PENSARCOMPLETO1103

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Entrelinhas

LIVRO DESCREVE A CRIAÇÃO DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO NA EUROPA DO SÉCULO XIX. Página 3

PENSADORA DA LIBERDADE POLÍTICA Especialista analisa atualidade dos estudos de Hannah Arendt. Páginas 10 e 11

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VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE MARÇO DE 2012

www.agazeta.com.br

DIVULGAÇÃO

Educação

ENSINO OBRIGATÓRIO DE MÚSICA NAS ESCOLAS MOVIMENTA O SETOR. Página 4

Cristo Redentor: representação simbólico-afetiva do Rio de Janeiro

Festivais

INDEPENDENTES REPRESENTAM MUDANÇA DE CONCEITOS NA DIFUSÃO MUSICAL. Página 5

Artigo

A FORÇA INTELECTUAL DO HUMOR, SEGUNDO MILSON HENRIQUES. Página 12

Realidades urbanas

ACADÊMICA APONTA MEIOS PARA CONSTRUÇÃO DE UM VIVER POÉTICO NAS CIDADES Páginas 6, 7 e 8


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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE MARÇO DE 2012

quem pensa

Anaximandro Amorim é advogado, professor e escritor. www.anaximandroamorim.com.br

Daniela Ramos é jornalista e Assessora de Comunicação da Fames. daniela.ramos@fames.gov.br

marque na agenda prateleira Publicação Cronista José Costa em revista

A nova edição do “Caderno D” destaca a produção literária do jornalista que faria 80 anos em outubro deste ano. Os textos estão disponíveis no site www.dio.es.gov.br.

Campus Mestrado e doutorado em Letras

Sérgio Rodrigo Ferreira é artista gráfico, blogueiro e contista. sergiorodrigosf@gmail.com

Talles Lopes é presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes. planejamento.goma@gmail.com

Ana Luisa Almeida é diretora do Reputation Institute e professora da PUC-MG. aalmeida@reputationinstitute.com

Caê Guimarães é jornalista, poeta e escritor. Publicou quatro livros e escreve no site www.caeguimaraes.com.br

João Moraes é jornalista, músico e documentarista. joaopatuleia@superig.com.br

Estarão abertas, de 23 a 27 de abril de 2012, as inscrições para o mestrado e para o doutorado em Letras do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Ufes. Os editais estão disponíveis no endereço http://www.ufes.br/ppgl/.

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de março

Urbanização contemporânea é tema de palestra na Ufes

O professor Wilson Rib eiro dos Santos Júnior, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP ), apresentará a palestra “A urbanização contemporânea em territórios metropolitano s: questões atuais”. Na próxima segunda, às 14 h, no auditório do Centro de Artes (Cemuni IV).

Francisca Selidonha é mestre em História Social das Relações Políticas pela Ufes. franciscasp@hotmail.com

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Milson Henriques é cartunista, dramaturgo e ator, não tem e-mail e não usa celular.

Dentro das comemorações do centenário do dramaturgo, a acadêmica Fernanda Maia Lyrio realiza a palestra “O desagradável vai à boca de cena: Nelson Rodrigues e a multifacetada tragédia brasileira moderna”. Na próxima terça, às 16h, na Biblioteca Pública Estadual.

Gilson Soares époetaeprodutordoprograma“Toca-discos”,na RádioUniversitáriaFM. gilsonsoaresccv@gmail.com

de março

Nelson Rodrigues em foco na Biblioteca

Outro Israel: Reflexões de Uri Avnery Uri Avnery Uma das personalidades mais importantes de seu país, o ativista israelense aponta elementos para entender a Questão da Palestina, defendendo uma solução pacífica para o conflito que centraliza toda a problemática do Oriente Médio. 336 páginas. Civilização Brasileira. R$ 39,90

Filosofia Sentimental – Ensaios da Lucidez Frédéric Schiffter Que valor dão os grandes pensadores às temáticas comuns, presentes na vida de todos? Para responder a essa pergunta, o autor pesquisou a obra de 10 intelectuais que escreveram sobre suas experiências pessoais, incluindo Nietzsche, Proust e Freud. 160 páginas. Difel. R$ 29

Città di Roma Zélia Gattai A autora (1916-2008) relata a vinda de seus antepassados italianos para o Brasil a bordo do navio Città di Roma, no qual emigraram suas famílias materna e paterna, em fins do século XIX. Os casos de sua vida cotidiana se entrelaçam com o cenário político do país. 184 páginas. Companhia das Letras. R$ 37

Abaixo de Zero Bret Easton Ellis Em seu romance de estreia, lançado em 1985, Bret Easton Ellis desenha um retrato visceral da juventude dos anos 80 numa trama que envolve drogas, sexo e dinheiro e acentua o vazio existencial de toda uma geração. 176 páginas. L&PM Pocket. R$ 15

SOBRE DESEJOS E CIDADES

José Roberto Santos Neves

É possível conciliar desenvolvimento com qualidade de vida? Como podemos construir uma rua, um bairro, uma cidade melhor para se viver? Questões como essas serão debatidas na edição 2012 dos Seminários Internacionais Museu Vale, de 14 a 18 de março, em Vila Velha. O tema do encontro – “Se essa rua fosse minha... – sobre desejos e cidades” – sugere reflexões sobre a construção de um viver poético nos espaços urbanos. No Pensar de hoje, a professora da PUC (MG) Ana Luisa Almeida, uma das palestrantes do seminário, elenca os fatores que definem a identidade de uma

Pensar na web

cidade, destacando que essa formação é contínua e se renova diariamente, por meio da contribuição de diversos atores sociais – nas suas palavras, “todos aqueles que têm algum tipo de interesse em relação à cidade”. Almeida lança questões pontuais: o que, de fato, leva as pessoas a admirar uma cidade? Ou a considerar um bom local para se morar? A palestrante cita como exemplo as diferentes imagens associadas ao Rio de Janeiro, de “Cidade Maravilhosa” a palco da guerra do tráfico. As suas percepções são universais e cabe a todos nós adaptá-las para a cidade onde vivemos.

é editor do Caderno Pensar, espaço para a discussão e reflexão cultural que circula semanalmente, aos sábados.

jrneves@redegazeta.com.br

Trechos de entrevista com Hannah Arendt, músicas e vídeos de bandas que participam do festival “Grito Rock” e trechos de livros comentados nesta edição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493


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entrelinhas

Pensar

por ANAXIMANDRO AMORIM

O LEGADO DOS TEATROS EUROPEUS DO SÉCULO XIX

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ublicado em 2008, na França, o livro “A Gênese da Sociedade do Espetáculo – Teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena”, do historiador Christophe Charle, é lançado agora, em 2012, no Brasil, pela Editora Companhia das Letras, com tradução de Hildegard Feist e introdução brasileira de Heloísa Pontes. Trata-se de mais um daqueles raros livros felizes, em que um experiente autor consegue a façanha de aliar história e entretenimento, na medida certa. Professor da Universidade Paris I, Christophe Charle nasceu em 1951, em Paris. Dono de um currículo invejável, foi aluno de doutorado do sociólogo Pierre Bourdieu. Charle, além de professor universitário, dirige, desde 2001, o Instituto de História Moderna e Contemporânea (vinculado à École Normale Supérieure, instituição de ponta do ensino superior francês). O autor advoga a tese, em “A Gênese da Sociedade do Espetáculo”, de que o século XIX nos deixou numerosos legados positivos – a grande indústria, o culto ao progresso, a modernidade, a difusão da instrução, a urbanização, o fim do antigo regime agrário, o desenvolvimento da democracia e o progresso do feminismo. Mas há um legado que, segundo ele, os historiadores ignoraram durante muito tempo: a criação da primeira sociedade do espetáculo, anterior ao que Guy Debord detalhou em livro quase homônimo e que serviria de fundamento ao boom midiático dos séculos seguintes. Partindo dessa premissa, Christophe Charle alicerça seu edifício de conhecimento nos fenômenos teatrais, notadamente os da capital francesa. Principal entretenimento coletivo do século XIX, o teatro era capaz de alcançar a mais ampla gama de categorias sociais. Diferentemente do livro e do jornal, não requeria competência em termos de leitura e, portanto, podia estender-se a um público recém-alfabetizado, até iletrado. Teatros como o Opéra Comique, o Palais-Royal e o Odéon são alguns dos vários exemplos de casas de espetáculos que se proliferaram numa Paris que ditava a moda, influenciando a Europa da época e, quiçá, o dito “mundo civilizado” de então. As peças francesas, principal produto de exportação cultural, eram um retrato da pequena burguesia que se formava naquele século, seus valores e costumes, concomitantemente ao nascimento de uma indústria de entretenimento que se dava ao luxo de criar suas

A GÊNESE DA SOCIEDADE DO ESPETÁCULO – Teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena Christophe Charle. Tradução Hildegard Feist. Companhia das Letras. 416 páginas. Quanto: R$ 77, em média

DIVULGAÇÃO

A bela atriz francesa Sarah Bernhardt (1844–1923): uma das primeiras celebridades do mundo artístico. Ao lado, interior da sala do antigo Burgtheater, em Viena

próprias estrelas, como no caso da atriz Sarah Bernhardt (1844–1923), certamente o maior exemplo da influência e do status desfrutado pelos atores da época.

Metrópoles

Além do teatro parisiense, Charle revisita também a história da formação da cena teatral em Londres, Berlim e Viena que, segundo ele, além da “Cidade Luz”, eram as únicas metrópoles que detinham condições, à época, de formar um público em torno dessa arte. Nesses locais, a influência francesa servia como veículo de ideologia política. Em Praga, outra capital europeia citada pelo autor em função das quatro principais, a adoção de uma dramaturgia francesa sinalizava a recusa da germanização cultural e a

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adesão do liberalismo político então associado à França. Mas nem só de peças francesas se nutriam os espectadores dessas capitais. A dramaturgia alemã e inglesa também se expandiu, ainda que em grau menor. O inglês se tornaria a língua dominante no plano da cultura bem mais tarde. Além disso, aquele século assistiu a uma proliferação de salas, como as do East End, os music-halls, o Drury Lane (um dos mais antigos de Londres) e o Vaudeville, na Inglaterra; os Deutschestheater, Nationalstheater, e o Schauspielhaus, em Berlim, e os Kaiserjubiläumstadttheater, Josefstädtertheater e o Deutsches Volkstheater, em Viena. Como toda boa pesquisa, “A Gênese da Sociedade do Espetáculo” vem apoiada por tabelas e mapas, reunindo

TRECHO “Desde o século XVIII, o teatro é, sem dúvida, uma das mais importantes e mais visíveis de todas as instituições que contribuem para a atividade cultural de uma capital. Diferentemente dos museus, das bibliotecas, das universidades, dos concertos que atraem públicos limitados e em geral elitistas, os teatros têm potencial para dirigir-se a todos, autóctones ou estrangeiros, visitantes, migrantes ou habitantes permanentes das capitais, letrados e, às vezes, analfabetos. Diferentemente dos salões de pintura e das exposições temporárias, reúnem públicos com continuidade e regularidade ao longo do ano inteiro. Diferentemente das produções impressas, criam, durante a representação ou durante os comentários que se seguem, um elo social coletivo na instantaneidade e na imediaticidade da presença – o que o jornal ou o livro não conseguem fazer, apesar do número crescente de leitores e dos comentários de que são objeto em locais públicos (cafés, gabinetes de leitura) ou em conversações privadas.”

dados raros, como, por exemplo, o número de teatros naquelas capitais, o público em potencial, a origem social dos dramaturgos, dentre outros. Engana-se, no entanto, quem pensar que a obra se trata de uma tese meramente acadêmica: com uma edição caprichadíssima, espantando, já na capa, pela reprodução vertical do interior do antigo Burgtheater da capital austríaca, o recheio traz uma seção com várias fotos de salas de espetáculo, atores e atrizes e programas de peças, tudo escrito numa linguagem simples e direta para convidar o leitor a fazer um passeio pelo deslumbrante mundo dos teatros europeus do século XIX. Leitura indispensável para estudiosos do tema, amantes das artes cênicas ou meramente curiosos no assunto.


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educação por DANIELA RAMOS e SÉRGIO RODRIGO FERREIRA

NOVOS HORIZONTES PARA O ENSINO MUSICAL Para articulistas, inclusão obrigatória da disciplina de música nas escolas brasileiras, a partir deste ano, representa um momento sem precedentes para os profissionais da área

“Q

uem não gosta de samba bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”. A constatação de Dorival Caymmi em “Samba da minha terra” retrata a impossibilidade de ser brasileiro e não sentir ou ter uma predisposição ao ritmo e ao som. Entretanto, apesar de sermos uma nação cheia de musicalidade – ostentamos com orgulho a invenção do samba e da Bossa Nova –, infelizmente somos ainda um país que possui pouca cultura de educação musical formal, o que é bastante negativo, tendo em vista a potencialidade da arte musical e a educação como instrumentos de transformação individual e social. Mas isso está mudando. No ano de 2008, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi alterada para que, ainda neste ano de 2012, todas as instituições de ensino incluíssem obrigatoriamente em sua grade curricular o ensino da música; a disciplina Arte ficaria a cargo desta função. A pertinência da mudança fica evidenciada quando se põe em pauta os benefícios conhecidos pelo aprendizado sistematizado e regular que a música produz: concentração, disciplina, sensibilização, sociabilidade, conhecimento cultural são alguns deles. Além dos benefícios que o acesso democrático ao conhecimento musical dará aos alunos, a inclusão da música no currículo do ensino regular representa um momento sem precedentes para os profissionais da área, com o surgimento de uma vasta demanda aos licenciados e, consequentemente, uma grande responsabilidade às instituições de ensino, que formarão os especialistas para atuar neste campo. No coração da Capital do Espírito Santo, a Faculdade de Música, a Fames, há quase seis décadas é uma dessas instituições que despontam como espaço de formação de profissionais para a prática, ensino e reflexão desta arte, e é ainda hoje referência no ensino da música em nosso Estado, com o mérito de ser pública e estadual. Fundada em 1954, ainda com a alcunha de Escola de Música,

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Com a aplicação da lei, instituições como a Fames terão um grande desafio para formar e capacitar professores de música

pela professora e pianista Ricardina Stamato da Fonseca e Castro, a Fames foi constituída e formadora de importantes nomes da música feita no Espírito Santo, como o violonista Maurício de Oliveira, que empresta atualmente seu nome à instituição; a soprano Natércia Lopes; o casal de violinistas Vera e Alceu Camargo; as pianistas Áurea Adnet e Any Cabral, e muitos outros.

Talentos

Os atuais investimentos que fazem com que a instituição acompanhe os avanços tecnológicos e as políticas públicas de democratização do ensino, tais como informatização, aquisição de novos materiais (como mobiliário, instrumentos, livros etc), implantação do núcleo de musicografia braille, programas de televisão, publicações acadêmicas e outros, re-

sultam na formação de profissionais preparados para o mercado de trabalho. O resultado é a produção de jovens talentos que têm se destacado como exímios musicistas reconhecidos por concursos de notoriedade nacional e internacional. Entre eles, o percussionista Léo de Paula (IV Concurso Nacional de Jovens Músicos, 2011), os pianistas Andrei Liquer (Concurso Latino Americano Rosa Mística, 2011) e Fernando Vago (III Concurso Nacional Jovem Destaque, 2011), o violonista Renan Simões (11º Concurso Internacional Cidade do Fundão em Portugal, 2010) e o violoncelista Lucas de Oliveira (Prêmio Especial Celina Svrinsk, 2011), só para citar alguns. É certo que a música sempre exerceu papel de enorme importância em nossa sociedade, com função em entretenimento, em rituais cívicos e religiosos, e mesmo como elemento

fomentador de relacionamentos. Hoje em dia ela está ainda mais presente em nossos cotidianos, na TV, no rádio, nos CDs, no telefone, e com a emergência dos novos meios de comunicação podemos afirmar que nunca antes se ouviu e se fez tanta música. Entretanto, só por meio de um bom processo de educação poderemos despertar uma vivência da música mais profunda e crítica com o desenvolvimento de uma linguagem musical que contemple a tradição de toda sua rica história como arte, atrelada às perspectivas contemporâneas de seu fazer. Dita essa importância do ensino musical e a urgência pela lacuna de profissionais no mercado pela mudança na lei, uma instituição com o peso e a tradição da Fames se torna uma importante ferramenta para suprir as necessidades impostas pelos novos tempos.


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falando de música

Pensar

por TALLES LOPES

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O GRITO DE LIBERDADE DOS INDEPENDENTES

O

s festivais de música têm um papel muito importante no processo de constituição da música brasileira contemporânea. Desde os anos 60, com os grandes festivais de música feitos pelas emissoras de TV, que esta plataforma é a vitrine para a consolidação de artistas, canções e estilos. Foram esses festivais que posicionaram nacionalmente grande parte dos artistas que consideramos hoje os grandes nomes da Música Popular Brasileira. Eram espaços onde o novo e o velho se encontravam, mas, fundamentalmente, aquele período e aqueles festivais foram marcados por revelar uma grande quantidade de artistas de diferentes regiões e matrizes musicais. No início dos anos 80, esse modelo de festival organizado pelos canais de televisão deixa de existir e, durante praticamente uma década, os chamados festivais da canção mantiveram, principalmente pelo interior do país, esta plataforma viva com festivais competitivos voltados para atender compositores e intérpretes que não haviam conseguido ultrapassar o filtro, cada vez mais apertado, das grandes gravadoras. Os maiores exemplos são o Festival de Tatuí (SP) e o Festival de Boa Esperança (MG). Nesse mesmo período, surge um outro tipo de festival no país, voltado para receber artistas internacionais, como o Rock in Rio e o Free Jazz, e que passa a ter a atenção dos veículos de comunicação e grandes patrocinadores. No início dos anos 90, um novo modelo de festival de música ganha força no Brasil e se estrutura a partir de novos princípios e de uma nova relação com o mercado musical: o chamado festival independente. Até então, os festivais tinham caráter competitivo e fortes relações com a indústria musical, seja através do vínculo com as grandes emissoras de TV, seja através das grandes gravadoras que utilizavam os festivais como programa de difusão de seus produtos e descoberta de novos talentos. Esse novo modelo abandona a lógica competitiva e passa a se estruturar enquanto espaço de mostra artística fortemente ligado a sua localidade e matrizes musicais. O melhor exemplo, no início dos anos 90, é o Abril Pro Rock, que acontece em Recife, em 1992, e tem uma forte conexão com o movimento do Mangue Beat. A partir daquele momento, produtores espalhados por todo o país passaram a acreditar que a plataforma do festival independente poderia ser uma ponte para o posicionamento e fomento de um cenário local de música. Isso desencadeou o sur-

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A banda Mendigos Cientistas, uma das atrações do festival Grito Rock, hoje, no Praia Tênis Clube: trabalho em rede

Esse novo modelo abandona a lógica competitiva e passa a se estruturar enquanto espaço de mostra artística fortemente ligado a sua localidade e matrizes musicais” gimento de uma série de festivais independentes por todo o país. Com a chegada da internet ao Brasil e a sua propagação, no final dos anos 90, um novo fenômeno começa a impulsionar ainda mais essa nova plataforma. Agora, os produtores de festivais tinham uma ferramenta que lhes permitia conectar-se muito mais rapidamente e os artistas tinham uma facilidade maior para gravar e distribuir seus produtos – o que acabou impulsionando bastante o mercado de música independente. Selos independentes, novos artistas, produtores, casas de shows e jornalistas tinham

agora um grande espaço de interlocução, ao mesmo tempo em que os antigos modelos de produção e difusão musical entravam em declínio e não conseguiam mais atender à demanda de renovação estética da música brasileira. Os festivais independentes passaram a ser o principal espaço para a apresentação de novos artistas e a principal plataforma de encontro e diálogo entre os novos agentes da música independente brasileira. Entretanto, para que todo esse movimento espontâneo pudesse gerar ainda mais frutos, um novo elemento, também trazido fortemente pela cultura digital, precisava ser incorporado: a colaboratividade e a cooperação. Em 2005, 16 festivais independentes brasileiros se reúnem numa ação pioneira para criar a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes) e, de forma simbólica e propositiva, esses agentes passam a trabalhar para que os novos princípios do mercado independente se estabeleçam nacionalmente e uma nova indústria musical possa emergir no país. Novos movimentos surgem, como o Fora do Eixo – que radicaliza nestas conexões em rede e nos princípios da colaboração e cooperação – e, simultaneamente, os festivais consolidam-se como grande plataforma de desenvolvimento local e conexão global. Os 16 festivais filiados se multiplicam, novos agentes se transformam em protagonistas e os prin-

cípios de circulação, distribuição e difusão da música brasileira passam a ser debatidos em dezenas de cidades brasileiras. É nesse contexto que nasce um festival que pode simbolizar todas essas transformações vividas pela música brasileira: o Grito Rock. Organizado de forma integrada e simultânea desde 2007, o Grito Rock acontece este ano em 200 cidades e em 15 países diferentes. É um exemplo de trabalho em rede para a circulação não só de artistas, mas também de conhecimento e vivências. Essa plataforma, estruturada em 19 campanhas (www.gritorock.com.br), resume os novos princípios da produção cultural brasileira e evidencia, de forma muito clara, as mudanças que o mercado brasileiro viveu a partir da consolidação dos festivais independentes. O compromisso com a localidade e com a continuidade, a “desglamourização” do fazer artístico, a cooperação e a colaboratividade, e a ocupação dos novos meios virtuais de comunicação alinham-se em uma grande rede de agentes por todo o país, que acreditam ser possível pensar uma nova forma de se fazer cultura e, consequentemente, uma nova sociedade. Os gritos se uniram e se afinaram, e o que antes era um berro virou um belo coro em prol da nova música brasileira. Se você não sabe o que fazer pela música da sua cidade, fica a dica: comece fazendo um festival, comece fazendo o seu Grito Rock!


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vida urbana

Pensar

por ANA LUISA ALMEIDA

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE MARÇO DE 2012

Para a diretora do Reputation Institute e professora da PUC-MG, os símbolos são sempre imbuídos de significados que marcam a formação dos laços afetivos entre as pessoas e as cidades

CIDADES: UMA CONSTRUÇÃO PERMANENTE

DIVULGAÇÃO

PALESTRANTE DE SEMINÁRIO INTERNACIONAL ANALISA OS TRAÇOS QUE DEFINEM IDENTIDADE DO LUGAR ONDE SE VIVE

A

s cidades há muito deixaram de ser vistas apenas como espaços ocupados, como abrigos de construções e pessoas e passaram a ser reconhecidas por sua vida própria e pela capacidade de despertar desejos e emoções. Temos nos perguntado sobre o que, de fato, leva as pessoas a admirar uma cidade. O que contribui para a construção do imaginário e para a criação dos vínculos afetivos? O que leva as pessoas a quererem visitar uma cidade? Ou a querer investir em novos negócios? Ou a considerar um bom local para se morar? Algumas cidades podem ser boas para trabalhar, mas nem tão atrativas para morar. Outras, por sua vez, são lindas, bucólicas, acolhedoras... E o prazer está em visitá-las, passear e interagir. Por que umas cidades são tão admiradas? O que elas têm de tão especial? Como conseguem o reconhecimento nacional e até internacional? Essas repostas perpassam pelas facetas que se agrupam para a construção da identidade das cidades, alimentam o imaginário e cultivam afetividades.

Podemos enumerar vários aspectos tangíveis como a gastronomia, o clima, a beleza da paisagem, a receptividade das pessoas, o artesanato, as empresas, o tipo de negócio, dentre vários outros. Esses são alguns pontos que permitem às pessoas ter suas experiências, vivenciar a relação, a cultura local, interagir. São, sem dúvida, fatores determinantes na construção de uma percepção sobre a cidade. O que muitas vezes temos dificuldade de entender e explicar são os aspectos intangíveis: a aura de simbolismos que permeiam e constroem o grau de admiração, respeito, confiança e simpatia de uma cidade. Ou seja, sua reputação. Nesse contexto, há que se considerar a relevância do simbolismo que envolve as cidades, seus espaços e suas histórias. Os símbolos, sejam eles espontaneamente gerados ou intencionalmente criados, são sempre imbuídos de significados que marcam a construção dos laços afetivos entre as pessoas e as cidades, como, por exemplo, um evento como a Copa do Mundo ou tragédias como terremotos, tsunamis e, no caso das cidades brasileiras, tragédias decorrentes das chuvas, desabamentos e da seca. Os símbolos são fontes de sentidos que geram os sentimentos e as percepções em relação ao espaço social, a

razão de ser do gostar ou não. Quando se fala de simbolismo e imaginário no contexto das cidades devemos buscar compreender quais são os elementos que definem a sua identidade, ou seja, os traços que permitem reconhecer a unicidade do lugar. Trata-se de elementos que a diferenciam e a definem. E são esses elementos que estabelecem o processo de identificação dos indivíduos. Que os fazem se aproximar ou se afastar, admirar ou criticar, (amar ou odiar) adorar ou detestar.

Atores sociais

Nessa construção simbólica de artefatos racionais e emocionais, os diversos atores sociais contribuem significativamente para a relação simbólico-afetiva das cidades. Podemos dizer que todos aqueles que têm algum tipo de interesse em relação à cidade, como seus moradores, administração pública, turistas, investidores, formadores de opinião, organizações, dentre outros, influenciam e são influenciados pela identidade da cidade, seus símbolos, sua cultura e modo de ser. Cada qual é responsável por uma parte nesse processo de construção que é contínuo e se renova diariamente. É um

movimento que incorpora o valor da história e da tradição que fazem perdurar valores e crenças, mas que também chama a atenção para a possibilidade de mudança e reconstrução. Nessa perspectiva da identidade como uma construção coletiva que constitui a base para o desenvolvimento do campo simbólico e da afetividade em torno das cidades, resta refletir sobre a responsabilidade que recai sobre cada um de nós. Somos todos construtores desse imaginário e o papel de nossas decisões, nossos comportamentos e valores determinam nosso espaço social, quem é nossa cidade. As variáveis nessa construção de sentidos são inúmeras, complexas e interligadas. Cada elemento simbólico participa de um processo que é, na realidade, dialógico e constitutivo desse quem é a cidade. São ações, decisões, monumentos, espaços, eventos, interações, interpretadas, sentidas e vivenciadas pelas pessoas. A partir das interpretações individuais, em que cada pessoa interpreta subjetivamente o espaço, cria e recria (ou não) com ele vínculos de afetividade, há uma negociação constante de sentidos, em que prevalece a somatória das cons-

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O Rio de Janeiro teve seu charme abalado pela violência, mas vive novo momento de construção simbólica a partir das recentes ocupações das favelas pelas UPPs BRUNA PRADO FRAME/AG. O GLOBO

cidade: assaltos, mortes, arrastões na praia, policiais corruptos, tráfico de drogas, prostituição, balas perdidas... Um cenário que abalou o charme da “Cidade Maravilhosa”, ameaçou modificar sua atratividade turística e fazê-la sentir a redução de investimentos empresariais, dentre tantos outros efeitos... qual o resultado? Lançamos novo olhar sobre “a Cidade Maravilhosa”.

Resgate

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truções e percepções coletivas. É interessante ressaltar que esse processo se dá em várias dimensões que extrapolam a vivência direta. No caso das cidades, essa experiência pode ser vivida, por exemplo, apenas por meio de filmes, fotos e construções simbólicas. Quantas pessoas dizem amar Paris sem tê-la visitado ao menos uma vez em suas vidas? “Eu amo Paris!”, “Paris é belíssima”, “Paris é a cidade do amor”, “Paris é a cidade luz”: são construções que perpassam o simbólico, fazem aflorar sentimen-

tos e desejos. A experiência, nesse sentido, refere-se ao encontro entre as pessoas e as cidades, seja ele imaginário ou real. A cidade do Rio de Janeiro é um bom exemplo para refletirmos sobre a construção simbólico-afetiva das cidades. Batizada de “Cidade Maravilhosa”, o Rio é nacional e internacionalmente uma cidade bastante atrativa. Somente no Carnaval de 2011, 800 mil turistas estiveram na cidade, movimentando cerca de 559 milhões de dólares, segundo a Empresa de Turismo do Mu-

nicípio do Rio de Janeiro. Os números refletem esse interesse das pessoas pela cidade, que é sempre cantada por grandes nomes da música popular brasileira e também é cenário de novelas e minisséries transmitidas tanto no país quanto no exterior. A cidade encanta pelas belezas naturais e por símbolos importantes para o país, como o Cristo Redentor, considerado em 2007 uma das sete novas maravilhas do mundo. Os problemas relacionados aos altos níveis de violência, nos últimos anos, criaram um novo imaginário sobre a

Assistimos agora a novo momento que nos leva a uma nova construção simbólica. As recentes ocupações das favelas, o herói Beltrame e o evento midiatizado são exemplos dessa nova imagem que está sendo construída para o resgate do atributo maravilhosa, com todos os significados que perpassam o adjetivo. Esses exemplos revelam que as identidades e as diferentes percepções simbólico-afetivas das cidades são resultados de numerosas interações que ocorrem diariamente, dentro e fora dos limites territoriais da cidade. É um processo de construção social em que vários atores influenciam e são influenciados por suas percepções. Se por um lado é um processo complexo e que não permite controle, por outro lado, muito se pode fazer para cultivar, desenvolver, criar e ampliar decisões, ações, movimentos, grandes e pequenos atos de cada um e de todos que se comprometam a fazer de tua, minha, nossa rua um lugar especial.

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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE MARÇO DE 2012

+ artigo de capa por ANA LUISA ALMEIDA

CRIAÇÃO DE UM BOM ESPAÇO URBANO É DECISÃO DE TODOS Estudo de instituto aponta que a forma como os moradores se apropriam e vivem as cidades reflete na sua imagem e na capacidade de atrair investimentos socioeconômicos

E

ntre vários estudos para se entender o que influencia a percepção das pessoas sobre a cidade, o Estado e o país, destacam-se os trabalhos desenvolvidos pelo Reputation Institute, como o estudo específico sobre o que leva as pessoas a admirar, respeitar, confiar e ter simpatia por uma cidade. O Reputation Institute criou um modelo de pesquisa denominado City RepTrak para avaliar a reputação de cidades. O trabalho desenvolvido para a construção do modelo buscou compreender os elementos que compõem esse construto de modo a explorar a seguinte questão: “O que (e quem) é relevante na construção da reputação de uma cidade?” O núcleo do modelo é composto por quatro questões essenciais, as quais se referem ao vínculo emocional que se estabelece com a cidade. Tais questões dizem respeito ao grau em que cada pessoa confia, admira, respeita e tem simpatia pela cidade. Trata-se da dimensão emocional do modelo, a qual dá suporte a outra dimensão que pode ser chamada de racional. Esta se constitui de três aspectos centrais que influenciam as percepções acerca da cidade e sua reputação: economia avançada, ambiente atraente e administração efetiva. A fim de compreender melhor tais aspectos relacionados à dimensão racional, pode-se traduzi-los em perguntas a serem analisadas. Por exemplo, no que diz respeito à dimensão economia avançada pode-se questionar: é uma cidade tecnologicamente avançada? Ela oferece um ambiente favorável à realização de negócios? Tem estabilidade financeira? Já no que diz respeito à dimensão ambiente atraente, as questões são do tipo: é uma cidade bonita? Ela oferece oportunidades de vivenciar boas experiências em termos de arquitetura, alimentação e entretenimento? Por fim, na dimensão administração efetiva, os questionamentos perpassam por: a cidade oferece um ambiente seguro para moradores e visitantes? Ela segue políticas de desenvolvimento ambiental, social e político? É dirigida por líderes respeitados? Enfim, as respostas para essas questões demonstram em certa medida o que influencia a percepção que as pessoas têm de determinada cidade e,

REPUTATION INSTITUTE

Modelo criado para avaliar a reputação das cidades

consequentemente, quais aspectos são considerados no momento de tomar a decisão de visitá-la, residir nela ou até mesmo realizar algum tipo de negócio ou investimento.

Modelo

A figura desta página representa parte do modelo City RepTrak, composto pelos quatro elementos centrais (estima, confiança, admiração e simpatia), as três dimensões (economia avançada, ambiente atrativo e administração eficiente) e os atributos que se relacionam a cada uma das dimensões. Além dos aspectos tidos como relevantes na construção da reputação de uma cidade, é importante entender também sobre quais são os meios pelos quais as percepções sobre as cidades são construídas. No modelo, são levadas em consideração três fontes de informação que, juntas, contribuem nesse processo de construção da reputação das cidades. São elas a ex-

periência direta, o que a cidade fala de si mesma e o que os outros dizem sobre ela. No caso da experiência direta – o que ela faz – são considerados aspectos como a infraestrutura da cidade, seus serviços, negócios, produtos, pessoas e atrações, ou seja, como as pessoas experienciam e avaliam esses quesitos. Já no que se refere ao que a cidade diz sobre si mesma, deve-se levar em conta o que é veiculado pelos órgãos oficiais, sua comunicação institucional, a marca da cidade, suas políticas e seu marketing. Por fim, quanto ao que os outros dizem sobre ela deve-se considerar o que é publicado pela mídia tradicional e também nas mídias sociais, a opinião das organizações não-governamentais, o que é dito por políticos, bem como a imagem que moradores e visitantes têm da cidade. Ao elencar essas inúmeras fontes de influência na construção da reputação de uma cidade pode-se perceber a complexidade em lidar com esse processo, o que exige a compreensão de cada um desses fatores.

Ter uma boa reputação pode significar retornos positivos nas mais diversas áreas: econômica, social e política. A reputação é capaz de influenciar decisões como, por exemplo, se as pessoas devem ou não visitar, viver, investir ou trabalhar nela. As cidades possuem diferentes interesses, algumas desejam tornarem-se turísticas, atraindo milhares de visitantes a cada ano. Já outras, esperam atrair trabalhadores qualificados para contribuírem para seu desenvolvimento tecnológico e econômico. O importante é que a construção simbólica-afetiva esteja alinhada à vocação e aos investimentos socioeconômicos para que a percepção seja positiva. Os resultados das pesquisas baseadas no modelo City RepTrak revelam a relação direta entre a reputação e os retornos financeiros. Observou-se que um aumento de 10% no grau de reputação significa um incremento de 11% nas receitas de turismo e 2% nos investimentos estrangeiros diretos. Um exemplo dessa relação, em termos de país, é que um aumento de 10% do grau de reputação do Brasil representa um incremento de 680 milhões de dólares em suas receitas de turismo.

Nossa rua...

Pensar as cidades como uma construção conjunta em que cada um contribui com uma parte, seja qual for o seu lugar nesse espaço em constante transformação, significa aceitar a grandiosidade de cada gesto, ação e decisão tomada diariamente. Seja através da pessoa que cuida da limpeza da sua rua, da gentileza que marca as relações pessoais, da preocupação das empresas com os seus trabalhadores, da atitude dos políticos diante das questões importantes: tudo é relevante. A forma como nos apropriamos e vivemos as cidades irá refletir na forma como ela é vista, pensada e querida. A regra é, em tese, bastante simples: atitudes positivas resultarão em construções positivas e o oposto é verdadeiro. Todos temos a ganhar e perder, tudo depende das nossas escolhas. Não há como negar essa responsabilidade. Somos todos coprodutores da nossa cidade. Já pensou sobre as suas escolhas? Criar um espaço que seja bom para todos é uma decisão nossa.


poesias

crônicas

EM CACHOEIRO DEVIR, DEVIRES DE ITAPEMIRIM por CAÊ GUIMARÃES GILSON SOARES I O Rio Doce, de onde vim, ainda atormenta meus olhos cravados no Itapemirim na tarde com ar de deserto eu vou murmurando as mágoas de Sérgio, Raul e Roberto transito partido e cabreiro mirando a magreza do rio no esforço dos seus cachoeiros. Teus olhos procuram por mim enquanto absorvem sem pressa as águas do Itapemirim. Caminho desolado e frio até encontrar teu olhar e nele a canção deste rio. II Sozinhos estamos enfim no abrigo de quatro paredes ao largo do Itapemirim ainda aturdido e incerto rumino poemas amargos de Sérgio, Raul e Roberto teus olhos acedem certeiros na angústia do meu olhar a fagulha dos cachoeiros

Dentre as coisas lindas que Borges escreveu e disse, uma me salta aos olhos e assalta a atenção de forma inarredável. Não à toa, ele o fez, iluminado pela cegueira absoluta, em uma série de conferências proferidas em 1980, reunidas sob o título “Sete Noites”. Esta atende pelo singelo nome de “Pesadelo”. Borges cita o ensaio “Um experimento com o tempo”, escrito pelo engenheiro aeronáutico irlandês J. W. Dunne, que trata dos temas precognição e a experiência humana com o tempo, um dos maiores mistérios sobre os quais nossa espécie se debruça. Onde tudo começou? Para onde vai? Quantos sentidos tem a flecha do tempo? A teoria de Dunne é fantasiosa e simples. Todos os momentos no tempo ocorrem simultaneamente. Imagine um homem que passou a vida inteira confinado em um cômodo. Um Kaspar Hau-

ser observado 24 horas – mas, por favor, sem os aborrecidíssimos cacoetes do “BBB”. Ao mirá-lo, veríamos seu nascimento, vida e morte, em um único instante. O que nos impediria de ver o que Borges chamou de instante presente, algo que apenas Deus, ou a ideia que criamos Dele teria capacidade de ver, é a consciência. Porém, há uma instância onde nós humanos conseguimos nos despregar do condicionamento do olhar e atravessar todo o tempo, ou todos os tempos, sem a restrição da consciência: os sonhos. A precognição advinda daí nos provoca o conhecido fenômeno déjà vu. De Borges a Dunne, descubro em pesquisas no labirinto virtual da rede, a mais borgiana das invenções, que a teoria de Dunne tem paralelos com teorias científicas e metafísicas, dos aborígenes aos essênios e taoístas. E angariou a simpatia

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de pesos pesados como T.S. Eliot, Aldous Huxley e Adolfo Bioy Casares. A multidimensionalidade do tempo de Dunne hoje soa como um divertido exercício ficcional para cientistas e estudiosos. Para um poeta soa como um alento. Ou a confirmação de algo que intuitivamente é de antemão conhecido. Ao folhear o “Sete Noites”, livro que comentei aqui no Pensar e ao qual retorno sempre (Sempre? Circunstancialmente? Nunca?) – lembrei de um poema escrito no fim dos anos 80 (Hoje? Amanhã? Agora?) que dunnianamente tentava falar sobre isso. O tempo. Irresponsável arrimo. Não rima com a obviedade do fim por um meio. A sua vida nunca dirá a que veio. Ou qual veia pulsa preferida. Entre a porta da entrada ou a da saída, o salto em queda livre para a vida. Desta forma, não poderemos esconder, da própria vida, a sua secreta verdade escondida.

BREVIÁRIO DE UMA DESISTÊNCIA por JOÃO MORAES

reconheço que contravim ao arrastar o Rio Doce de encontro ao Itapemirim mas esqueço e retomo o brio quando nossos corpos se afluem com a sede dos dois grandes rios.

EM RODA D’ÁGUA Quando a água quer correr de morro abaixo não há força que a faça prisioneira vem cantando, vem saltando, vem brilhando vem furando as pedras da cordilheira vez em quando faz descanso num remanso depois foge a dançar na corredeira se à frente falta chão pra sua dança gargalhando ela se lança em cachoeira: rolam águas pela serra em Roda D’água sob o verde lençol das bananeiras. Este fogo que avança morro acima são dois fogos num entrelace conjugal sobem a serra se inflamando mutuamente nas veredas de uma tarde outonal nem a água apaga a chama e a cada banho mais se assanha a façanha sensual mansas mãos atiçam brasas pela pele chamuscando o altar do ritual: do amor fica o registro em Roda D’água incrustado em pedra sob o bananal.

Por muito menos já matei um. Por um cadinho mais faço renascer vossas esperanças; florir vossos desejos. Jorrar das almas, as alturas. Mas creio que não quereis pagar o preço, não é? É por isso que não virá ninguém. Vai ser um enterrinho muito do mixuruca. Besta mesmo. É bom você tirar esse sorriso do rosto. Lá fora não há caminhões de brinquedo. Cada pedra, que ainda falta para completar a pilha em minha frente, quando, perfeitas, se encaixam na infinita escuridão, me deixa cada vez mais leve e vazio. Tudo é um magnífico perfeito. Eu é que não sei montar as hélices dessa nau

errante dos dias. Sempre gostei de frases espetaculares. As vejo como sal na borda craquilhada de um ovo quente, fumegante. A colherinha delicada sempre derrubando tudo. Ver um filho crescer é a permanente ansiedade alongada de uma encomenda postal. Abrir as caixas e brincar de espelho. Sendo a pessoa mais chata que conheço. Por saber-me todo. Muitas vezes ainda duvido de meu bom gosto. Arte é tudo que não serve para nada. Há apenas o que colocamos lá; para os que a engendram e também aos que a sorvem.

Viver é muito pouco. No entanto, mais que isso, seria demais. É preciso sangrar as bordas e aproveitar o infinito. Ir até o fim. E, por fim, a vida pode ser resumida em bem poucas coisas. A família, seja ela qual for; os bons amigos, com quem compartilhamos; e o velho motor de nossa medíocre humanidade tão duvidosa: a mãe vaidade, geralmente travestida em prazer, recompensa e Vitória. E assim, digo agora que desisto. De tudo que não tive, que não fiz, não mereci. Dos que não me quiseram. Desejo apenas esse velho canivete que me ajuda a cortar tudo que eu preciso.


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por FRANCISCA SELIDONHA

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DIVULGAÇÃO

A FILÓSOFA DO TOTALITARISMO E DA BANALIZAÇÃO DO MAL Para Hanna Arendt, o sentido da política é a liberdade, como destaca especialista ao reler a obra “Sobre a Revolução” e analisar estudo inédito sobre a pensadora alemã

U

ma das preocupações predominantes na trajetória intelectual da filósofa alemã Hanna Arendt foi buscar entender as diferenças políticas entre os regimes totalitários que predominaram no Ocidente, no início do século XX, como o nazismo e stalinismo, e as ditaduras até então existentes. Essa questão foi ainda mais inquietante para ela após presenciar o julgamento de Eichmann, em Jerusalém. Arendt queria entender a relação entre a incapacidade de pensar do nazista, notada em suas reações, e o fato de ter cometido os crimes de que era acusado no Holocausto. O tema é tratado por Eduardo Jardim na obra “Hanna Arendt, Pensadora da Crise e de um Novo Início”. Para Hanna Arendt, o sentido da política é a liberdade, o que não era evidente para os homens de sua época, pois na década de 50 prevalecia uma avaliação negativa da vida política, que era dissociada da liberdade. O livro começa com uma pequena biografia da autora, que nasceu em Hannover, na Alemanha, em 1906, de família judia. Trata ainda do relacionamento amoroso com seu mestre Heidegger e de sua longa amizade com seu orientador de doutorado Karl Jaspers, a quem homenageou com artigos na obra “Homens em tempos sombrios”. Também aborda a perseguição do nazismo e sua fuga para os Estados Unidos, onde permaneceu com cidadania americana até sua morte, em 1975, tendo atuado em instituições de ensino americanas. A obra de Eduardo Jardim é interessante para entender os principais conceitos desenvolvidos por Arendt, pois apresenta o seu pensamento em três etapas, relacionando-os com suas principais obras, desde a elaboração de “Origens do Totalitarismo” até a teoria do juízo, que ficou inacabada. Esse conceito deveria fazer parte da obra “A vida do espírito”, com conclusão póstuma, a partir de seus rascunhos, pela amiga e editora Mary McCarthy. O primeiro capítulo apresenta Hanna Arendt como a pensadora da crise e da possibilidade de um novo início, com morte de antigos valores e ascensão de uma nova aurora. Os dois capítulos seguintes tratam da teoria política e da reflexão sobre a

vida do espírito, abrangendo as atividades de pensar, querer e julgar. Um de seus questionamentos é o preconceito atual contra tudo que é de natureza pública e plural. Para ela, o descrédito da política na atualidade é o primeiro ponto a ser tratado em uma abordagem teórica do tema. Arendt considera, ainda, a teoria da ação sobre a qual se baseia a sua noção de política, que é o centro da argumentação da obra “A condição humana”, seu livro mais influente. Na obra “Origens do Totalitarismo”, considerada um clássico do pensamento político do século XX, Arendt afirma que o totalitarismo – nazismo e stalinismo – não foi uma forma de autoritarismo. Esses regimes se fortalecem com a ruína das instituições políticas tradicionais que sustentavam a autoridade política. A crise da religião e da tradição do pensamento contribuiu nesse processo. Para ela, o ineditismo do totalitarismo consistia na impossibilidade de aproximação de outras formas de governo, como tiranias e ditaduras, que provocavam medo na população que buscava o abrigo de seu lar e de suas ocupações. No totalitarismo, o terror era mais difuso que o medo, com a possibilidade de implantação de um domínio total. A solidão, em sua avaliação, contribuiu para o sucesso desses regimes, uma experiência nunca antes relevante no tratamento da política. Arendt percebeu que os regimes totalitários não têm relação com as sociedades de classes, mas sim com as sociedades de massas, formadas por população homogênea de homens solitários, com aniquilamento de todas as formas tradicionais de associação humana como classes e grupos de interesses. Essa foi a condição para que esses regimes se fortalecessem. Arendt considera que a solidão do

homem de massa é diferente do isolamento experimentado nos regimes tirânicos e ditatoriais, pois, quando os laços políticos são cortados com a proibição da participação na vida política, resta ainda a participação na vida privada, o que não é possível na solidão e domínio total do regime totalitário. Nessa condição, ela identificou a destruição da individualidade e a eliminação de toda a capacidade de reação. Arendt percebeu que o aparecimento do totalitarismo tinha relação com a perda da importância do homo faber e representou ameaça à estabilidade do mundo constituído pelos produtos da fabricação. Na solidão, o indivíduo sente-se abandonado de sua própria companhia. A atenção de Arendt concentrou-se no significado moral da atividade de pensar. Essa questão é percebida por ela nitidamente no julgamento de Eichmann, em Jerusalém, quando a irreflexão tem relação direta com o fato de ter cometido os crimes de que era acusado. Para Arendt, trata-se da banalização do mal.

Revoluções

Arendt dedicou-se com paixão a buscar caminhos que apontassem para cenários diferentes, a partir de marcos iniciais, com o poder de recomeçar. A partir de Agostinho, tema de sua tese de doutoramento, elaborou um novo conceito de ação para a compreensão da política. A capacidade de iniciar foi tema de sua obra “Sobre a Revolução”, lançada recentemente no Brasil pela Companhia de Letras. O livro destaca a importância do aparecimento de formas inéditas de organização nas revoluções modernas, como os conselhos operários, que, ao contrário dos partidos, experimentam o agir político. Hanna Arendt mostrou que a identificação da liberdade com o livre arbítrio impede que se perceba que ser livre tem relação com a capacidade de iniciar algo novo do homem. Por conta de sua dificuldade de definição da liberdade nas obras filosóficas, ela se volta para os homens de ação, figuras de destaque das revoluções modernas, na esperança de encontrar inspiração. Arendt reconheceu que, pelo menos inicial-

mente, os grandes líderes revolucionários Robespierre, Thomas Jefferson, Marx e Lenin conceberam a revolução como irrupção da liberdade com associação à espontaneidade e instauração de uma ordem política nova. Ao longo da história os processos revolucionários sacrificaram o anseio pelo novo em nome da manutenção de uma ordem política estável e durável. Das figuras revolucionárias, Thomas Jefferson foi quem mais a inspirou. Na obra “Sobre a Revolução”, Arendt discute longamente passagens de seus escritos e suas iniciativas políticas. É possível perceber que os fundadores da democracia americana vivenciaram o conflito da novidade e estabilidade. Jefferson, inclusive, defendeu a revisão periódica da Constituição de forma a garantir a cada geração o direito de escolha da forma de governo que promovesse mais felicidade. A oposição entre os sistemas de conselhos e de partidos provocou o confronto entre o princípio da ação e da participação e do outro da representação. Em todos os eventos da história das revoluções modernas, a posição vencedora foi dos partidos que enxergaram na ação política um processo transitório a ser interrompido com a tomada do Estado. O fracasso dessas experiências revolucionárias é percebido por Arendt no final da obra.

HANNAH ARENDT, PENSADORA DA CRISE E DE UM NOVO INÍCIO Eduardo Jardim. Civilização Brasileira. 160 páginas. Quanto: R$ 29,90

SOBRE A REVOLUÇÃO Hannah Arendt. Tradução Denise Bottmann. Companhia das Letras. 416 páginas. Quanto: R$ 55.

Em seus estudos, Hannah Arendt investigou as diferenças políticas entre os regimes totalitários do início do século XX e as ditaduras até então existentes


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artigo por MILSON HENRIQUES

HUMOR TAMBÉM É “PENSAR” – E MUITO Cartunista revira suas memórias para mostrar que arte de fazer rir representa uma criação intelectual que cutuca as feridas da sociedade e provoca medo nos maus governantes

É

comum pensar que humor, por não ser “sério”, não é intelectual. O drama, sim. São raras as peças, livros, filmes de humor que se tornam clássicos, “cults”. No entanto, o humor é uma das coisas mais sérias, que derruba ditaduras, daí o medo que provoca nos maus governantes. Alguém já disse que um país com um bom presidente e políticos honestos é sinal de desemprego para os humoristas. Para falar de humor é preciso cutucar a ferida, ir lá no fundo da dor e, para sobreviver, transformar a tragédia em comédia, rir para não sucumbir. Por isso, quase todo humorista é sério, quando não triste e, de certo modo, mau. Porque o ser humano ri das desgraças. Alheias. Quase todo motivo de riso é baseado na dor ou no ridículo. Alheio. Vide as tais “pegadinhas” da TV, tidas como engraçadas. Todo infeliz é motivo de piada: o dentuça, o impotente, o feio, o zarolho, o gago, a

solteirona, o fanho, o barrigudo, o careca, o obeso, o muito magro, o míope, o baixinho, o ignorante, o velho querendo ser jovem, o homossexual... Este último sabe tanto disso que transforma sua dor em comédia. São rapazes “alegres”. Gays. Durante a ditadura militar fui muito perseguido. Minhas charges, peças, poesias, shows, crônicas, tudo passava primeiro pelo crivo da censura, que os proibia ou “picotava” (tive uma peça liberada, mas com 128 cortes). O que fazer? Chorar? Fugir? Desistir? Ou rir do trágico? Quando, por exemplo, fui detido pela “gravíssima afronta” de achar que o nome do vice-presidente era complicado (um nome alemão que não sei escrever até hoje, mas pronuncia-se Radmaquer), a reação normal seria dar uma porrada na cara do infeliz que me aporrinhou por esse motivo idiota. Mas a saída foi rir. Ou quando o censor exigiu que numa peça minha, a expressão “filho da puta” fosse

trocada por “ora, pitombas!”. Ou quando fui obrigado a mudar o título da coluna que escrevia em um jornal. Era “Canto Livre”. Passei para “Canto Livro”, falando sobre os lançamentos literários. Nova proibição, porque elogiava livros que não agradavam aos militares. Puto da vida, mudei para “Canto Porcino”, falando da criação de porcos. Eles entenderam a “sutileza” e proibiram. Ou quando, no Primeiro Festival de Poesia Falada, realizado em Salvador, fiquei em primeiro lugar, representando o Espírito Santo com uma poesia cujo verso “eu queria fazer um barulhinho simples como um rato roendo a roupa do rei de Roma” foi censurado com a alegação que “os ratos são vocês, os comunistas é o rei de Roma que simboliza nosso presidente Médici”. Aprendi de vez que o humor era a única saída, quando, descendo do nono andar no elevador da emissora onde

trabalhava, eis que adentra o chefe da polícia, logicamente meu ‘inimigo” na época. Ficamos eu – cabelos compridos até os ombros, camiseta, colar, sandália –, ele, num austero terno preto, e uma senhora. Repentinamente, um odor nauseabundo (sem trocadilho) invadiu o pequeno recinto. Eu tinha certeza da minha inocência. Quando o elevador chegou ao térreo, dei lugar para a senhora sair primeiro. Já fora, ela virou-se para mim: – Se o senhor não me respeitou para fazer suas porcarias, poderia ao menos ter respeitado uma autoridade! – e foi em frente. O delegado esperou ela se afastar, colocou a mão no meu ombro e disse: – Tá vendo? Quem manda ser hippie, afeminado, maconheiro, cabeludo, comunista? Tem mais é de levar a culpa. Quem peidou fui eu! Minha reação? Não sou burro, caí foi na gargalhada. Depois que ele se afastou, é claro.


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