música francesa. Deixa Estar A letra e a forma de cantar brincam com fonemas (“ziguezagueando zonzo...”). Mais uma canção Instrumentos cirurgicamente quase

desafinados e uma despretensão única para chegar perto do universo do circo. Fingi na hora rir A estética do clipe foi um marco temporário na cena pop nacional ao fazer uso de um vídeo caseiro da festa de 15 anos de um dos amigos da banda. Veja bem meu bem Gravada até por Maria Rita, mostrava um Camelo cuidadoso com as palavras, destacando-o como principal letrista da banda. Tão Sozinho Único hardcore do álbum. Única lembrança do gênero que dominou o disco anterior e que eles nunca mais tocaram. A letra é um quase adeus ao gênero. Adeus Você Final apoteótico com pitadas de bolero e música erudita orquestrada, repleta de violinos, violoncelos, viola e oboé.

O “Bloco” não pretende dar uma nova dimensão do que é o Brasil, não tem compromisso nenhum com uma linearidade temporal ou temática e é apaixonado por contrastes tão gritantes em suas composições que só reforça o seu caráter pós-utópico, em referências sonoras discrepantes e enriquecedoras. Lança-se como um novo incentivo libertador para os músicos brasileiros do início deste século, responsável, por que não?, por uma reaproximação de uma jovem geração de classe média com ícones do passado (símbolos carnavalescos, sambistas diversos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Zé...). É um dos raros, porém cada vez mais constante, momentos em que o rock brasileiro passa a dialogar com uma certa tradição nacional, deixando de lado sua cega reverência ao pai inglês. Talvez seja este o grande mérito de “Bloco do Eu Sozinho”. O disco encerra-se em si mesmo, num claro abandono desses paradigmas nos álbuns posteriores do próprio Los Hermanos. Numa metáfora gastronômica, o “Bloco” seria o livro de receitas com os ingredientes em separado, e “Ventura” e “4” os pratos em si, já apresentando a visível distância entre o doce (Camelo) e o salgado (Amarante), sabores que se mostram tão distantes entre si, mas com os quais a gente não sabe viver.

Registro exclusivo do show de lançamento do “Bloco do Eu Sozinho”, em 2001, no Rio de Janeiro: incentivo libertador para os músicos brasileiros do início deste século


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 3 DE SETEMBRO DE 2011

diário de viagem por CAÊ GUIMARÃES

O ESPÍRITO DO MUNDO AQUI, LÁ E EM TODO LUGAR Cronista descreve o primeiro mês da série de festivais que levam artistas capixabas e de outros Estados à Europa, com um mosaico da produção cultural local e nacional

“V

ivemos aqui” – apontei no mapa – “entre as antigas capitais do Império, Salvador e Rio de Janeiro, que também foi a primeira capital da República. Ao oeste, Minas Gerais. Durante a colônia fomos a fortificação natural que impedia piratas e corsários de roubar as joias da Coroa Portuguesa extraídas desse chão. E, ao leste, o mar que nos separa’. Os olhos de Oriol Savall, meu novo amigo, iluminaram a terraza onde me recebeu naquela noite quente de verão em Ventalló, vila medieval nos arredores de Girona, na Catalunha. “Mas então vocês são pequeninos ao lado de gigantes?”, perguntou. Respondi sem titubear, antes de continuar o gaspazcho que sua mulher, Monteserrat, fizera para nos receber. “É. Mas nos tornamos gigantes quando deixamos de pensar pequeno”. Ao responder, percorri tudo que havia vivido na semana anterior e a preparação para o Espírito Mundo, conjunto de festivais realizados na Europa, nos meses de agosto e setembro, organizados pelo Instituto Quorum com parceiros europeus. O que começou há quatro anos como Espírito Poitou, em Celles sur Belle, região de Poitou Charrents, interior da França, se tornou uma ocupação das terras europeias, com os festivais Espírito Provence, em Aix en Provence, também na França, o Hay Espírito Madrid, na capital espanhola, e o Espírito Brum, em Birmingham, Inglaterra. Em quatro anos, mais de 100 artistas e técnicos capixabas apresentaram espetáculos de música, teatro, dança, exposições de artes plásticas e audiovisual e recitais de poesia para o público europeu. Antes restrito a artistas do Espírito Santo, o Espírito Mundo também trouxe à Europa na edição 2011 artistas de Maranhão, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O formato do projeto, único no país, permite a esses artistas um rico intercâmbio com colegas de outras regiões brasileiras e com franceses, espanhóis e ingleses. No idioma universal da arte, Poitou viu a música eletrônica de Joe Zee dialogar com o

FOTOS: SÂMIA LIEVORE

Wanderson Lopez foi um dos músicos que se apresentaram em Poitou, na França

O Joe Zee exibiu sua música eletrônica com o Coup D’marron, de La Rochelle

O paraibano Babilak Bah, radicado em Minas Gerais: ritmo vigoroso

folk rock do Coup D’marron, de La Rochelle, e a pajelança percussiva eletrônica de Babilak Bah e Johny Herno, das Gerais. A guitarra portuguesa e os violões de seis e oito cordas de Wanderson Lopez formaram par com músicos franceses e o violonista aproveitou para fazer uma parceria com Gustavo Macaco em letra deste com uma poesia de minha autoria. O resultado das oficinas de poesia que eu e Aline Yasmin demos

ao longo do ano em Itaúnas para crianças e jovens de 09 a 15 anos se tornaram o livro bilíngue português/francês “De la Belle a Itaúnas”, partilhado com as poesias de jovens franceses da mesma faixa etária, em oficinas ministradas pelo poeta Paul Badin. O Forro Bem Tivi ganhou a participação do comediante e DJ Coutron e da atriz Vanessa Karton, que recontou histórias e lendas de Itaúnas com intervenções do forró capixaba.

Desdobramentos

O personagem das primeiras linhas, catalão que possui casa em Fortaleza, mas não conhece o Espírito Santo, é tio de Joana Castells, minha tradutora. Após participar do primeiro dos festivais, fui encontrá-la em Girona para tratarmos da finalização da tradução de “Fragment de Ningú i D’altres”, coletânea dos meus escritos em catalão supervisionada pelo tradutor Josep Domenech i Ponsatí. Assim como eu, outros participantes seguiram suas conexões Europa afora, até nos reencontrarmos em Aix en Provence, de onde me despeço hoje para retornar ao Brasil. E há os que chegaram depois, como o samba-rock do Tabacarana, que conquistou Paris antes de chegar aqui. O que isso representa? Muita coisa. Não apenas a abertura de novos mercados para esses artistas que vivem e trabalham no Espírito Santo, Estado que pariu e/ou abrigou grandes artistas em todas as áreas ao longo da história, mas sempre esteve isolado da vida cultural do país. Não apenas a possibilidade do intercâmbio, ou posicionamento deste modelo de exportação de cultura que desperta admiração em produtores e artistas do resto do país. Mais do que isso, estamos aqui, percorrendo casas de concertos e espetáculos, praças públicas e ruas, levando ao mundo um nome, uma história, um modo de falar cultura, respirar cultura, comer e beber cultura. Nossa forma de estar no mundo. Em troca, o mundo começa a nos ver com outros olhos. Esta construção é longa. Ela se faz quando pessoas como Oriol, homem culto, filho dos donos da Livraria do Sol e da Lua, centro de resistência ao franquismo no período mais negro da história espanhola, descobre que existe um lugar cheio de riquezas chamado Espírito Santo por intermédio de seus artistas. Também se faz quando um vendedor de peixes nas feiras da elegante Aix en Provence dança e sorri ao som da nossa música. Ou quando nos bureaus de turismo dessas cidades, pessoas do mundo inteiro descobrem que existimos. Nestes dois meses, os que aqui estão são os verdadeiros embaixadores da cultura produzida não apenas no Espírito Santo, mas em todo Brasil.


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