ALL EM REVISTA, VOLUME 9, NÚMERO 1 - JANEIRO A MARÇO 2022

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EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

NÚMERO 9, VOLUME 1 – JANEIRO A MARÇO 2022 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


PERDEMOS MAIS UM DOS GRANDES – FALECEU EM 11 DE MARÇO DE 2022, EM BRASÍLIA


EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

2ª. CAPA

NÚMERO 9, VOLUME 1 – JANEIRO A MARÇO 2022 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE

ALL EM REVISTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com

ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS Praça Gonçalves Dias, Centro – Palácio Cristo Rei 65020-060 – São Luis – Maranhão

ALL EM REVISTA Revista eletrônica da Academia Ludovicense de Letras Gestão 2022/2023 COMISSÃO EDITORIAL


EDITORIAL

“ALL EM REVISTA” é a revista oficiosa da ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS, publicada em formato eletrônico, disponibilizada através da plataforma ISSUU – https://issuu.com/home/publisher sendo editor LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ, Membro-fundador, ocupando a cadeira 21, patrono FRAN PAXECO. A Comissão editorial está constituida pelos membros DILERCY ARAGÃO ADLER, JADIR LESSA, e ANDRÉ GONZALEZ CRUZ. Nesta gestão 2022/2023 previstas oito edições, volumes 9 (2022), e 10 (2023). A periodicidade é trimestral: Janeiro/Março; Abril/Junho; Julho/Setembro; Outubro/Dezembro. Gostaríamos que todos os membros mandassem as fotos oficiais, para nosso quadro, com os paramentos, a data de eleição/indicação, e a data da posse, para atualização. Vamos manter a ordem de cadeiras ocupadas, independente da data de eleição/posse...


Apelamos, mais uma vez, à Secretaria Geral o fornecimento do quadro de sócios correspondentes atualizada!!! Continuamos com duas capas, nesta edição. A primeira, oficial, com os membros eleitos da gestão atual; a segunda, com os colaboradores... Após o de praxe, com a identificação da revista, teremos as sessões: Com a palavra, a Presidente; abertura de trabalhos, registro das sessões e informes administrativos; poesia; Aconteceu: artigos sobre a literatura ludovicence/maranhense; e a seguir, Os ocupantes de cadeiras, quando e porque são citados e/ou artigos/contos/críticas que enviaram para publicação; seguindo-se as contribuições dos sócios honorários e/ou correspondentes; artigos de outros colaboradores sobre a nossa literatura; e lançamentos previstos para o período. Alexandre Maia Lago assume a Cadeira de número 4, recepcionado pelo Roberto Franklin: Bem Vindo!!! Muito mprestigiado, sua posse contou com a presença de 25 (vinte e cinco) membros da ALL...creio que a maior lista de presença até hoje, de uma solenidade deste jaez...

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO 4 5 6

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO RELAÇÃO DE PATRONOS E OCUPANTES DAS CADEIRAS PATRONOS HOMENAGEADOS COM A PALAVRA, A PRESIDENTE: ABRINDO OS TRABALHOS DO ANO COM POESIA BICENTENÁRIO MARIA FIRMINA DOS REIS “MARIA FIRMINA, A MENINA ABOLICIONISTA” ABRE A COLEÇÃO MENINAS DO MARANHÃO DA JORNALISTA ANDRÉA OLIVEIRA CELSO BORGES TJMA ABRE INSCRIÇÕES PARA O II CONCURSO LITERÁRIO MARIA FIRMINA DOS REIS MARIA FIRMINA JOSÉ EWERTON NETO ACONTECEU... TRÊS POETAS MARANHENSES CONTEMPORÂNEOS, DENTRE TANTOS LOURIVAL SEREJO A POESIA DE VINÍCIUS VELOSO MICAELA TAVARES OCUPANTES DAS CADEIRAS CADEIRA 1 – ANTONIO NOBERTO A Europa trouxe mais cultura e desenvolvimento para o Brasil e para o Maranhão ARAÇAGI, O CAJUEIRO DO PAPAGAIO CADEIRA 08 – DILERCY ARAGÃO ADLER DIA DA MULHER MARANHENSE CADEIRA 11 – ANDRÉ GONZALEZ LEITE A TERRÍVEL HISTÓRIA DA BARONESA QUE TORTUROU E MATOU UM GAROTO NEGRO DE 8 ANOS NO MARANHÃO EM 1876 JULIANA SAYURI CADEIRA 14 – OSMAR GOMES DOS SANTOS UMA PAUSA PARA FALAR DE ELZA O PODER JUDICIÁRIO EM UMA NAÇÃO DEMOCRÁTICA MATINHA DO MEU CORAÇÃO MOBILIDADE SIM PARA O POVO RECORDAR É VIVER CADEIRA 15 – DANIEL BLUME CADEIRA 16 – AYMORÉ DE CASTRO ALVIM OS BABAÇUAIS DE PINHEIRO. CADEIRA 17 – RAIMUNDO GOMES MEIRELES SANTUÁRIOS DO POVO MARANHENSE - A propósito de uma crítica CADEIRA 20 – ARQUIMEDES VALE 100 ANOS DA SEMANA DE ARTE MODERNA – GRAÇA ARANHA E O "CANCELAMENTO" PRECOCE DOS MODERNISTAS FELIX ALBERTO LIMA CADEIRA 21 – LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ A POESIA NO MARANHÃO NOS PRIMÓRDIOS DA IMPRENSA – DÉCADAS DE 1830-1840 A POESIA NO MARANHÃO NO MEADO DOS 1800 - PARTE I: DECADA DE 1850 CADEIRA 22 – ANTONIO AÍLTON SACADA LITERÁRIA CADEIRA 27 – JOÉ RIBAMAR FERNANDES CADEIRA 34 – CERES COSTA FERNANDES UMA CEIA POLITICAMENTE CORRETA HUMBERTO DE CAMPOS O JORNALISTA - O escritor carismático JOSÉ DE JESUS TEMPOS DE ICATU II


DE SUPERMERCADOS E CANTIGAS INFANTIS O FIM DO MUNDO DE CADA UM CALA A BOCA, MEU FILHO SABORES DA INFÂNCIA CADEIRA 38 – JOSÉ NERES JOSÉ NERES ESCREVE SOBRE O NOVO LIVRO DE SHARLENE SERRA: "ESPELHOS DE EVA" CRÔNICAS EM AZULEJOS DE PAPEL JORNAL Linda Barros UMA HOMENAGEM AO IMORTAL AML, PROFESSOR JOSÉ NERES Mhario Lincoln CADEIRA 40 – ROBERTO FRANKLIN CONVERSA AO TRAVESSEIRO BAILE DE MÁSCARAS PEDRAS MARCADAS JOSÉ RIBAMAR SOUSA DOS REIS HONORÁRIOS / CORRESPONDENTES ANTÔNIO AUGUSTO RIBEIRO BRANDÃO: FUNDADOR/HONORÁRIO LITERATURA LUDOVICENSE/MARANHENSE 195 ANOS DE CÉSAR MARQUES EUGES LIMA CÂNTICOS VISCERAIS – O terceiro livro de João Batista do Lago LENINHA BARROS TACON SANTA ESPERANÇA VIRIATO GASPAR "UMA ESTRANHA MANEIRA DE SE COMPARAR AMANHÃS", poesia. Autor: Bioque Mesito. LUIZA CANTANHÊDE CHARLES SIMÕES MARCONI JOSÉ CARVALHO RAMOS SEBASTIÃO BISPO LOPES "MARIA FIRMINA, A MENINA ABOLICIONISTA", LITERATURA INFANTO-JUVENIL PARA CRIANÇAS DE TODAS AS IDADES. ANDRÉA OLIVEIRA


PATRONOS E OCUPANTES DAS CADEIRAS 01 - CLAUDE D’ABBVEVILLE 02 - ANTONIO VIEIRA ANTÔNIO JOSÉ NOBERTO DA SILVA - (Fundador) JOÃO BATISTA ERICEIRA - (Fundador)

03 - MANOEL ODORICO MENDES 04 - FRANCISCO SOTERO DOS REIS SANATIEL DE JESUS PEREIRA - (Fundador) ANTONIO AUGUSTO RIBEIRO BRANDÃO FUNDADOR/ HONORÁRIO

2º OCUPANTE

05 - JOÃO FRANCISCO LISBOA 06 - CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDA RAIMUNDO NONATO SERRA CAMPOS FILHO. (Fundador) ROQUE PIRES MACATRÃO - (Fundador)

07 - ANTÔNIO GONÇALVES DIAS 08 - - MARIA FIRMINA DOS REIS WILSON PIRES FERRO (Fundador) DILERCY ARAGÃO ADLER (Fundadora)

CLEONES CARVALHO CUNHA 2º Ocupante .

09 - ANTÔNIO HENRIQUES LEAL 10 - JOAQUIM DE SOUSA IRANDI MARQUES LEITE - 1º. Ocupante ANDRADE (SOUSÂNDRADE) MARIO DA SILVA LUNA DOS SANTOS FILHO 1º. Ocupante

11 - CELSO TERTULIANO DA CUNHA MAGALHÃES 12 - JOSÉ RIBEIRO DO AMARAL ANDRÉ GONZALEZ CRUZ - (Fundador) MICHEL HERBERT ALVES FLORÊNCIO (Fundador)


13 - ARTUR NABANTINO GONÇALVES DE AZEVEDO 14 - ALUÍSIO TANCREDO GONÇALVES DE AZEVEDO MARIA THEREZA DE AZEVEDO NEVES 1º. Ocupante OSMAR GOMES DOS SANTOS - (Fundador)

15 - RAIMUNDO DA MOTA DE AZEVEDO CORREIA 16 - ANTÔNIO BATISTA BARBOSA DE GODOIS DANIEL BLUME PEREIRA DE ALMEIDA 1º. Ocupante AYMORÉ DE CASTRO ALVIM - (Fundador)

17 - CATULO DA PAIXÃO CEARENSE 18 - HENRIQUE MAXIMIANO COELHO NETO RAIMUNDO GOMES MEIRELES - (Fundador) ARTHUR ALMADA LIMA FILHO - (Fundador)

VAGA 19 - JOÃO DUNSHEE DE ABRANCHES MOURA 20 - JOSÉ PEREIRA DA GRAÇA ARANHA JOÃO FRANCISCO BATALHA - (Fundador) ARQUIMEDES VIEGAS VALE - (Fundador)

21 - MANUEL FRAN PAXCO 22. - JOSÉ AMÉRICO OLÍMPIO CAVALCANTE DOS LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - (Fundador) ALBUQUERQUE MARANHÃO SOBRINHO ANTÔNIO AILTON SANTOS SILVA - 1º. Ocupante

23 - DOMINGOS QUADROS BARBOSA ÁLVARES 24 - MANUEL VIRIATO CORRÊA DO LAGO FILHO ÁLVARO URUBATAN MELO - (Fundador) FELIPE COSTA CAMARÃO - 1º. Ocupante

25 - LAURA ROSA 26 - RAIMUNDO CORRÊA DE ARAÚJO MIRIAM LEOCÁDIA PINHEIRO ANGELIM - 1ª. Ocupante JOÃO BATISTA RIBEIRO FILHO - 1º. Ocupante

27 - HUMBERTO DE CAMPOS VERAS 28 - ASTOLFO DE BARROS SERRA JOSÉ DE RIBAMAR FERNANDES - (Fundador) BRUNO TOMÉ FONSECA - 1º. Ocupante


29 - MARIA DE LOURDES ARGOLLO MELLO 30 - ODYLO COSTA, FILHO (DILÚ MELLO) CLORES HOLANDA SILVA - (Fundadora) AMÉRICO AZEVEDO NETO - 1º. Ocupante

31 - MÁRIO MARTINS MEIRELES 32 - JOSUÉ DE SOUZA MONTELLO ANA LUIZA ALMEIDA FERRO - (Fundadora ALDY MELLO DE ARAÚJO - (Fundador

33 - CARLOS ORLANDO RODRIGUES DE LIMA 34 - LUCY DE JESUS TEIXEIRA PAULO ROBERTO MELO SOUSA - (Fundador) CERES COSTA FERNANDES - 1ª. Ocupante

35 - DOMINGOS VIEIRA FILHO 36 - JOÃO MIGUEL MOHANA JUCEY SANTOS DE SANTANA - 1ª. Ocupante RAIMUNDO DA COSTA VIANA - (Fundador)

37- - MARIA DA CONCEIÇÃO NEVES ABOUD 38 - DAGMAR DESTÊRRO E SILVA JADIR MACHADO LESSA 1ª. Ocupante JOSÉ NERES - 1ª. Ocupante

39 - JOSÉ TRIBUIZI PINHEIRO GOMES 40 – JOSÉ RIBAMAR SOUSA DOS REIS JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA - (Fundador ROBERTO FRANKLIN - 1ª. Ocupante

SÓCIOS BENEMÉRITOS FLÁVIO DINO GOVERNADOR DO MARANHÃO 2015-2022

NATALINO SALGADO FILHO REITOR DA UFMA


PATRONOS HOMENAGEADOS 2014 - MARIA FIRMINA DOS REIS

2015 – MÁRIO MARTINS MEIRELES

2016 – COELHO NETO

2017 – JOSUÉ MONTELLO

2018 – GRAÇA ARANHA

2019 – MARANHÃO SOBRINHO

2020/2021 – CARLOS DE LIMA

2022 – LUCY TEIXEIRA/ MARIA FIRMINA


SÓCIOS CORRESPONDENTES

FERNANDO BRAGA BRASÍLIA/DF

GRIZOSTE WEBERSON PARANTIS/AM

JORGE O. BENTO PORTO/PORTUGAL

MHARIO LINCOLN CURITIBA-PR

LUIZA LOBO RIO DE JANEIRO

ANA MARIA FELIX GARJAN FORTALEZA - CE

VIRIATO GASPAR BRASÍLIA/DF

ANELY GUIMARÃES


4 POEMAS DE FERNANDO BRAGA Publicado em maio 16, 2018 por Carvalho Junior

Fernando Braga (São Luís/MA, 29 de maio de 1944). Poeta, ensaísta e pesquisador brasileiro, formado em Ciências Jurídicas e Sociais e pós-graduado em Ciência Política na Universidade de Brasília – UnB, com estágio em Direito Penal Comparado pelo Centre d’Etudes de Civilisation Française da Universidade de Paris-Sorbonne. Publicou dez livros de poemas, com participações em importantes antologias nacionais e internacionais. Seus livros mais recentes são Poemas do Tempo Comum, [Prêmio Gonçalves Dias, São Luís, 2009], O Puro Longe [Caldas Novas, GO, 2012] e Magma [Goiânia, 2014, lançado em Aveiro, Portugal]. MAGMA Esta é minha palavra, o meu conjunto confuso e inextrincável de elementos… É o poema que me busca e me trás para a superfície, para que eu possa dizer-me e ouvir-me tantas vezes, e expor-me a pensamentos aonde sou sujeito e objeto… Este é o magma do meu logos racional, do meu dever-ser mais- que- perfeito e natural, poético, crístico e complexo… COMPULSÃO Se vós não tendes sal-gema não entreis neste poema (Jorge de Lima) Esconde-me das mandíbulas famintas e calça-me as sandálias dos pescadores, para que eu me sobre em outras águas.


Desprende-me das grades dessa tortura que me tão prende e tão não me liberta. Leva-me às sacanas canções de Aretino, enclausura-me naquele intemporal ofício e embarca-me entre rijas carnes e coxas, para que eu não escape ileso de tal fome, e dessa feroz sede que insaciavelmente se me faz implorar a outras samaritanas o doce cântaro divino e de barro santo. Sagra-me com o velho pecado original e traze-me aquele cálice de verde vinho O POETA MAIS QUE CONCRETO [À memória de Déo Silva] Olhos e vozes. rostos e órbitas, atenção acesa: no espaço u’a maçã que não cai sobre a mesa e nem esbarra no antigo relógio parado na parede. Um poeta faz-se preceptor a contemplar o fruto que gravita diante de sua explicação. A maçã vagueia, incomum e concreta a fazer-se conceitual às lições do poeta. Lá fora apenas um ângulo noturno… MEUS VERSOS “Aprendi esta língua como se consegue o amor de uma mulher” Valéry Larbaud Meus versos surgem de repente, sem anúncios preconcebidos, e assim, a esmos e inconsúteis, se amesendam nas múltiplas intransitividades que na vida hei passado como poeta e bruxo. Há entre mim e eles, uma brancura bipartida em orgânica dualidade, simples e ressurgida, numa cumplicidade inconsciente e consentida, mas comedida, necessária, útil e dependente. Há entre nós uma parceria, como se heterônimos dalgum poeta fôssemos, onde eles, meus versos, sorrateiros nas paráfrases se permitem comigo logo no primeiro grito, sentir a dor que sinto, mas que nunca em tempo algum deveras finjo. Eles e eu somos um só Fernando, uma só Pessoa…


BrasilTextos Escolhidos

A PRESENÇA ESPECIAL DE FERNANDO BRAGA, COM TEXTO EM HOMENAGEM AO PAI Publicado sob autorização do autor 13/12/2021 às 12h28Atualizada em 13/12/2021 às 13h26 Por: Mhario LincolnFonte: Fernando Braga

Fernando Braga, in ‘O Puro Longe’, 2012. Ilustrações: Foto de meu pai, José Ernani dos Santos, aos 45 anos de idade, e da Rua Portugal, Praia Grande, no Centro Histórico de São Luis do Maranhão

Canto de amor e prece à Praia Grande, Trapiche & Cia Textos escolhidos: Fernando Braga, in ‘O Puro Longe’, 2012. "É esta a alva coluna, o lindo esteio sustentador das obras mais que humanas que eu nos braços tenho e não no creio?” Luís Vaz de Camões A José Ernani dos Santos, meu pai, Aveiro, Portugal, 17.10.1910 – São Luís do Maranhão, 25.12.1975.


1 Nas porcelanas de faiança apenas a sombra da raiz do tempo. As tabuletas caíram das frentes dos sobrados de azulejos portugueses e de madeiras de carvalho, as mesmas das caravelas dos descobrimentos; Nímios argamassados com óleo de baleias e pedras de lioz, eternas nas calçadas, desafiam com ternura as possibilidades do tempo; são pedras que faziam lastros para os navios que teriam de voltar carregados para o sustento mercantil da Companhia de Comércio das Vinhas do alto Douro. Aquelas pedras polidas e feridas e de cantaria e de calendas, de lendas e romarias, fazem a história mágica que canto. Pedras tenazes, de fontes e ruas, e de frades, sentinelas de becos e vielas, dogmas fálicos e blenorrágicos de orgias. 2 Não há mais vivalma de corpos postos e eretos ossos, a encherem o trapiche de estrume e cálcio... Homens do ganho, sem camisas e com calças arregaçadas às canelas, juntos aos regatões, descansam em horas calmas; no Beco da Catarina-Mina, a velha Honorata, a mulata do peixe-frito, bradava a dizer que o filho tinha sido recrutado pela Marinha de Guerra e levado para uma outra Marambaia... 3 Nas marés altas, Leviatã continua pescado com arpão e sua língua presa à corda. A Praia Grande se me abriu n’alma, uma saudade sem cura e jeito, e uma ferida dentro do peito, feita de uma saudade de pedra-e-cal. Uma saudade lírica e destemperada deixada com os apitos abaritonados dos navios de cabotagem e mistos, que estão no cais, ou nos canais das marés-altas... Os navios que não apitam não se despedem! Uma saudade que amo, quando de perto vivo, uma saudade que sofro, quando de longe morro. Uma saudade a me despencar pelo verde-limo e a me fazer de esperas. Por isso me faço e desfaço, com o árido pão que mastigo, com as mandíbulas e outros sentidos, e pedaços irregulares de distâncias. Há em mim o nervo de uma ode-Mar na essência desse meu avaro chão, a ditar-me o verbo insepulto, mas sonâmbulo, como um poema verde. 4 Estar-se na Praia Grande é um alívio, um jazer no germinal do mistério e na magia do encantamento, porque meu mar não tem fronteiras e nem medidas. Um assobio trinado, uma mecha de cabelo caída à testa, um lápis atrás da orelha, restou de um mórbido silêncio


e longa pausa na pauta do tempo. Com os pés feridos pelos desníveis dos paralelepípedos, um desterrado, fugido das páginas romanescas de Ferreira de Castro, canta sua loucura, em monólogos sofridos, até às lágrimas dos imigrantes que o assistem... Sou apenas um dublê de capitão e pirata, que a viração dos ventos levou no final da tarde. Sinto ainda meu pai ao meu lado, a dizer-me que a pedra mais angular da Praia Grande inteira, é a que deu nome ao peixe. 5 Praia Grande em silêncio, solitária, fidalga e generosa, passeia comigo de mãos dadas na imensidão do domingo, quase na virada da tarde, plena e inteira, meiga e mágica. Caminho com sextilhas no meu ritmo desordenado, mas perfeitamente amparado por um canto de saudade que se me faz marítimo. Ao caminhar, vou a descobrir figuras nas pedras de cantaria, livre por instantes cadentes aos impulsos e circunstâncias, mas preso definitivamente pelo assobio saudoso e trinado de meu pai, que sem querer chamava o vento. E o bonde da Estrada de Ferro passa sobre os trilhos polidos, a levar consigo lembranças do nunca mais... E a Praia Grande plena de imensidão caminha comigo no plano do silêncio... Uma desmedida silencidão! Isto é a alma e a essência deste canto! Estou pleno no altiplano dessa grande mercancia, cativo às correntes do meu hipocampo. 6 Não tenho pressa alguma, porque meu tempo é generoso como se eu tivesse sendo esperado pelo amor e pelos carinhos de minha amada mãe! Os armazéns estão fechados... Estou entre o agora e o passado! Estar-se na Praia Grande é estar-se em Lisboa, Igualzinha a que meu pai me trouxe, e que depois fui buscá-la, para guardá-la num domingo de minha infância, porque em mim, a Praia Grande há de reviver-se portuguesa, com certeza, rica, festiva, regateira e alfacinha...


ABRINDO OS TRABALHOS DO ANO


Efemérides Atividades Responsáveis Data/Local Patronas em Destaques – M. Firmina cad. 8 -Lucy Teixeira cad. 34 -Bicentenário de nascimento -Centenário de nascimento Dilercy A. Adler Ceres Costa Fernandes 11.03.2022 11.07.2022 Mês de março - Homenagem a patrona Maria Firmina; - Posse: Alexandre M. Lago Cadeira 04 Dilercy A. Adler Saudação: Roberto Franklin 11.03.2022 25 de março Local: A combinar Mês de abril - Entrega do Título de Membro Benemérito da ALL, ao Reitor Natalino Salgado (decisão em AGO 1.11.2021) Lançamento em Tutoia Saudação: Daniel Blume Aldy Melo, 8 de abril Cristo Rei 16 de abril Tutoia – M Mês de maio - Concessão do título de Doutor Honoris Causa a Maria Firmina dos Reis, pela UFMA Reitor, Natalino Salgado Auditório UFMA Mês de Junho - Edital de Eleição, para preenchimento da cad. 18 -Resgate, Autores-Patronos - Sarau Literário Presidente e Secretário Clores, J. Neres, Ceres C. Fernandes, A. Ailton, Dilercy Adler. 01.06.2022 17.06.2022 Mês Julho Lançamento Coletivo de membros da ALL A. Brandão, Sanatiel Pereira, Ana Luiza, Aldy Melo, José Neres. 11.07.2022 Mês de Agosto Semana do Aniversário da ALL - Homenagem a patrona da cadeira 34 Lucy Teixeira - Atividades voltada para o bicentenário de Maria Firmina (Entrega de Medalhas, Sarau, ...._ - Lançamento do edital, de concurso Literário, bienal, da ALL, Edital (Decisão em AGO 20.04.2020) - Lançamento do projeto da 2. Número do Perfil Acadêmico da ALL (Deliberado na AGO 21.10.2020), solenidade festiva de aniversario; - Conversas de Além-Mar: Encontro internacional de Línguas portuguesa Ceres C. Fernandes Dilercy A. Adler Antonio Ailton, Alexandre Lago, José Neres, Ceres Costa Fernandes. Dilercy A. Adler, André Gonzalez Jadir M. Lessa. Sanatiel Pereira. Alexandre Lago, Antonio Noberto, Antonio Ailton, Bruno Tomé. 8. 8.2022 9 de agosto 10.08.2022 10.08.2022 11.08.2022 Mês de Setembro - Eleição para preenchimento de vaga da cadeira 18 Diretoria 9.09.2022 Mês de Outubro - Café Literário (Recital aberto) Local: Pátio Cristo Rei Mês de Novembro -Culminância do concurso Literário À combinar Mês de Dezembro Confraternização À combinar


Primeira reunião de Assembleia Geral Extraordinária da Academia Ludovicese Letras. Palácio Cristo Rei. SLZ/MA. Em 11.02.2022 Sexta feira, dia 11, tivemos nossa primeira AGO de 2022, - Agradeço aos participantes e aos três acadêmicos que justificaram suas ausências! - A Assembleia foi muito importante, porque apreciamos e discutimos as principais ações culturais para o ano de 2022; - Discussão sobre a programação do bicentenário de Maria Firmina; - Informações sobre a tesouraria; - Informações da secretaria, com o registro da ata de posse da nova diretoria, 3m andamento; - Estaremos divulgando o calendário acadêmico, brevemente, para o conhecimento de todos; Grata, Jucey Santana.




Momentos da Assembleia Geral Extraordinária da Academia Ludovicense de Letras, presidida pela confreira Ceres Costa Fernandes que teve como pontos de pauta: Celebração do Bicentenário de Maria Firmina dos Reis, Lançamento de livros do pesquisador Agenor Gomes e da nossa Membro Corresponde Luiza Lobo que recebeu a comenda Maria Firmina dos Reis. Uma tarde/noite de muito aprendizado, no Palácio Cristo Rei da UFMA.




TJMA ABRE INSCRIÇÕES PARA O II CONCURSO LITERÁRIO MARIA FIRMINA DOS REIS

O período de inscrições será de 28/03 a 08/04 do corrente ano foto/divulgação: Tiago Erre A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – CEMULHER/TJMA, ciente de que a violência doméstica e familiar é prática extremamente danosa às mais diversas mulheres, pelo que é imprescindível combatê-la por variados meios e, considerando a literatura ferramenta poderosa de transformação social, lança edital para o “II Concurso Literário “Maria Firmina dos Reis”. Os(as) participantes concorrerão em categorias estabelecidas pela idade (adolescentes/adultos), divididas em subcategorias (poemas/contos e crônicas), conforme o tipo de produção literária inscrita. INSCRIÇÕES O período de inscrições será de 28/03 a 08/04 do corrente ano, seguindo-se as demais etapas e culminando com a cerimônia de premiação dos selecionados pela Comissão Julgadora do certame que será realizada no dia 26/08. A CEMULHER contará com a valorosa parceria da ESMAM neste concurso, especialmente para edição e posterior publicação de e-book com as obras escolhidas. Ressaltamos igualmente o sucesso do I Concurso realizado no ano de 2021, a qualidade das produções literárias que recebemos e o fato de termos alcançado um público considerável, chegando a quase 1.000 inscritos em todo o Estado do Maranhão. Neste ano de 2022, esperamos alcançar um público ainda maior, pois assim provocaremos o debate e a reflexão sobre o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, seguindo firme em nosso trabalho


de conscientização crescente sobre o tema e contribuindo para que os direitos humanos das mulheres sejam cada vez mais assegurados. HOMENAGEM O Concurso Literário “Maria Firmina dos Reis” foi denominado em homenagem à escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do Brasil. Maria Firmina também foi professora, musicista e a criadora da primeira escola mista do Brasil. Nascida em São Luís/MA em 11 de março de 1822 – data que hoje é considerada o Dia da Mulher Maranhense em sua homenagem -, a escritora é autora da obra “Úrsula” (1859), primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina e primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa. Também é autora de “Gupeva” (1861) e “A escrava” (1887), entre outras obras. Agência TJMA de Notícias asscom@tjma.jus.br (98) 3198 4370


ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA 18/03/2022



COM POESIA ROBERTO FRANKLIN TUA PARTIDA Pisei na lama das palavras Atropelei o verbo orar Bebi da fonte da inocência Asfixiei-me com as palavras Ditas em silêncio Em silêncio fúnebre caminhei Cantado no dia da tua partida.

JOÃO BATISTA DO LAGO RÉU CONFESSO Sou-me ‒ de mim ‒ apenas um lugar de guerras Sou-me assim viscissitude de toda divindade Minha tragédia: ser deus e diabo no oráculo da terra Trago no ventre o destino de parricidas e matricidas Vã tentativa de expiar as culpas das minhas desordens Campo de batalha de velhos e novos suicidas E no meu eterno retorno do mesmo divino ser Sou o réu confesso do destino sangrando todas as culpas Vã tentativa de me gerar na nova ordem de todos os caos




Rogério Rocha HÁ RIOS ONDE RIMAS SÃO MORTALHAS Um recado foi deixado debaixo dos sujos tapetes. Em meio aos cisos brancos das bocas dos canibais há cantos em falsete serpentes aladas planando ao lado dos corpos flácidos. Rios por entre miragens nas plácidas margens onde rimas são mortalhas que respingam qual gotas a sangrar na chuva sobre as calhas rotas. A sorte me deixou quando esqueci das promessas que nunca foram pagas dos tesouros furtados de dentro das casas de meus ancestrais Dorme o rio infecto de sangue, vestes, limos dos mangues, restos de monges e demais excrecências lançadas ao Una, bem longe do Corda, ao Anil reminiscências, acorda Bacanga, acorda!!! Cada verso que teço no contínuo tempo-espaço é um acorde de valsa orquestra em descompasso um bode solto na praça da cidade onde aconteço. Cada verso que faço é qual barra de aço a espancar mortais com o ódio fortuito dos games gratuitos das proles morféticas das drogas sintéticas no fundo dos currais. Meu curto evangelho eu o prego às pressas, com meus trajes persas a secar nos varais. No jogo da sorte que joga o poeta eu rio da morte


no verão de Creta e danço insolente na frente do touro que pisa a serpente num afresco mouro. Entre um salto e outro na escuridão do poço regurgito o indizível em tudo o que falo Quando um sono frouxo semeio com esforço um outono impossível se esvai pelo ralo.

Grace Do Maranhão CHOVE Chove lá fora... E as águas que jorram do céu Lavam árvores, montes, Formam riachos Escorrendo pelo chão. Chove cá dentro... E as lágrimas que tombam dos meus olhos Sulcando a face Lavam-me a alma, Acalmam o coração. A natureza é sábia, E Deus que tudo sabe, Tudo ouve e tudo vê, Para lavar a alma fez a lágrima, Para lavar o mundo Faz chover. (Gracilene Pinto in UM VÔO POÉTICO SOBRE ATHENAS - Imagem chuva no Maranhão)

E AGORA? De João Batista do Lago No buraco da noite densa O lobisomem uiva solitário Não há lua que o console Ele chora Paradoxal busca a luz Do outro lado do buraco Um deserto de solidão se expande Oásis de esperanças lamuriam Há consciência fantasmagórica E por isso o lobisomem uiva solitário Percebe o predador seu final E uiva desesperando o existir Já não mais há nem vida nem morte A presa jaz nele único consumo E agora? Miserável há de se consumir ROBERTO FRANCKLIN


Meu mundo Deveríamos sempre andar nus Desprovido de tantas vestes Como o ódio, a injúria a ganância Deveríamos sempre andar nus Retirando as mágoas o mau ressentimento Tentaríamos deixar o mundo Cada vez mais brando Mais colorido, fazendo brotar amor Deveríamos olhar para os dois lados Plantar sementes que nos trouxéssemos Bons frutos, deveríamos acabar com os espinhos Fazendo nossa proteção apenas com palavras suaves Poderíamos sempre irrigar nossa terra A fim de colhermos sempre afetividades Limpar nosso céu afim de que ele se tornasse Mais azul, sem nuvens carregadas Deveríamos sempre andar nus E quando olhássemos nossos semelhantes Pudéssemos sorrir mesmo para aqueles Que um dia nos atiraram pedras E ao passar poderíamos colher e entregar As flores que plantamos sem os espinhos Poderíamos sempre amar! SÍSIFO (Dedicado aos poetas Antonio Ailton Santos Silva, Mhario Lincoln Félix e Rogério Rocha) De João Batista do Lago Não escaparás da tua alegoria! Não te esconderás do teu drama! Não te furtarás da tua tragédia! Tudo há de ser tua eterna comédia. Tu, ó poeta, feito de carne, ossos e músculos, Não te findarás apenas significado; Serás eterno operário enclausurado, Sob a rocha que tentas fincar no cume da montanha. Tua dor e tua labuta são tuas significantes: Eternas amantes bailarinas do tempo - ovo-útero da tua epopeia vivente. A rocha que te pesa sobre os ombros É toda potência de vida e fé entrelaçada, Entre o topo e o cume; entre a pedra e o escombro.





“MARIA FIRMINA, A MENINA ABOLICIONISTA” ABRE A COLEÇÃO MENINAS DO MARANHÃO DA JORNALISTA ANDRÉA OLIVEIRA CELSO BORGES

Uma série de biografias que tem a romancista maranhense que viveu no século 19 na edição inaugural da escritora

A jornalista e escritora, Andréa Oliveira com o primeiro livro da Série - Foto: Tay Oliveira

Com o livro Maria Firmina, a menina abolicionista, a jornalista e escritora Andréa Oliveira inaugura a Coleção Meninas do Maranhão, série de biografias infanto-juvenis sobre grandes mulheres maranhenses, e também o selo independente Palavra Acesa. A obra, com ilustrações da artista visual Mônica Barbosa, será lançado nesta sexta, dia 11 de março, às 18h, na Sala Sesc de Exposições, na Avenida dos Holandeses). A data marca o bicentenário de nascimento da autora do primeiro romance abolicionista da literatura brasileira.

Capa o Livro “Maria Firmina, a menina abolicionista” que estreia a Coleção Meninas do Maranhão – Foto: Tay Oliveira


O livro é fruto de dois anos de pesquisa sobre a personagem e também sobre a escravidão, um dos capítulos mais tenebrosos da história do mundo e principalmente do Brasil, o último país das Américas a abolir essa prática, pelo menos oficialmente. “Quando eu tive a ideia de construir a coleção de biografias de mulheres maranhenses, o nome de Maria Firmina foi o primeiro da lista. Ela é a nossa grande pioneira nas principais lutas que ainda estão na pauta do tempo presente, pela liberdade para todos, contra o racismo e toda forma de opressão contra as mulheres”, afirma Andréa Oliveira. A vida de Maria Firmina dos Reis é tão rica de acontecimentos impressionantes que parece até inventada: uma menina afrodescendente no Maranhão do século 19, criada numa vila do interior sem a figura paterna e distante do mundo dos privilégios vir a se tornar a primeira professora concursada do estado, a primeira mestra-régia, a romancista publicada nos jornais da capital. Ela também foi quem criou a primeira escola em que meninas e meninos estudavam as mesmas lições, a escritora que deu voz às pessoas escravizadas, fossem africanas e seus descendentes, fossem indígenas; e questionou o lugar das mulheres. Até aqui parece muito, mas Maria Firmina dos Reis foi mais adiante e atuou também como poeta e compositora dos festejos populares, autora de toadas que até hoje encantam mestras e mestres do bumba-meu-boi do Maranhão. E tudo isso poderia ter ficado no esquecimento se alguém não tivesse encontrado um livro seu, por acaso, mais de um século depois, e dado início à recuperação de sua história. “Conhecer Maria Firmina dos Reis e honrar o seu legado é dever de todas as pessoas nascidas no Brasil, principalmente nós, maranhenses. Por isso escrevo para crianças e, como costumo dizer, para crianças de todas as idades, para que cresçam com referências reais sem perder de vista a fantasia que uma história como a dela pode despertar, inspirar, emprestar poder. E se estamos falando dela hoje – e é uma das autoras brasileiras mais estudadas – é porque sua obra tem poder”, diz a escritora. Andréa Oliveira, que estreou no gênero biográfico com a história do compositor João do Vale, em João do Vale – mais coragem do que homem (EDUFMA, 1998) e João, o menino cantador (Pitomba!, 2017), inicia, com este novo título, uma ciranda de mulheres em todas as etapas da produção literária. Além da companhia de Mônica Barbosa, nas ilustrações, o livro tem projeto gráfico de Tay Oliveira, revisão de texto de Eulália Oliveira e a impressão foi feita na gráfica Gênesis, comandada por Eva Mendonça. O projeto Maria Firmina, a menina abolicionista foi contemplado pela Lei Aldir Blanc (SECMA) e recebeu apoio do Sesc Maranhão. Trecho Tudo parecia ir muito bem até que algo muito esquisito aconteceu. Como um feitiço, daqueles que espalham uma nuvem de esquecimento sobre todo um reino, a história dela desapareceu e ficou escondida dentro de um silêncio profundo por mais de um século. A sua vida, toda a obra que criou, tudo foi perdido como uma folha seca no vai e vem das marés. E da grande mestra e escritora abolicionista Maria Firmina dos Reis não sobrou nem mesmo uma fotografia. Um nome sem rosto, um corpo perdido na história, mas uma voz tão forte que um dia, como se por encanto, foi desenterrada do fundo de um monte de livros antigos. E assim ela se tornou uma das escritoras mais admiradas e estudadas do Brasil. Texto: Celso Borges


LANÇAMENTO DO LIVRO MARIA FIRMINA DOS REIS e o cotidiano da escravidão no Brasil, de Agenor Gomes, sexta-feira passada na Associação dos Magistrados


Presentes na mesa os escritores Lourival Serejo, Luiza Lobo e José Ewerton Neto e o presidente da Associação dos Magistrados.

ABAIXO O pósfácio inserido no livro a pedido do autor em que se baseou a minha fala e no qual tento sobressair a abrangência e a significância da obra para estudantes, professores e pesquisadores, talvez a mais completa biografia já publicada a respeito desta admirável figura humana que foi Maria Firmina dos Reis POSFÁCIO

MARIA FIRMINA Sim, Maria Firmina dos Reis foi a primeira romancista brasileira de cor negra e, seguramente, a primeira romancista brasileira a compor uma longa narrativa com tema abolicionista. Isso tem um significado histórico marcante, uma representatividade e um simbolismo que a destacaria entre todas as suas iguais nascidas do sexo feminino, pelo pioneirismo na luta pelos seus direitos como mulher e como negra. Sim, por causa desse conteúdo, continuamente atualizado por novas informações, Maria Firmina dos Reis antes obscurecida, saiu das brumas do esquecimento nos idos dos anos 50, a partir de um trabalho de resgate de sua memória iniciado pelo escritor José Nascimento Moraes filho( como será visto, com detalhes, nas páginas deste livro). Porém, mesmo após progressivos, dignos e merecidos trabalhos de exaltação à sua memória faltava saber: Quem realmente foi Maria Firmina em sua individualidade quando descolada da simbologia em que foi emoldurada,justamente a partir do início desse resgate, em boa hora executado. Como ela se inseria, no contexto histórico do ambiente em que vivia? Como se locomovia no ambiente opressivo da escravatura, da qual era uma de suas vítimas? Quais as suas paixões, seus anseios, seus sonhos, o que almejava essa mulher nos confins de suas aspirações cotidianas enos porões de suas esperanças contidas?


Pois é essa Maria Firmina, a personagem principal deste livro de Agenor Gomes, essa mulher mais próxima de cada um de nósque salta das páginas deste livro após árduo trabalho de pesquisa histórica. É a partir deste que temos,pela primeira vez,acesso ao tecido especial que reveste a trajetória de vida de uma mulher para além de apenas ‘a primeira romancista do Brasil’. Alguém que abdicou de uma companhia masculina que lhe desse um lar, filhos e descendência para compor uma obsedante e abrangente sina genética: a da família universal brasileira: negra, escrava e oprimida,que logrou encampar, sobrepondo-a à sua sina de mulher solitária por vontade própria. Pois sua família, a que se entregou, não por fatalidade, mas por aspiração, não foram os filhos que adotou por generosidade, mas todos os seus irmãos deste país,negros e escravos e, em especial da vila queadotou, a de Guimarães. A sua luta diária contra a escravidão aqui contada pulsa em cada palavra, em cada exclamação e em cada vírgula tradutora de cada gesto seu; pela dedicação, pelo ofício de ensinar a que se entregou quase analfabeta, e pela Arte (principalmente literária, mas também musical) quando a vislumbroucomo forma de reverberar sua luta. Queaparece neste livro, - pela primeira vez em suas biografias -, como um meio, e não um fim em si mesmo, em episódios tão comoventesde seu altruísmo e generosidade como quando se nega a ser conduzida por escravos para receber seu diploma.À guisa de ilustração transcrevamos da página 69 : (...) Divulgado o resultado do concurso e assinada a nomeação Leonor Filipa dos Reis, a mãe de Maria Firmina, resolvera alugar um palanquim, espécie de liteira, para transportar a filha até o palácio do Governo, onde o ato de entrega da nomeação seria realizado. O palanquim era carregado por dois escravos . A filha não aceitou. Negro não é animal para se andar nele montado, E decidiu ir a pé (...) Maria Firmina se utilizou dessa Arte para brandi-la como uma das poucas armas a seu alcance- a outra era o magistério-, contra a miséria da escravidão reinante. Fez isso por si mesma, pela sua impulsão de liberdade, mas, sobretudo, por sua família, com a qual não teve laços sanguíneos, mas que fez questão de constituir e honrar, edificando-a como um propósito de vida até morrer, pobremente,distante das glórias que só lhe chegaram muito depois. Daí brota outro mote preponderante que se extrai da fortuna que é ler este livro: o de inserir a epopeia de Maria Firmina no contexto da escravidão reinante no País. De suas páginas, como pano de fundo de cada fato narrado,surge um painel vigoroso do sofrimento da gente negra, dasua luta quase vã por um tratamento minimamente digno. Ao dotar este livro de informações históricas essenciais no trato da composição o mais verídica possível de sua personagem principal, o livro se torna também uma bela referência para todo leitor que deseje conhecer mais do seu país e do qual não há de sair incólume carregando um tanto dessa mácula da qualtantas vezes nos olvidamos : a vergonha da escravidão. Igualmente, mesmo sem ter havido da parte do autor um propósito pré-concebido nesse rumo (este é um trabalho biográfico e, como tal, de pesquisa) tantas vezes o leitor é surpreendido, como se estivesse diante de um romance , de uma narrativa beirando o épico,pela pulsação e pelo ritmo de empatia pela luta de Maria Firmina dos Reis , concedendo ao leitor a sedução dos ingredientes das melhores histórias de ficção : a luta, o. medo , a esperança, o fim. Isso para depositar diante de nossos olhos o romance de uma vida:de uma heroica mulher, tão vibrante e ao mesmo tempo tão humilde como as das sagas das heroínas mais complexas e festejadas da História para que dela brote uma Maria Firmina dos Reis, tão humana quanto grandiosa em sua humildade, pequena e vasta em sua coragem de ter sido emintegridade,artista mulher e negra. JoséEwerton Neto é escritor e membro da Academia Maranhense de Letras.


CONVITE PARA GRANDE CELEBRAÇÃO LITERÁRIA - Bicentenário do nascimento de Maria Firmina dos Reis, a primeira mulher romancista do Brasil (1822-2022). EDITAL ABERTO! MARIA FIRMINA DOS REIS: TRIBUTO À NEGRA ÚRSULA (Antologia Poética). Link: =https://forms.gle/4BY1dKag6o4xqL168 Organização: Angeli Rose e Élle Marques. Prefácio: Dilercy Adler. Realização: Editora Mundo Cultural World e Coletivo Mulheres Artistas. Apoio cultural: IICEM, FEBACLA, FACETUBES, JORNAL ROLL e Inter-NET JORNAL. https://www.instagram.com/p/CbL3dvTuNAO/?utm_medium=share_sheet


Aconteceu...


TRÊS POETAS MARANHENSES CONTEMPORÂNEOS, DENTRE TANTOS

LOURIVAL SEREJO1

A poesia está emergindo, com toda a força, em São Luís e no Maranhão inteiro. A semente que Gonçalves Dias plantou não cessa de brotar frutos em todas as dimensões poéticas. Alguns até chegaram perto de competir com o plantador, como Maranhão Sobrinho, Ferreira Gullar, José Chagas, Bandeira Tribuzzi e Nauro Machado. Com satisfação constato, em cada visita à livraria da AMEI, o quanto a poesia maranhense está viva e antenada com o sentimento de contemporaneidade, ou seja, com o inebriamento em temas presentes, na forma e na técnica correspondentes ao momento poético. Contemporâneo aqui no sentido dessa singular relação com o tempo visto por um olhar distante, de que fala Agamben. O suplemento Sacada Literária, do Jornal Pequeno tem contribuído também para divulgação dessa nova poesia do Maranhão. Com a licença de outros grandes poetas vivos, já consagrados no Maranhão e no Brasil, venho falar de três novos poetas, no meio desse mar extenso de versos que inunda nossa atualidade. São os poetas Carvalho Júnior, Rafael Oliveira e Weliton Carvalho. Meio envergonhado, confesso que só conheci Carvalho Junior depois da sua morte precoce, tão lamentada no Maranhão e em todo o Brasil. Procurei imediatamente ler alguns dos seus poemas e percebi, com facilidade, o quanto ele dominava seu ofício com naturalidade e arte. Constatei como ele sabia elaborar tão bem um poema desta forma: “a melodia do meu pranto/ se confunde com esta chuva tóxica/ que arrasta orfandades e covardes e misérias/ no corpo cinza desbotado de uma borboleta extinta/ em uma colisão com o arco ferino da íris da indiferença.” Em cada poema da sua lavra, Carvalho Junior revelava-se um poeta de sensibilidade dócil e dura, ao mesmo tempo, sem rodeios, forjada na vida difícil que teve na infância. Com seus poemas de cortes incisivos, ele suspendia o leitor. Poderia citar inúmeros poemas de sua autoria. Escolho apenas mais este para o leitor comprovar o que afirmo: “uma folha duma árvore qualquer/ dançava na corrente de águas,/ flutuávamos o 1 O escritor Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em 1976, especializando-se em Direito Público É membro da Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 35. É membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 4. É membro fundador da Academia Vianense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 10. É membro fundador da Academia Maranhense de Letras Jurídicas, onde ocupa a Cadeira nº 10. É autor dos seguintes livros: O presépio queimado; Rua do Porto; Do alto da Matriz; O baile de São Gonçalo; A família partida ao meio; Contribuições ao estudo do Direito; Direito Constitucional da família, Provas ilícitas no Direito de Família; Programa de Direito Eleitoral, estes últimos pela Editora Del Rey (Belo Horizonte); A ética como paradigma da atividade judicial (organizador) pela Edições ESMAM e Formação do juiz: anotações de uma experiência (Ed. Juruá). É casado com Ana Maria Gomes Serejo Sousa e pai de Ferdinando Marco Gomes Serejo Sousa e Jacqueline Gomes Serejo Sousa.


rio e eu/ um no silêncio do outro,/ até o instante em que mergulhamos/ num voo de segredos dos silvos/ dum pássaro de nome não revelado.” Rafael Oliveira é médico e professor. Dedicou-se à poesia com o mesmo afinco com que pratica sua profissão: seriedade e envolvimento. Em seu último livro “O avesso abstrato das coisas”, ele conseguiu, com invejável maestria unir a medicina com a poesia, sem dores e sem gemidos, sem recorrer aos velhos tratados para fazer um Diagnóstico poético: “o tempo coloca reticências/ na vida/ou a vida é uma reticência/ no tempo”. Seus poemas tratam de coisas sérias com uma sobriedade de palavras que amortecem o impacto da informação médica. Cada poema é um exemplo dessa ténica. Destaco mais este que fala da Amnésia: “a palavra proibia/ a entrada/ ou não pise/ na grama/ queria apenas passear além das placas.” Weliton Carvalho é um poeta que faz poemas e sentenças, ou como recomenda o papa Francisco, faz das sentenças um poema em busca da justiça. Se ainda é desconhecido para alguém, não é por falta de produções. Em 2008, reuniu seus poemas num só volume de quase 700 páginas, com o título Geometria do lúdico. E continua a escrever. Seu último livro de poemas – Ócios do ofício – foi publicado em 2019, com o selo curitibano do Instituto da Memória. Afora essas reiteradas publicações, tem uma página na internet com publicações de vários gêneros. A poesia de Weliton tem a sobriedade profunda que Calvino recomenda. Sua lírica é retraída e “escandalosa”. Para ele, “poesia é a busca do encontro, /um acidente de beleza em construção.” Ele prefere iluminar o ambiente com múltiplas lamparinas para atender a página em branco quando lhe suplica um poema (Ócios do ofício). De vez em quando, explodem pensamentos soltos: “o tempo é Deus brincando de calendário”. E mais tantas coisas poderiam ser ditas desse grande poeta maranhense que atualmente reside em Teresina, mas que mantém suas raízes firmes em Santa Inês e São Luís. Essas três vozes da poesia contemporânea do Maranhão são uma amostra da qualidade que atingiu nosso momento poético.


A POESIA DE VINÍCIUS VELOSO MICAELA TAVARES Direto de São Luís do Maranhão, a poesia de Vinícius Veloso – Kuruma'tá – Revista de culturas e afetos (kurumata.com.br) Papo de Poeta: Poema para o abraço na Praça João Lisboa (papodopoeta.blogspot.com)

O poeta segundo ele mesmo: Meu nome é Vinícius Veloso, tenho 32 anos, sou de São Luís – MA. Minha relação com a poesia tem por volta de 10 anos, o que coincide com a criação e a manutenção do meu blog de poesia (Papo do Poeta), que é um espaço em que eu considero seguro e onde eu posso ser livre para falar de todos os sentimentos que a vida me desperta. Gosto de falar principalmente de amor e de saudade, mas também da minha cidade, das pessoas que observo, de refletir sobre a vida… A poesia é ampla e ilimitada, e a palavra delata qual a obsessão do poeta.

E agora sua poesia: Andar no Centro é um exercício de descobrimento Andar pelo Centro é diariamente um exercício de ternura gosto de observar os detalhes: desde a escadaria recém pintada até o sol que de tão presente chega a invadir a rua, e de repente aquele dia despretensioso começa a me chamar atenção então vejo o taxista ocioso vejo a vendedora de coco e velhinhos na praça discutindo os rumos da nação. Vejo os boêmios no mercado e o sorveteiro que assovia e canta boi, vejo os casais se amando as bandeiras ao vento cantarejando e lembro de junho que já se foi. Andar no Centro é diariamente um encantar-se e espantar-se com o que ronda a nossa vista, vejo uma vez mais o sol que ocupa e encobre a pista observo ao longe o desembarcar e o caminhar dos turistas, mas de perto a realidade grita observo pessoas passando fome e vários dizeres e protestos na parede que abriga poetas e artistas.


Andar no Centro é diariamente um exercício de nostalgia, vejo crianças correndo pelas ruelas e empinando pipa vejo carne seca na janela e lembro de como a minha avó fazia, vejo os lavadores de carro escutando reggae (que ecoa longe e toca bonito), vejo a velhinha que caminha com dificuldade e em sua cabeça, uma tábua de pirulito. Andar no Centro é diariamente um exercício de pertencimento pois não importa para onde eu veja ou aonde quer que eu vá eu sei que aqui é o meu lugar! 04.07.2019 A flor do abraço A flor do abraço heliotrópica busca à luz do sentimento a perfeita localização um lugar onde não esteja a sós como as sépalas, cálices e pétalas que só funcionam juntas na inflorescência dos girassóis. A flor do abraço enlaçadora como se braços fossem sempre abertos e de prontidão estende suas folhas para que natural seja abraçar outra alma com o seu coração… Instante esse em que o tempo para Zera! E quando recomeça A flor do abraço já virou canção. A flor do abraço é a beleza do girassol é o “carrossel das abelhas” como diz o poeta em metáfora é a flor do sol que eu desejo sem aspas… 06.09.2018 Poema sobre o nada ou Tinha um prédio no meio do caminho O prédio atrapalha a minha visão a vontade de querer enxergar o mundo de azul de assistir às cinco e quarenta e cinco da manhã o pôr-dosol ao contrário cinza alaranjado rosa amarelo em contraste à feia arquitetura que transforma pedra sem vida em colunas cimentadas que atrapalham a minha vista. Eu quero enxergar bisbilhotar debaixo das pedras que não têm, mas que abrigam: vida. Eu quero espionar o verde musgo das briófitas o desabrochar das borboletas o cochichar dos bem-te-vis a palavra voando fora da asa o milagrar de flores Eu quero atirar pedras no céu e acertar algum homem de pecado que dizem ser santo mas há um prédio no meio do caminho arranhando o céu sem carinho como um amontoado de pedras desperdiçadas que sequer abrigam musgo no meio do caminho há um prédio que atrapalha minha visão que tem nome de cidade europeia ou de um homem branco qualquer que minhas retinas fatigadas traduzem livremente:


Ed. Dr. Zé Ninguém Nunca esquecerei desse acontecimento… Manoel de Barros me entenderia Carlos Drummond de Andrade também. 25.08.2021 Zênite solar Teu corpo é floresta tropical quente úmido esplendoroso dos pés ao topo é beleza viva jacarandá que faz sombra em meu corpo. Por ele passeio cuidadoso e admirador cubro-o de carinhos e beijos até chegar ao teu umbigo – que é a linha do Equador, centro imaginário do (meu) mundo que o divide em dois: um antes de ti, tempo passado e outro muito melhor, depois. Em minhas mãos tu escorres como seiva a precipitar-te de prazer molhando meus dedos como um céu emocionado quando começa a chover. Sigo percorrendo o teu corpo até o limite do solstício onde a vida tem fim e começo mas eu estou só no início, E o que eu tenho é amor para te dar teu corpo no meu corpo encaixados perfeitamente é meio dia é o zênite solar. 09.06.2020 O último suspiro Quando eu for embora deste plano não desejo lágrima nem despedida por todo o amor e poesia que respiro uma coisa só espero da vida: que seja um verso o meu último suspiro.


OCUPANTES DAS CADEIRAS


CADEIRA 01 CLAUDE D’ABBVEVILLE

ANTÔNIO JOSÉ NOBERTO DA SILVA Fundador


BrasilEntrevistas"A Europa trouxe mais cultura e desenvolvimento para o Brasil e para o Maranhão", diz Antonio NobertoEntrevista exclusiva ao jornalista Mhario Lincoln 17/01/2022 às 15h24Atualizada em 17/01/2022 às 16h04Por: Mhario LincolnFonte: Antonio NobertoCompartilhe:

Noberto e Mhario Lincoln

Noberto e Mhario Lincoln

Ainda na capital do Maranhão, final de dezembro de 2021, conversei demoradamente com o historiólogo e escritor Antônio Noberto, nas dependências da AMEI – Associação Maranhense de Escritores Independentes, presidida por José Viegas, no Shopping São Luís. Noberto é defensor árduo da influência francesa na história da fundação de São Luís do Maranhão. Neste encontro ele afirma que o Brasil foi também muito influenciado pela cultura europeia. Inclusive o Maranhão, que chegou a ser considerado o 4º estado na hierarquia brasileira de desenvolvimento urbano e cultural. Na verdade, o que Noberto afirma tem base em outros momentos, porque a cultura europeia sempre foi uma das principais fornecedoras de elementos culturais para o Brasil. Foram os europeus que mais migraram para o país. Culinária, festas, músicas e literatura foram trazidas para o território brasileiro, fundindo-se com outros elementos de outros povos. Além da cultura popular dos países europeus, foi trazida também a cultura erudita, marca essencial das elites intelectuais e financeiras. Um pouco depois, miscigenaram-se as culturas indígena e africana, com muita intensidade. Hoje, conclui-se que essa vastidão cultural se deve a vinda desses povos com fluxos bem variados. Por outro lado, a grande dimensão territorial influencia por razões, até mesmo climáticas e geográficas, pois há muitas diferenças entre si. Isto é, o Brasil é plural no que concerne a sua cultura. O historiólogo Antonio Noberto fala - nesta primeira parte desta esclarecedora entrevista - abaixo reproduzida, exatamente dessas influências que levaram São Luís a possuir condições que o levaram a ser São Luís a 4ª cidade mais importante do país, perdendo para o Rio de Janeiro (capital do Brasil), Salvador (antiga capital), e Recife (transformada pelos holandeses, em importante conglomerado urbano). A ENTREVISTA: "A Europa trouxe mais cultura e desenvolvimento para o Brasil e para o Maranhão", diz Antonio Noberto (facetubes.com.br)


ARAÇAGI, O CAJUEIRO DO PAPAGAIO ANTONIO NOBERTO

Não se destrói um povo enquanto não se extermina a sua cultura e o seu legado. Esta assertiva pode ser bem ilustrada na determinação do competente Secretário de estado do reino de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782), o Marquês de Pombal, que na segunda metade dos anos mil e setecentos proibiu no Brasil o uso de qualquer outra língua que não o português. A decisão, aparentemente, era a pá de cal na língua nativa, a mais falada no Brasil à época. O que se viu depois foi a continuação da dizimação através da depreciação e aviltamento de vários termos indígenas, a exemplo de cunhã (que pode significar prostituta), curumim (moleque, pivete), pindaíba (pobreza extrema), pajelança (atitude destrambelhada), dentre outros, que foram e continuam sendo sistematicamente modificados com o objetivo principal de encobrir um passado virtuoso corrompendo a língua dos primeiros habitantes do Brasil. Soma-se a isto a cobiça de jogar no fosso os outros dois concorrentes do colonizador: o negro e, principalmente, o estrangeiro, primeiro a trazer a cultura escrita para a terra Papagalis, quando colocou no papel e imortalizou a língua, além de muito dos usos e costumes da população autóctone. E um dos termos desvirtuados é a palavra Araçagi, que representa uma das localidades mais antigas e importantes da Ilha de São Luís, habitada por franceses e tupinambás desde o final dos anos mil e quinhentos. O estudo desta simples palavra de origem tupi nos remete ao mundo mágico e de harmonia vivido pelos mais antigos moradores do lugar, que, mesmo em tempos tão remotos, produziam e exportavam riquezas do tipo urucum e açúcar para lugares bem distantes. Não faz muito tempo que a quase totalidade dos maranhenses pronunciava errônea e grosseiramente “Campo de Perizes”, em referência aos dezenove quilômetros por onde passa a BR 135, na saída / entrada


da Ilha de São Luís. A escrita e pronúncia corretas em tupi, ligeiramente aportuguesada, é Campo dos Peris ou Campo de Peris, vez que a palavra originária do tupi é “piri”, que representa o junco ou capim que cobre o lugar alagado. E nas oxítonas terminadas em “i” forma-se o plural acrescentando-se apenas o “s”. Importante destacar que muitas outras localidades e acidentes geográficos no Maranhão e Piauí também foram nomeados a partir da maciça presença deste capim, a exemplo de Peritoró, Piripiri, Peri Mirim e Pericumã. A recente divulgação da grafia correta permitiu que muita gente e a maior parte da mídia abandonasse a aberração “perizes” e adotasse a forma correta, convergindo, assim, para a máxima de que “Em São Luís se fala o melhor português do Brasil”. Outro termo curioso que vale a pena se debruçar e buscar a raiz etimológica e a história do lugar é Araçagi, que em tempos muito iniciais era um “país a parte”, com porto, produção e vida própria, era também uma espécie de hiato ou meio caminho entre a desembocadura do “Rio Maranhão” – o Itapucuru, e a foz do rio Mearim. Nos primórdios do lugar, entre o final dos mil e quinhentos e início dos mil e seiscentos o Araçagi estava localizado entre duas fortalezas francesas existentes à época: o Forte Sardinha, situado na então Ilha do São Francisco, que guarnecia a entrada da Ilha e Miganville (atual Vinhais Velho) e o porto de Jeviré (na Ponta d’Areia). Este ancoradouro tinha caráter mais internacional, pois especializado em receber mercadorias dos portos franceses de Rouen, Dieppe, Saint-Malo, La Rochele e Havre de Grace, e as riquezas vindas da região amazônica e do rio Mearim, a exemplo do sal (de salinas, na Baixada). Este complexo ou reduto gaulês está descrito na tela “São Luís antes da fundação”, que compõe o acervo da exposição França Equinocial para sempre. A outra fortaleza era o Forte de Itapari, depois reformado em pedra por Daniel de la Touche, quando recebeu o nome de Le Fort de Caillou (o forte de pedra), que virou Caur e hoje é Caúra, em São José de Ribamar. Do pouco que é possível encontrar sobre o Araçagi nas literaturas em tão distante período, pode-se extrair que o lugar era dinâmico, produtor e bastante movimentado, com localização bem próxima à Ilha de Curupu e do porto, onde hoje está a imagem de São José. Neste ancoradouro da baía de Guaxenduba aconteciam muitas movimentações da produção que descia o rio Itapecuru ou da Ilha Grande pelos pequenos portos de Jussatuba, Quebra Pote, Arraial, etc. O Araçagi era, portanto, o elo entre os dois fortes e os dois maiores portos da Ilha Grande, e possuía o que seria o único engenho de açúcar de Upaon Açu, os demais estavam no rio Itapucuru Mirim. Em vários textos, livros e mapas é possível encontrar o nome do lugar grafado de diferentes formas, a exemplo de araju, araçaju, arasaju, arasagi, arassagi, araçoagi, arassoagi e araçagy. Mas enfim, qual a grafia original e o significado da palavra Araçagi? Verificando mapas (ver detalhes dos mapas dos anos mil e seiscentos), livros e a própria história, chega-se ao termo original aracaju (ara = papagaio + caju), que em português quer dizer “cajueiro do papagaio”. É a mesma origem etimológica do nome da capital sergipana. As principais variações se dão pela troca do “c” pelo “s”, do “j” pelo “g” e do “u” pelo “i” (o “u” no francês pronuncia-se “i”), como acontece no nome do rio “ItapUcuru”, pronunciado “ItapIcuru”. Araçagi é, portanto, Aracaju, o cajueiro do papagaio. Considerando que o termo Araçagi já é uma tradição oral e escrita do tupi aportuguesado, quem preza ou tem apreço pela cultura nativa deve, ao menos, escreve-la sempre com “i” no final, pois a grafia com “y” termina por tutelar e encobrir uma história antiga vivida por franceses e tupinambás que habitavam, comercializavam e viviam em paz no “país do Aracaju”, região da Ilha Grande que mais cresce nos últimos anos.


ENTREVISTA COM O TURISMÓLOGO, PESQUISADOR E ESCRITOR ANTONIO NOBERTO Quem busca o melhor conteúdo na Internet não pode perder esta valiosa entrevista com o turismólogo, pesquisador e escritor Antonio Noberto, presidente da Academia de Letras de São Luís (2018 - 2019) e inspetor da PRF no Maranhão. Noberto discorre sobre história, cultura, filosofia, política, etc, tudo sob o manto da visão crítica. É seguramente a melhor entrevista deste ano de 2022. Vale a pena conferir! Instagram: antonionobertoslz

https://youtu.be/02yCC9ikVFM


CADEIRA 4 FRANCISCO SOTERO DOS REIS

ANTONIO AUGUSTO RIBEIRO BRANDÃO FUNDADOR/ HONORÁRIO

2º OCUPANTE ALEXANDRE MAIA LAGO


Membros da ALL, presentes na posse:

1.Jucey Santana, 2 . Dilercy Adler, 3. Ceres Costa Fernandes, 4 Ana Luiza Ferro, 5. Mirian Angelin, 6. Clores Holanda, 7. Vavá Melo, 8. Joao Batalha, 9. André González, 10.Mario Luna, 11. Roque Macatrão, 12. Antônio Ailton, 13. Antônio Noberto,

14. Daniel Blume, 15. Raimundo Viana, 16. Irandi Leite 17. Roberto Franklin, 18. Aldy Melo, 19. Bruno Tomé, 20. Sanatiel Pereira, 21 José Fernandes. 22. Jadir Lessa 23. Arquimedes 24. Alexandre 25. Michel Herbert


Senhora Presidente da Academia Ludovicense de Letras, confreira Jucey Santana, em nome de quem saúdo todos os integrantes da mesa, da Academia e os demais presentes. Ilustre amigo, doravante confrade, Alexandre Maia Lago, Sinto-me honrado em vos recepcionar nesta noite na Casa de Maria Firmina dos Reis, lugar em que tomais posse como imortal na cadeira de número 4, cujo patrono foi o grande intelectual maranhense Francisco Sotero dos Reis. Agradeço a escolha, entre tantos nomes, para pronunciar tal discurso de recepção. A Academia Ludovicense de Letras enriquece ao contar, entre os seus membros, com a inclusão do vosso nome. Para esta Casa, a vossa presença é uma honra; para quem vos saúda, é honra e privilégio ter sido escolhido para tal incumbência. Meu ilustre confrade, são curiosas e inexplicáveis as estradas de nossa vida. A princípio, parecem-nos retas, mas depois se distorcem, bifurcam-se em surpresas que se justificam sob o vasto espaço que se chama acaso. Lembro que conheci Alexandre Lago na casa de um amigo em comum, por ocasião das comemorações de final de ano, juntamente com outros amigos poetas e intelectuais. Em razão mesmo de minha inibição, procurei um lugar que não estivesse muito em evidência. Foi quando me deparei com uma cadeira ao lado do então, por mim desconhecido, Alexandre Lago, iniciando uma conversa agradável e profícua regada à boa música. Notei que o meu hoje confrade de vez em quando partia um limão e o levava à boca, não se importando com a acidez. Como dentista, teria que chamar a sua atenção, estava já incomodado com tal atitude. Assim, diante do fato, perguntei se ele sabia, ou se já ouvira a respeito da erosão ácida. Respondendo que não, eu o adverti sobre o perigo dessa prática, não sabendo dizer agora se ele a largou ou se ainda a pratica. Sei que ali começava uma amizade que perdura até os dias atuais, e que seja para sempre. Como afirmei anteriormente, essa Casa abre as portas para acolhê-lo. Tenho a certeza de que este sodalício se engrandece com a vossa eleição e com vossa posse nesta noite. Alexandre Maia Lago nasceu em São Luís, em 1968, primeiro filho do casal Nonato Lago e Ana Maria Maia Lago, tendo como irmã, Ana Cristina. Como quase todos os ludovicenses da época, morou por muito tempo no centro de nossa São Luís, mudando-se depois para o Renascença e Recanto dos Vinhais e Calhau. Saudosista, guarda vivas memórias de sua infância e juventude. Estudou no Colégio Marista, sendo adjetivado pelos amigos de colégio como um aluno levado, às vezes desinteressado nas matérias que para ele não teriam a menor utilidade em sua formação. Os amigos afirmam já terem-no como leitor ávido, desde então. Às vezes, em aulas de matemática e física, pegava um livro e o colocava sobreposto ao da matéria que estava sendo tratada em sala de aula, fazendo com que muitos pensassem que ele estaria acompanhando as disciplinas: mero engano! Estava sim aprendendo, mas com Vargas Llosa, García Márquez e tantos outros mestres da literatura universal. Alexandre, aos 16 anos, havia lido, dentre outras, a obra completa de Aluísio Azevedo e as crônicas de Humberto de Campos, afirmam os amigos de longas datas. De acordo com alguns outros contemporâneos,


era um adolescente tranquilo, bemhumorado, totalmente averso a confusões. Apreciador do silêncio, abomina som alto, razão pela qual jamais gostou de boates e festas. Na sua boemia de juventude, fazia uma única concessão à folia: o carnaval. E, uma vez ao ano, apreciava sobremaneira os eventos que animavam nossa cidade nos anos 80, com seus blocos, bandas e as memoráveis festas dos nossos clubes sociais. Mas isso ficou no passado. Em 1988, Alexandre ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão. E foi nesse ambiente acadêmico que encontrou sua amada: a Dra. Cristiane Lago. Por um acaso que somente o cupido poderia explicar, aconteceu que, sendo aluno do período noturno, em 1990, a cadeira de Direito Econômico não foi oferecida à sua turma. Como se tratava de disciplina obrigatória, cursou-a pela manhã, conhecendo então a sua futura esposa, tendo os dois um semestre inteiro para se enamorar, e o casamento foi questão de tempo, ainda durante o curso. Casados, têm três filhos: Mateus, Marina e Alexandre Filho, bem como um neto, o Benjamin, que acredito ser realmente aquele que manda no avô. Segundo sua esposa, Alexandre seria uma pessoa tranquila, desligada, um pouco desorganizado, mas muito bem-humorado, culto e inteligente. Que é o grande exemplo de leitor para seus filhos, e agora para seu neto, sempre incentivando-os com a leitura. Na época da faculdade, foi um aluno aplicado e sempre tirou boas notas. Que quando se conheceram, chegou a pensar que os livros que sempre o acompanhavam seriam para impressioná-la, mas que com o tempo passou a conviver com os autores que nosso confrade lia e com os que continua lendo, de preferência em uma rede. Alexandre Lago, nosso mais novo confrade, exerce a advocacia há 27 anos, e nessa área tem seu nome consolidado, sempre exercitando a arte de trabalhar em parceria, valorizando a classe, utilizando a literatura como antídoto paras enfrentar as agruras advindas da advocacia. O agora confrade Alexandre Lago, na minha visão, é uma pessoa simples e discreta, não deixando de apontar o fato de que, mesmo viajando o mundo, conhecendo vários continentes, é incapaz de falar a respeito sem ser perguntado. Outra característica que muito o distingue é o fato de que, mesmo sendo amigo de alguns dos principais nomes da literatura mundial contemporânea, jamais se jacta disso em público, nem em conversas nem em seus textos jornalísticos, sempre contrário à autopublicidade. Sempre bem humorado, quando indagado sobre algum grande arrependimento, diz: “ter militado em partido político por mais de 15 anos”, e completa: “Um desperdício foi aquilo, se tivesse empregado aquelas horas de conversas fiadas aprendendo o latim, poderia ler Virgílio e Horácio no original, me daria mais futuro”. Leitor voraz, tem predileção pela história grega e romana, bem como pela história da América Latina. Gosta de comparar autores, anotar textos e contradições, sendo esse o seu lazer predileto. Diz sempre: “Nisso de História, só servem os clássicos. O resto é palpiteiro. E tá cheio deles, hoje em dia”. Alexandre Lago, agora confrade Alexandre, é autor de três livros, Letras de Sempre, Literae Semper e Atanatá Gramatta. Explica que os títulos em latim e grego, nada mais são que homenagens aos antepassados de nosso idioma. Neles, reúne textos de sua coluna literária no Jornal Pequeno. Há uma espécie de intelectuais que não se contenta apenas com o trabalho contemplativo e paciente em sua biblioteca, ao labor silencioso e solitário na companhia de seus livros. Para tais indivíduos, é de fundamental importância que, ao lado do trabalho racional e literário, haja de igual forma e com igual vigor o trabalho de divulgação, promoção e incentivo ao mundo da literatura e ao mundo da cultura como um todo. E é a essa última categoria que o escritor Alexandre Lago se filia. No papel de semeador do ambiente cultural tem servido de ponte entre os escritores mais importantes de nossa língua e a literatura maranhense, tal como se demonstra em entrevistas feitas com nomes da envergadura do moçambicano Mia Couto, o cabo-verdiano Germano Almeida, o português Valter Hugo Mãe, a tomense Conceição Lima, os angolanos Lopito Feijó, Ondjaki, Pepetela e João Melo; Os poetas brasileiros Carlos Nejar e Salgado Maranhão, o romancista Cristóvão Tezza e o grande africanista Alberto da Costa e Silva. Tudo isso, tentando colocar o Maranhão no centro dos grandes debates literários de nosso tempo. Tarefa difícil, diz ele. Faço aqui uma inconfidência. Ao manusear uns livros na Biblioteca Benedito Leite, vi casualmente o nome do meu confrade anotado em um deles, e alguém de lá me falou algo interessante. Sei que quem doa em


silêncio não quer propaganda. Mas tenho que registrar. Há alguns anos, esse novo confrade doou uma biblioteca inteira de seus bem cuidados livros para aquela biblioteca. E, como é praxe, instado a registrar em foto a doação ao lado da Diretora, recusou-se, e pediu anonimato. A testemunha disso é a própria Diretora da Biblioteca. E assim tem feito a muitas Escolas também, eu sei. Além da doação individual a jovens que ele sabe aplicados na leitura, mas que infelizmente não podem adquirir livros que, como todos sabemos, ainda se trata de algo caro em nosso país. Desculpe-me, confrade, mas senti-me no dever de fazer essa inconfidência. E se assim o faço é porque, sem nunca ter nos falado isso, lhe ouvi sempre dizer: “Falta desprendimento à nossa elite! Precisamos de mais mecenas!” Assim como Sotero dos Reis, que foi muitos intelectuais em um só homem, Alexandre, de igual forma, foi e é muitos homens em um só: o advogado, o escritor, o descobridor de novos nomes, o divulgador de cultura, o cronista, sempre incansável e atuante, incentivando novos talentos de nossas letras, formando novos leitores. Por tudo isso, a Academia Ludovicense de Letras se alegra em receber um intelectual que tanto contribui e enriquece não só as nossas letras, mas nossa cultura como um todo, tornando-nos conscientes da importância de nossa participação nos grandes debates nacionais e internacionais acerca da literatura. Ao tomar posse na Academia Ludovicense de Letras, acredito que, como cidadão, sem radicalismos, o agora confrade Alexandre Lago se posiciona com coragem, como sempre o fez, e, como intelectual, representa o que há de melhor no cenário literário do nosso Estado. Permitam-me, portanto, repetir as palavras com que iniciamos este discurso de saudação: a Academia Ludovicense de Letras se enriquece ao contar, entre seus membros, com a inclusão de vosso prestigioso nome. Sede bem-vindo a esta Casa, confrade Alexandre Maia Lago, e tomai assento à cadeira nº 4, que agora lhe pertence. Obrigado!







CADEIRA 8 MARIA FIRMINA DOS REIS

DILERCY ARAGÃO ADLER FUNDADORA







DIA DA MULHER MARANHENSE Aniversário de nascimento de Maria Firmina dos Reis, Patrona da Academia Ludovicense de Letras Dilercy Adler INTRODUÇÃO É uma honra para os membros da Academia Ludovicense de Letras - ALL terem a sua Patrona, Maria Firmina, como símbolo da mulher Maranhense. O dia 11 de março, aniversário de nascimento dessa ilustre escritora maranhense, é instituído por Lei como o “Dia da Mulher Maranhense": A Lei nº 3.754, de 27 de maio de 1976. O Projeto de Lei é de autoria do Deputado Celso Coutinho, elaborado em 1975 e a Lei foi sancionada pelo Governador Nunes Freire, em 27 de maio de 1976 (era do conhecimento público que o nascimento de Maria Firmina era 11 de outubro de 1825). No entanto, por meio de pesquisas recentes (ADLER, 2017) foi confirmada a data de nascimento de Maria Firmina como sendo, de fato, 11 de março de 1822. A Presidente da Academia, à época, a Profa. Dra. Dilercy Adler, pesquisadora da vida e obra de Maria Firmina dos Reis buscou atualizar a data e, para tal, solicitou ao Deputado Eduardo Braide, que gentilmente atendeu ao pleito e, por meio da Lei nº 10.763, de 29 de dezembro de 2017 sancionada pelo Governador Flavio Dino foi alterado o art. 1º que trata da atualização da data para 11 de março. Assim, em 2017 foi a última comemoração do aniversário de Marias Firmina no dia 11 de outubro e este ano configura marco importante, no sentido de que é comemorado, pela primeira vez, o aniversário de nascimento de Maria Firmina e o Dia da Mulher Maranhense, neste 11 de março de 2018. CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA LEI 1975 - ANO ROSA DE JERICÓ DE MARIA FIRMINA DOS REIS: ano de verdejar O ano de 1975, foi o ano de verdejar para Maria Firmina, o marco que eu intitulei (ADLER, 2017) de o seu “ano Rosa de Jericó”. Essa rosa é também chamada de flor - da - ressurreição por sua impressionante capacidade de voltar à vida. As Rosas de Jericó podem ser transportadas por muitos quilômetros pelos ventos, vivendo secas, sem água, mesmo durante muito tempo e, ao encontrarem um lugar úmido, elas afundam raízes na terra e se abrem, voltando a verdejar! Vejo muita semelhança entre Maria Firmina e a Rosa-de-Jericó, senão vejamos: a Rosa de Jericó, tem aparência frágil, mas, concomitantemente, demonstra consistente defesa diante da situação adversa, neste caso, ausência total de chuvas. Nesse período, as suas folhas caem, seus ramos se contraem e se curvam para o centro, adquirindo uma forma esférica, capaz de abrigar as sementes e protegê-las da aridez dos desertos. Mesmo frágil e ressequida, ela continua como “peregrina”, devido à quase inexistência das suas raízes, o que facilita o seu deslocamento, e, como “viajante incansável”, deixa-se levar pelo vento do deserto, que tem a força de arrancá-la do solo e arrastá-la por áreas distantes. Também nesse período, ela permanece seca e fechada, aparentando estar totalmente sem vida por alguns meses. No entanto, basta algum contato com a umidade para a Rosa-de-Jericó estender suas folhas, espalhar suas sementes e retornar à vida, mostrando a sua beleza. Ainda no tocante às gotas d’água que deram a umidade necessária para Maria Firmina retornar ao cenário literário mostrando a sua beleza, Arlete Nogueira da Cruz, no seu livro Sal e Sol (2006) apud ADLER (2014), fundamentando-se no trabalho intelectual de Janilto Andrade, A Nação das Dobras da Ficção, explicita: [...]. Não fosse José Nascimento Morais Filho, o nosso Zé Morais, este contumaz andarilho de trilhas nunca antes percorridas, Maria Firmina dos Reis não teria vindo à luz. E quando ele a trouxe (no momento em que também a trazia o escritor paraibano Horácio de Almeida), lembro bem, foram alvo de zombarias em São Luís: Zé Morais, Maria Firmina e o seu livro Úrsula; muitos


considerando que era de pouca serventia aquele achado e exagerada a relevância que Zé Morais dava à sua descoberta. Pelos daqui, Maria Firmina dos Reis deveria permanecer onde se achava: no limbo. E a sua obra sob o tapete (CRUZ, 2006, p.265). No limbo.... Sob o tapete... Expressões que retratam não apenas rejeição, mas desprezo, o que não deixa de retratar a alienação e falta de humanidade no trato com as pessoas e suas obras por aqueles que se julgam donos do saber e da verdade ADLER (2014, p.6). Mas, antagonistamente, outros maranhenses, a exemplo de Josué Montello, reconhecem a importância de Maria Firmina. Montello escreve por ocasião do sesquicentenário de nascimento de Maria Firmina dos Reis um artigo intitulado A primeira Romancista Brasileira, que publicou no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 11 de novembro de 1975 e na Revista de Cultura Brasileña, Madrid, Embajada de Brasil, 1976, jun., n. 41, p. 111-114. Confesso que não resisti ao desejo de transcrever, nesta comunicação pequeno trecho da sua primorosa referência à Maria Firmina e a Nascimento de Morais Filho. No referido texto, Josué Montello nomeia outro maranhense, Antônio de Oliveira, juntamente com Nascimento de Morais Filho, como responsáveis pela ressurreição de Maria Firmina, e, desse modo, a eles se refere: [...] o primeiro falando em voz baixa como é do seu gosto e feitio e o segundo, falando alto ruidosamente, com uma garganta privilegiada, graças à qual, sem esforço, pode fazer-se ouvir no Largo do Carmo, em São Luís, à hora em que se cruzam os automóveis, misturando a estridência das suas buzinas e de seus canos de descarga ao sussurro do vento nas árvores da praça. Desta vez, ao que parece, Nascimento Morais Filho ergueu tão alto a voz retumbante que o país inteiro o escutou, na sua pregação em favor de Maria Firmina dos Reis. Há quase dois anos, ao encontrar-me com ele na calçada do velho prédio da Faculdade de Direito, na Capital maranhense, vi-o às voltas com originais da escritora. Andava a recompor-lhe o destino recatado, revolvendo manuscritos, consultando jornais antigos, esmiuçando almanaques e catálogos como a querer imitar Ulisses, que reanimava as sombras com uma gota de sangue. E a verdade é que, no dia de hoje Maria Firmina dos Reis de pretexto a estudos e discursos, e conquista, seu pequeno espaço na história do romance brasileiro – com um nome, uma obra, e a glória de ter sido pioneira. Assim, Nascimento de Morais Filho, como um Sankofa, pássaro africano de duas cabeças, uma cabeça voltada para o passado e outra para o futuro, que, segundo a filosofia africana, significa a volta ao passado para ressignificar o presente, dedicou-se, incansavelmente, para dar novo significado à Maria Firmina dos Reis como mulher, como professora e como escritora, dando a ela o lugar que lhe é devido na literatura maranhense e brasileira. E ainda seguindo a máxima de Morais Filho, mais pessoas, instituições, cidades e estados brasileiros têm se dedicado a estudos e homenagens a Maria Firmina dos Reis. É constatado que o trabalho de pesquisa e resgate de Maria Firmina por Morais Filho, de fato resultou em muitos outros trabalhos acadêmicos. Renan Nascimento dá destaque para a tese sobre a romancista, defendida por Charles Martin na Universidade de Nova York. Eu cataloguei várias Monografias de Graduação, Dissertações de Mestrado, Teses de Doutorado sobre algum aspecto de sua vida ou obras. O romance Úrsula encontra-se entre os objetos de estudo mais analisados. Assim, em 1975, ano do sesquicentenário de Maria Firmina, em São Luís, foi publicada a edição fac-similar do seu romance Úrsula; inaugurado o busto da escritora na Praça do Panteon, em São Luís; foi criado um carimbo em sua homenagem, uma marca filatélica produzida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; também foi criada em sua homenagem a Medalha de Honra ao Mérito, pela Prefeitura Municipal de São Luís; na Assembleia Legislativa do Estado foi instituído o dia 11 de outubro, como Dia da Mulher


Maranhense. É importante enfatizar que assim determina a Lei Nº 3.754 de 27 de maio de 1976 no seu Artigo segundo: Art. - 2º Esta lei entrará em vigor, na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, todas as autoridades a quem o conhecimento e a execução da presente Lei pertencerem que a cumpram e a façam cumprir tão inteiramente como nela se contém [...] (Diário Oficial de 14 de junho de 1976) (grifo meu). Em Guimarães, também o ano de 1975 foi o marco do início de maiores homenagens a ela dedicada. Além do desfile em sua homenagem naquele ano, o Centro de Ensino Nossa Senhora da Assunção, desde o ano de 2007, passou a promover a Semana Literária Maria Firmina dos Reis. Também o dia do seu aniversário foi instituído feriado Municipal e comemorado o “Dia da Mulher Vimarense. No ano, próximo passado, 2017, foi inaugurada, pelo Governo do Estado do Maranhão e Prefeitura de São Luís, uma praça com o seu nome e ela foi escolhida para Patronear a Feira do Livro de São Luís- FeliS, deste ano, em sua 11ª edição, de 10 a 19 de novembro, que resultou numa grande repercussão local, nacional e internacional. A Academia Ludovicense de Letras-ALL desde 2013, ano de sua fundação, incorporou-se a esse projeto de consolidar a ressignificação dessa incontestável precursora da cultura e educação maranhense/ brasileira, colocando-a como Patrona da Academia, tendo consciência também de que há muito ainda por fazer e para conhecer Maria Firmina dos Reis, fortalecendo esse trabalho que denomino de Missão de amor. Em 2015, em comemoração ao seu aniversário de 190 anos, foram organizadas, por Dilercy Adler e Leopoldo Gil Dulcio Vaz duas antologias em sua homenagem: Cento e Noventa Poemas para Maria Firmina dos Reis e Sobre Maria Firmina dos Reis. A ALL busca ocupar todos os espaços culturais locais, nacionais e internacionais, objetivando desenvolver e difundir a cultura e a literatura ludovicense, a defesa das tradições do Maranhão e, particularmente, de São Luís, também levando o nome de Maria Firmina dos Reis como missão precípua. REFERÊNCIAS ADLER, Dilercy Aragão. ELOGIO à PATRONA MARIA FIRMINA DOS REIS: ontem, uma maranhense, hoje, uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2014. _____________. MARIA FIRMINA DOS REIS, uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2017. ADLER, Dilercy Aragão e VAZ, Leopoldo Gil Dulcio (Organizadores). CENTO E NOVENTA POEMAS PARA MARIA FIRMINA DOS REIS. São Luís: ALL, 2015. Diário Oficial do Estado do Maranhão, de 14 de junho de 1976. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, Josué Montrello. 1975, 11 de novembro. Revista de Cultura Brasileña, Madrid, Embajada de Brasil, Josué Montello 1976, jun., n. 41, p. 111-114. VAZ, Leopoldo Gil Dulcio e ADLER, Dilercy Aragão (Organizadores). SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS. São Luís: ALL, 2015. MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA; fragmentos de uma vida. São Luís: SIOGE, 1975.


CADEIRA 11 CELSO TERTULIANO DA CUNHA MAGALHÃES

ANDRÉ GONZALEZ CRUZ Fundador


A TERRÍVEL HISTÓRIA DA BARONESA QUE TORTUROU E MATOU UM GAROTO NEGRO DE 8 ANOS NO MARANHÃO EM 1876 Juliana Sayuri De Toyohashi (Japão) para a BBC News Brasil 12 março 2022

CRÉDITO,MP/MA - Legenda da foto, "O julgamento da Baronesa”, óleo sobre tela por Luís Moraes, retrata o episódio ocorrido no Maranhão no século 19

Em 1876, Inocêncio, um garoto negro, escravizado, morreu na casa de Anna Rosa Viana Ribeiro, uma senhora branca da alta sociedade, casada com o médico e político liberal Carlos Fernando Ribeiro, que depois se tornaria Barão de Grajaú, no Maranhão. O caso, emblemático da crueldade da escravidão da época, ficou famoso como "o crime da Baronesa de Grajaú". Antes das 6h de 14 de novembro de 1876, uma movimentação no centro de São Luís chamou a atenção de Geminiana, uma jovem negra de cerca de 25 anos, que recentemente comprara sua alforria e vivia na rua do Mocambo. Era um enterro. O caixão era pequeno e estava trancado a chave. Dada a hora, antes do sol forte da manhã maranhense, era de se imaginar que alguém ordenara um enterro discreto de uma criança, quase que na surdina. Junto a sua mãe, Simplícia, Geminiana seguiu os carregadores que levavam o caixão rumo à capela de São José, ao lado do cemitério do Gavião. Lá, precisou protestar para abrirem o esquife. E confirmou o que temia: era seu filho, Inocêncio. Geminiana viu o corpo de Inocêncio coberto por cicatrizes, contusões e ferimentos. O exame de corpo de delito depois revelaria que a criança tinha sofrido hemorragia cerebral, escoriações, equimose, queimaduras, feridas provocadas por cordas e chicotes, sinais de ruptura do reto e machucados no ânus.


Inocêncio vivera os últimos três meses de vida no Solar das Rosas, o sobrado de Anna Rosa Viana Ribeiro, no centro de São Luís. Ele e seu irmão mais novo, Jacinto, tinham sido comprados como "presentes" para os filhos dela, que estavam estudando na Europa. Jacinto morrera no dia 27 de outubro de 1876, também no casarão, mas o caso não foi investigado. Anna Rosa, que se dizia alvo de uma "devassa difamatória", argumentava que os garotos tinham "vício de comer terra", o que lhes teria feito adoecer e morrer. Entretanto, Anna Rosa, vinda de uma das principais famílias escravistas de Codó, no interior do Maranhão, já era conhecida pelos castigos cruéis infligidos a seus serviçais. Certa vez, por exemplo, mandou arrancar todos os dentes de Militina, uma escrava que sorriu a seu marido, o médico Carlos Fernando Ribeiro - em 1884, Dom Pedro II lhe concedeu o título de Barão de Grajaú.

CRÉDITO,MP/MA Legenda da foto, A baronesa foi processada pelo promotor Celso Magalhães (1849-1879)

Dado o histórico de Anna Rosa, foi aberto inquérito para investigar a morte de Inocêncio. Os autos do processo, que ficou conhecido como "o crime da Baronesa de Grajaú", contam com mais de 800 páginas. Ela foi processada pelo promotor Celso Magalhães (1849-1879). Documento do século 19 só foi redescoberto na década de 1970 A baronesa chegou a ser presa e foi julgada por homicídio, mas terminou absolvida pelo júri, em fevereiro de 1877, apesar das evidências de tortura e dos testemunhos. O promotor tentou recorrer, sem sucesso. Condenar alguém como Anna Rosa era praticamente impossível na época, dada a composição elitista do júri, diz o promotor de Justiça Washington Luiz Maciel Cantanhêde, integrante do Programa Memória do Ministério Público do Maranhão (MPMA). "[Mas] o fato de conseguir a promotoria de São Luís levar aquela senhora de escravos a sentar-se no banco dos réus do tribunal do júri - que de popular nada tinha, porquanto era expressão de uma sociedade excludente e escravocrata - dá a medida da importância histórica do caso", pondera. Magalhães, o promotor que processou Anna Rosa, acabou demitido por Ribeiro, o marido da ré, recémempossado presidente da Província do Maranhão, em 1878. O julgamento da baronesa escandalizou a sociedade do século 19, foi bastante discutido na imprensa da época e ficou marcado na memória maranhense. Entretanto, os documentos originais se perderam com o tempo — até que, em 1975, foi publicado o romance Os tambores de São Luís, de Josué Montello (19172006), que reconstitui, literariamente, o caso de Anna Rosa. Montello relevaria, num livro de memórias, que obteve os documentos originais do processo por acaso, durante uma visita a Brasília. O autor queria incluir no romance "o famoso crime da Baronesa de Grajaú, de tanta repercussão na sociedade maranhense do tempo do Império", escreveu.


"Onde encontrar o seu relato? E eis que um dia, de passagem por Brasília, nas minhas andanças administrativas de reitor, fui almoçar na casa do Senador José Sarney", registrou o escritor. "Conversa vai, conversa vem, e entre o tinido dos talheres e a mudança dos pratos, falei-lhe do crime, para ver se ele poderia ajudar-me a recompô-lo. Sarney saiu da mesa e voltou daí a momentos com dois volumes compactos de papéis velhos, que passou às minhas mãos: 'Aí tem você o processo da Baronesa'." Sarney teria recolhido os documentos em uma pilha de processos antigos do Tribunal de Justiça do Maranhão, onde trabalhou na juventude, que seriam jogados fora. Após escrever o livro, Montello entregou os papéis ao Museu Histórico e Artístico do Maranhão.

CRÉDITO,MP/MA Legenda da foto, Ex-presidente José Sarney recolheu documentos do processo que seriam jogados fora

Em 2009, o MPMA obteve a guarda dos autos. Aí se iniciou a transcrição integral dos dois volumes do processo, realizada pelas historiadoras Kelcilene Rose Silva e Surama de Almeida Freitas, e foi publicada a primeira edição do livro Autos do processo-crime da Baronesa de Grajaú: 1876-1877. Em 2019, os documentos originais foram digitalizados e disponibilizados ao público, em alta resolução; e, em 2020, a segunda edição do livro também foi disponibilizada gratuitamente na internet. A iniciativa de preservação e difusão dos autos do caso da baronesa foi finalista do Prêmio do Conselho Nacional do Ministério Público de 2021, contemplada com o Selo Respeito e Diversidade. Para a promotora de justiça Ana Luiza Almeida Ferro, "o processo traduz um marco na luta pela afirmação da causa abolicionista a partir da arena jurídica, bem como uma referência na evolução da defesa dos direitos humanos no Brasil". Inocêncio, lembra a promotora, nasceu antes da Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro 1871 - e morreu antes da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Não estava protegido por nenhuma delas. "Então a tortura de escravos, dentre eles crianças, ainda era, insuportavelmente, mesmo ao arrepio da lei, uma prática de senhores da época, de elevada impunidade", diz Ferro, integrante do Programa Memória do MPMA, da Academia Brasileira de Direito e da Academia Maranhense de Letras. "Mais moderno, impossível, sobretudo em um tempo onde felizmente é desafiada, cada vez mais, a vergonhosa herança de preconceito e discriminação vinda do escravismo." A luta de uma jovem mãe negra por justiça Desde que foram redescobertos, os documentos do processo contra a baronesa embasaram estudos nos campos da criminologia, do direito e da história, entre outros.


O caso é emblemático, destaca o historiador Alexandre Cardoso, professor adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em História Social dos Sertões (NEPHSertões). "Mas sempre se lembra do promotor e da baronesa. O menino, a mãe e a avó são apagados. Na memória que se constituiu em torno desse evento o que se vê é 'o crime da baronesa', não a infância da criança escravizada, a maternidade da negra liberta", critica. Foi Geminiana, a mãe de Inocêncio, quem protestou para abrirem o caixão e descobriu que ali estava seu filho. "Não eram nem 6h, era uma tentativa de enterro clandestino. E quem estava na rua a essa hora? Quem trabalhava, as mulheres pretas, carregadoras, lavadeiras, vendeiras, e foram elas que fazem 'a grita'. O escândalo de ver aquela mãe enlutada, vendo o filho muito machucado, às vistas de todo mundo. O pessoal foi para a porta do cemitério, foi para a capela, foi para a rua protestar", conta. Segundo Cardoso, o processo contra a baronesa foi focado no mundo senhorial e não necessariamente num forte posicionamento contra a escravidão por si. O discurso, destaca ele, era sobre "bons" e "maus" senhores - e a baronesa era um exemplo de má senhora. "O discurso da época não era contra a escravidão, era mais sobre tirar maçãs podres como Anna Rosa", avalia a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora da Universidade de São Paulo (USP) e atualmente professora visitante da Universidade de Reading, no Reino Unido. Em 2021, Cardoso e Machado escreveram sobre o caso na coletânea Ventres Livres?, organizada por Machado junto a outros historiadores, Luciana da Cruz Brito, Iamara da Silva Viana e Flávio dos Santos Gomes. Atualmente, estão escrevendo um novo livro, Geminiana e seus filhos. Com apoio do pesquisador Hugo Enes, que realizou pesquisas nos arquivos, cúria e cartórios do Maranhão, eles pretendem reconstituir a trajetória da família de Geminiana.

CRÉDITO,GOOGLE Legenda da foto, O sobrado de Anna Rosa Viana Ribeiro, no centro de São Luís, ainda existe

"É uma história que vê a luta política dos escravizados. Nos interessa contar como essa mãe, preta, pobre, liberta, lutou", diz Machado. "Nós somos dois pesquisadores brancos. Não queremos explicar para as pessoas que sofrem racismo o que é racismo, longe de nós. Queremos poder contribuir com o que a gente pode, que é a pesquisa histórica." A partir da documentação disponível, entende-se que Geminiana nasceu no engenho da família Teixeira Belfort, na vila de Rosário, a 70 km de São Luís.


Ela, escravizada, foi cedida como dote de casamento da filha de Teixeira Belfort, mudando-se para São Luís, onde teve duas filhas, Zaira e Constança. Depois, voltou para o engenho, onde teve dois filhos, Inocêncio e Jacinto. Na década de 1870, Geminiana e sua mãe, Simplícia, conseguiram comprar alforria. Constança faleceu, mas não há detalhes sobre sua trajetória, devido à ausência de registros. Zaira, de cerca de 12 anos, foi vendida para outra família, os Araújo Trindade. Inocêncio e Jacinto foram vendidos para negociantes, que os passaram para Anna Rosa. Eram chamados de "escravinhos". "Eles viveram torturas terríveis. As crianças eram amarradas em gaiolas de jabuti, chicoteadas. O exame de corpo de delito é apavorante. O corpo de Inocêncio, que nunca foi notado em vida, que era visto como uma mercadoria, passou a ser notado só depois da morte", diz Cardoso. "Mas não se via o Inocêncio, via-se um corpo dilacerado. Imagine o que ele passou e o que ele sentiu ao ver o irmão morrer. Nós escrevemos e choramos, escrevemos e choramos", acrescenta Machado. Os destinos de Anna Rosa e Geminiana Mais de um século depois do caso, Celso Magalhães seria consagrado como patrono do Ministério Público do Maranhão, em 1991. Historiadores como Cardoso e Machado, todavia, têm ressalvas quanto à memória que se construiu sobre Magalhães, retratado como republicano e abolicionista. Segundo a análise dos autores, não era bem assim: o promotor, que fazia parte do Partido Conservador, seria seguidor das ideias racistas do médico maranhense Nina Rodrigues, que alegava inferioridade racial de populações negras e indígenas. Magalhães também foi o promotor que processou Geminiana e outras oito mulheres negras, entre escravas e libertas, lideradas pela pajé Amélia Rosa, em novembro de 1877. Elas foram acusadas de agredir Joana, uma escrava da família Araújo Trindade, que certo dia surgiu espancada e pedindo socorro nas ruas da cidade. Joana teria ido à casa de Amélia Rosa para matá-la a mando do advogado Francisco Duarte, que atuara na defesa de Anna Rosa. Os autos do processo estão no Arquivo Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão. Amélia Rosa assumiu a culpa da agressão a Joanna, supõe-se que para livrar suas companheiras de pajelança, uma prática popular religiosa que combina elementos das culturas africanas e indígenas. Mas a confissão da pajé não absolveu as demais, que também foram consideradas culpadas. "Penso que Celso Magalhães fez a acusação contra réus tais como Anna Rosa Viana Ribeiro com muito gosto e, a contragosto, acusações contra réus vulneráveis, mas ainda assim passíveis de punição, na visão dele, que era, afinal, um promotor", afirma o promotor Washington Luiz Maciel Cantanhêde, do MPMA. "Tal fato eleva-o mais ainda como agente da justiça considerado, ontem como hoje, a parte imparcial." Nos tribunais, as rés tiveram destinos diferentes: Geminiana, negra liberta, foi condenada a 5 anos de prisão; Anna Rosa, baronesa branca, foi absolvida.


CADEIRA 14 ALUÍSIO TANCREDO GONÇALVES DE AZEVEDO

OSMAR GOMES DOS SANTOS Fundador


UMA PAUSA PARA FALAR DE ELZA Osmar Gomes dos Santos Nessa quinta-feira o Brasil perdeu uma de suas grandes vozes femininas, ironicamente na mesma data em que morrera seu segundo marido, Garrincha, há 39 anos. Mas falar de Elza Soares é ir além do canto, da voz firme, segura, que marcou sua carreira como cantora. Falar de Elza Soares é exaltar a ousadia, a superação, de levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, como bem dito na canção. Não apenas uma voz da música, foi um grito contra a indiferença. Ainda na primeira metade do século passado, em um Brasil que ainda não encontrava um rumo enquanto nação, Elza foi entregue pelo pai aos 12 anos para se casar. Conta-se que para salvar a honra da menina, uma vez que o tal noivo teria tentado dela abusar. Desse casamento, trouxe o sobrenome Soares. Teve filhos ainda cedo, o primeiro aos 13 anos. Com o marido doente, precisou trabalhar, exercendo ofícios como de encaixotadora e conferente. Com a recuperação do marido, foi proibida de trabalhar e voltou a ser dona de casa. O relacionamento foi sempre conturbado, devido violências sofridas dentro de casa. A isso, somava-se a dor materna com a qual aprendeu a lidar desde muito jovem, com a perda do segundo filho – conforme relatos, de fome –, o sequestro de uma filha, além das dificuldades de garantir uma vida digna para a família. Ficou viúva aos 21 anos e decidiu seguir seu dom de cantar, profissão que era impedida pelo marido. Naquela altura da vida, Elza já tinha perdido dois filhos e para salvar seu outro menino, decidiu apostar em um show de calouros que renderia um bom prêmio. Bateu às portas da Rádio Tupi para cantar no programa de calouros Nota 5, apresentado pelo icônico Ary Barroso, já famoso apresentador. A plateia sorriu quando ela entrou e se sentou – vestido da mãe, ajustado com alfinetes. Ao ser chamada ao palco, Ary perguntou de forma cômica: “De que planeta você veio?” Mas aquela quase menina, já mulher feita, cuja vida já lhe rendera bons ensinamentos, não poderia ter uma resposta mais adequada. A devolutiva não poderia ser outra: “Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome”. A plateia se calou, Elza soltou a voz, levou a nota máxima e o tão almejado prêmio. Ary Barroso prenunciou o nascimento de uma estrela, mal sabia ele que tinha riscado um fósforo na calda de um cometa que atravessou o século XX e chegou ao XXI com seu brilho ainda incandescente. O filho sobreviveu. Elza participou de festivais, viajou o mundo, fez parcerias, ganhou prêmios. Chegou a ser eleita pela Rádio BBC de Londres como a cantora brasileira do milênio, além de figurar na lista das 100 maiores vozes do país. A propósito, a resposta dada ao saudoso Ary Barros, Planeta de Fome, foi título do 34º álbum da cantora, lançado em 2019, retratando as dores de um Brasil que vive às margens. Quem diria que a moça de favela, de família de dez irmãos, criada em um cortiço, seria um expoente. Elza Soares é uma referência não apenas na música, mas na luta contra o preconceito racial, tendo várias canções abordando o tema. A regravação de A Carne, que traz para o centro do debate o negro que ajudou a construir a história e que ainda segura o país nos braços, rendeu elogios da crítica e reacendeu o debate sobre o racismo estrutural. Sua história como mulher a credenciou para ser uma voz pela independência e o fim da violência da mulher. Também inseriu esse tema em diversas canções, a exemplo de Maria da Vila Matilde. Ao se casar pela segunda vez, viveu outra relação um tanto quanto conturbada, agora com o craque das pernas tortas e um dos maiores de todos os tempos, Garrincha, com quem conviveu por 17 anos e teve um filho, morto aos 9 anos em um acidente de carro.


Elza superou dificuldades, acertou, cometeu erros, viveu polêmicas, altos e baixos, foi atacada, sofreu ameaças. Mas como diz o samba: deu a volta por cima. Entrou o século XXI renovada e radiante. Por tudo que passou, é um livro, uma disciplina, uma lição de vida. A cantora só não resistiu ao tempo e assim como o fim derradeiro de todos nós, encontrou o conforto eterno após deixar este palco por causas naturais. Partiu de cabeça erguida, lúcida, cultivando até os últimos dias os cuidados com a saúde e a beleza. Por tudo que nos deixou, Elza Soares continuará sendo o lugar de fala das mulheres por respeito, igualdade e independência. Será sempre o símbolo da luta contra as desigualdades, o preconceito e o racismo. E a certeza de que é possível vencer as adversidades. Os 70 anos de carreira certamente não se encerraram nesta fatídica quinta-feira (20). Ela permanecerá, para sempre, como dizia a letra de uma das suas canções de sucesso: “Na avenida, deixei lá, a pele preta e a minha voz; Na avenida, deixei lá, A minha fala, minha opinião; A minha casa, minha solidão. Mulher do fim do mundo, Eu sou, eu vou até o fim cantar”.


O PODER JUDICIÁRIO EM UMA NAÇÃO DEMOCRÁTICA Osmar Gomes dos Santos. Para que uma região geográfica se constitua como Estado-nação é necessário um conjunto de regras e ordenamentos que regem o convívio social. Evoluímos da barbárie, de um mundo sem normas, ou no qual prevalecia a lei do mais forte. Países se organizaram, evoluíram sob o aspecto da sociabilidade e passaram a criar mecanismos de proteção para os avanços sociais conquistados. Estudiosos se debruçaram sobre a compreensão e funcionamento da sociedade e modelos estatais foram sendo aperfeiçoados. A tripartição dos poderes, pensada inicialmente por Montesquieu, mas aprimorada por outros pensadores, consolidou o famoso sistema de freios e contrapesos. Por meio dele, um poder não se sobrepõe ao outro, tendo cada um o seu papel. Assim, especialmente ao longo dos últimos três séculos, cada Estado fincou suas bases sólidas, com foco na dinâmica, peculiaridades e cultura de cada nação. Naqueles ditos democráticos, cada um dos poderes funciona obedecendo seus limites de atuação. Dessa forma, compõem um sistema em perfeita harmonia e equilíbrio, dentro de um conjunto normativo que regula a vida pública e a privada. O Brasil está enquadrado neste último caso, no qual os poderes têm total autonomia para desempenhar o seu papel e assegurar o funcionamento da sociedade. Após longo caminho, ameaças, estados de sítio, suspensão de atividades, regime de exceção, além de outras medidas antidemocráticas, o Brasil parece caminhar em bases de um sistema representativo. Não digo perfeito, mas em constante evolução e melhoria, apresentando-se sólido frente a tentativas de fragilizá-lo. Tentativas de ataques à nossa juvenil democracia tem sido vistas com certa frequência e penso que sempre existirão de algum modo. Sem olvidar a função de cada poder, quero destacar o importante papel que o Poder Judiciário cumpre na sociedade, com uma atuação implacável na defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos. O exercício da democracia se assenta, hoje, fundamentalmente, sobre nossa Constituição Federal e as leis que dela decorrem ou por ela foram recepcionadas. Não há democracia fora da Constituição, assim como não existe norma legal sem o julgador para aplicá-la. Nesse peculiar mister, cabe frisar a autonomia e independência que tem o julgador, que não sucumbe à pressão das ruas, nem mesmo de grupos A ou B. Embora o relevante papel da opinião pública, o julgador, fundado no princípio da imparcialidade, busca garantir a efetividade conferida pelo legislador em cada caso concreto. Mas não fiquemos na letra fria da norma. O Judiciário brasileiro vai muito além quando o assunto é assegurar direitos. Não se pode mais debruçar o olhar sobre a Justiça somente sob o aspecto coercitivo das leis, mas direcionar uma visão holística, que permita alcançar e compreender sua atuação enquanto promotor de políticas públicas. São muitas as frentes de trabalho que asseguram direitos e estimulam o cumprimento de deveres, muito antes desses polos antagônicos serem postos em conflito. Temáticas envolvendo violência contra mulher, questões de gênero, racial, crianças, adolescentes e idosos tem tido cada vez mais atenção. Direitos esses que evoluíram desde os primórdios, configurando um ser, na contemporaneidade, pleno de cidadania. Se ao longo da história os critérios para ser reconhecido cidadão excluía grande parcela da população, a situação hoje é diferente. No Brasil de hoje, a classificação de cidadão não passa mais pelo homem, branco e de posses; nem mesmo submissão da mulher ao consentimento do homem; tampouco ter a pessoa reconhecida a sua cidadania em


razão da categoria profissional, conforme classificação governamental, que nos trouxe o conceito de "cidadania regulada". Penso, de forma particular, que não cabe mais o abismo entre a existência do ser e o seu reconhecimento enquanto cidadão. Cada um é cidadão e detentor de direitos desde seu primeiro sopro de vida. Noutra via, cumpre ao Estado o papel de assegurar o pleno exercício da cidadania. Nesse ponto, as ações positivas e proativas do Judiciário, de forma particular o maranhense, tem possibilitado o acesso a serviços e informações que transformam a vida de milhares de pessoas. E não estamos falando somente de aplicar a lei, cujo papel continua sendo muito bem exercido, haja vista os mais de um milhão e setecentos mil atos realizados no Judiciário maranhense em 2021. Com uma atuação permanente e propositiva, a Justiça do Maranhão atua alinhada aos anseios deste novo século. Assim, títulos de propriedade fundiária são garantidos, certidões de nascimento são asseguradas ainda na maternidade, mulheres e crianças vítimas de violência recebem amparo e proteção. O Judiciário saiu de seus muros e está nas escolas, na praça, nos bairros, nos templos. Projetos, palestras, casamentos comunitários dão a cara deste Judiciário do século XXI, que tem uma atuação de vanguarda, atuando de forma plena na efetivação dos direitos insculpidos na Constituição. Políticas integrais que protegem sem distinção de cor, de posses, de altura, de peso, de gênero, de credo, de idade. Assim, o Poder Judiciário aprimora a sua função social na garantia plena dos direitos e no cumprimento de deveres, bases para uma sociedade democrática.


MATINHA DO MEU CORAÇÃO Osmar Gomes dos Santos Matinha está em festa e não poderia ser diferente, afinal, são 73 anos de constituição enquanto município e algumas décadas mais de uma história que remonta uma trajetória parecida com a de tantos outros municípios maranhenses. Tudo começou lá no século XIX, em um movimento iniciado pelos colonizadores Padre João do Lago e o comendador Antônio Alves. Dos engenhos de açúcar Nazaré e Santa Maria, mola da economia naquela época, aos avanços que permitem passos seguros rumo à modernidade. História também escrita pelas mãos de escravos que, além das colônias, também trabalhavam duro nas fábricas de farinha. Sessa a escravidão, no fim daquele século, fazendo com que grande quantidade de pessoas fixassem residência nos arredores dos comércios instalados na estrada de acesso a Viana. A região de terra fértil, de agricultura fácil, logo se tornou um núcleo residencial. Com o tempo vieram as conquistas, sendo a emancipação política a maior delas, que abriu as portas a tantas outras que sucederam ao feito. Neste 15 de fevereiro Matinha completa 73 anos de consolidação de autonomia dos seus quase vinte e quatro mil habitantes. Destacada figura dessa história é João Amaral da Silva, o Juca Amaral ou tio Juquinha para muitos. Cidadão que não mediu esforços para que Matinha alcançasse sua independência. Reza a lenda que até mesmo uma caneta de ouro fora comprada somente para assinatura do ato emancipatório. Onde ela foi parar após não se sabe, mas fica o mito para ser contato ao longo das gerações. Matinha é uma cidade ímpar, de muitos filhos da terra e daqueles que adotou como seus e os recebe sempre com alegria e uma peculiar cortesia. Sou um destes afortunados, tornei-me membro da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras – AMCAL. Este acolhimento, aliás, não é por acaso. Tenho ligação umbilical com esse município, embora tenha nascido e vivido meus primeiros anos na vizinha Cajari. Meu pai José Basílio e minha mãe Maria Gomes, assim como meus irmãos são todos matinhenses. Quis o destino que fosse eu nascer um pouco mais adiante. Mas não me furto a oportunidade de alguma forma poder fazer parte da construção desta cidade. Cá tenho muitos parentes e uma grande extensão da família e posso dizer que esta também é minha cidade. Nesta data tão especial, quero exaltar tua grandeza e a autonomia de um povo que tem na sua origem a marca do trabalho. Legado este que segue vivo, com uma economia que se diversifica e se fortalece a cada ano. Parabéns pelas suas belezas exuberantes, seus campos verdes e seus lagos pujantes. Parabéns, sobretudo, a toda sua gente acolhedora e vibrante, que faz do sorriso em seu rosto o combustível para seguir adiante.


MOBILIDADE SIM PARA O POVO *Por Osmar Gomes dos Santos Esta semana a Câmara de Vereadores de São Luís aprovou uma lei que tem importante peso e relevância social. Trata-se da regulamentação de vans e carros particulares, os chamados “carrinhos de lotação”. A alternativa vem em um momento que muito se debate sobre a qualidade do serviço público de transporte, que na verdade é ofertado à população mediante uma concessão do município. Não pretendo aqui tecer quaisquer comentários acerca dos problemas de mobilidade da nossa capital. No entanto, como cidadão, cumpre-me observar que as sucessivas greves, disputas de narrativas e ações judiciais formam um enredo de um sistema que parece estar à beira do colapso. Aquele que deveria ser o maior beneficiado, o povo, sofre com a falta de regularidade, de qualidade, em coletivos lotados e com limites de atuação. A regulamentação do transporte alternativo, pendente apenas de sanção do chefe do Executivo Municipal. Essa postura sinaliza para uma necessidade básica de dois conjuntos de pessoas. De um lado os trabalhadores, muitos dos quais afetados pela pandemia, viram no “carrinho” e vans uma alternativa de sobrevivência. Do outro, o cidadão que tem o direito a ter oportunidades de escolha. Sobre os carrinhos, o próprio Judiciário já havia decidido pela manutenção do serviço em Paço do Lumiar, no ano de 2021. Tal como na decisão, existem exigências a serem cumpridas e o serviço deverá ser autorizado pela Secretaria de Trânsito e Transporte (SMTT). Isso implica dizer que para atuar, é preciso estar devidamente regulamentado, com a autorização em dia, o que visa assegurar as boas condições dos veículos e a segurança para os usuários. Com a alteração legislativa consolidada, os serviços de transportes coletivo no município de São Luís ficam classificados como regular, opcional, experimental, de fretamento, extraordinário e transporte complementar alternativo. Para além das classificações, é necessário entender, de forma resumida, que o trabalhador terá mais opções e poderá escolher entre este ou àquele transporte. Isso representa liberdade de escolha ao contribuinte, que é quem mantém de pé a administração pública. As vans e os carrinhos, notadamente este último, chegam a lugares que o transporte tradicional não chega. A disponibilidade de veículos é maior, assim como a quantidade e a regularidade. Defendo sempre, independente de bandeira ideológica ou partidária, que o gestor público, em quaisquer dos poderes, deve ter como foco central o bem estar do cidadão, devolvendo a eles os serviços inscritos na Constituição Federal e no conjunto normativo infraconstitucional. A norma municipal sinaliza um importante avanço para a população da capital maranhense. Na prática, garante mais rapidez no deslocamento ao serviço, gera emprego e renda e fortalece a economia familiar e cooperativa. Mais do que um ato de vanguarda da Câmara de São Luís, é uma conquista do povo e das centenas de trabalhadores e trabalhadoras que agora terão, desde que sancionada, um ofício seguro para colocar comida na mesa da sua família.



ORGULHOSO POR SER UM DOS AUTORES DESSA OBRA EDIÇÃO ESPECIAL GUINÉ-BISSAU PRODUZIDA POR AUTORES DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA.




RECORDAR É VIVER Osmar Gomes dos Santos. Já diz o dito popular que relembrar é viver. É natural que o homem regresse no tempo – ainda que não em matéria – para estudar, pesquisar, ou apenas rememorar acontecimentos e fatos que marcaram a história em um tempo, espaço, segmento. No Judiciário, com a instalação do Museu Desembargador Lauro de Berredo Martins, um rico e histórico acervo jurídico está à disposição da sociedade. Devidamente catalogado e organizado, o material que faz parte da história da Justiça estadual está ao alcance da população desde setembro de 2021. O Museu constitui um espaço de resgate, preservação e difusão de conhecimento e, mais que isso, simboliza a (re)estruturação da essência, história, da instituição. Não restam dúvidas de que um breve fragmento da própria biografia populacional do Maranhão. Em seu acerco estão documentos de alto valor histórico e social, muitos dos quais remetem a fatos marcantes, lendas e mistérios do imaginário popular, que, na ponta, contribui na edificação da cultura de um povo. Lá estão os documentos constitutivos do Tribunal da Relação do Maranhão, datado de 1813, terceira corte de Justiça mais antiga do país. A medida que criou uma instância superior para recursos das penas sumárias aplicadas desde os primeiros anos da colonização portuguesa. Constam nos assentamentos os termos de Posse e Juramento de desembargadores, assim como seus registros, além de coleções de testamentos do século XIX, medalhas, acervos documentais do desembargador Lauro de Berredo e Judith Pacheco. No Museu pode ser encontrado o inventário de Catarina Mina (Catarina Rosa Pereira de Jesus), escrava que fez fortuna e comprou sua liberdade. Mulher empoderada, detinha imóveis e escravos, residindo, inclusive, em uma escadaria atrás do prédio sede do Tribunal de Justiça, que ganhou o nome da ex-escrava. Também é possível conhecer o inventário e aprofundar em parte da história de Ana Jansen, a Donana, mulher afortunada que viveu entre os séculos XVIII e XIX. Além do seu contributo à sociedade e economia maranhense, Donana deixou um legado de lendas e mistérios que, ainda hoje, povoam o imaginário popular. Tem o testamento do saudoso João Lisboa, intelectual patrono da cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras e que hoje empresta seu nome ao município localizado na região tocantina, vizinho à Imperatriz. Outro famoso testamento disponível é o do senhor Chrispim Alves dos Santos, pai de Nhozinho Santos, que hoje dá nome ao Estádio de Futebol. O famoso crime da baronesa, cujo processo se encontra no Memorial do Ministério Público, também tem espaço no Museu do Judiciário. Lá, consta o testamento que o filho da “Baronesa de Grajaú” deixara para seus herdeiros. Já apimentando os escritos das “páginas policiais”, o visitante encontrará a Carta Testemunhável de José Ribamar Mendonça, assassino confesso de John Harold Kennedy. O crime aconteceu em 1933, quando Harold, 31 anos, trabalhava como contador para a companhia de bondes Ulen. A vítima seria tio, ainda que ilegítimo, de John F. Kennedy, que viria a se tornar presidente dos Estados Unidos. Vale a pena um mergulho nas memórias que recontam parte da nossa história. Faço um convite a esse fascinante passeio de descobertas pelo Museu do Judiciário, que fica localizado no Solar dos Veras, Rua do Egito (144).


CADEIRA 15 RAIMUNDO DA MOTA DE AZEVEDO CORREIA

DANIEL BLUME PEREIRA DE ALMEIDA 1º. Ocupante



CADEIRA 16 ANTÔNIO BATISTA BARBOSA DE GODOIS

AYMORÉ DE CASTRO ALVIM Fundador


OS BABAÇUAIS DE PINHEIRO. Aymoré Alvim, APLAC, ALL, AMM. Como um dos símbolos de real destaque, na paisagem clímato-botânica, de Pinheiro pela imponência com que se ergue, dando graça e beleza à sua cobertura florística, a palmeira babaçu (Orbignya martiana) tem muito contribuído em diferentes setores da economia do município. Os estudos desenvolvidos para melhor conhecer as suas características biológicas dão conta de que a palmeira tem uma grande capacidade de regeneração após ser cortada ou queimada e resiste, muito bem, à ação de parasitas e predadores, o que lhe garante excelentes condições de adaptação ao seu ambiente natural. Após a germinação das sementes que geralmente ocorre em torno de 3 meses, o seu completo crescimento, em satisfatórias condições ambientais, é atingido, em média, aos 12 anos, embora, em ambientes umbrosos, aos quais está bem adaptada, possa chegar aos 70 anos. O seu ciclo de vida é superior aos 150 anos. Embora nunca tenha alcançado a importância econômica merecida, o que possibilitaria substancial aporte de recursos às combalidas finanças dos municípios situados, nas áreas geográficas dominadas por essa palmácea, parece, a priori, um contra-senso de vez que tudo ou quase tudo dessa palmeira é aproveitável além dos produtos e subprodutos de grande valor econômico por ela fornecidos. As raízes e o tronco ou estipe quando apodrecidos servem como adubo. Os troncos, em boas condições, são usados pelas comunidades rurais para construção de casas, cercas, bancos, pequenas pontes além de serem também invadidos por larvas de um besouro, vulgarmente chamadas gongo que são comidas fritas em certas comunidades e que também são usadas como iscas para pescar. Das palmeiras novas, “pindovas” ou “pindobas,” são retiradas as folhas que são utilizadas na construção de cofos, cestos, abanos, esteiras e também para tapar portas e janelas, como ainda, para cobrir e tapar casas além de servirem para alimentação de animais em épocas de seca. Mas de todas essas partes da palmeira, é do coco que são extraídos os produtos de real valor econômico. A casca é formada por 3 camadas das quais a mais externa ou epicarpo é uma rica fonte de fibras usadas na fabricação de ração animal e adubo. A camada média ou mesocarpo fornece um amido de boa qualidade que é usado como alimento para o homem ou para animais sob a forma de farinha, como ainda, é usado na fabricação de álcool. O endocarpo, a camada mais interna, de consistência dura, lenhosa, é usado para fabricação de carvão. Dele são extraídos metanol, acetona, ácido acético, alcatrão e gazes combustíveis. As amêndoas, 3 a 5 em cada coco, são utilizadas para a produção de óleo comestível, ração animal, sabão e glicerina. O suco, muito conhecido por leite de coco, resultante do esmagamento das amêndoas, é muito utilizado na culinária rural para tempero de peixes e caças. Com todas essas qualificações, a palmeira babaçu deveria estar melhor credenciada como importante recurso natural para o desenvolvimento de uma região, mas, na realidade, isto ainda não aconteceu. Ao longo do século XIX, a partir da instalação do povoado de Santo Inácio do Pinheiro, não há registro de nenhuma referência à expressão comercial do coco babaçu. Sua utilização se restringia apenas ao consumo doméstico sob a forma de óleo e leite extraídos das amêndoas para o preparo de alimentos e sabão. Usavam, ainda, o palmito das palmeiras novas e adultas para consumo humano e animal e as folhas e troncos, na construção de casas, cercas e utensílios domésticos. A partir de 1910, certamente como reflexo das mudanças sociais ocorridas, no fim do século anterior, o aproveitamento econômico das amêndoas começou a ser incrementado. Surgiram as primeiras transações comerciais com exportadores da capital do estado. Na década de 1920, a sua comercialização ganhou maior expressão ao lado do algodão. Firmas como a Ramalho Cruz & Cia., Almeida e Neves, por exemplo, mantinham em Pinheiro seus representantes para aquisição e embarque das amêndoas. Firmas locais como a Albino Paiva & Cia. que exportava, à época, ¾ da produção juntamente com outras de menor porte eram responsáveis pelo bom desempenho comercial do babaçu cujo preço do kg de amêndoas oscilava entre 400 a 600 reis. Em 1926, visitaram a região os engenheiros Rodolpho Sononfield e Alfredo Benna como representantes de um grupo alemão que pretendia investir na construção de uma fábrica, na Chapada, para extrair, a partir da casca do coco, vários produtos químicos como ácido fênico, glicerina, dentre outros. As amêndoas seriam exportadas para a Alemanha. Quanto a instalação dessa indústria não há notícias disponíveis, no entanto, no ano de 1927, uma companhia francesa construiu uma fábrica para extração de óleo e outros produtos da amêndoa do babaçu. Tal empreendimento teve um triste fim. A explosão, em 1931, de uma das suas caldeiras causou a morte do seu chefe de produção, o eletricista cearense Porfírio Costa, além de outros dois mecânicos. A partir de então, o comércio das amêndoas do coco babaçu prosseguiu numa trajetória sempre oscilante,


encontrando muitas dificuldades não somente com o armazenamento, como ainda, com o transporte das mesmas para a capital do Estado. Com a expansão da fronteira agrícola do Maranhão, a partir de 1960, houve uma intensificação no processo de desmatamento dos coqueirais, que já vinha ocorrendo desde o século anterior, para plantação de pastagens e de outros cultivares, na região. Além disto, o lento crescimento da palmeira e a baixa produção média anual de coco por hectare refletem sua incapacidade de competir comercialmente com outras fontes produtoras de óleos comestíveis e de outros derivados de comprovado poder econômico como, atualmente, vem ocorrendo com a soja. Tais ocorrências têm, gradativamente, descredenciado comercialmente o coco babaçu. No entanto, a variedade de produtos que é capaz de fornecer o mantém como cultura de subsistência de diversos grupos sociais, principalmente, na zona rural, além de ser ainda bastante útil a alguns mercados pouco exigentes de grandes investimentos.


CADEIRA 17 CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

RAIMUNDO GOMES MEIRELES Fundador


SANTUÁRIOS DO POVO MARANHENSE - A propósito de uma crítica GOMES MEIRELES

Santuários do Povo Maranhense, o título já desperta para uma questão: por que “do povo maranhense”? Ao fazermos a leitura sobre a história dos dois santuários, fruto de uma pesquisa acurada e, na medida do possível, esclarecedora, podemos obter a resposta para a questão acima. Ambos os santuários se originam de uma fé inabalável e incontestável. Ao longo de todo o texto nos deparamos com os testemunhos dessa fé nascida na simplicidade de um povo acostumado com as agruras de uma vida difícil e cercada de percalços e que acredita que os santos de sua devoção realizam milagres e atendem seus pedidos, não importando se ele usava botas ou sandálias; se era um simples vaqueiro de Mulunduns ou um mercenário espanhol; se era o colonizador ou fruto do imaginário. E quanto ao imaginário, é outra questão que não cabe aqui. Louvável, entretanto, foi a idéia de fazer com que essa história seja conhecida de uma forma simples e sem preâmbulos. Ressaltando a origem popular tanto de São José de Ribamar, quanto de São Raimundo de Mulunduns, não se esquecendo de fazer a devida referência ao pensamento da Igreja Oficial. Ora, não pensemos que o povo maranhense teve a intenção de fazer santuários para os santos de sua maior devoção. O povo simplesmente tem fé e, mesmo que pensem que seja uma “fé fraca”, peregrinar todos os anos para os locais onde acreditam firmemente que houve algo de extraordinário ali e que esses locais são santificados, principalmente para agradecer pelas graças recebidas, demonstra o contrário. Logicamente que a Igreja não pode ignorar tantos devotos, tantos fiéis, assim como não pode ir de encontro ao que povo acredita. Eis então essa pesquisa que revela, ainda que de modo sutil, o que a Igreja pensa sobre a origem de São José de Ribamar e também de São Raimundo de Mulunduns, além de ser uma forma de contribuir como registro histórico do catolicismo popular no Maranhão. Um catolicismo “que sempre foi assumido pelos pobres”. Que essa pesquisa sirva não somente para se conhecer um pouco mais sobre os santuários de devoção do povo maranhense, mas que sirva de reflexão sobre a fé que é uma força interna que ninguém pára; que quando se exterioriza torna-se ainda mais forte. Não falamos de uma fé cega e nem de fanatismos, mas de uma fé que nasceu entre os mais humildes, sem manipulações e nem direcionamentos outros. A cada ano o número de devotos de São José de Ribamar e de São Raimundo dos Mulunduns cresce. Hoje se pode dizer que os santuários já não são mais apenas do povo maranhense, pois que os romeiros vêm de outras partes desse imenso Brasil. Apesar de todo avanço tecnológico e científico, de todo racionalismo, de todo positivismo, é entre o povo simples e humilde que os milagres surgem. Ana Paula Borges - Jornalista 1.

Santuário de São José de Ribamar

No meado do século XVI, um navio oriundo de Portugal, que viajava para São Luís, por um pequeno descuido do comandante, penetrou na atual bacia de São José, em vez da bacia de São Marcos. Contudo, a embarcação entrou em um labirinto de bancos de areia e toda a tripulação ficou enormemente assustada. Muitos já se direcionavam aos mergulhos para a vida ou para a morte. Um determinado tripulante lembrou-se de São José de Ribamar e clamou em alta voz: “Meu glorioso São José, ajudai-nos!”. Imediatamente uma enorme onda removeu para um canal. O navio, podendo ele este prosseguir tranquilamente. Depois de um longo período, o comandante do navio retornou de Portugal, e em oferta ao santo, que os salvara, trouxe uma linda imagem de São José de 40 cm e colocou-a em uma ermida que a mesma tripulação, outrora salva do perigo, construiu em frente ao local onde aconteceu o milagre. Os moradores da ilha de São Luís, ao tomarem conhecimento da existência do Santo, que se encontrava em São José dos Índios (ex-nome de São José de Ribamar, pois lá só habitavam indígenas), foram durante a noite às escondidas e carregaramno para a Igreja Matriz de São Luís. Depois de certo tempo, o Santo voltou para sua Igrejinha. Por diversas vezes este fato se repetiu: o povo trazia a imagem para a igreja e ela tornava a voltar para seu antigo lugar. Por final, os índios Gamelas, donos do lugar, ao tomar conhecimento do fato e da existência da imagem, diziam que a mesma lhes pertencia, pois falavam que o santo tinha vindo do “Riba do Mar”. Carregaram a imagem para sua aldeia e só com muita súplica os missionários conseguiram convence-los a trocar a imagem do “barbudinho” (“um termo carinhoso como é tratado) com a do Senhor morto: uma imagem de maior porte com a qual os indígenas ficaram satisfeitos.


Esta é uma versão popular do surgimento da imagem de São José de Ribamar. Os mais velhos da cidade sabem desta história do aparecimento do Santo com todos os detalhes, o que não é o nosso caso, aqui. O Santo teria realizado depois deste episódio, inúmeros milagres. Nós entrevistamos varias pessoas, porém, a informação é sempre que esta é a verdadeira história de São José, e nesta história eles acreditam: “São José é o Santo mais milagroso do Maranhão; esta história dele aconteceu mesmo, foi tudo verdade”, dizia-nos um devoto na festa do Santo, em setembro do ano de 1990. Contudo, quando a Igreja Oficial trata sobre a origem do Santo, considera tudo uma lenda, algo que o povo inventou. Os padres lazaristas, os responsáveis pelo santuário, não afirmam ter existido milagre nenhum; apenas acham que a permanência do Santo em Ribamar, ajuda a fé do povo católico, mas que “não se pode acreditar muito em tudo que o povo fala”. A esse respeito, assim nos falou Pe. Lino, atual vigário do santuário: Tudo é uma lenda, eu não posso comprovar que isso seja verdade. Foi mais ou menos assim, um navio português... Esta imagem sempre foi um lugar de devoção e veneração para o povo maranhense... depois de construída a capela, ela permaneceu uns duzentos anos. Cem anos atrás, aqui, em São José só havia 19 casas. Depois resolveram construir a Igreja; então o povo construiu a Igreja... Dizem que é um santo milagroso, pode ser que seja, eu não posso também afirmar, porque é muito difícil dizer, não é? Porque um milagre, se a gente diz que aconteceu, mas não acredita, não aconteceu milagre nenhum. A celebração da festa do santo acontece todo terceiro domingo de setembro de cada ano, terminando com uma grandiosa procissão. No inicio do mês, os carroceiros pobres realizam, como é conhecida, “a procissão das carroças”. São os carroceiros que saem de São Luís, e muitos outros que vêm dos interiores. A intenção é única: agradecer pelo ano de trabalho e pela ajuda que muitas vezes o Santo lhes deu, livrando-os dos perigos pelas ruas e fazendo-os trafegar incólumes por entre os carros da cidade grande. Um senhor nos disse na procissão: “São José tinha animal, ele dava duro como nós...”. O povo faz então a ligação imediata com o José, o carpinteiro. Já a visão do padre não é muito otimista, o Pe. Lino por exemplo afirma: No ano passado a gente celebrou o centenário da Igreja. Muito bem, bom, sempre foi um lugar de devoção para o povo do Maranhão, por que razão também não sabe dizer. Mas o fato é que o povo do Maranhão sempre vem aqui, e posso dizer que o povo de quase todo o Brasil. No verão sempre a igreja é lotada. Vem gente do Pará, Ceará, Piauí, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro... Isto é o que preserva a fé do povo. Mas a fé dele é, sei lá, muito pouca, pouca coisa assim. Mas com essas pequenas devoções o povo guarda a fé e ajuda o povo a não criar protestante... Muitas vezes a gente ri dessas coisas, a gente acha engraçado... Mas esta forma desse povo preservar a fé é muito importante, isto é considerado até um milagre. Porque se fosse comigo, eu seja sincero, se eu vivesse lá por aquelas comunidades de Icatu, Morros e Humberto de Campos, sem nenhuma assistência, eu já tinha perdido a fé há muito tempo... O padre não sabe dizer pó que São José de Ribamar é um lugar de devoção. Fala que a fé do povo é muito fraca. Ora, como podemos afirmar que é fraca a fé do devoto de São José? Quais critérios devemos alegar para sustentarmos tal afirmação? Se nós ficarmos dentro do santuário de São José, observando as expressões de fé do povo, não saberemos nem como traduzir. A união mística do devoto com Deus, é tão grande que raríssimos consagrados externam uma união semelhante. Percebemos isso quando estivemos no santuário pela ultima vez: “Você tem fé em Jesus Cristo, que ele morreu por nós e ressuscitou dos mortos? Oh! Moço, por favor, não me faça uma pergunta dessa!... Eu creio que Jesus é o nosso único salvador, com a ajuda de São José de Ribamar, é claro...”, dizia-nos uma senhora de 42 anos. A imagem de São José de Ribamar é estilo do português colonizador, de botas, pois “os santos funcionavam como guerreiros ou defensores da família patriarcal, segundo as circunstâncias”[1]. Os santos pertenciam a uma só família. Vários benditos da época traduziam esta realidade. No bendito, colocavam os nomes dos santos e os juntavam ao nome do senhor da “Casa Grande”. As imagens significavam a sacralização da convivência da “Casa Grande” e fizeram com que os oprimidos respeitassem as ordens enviadas do céu, do mundo dos santos. Aliás, ainda hoje esta mentalidade se encontra confusa. O povo maranhense aos poucos está conseguindo distinguir entre o santo colonizador, e o São José de Nazaré. No entanto constata-se ainda certa confusão, segundo nos falou um senhor de 50 anos de idade, no santuário: Na imaginação dos portugueses... Eu não sei se São José daquela época, usava botas, porque a gente vê que tem aquela sandalinha diferente, aí pro sul eles chamam é São José de botas, acho que é do estilo português. Eu não faço distinção, é só um santo. Não existe dois santos, um de botas e outro de sandálias.


Porém, esta imagem do colonizador foi tão forte na vida do povo maranhense que hoje, mesmo sendo uma imagem da sagrada família e não somente São José, restou a devoção do povo só por São José. A veneração pela sagrada família ficou esquecida. São inúmeras as promessas que o povo faz a São José durante o ano. Porém, quando está próximo do dia do Santo, este número aumenta, consideravelmente, conforme alguns relatos: “minha filha quebrou o dedo, aí eu prometi pra São José um dedinho de cera...” (Lindalva R. França – 41 anos – Rosário-MA “Meu marido bebia demais. Fui na casa de muitos curador, fui até em Codó, e senti que não tinha melhora. Aí eu me peguei com São José!...” (Maria do Carmo–32 anos – São José de Ribamar-MA) “Eu estava tão dolorido, passando mal, aí minha esposa fez esta promessa que durante toda procissão eu carregasse essa pedra de 3 kg. (Gregório dos Santos Silva – Paço do Lumiar-MA) Não iremos aqui relatar todas as inúmeras graças que São José tem proporcionado a seu povo maranhense. Com certeza não saberíamos enumerá-las. O povo acredita piamente nos poderes do Santo como algo que pode até derrubar um templo: A primeira capela que construíram foi pra frente pra São Luís, caiu. A segunda pra frente da praia do Barbosa, caiu. Finalmente fizeram com a frente pro mar, aí segurou em pé. (Ana da Silva – 40 anos – São José de Ribamar-MA) Às vezes alguma pessoa tem dois santos de sua devoção. Quando ocorre fazer uma promessa, mesmo que seja para ser paga em outro Estado, o devoto faz questão de pagar sua promessa, tal como ele prometeu ao Santo: Teve um senhor que veio do Maranhão trazendo boi vivo amarrado na corda, andando do Maranhão aqui. Ele passou um mês e cinco dias. Disse que queria entregar este boi para os filhos de São Francisco na Basílica. Ele falou que era devoto de São José de Ribamar, mas que este ano perdera alguma cabeça de gado. Aí se apegou com São Francisco. O Frei Raimundo, que é superior do convento, recebeu. Todos nós do convento achamos uma coisa incrível[2]. 2.

Santuário de São Raimundo de Mulunduns

O santuário de São Raimundo está localizado na região do alto do Munim, à margem da BR 222, a 170 km da capital do Estado. Anualmente Vargem Grande é da comarca de entrância e alcançou a categoria de cidade pelo decreto-lei Estadual nº. 45 de 29 de março de 1938, com distritos de Vargem Grande e São Benedito, criado pelo decreto nº. 156 de 06 de dezembro de 1937. Com a nova divisão administrativa do Estado, o município passou a ser constituído de um único distrito desde 1942. No dia 1º. de maio de 1805, Dom Luís de Brito Homem, constituiu a paróquia Vicário Perpétua, sob a invocação de Nossa Senhora das Dores. A Igreja devia ser construída no lugar Vargem Grande, e enquanto sua construção não se realizava, o pároco servia-se da capelinha de São Raimundo, localizada da fazenda Mulunduns. Em primeira análise, gostaríamos de ressaltar que existe um ponto muito importante para se compreender a existência da veneração a São Raimundo. Com efeito, sabe-se que a Igreja Católica Oficial venera São Raimundo Nonato, o santo mercenário da Espanha, ao passo que o povo da região do Alto Munim venera São Raimundo, o vaqueiro da fazenda Mulunduns. É bem claro nos dois depoimentos que encontramos: Esse santo que eles falam isso é lenda. A gente não tem nada escrito que possa comprovar a existência desse São Raimundo. O povo inventa muita coisa. Entre o povo é muito constante essa veneração de almas de pessoas que já morreram. A Igreja só acredita no santo que ela canonizou. Eu falo é São Raimundo Nonato da Espanha... (Pe. Mamede Fernandes – Vigário do Santuário) ... Olha, São Raimundo quando morava em Mulunduns, todos gostavam dele, ele era amigo de todos. Depois que ele se santificou aí os padres trouxeram ele pra cá. Mas tem muita gente que fala que ele voltava muita vez lá pra seu lugar onde morava. Ele nasceu da fazenda daqui de Mulunduns. A gente vem aqui é pro causa do São Raimundo daqui de Mulunduns. São Raimundo nunca foi de outro país, isto é história pra enganar o povo. (Francisca da Silva Gomes 41 anos-Vargem GrandeMA). A seguir iremos apresentar a história de São Raimundo, porém, não pretendemos afirma-la como única e verdadeira, uma vez que não encontramos fontes históricas suficientes para aprofundarmos nossos conhecimentos. Só conseguimos ter em mãos um único documento escrito[3] e o restante das informações colhemos junto ao povo. É uma história transmitida pela tradição oral, popular. Longe de nós a possibilidade de a história de São Raimundo contada pelo povo não ter valor ou que seja apenas lenda sem nenhum significado: muito pelo contrário, cremos que se o povo dá testemunho de um Raimundo de Mulunduns e se ele existiu como o próprio povo professa, nada nos impede de acreditarmos que assim como o povo o declarou santo, para nós o seja também. Concordamos com Antonio Haddad, quando dizia: No entanto, nos primeiros séculos da Igreja, era o próprio povo quem declarara alguém santo. Também hoje em dia, o nosso povo simples, guiado pelo Espírito Santo, sabe canonizar as pessoas que tiveram uma vida digna de ser lembrada e venerada[4].


O Maranhão não é o único Estado que possui um vaqueiro canonizado pelo povo. Encontramos um outro Raimundo, vaqueiro, em Serrita, no sertão pernambucano. Antes era só o povo que rezava em honra do vaqueiro, hoje a Igreja Oficial celebra missas todos os anos no aniversario de seu falecimento. Vejamos como nos fala a revista Ícaro: Filho de vaqueiro, Manoel Neto Filho, desde os seis anos enfrentava gado bravo nas caatingas do agreste pernambucano, e até hoje nunca perdeu uma missa do vaqueiro. ... ... ... ... ... ... ... ... Todos os anos o ritual se repete, Manoel Neto sai na sexta, passa pela casa de outro vaqueiro, o compadre Joaquim Porfírio, de 95 anos, e juntos vão rezar em memória de Raimundo Jacó, vaqueiro e mártir[5]. Antigamente a fazenda Mulunduns pertencia à família Faca Curta. Era muito rica, possuía um grande numero de vaqueiros, entre eles Raimundo, o qual trabalhava na função de ajudante de vaqueiro. Contam os mais antigos que Raimundo ao chegar dos campos, e após todos dormirem em casa, saía devagar e ia a um determinado lugar, de onde não demorava voltar. Certo dia, seus pais descobriram o que ele fazia. Sem que fossem vistos, ficaram espantados quando olharam o vaqueiro ajoelhado junto a uma enorme pedra, rezando. Seus pais voltaram perplexos. Como era de praxe, todos os dias os vaqueiros iam vaquejar e ao anoitecer cantavam o lindo cântico dos boiadeiros. Havia um lugar onde eles se encontravam. Em um determinado dia, quando estavam reunidos, sentiram falta de Raimundo. Procuraram-no por todos os lugares possíveis. Quando já estava escurecendo, o pai lembrou-se das saídas do filho à noite, e foram todos para aquele local, enquanto sua mãe suplicava a Deus que nada acontecesse ao filho. Vejamos como o povo nos fala do acontecido: Ele foi pegar um boi pra madrinha dele, lá tinha uma carnaúba torta e nisto ele botou o cavalo por cima do boi. Aí ele bateu com o pescoço na carnaúba, quebrou o pescoço, aí se santificou. Lá eles fizeram a Igreja dele. Mas eles acharam melhor construir a Igreja num alto, mas quando tava pra terminar, cais todinha... e resolveram fazer onde ele quebrou o pescoço, aí fizeram. Nunca mais caiu. (Jovenal dos Santos – 43 anos – Vargem Grande-MA) Quando foi numa sexta-feira, o dono da fazenda disse: cadê o boi, seu vagabundo? Aí ele foi pra casa e disse: mamãe eu vou procurar o boi do moço. Benção minha mãezinha... Aí nunca mais. Depois acharam ele caído debaixo de uma carnaúba. Aí o cavalo dele assim de lado. Ah! Isso faz muito tempo... (Maria Elidia de Melo–104 anos–Vargem Grande-MA) Levaram o corpo de Raimundo, colocaram-no numa capelinha, onde os padres celebravam as missas nas desobrigas e o sepultaram. Certo dia sua mãe foi depositar flores sobre o túmulo. Lá chegando, viu que este tinha desaparecido, não se encontrava mais naquele lugar. Onde ele tinha sido sepultado nasceu uma carnaubeira. Por outro lado, dizem que esta carnaubeira foi a mesma, na qual ele bateu a cabeça e portanto já existia. A noticia da santificação se espalhou por toda a fazenda de Mulunduns. Aquele local passou a ser freqüentado por gente de todos os lugares, e cada pessoa que por lá passava, tirava um pedaço de palha da carnaubeira para fazer chá. Muitos ficaram curados. Cada dia, o numero de pessoas crescia mais, tanto que a retirada das folhas, do tronco e até mesmo da terra, fez com que a planta morresse. Mesmo assim a caminhada para lá continuou. Era um homem de Mulunduns, seu pai conheceu a carnaubeira que ele se santificou. E a pedra donde ele caiu o povo quebrou todinha para fazer remédio. Aí trouxeram ele pra cá, o lugar da pedra foi lugar onde ele se santificou. Aí fizeram a capela. Mas seu pai de 88 anos, nós não vimos, mas o retrato dele não era daquele jeito. Ele tinha o chapeuzinho caído assim pra trás... (Maria Raimunda de Sousa-56 anos–Vargem Grande-MA). O dia 13 de agosto é o dia em que o vaqueiro milagroso teria morrido e teria se santificado. Muitos contam que o corpo santificado, os padres levaram para Roma: O santo verdadeiro está em Roma, o verdadeiro não está aqui... . ... ... ... O santo não ficava aqui, esse santo aí. Procuravam a batida dele, aí tava o rastro dele. Eu não sei como o São Raimundo ia, só sei que ele não ficava aqui. Aí os padres levaram pra Roma, de lá trouxeram esse aí... ... ... ... ... A gente faz promessa pra esse santo que tá aqui, mas com intenção no que tá em Roma, que é de Mulunduns, viu?... A festa continuava com amor e muita devoção, dirigida pelos negros, que animavam as novenas, ladainhas e as orações. Antes, com a queda da monarquia, os donos da fazenda e dos escravos, tiveram que vender suas terras, passando por vários donos até chegar às mãos do Coronel Francisco Solano Rodrigues. Certo dia, Dona Luiza, esposa do proprietário que morava numa fazenda bem próxima, em Primavera, encontrava-se aflita, pois Saul, um de seus filhos, irmão de Nina Rodrigues, encontrava-se enfermo. Esta lembrou-se de Raimundo, e pediu-lhe que intercedesse junto a Deus, para que seu filho fosse curado, prometendo que se isso acontecesse, trabalharia a punho, embora fosse rica, para com o dinheiro arrecadado conseguir uma imagem. Com a restituição da saúde de seu filho, a mesma começou a trabalhar, juntou a quantia de 100$700 (um cento e setenta réis). Então mandou buscar em Portugal uma linda imagem, Dona Luzia organizou uma grande romaria que saia de Vargem Grande, a 21 de agosto, pernoitando em Nova Olinda e chegando à tardinha em Mulunduns, onde havia um novenário, que se encerram no dia 31 com uma procissão. No dia seguinte, levaram a imagem de volta para Vargem Grande devendo ficar guardada na Igreja de São Sebastião. O povo diz que o santo voltava para seu lugar (Mulunduns), não aceitando ficar na sede de Vargem Grande: Trouxeram ele pra cá a primeira vez, aí ele fugiu daqui pra um lugar, que ele era de Mulunduns. Aí eles trouxeram pra cá, mas ele fugiu daqui, foi bater lá de novo. De manhã eles saíram na batida dele, no rastro...


Em 1954, a Igreja Oficial, pelo intermédio de Dom José Medeiros Delgado, resolveu transferir a festa para Vargem Grande[6]. O povo continuou dizendo que o santo não aceitava ser transferido de Mulunduns. Contudo, mesmo depois que a Igreja o transferiu, ainda houve vários anos de resistência por parte dos devotos, pela permanência da festa em Mulunduns. Finalmente foi transferido, mas somente com a ajuda da policia, como nos conta Eunice Janet Barros: Quando a Igreja mudou a festa pra cá, o Dr. Mohana, que hoje é padre, dava palestra para crianças... Enquanto isso, a maioria do povo ia para Mulunduns e ficavam pra lá, foi preciso o padre mandar... Isso aí durou muito tempo, não só um e nem dois anos. Foi preciso a policia ir lá; o padre tirar o quadro, porque lá existia um quadro. A imagem ia pra lá e voltava, mas morava aqui. A Igreja Oficial não faz referência a este São Raimundo de Mulunduns. Isto constatamos pelo depoimento do Pe. Possínio que trabalhou muitos anos em Vargem Grande: “Eu falava de assunto de santidade, de oração, mas nunca tocava nesse assunto de São Raimundo de Mulunduns. Pelos relatos do povo, conforme vimos acima, notamos que existia outra imagem. Uns falavam da existência de um quadro, outros falavam que ele tinha um chapéu... Porém, a Igreja Oficial fez a troca das imagens, como nos relata padre Gotardo, irmão do atual bispo da diocese de Coroatá, Dom Reinaldo Pünder: Depois da morte dele em Mulunduns, o povo rezava e muitas pessoas pediam graças pela intercessão dele. Mas claro que a Igreja não pode aceitar a oração pública de uma pessoa que não é canonizada, que não é santa, também. Em Mulunduns aconteceram muitos abusos nas festas. Também na mesma época os padres e o bispo de são Luís descobriram esse santo, esse vaqueiro... e depois se descobriram muitas coisa semelhantes. Esse São Raimundo Nonato, que já vivei muitos séculos, também foi filho de pequenos proprietários, trabalhava na roça, cuidava do gado, foi vaqueiro e sobretudo, ele depois entrava em uma congregação religiosa e se ocupava da libertação dos escravos. O catolicismo popular sempre foi assumido pelos pobres. Este exemplo de São Raimundo é mais uma demonstração da ação dessas pessoas humildes, que constantemente viveram à margem do Catolicismo Oficial. Neste sentido, sem a história de São Raimundo de Mulunduns, o vaqueiro do Maranhão, o santuário não teria a sua grandeza, que hoje possui. Tiremos a história de Mulunduns, e a história sagrada do santuário esvaziar-se-á. Essa é mais uma prova de que o catolicismo popular maranhense é ainda uma força de expressão religiosa muito forte e que continua resistindo às forças de dominação, advindas tanto da Igreja Oficial, quanto da própria sociedade como um todo. A Igreja Oficial, indicando sua forma própria de devoção e escolhendo seus santos de devoção. Na sociedade, o povo, com suas promessas, rezas e benzições, como meios de que se utilizam para livrar-se de uma medicina que não reconhece os pobres como gente merecedora de continuar vivendo. Esses pobres, porém, são colocados à margem dos tratamentos de custos milionários, aos quais são impossibilitados de se submeter. Uma prática bem visível que encontramos no catolicismo popular maranhense, é a realização das festas do seu próprio calendário. Entendemos, no entanto, que isso representa uma fuga dos padrões da Igreja Oficial.

[1] HOORNAERT, Eduardo. Histórias da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira época, 3. ed. Petrópolis: Vozes. 1983. p. 351. [2] Frei Manoel é um dos assistentes responsáveis pela celebração da Eucaristia na Basílica de São Francisco de Canidé, no Ceará. 1990 [3] Quando de nossa pesquisa, de junho a setembro de 1990, só encontramos algumas folhas datilografadas da monografia da cidade de Vargem Grande, que se estavam nos arquivos da prefeitura daquela cidade. [4] HADDAD, Antonio. Testemunhas de Cristo. O domingo, São Paulo, Pia Sociedade de São Paulo, 24 fev. 1991. nº. 10. p. 4, c.4. [5] ****** [6] Circular nº. 14 de 08.07.1954. Livro de Tombo do Santuário de São José de Ribamar. Marc. 1924-1979

GOMES MEIRELES - Raimundo Gomes Meireles é itapecuruense, professor, graduado em pela UFMA e em Direit pelo UNICEUMA, mestre e doutor em Direito Canônico pela Universitas A S. Thomas de Aquino, pós-graduado em Direito Internacional pela Uni- versitas Lateranensis, Chanceler da Cúria Metropolitana de São Luis, Coronel Capelão do Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão - CBMMA, membro fundador da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes - Aicla, Academia Ludovicense de Letras - ALL, Academia Maranhense de Letras e Artes Militares e União dos Juristas Católicos/MA. Participou, em Itapecuru/MA, das edições Púcaros Literários I (2017) e Púcaro II (2018).

Do livro, O Iguaraense, 175 anos de Vargem Grande (2020), pag. 278. Organizado por, Jucey Santana.


CADEIRA 20 JOSÉ PEREIRA DA GRAÇA ARANHA

ARQUIMEDES VIEGAS VALE Fundador


100 ANOS DA SEMANA DE ARTE MODERNA – GRAÇA ARANHA E O "CANCELAMENTO" PRECOCE DOS MODERNISTAS FELIX ALBERTO LIMA o redemoinho: 100 anos da Semana de Arte Moderna – Graça Aranha e o "cancelamento" precoce dos modernistas

Idealizador do evento, o escritor maranhense, ao longo dos anos, foi posto em plano secundário pela vanguarda paulista “Nem sempre a fatura desse grupo é homogênea, porque cada um dos artistas obedece fatalmente aos impulsos misteriosos do seu próprio temperamento, e assim mais uma vez se confirma a característica da arte moderna, que é do mais livre subjetivismo”. Trocando em miúdos, era “cada um por si” na Semana de Arte Moderna, de acordo com as palavras do maranhense Graça Aranha, no dia 13 de fevereiro de 1922, na conferência de abertura do evento que ficou marcado como um divisor de águas na produção artística brasileira. A fatura quase nada homogênea do futuro não era uma mera questão semântica. Por trás da vanguarda paulista, que ansiava romper com o passado e incorporar ao Brasil a estética futurista que já fazia barulho na Europa, estava a oligarquia cafeeira, a família tradicional, cristã. E mesmo alguns dos modernistas ou eram de famílias influentes, endinheiradas, ou tinham laços com a elite intelectual de São Paulo. A ideia de que havia um grupo coeso identificado tão somente com novos modelos de expressão artística, essa ilusão gregária que recaía sobre a Semana de Arte moderna, ilustrava com frequência o noticiário. Internamente, porém, ecoavam mais alto as diferenças. Sobre literatura, artes, filosofia, visão de mundo... E não demorou muito para Graça Aranha virar o alvo preferencial dessas diferenças. Culto, articulado, de ideias humanistas e reformistas (e até certo ponto controversas) pela experiência de anos vividos na Europa, frequentador das altas rodas, em pouco tempo Graça Aranha viria a ser – como se diz hoje no jargão das redes sociais – “cancelado” pelos principais expoentes paulistas do modernismo. Forjou-se, inicialmente nos bastidores e depois em público, uma acentuada ciumeira à projeção e liderança de Graça Aranha, àquela altura figura badalada, com alguns livros publicados, como o romance Canaã, de 1902. Já os paulistas, até então pouco conhecidos no campo editorial, não queriam dividir com um escritor nordestino, “de elegância europeia”, o protagonismo de uma festa e de um movimento que haveriam de entrar para a história. Desadornado na autoironia, foi o paulista Guilherme de Almeida quem cunhou a frase “Éramos os playboys intelectuais de 1922”. Realizada de 13 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna teve como propósito reunir o que havia de mais atual na literatura, nas artes plásticas, na música, na arquitetura e no teatro. Dela participaram Di Cavalcante, Anita Malfatti, Mário e Oswald de Andrade,


Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Manuel Bandeira, Victor Brecheret, Guiomar Novaes, Heitor Villa-Lobos, Ronald de Carvalho, Oswaldo Goeldi e Graça Aranha, entre outros. O maranhense havia retornado da Europa em novembro de 1921, depois de atuar por alguns anos como diplomata na Suíça, Noruega, Dinamarca e França. Nascido em São Luís no dia 20 de junho de 1868, estava com 54 anos à época da Semana de Arte Moderna, enquanto que os demais modernistas eram bem mais jovens, a maioria com idade inferior a 30 anos. Graça Aranha foi discípulo de Tobias Barreto nos tempos da faculdade de Direito no Recife. Depois tornouse amigo e acólito de Joaquim Nabuco, que lhe abriu as portas da diplomacia e das relações com a política e a intelectualidade. Foi Nabuco quem apresentou o maranhense à família Prado, de forte poder econômico e influência na vida social e cultural de São Paulo. Na Europa, Graça Aranha esteve em contato com diferentes correntes literárias e linhas de pensamento. Pressentiu a gênese da revolução modernista antes mesmo do modernismo, em sutil mimetismo com a filosofia. Retornara ao Brasil com a ideia de organizar um festival de artes e literatura. Em conversa com o pintor Di Cavalcanti, na livraria de Jacinto Silva, em São Paulo, o escritor e diplomata associou-se a um projeto semelhante do grupo paulista para idealizar a Semana de Arte Moderna. Montaram a programação, convidaram artistas, definiram a data. Contudo, faltava o principal. Quem iria bancar o dispendioso evento? Graça Aranha sugeriu então que o grupo procurasse seu amigo Paulo Prado, que de pronto assumiu, com outros empresários, todas as despesas da festa modernista. Paulo Prado, além de fazendeiro, era escritor, ensaísta e colecionador de arte. Graça Aranha, casado com Maria Genoveva, era tido como interlocutor de alguns negócios da família Prado e mantinha um longo caso extraconjugal com a irmã de Paulo, Maria Nazareth, esposa de Oduvaldo Pacheco Silva. Ao longo dos anos, o nome de Graça Aranha foi perdendo força no contexto da Semana de Arte Moderna e do próprio modernismo. Não por acaso, página do governo de São Paulo, aberta agora na internet para celebrar o centenário do movimento, faz questão de frisar que a Semana de 22 é um fenômeno eminentemente urbano e paulista. O bairrismo menospreza um outro Brasil, talvez rural, dos cariocas Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho e Villa-Lobos, do pernambucano Manuel Bandeira e do mineiro Agenor Barbosa, só para citar alguns nomes. Como esquecer atores de outras regiões do País que ajudaram a construir a Semana e o pensamento modernista? Como deixar em segundo plano alguém que fez a conferência de abertura do evento? Como não lembrar que foi Graça Aranha também o responsável por convidar artistas do Rio a se juntarem aos paulistas na programação da festa? Como ignorar o fato de que as primeiras reuniões do grupo modernista aconteceram no hotel paulista onde Graça Aranha estava hospedado? A grilagem do modernismo

Mário e Oswald de Andrade assumiram o protagonismo da Semana de 22 (foto: internet)


Em reportagem do Jornal do Comércio, à época da Semana de Arte Moderna, mencionada no livro 1922, a semana que não terminou (Companhia das Letras, 2012), de Marcos Augusto Gonçalves, Graça Aranha era reverenciado como a grande figura pública “à frente dessa iniciativa que pretende fazer uma completa demonstração das nossas modernas correntes estéticas”. Ainda no auge do evento no Teatro Municipal, é fato que Graça Aranha, pela sua retórica, recebera o reconhecimento da imprensa, naturalmente com algumas exceções.

Obtivera também, de início, o apreço público daqueles que com o tempo se transformaram nos “papas” do modernismo no Brasil, a ponto de de ser chamado de “protomártir da nova era”, por Oswald de Andrade; e de “a antemão da Semana”, por Mário de Andrade. Mas, depois, fora estigmatizado e desprezado intelectualmente pelos dois escritores paulistas, que assumiram, sem cerimônia, a paternidade da Semana de Arte Moderna. Ao longo de décadas, Mário de Andrade liderou uma espécie de resistência ao nome de Graça Aranha. O autor de Pauliceia desvairada considerava o escritor maranhense como um potencial aproveitador e “interesseiro”, capaz de “grilar” o happening modernista. “Grilar”, de acordo com a diatribe de Mário, era usurpar dos paulistas o papel de legítimos “latifundiários” do modernismo. Mário de Andrade dizia aos quatro ventos que o modernismo não viera ao Brasil “dentro da mala de Graça Aranha”. No livro de Marcos Augusto Gonçalves, há referência a uma palestra de Mário, de 1942, nas comemorações dos 20 anos do festival. Perguntado sobre quem teria sido o autor da ideia da Semana de Arte Moderna, o autor de Macunaímarespondera com a seguinte evasiva: – Por mim não sei quem foi, nunca soube, só posso garantir que não fui eu. Mário dizia apenas que “alguém” lançara a ideia dos festivais de literatura. – Foi o próprio Graça Aranha? Foi Di Cavalcanti? – titubeava. No livro de memórias Um homem sem profissão (Globo, 1990), também Oswald de Andrade destila sua imanente antipatia ao escritor maranhense, alguém “geralmente confuso e parlapatão, filho duma abominável formação filosofante do século XIX”. O negacionismo acadêmico Levado pelo amigo Joaquim Nabuco e apoiado por Machado de Assis, Graça Aranha foi um dos fundadores, em 1897, da Academia Brasileira de Letras, mesmo sem ainda ter publicado um único livro. Escreveu Canaã ainda no Espírito Santo, mas só o publicou quando estava na Europa, em 1902. O livro é tido como um romance de temática modernizante, povoado de questões filosóficas e multiétnicas, e por isso mesmo pouco lido nos anos que sucederam à sua publicação.


Em 1924, Graça Aranha rompeu com a Academia Brasileira de Letras, acusada por ele de passadista, alheia a uma produção literária de caráter nacional e avessa ao modernismo em ebulição no Brasil. “Se a Academia se desvia desse movimento regenerador, se a Academia não se renova, morra a Academia!”, bramiu o escritor. Ao se voltar contra a ABL e o “arcadismo” latente de muitos intelectuais de vanguarda no Brasil, Graça Aranha fora vítima, dias depois, da ira de um Oswald de Andrade supostamente acossado. Em artigo no jornal A Manhã, ele brada: “Graça Aranha é um dos mais perigosos fenômenos de cultura que uma nação analfabeta pode desejar. Leu mais duas linhas do que os outros, apanhou três ideias além das de uso corrente e, faquirizado por uma hipnose interior, crédulo e ingênuo, quer impor à outrance os seus últimos conhecimentos, quase sempre confusos e caóticos”. A estética do cosmos

Grupo de artistas envolvidos na realização da Semana de Arte Moderna (foto: internet)

Parte da imprensa paulista considerou o manifesto “A emoção estética da arte moderna”, de Graça Aranha, na abertura da Semana de 22, decepcionante por não defender, objetivamente, a chamada escola futurista. Em editorial do dia 14 de fevereiro de 1922, o jornal A Gazeta cobrava algo mais contundente: “Era de se esperar que uma arte que pretende ser nova recebesse do seu paladino ilustre a marca indelével e elucidativa de algum princípio também novo com que a pretensa escola se apresenta à conquista de modernos ideais”. Do subjetivismo estético defendido por Graça Aranha enxergava-se qualquer coisa, inclusive o próprio passadismo a que a Semana se opunha. “É no sentimento vago do Infinito que está a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor”, pregava o maranhense no palco do Teatro Municipal. Nas palavras de Graça, toda manifestação estética é precedida de um movimento de ideias gerais, “de um impulso filosófico, e a filosofia se faz Arte para se tornar vida”. O manifesto é carregado de senhas e algumas pistas falsas, como se depura no seguinte trecho: “E eis chegado o grande enigma que é o de precisar as origens da sensibilidade na arte moderna. Este supremo movimento artístico se caracteriza pelo mais livre e fecundo subjetivismo”. Se, de um lado, o individualismo exacerbado defendido por Graça Aranha, ateu convicto, causava arrepios em parte da intelectualidade que flertava com os preceitos do socialismo emergente (com a Revolução Russa, de 1917); de outro, a inspiração darwinista do maranhense ia de encontro à formação religiosa de muitos modernistas paulistas. Mas o individual era, em tese, a identidade nacional; e a realidade cósmica, o caráter universal. É essa comunhão entre o átomo e o cosmos a base do pensamento modernista de Graça Aranha, que muitos faziam questão de não compreender. Do alto de sua bagagem intelectual, e na azáfama da organização de uma


semana de rupturas, Graça Aranha mistura, de chofre, Darwim, Rousseau, Cézanne, Debussy, o romantismo, o cosmos, o Renascimento, a Revolução Francesa, Rodin, a filosofia e o escambau no manifesto. Um cosmopolita incompreendido e controverso Graça Aranha pregava a integração do espírito humano à unidade do cosmos. Incompreendido, em certas ocasiões suas ideias foram motivo de pilhéria, inclusive pelos próprios modernistas. O livro A estética da vida, de 1921 – como reiterado um ano depois em manifesto lido na abertura da Semana de Arte Moderna – expunha a intransigente e complexa defesa da arte como locomotiva da “unidade do cosmos”. Em conferência aberta, em 1942, Mário de Andrade tratou o livro de Graça Aranha com escárnio. Alguns episódios na seara dos negócios expuseram a personalidade controversa de Graça Aranha ante seus amigos modernistas. Como amigo e interlocutor comercial da família Prado, o maranhense fora envolvido em polêmica, em 1917, por intermediar suspeita transação do café brasileiro para a França. Fato que o levou a ser classificado por Lima Barreto como o “caixeiro-viajante” da família Prado. Do escritor e crítico Sérgio Milliet recebeu, em artigo na revista Lumière, em 1922, a advertência acerca da verdadeira estética perseguida pelos futuristas brasileiros: – “Graça Aranha, autor de Canaã, livro já traduzido em francês, e de Estética da vida, membro da Academia Brasileira, teve a enorme coragem de romper com o passado para se colocar à frente dos jovens. Ele tem entusiasmo, convicção e influência, mas temo que não compreenda bem o verdadeiro intuito dos modernos, que não é a procura de uma liberdade absoluta, mas sobretudo de novas regras de construção”. Di Cavalcanti, apesar de atribuir a Graça Aranha o “caráter festivo” da Semana de 22, enxergava no escritor e diplomata um misto de sabedoria e iniludível simplicidade. No livro de memórias Viagem da minha vida (Civilização Brasileira, 1955), ele assevera: “Fiz-me seu amigo e dele recebi admiráveis lições de cordialidade, distinção e inteligência. Sua grande ingenuidade de eterno adolescente foi o maior prêmio que ele me deu. Graça Aranha é para mim sempre como uma árvore florida diante da janela do meu espírito”. Graça Aranha faleceu no dia 26 de janeiro de 1931, no Rio de janeiro, aos 63 anos.


CADEIRA 21 MANUEL FRAN PAXECO

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ FUNDADOR


A POESIA NO MARANHÃO NOS PRIMÓRDIOS DA IMPRENSA – DÉCADAS DE 1830-1840 LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Academia Ludovicense de Letras Academia Poética Brasileira Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

Dando continuidade ao resgate da memória da literatura ludovicense/maranhense, encontrada nos arquivos da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, nos jornais publicados no Maranhão, vamos buscar as publicações das décadas de 1830-1840. Em 1912, Antônio dos Reis Carvalho, no ensaio “Literatura Maranhense”, publicado na coleção Biblioteca Internacional de Obras Célebres, estabeleceu divisão da Literatura Maranhense em três ciclos, caracterizados da maneira a seguir: o Primeiro Ciclo teve início em 1832, com a poesia “Hino à tarde”, de Odorico Mendes e estendeu-se até 1868, com a circulação do jornal Semanário Maranhense; a obra de destaque foi Primeiros Cantos (1846), de Gonçalves Dias. O Segundo Ciclo começou em 1868 e terminou em 1894, com destaque para O Mulato (1881), de Aluísio Azevedo. Já o Terceiro Ciclo ocorre de 1894 em diante, sobressaindo-se as obras Os Mosaicos (1908), de Domingos Barbosa; Canaã (1902), de Graça Aranha. No Publicador Maranhense, Edição 00187 (1), 24 de maio de 1844, é publicado um soneto encontrado na Tesouraria do Pará, dentro de um livro de contas da Fazenda Arari de Marajó 2, de que foi administrador um frade Mercedário: o Soneto foi feito em 17103:

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Encanto Caboclo: Fazenda ARARI Segundo Antonio Aílton, este soneto é de Martim de Castro do Rio, (1548-1613), poeta "maneirista" português contemporâneo de Camões, vê-se logo a tirada barroca. Se o excerto do jornal afirma que foi escrito em 1710, na verdade foi uma apropriação, sugerindo autoria a outra pessoa, mas ele é desse poeta aí, que é do século anterior. 3


Farol Maranhese (MA) – 1827 a 1831, 15 de fevereiro de 1831

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O Manual das Brasileiras, surgido em São Paulo, em 1830, imbuído do desejo de contribuir para o esclarecimento do público feminino; in Maria-Firmina-dos-Reis-a-voz-negra-na-Literatura-Brasileira-dos-oitocentos.pdf (unimontes.br)


Farol Maranhese (MA) – 1827 a 1831, 15 de fevereiro de 1831, Ano 1831\Edição 00289 (1), sobre os acontecimentos ocorridos na Vila de Alcântara; dentro dos festejos, comemorativos ao 07 de abril, foram declamados alguns sonetos:



No “O Brasileiro : Os Despotas querem a enemérito; porque só ella pode segurar-lhes submissos escravos perpetuando a barbaridade (MA) – 1830 a 1832”: ano 1832, 21 de junho de 1830, p. 63:

Echo do Norte (MA) – 1834 a 1836, Ano 1835\Edição 00055 (1)


Logo a seguir, saiu a seguinte nota:

E na Chronica Maranhese (MA) – 1838 a 1841, Ano 1838\Edição 00001 (2), edição de 1838, p. 391, um poema de Delfina Benigna da Cunha (São José do Norte, 17 de junho de 1791 — Rio de Janeiro, 13 de abril de 1857) foi uma poetisa brasileira. É tida como figura de destaque nas manifestações fundadoras da literatura gaúcha, embora a posição que ocupe na historiografia literária sulina seja hoje periferia, em razão da retração crítica que seu valor literário sofreu no decorrer do tempo. Além disso, seu nome se encontra citado no livro Mulheres Ilustres do Brasil (1899), de Ignez Sabino, a qual enaltece a expressão do sentimento da poetisa. Delfina Benigna da Cunha – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)



Ainda na Chronica Maranhese (MA) – 1838 a 1841, Ano 1839\Edição 00001 (2)

A partir dos anos 1840, aparecem muitas poesias, publicadas em diversos jornais do período. É de 1840 o seguinte soneto, de autoria de Ignácio José Ferreira.


Informa Muniz (2010)5

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Moniz, Fábio Frohwein de Salles. M. Obras poéticas de Laurindo Rabello: edição crítica /Fábio Frohwein de Salles Moniz. Rio de Janeiro, 2010. 333 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Uiversidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2010. Orientador: Prof. Dr. Wellington de Almeida Santos


Sobre Inácio José Ferreira Maranhense, a tradição crítica oferece poucos dados. As datas de nascimento e morte são desconhecidas, aludindo-se ao Maranhão como terra natal. A Enciclopédia da Literatura Brasileira assevera que o “poeta vendia sua produção poética, que algumas pessoas supuseram ser de outra pena” (Coutinho & Sousa, 1990, p. 857). Os únicos poemas atribuídos a Maranhense até agora localizados pela inventio em bibliotecas públicas se acham na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: 1. Á eneméritoa morte do eneméri imperial o senhor D. Affonço – poema em folheto (1847); 2. Septenario Poetico – poema em brochura (1849); 3. Ao gênio do Brasil e do mundo – poema em folheto (1853); 4. Votos da minh’alma ao Exm. Snr. Commendador Dr. José Maria da Silva Paranhos – poema em folheto (1853); 5. Uma lagrima no sepulchro! Á enemér e enemérito morte do enemérit e enemérito Exm. Sr. Visconde do Rio Bonito – poema originalmente publicado em folheto e compilado em livro com obras de vários autores [cerca de 1856]

Ignácio José Ferreira era proprietário de uma tipografia no nº 34 da Rua da Paz; existem algumas controvérsias sobre sua obra poética:

[...] Lery Santos, no Pantheon Fluminense, informou que na época se publicou a elegia “como obra do célebre e famigerado poetaço Inácio José Ferreira Maranhense.” Cerca de 100 anos depois, o problema reaparece em Antonio Candido, ao afirmar que o poema foi “feito de encomenda e publicado com nome de terceiro (...).” Cristalizou-se, portanto, na tradição um dogma segundo o qual se julga Inácio Maranhense ter açambarcado a autoria do “Septenario Poetico”, publicando-o indevidamente sob seu nome em 1849. Mas o exame acurado da técnica de versificação empregada no poema revela informações importantes, que podem inocentar o vilão da história. [...] (MONIZ, 2010)6.

Segundo esse autor, [...] a partir de 1867, o “Septenario Poetico”, elegia à morte da Rainha Isabel, mãe da Imperatriz Teresa Cristina, passou a integrar a tradição de poemas atribuídos a Laurindo José da Silva Rabello (1826-1864). Eduardo de Sá Pereira de Castro incluiu o poema em sua compilação, a primeira editada após a morte do poeta, sem qualquer esclarecimento filológico. Somente em 1880, detalhes da história textual do “Septenario” vieram pela primeira vez à tona.

MARANHENSE, Ignacio José Ferreira. Septenario Poetico. Rio de Janeiro: Typ. de Silva Lima, 1849. 45000008895_Output.o.pdf (usp.br) 6 Microsoft Word - Documento7 (filologia.org.br) Moniz, Fábio Frohwein de Salles. M. Obras poéticas de Laurindo Rabello: edição crítica /Fábio Frohwein de Salles Moniz. Rio de Janeiro, 2010. 333 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Uiversidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2010. Orientador: Prof. Dr. Wellington de Almeida Santos

MARANHENSE, Ignacio José Ferreira. Septenario Poetico. Rio de Janeiro: Typ. de Silva Lima, 1849. 45000008895_Output.o.pdf (usp.br)


Publicador Maranhense (MA) – 1842 a 1885, Ano 1842\Edição 00014 (1)


O Commercio : Folha Official, Mercantil, Politica, e Litteraria (MA) – 1842 a 1847, Ano 1843\Edição 00007, 10 de janeiro de 1843




E a 27 de abril de 1843



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XAVIER PINHEIRO, TRADUTOR DE DANTE | CCLA


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885Ano 1843\Edição 00069 (1)


Ano 1843\Edição 00071 (1)


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885, Ano 1843\Edição 00106 (1)


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885, Ano 1844\Edição 00192 (1)


Frederico José Corrêa: 203 anos - NOCA - O portal da credibilidade

Desenho de Frederico José Correa. Imagem: Academia Maranhense de Letras.


Nesta sexta-feira, completa-se 203 anos de nascimento de um dos ilustres nomes da cidade de Caxias, tanto no campo das letras quanto na advocacia. Seu nome é Frederico José Corrêa, nascido nesta margem do Itapecuru no dia 18 de dezembro de 1817. Recém elevada à categoria de Vila de Caxias das Aldeias Altas, o garoto Frederico assistiu aos seis anos de idade o movimento que abalou a cidade, a vinda do Major Fidié para impedir a independência do Brasil. Frederico José Correa mudou-se para Pernambuco, onde obteve o título de Bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Olinda. Retornando a terra natal, foi residir na Rua das Flores (atual Rua Gustavo Colaço), sendo nomeado Juiz Municipal do termo de Caxias (1841/43), Delegado e Promotor Público. Foi ainda eleito vereador pela 10ª Legislatura, entre 1842 a 1846. Sua paixão era as letras e poesias, tendo diversos de seus poemas publicados em jornais, inclusive do Rio de Janeiro. “Chegou de Caxias o Dr. Frederico José Correa, e vai aqui publicar um volume de poesias líricas, sob o título de Inspirações Poéticas. É mais um florão para a coroa da poesia brasileira, e uma reputação que se vai alçar até o pedestal em que se acham as dos Srs. Gonçalves Dias, Magalhães e Porto Alegre”. Assim noticiou a revista Iris – Periódico de Religião, BelasArtes, Ciência, Letras, História, Poesia, Romance, Notícias e Variedades, publicada no Rio de Janeiro, em 1848. Junto de ilustres, como Cândido Mendes de Almeida e Antônio Gonçalves Dias, foi um dos fundadores e redatores do jornal Brado de Caxias, fundado em 1845 e circulando até o ano seguinte. Dr. Corrêa mudou-se para São Luís no final da década de 1840 quando assumiu o cargo de Deputado Provincial (1849 a 1855) onde chegou a Presidência da Casa. Militando na política pelo Partido Conservador, mas do lado moderado, foi ainda suplente de Deputado Geral (1857/59, sendo o titular Cândido Mendes). Foi ainda um dos Vice-Governadores do Maranhão (1860/66), onde chegou a assumir o Governo por quatro dias. Na capital maranhense, participou de outros jornais, como Archivo, O Observador (1847, ao lado de Cândido Mendes e Sotero dos Reis) e Publicador Maranhense. Foi ainda Promotor Público da Comarca da Capital, Inspetor do Teatro Nacional de São Luís (1854); Procurador Fiscal do Tesouro Público (1869); Inspetor da Instrução Pública (1870). Publicou cerca de oito livros, de críticas a poesias, como o poético Meditações (São Luís, 1874). O seu livro Um livro de Crítica, publicado em 1878, causou polêmica em São Luís, onde foi defenestrado dos círculos intelectuais da época. Isso porque ele fez uma crítica direta ao mito de São Luís como ‘Atenas Brasileira’, onde ¼ da cidade era analfabeta. O livro também é um ataque ao intelectual Antônio Henriques Leal e seu livro Panteon Maranhense. Frederico José Corrêa foi um dos fundadores, ao lado de Cesar Marques, do Instituo Histórico e Geográfico Maranhense, fundado em 1864, em sua primeira fase. Foi membro ainda de diversas instituições, como: Sócio Honorário do Instituto Literário Maranhense (1859), Sócio Honorário do Ateneu Maranhense, Associação Tipográfica Maranhense, Santa Casa de Misericórdia, entre outras. Agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa, expedido por D. Pedro II. Pertenceu a Maçonaria maranhense, quando esta sociedade buscava incansavelmente a liberdade do negro escravizado no Brasil. Lutando por esses ideais de liberdade, fundou em 1869, a Sociedade Manumissora vinte e oito de julho, que tinha como objetivo arrecadar fundos para a compra de alforria de filhos de escravos. Fio seu primeiro Presidente, tendo como Secretário o conterrâneo Cesar Marques. “Possui uma alma forte em um físico raquítico – seu temperamento nervoso e excessivamente irascível segregaram-no resto da sociedade”. Jornal O Pensador, São Luís, 30 de maio de 1881. Residiu primeiro na Rua do Quebra Costas (conhecido depois como Beco da Pacotilha e atualmente Rua João Victal de Matos). Depois mudou-se para a Rua da Palma, no imóvel nº 26, onde passou pouco tempo. Em seguida fixou residência na Rua de Santana, imóvel nº 56. Foi casado com Ignez Pessoa Correa, onde de sua prole veio José Augusto Corrêa, intelectual e poeta como o pai. José Corrêa foi um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras, com a Cadeira Nº 17. A Rua de Santana, onde a família Corrêa morava, passou a se chamar oficialmente Rua José Augusto Corrêa. Trabalhou como advogado até os últimos dias de vida. Nosso ilustre conterrâneo faleceu em São Luís, em 28 de maio de 1881, deixando seu nome na eternidade do panteon maranhense. É Patrono da Cadeira Nº 06, da Academia Maranhense de Letras, fundada por José Luso Torres; Patrono da Cadeira Nº 31, da Academia Caxiense de Letras, fundada por Jamil de Miranda Gedeon Neto. Salve a memória de Frederico José Corrêa!


Parte da carta por qual o Imperador D. Pedro II, nomeia Frederico José Correa, Oficial da Ordem da Rosa, em 1855. Imagem: Acervo Digital da Biblioteca Benedito Leite.


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885 Ano 1845\Edição 00279 (1)




Ano 1845\Edição 00347 (1)


Ano 1846\Edição 00407 (1)



Ano 1847\Edição 00535 (2)


Ano 1848\Edição 00673 (1)

Ano 1848\Edição 00708 (1)


Ano 1848\Edição 00738 (1)





Anuncio no jornal ‘A Revista – Folha Política e Literária’, de 04 de fevereiro de 1850.



Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1845\Edição 00010 (1), 20 de outubro de 1845


Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1845\, 1º de novembro de 1845



Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1845\Edição 00012 (1), 8 de novembro de 1845


Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1845\Edição 00014, 22 de novembro de 1845


Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1845\Edição 00021, 27 de dezembro de 1845



Jornal de Instrucção e Recreio (MA) – 1845, Ano 1845\Edição 00001 (25)



Ano 1845\Edição 00001 (25)














Archivo : Jornal Scientifico e Liiterario (MA) – 1846



Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1846\Edição 00022, 03 de janeiro 1846



Brado de Caxias : Throno e Liberdade (MA) - 1845 a 1846, Ano 1846\Edição 00024, 17 de janeiro de 1946



O BemTevi (MA) - 1938 a 1853, Ano 1847\Edição 00038 (1), aparecem trovas e troças:



O Telegrapho (MA) - 1847 a 1851, Ano 1848\Edição 00053 (1), 13 de maio de 1848

O Porto-franco (MA) – 1849, Ano 1849\Edição 00024 (1), 14 de agosto de 1849


Revista Universal Maranhense (MA) - 1849 a 1850













A POESIA NO MARANHÃO NO MEADO DOS 1800 – PARTE I: DECADA DE 1850 LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Academia Ludovicense de Letras Academia Poética Brasileira Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

O primeiro ciclo da literatura maranhense inicia-se em 1832, e vai até 1868, de acordo com Antônio dos Reis Carvalho 8 , no ensaio “Literatura Maranhense”, publicado na coleção Biblioteca Internacional de Obras Célebres. Em 1912, estabeleceu uma divisão da Literatura Maranhense em três ciclos, sendo que o Primeiro Ciclo teve início com a poesia “Hino à tarde”, de Odorico Mendes e estendeu-se até 1868, com a circulação do jornal Semanário Maranhense; a obra de destaque foi Primeiros Cantos (1846), de Gonçalves Dias. Este é o terceiro artigo que trata deste período: o primeiro, tratou das primeiras publicações em jornais, e recebeu o título ERAM PORTUGUESES OS PRIMEIROS AUTORES DE POESIAS PUBLICADAS NOS JORNAIS MARANHENSES – DÉCADA DE 1820; o segundo artigo: A POESIA NO MARANHÃO NOS PRIMÓRDIOS DA IMPRENSA – DÉCADAS DE 1830-1840; e com este terceiro, pretende-se encerrar o período de implantação da Imprensa no Maranhão, resgatando-se as publicações de poesias nos diversos jornais que surgiram, e desapareceram. Continuamos com as consultas no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, utilizando três palavraschaves: ‘poesia’, soneto’, e ‘ode’. Muitas referências são artigos e/ou críticas literárias, em que aparecem essas palavras. Resgata-se aquelas obras publicadas, a grande maioria sem autoria definida. Revista Universal Maranhense (MA) - 1849 a 1850, Ano 1850\Edição 00012 (1), poema de J. M. do Casal Ribeiro9, reproduzido da R.U. Lisbonense10

8 Reis Carvalho: Nome completo: Antônio dos Reis Carvalho; Pseudônimo(s): Oscar d'Alva; Nascimento: 1874 - São Luís, MA; Morte: 1946 - Rio de Janeiro, RJ. Poeta, ensaísta, teatrólogo, jornalista, professor. Antologia maranhense, Poemas, 1937; Através da ciência, Crônicas ou artigos de jornal, 1898; Cavatinas, Poemas, 1904; Ensaios científicos, Outros; Noções de filosofia primeira, Ensaio, estudo, polêmica, 1932; O cálculo aritmético de Pierre Lafitte, Tradução; Poesias, Poemas, 1922; Poligrafia, Crônicas ou artigos de jornal; Prelúdios, Poemas, 1903; Senhora, Teatro, 1904; Sonetos brasileiros, Poemas, 1890; Sonetos maranhenses, Poemas, 1923. Fonte(s) dos dados: COUTINHO, Afrânio; SOUSA, José Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Academia Brasileira de Letras, 2001. 2 v. ISBN 8526007238; BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1883. 7 v. Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos (ufsc.br). 9 José Maria Caldeira do Casal Ribeiro nasceu em Lisboa, a 18 de Abril de 1825, filho de José Vicente Caldeira do Casal Ribeiro, fidalgo cavaleiro da Casa Real e juiz desembargador da Casa da Suplicação, que havia estado envolvido no processo que conduziu à execução de Gomes Freire de Andrade, em 1817, e de Maria Henriqueta Gomes Ribeiro. Foi irmão do jornalista e escritor Carlos José Caldeira. Depois de estudos preparatórios no Porto, matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra, que frequentou entre 1843 e 1848, formando-se com distinção. José Maria do Casal Ribeiro – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) 10 REVISTA UNIVERSAL LISBONENSE − Semanário generalista editado regularmente entre Outubro de 1841 e Junho de 1853, embora tenha perdurado até 1859 de forma intermitente. Trata-se, portanto, de um “produto” da Monarquia Constitucional, contemporâneo das últimas lutas liberais e do arranque do movimento regenerador que aglutina a nação em torno do projecto de desenvolvimento “material” do país. Durante esses anos de vida conheceu 3 directores − António Feliciano de Castilho (184145), José Maria da Silva Leal (1846-47) e Sebastião José Ribeiro de Sá (1848-53) − e algumas reformulações, mas no essencial o projecto manteve as características que lhe dão identidade. O primeiro número é lançado a 1 de Outubro de 1841, quinta-feira, com o título de Revista Universal, Chrónica Judicial, Artística, Científica, Literária, Agrícola, Comercial e Económica de Todo o


Mundo. Os escritórios da redacção estão em Lisboa, no 1º andar do nº 107, da Rua dos Fanqueiros. A revista é impressa na Typografia de J. A. S. Rodrigues, situada na Rua da Condeça (sic), nº 19, também em Lisboa.





J. J. Ferreira Vale era proprietário de uma tipografia junto com Carlos F. Ribeiro e mais tarde arrendada para Belarmino de Matos.11 O Farol : Folha Politica e Commercial (MA) - 1850 a 1854Ano 1850\Edição 00010 (1)

CARVALHO, Roberto Sousa. A atividade editorial em São Luís do Maranhão – memórias do passado, realidade presente Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Estudos Editoriais, realizada sob a orientação científica da Doutora Maria Teresa Marques Baeta Cortez Mesquita, Professora Associada do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro. Microsoft Word - dissertacao final_1 (ua.pt) 11


Ano 1850\Edição 00011 (1)


Ano 1850\Edição 00028 (1)

Ano 1850\Edição 00030 (1)


Ano 1851\Edição 00065 (1)


Correio D'annuncios : E Semanario Commercial do Maranhão (MA) - 1845 a 1851, Ano 1851\Edição 00044 (2)


A Marmotinha : Jornal Joco-Serio, Litterario, e Recreativo (MA) - 1852 a 1853, Ano 1852\Edição 00004 (1)



Ano 1852\Edição 00006 (1)



Ano 1852\Edição 00012 (1)




O Despertador : Jornal Politico, e Litterario (MA) - 1852 a 1854, 24 de julho de 1852


Ano 1852\Edição 00008 (1)


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885, Ano 1852\Edição 01273 (1)

O Observador (MA) - 1847 a 1861, Ano 1852\Edição 00193 (1)


Ano 1853\Edição 00251 (1)

Ano 1853\Edição 00271 (1)



Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885, Ano 1853\Edição 01354 (1)

Ano 1853\Edição 01420 (1)



Ano 1853\Edição 01457 (1)

Ano 1853\Edição 01468 (1)


Ano 1854\Edição 01505 (1)




Ano 1854\Edição 01545 (1)



O Christianismo : Semanario Religioso (MA) - 1854 a 1855, Ano 1854\Edição 00002 (2)




Ano 1854\Edição 00022 (1)



O Estandarte (MA) - 1853 a 1856, Ano 1854\Edição 00099 (1)

Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885, Ano 1855\Edição 01732 (1)


Diario do Maranhão (MA) - 1855 a 1911, Ano 1855\Edição 00050 (1)

Ano 1856\Edição 00120 (2)


Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva: (Santos, 1 de novembro de 1773 — Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1845) foi um juiz de fora, desembargador e político brasileiro. Usava frequentemente na época da Independência, em seus artigos em jornais, o pseudônimo "Philagiosetero". Adotou o nome parlamentar de Andrada Machado. Irmão de José Bonifácio e Martim Francisco, ficou conhecido pela mordacidade de seu discurso contra o despotismo e pelo seu envolvimento na Revolução Pernambucana, além de seu envolvimento e papel de grande importância durante a primeira Assembleia Constituinte de 1823. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) O Observador (MA) - 1847 a 1861, Ano 1855\Edição 00384 (1)


Diario do Maranhão (MA) - 1855 a 1911Ano 1856\Edição 00146 (1)



Ano 1856\Edição 00250 (1)


O Estandarte (MA) - 1853 a 1856, Ano 1856\Edição 00025 (1)


A Nova Epocha : Folha Politica, e Industrial (MA) - 1856 a 1858, Ano 1856\Edição 00026 (1)

Ano 1856\Edição 00028 (1)


Ano 1856\Edição 00029 (1)

Carlos Fernando Ribeiro, o Barão de Grajaú (Alcântara, 30 de outubro de 1845 — 11 de setembro de 1889) foi um proprietário rural, jornalista e político brasileiro.. Órfão de pai bastante cedo, foi educado pelo irmão mais velho, Antônio Onofre Ribeiro. Era formado em Direito na Faculdade de Olinda (1846); em Medicina em Filadélfia (1840), além de Agronomia no Yale College (1838). Ao retornar à terra natal, fundou o Engenho Jirijó, situado perto de Alcântara, sendo considerado um dos mais importantes estabelecimentos açucareiros da província. Ocupou a Secretaria da Presidência da Província na administração de Joaquim Franco de Sá (1846), sendo escolhido vice-presidente da província no ano seguinte. Foi secretário de Governo da Província do Amazonas (1857-1858), vereador da Câmara de São Luís, deputado da Assembleia Provincial e da Assembleia Geral. Foi diretor e redator dos jornais A Imprensa, A Moderação, e O Progresso, nas décadas de 1850 e 1860. Foi deputado provincial de 1863 a 1865 e, por quase quarenta anos, chefe do Partido Liberal no Maranhão.[5] Em 1884, recebeu o título de Barão de Grajaú, por D. Pedro II. Foi vicepresidente da província do Maranhão, tendo exercido a presidência interinamente seis vezes, de 28 de março a 17 de maio de 1878, de 27 de maio a 24 de julho de 1880, de 6 de maio a 25 de setembro de 1883, de 2 de março a 18 de setembro de 1884, de 16 de maio a 23 de junho de 1885, e de 30 de junho a 3 de agosto de 1889.Tinha grande rivalidade política com o Barão de São Bento, líder do Partido Conservador no Maranhão. Casou-se em 1853 com Ana Rosa Lamagnère Viana, com quem teve dois filhos: Carlos Fernando Viana Ribeiro e Francisca Isabel Viana Ribeiro. Sua esposa foi levada a julgamento pelo Tribunal do Júri (1877), fato que mobilizou a opinião pública ludovicense da época, em razão do homicídio do menino escravizado Innocêncio, de 11 anos de idade, vítima de castigos. Ana Rosa, no entanto, foi absolvida do caso que ficou conhecido como O Crime da Baronesa. Carlos Fernando Ribeiro – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)



O Observador (MA) - 1847 a 1861, Ano 1856\Edição 00469 (1)


O Estandarte (MA) - 1853 a 1856, Ano 1856\Edição 00025 (1)



Nova Epocha : Folha Politica, e Industrial (MA) - 1856 a 1858, Ano 1857\Edição 00044 (1)


Ano 1857\Edição 00045 (1)


A Estrella da Tarde : Periodico Recreativo (MA) – 1857, Ano 1857\Edição 00003 (1)




A Estrella da Tarde : Periodico Recreativo (MA) – 1857, Ano 1857\Edição 00011 (1)



A Imprensa (MA) - 1857 a 1859, Ano 1857\Edição 00019 (2)

A Nova Epocha : Folha Politica, e Industrial (MA) - 1856 a 1858, Ano 1858\Edição 00139 (1)


Publicador Maranhense (MA) - 1842 a 1885Ano 1858\Edição 00204 (1)


O Seculo (MA) - 1858 a 1859, Ano 1859\Edição 00021 (1)


Ano 1859\Edição 00050 (1)



CADEIRA 22 JOSÉ AMÉRICO OLÍMPIO CAVALCANTE DOS ALBUQUERQUE MARANHÃO SOBRINHO

ANTÔNIO AILTON SANTOS SILVA 1º. Ocupante







AGENDE-SE. SERÁ UMA GRANDE HONRA, RECEBÊ-LOS NESTE EVENTO, ELOGIO AO PATRONO DA CADEIRA N° 31 DA AMCLAM, ATRAVÉS DE UMA PALESTRA PELO NOSSO ACADÊMICO E ESCRITOR TEODORO PERES NETO (PROCURADOR DE JUSTIÇA DO MA).


CADEIRA 27 HUMBERTO DE CAMPOS VERAS

JOSÉ DE RIBAMAR FERNANDES (Fundador)


A NOITE DO CRONISTA Por José Carlos Castro Sanches Hoje a noite foi dedicada ao Lançamento do Livro *Crônicas de Outono* do grande amigo e admirável escritor e cronista José Fernandes. O livro levará o leitor a um passeio com um exilado em Alcântara; ao conflito harmonizado; a conhecer os boêmios de outrora e nas noites de inverno escrever as cartas para um colega de infância. Nos bastidores de um romance fazer uma reflexão ressurgindo das sombras. Enquanto o mestre mirim das travessuras, visita o amigo do rei à lume dos primeiros versos entre a tragédia e a ternura, rendas e babados, medo e amizade canina, jornais e jornalistas, púlpitos, letras e cátedras. Nas noites de inverno os benfeitores tornam-se prisioneiros predestinados do réquiem de Teresa com índole brutal em tempos de chumbo, conclamam: ai de ti, arari! A cidade nova, o candidato e o circo e o sorriso do Padre João com as frases da saga Tribuziana descobre apesar do contestado, um vencedor que escreveu o melhor livro do mundo: Crônicas de Outono. Essa é apenas uma visão geral do sumário que hoje faço num ajuntamento confuso de palavras e frases como se fosse uma carta particular para homenagear o querido amigo escritor José Fernandes com meu elevado apreco e alta estima. Recomendo a leitura da coletânea de crônicas pelo que li e conheço do autor. Enquanto a noite passa como uma criança e eu me deleito na boa crônica à meianoite véspera do novo amanhã.

Direitos reservados ao autor José Carlos Castro Sanches. É químico, professor, cronista e poeta maranhense. Membro Efetivo da Academia Luminense de Letras, da Academia Maranhense de Trovas, da Associação Maranhense de Escritores Independentes e do Pen Clube do Brasil.



CADEIRA 31 MÁRIO MARTINS MEIRELES

ANA LUIZA ALMEIDA FERRO Fundadora



CADEIRA 33 CARLOS ORLANDO RODRIGUES DE LIMA

PAULO ROBERTO MELO SOUSA Fundador



CADEIRA 34 LUCY DE JESUS TEIXEIRA

CERES COSTA FERNANDES 1ª. OCUPANTE


UMA CEIA POLITICAMENTE CORRETA Ceres Costa Fernandes Estão reunidas quatro amigas de tipos bem diversos: Joana, estudante de economia, um tanto pão dura; Mary, metida a grã-fina; Lu, mimada e cheia de nojos e Cuca, solteira e ecologista radical. A reunião é para resolver um assunto extremamente complicado: a ceia da passagem do ano. Estão organizando um Reveillon privé, para elas e as respectivas famílias. Diz Joana, Na crise atual, sugiro substituir o enjoadíssimo peru, caro e sem gosto, por algo mais prático e barato: um bom frango assado com farofa de banana. Lu, a nojentinha, pula em cima, De jeito nenhum como galinha de granja, são cheias de hormônios e a carne é mole! Eu também não como, diz Cuca, desde que vi como os pintinhos são levados a comer dia e noite para engordar e virarem frangos. As luzes ficam acesas a noite inteira e eles pensam que é sempre hora de comer. Uma maldade, sem falar que os frangos não podem quase se mover nos engradados para amaciar a carne! E as chocadeiras? Lembra Lu, os ovos são chocados sem mãe; o pintinho já nasce órfão! Mas, haja dente para as duras galinhas caipiras, diz Joana, e também podem ter vermes, já vi disso, no interior, um nojo!... E uma vitelinha de forno, que tal? Propõe, já com água na boca, Mary, a grã-fina É carne nobre. Você come vitela? Grita Cuca, vitela é aborto! Ah, bem, mas um patê de foie gras não dá para recusar, não? Um patezinhos é saudável, insiste Mary. Ô filha, desanima Cuca, mas se o ganso apanha varadas no fígado para que ele aumente de volume! O pobre é obrigado a comer sem ter vontade. Enfiam comida, até por um funil, pescoço a dentro! Verdade? diz Mary, vou reconsiderar o patê.. Joana volta à carga, E o Chester do peitão, não dá? Rende bem. Se for para ser contra comer animais criados de forma politicamente incorreta, diz Lu, então vou ser contra: o frangão. É uma anomalia, criado em laboratório, mais peito que frango, não pode nem andar que arrasta o silicone no chão. Proponho um quarto de cordeiro ao vinho, cairia bem, afinal até a Bíblia manda comer cordeiro. Me admiro de você, cara amiga, tão cheia de nojos, rebate Cuca, condena os chineses por comerem cachorro e tem coragem de comer um bichinho de olhos tão ternos que foi companheiro de Jesus e de João Batista, e ainda por cima, estava na estrebaria quando o Cristo nasceu! E um porquinho novo, à pururuca - arrisca Joana, temerosa -, com uma maçã na boca? Decididamente, minhas amigas, vocês vivem fora do mundo, pontifica Cuca, por acaso não sabem que os porcos estão acima dos cachorros na escala da inteligência animal? E são torturados nas suas baias de cimento, sem nenhuma lama para refocilar. E o pior, só comem ração, nem uma casquinha de banana ou manga caída do pé. E vou logo adiantando, diz Cuca, já exaltada, também não vou admitir nada com filé, carne obtida com confinamento e sacrifício dos bois com o fito de amaciar-lhes a carne. Não lhes dão nem o direito de todo animal, que é a reprodução com prazer! É vaca prum lado, boi pro outro! E tome inseminação! As vacas ficam na seca e os bois só fornecendo sêmen pra fazendeiro. Além disso, eles soltam muitos gases, aumentando a emissão de carbono. Joana suspira, lembrando que não só as vacas estão na seca. Cadê o seu direito animal? Mary, louquinha por um peixe cru, intervém: Já vi que nenhum mamífero serve. Do jeito que a coisa vai, vamos encontrar até parentesco deles conosco. Noite dessas, fui a um jantar em que havia uma cutia assada


no centro da mesa com um laço vermelho no pescoço e olhos de ervilha, que me pareceu a tia Mundiquinha, e passei um longo tempo sentindo que ela me espiava tristemente. Não tive coragem de comer a falecida tia Mundiquinha. Sendo assim, caras amigas, vamos de frutos do mar. Camarão, siri, bacalhau, lagosta – a conversa estava tomando o rumo que ela queria – desse modo não haverá DNA de parentes envolvidos. Amiga, péssimos exemplos deu você, rebateu Lu, a nojentinha, que havia estado calada, lembrando dos parentes da família do marido – na qual identificou um macaco, um hipopótamo e uma gralha -, esses bichinhos aí, todos de fundo do mar, são comedores de carniça. Os afogados, quando afundam, lhes servem de alimento. Depois, os corpos sobem à superfície e trazem um montão deles agarrados, ainda na refeição. Nunca ouviram falar disso? . Arriscam outros palpites, e uma saladinha? As plantinhas sentem dor, o Roberto Carlos diz que conversa com as couves... E o leite para os cremes é feito do leite negado aos bezerros, separados das mães, que são confinadas, com os úberes imensos arrastando no chão... Já os embutidos – deu na TV – são feitos de carne misturada a cartilagem, sebo, plásticos e outras imundícies...Os peixes crus podem estar contaminados... As quatro se entreolham, em desespero, bom era o tempo da ignorância, lautas mesas festivas, delícias comidas sem culpa de engordar e sem o remorso do politicamente incorreto. Gente, fala Mary, o mundo não vai acabar em 2012? Então acho melhor aproveitar. Recomeço minha lista com o leitãozinho pururuca


HUMBERTO DE CAMPOS O JORNALISTA 1. Introdução O público leitor de hoje, mormente os mais jovens, não conhece quem foi e o que escreveu Humberto de Campos. Um restrito número de leitores da outrora multidão de admiradores ainda o lê. Posto de lado pela crítica, pouco se ouve falar no escritor que convocava e comovia milhares de leitores, diariamente, por meio dos jornais12. Sabemos que, durante apenas um semestre do ano de 1934, o ano de sua morte, foram publicados e vendidos, pela José Olympio 62.800 exemplares de diversos de seus títulos. A importância desse número pode ser mais bem aferida, se nos reportarmos ao incipiente mercado editorial brasileiro dos anos 30, que enfrentava a competição com o livro estrangeiro, particularmente os franceses e os portugueses, e a dificuldade da aquisição de livros fora do âmbito das grandes cidades. Após a sua morte, ainda foram editados Memórias inacabadas (1935), Diário secreto (1954) e alguns inéditos. Aproveitando o impacto da morte do escritor mais querido do público, até tendas espíritas começaram a receber dele mensagens psicografadas, reunindo-as em livros. Com o passar do tempo, os leitores e as publicações foram minguando e os sebos foram acumulando as sobras de edições não vendidas. Até a edição comemorativa do centenário de seu nascimento, em 1986, com a reedição de Obras escolhidas de Humberto de Campos, em 10 vol., pela Editora Opus, não produziu o boom esperado. O sebo foi novamente o destino de grande parte da edição. 2. O escritor carismático A fase decisiva da vida do escritor Humberto de Campos começa quando ele aporta no Rio de Janeiro, no ano de 1912, fugido das intrigas da feroz política paraense. Humberto encontra a Capital Federal vivendo um momento neutro de sua história política e social, após terem passado as agitações da Abolição e estar consolidada a República, sem a expectativa de outros grandes feitos. A par disso, o clima que imperava na Capital Federal era o da Belle Époque francesa. Os modismos europeus, o gosto pela literatura ligeira, herdada dos novos gêneros importados da França – em especial a reportagem, a entrevista e a crônica – o dandismo, tudo favorecia ao encorajamento da superficialidade e do culto ao prazer em todas as áreas. Surge a possibilidade da profissionalização do escritor por meio do jornalismo literário. A novidade propiciava ao escritor jornalista chegar à fama mais rapidamente do que o escritor que não contasse com a poderosa divulgação dos periódicos. A volta da efervescência política e a continuação da liberdade de imprensa, que vicejou até a Revolução de 1930, faz a máquina jornalística prosperar e os jornais espalharem-se por todo o país. Os jornais dos estados transcrevem notícias e artigos dos grandes periódicos do Rio de Janeiro e São Paulo. Os jornalistas atuantes nestas cidades tornam-se bastante conhecidos nas capitais mais importantes do Brasil. É possível, assim, a um escritor, viver exclusivamente do que escreve na imprensa. A esse respeito, nos informa Sérgio Micelli (1977) que: “O Jornal do Comércio pagava trinta, cinquenta e até sessenta mil réis por uma colaboração literária”13. Ao chegar a esse novo mundo, Humberto de Campos, que tinha sido redator de um grande jornal paraense, A Província do Pará, se encaminha, contrariando as tendências dos intelectuais da época, que buscavam abrigo no serviço público, para os grandes periódicos da Capital Federal e começa a trabalhar em O Imparcial.

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NOTA DA AUTORA: Trabalhamos com a condição de jornalista de Humberto de Campos e com suas obras divulgadas através de periódicos, cuja capilaridade direcionou toda a trajetória pessoal, profissional e literária do autor. Incluímos, também, as Memórias e Memórias inacabadas, classificadas por Alcides Maia, mercê de seus processos de composição, como uma “epopeia jornalística”. 2 MICELI, Sérgio. Poder, Sexo e Letras na República Velha p. 72


Não tarda, já colabora em vários jornais diários e semanais do Rio de Janeiro, expandindo suas colaborações a várias outras capitais brasileiras. Escreve ensaios políticos, contos, críticas, poemas e principalmente crônicas, gênero que popularizou através do país. Ambicioso, vindo de uma infância miserável, Humberto tenta recuperar o tempo perdido, lançandose à conquista da fama. O caminho mais seguro lhe aparece no aproveitamento do espírito frívolo e cosmopolita da época. Cria, então, o Conselheiro XX, personagem que encenará as suas crônicas galantes. Seus contos fesceninos ganham tamanha notoriedade, a ponto de as pessoas, pertencentes a círculos sociais distintos, desde a alta sociedade ao povo das ruas, perguntarem ao encontrar-se: “Sabe da última do Conselheiro XX?” A produção acerca do Conselheiro ocupa vários volumes de sua obra. Maria de Lourdes Lebert (1965 ) ,a respeito da atividade jornalística do autor, nos diz: Tinha colunas diárias, semanais ou bissemanais nos seguintes jornais: A Tarde (Bahia); Diário de Notícias (Porto alegre); Jornal do Recife (Pernambuco); São Paulo Jornal, Correio Paulistano, A Gazeta (São Paulo); O Jornal, Gazeta de Notícias, O Imparcial, Correio da Manhã (Rio de Janeiro). Escrevia na revista O Cruzeiro, no semanário Dom Quixote e ainda fundou, por conta própria, a revista A Maçã, que foi aceita com particular agrado pelo povo. ”14 Humberto de Campos cria assim o primeiro grande público para a crônica no Brasil, iniciando uma época em que, segundo Miceli (1979) “os grandes cronistas tomam o lugar dos grandes críticos da geração anterior e assumem o encargo de selecionar os novos pretendentes.” 15 Na vida profissional e intelectual Humberto de Campos foi, acima de tudo, um jornalista. Em razão de sua atuação na imprensa do Pará, é convidado para Secretário da Prefeitura de Belém, com apenas 21 anos; a cadeira na Academia Brasileira de letras, em 1920, veio-lhe em decorrência da conquista de milhares de leitores, da disputa dos jornais de várias capitais pela sua colaboração como cronista, contista e comentarista político e, por que não dizer, em razão do enorme sucesso do Conselheiro XX. A partir desta data, publica de dois a três livros por ano. Tem já o seu público leitor assegurado. Contudo, esse público continua, primordialmente, a ser arrebanhado pelo jornalista: os seus livros são uma reunião das colaborações em jornais e se compõem, principalmente, do Conselheiro XX e de suas crônicas diárias publicadas na imprensa. Derivação da fama jornalístico-literária foi também a sua ascensão política. Adorado em sua terra natal, é, insistentemente, convidado a participar da política maranhense. Ainda, Maria de Lourdes Lebert: “Em 1926, Magalhães de Almeida vence a resistência de Humberto de Campos e fá-lo Deputado Federal pelo Maranhão.”16 Em 1929 é reeleito deputado, e, em 1930, tem os seus direitos políticos cassados por cinco anos pelo Governo Provisório. Consagrado pela fama e, já na ABL, sua produção fescenina é violentamente combatida por Carlos de Laet, Eloy Pontes e Jackson de Figueiredo, dentre outros críticos católicos e moralistas da época. Humberto considera filtrar a sua produção e abandona o Conselheiro XX e escritos que não se coadunassem com a sua importância literária e seu recente ingresso na câmara federal. Apesar de duas vezes deputado, nunca se integrou totalmente à política. Sentia-se deslocado no meio parlamentar para o qual não tinha inclinação. Pouco participante das disputas da Câmara, ele se realiza nas discussões literárias da Academia Brasileira de Letras, onde participa de inúmeras comissões e da Reforma Ortográfica de 1933, da qual foi um dos signatários. É sintomática sua referência, em Reminiscências, ao período parlamentar: “andei fantasiado de deputado três anos”.

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LEBERT, Maria de Lourdes. Humberto de Campos, p.39 MICELI, Sérgio, Id. Ibid. p.76 16 LEBERT, Maria de Lourdes. Humberto de Campos, p 4 4


Até sua obra máxima, Memórias, obra pensada, que não foi escrita para o consumo imediato em periódicos, não escapa à influência do jornalista que foi Humberto. Alcides Maia, em comentário da obra, revela: As próprias Memórias, cujo êxito nacionalizou definitivamente o nome do autor, lícito será ao periodismo brasileiro reivindicá-las como um trabalho influenciado pelos seus processos de composição, diário interno que bem podemos considerar como uma epopeia jornalística” 17 Cassado o seu mandato de deputado com a Revolução de 30, Humberto de Campos volta a depender exclusivamente de sua pena para sobreviver. Contando com a simpatia de membros do governo revolucionário, é nomeado Inspetor de Ensino e, mais a frente, Diretor da Casa de Rui Barbosa. Famoso, mas endividado com as suas enfermidades e o sustento da numerosa família, volta às colaborações diárias como jornalista. 3. A busca da permanência – a exemplaridade Passada a fase de produzir para se tornar conhecido e consolidar-se como escritor, Humberto de Campos, consciente da perecibilidade do gênero ligeiro de que se compunha sua obra literária, construída, na maior parte, de apólogos, anedotas e crônicas extraídas do cotidiano, preocupa-se com a transitoriedade de suas criações. Escritas para consumo imediato – às vezes publicava seis crônicas em um só dia –, obviamente padeciam de imperfeições de estilo e superficialidade de assunto. A crônica é o gênero literário (ou paraliterário) que mais perde a sua atualidade. Honrando o nome, é escrita com base em acontecimentos ou estados de espírito próprios de um determinado espaço de tempo sociocultural, para, nele, ser apreciada e entendida. Facilmente assimilável, é, da mesma forma, descartável, se considerarmos que pode tornar-se desinteressante, ou até ininteligível, para aqueles que a leem fora do contexto temporal em que foi escrita. Podemos entender a preocupação do autor, se considerarmos que a maior parte de sua obra é composta de crônicas diárias, ligeiras, publicadas na imprensa e passadas para os livros, sem filtros. Humberto de Campos ressente-se de uma obra definitiva, que lhe sobreviva, talvez um romance. Sente-se pressionado, também, pelo novo momento político que atravessa o país, após o meado da década de 20 do século passado. Os sucessivos movimentos militares de 22 e 24 vão aumentar, progressivamente, a decadência das oligarquias dominantes e abrir caminho para a vitoriosa Revolução de 30. É uma época de decisões. O clima é de efervescência política, a frivolidade e o cosmopolitismo da sociedade vão cedendo lugar a uma consciência mais nacionalista, para o que muito contribuiu a Semana de Arte Moderna de 22 e as polêmicas travadas entre os modernistas e tradicionalistas. Há uma necessidade de tomada de posições, seja na política, na literatura ou nas artes. A grande responsabilidade de ser um autor ungido pelo público leva HC ao impasse do posicionamento, frente ao novo contexto que emerge. Não é fácil para Humberto. Sua prosa, desataviada de preciosismos, atenta aos temas do cotidiano, de estilo simples quase coloquial, o afasta do parnasianismo, escola de sua formação poética. Com esta escola e com a literatura de Coelho Neto, “o último dos helenos”, de quem se considerava discípulo, o único ponto de contato é o uso excessivo de topos mitológicos. Tampouco lhe agrada o Modernismo, com o qual não reconhece afinidades. Por outro lado, a falta de um maior respaldo cultural, proveniente de sua formação autodidata, para incursionar pelos meios da filosofia e de outras ciências, o faz desistir de se posicionar polemicamente contra o mesmo. E continua explorando o filão do aconselhamento, o contato mais íntimo com a alma humana, o uso do sentimentalismo e da exemplaridade como recursos constantes.

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MAIA, Alcides. Duas crônicas póstumas. Correio do Povo, Rio de Janeiro, 9/12/1934


A preocupação com a notoriedade; tornar-se conhecido a ponto de colocar- se como modelo para futuras gerações, é parte da obsessão de Humberto na busca da glória. E ele confessa esse desejo, ainda adolescente, em Parnaíba, quando se encantava com os livros de Samuel Smiles: Smiles foi o melhor amigo que encontrei na adolescência. Os seus livros ricos de exemplos, coloridos com a vida de homens eminentes que haviam, pelo próprio esforço e pela tenacidade, subido do anonimato mais escuro aos esplendores da glória mais límpida, constituíram o maior incentivo do meu espírito e da minha vontade. Ao ler a história daqueles inventores, daqueles poetas, daqueles homens de Estado que haviam marchado para a notoriedade como os Reis Magos marcharam para Belém de Judá, isto é, com os olhos fixos em uma estrela, eu me enchia de coragem, e uma alegria intensa e nova se apossava de mim. O dever, O poder da vontade, O caráter, Ajuda-te a ti mesmo, A vida e o trabalho, tornaram-se a minha Bíblia. (Memórias inacabadas, p 158-0) Sérgio Miceli, no seu livro Poder, sexo e letras na República Velha, p 79, enfatizando a cultura folhetinesca do autor, à lista acima acrescenta apenas a leitura dos evolucionistas Haeckel e Buchner, omitindo Laplace, com quem Humberto diz compreender a harmonia das esferas e, sobretudo, Augusto Comte – cujo primeiro contato é tomado por intermédio de Teixeira Bastos – que vai transformar as convicções religiosas do adolescente Humberto e torná-lo positivista. De resto, mais tarde, Humberto de Campos vai percorrer o caminho de todos os rapazes intelectualizados da época, cultuando Taine, Comte, Renan, Darwin, abundantemente referidos por ele ao longo de sua obra. O frequente emprego de ideias e citações de filósofos, críticos e literatos de todas as épocas, em seus escritos, nos leva a crer, contrariando Miceli, que a cultura de Humberto de Campos não foi adquirida nos “almanaques”. Ressalvamos apenas o modo autodidata de aquisição desse conhecimento, feito de modo desordenado, esparso e que deixou, por certo, lacunas indeléveis na cultura do autor. Trabalho, tenacidade e carisma literário divulgam a sua obra por todo o Brasil e o tornam o escritor mais lido e apreciado do país. Manter e sobrepujar esse status, obtido com o sacrifício da sua saúde, da vida familiar e da qualidade literária, necessita de uma obra mais cuidada e menos superficial. Esta é a nova meta a ser atingida e a exemplaridade vai ser um dos recursos usados. O objetivo declarado pelo autor de construir uma obra de exemplo, vamos encontrá-lo no prefácio de Memória18: A confissão pública das faltas particulares, numa penitência de possíveis pecados de egoísmo e orgulho, e a demonstração de como pode um homem, pela simples força de vontade, desajudado de todos os atributos físicos e morais para a vitória, libertar-se da ignorância absoluta e de defeitos aparentemente incorrigíveis, desviando-se dos caminhos que o levariam ao crime e à prisão para outros que o poderão conduzir a uma poltrona de academia ou a uma cadeira de Parlamento (Memórias, p 8). Ainda, no prefácio: Escrevo a história da minha vida não porque se trate de mim, mas porque ela constitui uma lição de coragem aos tímidos, de audácia aos pobres, de esperança aos desenganados, e, dessa maneira, um roteiro útil à mocidade que o manuseie. .Os vícios que a afeiam, os erros que a singularizam e que proclamo com inteira 18

NOTA DA AUTORA: É lícito esclarecer que as anotações de HB para Memórias foram feitas entre 1912 e 1933, ano em que foram editadas e também o ano anterior à sua morte. Este prefácio confessa um propósito de exemplaridade cultivado desde a adolescência por Humberto, quando das suas leituras de Samuel Smiles. Um projeto desenvolvido durante 21 anos. É nesse espaço de tempo que procuro captar o desenvolvimento do processo de criação de Humberto de Campos.


tranquilidade de alma, os rochedos, em suma, em que bati, mesmos esses me foram proveitosos, e sê-lo-ão, talvez, aos que me lerem. (Memórias, p. 8). A obsessão da exemplaridade é um projeto de vida, que se estende ao estilo literário. As crônicas e os capítulos da sua obra, na sua quase totalidade, possuem estrutura fabular, com a indefectível moral, implícita ou explícita, à guisa de fechamento. Suprir a lacuna da cultura autorizada, utilizando um pré-texto tirado da tradição, inserido no corpo de seu próprio texto, demonstra ainda a sua insegurança. Esse prétexto pode aparecer em forma de citações, historietas ou provérbios. Para tanto, usa o artifício de interpor uma narrativa à outra. A primeira narrativa é a da tradição, respaldando a criada pelo autor. A exemplaridade é conseguida através da comparação paradigmática da história herdada com a nova história apresentada. Dentre inúmeros exemplos podemos citar a crônica em que, querendo colocar o exemplo de vida de dois velhinhos do Asilo São Luís, visitado por ele, narra primeiro a lenda de Filemon e Baucis, retirada da mitologia grega, sobrepondo as duas histórias para dar maior respaldo à lição da narrativa contemporânea. (Os párias, p. 102-106 ). 4. Humberto de Campos torna-se seu próprio modelo O processo da exemplaridade está consolidado. Seguro de sua importância, Humberto de Campos abdica do texto da tradição e o exemplo dado passa a vir da experiência vivida pelo autor, em especial, nas Memórias e Memórias inacabadas. Humberto de Campos encarna o protótipo do narrador clássico benjaminiano: O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada dos outros. E incorpora as coisas narradas às experiências de seus ouvintes”[..]. “Ela [a narrativa] tem sempre em si, às vezes, de forma latente, uma dimensão utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou uma norma de vida, de qualquer maneira o narrador é um homem que sabe dar conselhos.19 Enfim, Humberto de Campos torna-se o seu próprio modelo. Para nos transmitir essa exemplaridade, HC não abandona os artifícios estilísticos anteriores, ele os transforma. Mesmo em uma obra de fôlego como Memórias, as pequenas histórias, contidas no livro sob a forma de capítulos, preservam a apreciada estrutura fabular. Ressaltamos em Memórias, três capítulos que se prestam para ilustrar, com propriedade, o que dizemos. São “O Brinquedo Roubado”, “Um Amigo de Infância” e “Nossa Casinha”. Qualquer deles, se excluído do contexto do livro, não implicará na quebra da narrativa e se constitui um conto de exemplo completo em si mesmo (todos os mencionados aqui foram fartamente publicados, isoladamente em livros didáticos e paradidáticos). Há uma troca sutil de modelo. Nesses capítulos, Humberto se utiliza da comparação dos sujeitos inanimados da narrativa, no caso o brinquedo, o cajueiro e a casa, contrapostos a ele próprio, à sua experiência de vida. Por que não tivera eu, também raízes como ele (o cajueiro), para não me afastar nunca, jamais do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era. (“Um Amigo de Infância”, Memórias, p 24)). “E que tem sido para mim, pelo resto da vida, a felicidade, senão um brinquedo roubado, que eu escondo, que dissimulo, assustadamente no coração, e que, no entanto, descobrem, e me tomam, quando custaria tão pouco me deixarem com ele? (“O Brinquedo Roubado”, Memórias, p 169).

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BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. v. 1 p. 200-1


Utiliza também as comparações, à moda de apólogo machadiano: E lá vou eu outra vez e para sempre pelo mundo largo, onde eu vivo, como ele [ o cajueiro] com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos, mas, também, às vezes doirado ao sol, lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva, e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas(“Um Amigo de Infância”, Memórias). 5. A autopiedade e a autoridade da morte Ao escrever os seus últimos volumes de crônica, e, sobretudo, ao se preparar para redigir as suas memórias, anotadas desde a juventude, ele confessa a doença incurável que o acomete e mostra, sem dó, os seus males ao público. Humberto de Campos é acusado por alguns escritores e jornalistas, seus contemporâneos, de expor suas enfermidades e a indigência financeira com o propósito de tirar proveito dos seus leitores. A respeito, Eduardo Frieiro, um desses críticos, mostra-se implacável: [...] mesmo doente, e às portas da morte não renuncia a aparecer interessante. Sabe como exibir as suas chagas ao sol, provocando a compaixão dos leitores sentimentais. Sua desgraça nada teve de excepcional...20 Esse é, sem dúvida, um comentário maldoso e rigoroso em excesso, minimizando o sofrimento real de Humberto de Campos com a longa e dolorosa doença que o acometeu. Humberto irritava seus críticos, quando, em suas crônicas, referia-se a si como o “deserdado da sorte”, mesmo após ter conquistado “uma poltrona na Academia e uma cadeira no Parlamento.” Doente, quase cego, Humberto de Campos, acentua a gravidade do seu mal e a predestinação trágica do seu fado, atraindo poderosamente a simpatia e a identificação do público leitor, que mais e mais lhe escreve, compartilhando seus males e pedindo-lhe conselhos. A inexorabilidade da aproximação da morte dá novo peso a cada palavra do autor. Esse fenômeno, vivenciado por Humberto de Campos é, também, arrolado por Walter Benjamin: Ora é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível.[...] A morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que deriva a sua autoridade. Em outras palavras suas histórias remetem à história natural.21 Humberto de Campos talvez não tenha lido O Narrador, publicado pela primeira vez no Brasil, dois anos após sua morte, nem Philippe Ariès, em O Homem diante da morte (1977), mas tinha perfeita consciência da autoridade que emana do homem que fala do alto de sua experiência final. Ao se dispor a escrever suas Memórias – aos 46 anos de idade – não o faz apenas como um escritor que, tendo atingido a maturidade, sente a necessidade de recompor sua infância sofrida e suas lutas para galgar uma posição na sociedade dos homens, mas também, como foi dito, para se oferecer como exemplo de vida às novas gerações. Pretende que suas palavras tenham o selo e a veracidade do discurso do homem que vai morrer. O prefácio de Memórias confirma essa intenção: Chego aos quarenta e seis anos ao fim da minha vida. Chego vencido, e fatigado, quando outros se encontram no apogeu da saúde e da força. [...] E, chegando onde me encontro, faço como aqueles gregos antigos, que cansados de peregrinar pelo 20 21

FRIEIRO, Eduardo. Páginas de crítica. p 283. Benjamin, Walter. Obras escolhidas. .v. 1 pp200-1.


mundo, sentavam-se um dia, para morrer, à porta dos templos, oferecendo aos deuses, uma última benção à vida, as suas sandálias, o seu cinto e o seu bordão. (Memórias, p 10). A opção por um conteúdo próprio do modelo artesanal de expressão, não impede HC de escrevê-lo sob a forma de comunicação jornalística. Não se trata de paradoxo literário, mas afeiçoamento a uma forma de expressão que o acompanhou a vida toda. Sonha, cada vez mais, com a obra definitiva, mas volta, após a Revolução de 1930 – ocasião em que perde o mandato de deputado –, já quase cego, a escrever matéria ligeira para sobreviver. Justo “quando sentia o espírito melhor provido para a realização de uma obra que me sobrevivesse” (fragmentos de um diário). Memórias e Memórias inacabadas não são ainda essa obra, embora não tendo sido escritas para o consumo diário nos jornais, elas sofrem da premência editorial decorrente da indigência financeira de HC. Memórias e Memórias inacabadas são, em tudo, superiores às outras obras do autor. Em que pese o processo de composição básica ser ainda jornalístico, elas se constituem obras de um autêntico mestre da narrativa. Humberto de Campos sabe como tocar fundo a corda da emotividade, com leveza de estilo, narrativas de traços fortes e ágeis, simplicidade e despojamento da linguagem. A substituição do pré-texto da tradição pela vida real torna o texto mais vivo e mais dinâmico. Ao seu público leitor não importa o excesso de produções ligeiras que tenha passado aos livros sem o cuidado da triagem, a sua obsessão pela exemplaridade e a luta insana pela glória ou, mesmo, com a exposição de suas “chagas ao sol”. Queria mais e mais Humberto perto dele, o público, compartilhando seus sofrimentos e identificando-se com suas desventuras. Humberto de Campos, pois, a despeito de todas as correntes vanguardistas surgidas até 1934, data de sua morte, continua a ser muito lido nos anos que a seguem, e permanece assim até por volta dos anos 50, quando as edições de suas obras completas pela Jackson Editores ainda alcançavam grande sucesso. A sua não adesão ao movimento modernista não lhe afeta a relação com os leitores. Mais ainda, se considerarmos que a Semana de Arte Moderna foi um movimento circunscrito a um grupo de artistas e intelectuais e que necessitou de um largo espaço de tempo para ser assimilado pelas camadas razoavelmente intelectualizadas da nação. Quem afastou os leitores de Humberto de Campos, também, não foram os críticos literários, aqueles que dizem quais os autores devem ou não permanecer; quais deverão constar das antologias, participar das seleções de títulos a serem estudados nas escolas, ou serem incluídos nas listas de vestibular. Estes afastaram Humberto de Campos dos manuais de história e teoria da literatura, do reconhecimento acadêmico. O público leitor foi minguando, gradualmente, por conta da facilidade de envolvimento com as mídias postas a sua disposição a partir dos anos 50, começando pela televisão, até chegar à Internet e suas filhas, as redes sociais, em que o “leitor” é coautor dos cyber textos. Este processo de esvaziamento, de resto, chegou para todos os grandes e médios escritores, acelerando-se no segundo milênio. No contexto atual, os campeões de “leitores”, ou melhor, de “seguidores”, são os ”blogueiros”. Espanta-nos o olvido de Humberto de Campos, mas não percebemos que outros campeões de vendas de livros estão, mais rapidamente que ele, caminhando para o esquecimento. Quantas coleções são lançadas, hoje, no mercado editorial? Falo de coleções, não de livros esparsos. Escritores mortos há pouco tempo já não são mais são vistos nas listas de mais vendidos. Quem manterá acesa a chama da Galáxia de Gutenberg? O que leem os jovens? “Fanzines”, “livros” de blogueiros, virtuais ou não, recheados de fotos, cartas, quadrinhos, colagens de jornais e revistas. Poucas palavras para não cansar o leitor. Quem é o autor de livros, hoje, que arrasta multidões? Qual é aquele que a crítica aplaude e o público lê? Quantas novas coleções de


grandes escritores, ungidos pela crítica, são publicadas a cada ano? O assunto mereceria um longo e complexo ensaio. E quanto a Humberto de Campos? Salvo alguns laivos de pieguice e o excesso de exemplaridade, muitas de suas obras são obras que ainda se leem com prazer. Seu grande mérito foi formar o moderno público leitor para a crônica, hoje, o gênero mais disseminado e apreciado no Brasil. Humberto de Campos é, reconhecidamente, o ponto de ligação, o encaixe que faltava entre José de Alencar e Machado de Assis e os cronistas modernos tais como Rubem Braga, João Ubaldo, Affonso Romano, todos, coincidentemente, cronistas de jornal.. As Memórias e Memórias inacabadas dão-nos uma segura amostra do que poderia ter escrito Humberto de Campos, não fosse ele um autor de tanto sucesso. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. v. 1 São Paulo, Brasiliense, 1985. CAMPOS, Humberto. Crítica, 1ª série. Obras completas. v. 21. Rio de Janeiro, Jackson Editores, 1951. __________Crítica, 2ª série. v.22 IBIDEM __________Contrastes. v.13, IBIDEM __________Fragmentos de um diário. v.19 IBIDEM __________Memórias. v. 17. IBIDEM__________Memórias inacabadas. v. 18 IBIDEM __________Notas de um diarista. 1ªsérie, v. 9 IBIDEM __________Notas de um diarista 2ªsérie, v. 10 IBIDEM __________Os párias. v. 4 IBIDEM __________O tonel de Diógenes. v. 13 IBIDEM __________Poesias completas. v. 1 IBIDEM __________Reminiscências. v. 11 IBIDEM __________Seara de Booz. v. 2 IBIDEM __________Sombras que sofrem. v. 6 IBIDEM FRIEIRO, Eduardo. Páginas de crítica. Itatiaia, Belo Horizonte, s.d LEBERT, Maria de Lourdes,Humberto de Campos.São Paulo , Melhoramentos,1965. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil. (1920-1945), São Paulo, DIFEL,1879. ________Sérgio .Poder, sexo e letras na velha república. São Paulo. Perspectiva, 1977. RIBEIRO, João Clímaco, Crítica. v. IV , publicação da Academia Brasileira de Letras.


JOSÉ DE JESUS Ceres Costa Fernandes Os cabelos negros e longos de Maria Natividade esparramam-se pelo chão de terra batida limpo e varrido da cozinha-alpendre misturados ao sangue, que começa a embeber-se no solo poroso. O rosto da menina-moça, 16 anos não mais, de acobreado está lívido e as delicadas feições parece que mais se afilam e se aperfeiçoam com a fuga da vida. A seu lado, umas espigas de milho, peneira e ralador abandonados. A causa mortis foi fratura craniana e o objeto que a causou, uma mão de pilão, encostada no fogão de barro, exibe o sangue coalhado. Maria Natividade era uma adolescente, corpo de sílfide começando a arredondar-se, adquirindo as formas de mulher feita; nem a própria Natividade se tinha dado conta das mudanças em seu corpo. O Delegado e o cabo ordenança estiveram no lugar a tirar fotos e fazer perguntas a dona Isabel e a seu Luís do Espírito Santo, vizinhos dos sítios mais próximos, que nada puderam acrescentar à investigação do crime, o casal era muito reservado, unidinho, parecia se bastar, não mantinha amizades. Os dois participavam apenas das festas religiosas. Disso gostavam, não faltavam a nenhuma procissão, novena ou festa de largo. De resto, pareciam muito tranquilos, não tinham histórico de violência ou desavenças, e o marido, José de Jesus, jardineiro de profissão, era o que se pode chamar “uma moça”, de tão gentil e educado. Não houve precisão de procurá-lo, nem de esperar muito, José de Jesus foi espontaneamente apresentar-se ao Delegado como matador e o único culpado da morte da mulher, Maria Natividade. Na rua, o povinho, amigos e fregueses de José comentam à boca pequena: _Logo o Zé, gente, tão religioso, não saía da igreja. _ Não se conhecia um casal tão unido como aqueles dois. E ela? Uma santa! _ Nunca vi um homem tão bom e tão educado, não acredito, uma morte violenta dessas! _ Mas ele confessou. De hora em hora, o tinhoso atenta. _ O que terá acontecido? Com um ar entre beatífico e ausente, as lágrimas em fio, José de Jesus enfrenta o Delegado, de quem, aliás, cuidava do jardim, e, além do mais, sua esposa, D. Antonieta, era madrinha de batismo de Natividade. Gozava, pois, de intimidade na casa, e da amizade da garotinha Lily, filha do casal, que costumava mostrarlhe a belezura dos livros de historinhas, que o Delegado lhe trazia da capital. Os olhos arregalados e a boca descaída de José de Jesus eram as demonstrações do pasmo maravilhado por aquelas figuras que ficavam de pé logo que se abria o livro ou das outras que se moviam com um pequeno puxão de tiras de papel bem disfarçadas. Lily esperava, divertida e maliciosa, as costumeiras palavras de espanto do Zé: “De vera, dona! De vera!” No ofício da jardinagem, o dedo verde. Ninguém o superava, a praça da matriz era cuidada por ele, as melhores famílias o queriam para ter as suas belas rosas e folhagens exuberantes. Corria a lenda que, se José de Jesus plantasse um cabo de vassoura no chão e o adubasse bem poderia fazer dele brotar um ramo de lírios. Galego, rosado, barbinha de ponta mel com terra, fazia um par bonito com Maria Natividade, morena, quase negra, de longos e ondulados cabelos pretos. Nas horas vagas, José amanhava um tantinho a terra de seu pequeno sítio, Maria Natividade ajudava, regava, colhia. No momento da morte, ela estava sentada na esteira de palha de babaçu, de costas para a entrada da casa, ao que parece, ralava milho para o manuê do café da tarde, vigiando a criação, a ciscar os restos de comida no terreiro. _ Então, José, seu desgraçado, como você me apronta uma loucura destas matar a Natividade, uma menina ainda, um modelo de esposa e de bondade? Agora vai pra São Luís, celerado duma figa, ser julgado e depois vai puxar uma longa cadeia, em Pedrinhas, réu confesso, sem motivação, não pensou nisso, seu filho da puta? Acabou com a vida dela e a sua. E ainda põe a delegacia em risco, me causando dor de cabeça. Temos que guardá-lo bem, se o povo daqui o pega, vai linchar você! E com toda razão!


_ Seu doutor delegado, me deixe explicar tudo, o senhor vai entender. Vou lhe contar tudinho desde o início. Nunca me apaixonei por ninguém, nem tinha a intenção de ser um homem casado, até ver Natividade. Foi na procissão da Imaculada Conceição, uma visão! Sou prometido à Santa por minha mãe, e estava na ala dos homens devotos e afilhados que carregam os tocheiros e vi passar a visão mais maravilhosa desse mundo, uma menina assim morena, pele de seda, cabelos negros de mãe d’água derramados nos ombros, vestida de Nossa Senhora Menina. Ela me viu e sorriu. Sorriu pra mim! Logo, chegou no meu entendimento que ela era alguma coisa assim do céu, não da Terra. Desmanchada a procissão, veio falar comigo, toda se rindo, como se eu fosse seu conhecido, desde há muito. Eu fiquei mudo e se tentava dar uma palavra, gaguejava. Continuei mudo, ela falava pelos dois, e suas palavras eram como as de um anjo. A partir daí, não vi mais nada na minha vida, nunca mais! Só Maria Natividade na minha vista, na minha frente, na minha vida. Nessa noite, cheguei em casa feliz, mas com o juízo a me arder. Logo me ajoelhei no oratório e falei tudinho para a minha madrinha, Nossa Senhora da Conceição, da minha paixão, do meu desvanecimento, do rumo novo da minha vida, procurando orientação. Ela disse, chegou o dia da tua revelação, a tua missão aqui na Terra é proteger e guardar a inocência de Maria Natividade. No dia do seu batismo de carregação ela foi consagrada a mim, a Imaculada, e sua pureza não pode ser manchada, de modo a não perder o céu. Estas foram as suas ordens, e eu jurei cumprir. Não, seu doutor Delegado, não estou de deboche, não cuido disso, sou homem de respeito, me escute, por favor. A gente começou uma amizade, onde estava um, estava outro. Um grude tão bom! A gente não se largava, e eu tomando conta. Não deixava ninguém chegar perto. Durou tanto a parceria que a cidade pensou que a gente estava de namoro. Mas, não. Eu era só o guardião. Maria, cada dia mais bonita, e a rapaziada andava rondando ela que nem gavião ronda ninho de filhote de passarinho. Eu já tinha muito serviço de jardim, estava ficando difícil cumprir o mandado de minha protetora, Senhora da Conceição. Então, eu fiz o que eu tinha de fazer e pedi pra ela casar comigo. Ela aceitou, numa alegria que só vendo. Lá na terrinha do meu sítio afastado, debaixo das minhas vistas, era mais fácil proteger Natividade. Contei tudo, a minha conversa com a Santinha, a promessa e a jura. Disse que a gente se casava, mas não podia se tocar pra ela continuar pura. Minha Nati entendeu, concordou e fez também a sua promessa para a Santa. E a gente ia vivendo a nossa vidinha, arrumando a casinha de taipa coberta de telhas, (um luxo que pude fazer, doutor, com o salário da prefeitura, de palha só a cozinha e o alpendre), criando as galinhas, plantando umas coisinhas de comer, indo às festas da igreja, na procissão, nas novenas. E sempre que podia eu dava um vestidinho novo pra ela. Uma felicidade só. Um dia, eu cheguei em casa e ela me falou; _ Sabe quem passou por aqui? Seu Miguel, o santeiro, aquele que também faz asas de anjo para as roupas das procissões. Queria saber se eu tinha alguma asa guardada e queria ceder pra ele, de modelo. Fui anjo, tantas vezes, antes daquele dia que saí de Imaculada Conceição Menina! Eu não tinha mais, dei tudo para as minhas primas mais novas. Tem idade pra ser anjo, não? Ela disse, se rindo muito. Seu Miguel perguntou, _Maria, vocês já têm filho? Eu neguei e ele respondeu, _ Não se avexe. Vão ter um, com a Graça de Deus! E aí, ele foi-se embora. Eu disse, Maria, seu Miguel, homem sério, amigo, da ala dos devotos da Imaculada, tá bom dele vir aqui. Veio com um propósito correto. Eu não gosto é daquele sujeito, o Espírito Santo que fica, volta e meia, rondando nossa casa. Já encontrei o cabra umas duas vezes por perto. _O seu Luís? Veio pedir uma foice emprestada pra limpar a juquira do roçado, a dele quebrou. Já até devolveu.


E aí, seu Delegado, me preocupei com essas visitas, é que Seu Espírito Santo tinha fama de arrastador de asa pra mulher alheia. Passou. Tempos depois, olhando a Maria, achei ela mais bonita do que já era, tomando corpo, ficando ancuda, os peitos empinados, me perdoe o linguajar, quero contar tudo, assim também de como se encostava em mim, me farejando o corpo, com um brilho maior no olhar. Eu estava ficando desatinado, pra poder dormir, tomava banho frio e rezava. Dias depois, de madrugada, acordei e Natividade estava acordada, sentada na rede dela, a gente não dormia em cama pra evitar as tentações, mandei fazer, em São Bento, duas redes das grandes, a dela, olho de pombo e linha de seda, pro seu confortinho.. Perguntei, o que foi Nati? _ A dona Isabel, a vizinha, lá d’Outra Banda, parenta da minha mãe, está prenhe, eu soube. O Espírito Santo me disse. Gostaria de lhe fazer uma visitinha, levar um frango pra ela ir engordando pro resguardo... Seu Miguel disse que a gente ia ter um filho, mas como é que a gente faz pra ter um filho? Um nenenzinho gordinho, uma companhia pra quando você estiver no trabalho. Pra eu ver ele brincar com as ninhadas de pintinhos. Eu queria muito... As angústias que eu tinha me apertaram mais, e fui me aconselhar com a minha madrinha Imaculada. Eu rezei muito, chorei muito, mas compreendi, não era mais capaz de cumprir com a minha missão aqui na Terra. A vida ia cortar as asas dela subir pro céu. E eu não tinha como proteger a pureza da minha Maria Natividade! Aí, o resto o senhor já sabe. Calculei tudo pra ser um golpe só e ela não sofrer. Lhe digo que ela nem teve tempo disso. Matei, tirei a vida de uma santinha, e tenho que purgar os anos que me derem, não me importo, pago desobrigado, porque consegui sua salvação antes dela pecar. Minha vida não tem mais precisão, não vale mais nada, a missão está cumprida. Não me matei, o senhor sabe, cristão que se mata não vai pro céu e ela tá lá me esperando, junto com a minha madrinha. Só espero não viver muito, pra chegar logo esse dia. Pode me levar.


TEMPOS DE ICATU II Meado dos anos setenta, professora e funcionária da Secretaria de Educação do Estado, voltei a Icatu. Para resumir, fui a trabalho, fazer um levantamento de alunos das escolas do estado para recebimento do Livro Didático. Nada de Internet, computador, tudo feito a caneta nas enormes listas que tínhamos de preencher. Nessa viagem, a tarefa era apenas minha. Levei meu filho caçula, menino um tanto perigoso de ser deixado apenas com os irmãos, sem a minha supervisão. Havia que atravessar a Baia de São José de Ribamar para alcançar Icatu, à época, não havia estrada partindo de São Luís. O nosso transporte inicial seria o enorme barco Santa Rita, à vela e a motor, uma bela embarcação, pensei, animada. Mas, a engrenagem dela embirrou e a Santa não saiu do lugar. Embarcamos, pra não perder o horário, em uma pequena biana a motorizada. Quem disse que a Baia de São José é mansa? Sacolejamos no mar encrespado por um bom par de horas, agarrados à capota da biana, fugidos do cheiro de óleo diesel que dominava o pequeno interior da embarcação. Mas a chegada compensou os incômodos, chegamos com a maré vazante, mar liso, banhado pela luz dourada da lua cheia. Sabe aquela lua avermelhada, que chamam lua-de-sangue? Essa mesma. Foram as boas-vindas de Icatu ao meu retorno. Não pude cotejar a presença física da antiga cidade ancestral de casas imponentes e mal conservadas à memória da cidade anterior, a da minha primeira infância. Não havia nenhuma. Nas peças do quebra-cabeça da minha mente infantil, havia uma única rua, onças, imensos barcos coloridos cheios de bandeirinhas, bonecas de pano, pimenta-de-cheiro e mandubés cozidos. Ah, sim, a família loura estava lá e continuava muito importante no município. O prefeito, para minha surpresa, era um dos meninos louros de outrora. Fui, gentilmente, alojada pela família, meu filho se entrosou com a meninada e foram rumo aos belíssimos riachos e lagoas. Não pude rever essa parte, estava a serviço, com prazo de regresso. Os mais velhos lembravam um tanto de meu pai, mas não da criaturinha que comeu pimenta em sua casa. A menina do relógio preto não morava mais lá; perguntei de João Cobrila, o ordenança, nunca tinham ouvido falar nesse nome; e da onça, sabiam vagamente. Como vagamente, deste belo espanto da minha infância!? Nem me animei a perguntar se ainda caíam no mar barcas novas vindas do céu. Certamente, não. Verdadeiramente, nos anais da história de Icatu não ficou registrada a minha importante presença. Cumprida a missão, havia outra em Morros. Bem pertinho. Subimos o encachoeirado Rio Una, coalhado de enormes pedras, debaixo de chuva forte, em uma lancha pequenina, com as cortinas abaixadas, que levantávamos para ver a paisagem: um belo espetáculo! A diretora da escola estadual de Morros que nos hospedou em sua casa, um casarão colonial, era da família Brenha, de São Bento, terra da minha mãe. Novamente mimos e gentilezas. O bom dessas viagens era o acolhimento. Partimos de Morros de madrugada. A viagem de volta era longa. Atravessamos um rio calmo num barco a vara, lembro vivamente da figura do barqueiro recortada contra a luz da lua, parecia um filme de mistério. A outra margem do rio era no município de Axixá, onde nos esperava uma caminhonete de transporte, tipo pau-de-arara. Sentamos na boleia e, vupt, o motorista iniciou uma corrida maluca, voava na trilha de areia, à guisa de estrada. Tudo escuro, de luz, só o farol do carro. De nada adiantaram as minhas advertências a respeito de um animal atravessar o caminho, outro veículo vindo do lado contrário nos abalroar, o motorista parecia estar possuído. Depois do rally no escuro (o trajeto percorrido, hoje asfaltado, é de 33 km, informa meu filho chegado a trilhas), felizmente, chegamos inteiros. A São Luís? Não, às margens do Rio Itapecuru. Ainda na caminhonete do rally, tomamos uma balsa para Rosário e de lá, finalmente, um ônibus para São Luís. Não foi uma viagem, foi uma expedição. E tiveram outras.


Dando sequência à história da onça pintada, houve uma parte omitida. A dúvida que levou à omissão: foi lembrança ou excesso de imaginação? Aconteceu o que pretendo contar agora? Não sei. Nas memórias de infância, frequentemente, costuma-se misturar lembranças, coisas vividas tempos depois, fantasias, sonhos ou até impressões vistas de um ângulo diferenciado... Ora, depois deste preâmbulo, tomei coragem, digo agora, deem o devido desconto: Eu comi da carne da onça! Sim, senhores. E assada. Mandaram para casa do juiz. Lembro vivamente disso! Depois pensei, existiu isso? Imaginei? A gente come onça? Deve ter a carne muito dura. Achei melhor não arriscar e calei. Amigos mateiros me disseram que sim. Hoje, não mais. É politicamente incorreto, um bichinho em extinção, mas em tempos passados... Ora, as memórias são minhas. E se eu acho que comi, então eu comi. Entrou pelo bico do pato, saiu pelo bico do pinto, seu rei mandou dizer pra contar mais cinco.


DE SUPERMERCADOS E CANTIGAS INFANTIS Ceres Costa Fernandes Na São Luís de tempos passados, o ponto de encontro informal de amigos, conhecidos e prováveis paqueras (ainda se usa essa palavra?) era indiscutivelmente a Rua Grande. No espaço que ia do Largo do Carmo ao Edifício Caiçara, encontrava-se uma pá de conhecidos por metro quadrado. Hoje, a ignara massa humana que se desloca na antiga artéria das compras elegantes amedronta. Para enfrentá-la, guardamos o relógio na bolsa apertada ao peito e, ao sair de uma loja, aceleramos o passo até alcançarmos a próxima, como um soldado que troca de trincheira. Nos shopping centers, um tanto quanto livres da paranoia do assalto, arriscamos o olhar em torno e podemos divisar um conhecido aqui, outro acolá, pontos emergentes na densa onda de estranhos. Mas é nos supermercados de bairro, concentradores de uma clientela fixa, que vamos reatar aquele convívio perdido com o crescimento urbano. Lá encontramos geralmente as mesmas pessoas fazendo compras nos nossos horários. E como esse encontro é constante, as formalidades são desprezadas. Entramos direto na reclamação do preço dos gêneros, falamos mal do governo, protestamos contra a mudança constante de lugar dos gêneros nas prateleiras e tricotamos as últimas – enquanto escolhemos laranjas e bananas ou esperamos que o funcionário do balcão de frutos do mar (ô nome besta!) trate o peixe ou pese o camarão. E foi numa dessas conversas de prateleira, entre caixas de molho de tomate, que Carlos de Lima, historiador e folclorista, referiu-se, a propósito de minha crônica As Histórias que a Vovó Contava, sobre o patrulhamento ideológico das histórias da carochinha, que o mesmo se dá nas cantigas infantis. E, divertido, contou do espanto de sua nora canadense ao receber um áudio de cantigas de roda brasileiras. O espanto de quem, nascida em uma cultura alienígena e de primeiro mundo, não podia entender como incentivamos as crianças brasileiras a cantar “Atirei o pau no ga-t-o-tó/ mas o ga-t-o-tó não morreu-reu-reu”.. ou “O cravo brigou com a rosa/ Debaixo de uma sacada/ O cravo saiu ferido/ a rosa despetalada” e ainda “Senhor padre eu me confesso/ Larão, larão larito/ Senhor padre eu me confesso/ Que matei o seu gatito”. Ainda lembrei de uma outra cantiga que diz assim: “ Pai Francisco entrou na roda/ Tocando seu violão/ bararão-bão-bão/ Quem vem de lá, seu delegado/ Pai Francisco está na prisão” (?)... A estupefata nora deve ter notado que, a par das atrocidades confessadas contra plantas e animais, verificase nas nossas canções de roda a eleição do gato como objeto de perseguição e tortura infantil – o que não foge à verdade. Parece-me até que faltou, para espelhar melhor a realidade, uma cantiga sobre puxar o rabo do gato. E que diria a moça canadense se soubesse que não apenas as crianças mais taludinhas estão expostas a influências que tais, mas que bem intencionados papais e amorosos avós aterrorizam bebês com cantigas de ninar do teor de: “Boi, boi, boi, boi da cara preta vem ver este menino que tem medo de careta” ... “Dorme filhinho que a cuca vem aí” e, ainda, “Bicho Papão, passa por aqui, vem pegar fulano que não quer dormir”. O resultado é que alguns pedagogos, por conta disso, já cuidaram de modificar a letra da mais popular das nossas cantigas de roda. Cantemos o novo e reciclado Pau no Gato: “Não atire o pau no gatô-tô/ Porque isso não se faz/ O gatinho é nosso amigo/Não devemos maltratar os animais/ Jamais!” É, seu Carlos, concordo até com um patrulhamento moderado dos textos das músicas infantis, afinal maltratar plantas e animais e aterrorizar bebês é, no mínimo covardia. Por outro lado, não sei de traumas infantis causados pelo Pau no Gato e quejandos, mesmo porque as cantigas de roda não incluem a prática do lançamento de porretes nos felinos domésticos. “Se unir o gesto à proposta torna a aprendizagem mais eficaz, devemos temer mais as canções das paradas de sucessos, tais como” Cachorra... Vou te jogar na cama e te dar muita pressão... Vou te cortar na mão... Vou aparar pela rabiola” ou “Um tapinha não dói”... Todas cantadas e “interpretadas” pelos cantores mirins, com gestos obscenos. As meninas, inclusive sem entender a degradação proposta ao sexo feminino, sobem e descem num frenético rebolado, dando-se tapas e arrebitando as bundinhas, devidamente aplaudidas pelas plateias familiares. É, vou dizer ao Carlos, no próximo dia de supermercado, que não mande à sua nora nenhum áudio dos nossos mais famosos “cantores” .


O FIM DO MUNDO DE CADA UM Ceres Costa Fernandes Aos poucos, aparecem boiando no Atlântico os corpos dos passageiros do voo 447. A cada aparecimento é renovado o pesadelo da queda da aeronave da Air France. O impacto é maior ainda por ser essa companhia aérea considerada uma das mais seguras do mundo. E mais, foi um acidente com um avião, o A330-200, que, segundo os noticiários, é todo computadorizado e quase dispensa o piloto para resolver problemas. Os computadores, sabemos todos, não erram jamais. Diz-me um amigo rabugento, inimigo de viagens: Se essas pessoas não tivessem viajado para Paris, ainda poderiam estar vivas. Estaria, esse meu amigo, no lugar da raposa em relação às uvas? Penso, também, num ditado muito a gosto dos antigos: “boa romaria faz quem em sua casa fica em paz”. Será uma verdade ou apenas desculpa de preguiçoso ou de quem tem medo de viver? Tenho dúvidas. Aliás, quanto mais vivo mais dúvidas tenho. Não herdei o medo patológico de avião da senhora minha mãe, mas que rola um medinho na hora das turbulências – que doravante vai virar medão -, isso rola. Sempre disse e repeti o jargão, turbulência não derruba avião. Depois dessa, acabou a certeza. E viram o pouso do avião da TAM, em Guarulhos, aquele que projetou até o teto os comissários ocupados no serviço de bordo? Foi turbulência-surpresa, diferente daquela que é anunciada sadicamente pelo comandante, Apertem os cintos que estamos atravessando uma zona de turbulência. A gente se encolhe, agarra nos braços da cadeira, espera e nada acontece. Às vezes umas sacudidelas. Tem gente que ri amarelo, disfarçando o medo, e diz, A estrada está esburacada, não? Agora sabemos que também tem isso de turbulência-surpresa. E o que dizer dos cúmulos-nimbos, o terror da aviação? Sempre soube que os aparelhos de última geração informavam sobre o seu aparecimento e da segura possibilidade das supernaves, que têm instrumentos capazes de detectá-los com muita antecedência, se desviarem deles. Já se viu que não é bem assim. E mais, este último acidente revelou que há uma zona, entre o alcance dos radares do Brasil e os de Dakar, na África, em que o avião passa por mais de duas horas sem comunicação com as torres de controle. Assim como naquela zona sobre a Amazônia, onde ocorreu o acidente com o avião da GOL, em que o Cindacta IV não opera. Os responsáveis ocultam essas informações dos passageiros, só sabemos disso quando acontecem as tragédias. Também, não sei se é melhor estar avisado ou não saber. Lá vêm as dúvidas... Bicho da terra, o ser humano – os normais - gosta, mesmo, é de estar em contato com o chão. Nada de água e ar. A gente sabe dos riscos das estradas, mas tem aquela sensação de que se algo acontece, a terra está ali ao alcance da mão ou do pé. Este novo acidente tem duplo impacto nos nossos temores ancestrais, o avião, além de estar voando, caiu no mar. De um ambiente etéreo para outro líquido. Nada de sólido em que possamos firmar as ínfimas esperanças de sobrevivência dos entes queridos. O medo do fim do mundo domina grande parte das gentes. Quando ele virá? Muitos garantem que está bem próximo. Os sinais estão aí para todos verem, dizem. Nada contra o fim do mundo, mas tenho uma convicção: o fim do mundo é quando se morre. O fim do mundo dos passageiros do Airbus A330 foi no dia 31 de maio de 2009. E, certamente, chegará o dia de cada um de nós. Viajando ou dentro de casa ou na rua. De tragédias locais, lembro duas: a da senhora que morreu, na década de 40, com a queda de uma telha do beiral da Casa das Variedades que lhe partiu a cabeça, aqui mesmo, na Rua Grande; e o recente e espantoso afogamento de uma jovem jornalista, dentro de seu próprio carro, em um córrego diminuto, ao lado de uma das mais importantes e movimentadas avenidas de São Luís, a dos Holandeses. Para sucumbir tragicamente basta estar no lugar, dia e hora errados. Ou será no lugar, dia e hora certos? Tivemos um fim do mundo no tsunami que inundou o Japão; outro em Brumadinho, com aquele horror de terra que aluiu e a lama soterrando todos; um ocorrendo agora, em Petrópolis, as montanhas desabando. É ou não é o Apocalipse? E agora, estamos na corda bamba da guerra, dependentes do que se passa na mente de megalomaníacos dirigentes. Apertarão ou não os botões da batalha de Armagedom? Resta um consolo para nós, seres finitos: ruim não é morrer, ruim é não viver. Por isso continuamos viajando, idealizando outras terras, enfrentando perigos, experimentando coisas novas, todos os dias, todas as horas. Assim viveremos o fim do mundo só uma vez. E não será de véspera.


CALA A BOCA, MEU FILHO Ceres Costa Fernandes 1993. Era durante a guerra pela independência da Bósnia, uma guerra fraticida, de conflitos étnicos e separatistas em que a Iugoslávia foi desmembrada em cinco países, dentre eles a Bósnia-Herzegovina e a Sérvia. Essa guerra foi marcada pelo horror fraticida e o genocídio do povo sérvio . Era vizinho contra vizinho, amigo contra amigo, apenas por pertencerem a diferentes etnias e costumes ou crenças conflitantes. Pessoas, antes amigas ou parentas afins, compadres, comadres, sócios, companheiros de jogos e noitadas, matandose com todo o ódio ancestral, de repente redescoberto. Nós, da banda de cá, só sabíamos dos fatos por meio de jornais e de uma TV sem os recursos de hoje. Sem Internet, os detalhes do horror eram mascarados. Hoje, vemos o medo e a angústia diretamente nos olhos das pessoas. Na ocasião, eu e Antônio Carlos estávamos nos deslocando da França para a Inglaterra, mais precisamente do porto de Calais para o de Dover. Dia de sol. A animação era grande, íamos atravessar as incríveis águas azuis do Canal da Mancha, num dos modernos e bem equipados ferry-boats que fazem a travessia, com luxuosos salões de café e de jogos. Entramos em uma fila de passageiros para a apresentação de passaportes, como crianças bem comportadas. Passa, passa gavião, notei que iam sendo descartadas da fila umas moças jovens e muito bonitas. Era verão, observei-as bem com curiosidade feminina, e elas estavam com uns vestidinhos leves floridos, à provençal, sandálias gastas e não muito limpas. Pareciam refugiadas de guerra. Perguntei ao guia da excursão o porquê da exclusão. São sérvias, refugiadas, não têm passaporte, Mas refugiado de guerra precisa de passaporte? O cara do balcão respondeu a ele, Querem ir para a Inglaterra para se prostituir. Aquelas palavras secas, sem volteios, me socaram o peito, como se pode julgar,friamente, alguém, vivendo um momento de angústia como aquele? Segui viagem revoltada com o preconceito sofrido por aquelas jovens. Nem me manifestar podia, seguimos empurrados, como bois no brete, para entrar no ferry. Já em Londres, encontrei meu sobrinho que, à época, estudava lá, e começamos os passeios. Londres é linda e tem lugares aconchegantes e tranquilos, principalmente no centro. Outro choque me esperava, dentro do metrô, na subida entre duas escadas, no patamar delas, uma moça, parecida com aquelas que vi no porto de Calais, bela, jovem, ainda mais maltratada, sentada no chão, de vestidinho azul – não esqueço da imagem marcada a ferrete na. minha memória –, com as pernas estendidas, tal boneca de pano, muda, olhar de ausência e absoluto desânimo, portava um cartaz, onde estava escrito apenas, I'M HUNGRY. Dei-lhe um dinheirinho e observei as pessoas passando, como coelhos apressados de Alice sem parar sequer para olhá-la. Não havia compaixão. Nesse estágio, perdida a autoestima o que fazer? Mendigar, roubar ou se prostituir. Vinte e nove anos depois, em outra guerra, moças jovens e belas estão novamente em fuga. Perderam filhos e pais, casa, emprego, seus bens, estão com fome, exaustas, sem esperança e perspectivas de futuro, deixaram tudo para trás! E, para a nossa vergonha, vem um idiota, Arthur do Val, o tal “Mamãe Falei ", dizer que as “moças ucranianas, belas como deusas, são fáceis de pegar, porque são pobres, basta chegar perto, encostar”. E outras estultícias e imoralidades, que é bom calar. Em quase 30 anos, a situação se repete. Não há esperança de evolução na cabeça dos machistas. Onde se pede compaixão, veem apenas sexo fácil. E ele não está só. Outros tantos pensam assim. Continuam coisificando a mulher. Mais um dia internacional da mulher, flores, músicas, corações, poemas, passarinhos cantando e as cavalgaduras relinchando. Que Deus tenha pena da mulher que ele chama de mãe, que ela acorde, veja o energúmeno que pariu e lhe diga, “Cala a boca, meu filho”.


SABORES DA INFÂNCIA (Do livro de Memórias) O cheiro de carne-de-sol assando na brasa me devolve à casa da minha avó, na Rua do Sol. E, num segundo, vêm misturar-se a este odor, outros cheiros e gostos da minha infância, trazendo com eles, além da figura de vovó Adriana, a de D. Malvina e a D. Odete Heluy, eméritas quituteiras, para sempre ligadas às minhas sensações olfato-gustativas. Além dos quitutes, me fascinava a satisfação, a quase beatitude, que emanava delas quando me ofereciam os produtos de sua arte. De onde me vem ao bestunto a idéia de que as pessoas que gostam de cozinhar tendem a ter empatia com as que comem com grande prazer e vice-versa. Na verdade, uma precisa da outra para sentir-se realizada. Tentarei demonstrar aqui esta nada complexa tese, apresentando-lhes as minhas musas das gostosuras. Musa um: vovó Adriana, pequenina e valente, cuja forte personalidade bastaria para ser muito lembrada, deixou-me deliciosas recordações gustativas. No café da manhã de sua casa (invariavelmente com leite condensado) tínhamos, cada um dos oito netos presentes, a tigela de coalhada com o nosso nome pintado. As torradas com manteiga, transparentes de tão delgadas, faziam par à mesa com os beijus finos e crocantes, que ela não deixava ninguém mais fazer. A sua família merecia a perfeição. Esses deliciosos beijus me trazem uma recordação dolorosa: meu pai, quando doente e inapetente - nada mais lhe sabia – desejou-os no leito de hospital, pouco antes de morrer. E, satisfeita a sua vontade, nos segredou “ Mamãe não faz mais beijus como antigamente,” nós sabíamos que a ele faltava-lhe o paladar, os beijus eram perfeitos como sempre. Voltemos às amenidades, as gostosuras do café repetiam-se no lanche -, e aí, podia também ter bolo de massa d’água. Mas o quitute máximo da minha avó era o bife de carne-de-sol. Deixo-lhes aqui a receita embora duvide que saia gostoso como o dela: tome uma carne macia, abra-a em bifes finos e bata-os bem; pendure-os ao sol, por umas duas horas. Depois de ficarem bem escuros, coloque-os na grelha sobre brasas, sem outro tempero que fartas pinceladas de manteiga Real. Come-se com arroz branco quentinho e farofa torrada ou com pirão de leite. Ah, havia ainda o batidinho de carne com verduras e a farofa passada no fundo da panela preta de ferro com o restinho do molho ferrugem da carne assada, pra comer com banana, é claro. Já velhinha, vovó não cozinhava mais, mas quando eu a visitava, ela ia, logo, carinhosamente, buscar a lata das torradas amanteigadas. Musa dois: D. Odete Heluy. Vizinha dos meus pais na rua de Santana, me introduziu no mundo das comidas árabes. Sua casa bem que podia ser o Jardim das Delícias de Omar Khayyam. Quando eu escapulia para lá, à porta, já sentia um cheiro gostoso de comida no forno inundando o ambiente. E D. Odete, sempre atarefada, fechando umas esfirras de carneiro, recheando uns quibes com castanhas, escorrendo coalhada para fazer queijo, dizia, come minha filha! E eu comia, prazerosamente, claro. E ela me olhava com um sorriso bom. Não contente com isso, com a fartura característica dos da sua etnia, mandava bandejas para a nossa casa. Eram kaftas enroladinhos, pratos de tabule, charutos, doces com gergelim, nozes e mel. Uma loucura. E ninguém tinha medo de engordar. O padrão de beleza era a mulher curvilínea. Minha bisavó Ritinha pontificava: gordura é formosura. Lá em casa comíamos tudo, frito ou cozido, com banha de porco, que era guardada em latas e tirada às colheradas para as panelas. O café era com leite gordo, cheio de nata, pão massa grossa com manteiga Real, queijo de São Bento e bolachinhas da padaria Santa Maria. Colesterol? Triglicerídeos? Que coisas seriam estas, palavrões? A minha terceira musa já me pegou mais crescida. Aos onze, estudava em colégio interno, no Rio de Janeiro, e passava os fins-de-semana na casa de meu tio Alcir. Aí é que entra D. Malvina, a sogra dele. Pequenina, magrinha, parecia um passarinho. Não tinha o biótipo da quituteira, no entanto, que temperos!.. Mas quero primeiro contar do drama de D. Malvina. Vejam só, ninguém em sua casa gostava de comer: o genro sofria de úlcera e fazia dieta, a filha comia pouquíssimo e o neto de cinco anos era inapetente como a maioria das crianças pequenas. Morto o marido, ela ficou sem ter quem comesse com gosto as bacalhoadas, os tabuleiros de empadinhas, as suas sobremesas divinas. Advinhem quem a salvou da frustração? Pois é, eu mesma. Quando chegava do colégio interno para o fim-de-semana, já me esperavam as empadinhas e outras delícias. Ela sentava à mesa comigo e ficava a me olhar embevecida, enquanto eu passava do bacalhau de forno à cuca de banana e a um pudim de claras e ameixas, chamado Ilha Flutuante, todo meu. Creio que,


nesse momento, eu a fazia feliz, e ela a mim. Essa empatia entre nós duas perdurou até a sua morte, mesmo quando ela não mais cozinhava. Hoje, comer só nos faz sentir culpa. Culpa por que vamos engordar e ficar abomináveis; culpa, porque estamos ingerindo venenos que vão nos trazer enfarto, derrame, velhice precoce, câncer, gota, artrite, titela caída e arca aberta e, o pior de tudo, culpa, porque, enquanto nos abarrotamos, há muita gente que não tem o que comer. Tomando um café descafeínado com adoçante e leite ralo desnatado, roendo um biscoito de fibra com gosto de serragem, fecho os olhos, penso nas minhas musas e tento recuperar os cheiros e gostos da minha infância.


CADEIRA 38 DAGMAR DESTÊRRO E SILVA

JOSÉ NERES 1º . OCUPANTE


NOTA DO EDITOR do Facetubes: "Caríssimo professor José Neres. Publico mais esta resenha sobre o livro de Sharlene Serra, na certeza de que este texto é profundamente espistemiológico, haja vista assemelhar-se abissalmente a um estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas observâncias que você fez, com seu olhar lógico e de alto valor assertivo, atribuindo ao livro, uma importância objetiva e humana. Parabéns". (Mhario Lincoln).

JOSÉ NERES ESCREVE SOBRE O NOVO LIVRO DE SHARLENE SERRA: "ESPELHOS DE EVA" Por: Mhario LincolnFonte: José Neres

Sarlene Serra (Academia Poética Brasileira) e José Neres (Academia Maranhense de Letras).


EVAS REFLETIDAS NOS ESPELHOS DA VIDA José Neres – Professor e membro da AML, ALL e da Sobrames-MA Em um tempo nem tão distante assim, talentosas e criativas escritoras como Xaviera Hollander (1943), Cassandra Rios (1932-2002), Adelaide Carraro (1926-1992) e Anaïs Nin (1903-1977), por exemplo, foram recriminadas e até publicamente execradas por utilizarem uma linguagem considerada obscena e por insistirem em escrever sobre temas que incomodavam pessoas teoricamente mais sensíveis aos escritos nos quais a libido da mulher era tratada de modo mais explícito. Esse caminho foi trilhado também por algumas outras escritoras que viram no universo íntimo feminino um campo a ser explorado e, embora muitas vezes tenham sido mal interpretadas, conseguiram produzir uma obra na qual erotismo, sensualidade e liberdade para explorar as possibilidades do corpo, da alma e das múltiplas formas de vivenciar o amor são evidenciados e transformados em arte. Autoras como Marguerite Duras (1914-1996) e Hilda Hilst (1930-2004) constantemente têm o nome associado a uma literatura que mescla o bom gosto estético e boa dose de elementos picantes em seus textos. Quase no final do século XX, principalmente após o estrondoso sucesso de escritora inglesa Erika Leonard James, com sua trilogia iniciada com o romance 50 tons de cinza, que foi logo roteirizado e vertido para o cinema, esse gênero, antes tão discriminado, acabou ganhando novos seguidores e chamando a atenção do mercado editorial em todo o mundo. A partir de então, livros que antes ficavam escondidos em uma prateleira estrategicamente reservada no fundo de algumas livrarias começaram a ser expostos na vitrine principal, comprados, lidos e comentados abertamente, para horror de algumas pessoas que consideram que a literatura de cunho erótico escrita por mulheres não tem valor estético suficiente para ser discutida em público. Quanta ignorância!… Hoje, embora ainda tenhamos que conviver com preconceitos e desconfiança por parte de quem acredita que esse tipo de conteúdo não deveria ser publicado, ninguém, nem os leitores nem as escritoras, precisam esconder-se por trás de uma diáfana capa de moralismo, de pseudônimos ou de qualquer outro subterfúgio para produzir ou apreciar a chamada literatura erótica de autoria feminina. No Brasil, alguns nomes vêm se destacando, como é o caso de Ariela Pereira (Redenção e desejo), Tamires Vasconcelos (O astro pornô), Tatiana Amaral (A descoberta do Prazer), Camila Moreira (O amor não tem leis) e Rita Queiroz (Confissões de Afrodite), para citar apenas alguns nomes de destaque na literatura nacional contemporânea. Essa vertente literária também tem expoentes nas letras maranhenses, como, por exemplo, Ahtange Ferreira (Marcas indeléveis, Psicopatia, Teu olhar, Clandestino Amor), Eliane Morais (Comensais, Rol das faces), Dorinha Marinho (As diferentes formas do amor), Mônica Moreira Lima (Sexo para maiores de 18 cm, Pirocadas avulsas) e Sharlene Serra (Espelhos de Eva), entre outras que têm surgido nos campos das letras. Claro que há inúmeras diferenças entre os estilos dessas escritoras maranhenses. Cada uma trabalha personagens e enredos de forma peculiar e carrega mais ou menos nas cores do erotismo, nas ironias e até mesmo na carga de romantismo que permeia seus contos e romances. Mas o importante é que todas elas estão conquistando um merecido espaço, tiveram coragem de romper com uma bolha e tomaram a decisão de disponibilizar seus trabalhos para uma sociedade que, muitas vezes, mais julga o autor do que lê os frutos do trabalho desses mesmos autores. Caso especial é o de Sharlene Serra, que é bastante conhecida por seus trabalhos anteriores voltados para o público infantojuvenil, pensando na inclusão e na denúncia social. Então, com esse histórico, pode ter causado espanto para muitas pessoas a decisão dessa escritora de publicar um livro com temática destoante das demais. Mas isso não tem o menor sentido, pois todo escritor tem o direito de alterar as rotas de sua produção e tentar atingir outros públicos sem que isso signifique abandono de alguma causa ou incoerência. E isso deve ser respeitado. Em “Espelhos de Eva” (editora Estampa: Imperatriz, 90 páginas), sua mais recente produção, que teve uma edição anterior em 2019 e voltou repaginada, em 2021, com novo projeto gráfico, a escritora transita pelo universo dos contos de fada, mas agora com um olhar voltado para o público adulto e com alguns questionamentos que já apareceram em livros anteriores, mas que são retomados sob outros prismas e em uma linguagem que oscila entre as metáforas e o desejo de transformar o entorno. O enredo do livro é aparentemente simples: depois de um dia de intenso trabalho, Eva tem uma noite insone e isso a faz pensar na vida, em seus desejos e possibilidades. Misteriosamente, seu espelho quebra e, após recolher os cacos, Eva repassa mentalmente algumas situações corriqueiras e mergulha em um mar de desejos represados. Sem ter o que fazer e por já haver percorridos as redes sociais, Eva se refugia nas páginas de um livro que traz como figura central Bianka Fernandes das Neves, uma jovem que traz em seu passado diversos casos de abusos, preconceitos e perseguições. A leitura desse livro leva Eva a diversas reflexões que são revistas página a página.


Nesse livro, Sharlene Serra aposta na retomada de arquétipos que ressaltam a visão maniqueísta na qual o mundo está dividido em duas partes que se opões e ao mesmo tempo se completam: o bem e o mal. As relações intertextuais são bastante explícitas e se revelam desde o título e perpassam pela metáfora que relaciona o ato de morder o fruto proibido (simbolicamente uma maçã) e logo depois sair da zona de conforto para adentrar em um terreno no qual os pecados imperam e corrompem uma pureza que deveria carecer de proteção. Muitas são as referências intertextuais que permeiam a obra, desde o mise em abyme, (que lembra as Mil e uma noites e que serve como base estrutural da narrativa), até a identificação das personagens: Bianka das Neves (que remete à Branca de Neve), Dona Angelina (lembrando pureza angelical de uma genitora); Maria Luíza (referência icônica a Lúcifer, mas que também simboliza os arquétipos da bruxa, da madrasta e da rainha má), Eulália (a madrinha que aparece para trazer não apenas um presenta, mas também revelações), Martha (a mulher que está morta em plena vida), Vinícius (o príncipe encantado capaz de qualquer sacrifício para salvar sua amada), o uso do espelho como forma de passagem para a descoberta de novas realidades, como ocorre com a Alice de Lewis Carroll e outras tantas metáforas utilizadas na construção do texto. Ao longo da narrativa, Eva, ao entrar em contato com as histórias contadas por Bianka, acaba conhecendo fatos que se multiplicam no tempo e no espaço e que refletem nos fragmentos do espelho quebrado algumas situações tão corriqueiras que acabam sendo vistas como normais e comuns, mas que não deveriam acontecer e que são constantemente eclipsadas por outras tantas cargas de sofrimento que rondam a humanidade como um todo. Dessa forma, a autora aproveita o enredo de seu livro não apenas para denunciar casos de pedofilia, abusos sexuais, relações abusivas etc., mas também para explorar as diversas fases da sexualidade da mulher e como isso pode ser visto e (pior) julgado por uma sociedade que nem sempre está disposta a compreender e auxiliar o próximo, mas que encontra tempo para colocar na berlinda quem tenha a ousadia de tentar sair de um padrão estabelecido por quem se julga dono de uma verdade inconteste. Uma excelente ideia da autora foi mesclar poemas com trechos da narrativa. Um e outro se completam e formam um todo bastante interessante, mas que podem também, em alguns momentos da obra, ganhar ares de independência, sendo, porém, melhor aproveitados em seu conjunto. A preocupação da autora mais com o conteúdo e com o ritmo do que com as formas clássicas e com os jogos rímicos deu maior naturalidade aos trechos e valorizaram o olhar prismático do livro. O diálogo entre as formas é essencial para a tessitura do texto e das malhas que entrelaça ações e pensamentos. É possível perceber claramente ao longo do texto a intenção de valorizar a figura feminina em sua integridade. Isso se reflete no tom pedagógico que a obra assume em alguns momentos, mas que poderiam ser diluídos dentro da experiência de vida das diversas personagens ou trabalhadas de modo menos condensado, para não assumirem o tom de propaganda ideológica pessoal, mas sim de tomada de atitude das personagens ou da narradora. Isso, porém, não afeta a leitura nem a experiência oportunizada pelo contato do leitor com as diversas facetas femininas que atravessam a obra. No todo, Espelhos de Eva é um livro de agradável leitura. em suas páginas é possível encontrar um equilíbrio entre erotismo, crítica social, ficção, aspectos da realidade circundante, elementos simbólicos e muitos, muitos questionamentos acerca da forma como a mulher é vista, explorada e até mesmo usada pela sociedade ao longo da história da humanidade, sendo, inclusive, a Rainha uma personagem que explora diversos aspectos contraditórios, pois ela, que apresenta sempre um perfil de força e empoderamento, é questionada em suas ações por personagens que querem cultivar valores, mas que não conseguem visualizar na Rainha uma determinação de saber-se proprietária de seu próprio corpo, de seus desejos e de sua história. Sharlene Serra, neste seu livro, levanta questionamentos que fazem parte da temática de outros de seus trabalhos voltados para crianças e adolescentes. Aqui podem ser encontradas denúncias contra o abuso de menores, defesa das pessoas com deficiência, preocupação com a educação, reconhecimento do valor das mulheres… Mas agora dialogando um público diferenciado e que já tem discernimento suficiente para não confundir a substância com a forma nem a autora com sua obra.


LINDA BARROS FAZ HOMENAGEM A JOSÉ NERES COM RESENHA DE "AZULEJOS EM PAPEL DE JORNAL" José Neres faz aniversário neste 17.02. Por: Mhario Lincoln Fonte: Linda Barros

Linda Barros e José Neres CRÔNICAS EM AZULEJOS DE PAPEL JORNAL Linda Barros A vida tem seus sabores e dissabores. O mundo e suas revoluções, por outro lado, corroboram para que mudanças sejam feitas e principalmente, sejam aceitas. Nesse entremeio, está o avanço tecnológico, que a cada dia amanhece com uma novidade, fazendo com que o que é tradicional seja deixado de lado. O século XXI chegou trazendo os sabores e dissabores da vida e dos séculos anteriores. Como na vida, “el reloj no da vuelta hacia atrás”, temos que nos habituar com as mudanças recorrentes do novo século. Uma das mudanças mais vigentes do novo século, se refere à tecnologia e suas revoluções, tendo a internet como a principal mudança desse meio. A web chegou com força total e revolucionando tudo e levando todos à sua volta. Os meios de comunicação tiverem que se adaptar e se adequar às novas mudanças, ou seja, tudo se transformou em digital: livros, revistas, periódicos, canais de televisão, as tracionais bancas de revistas, enfim, tudo está no novo digital. Dentre todas as publicações impressas que deixaram de circular, estão os jornais ou periódicos, que em sua grande maioria foram sumindo. Hoje em dia, o que existe é a saudade do barulhinho do jornal caindo no terraço da casa dos assinantes. E para que nossas memórias não sejam esquecidas em páginas amarelas, os autores, cronistas, escritores, deram vida as suas obras, como um grito de socorro para que suas letras e ideias não sejam esquecidas ou mofadas em algum rincón virtual, de quase nenhum acesso. Foi o que fez o escritor e Acadêmico José Neres, quando lança Azulejos em Papel Jornal (Academia Maranhense de Letras, 2019, 189 páginas), uma obra que não pode ser considerada como um grito no silêncio da nova geração


midiática. O compêndio é um resgate dos textos publicados nos principais jornais da capital maranhense, como em O Estado; e, também, no periódico Correio do Estado, do Mato Grosso do Sul. Como diz o autor na apresentação da obra, “devo às páginas dos jornais acima citados e de outros de poder escrever sobre assuntos diversos, de repensar ideias e de divulgar meu nome entre leitores de variadas faixas etárias e de diferentes classes sociais”. Com isso, o escritor deixa o leitor mais próximo de si e do conteúdo da obra em questão. Azulejos em Papel Jornal é uma obra de relevante valor acadêmico e social, pois, o mesmo traz histórias de vida do próprio autor, mas de forma muito particular e que envolve o leitor menos atento, com narrativas do dia a dia, mas que de certa forma, todos acabam se identificando com elas. José Neres inteligentemente dividiu a obra em três partes. A primeira, começa com crônicas e artigos relacionados com o cotidiano, os acontecimentos que vida pós-moderna nos oferece, trazendo nessas crônicas, angústias e questões que nem sempre são respondidas pelo autor. A segunda parte, traz os textos que discutem sobre todas as artes, como bem disse José Neres “acredito que a arte é o alimento para a mente e para a alma, e sem essa forma de nutrição toda a sociedade tende a fenecer sem deixar vestígios”. Daí dizer o tamanho da riqueza cultural que se pode encontrar nessa obra. A terceira e última parte e não menos importante, estão textos relacionados com a educação, ou com os problemas educacionais, outro tema de profunda discussão, haja vista a situação atual em que se encontra nosso país. Essa última e delicada temática, traz reflexões de cunho acadêmico, onde o leitor é capaz de se deleitar por horas e ainda assim, fechar o livro com a cabeça angustiada por essa problemática que assola nossos jovens estudantes e a nossos sofridos docentes. Azulejos em Papel Jornal, foi editado pela Academia Maranhense de Letras, levando o selo da mesma, com texto de apresentação do próprio José Neres, e, como já foi dito, nessa sequência: Os Cotidianos que Rodeiam, com vinte crônicas; As Artes em nossos Olhos, contendo catorze artigos com temáticas sobre artes e por último, Entre os Muros da Escola, contendo vinte e três textos temáticos sobre Educação. Por fim, a referida obra pode e deve ser estendida às prateleiras de bibliotecas das mais diversas instituições de ensino, tanto superior quanto nas escolas públicas e privadas, para assim, fazer discussões pertinentes aos temas envolvidos.


UMA HOMENAGEM AO IMORTAL AML, PROFESSOR JOSÉ NERES "Ele é um peregrino usual e intelectual, cruzando estradas composteladas dentro da própria alma" Por: Mhario LincolnFonte: Mhario Lincoln

Neres: manejo e aplicação da inteligência sóbria (Mhario Lincoln) Para traduzir José Neres enquanto pessoa humana não há mistérios, porque no primeiro contato direto com ele, a mim pareceu entrar numa máquina do tempo e ir buscar a presença de Carl Sagan, nessa lógica: “Saber muito não lhe torna inteligente. A inteligência se traduz na forma que você recolhe, julga, maneja e, sobretudo, onde e como aplica essa informação”. Exatamente um dos pontos nevrálgicos da personalidade forte de Neres reside em “onde e como aplica essa informação”. E como eu sei? Porque meu filho foi aluno dele, enquanto residíamos em São Luís. E todo mundo que o teve como mestre, desnuda elogios diferenciados ao professor José Neres. Sim e por uma razão: ele é um peregrino usual e intelectual, cruzando estradas composteladas dentro da própria alma e consumindo livros, por necessidade biológica. Vivenciador da origem, pensador de efeitos ácido-nucleicos diferenciados, cujo DNA explicita uma linhagem com mais células de suporte, do que a média das pessoas. Aí entra um fator da personalidade indelével de José Neres: "(...) a humildade ainda é a parte mais bela da sabedoria". Essa força ativa ajuda-o a determinar o relacionamento das pessoas, baseado em seu padrão de interação social. Logo, amigos, leitores e fãs se inteiram do universo neriano e o traduzem como referência nos pensares, nas arguições e nas atitudes; como eu. A propósito da abastança conceitual de José Neres, chamo para conversar a cientista, pesquisadora e educadora americana Marian Diamond, considerada uma das fundadoras da neurociência moderna, mostrando o cérebro como estrutura dinâmica, "(...) nunca estática. Então, no meu bestunto de escrivinhador, passei a entender que, quanto mais se capta variações e se provoca uma ebulição hipotalâmica, mais a capacidade de aprendizagem aumenta e impregna a tendência


pessoal de criar, no artista, no escritor, no físico ou no poeta. É assim que se dá, a partir do cérebro, a criação humana. Volto a minha tese sobre a qual, só o talento não é suporte para a criação humana deslumbrante. "Sicut ad productionem", o leitor mais atento de José Neres, descobre, de chofre, essa tendência: abocanhar o universo de informações que lhe possam ser úteis para produção de tantas obras importantes e, como consequência natural, receber o Prêmio Odylo Costa, filho, concedido pela Prefeitura de São Luís pelo livro Resto de Vidas Perdidas; Prêmio “A Importância do Livro no Brasil do Século XX”, concedido pela Academia Brasileira de Letras em parceria com o jornal Folha Dirigida e “Medalha do Bicentenário de João Lisboa”. Logo, esse caminho o levou à Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 36, como sucessor de outro grande nome, Ubiratan Teixeira. Essa é a base inequívoca do conhecimento de José Neres. Como aquela gota única, vertida por sobre o ramo de palma e da coroa de louros, no podium dos heróis. Enquanto lá fora, chove a cântaros!... Vale ressaltar, enfim, que todas as vitórias das pessoas boas revelam uma grande simplicidade de espírito, e que, ainda, um bom espírito sempre ajuda a dirimir dúvidas pertinentes a complexa hermenêutica da imortalidade acadêmica. Destarte, caro amigo José Neres, receba meus mais sinceros parabéns neste dia de seu aniversário e relembre nossa entrevista recente. VÍDEO BÔNUS: com a participação do jornalista GABRIEL BARROS NERES.


CADEIRA 40 JOSÉ RIBAMAR SOUSA DOS REIS

ROBERTO FRANKLIN 1º OCUPANTE


CONVERSA AO TRAVESSEIRO Paul, um funcionário público de uma pequena cidade no interior de um país fictício situado a Europa, era assim, uma pessoa isolada com poucos amigos, poderíamos afirmar um solitário, sempre nas conversas a nível familiar ou com amigos sua voz nunca era percebida, só era escutada quando alguém necessitava de um favor seu, aí todos pediam e ele sempre atendia, as raras vezes que se sentia acompanhado era quando ia a um show, onde dezenas ou centenas de Paul, se encontravam mesmo sem falar nem mesmo sem se conhecer, pensava que no meio a tantos, ele fazia parte e não se sentia um. Sem conversar, sem planos para dois no presente ou quem sabe no futuro, sem uma companhia para trocar ideias, sem poder ser escutado, Paulo com seu sofrimento solitário passava suas manhãs e tardes consigo mesmo, á noite não, a situação mudava e sempre dormia acompanhado, a noite ele não era um solitário. Devido a toda sua solidão durante boa parte do dia ele podia deitar e falar tudo que o incomodava, fazer planos unitários, resolver problemas que não podia resolver, sua companhia sempre calada, era tudo que ele estaria precisando. Quem seria sua companhia? - Bem, vamos em frente. Pergunto, quem nunca durante a vida se sentiu só, quem, em noites de solidão, ou até mesmo nas noites com insônia, deitava levando seus problemas para a cama, pois ao redor de Paul ninguém o ouvia, ninguém o ajudava, bem que ele gostaria de compartilhar ou até mesmo conversar, e ter a sensação de que no dia seguinte estes problemas estariam resolvidos, ou mesmo dormiu com fatos acontecido e que só, e sem ninguém para compartilhar teve de enfrentar as 8 horas de uma noite sem pregar os olhos que seriam para sua recuperação, e que infelizmente pela sua situação solitária notasse que os problemas roubassem seu sossego. Paul nosso solitário amigo, quando se dirigia ao seu quarto para se deitar em sua cama durante à noite, tinha como norma na sua solidão noturna eleger o seu travesseiro como companhia, e nele tentar iniciar um diálogo, ou melhor um monólogo em noites de insônia. Nele, o Paul descarregava todas suas dúvidas, planos, tentava obter resultados, tentava amenizar possíveis culpas, elegeu seu travesseiro como companhia, seu confidente, procurou nele as soluções que no seu dia não encontrava, até porque ninguém o ouvia e no decorrer da vida ele percebeu embora irritado que sua voz nunca seria ouvida e à noite ao conversar com o seu amigo travesseiro, poderia chorar suas lágrimas ou até mesmo compartilhar suas felicidades. Assim ele mesmo afirmava, e fazendo uma analogia ao “pillow talk”, nome dado ao momento logo após o sexo (conversa de travesseiro), que ele se abria e podia naquele momento dizer coisas que não falaria em situações normais e que sempre seria ouvido. Paul fez do seu travesseiro ponto de partida, para mudar o dia anterior, seus maiores e melhores planos foi ele quem o ajudou a traçar, mesmo em silêncio ele falava través de seus pensamentos, o que em determinados momentos se negava a acreditar e a sonhar. Na infância ele servia de companhia quando os seios de sua mãe partiam e passavam noites só, na adolescência, coitado ele era pesado, quase não tinha força para no dia seguinte arrumá-lo, era pesado de tantas queixas. Ao repousar sua cabeça sobre ele, algo diferente iniciava, não sabia se a tenção do dia a dia diminuía, ou seu sangue esfriava, percebia que algo começava a acontecer, uma mudança, uma transformação, poderia ou não acontecer, os problemas seriam ou não resolvidos, a paz poderá vir ou não, e que no dia seguinte, seus problemas através da “Conversa de Travesseiro” que na verdade era simplesmente a conversa com o seu travesseiro, tudo no dia seguinte estaria resolvido. O ano passado 2021, vivemos os piores momentos, um ano que com certeza muitos de nós não sonhamos, deixamos ele, o travesseiro mais pesado, com nossos medos e questionamentos, não sabíamos o que poderia acontecer no dia seguinte, as notícias eram terríveis, a todo momento éramos bombardeados pela falta de alguém que partia, éramos bombardeados por informações e questionamentos a respeitos de medicações, vacinas, uso de máscaras, luvas, álcool em gel etc, a ,política sempre foi uma pedra nos nossos


sapatos, em 2021 então nem se fala, decisões não tomadas, compras que não foram realizadas ataques a inocentes, e ao povo. Acredito que os travesseiros de 2021 todos, estão disformes devido a tudo que passamos. Esperamos que o ano que inicia possa ser um ano bem melhor mais leve que tenhamos que compartilhar com o nosso amigo, O Travesseiro somente alegrias, enfim chegamos enfim em 2022, as notícias não são as melhores, gripe, covid estão presentes com isso voltamos à estaca zero. Pobre travesseiro!


BAILE DE MÁSCARAS Quando menino ainda de calça curta, escutava várias histórias a respeito de nossa cidade e de seus habitantes. Estávamos em pleno carnaval, isso entre os anos 50 e 60, época em que nasciam, praticamente, os bailes nos clubes sociais e os famosos, glamorosos bailes de máscaras. Esses bailes, promovidos pela nossa sociedade privilegiada, aconteciam nos saudosos clubes sociais, como o Jaguarema, o Grêmio Lítero Recreativo Português, ambos situados no bairro do Anil, e o nosso clube central, situado em plena Beira-Mar, o Cassino Maranhense. Para quem não era associado a nenhum dos três clubes citados, a diversão no Carnaval se dava nos bailes em outros locais, entre os quais destacamos o famoso Berimbau, Bigurrilho, Saravá, Gruta do Satã, Rei Pelé e o Clube dos Sargentos e Subtenentes localizado no bairro do João Paulo. Conforme pesquisa realizada através do Blog do Reginaldo Cazumbá, os referidos bailes chegaram ao auge entre 1940 e 1950, sendo que em 1965 o então prefeito de São Luís, o senhor Epitácio Cafeteira, proibiu o uso das máscaras, era apenas permitido o uso do fofão. Devo acrescentar que o traje de carnaval para os frequentadores era o fofão, e uma máscara de meia preta com o nariz avermelhado, abertura somente na boca e nos olhos. E para que ninguém desvendasse o mistério a respeito de quem seria a pessoa por debaixo da máscara, amarravam-na pela parte de trás na nuca, para que ninguém tirasse. Com a proibição, os bailes rapidamente caíram de frequência e, por conseguinte, os levou a extinção. O que gostaria de relatar, depois de contar uma breve história dos bailes de máscaras aqui em São Luis, aconteceu quando ainda era muito menino. Contavam o que acontecia nos referidos bailes, e eu, como bom observador, ficava somente a escutar, embora às vezes não entendesse muito o acontecido. Inúmeros casos ouvi contar, que realmente não sei se tinham alguma verdade ou se era somente folclore de adultos. Zequinha era um homem trabalhador, pagava seus impostos, um homem simples, cometido e descomplicado, não tinha vícios, apenas o tal do Carnaval era o seu lado fraco. Casado com uma mulata chamada Zuleica, conhecida na família como Zu, era realmente uma mulata da qual, como diziam, fechava o quarteirão, uma mulher linda com os quadris maravilhosos, os seios vastos empinados, ainda não haviam dado de mamar a crianças, uma pele achocolatada, rosto simplesmente majestoso. Veio do interior e logo se engraçou pelo seu Zequinha. Zu, como uma boa interiorana simples e recatada, tinha certa ingenuidade, poderíamos até a afirmar que não sabia tanto acerca de sua beleza. Era cheia de amor e carinho para com o seu esposo. Ele trabalhava o ano inteiro e no Carnaval pedia uma carta de alforria para a sua majestosa esposa, com o justificativa de que ia olhar o Carnaval de rua de São Luis, e que pela formosura de sua mulher não seria conveniente levá-la, pois alguns despreparados poderiam tomar gosto com ela, e isto seria um caos na folia de nossa cidade. A famosa Zu, nem discutia, pois além de não estar acostumada com Carnaval, achava uma verdadeira bagunça, e ainda exclamava ao Zé: “Meu bem, não sei por que você gosta tanto desta festa, é só gritaria, bebedeira”. Sempre ingênua e linda, a pobre Zu acabava por concordar, pois era avessa a confusões, acreditava piamente em seu Zequinha. Pois bem, chegando o Carnaval, mais uma vez o tal do Zequinha pegou sua licença e saiu, só que, contrariando o dito, ele sempre se dirigia à casa do amigo Paulo, que em todos os carnavais o ajudava e participava da trama, contra a pobre da esposa. O que ele realmente ia fazer era vestir o seu fofão colocar sua máscara e os dois partiriam para o baile. Ali chegando, o trabalhador honesto chefe de família e pagador de seus impostos virava o bicho, a única coisa que não fazia era beber, pois dizia que tinha problemas no fígado que o impedia. Do resto o tal raparigueiro era rei, dançava, se divertia fazia tudo o que não fizera durante o ano. Assim aconteceu por muitos anos, sempre enganando a pobre Zu. Ele tinha sempre uma preocupação, nunca ficava até o fim, pois poderia dar o que falar. Sempre antes do final do baile voltava para a casa do amigo Paulo, banhava-se para tirar o suor, voltava a se vestir com as roupas que deixara e ia para a casa de volta, sempre alegava que banhava para retirar a maisena do mela, mela que ainda existia na cidade na época de carnaval. Não sei o que fazia com a roupa, pois a majestosa Zu nunca reclamou. Servia o jantar, enquanto ele, por sua vez, inventava várias histórias, ela acreditava e ambos iam dormir, pois na época não existia o Carnaval pela televisão, e assim se preparava para que no dia seguinte novamente o teatro pudesse ser armado. Sabemos sempre que a sorte as vezes falha. Num determinado dia uma mui amiga da Zu chamada Joana, Jô, cuja língua não cabia na boca, a encontrou, e conversa vai, conversa vem, falou “sem querer”, que durante o Carnaval sempre via seu amado marido entrando na casa do seu amigo Paulo, que era seu vizinho. Zuleica, como toda esposa que ama incondicionalmente seu marido, não quis acreditar que seu verdadeiro amor pudesse está aprontando, se recusou a acreditar naquelas afirmações que para ela eram incabíveis. Zu logo se estranhou com a amiga, porém ficou


“com a pulga atrás da orelha”, como popularmente se fala. “Será que meu Zequinha, a quem dediquei a vida toda, em quem nunca notei quaisquer deslize, pudesse me enganar, será que isso tudo é verdade?” Podemos afirmar que a noite da pobre Zu foi de insônia total, se mexia para um lado, mexia para o outro, mas seus pensamentos não a deixavam dormir. Pela manhã, com os olhos marcados pela falta de um bom sonho, serviu o café, tomou banho, se vestiu alegando que ia fazer uma visita a uma amiga que aqui chegara e que por muito tempo não a via, mas na verdade ia mesmo era falar com a amiga que a princípio seria a fofoqueira da questão. Saindo de casa se dirigiu à casa da amiga Jô, no trajeto os pensamentos as dúvidas a incomodavam bastante, e se perguntava como poderia saber a verdade, como fazer para saber se o marido estava aprontando. Chegando a casa da Joana, relutou em bater e entrar, mas se assim não fizesse, como saberia a verdade? Tomou coragem, bateu, foi recebida pela amiga com um sorriso amarelado, entrou, sentaram em um sofá e de imediato a Jô tratou de se desculpar, afirmando que se metera onde não era chamada, mas que como era amiga, não suportaria deixar a Zu ser enganada por tanto tempo. Ânimos serenados, desculpas pedidas e aceitas, tomaram a decisão de efetuar um plano para pegar o traidor com a mão ou qualquer coisa que seja na botija, ou em outro lugar. Plano vai, plano vem, Jô deu a ideia de que a única maneira de pegá-lo seria entrar no baile de máscara. Imediatamente a Zu perguntou: “Como? Estás louca? Entrar num baile de máscaras, ele me mataria se descobrisse”. Jô, logo respondeu: “Sabe Zu, tenho umas amigas da pá virada e sei que elas frequentam esses bailes vestidas a caráter, podemos ver com elas se dispõe de fofões e máscaras a mais, então pedimos quem elas nos emprestem sem falar o verdadeiro motivo, ou melhor para não dá o que falar. Eu peço para mim e para uma amiga, omitindo teu nome”. É claro que Joana gostaria de frequentar o Carnaval também, mas não tinha coragem e roupas para ir ao baile. Foi até a amiga, conversaram, e imediatamente recebeu a vestimenta, que a transformaria. Voltando, encontrou Zu pálida, nervosa, com as mãos suadas, cara de será que faço ou não. Convencida pela amiga dela e do capeta, Zu vestiu-se. O fofão, como não fora feito sob medida, ficara um pouco apertado marcando com isso a magnífica silhueta da morena Zu. Era tudo o que um cara mal queria, aquele tesão provocando os mascarados do baile. Na entrada do baile, aquela parada para visualizar o salão, verificar pela discrição da Jô o fofão que o traidor estava usando. Localizaram o dito, botaram o plano em ação, ela ia provocá-lo até que ele a tirasse para dançar. Como as duas estavam sempre juntas, foi combinado que depois ela pediria para ir ao banheiro e a Zu passaria a ser o seu par, o que levaria imediatamente a ser desmascarado o pobre coitado. Só que pela formosura da morena veio imediatamente um outro fofão e a pegou pela cintura e a levou para o salão. Zu, que nunca foi atacada dessa maneira, relutou, mas pela pegada do cabra ela acabou deixando e se entregando. Olha passaram-se horas, a Zu e o seu par dançando no meio do salão, ele louco pelo corpo da morena, ela se deixava apertar pelo fofão desconhecido. Primeira vez, a Zu sentira ser uma mulher de outro homem, isso a deixava louca, na cabeça dela estava adorando aquela situação, nunca pensara que fosse desejada por mais alguém, nunca pensara que ao, ser abraçada daquela maneira, pudesse ter tanto prazer, para ela sua vida se resumira tão somente ao casamento e jamais poderia imaginar se entregar a outro homem. Meus amigos a Zu, morena de parar o trânsito, gostou, não quis saber de barraco: sua vingança seria sair depois e entrar naquele baile que jamais poderia imaginar que fosse tão prazeroso, e em uma noite ser de vários fofões. O Zequinha, bem, estava lá. Com certeza jamais imaginaria sua Zu naquele recinto. Somente uma coisa a morena teria que fazer, como sabia a hora do marido chegar em casa, ela sempre se antecipava para chegar primeiro. O certo era que, quando Zequinha chegava com as desculpas, a sua formosa Zu já estava em casa, banhada com sua camisola e seus sonhos eróticos, que a deixavam dormir em bailes sem fim. RobertoFranklin - ALL, ALTO, AVLA, AMCL, SCLMA


PEDRAS MARCADAS Obaervo as pedras que formam o piso da área de lazer na minha casa, vejo o tempo que ainda não passou, do meu quarto vejo os dias que se foram, vejo nas lembranças o que aconteceu nestes anos, vejo alegrias e tristezas, vejo que por elas pisaram muitos que hoje já não estão mais aqui. Pelas pedras que hoje observo do meu quarto, vi meu pai e minha mãe passarem, vi o sorriso de papai, suas brincadeiras, e vi também a sisudez de minha mãe, vi irmãos, meus sogros, pessoas amigas vindas de outros estados. Pelas pedras que hoje observo daqui deitado, no meu quarto, vejo meus irmãos assistindo à copa do mundo, observo as alegrias e tristezas, vejo os sorrisos e lágrimas dos meus filhos menores. Vejo solidão e companhias. Nas pedras que hoje piso, estam gravados o silêncio de um sábado; ainda ouço as palavras, vozes, sinto o aroma de churrasco, de uma peixada em panela de barro, sinto até o aroma proibido de um cigarro, algazarras, gritaria de meus filhos ainda menores, ouço o arrependimento. Quantas águas pelo tempo derramadas sobre estas pedras em forma de chuva, em dias de tormentas. Não foi possível apagar tantas lembranças, quantas vezes o tempo tentou apagar, impossível, pois foram momentos vividos intensamente com amor e alegrias, com palavras e sentimentos que jamais o tempo apagará. Observo que ainda estão esculpidas as pegadas de muitos, principalmente em época de copa do mundo, quando recebíamos os familiares e os amigos, momentos alegres e tristes, comidas e bebidas para tantos, foguete a cada gol do Brasil, lágrimas a cada gol dos adversários. Observo nossos filhos ainda pequenos, a minha Lu a enfeitar nossa área para festejar os aniversários, as brincadeiras, os sorrisos dos meus filhos, dos seus amigos, que hoje, senhores e senhoras, ajudaram a formatar minhas lembranças. Saio do meu quadro em direção à churrasqueira, ao pisar sobre as pedras sinto como que estivesse pisando em areia movediça, que me prendem ao passado, fazendo das lembranças minha algema, noto em algumas pedras gotas de água, como que lágrimas sentindo a falta dos acontecimentos passados. Paro, não ouso mais caminhar, os momentos vividos prendem-me, fico paralisado neste momento, passa um filme, principalmente dos meus filhos quando pequenos a correr, a banhar de piscina, a pedir bicicletas. Ouço ao longe uma voz masculina a se aproximar, na verdade era um canto, este canto era de carnaval, a voz era do meu irmão, que um dia partira deixando cravado nas pedras da minha casa seu amor, seu sorriso, suas gozações. Ao longe escutava “Eu quero é botar/ meu bloco na rua/ Brincar, botar pra gemer/ Eu quero é botar/ meu bloco na rua/ Gingar, pra dar e vender...”. Pois bem, tudo isso foi marcado nas pedras que formaram minha vida em minha casa. Hoje o tempo passou, ficaram somente as marcas das alegrias e tristezas, ficaram as lembranças de dias felizes. Hoje ficam somente minhas lágrimas, que derramo, pelos sorrisos que um dia dei.


JOSÉ RIBAMAR SOUSA DOS REIS

Em vinte e dois de março de 1947 nascia em São Luís o historiador, pesquisador e poeta José Ribamar Sousa dos Reis, filho de Antonio Sebastião dos Reis e de Rosy Sousa dos Reis. Se estivesse vivo, estaria hoje completando 75 anos. Reis confidenciava aos seus filhos que, se algum dia quisessem lembrar dele, que o fizessem ouvindo a música Meu Velho, de Altemar Dutra, por achar que seria recordado logo no início através do verso “É um bom tipo, o meu velho”. Nesse sentido, peço aos filhos que não esqueçam do pedido e que hoje, pelo menos uma vez, ouçam essa belíssima canção composta por Altemar Dutra. José Ribamar S. Reis é patrono da cadeira de número 40 da Academia Ludovicense de Letras, sendo o seu primeiro ocupante. Na sua trajetória literária, Reis foi pesquisador, historiador, jornalista e poeta. Era descende de nomes ilustres das letras maranhenses, tais como Soterro dos Reis, Trajano e Maria Firmina, a primeira romancista maranhense e patronesse da nossa Academia. Preocupado com o futuro da nossa cultura, idealizou a tão aclamada “Maranhensidade”, a qual consistia em caracterizar o modo de ser dos maranhenses, sua cultura, sua culinária etc. Em 1999, escreveu uma coluna no Jornal Pequeno intitulada A TRINCHEIRA DA MARANHENSIDADE, através da qual promoveu nosso folclore, nossas festas e a nossa tão rica culinária. Reis sempre foi um amante da nossa cultura, deixandonos uma vasta obra literária, composta tanto por livros publicado quanto por livros a publicar. Nesta data, gostaria de prestar minha homenagem a quem um dia amou nossa cidade, seus filhos e netos; amou nosso folclore, nossa história nossa culinária. Amou e foi muito amado por todos nós maranhenses.


SÓCIOS HONORÁRIOS/ CORRESPONDENTES / LITERATURA LUDOVICENSE/MARANHENSE


195 ANOS DE CÉSAR MARQUES por EUGES LIMA (historiador) “Apaixonado em extremo pelo estudo da nossa História, passou César Marques grande parte da sua vida, [...] investigando os arquivos, levantando dados e reconstituindo fatos, e, desta maneira, adquiriu tal soma de conhecimentos, que se tornou, inquestionavelmente, depois de João Francisco Lisboa, o maior historiador do Maranhão.” Jerônimo de Viveiros (1954)

A 12 de dezembro de 2021, completaram-se 195 anos do nascimento do historiador maranhense, César Augusto Marques, autor do “Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão [1870]”. Este, que foi o principal trabalho desse autor e o que o consagrou como historiador, não só no Maranhão, no Brasil, mas também fora do país, foi considerado um “bíblia” para quem desejava conhecer ou pesquisar algo sobre a história do Maranhão, a bem da verdade, passados cento e cinquenta e um anos de sua publicação, até os dias de hoje, ainda não é considerado prudente, pesquisar e escrever sobre nossa história, sem antes consultar o Dicionário de César Marques, tal a importância dessa obra. Em 2011, quando recebi o honroso convite para ocupar uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), me foi à época, colocada algumas opções de patronos de cadeiras que estavam vagas e entre essas, estava a de N.º 22, patroneada por César Marques, não pensei duas vezes e escolhi logo esta. Para mim, era, e ainda é, uma honra muito grande ocupar uma cadeira que tinha como patrono esse ícone da nossa historiografia. Mas os meus antecessores na cadeira também eram motivos de orgulho. A cadeira de N.º 22 no IHGM foi fundada em 1925 por Domingos Perdigão, sucedido pelo seu filho, Fernando Perdigão, que teve como sucessor, Travassos Furtado que por sua vez, foi sucedido pelo historiador Carlos de Lima até o seu falecimento em 2011, meu antecessor na Cadeira. A partir de então, passei a ficar atento a tudo que dizia respeito ao meu patrono, primeiro para obter subsídios para escrever o nosso discurso de posse que foi proferido em 25 de maio de 2012, mas depois, para me aprofundar na biografia e na obra de César Marques. Pesquisando o acervo do IHGB no Rio de Janeiro, tive acesso a pasta que pertenceu a César Marques como membro titular do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro. Ele foi um sócio ativo e assíduo dessa Instituição, sempre contribuindo com artigos na Revista do Instituto e participando das sessões com a presença de D. Pedro II. Nessas pesquisas, descobri que César Marques chegou a ser terceiro Vice-presidente do IHGB. César Augusto Marques nasceu na cidade de Caxias, Maranhão, no Largo do Poço, em 12 de dezembro de 1826, filho de Augusto José Marques e da caxiense Maria Feliciana Marques. O pai era boticário, oriundo de Caldas da Rainha, Portugal, que se estabeleceu em Caxias, em 1814. César Marques teve três irmãos, o Comendador Augusto César Marques, Adelaide Maria Marques e Guilhermina Maria Marques. Tinha ancestralidade na nobreza portuguesa, descendia dos Berredos de Lacerda e do famoso cronista colonial do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo e Castro, autor dos Anais Históricos do Estado do Maranhão. Em 1844, com dezoito anos, César Marques foi para Portugal, estudar Medicina em Coimbra, mas após dois anos, foi obrigado a interromper os estudos e retornar ao Maranhão, pois a Universidade foi fechada em virtude da revolução “Maria da Fonte”. Depois de um período de três anos que estava de volta ao Maranhão, resolveu retomar seus estudos, mas com a demora das convulsões politicas em Portugal, dessa vez, seguiu para Bahia em 1849 para cursar medicina na Faculdade de Salvador. Conclui o curso em 1854, obtendo o grau de doutor em medicina com a tese “Breve memória sobre clima e moléstias mais frequentes da província do Maranhão”. Na Bahia, casa-se com Maria Joaquina Régis, dessa união nasceu uma filha, Eugênia Laura Evangelina Marques. Nessa província deu início a sua carreira profissional entrando para o corpo médico do Exército Imperial, assumindo a patente de alferes, em seguida veio servir no Maranhão, sendo transferido em 1856 para Manaus, onde lecionou matemática no Liceu amazonense. No ano seguinte, retorna novamente ao Maranhão, assumindo vários cargos ligados à saúde pública, como Provedor da Saúde do Porto e Secretário da Comissão de Higiene Pública. Com a segunda esposa, Rita de Cássia Marques, teve mais dois filhos, Augusto José Marques e João Batista Augusto Marques. Em 1858, o Dr. César Marques é transferido novamente, dessa vez para a província do Piauí, a partir daí o vai e vem das transferências e o pouco tempo de permanência pelas várias províncias do norte, por força de sua condição de militar, acaba cansando-o, e ele então pede baixa da corporação militar. É nesse momento, quando de sua saída do Exército Imperial, fixando residência em São Luís, com mais tranquilidade, que começa a dedicar-se com mais afinco à pesquisa da história do Maranhão, sempre conciliando as obrigações de médico com o ofício de historiador. Nessa fase, trabalhou como professor de história do Seminário das Mercês, médico da Província, médico da Casa dos Educandos Artífices, médico da Companhia de Aprendizes de Marinheiros, mordomo da Casa dos Expostos e Delegado Literário da Freguesia de N. S. da Vitória. Sua produção é vasta, começa quando ainda era acadêmico de medicina, em Salvador, lá, publicou em 1852, duas traduções do francês, “Provas da existência do outro mundo, fundadas sobre a natureza, história, filosofia e religião” e “ Conquistas da Religião Cristã”, de M.V. Robert. Em São Luís sua produção historiográfica começa a tomar corpo a partir de 1861, quando publica o “Almanaque Histórico de Lembranças Brasileiras”, o primeiro de uma série de três, publicando os outros nos anos subsequentes, 1862 e 1868. Em 1862, lança “Breve memória sobre a introdução da vacina no Maranhão”. Dois anos depois, em 1864, já com certa bagagem em termos de pesquisas históricas sobre o Maranhão, César Marques, publica os “Apontamentos para o Dicionário Histórico, Geográfico, Topográfico e Estatístico da Província do Maranhão”, uma espécie de ensaio para sua obra mais importante, o Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão de 1870. A ideia de se publicar um dicionário histórico-geográfico sobre o Maranhão era algo que acompanhava César Marques desde a época da faculdade de Medicina, em Salvador. Segundo ele, fora sugerido por dois amigos, o Arcebispo da Bahia, D. Romualdo Antônio de Seixas, Marquês de Santa Cruz e o Coronel Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, que constantemente insistiam em cobrá-lo tal empreendimento. Sobre isso, diz Marques: “Dada a palavra, buscamos logo satisfazê-la, e por isso julgamos prudente estudar, e estudar muito a História Pátria.”


A publicação do Dicionário Histórico-Geográfico da província do Maranhão, pela Tipografia do Frias, 1870 e mesmo sua primeira versão, na forma de apontamentos, 1864, representou algo inovador na época, pela abrangência da obra e totalidade como buscou tratar a história do Maranhão. Tivera uma recepção elogiosa na imprensa, rendendo a seu autor muito prestigio como historiador, dentro e fora da província, recebendo importantes condecorações, a exemplo de Cavaleiro da Real Ordem Militar Portuguesa de Nosso Senhor Jesus Cristo, concedida pelo Rei de Portugal e a Imperial Ordem da Rosa, conferida por D. Pedro II. César Marques publicou ainda, “Aos meus meninos, contos úteis”, 1872; “Discurso que por ocasião de colocação da pedra fundamental para a edificação do prédio, onde deve funcionar a escola pública da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição”, 1873. Traduziu no mesmo ano, 1874, pela primeira vez para o português, os dois livros dos capuchinhos franceses, “História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças de Claude D`Abbeville,1614 e Viagem ao Norte do Brasil feitas no ano de 1613 a 1614 de Yves D`Evreux, 1615, além de inúmeros artigos publicados em jornais e revistas. Foi membro de diversas sociedades literárias e científicas regionais, nacionais e estrangeiras, sócio correspondente de praticamente todos os Institutos Históricos provinciais de sua época, fundados a partir de 1862 e 1863, como o pernambucano e o baiano respectivamente. Participou da fundação do primeiro Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão no século XIX, a exemplo do que ocorria nas demais províncias do país, principalmente as do norte. Nesse sentido, afirma Nicolau Dino, no seu livro “O Visconde de Vieira da Silva” (1974): Em 28 de julho de 1864, Luiz Antônio Vieira da Silva era aclamado presidente do Instituto Histórico e Geográfico que se fundava naquele dia, em casa de Augusto Marques e com a colaboração deste, do Tenente Coronel Ferreira, padre Dr. Cunha, João da Mata, Dr. César Marques, Dr. Tolentino Machado, Tenente Coronel João Vito, Dr. Tolentino Rêgo, Pedro Guimarães e Frei Caetano. Segundo Raimundo Nonato Cardoso, na apresentação da segunda edição do Dicionário Histórico-Geográfico (1970), César Marques já se encontrava no Rio de Janeiro em 1875, ocupando o cargo de Reitor do Internato do imperial Colégio Pedro II, ficando no cargo até 1880, quando foi sucedido por seu comprovinciano Antônio Henriques Leal. Na capital do Império, publicou “A província do Maranhão, breve memória”, 1876 e “Dicionário histórico, geográfico e estatístico da província do Espírito Santo”, 1878, resultado de uma encomenda feita pelo presidente dessa província. Tendo livre acesso ao rico acervo do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, o IHGB, assim como aos demais arquivos do Império na Corte, tendo consultado talvez os famosos documentos da Câmara de São Luís do período colonial, levados para Corte por Gonçalves Dias em 1851, em missão do governo imperial, César Marques continuo no Rio de Janeiro suas pesquisas sobre o Maranhão e trabalhava numa segunda edição revista e ampliada do seu Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, cuja publicação estava prevista para 1882 e que acabou não ocorrendo. O Dicionário Histórico-Geográfico só foi ter sua segunda edição, em 1970, patrocinada pela então SUDEMA (Superintendência do Estado do Maranhão). Em 2009, ganhou uma terceira edição, revista e ampliada pelo escritor Jomar Moraes, ex-presidente da Academia Maranhense de Letras. Continua a ser ainda hoje, obra valiosa, fundamental e de referência para todos aqueles que estudam e pesquisam qualquer assunto sobre a história do Maranhão. César Marques morreu aos 73 anos, em 5 de outubro de 1900, na casa do filho João Batista, no Rio de Janeiro.


CÂNTICOS VISCERAIS – O terceiro livro de João Batista do Lago LENINHA BARROS TACON CÂNTICOS VISCERAIS é o terceiro livro de João Batista do Lago que, acertadamente, em suas próprias palavras o define como seu "ponto ideal". Não se trata de mais um livro de poesias; são poesias de um novo espírito poético, poesias que se esteiam na polêmica da razão…ou das razões. São arguições profundas que se ultrapassam num devir poético. Simpatizante das concepções bachelardianas, João Batista sente ser necessário adentrar os caminhos de uma poética que recorde à razão sua função agressiva, turbulenta em que se multiplicam as "ocasiões de pensar". Esta razão necessariamente há de ser polêmica, há de provocar, de desancorar do local onde naufragou – este, já agora, inútil destroço. Há uma tensão dinâmica, fluida e não uma cisão entre a poética de João e seu pensar racional sobre o real. Para além de uma inserção advém uma complementariedade, há um poeta no racional extraindo insights, compreensões retiradas a fórceps, dores "viscerais" por trás da persona alegre… Trata-se aqui de uma construção que desfragmenta, fractaliza e se recria a partir de blocos de uma linguagem assimétrica : a obra? Estética harmoniosa, cromática ferina de palavras-sílex, suaves e fertilizadas flores beijadas por beija-flores… A crise inserta na Pós-Modernidade (leia-se aqui a ruptura da legitimidade das meta-narrativas) gerou um mal-estar na confiabilidade, na credibilidade dos grandes discursos. João não consegue esconder esse malestar e, para além disso, revela-o pela – metaforicamente – face mareada, pré-emética, deixando-se ver sinal e sintoma. A dor em João é-lhe tão "visceral", que por vezes beira a impotência de um moribundo. Quais as dores que o exasperam? São as dores do (des)conhecimento e mesmo do conhecimento, as dores da inconformação frente às ideologias que espalham subserviência e misérias, as dores que se mimetizam em prazeres, que se escondem por trás das máscaras assépticas, as dores da inocência perdida, do abuso criminoso da inocência de si; as dores de abortos covardes das utopias felizes; de caminhar solitário num mar de dores anestesiadas. Com uma pitada de Bachelard, diria que João vê o estrume, mas também vê a flor! E de ambos aspira-lhes a essência do perfume…mesmo que fatal. Aspira convicto, consciente do mal que pode evolar da flor ou do bem que pode estar mimetizado no estrume. Porque o João se debruça sobre ambos – independente, objetivo e total no seu conhecer, na sua contemplação. E, por isso, apreende no instante…e retifica a apreensão – dolorido – no próximo apreender… A apreensão causa dor. A noção de dor em João, como já foi dito, é dilacerante: do fundo de suas entranhas, no estranho ventre algo chegou a termo! O concepto, pronto para vir à luz, tem de rasgar-lhe por dentro e não é possível adiar…Há dor no concepto e no parturiente. O pós-parto exige recuperação; o recém nato, adaptação. É João a sentir a ferida de si a doer, a dor dos feridos todos, a dor de ser e de existir consciente, a dor da inconsciência no outro de que lhe crescem feridas… or que o "visceral"? Porque a dura palavra coaduna-se com o real; é-lhe velha irmã conhecida, companheira do dia-a-dia. Porque a estética virtuosa já carece de sentido, já não mais perturba a desvirtuose em que estamos imersos, já não é mais capaz de perfumar o que se apresenta pútrido na ausência de virtude das cidades, dos países, dos escravos felizes de senhores vis. João, voyeur de si, artífice de metáforas como pendular meta-fora de si, delator nobre do injusto/covarde/levitânico grande outro…Seu escancaramento de si e do real, apesar do que lhe causa, tão


bem expresso nas suas viscerais palavras, não lhe é obstáculo, não lhe convida a participar do banquete dos acomodados. São, antes, "pontos vélicos" bergsonianos a lhe impulsionar a busca. João Batista evidencia nas contradições, nas antíteses tão bem insertas, a dualidade mal encoberta que se revela à análise crítica – do olho que quer ver. Assim, enriquece seus gritos-denúncia contra uma exploração de ideologias e dogmas, deixando a descoberto o amontoado de inúteis discursos desumanizados, desarraigados… Há no poeta uma inquietação tanto com a tentativa de reencontro de sua dimensão universal, quanto com a miserável condição humana que se esconde nos becos das cidades, ou que escoa a céu aberto, onde caminham outros homens-cidades – humanos poluídos de exploração homo homini lupus na alcatéia de um "deus mercado"…Nosso poeta, de tímpanos feridos, mostra o grito calado, ouvido dentro de si que é abafado pelo ensurdecedor ruído uníssono de caducos filosofares, que deixa proscritos os quereres, que torna impossível os pensares… Lembra-me um rebelde aluno em casarões-escolas mofados a distrair a atenção para o principal – que não é ensinado; bêbado feliz que faz escárnio da abstinência alheia: ora bandeira de si, ora fractal bandeira de todas as cores. Tal qual o pintor que se utiliza das cores na criação de suas obras, João vai customizando, ao buscar novos matizes, dentre os espectros visíveis do real, vai decompondo fractais sintonizado na frequência espectral de tons monocromáticos, vai tingindo os degradês de braços, pernas e pés explorados com cores carregadas – irônicas, sarcásticas linhas poéticas viscerais… Essa visceralização ocorre no instante instintual, onde o experienciar converte-se em impressão-explosão poética. Há um grito em João que o ensurdece e berra para a Ágora sonolenta; um grito que quer que seja pública, não rês, bovina resignação de homens tangidos por uma sorte não pressentida. Falo de um João que se insurge primeiro dentro de si e, aos poucos, transborda para o outro que também carrega em si. Assim como quer a este outro desperto, desperta atônito de seu próprio despertar. Na sua orfandade de origens, é um homem distanciado de si, na miserabilidade de se contemplar em uma vida que é um reflexo de sua condição atual, numa época desarraigada, inconsciente, repetidora (de iguais !). Ao carregar nos ombros seu próprio sofrimento de ser dor e de ver as dores do mundo, imola-se em cada verso que destrincha com os talheres baratos e descartáveis que lhe são oferecidos tão "gentilmente". Cada palavra que liberta, cada frase que solta das brancas e suadas páginas é um pedido sempre último de que se nidifique fertilizado em úteros-mentes que gestarão versos vivos. E, pelo amor de Deus, ou dos deuses, que não se aborte a Poesia! É visceral a dor da certeza de que é humana a mão (de carne e ossos que irão apodrecer); que, à semelhança do conto da árvore a reconhecer ser de madeira o cabo do machado que lhe abaterá, também são humanas as mãos que distribuem a fome, os sermões que excomungam, que expõem mãos diferentes em circos de horrores modernos… E por isso, a fumaça dos turíbulos já não sobe aos céus: seus ductos e ictos apenas conduzem às profundezas torpes do ser (des)humano. Há um lobo no altar da ovelha; há filhotes de lobos a beijar ovelhas… "Poeta maldito", herege a blasfemar contra seu alienofágico "deus mercado"…Bendito rebelde que incita, concita seus pares, excita-se com o sonho de se acabarem os matadouros onde se preparam o banquete de duras carnes humanas. É dilacerante a dor que calcina os ossos, a dor de se sentir brasa viva de si, a dor nos ouvidos onde ecoa o tropéu dos cascos a espezinhar as dignidades, onde se escuta centauros chicoteando os direitos… O sujeito da poética de João é um João cognoscente, ávido e árido de si; é um João que se oferece sacrificialmente, que faz libações ao sensório cru – e nu – de seu próprio experienciar…irrepetível conhecimento. João oferece o que não é de se oferecer; se angustia por oferecer o que, neste carecer do ofertar, não será compreendido, será mesmo até inconveniente: será um choque visceral…algo, por certo, a ser evitado…


A poesia lá está, às vezes, pregada no âmago da cruz-poeta; quando ele a desprende, há a sensação de um chute "na boca do estômago"; há uma dor visceral, que parte das entranhas da cruz e perpassa – dolorida e pulsante – pelas veias do real. E o que é este real? É o instante no homem que jaz liberto na cruz… Do alto de seu madeiro, não se queda – alheio e surdo – aos choros: vê tanto a funcionalidade deste como o despropósito de chorar. Do alto de sua cruz implora a morte: que a todos iguala, que revela e retira as algemas da verdade, tão insistentemente escondida no viver; a morte que é símbolo do fim da procrastinação da procura, da morte dos regimes, sistemas, filosofias, dogmas, ideologias, procuras de João… Jaz na cruz um João, pássaro na mira do caçador de si… É o nosso poeta um buscador de si. Na busca de seu perfil esbarra nos obstáculos – seus perfis escondidos. É, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento de si e por isso, inevitáveis são o conflito e a dor oriundos do próprio ato de conhecer. No enfrentamento de seus obstáculos, de certa forma, sentimento de caos, supera-se avançando para outro caos. Ao mesmo tempo que retifica seus perfis, alarga sua via crucis e segue na "intensidade de presença" de um novo João. Sua poética, qual bisturi a lhe cortar o corpus, desfolha-lhe as camadas, textos de si mesmo, expondo-lhe à luz do dia os nervos-análise que se permitiu dissecar. A cortar-lhe: um insensível bisturi; a ser cortado: já um meta-corpus. Na alcova fértil de seu "quarto", seus frios/quentes suores são rimas, por vezes ásperas; ei-las avesso do cetim, doloridos chutes que a esperança lhe dá do âmago de seu ventre grávido. A poesia aqui é um pensamento que se aventura, uma aventura que se pensou. Dinâmica e intuída, insights de si, direcionase redirecionando, compreende-se além de si. Em sua alcova, João biparte-se, reformula seus signos: há significado e significados, há mais nulos significantes…João decifra-se e devora-se… A vertente "noturna" de João revela-se na poesia que, ora o faz precipitar-se nos abismos, ora o leva a despencar ele mesmo, impelido e seduzido pelo abismo de sua (in)compreensão. O lado "noturno" ri-se do lado "diurno" de João e o provoca no leito de seu "quarto"…E as palavras, situações, estupefações, ao passarem pelo crivo de um João racional, amalgamam-se no instante – amante – capturado e traduzem-se no verso em gozo… Caminhante – dos irmãos, o caçula de Dante -, o poeta vai tropeçando sobre si, por entre as ruínas de suas construções mentais, coletando as cinzas-amostras, material de estudo em seu laboratório de cientistapoeta… Já de outras vezes, João navega turbulento, singrando os mares cheios dos monstros dos erros e ilusões. Açoitam-lhe os ventos da linguagem que, racionalmente tenta usar, fustigam-lhe as tempestades de incoerência…mas continua a proteger a bússola sonhando com o farol (gedankens) que, intui, está a se ocultar por trás do vagalhão de suas ancestrais paixões…Por vezes a vontade louca de se lançar ao mar, de se oferecer ao altar de Netuno como um lobo a se redimir perante a ovelha cobiçada outrora: seu intuito é o de libertar rebanhos. A tentativa de desconstrução na palavra da dor embutida nas guerras, nas misérias cotidianas coloca na face do poeta um olhar que irrompe da noite, ao modo do Sol, e escancara à luz (razão) do dia as mazelas, a podridão mal encoberta, o fétido cheiro que já não mais incomoda, pois que os olfatos já se acostumaram e as máscaras também fedem… Uma preocupação assola a alma: será possível ser a si mesmo se há moldes em todo lugar? Na família, na escola, na igreja, no trabalho, na sociedade? Será que tudo já foi dito, será possível a desalienação, libertarse do jugo ideologizante e ideologizado? E surge, por vezes, o medo de abrir "as gavetas do Eu", o medo de se ver desnudo, sem máscaras frente a si mesmo, o medo do confronto consigo mesmo, das fragilidades visceralmente expostas…é um medo que queima e enregela qual arrepio de alma… Os olhos – janelas d’alma – refletem tanto a visão de si, interno-olhar, quanto releituras, (re)visões do que se apresenta ao olhar. Se leitura hoje, re-leitura amanhã e, para além do amanhã, leituras outras existirão…Quais olhares surgirão? Existirão olhares? Será pura e vã inquietação?… Existem as leituras dos vencedores; as esquecidas estórias dos vencidos; há espaços reais aos seus tempos; há verdades forjadas,


mentiras transmutadas em verdade única; há vidas ceifadas cheias de verdades amordaçadas… De onde o direito de espalhar o ódio que contamina os inocentes, os civis que ainda não estão na guerra? Por ser um buscador, o poeta recorda-se do realismo ingênuo, subjetivo e egocêntrico e passa lépido por um empirismo "claro", qualitativo e quantitativo de si. Do racionalismo tradicional extrai-se como noção de um João relativo inserto num paradigma racional e, refeito de si, pulando as pedras limosas da razão, ainda meio zonzo já escorrega em seus referenciais e se estatela na grande pedra…surracionalmente feliz. Já agora é um João simultâneo a se olhar; não mais absoluto, nem relativo. Compõe-se (ou fragmenta-se?) a partir do dual na dimensão quadridimensional do espaço-tempo. Seduz-lhe a pedra, por ora. E maravilha-se, angustia-se, devaneia, filosofa oniricamente na poesia! Sente-se arquetípico, pressente um meta-João a ferir-lhe as entranhas feita de todos os "Joões". A taça não transbordou. Saboreia-se pressentindo a dor da cicuta que ingere e, digere – antropofágico – cada um de seus pedaços, enquanto o "dia" não vem. João sonha desperto (devaneia) enquanto é tecida a "noite" em que cabem seus versos mas, serve-se destes para antever o pesadelo do diurno sonhar… A cada nova poesia: a experiência do instante, do tapa do real na ilusão, do novo e do velho, do profundo que diz Não ao Sim da razão. E o poeta se alarga, se retifica dolorido, "visceral" eternuum retorno e perda de si, lato e strictu sensu João… Ah, João, já a pensar em outras pedras ou está a pedra a golpear por Amor? São feitas nesta poética várias alusões aos quatro elementos: água, ar, fogo, terra. Podem ser escritos tratados (e já foram) sobre a simbologia oculta nesses elementos alquímicos, elementos de criação, elementos poéticos. Mas, num recorte, que nos interessa aqui, cabe atentar para a decomposição que o poeta faz criando desses símbolos metáforas de metáforas. Assim, na busca do ouro alquímico de seu próprio ser e de sua consciência no real, o fogo tanto pode servirse de seu papel de nilificador (uma espécie de redução a cinzas), quanto de purificador (uma espécie de lapidação das imperfeições). Poderá ser símbolo de paixão, do íntimo, do instintual que queima, de corporificação do desejo que consome. Há, porém, um sentido maior, não excludente dos demais, o de transcendência: o fogo, ao consumir matéria (e, aqui também, espírito) dialetiza o sujeito e o objeto João, purifica-o e lapida-o em suas arestas antagônicas…e que dor inevitável, que luz que cega! Já da água nos vem à mente a noção de fluidez, de uma poesia que é afluente (deságua e compõe rios), que João faz fluidicamente, como fecundante rio a fertilizar margens. Mas na água se lavam também os pecados originais, nela nasce o novo homem… Ecce homo…; dela bebe-se iniciaticamente a "Verdade" que sustenta. Águas há assassinas, violentas, profundas nas quais submergem homens que convivem com as águas primaveris e claras em que se banham despreocupados os jovens corpus amantes… Já aqui, em meio às águas, João até pensa no peixe-poeta, crístico símbolo a se deixar pescar, pois que peixes e água são partes de um todo só… Do ar, capta-lhe, em seu movimento ascensional, a dupla face da queda e do voo. Sobe assim, pleno em devoção, buscando o elevado Olimpo no qual fará uma oblação de si. Há vestígios arqueológicos de deuses no Olimpo? E como se livrar das impurezas que o alçaram lá? Já agora é a terra, pois, a lhe avisar de suas raízes; do repouso e do ventre que lhe germina e sepulta. É a terra a lhe fazer brotar uma nostalgia do vivido e do que poderia ser… Saudade menina de um menino João… um bem querer de Pátria amada distante no tempo, de chão natal amado, inocente pandoravelmente a espiar… E assim as antíteses diurno/noturno (racional/onírico) amam-se despudoradas e inocentes no universo alquímico de João... Penso (será que realmente existo no meu pensar?) agora (serei mais uma na Ágora sonolenta?), por fim, na impressão que me fica após a leitura deste livro. Pareceu-me que o poeta envia aos seus leitores a seguinte mensagem: – "É preciso re-aprender a capacidade de se espantar; é urgente adentrar, pela iniciação poética, o umbral do conhecimento; é imperioso o despertar consciente e atuante diante do que é dado, do que é imposto, levantar o véu da essência que a aparência encobre. É necessário também sentir que há sangue tanto nas próprias veias quanto na história da humanização; é urgente também re-descobrir-se numa reinserção. Porque é um desrespeito valer-se da poesia de uma forma vil…é proibido alienar-se a poesia !"


Obrigada pelos mergulhos no abismo, por dar voz aos gritos tão nossos, pela denúncia (porém atente: Si no pacem para bellum… Se queres a Paz, prepara-te para a guerra! ), pelo fogo, pela água…e pelo ar e pela terra… Obrigada pelo ocaso-interregno; pelas primaveras que estão contidas nas geleiras. Obrigada, mais que simplesmente, visceralmente… Lembrei-me de um trecho de um imortal, nosso poeta Carlos Drummond de Andrade, de sua magnífica poesia intitulada Procura da poesia; dizia ele: – "Chega mais perto e contempla as palavras/ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta/ pobre ou terrível que lhe deres:/ Trouxeste a chave?!" Creio que João Batista do Lago a tem…


NÁDIMA NASCIMENTO

O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina deve-se ao fato de que os indígenas que aqui moravam não conseguiam falar o R dos portugueses, não havia o som da letra R em muitos dos mais de 1200 idiomas que falavam aqui. Então na tentativa de se pronunciar o R, acabou-se criando essa jabuticaba brasileira, que não existe em Portugal. A isso também se deve o fato de muitas pessoas até hoje em dia trocarem L por R, como em farta (falta), frecha (flecha) e firme (filme). Com a chegada de mais de 1,5 milhão de italianos à capital de São Paulo o sotaque do paulistano incorporou o R vibrante atrás dos dentes, porta como "porita", e em alguns casos até incorporando mais Rs do que existem: carro como "caRRRo", se quem fala for de Mooca, Brás e Bexiga, bairros paulistanos com bastante influência italiana. O R falado no Rio de Janeiro deve-se ao fato de que quando a corte portuguesa pisou aqui, a moda era falar o R como dos franceses, saindo do fundo da garganta, como em roquêfoRRRRt, paRRRRRi. A elite carioca tratou de copiar a nobreza, e assim, na contramão do R caipira e 100% brasileiro, o Rio importou seu som de R dos franceses. Do mesmo modo a corte portuguesa trouxe o S chiado dos cariocas, sendo hoje o Rio o lugar que mais se chia no Brasil, 97% dos cariocas chiam no meio das palavras e 94% chiam no final. Belém do Pará ocupa o segundo lugar e Florianópolis em terceiro. As regiões Norte e Sul receberam a partir do século 17 imigrantes dos Açores e ilha da Madeira, lugares onde o S também vira SH. Viviam mais de 15 mil portugueses no Pará, quarta maior população portuguesa no Brasil à época, o que fez os paraenses também incorporarem o S chiado.


Já Porto Alegre misturava indígenas, portugueses, espanhois e depois alemães e italianos, toda essa mistura resultou num sotaque sem chiamento. Curitiba recebeu muitos ucranianos e poloneses, a falta de vogais nos idiomas desses povos acabou estimulando uma pronúncia mais pausada de vogais como o E, para que se fizessem entender, dando origem ao folclórico "leitE quentE". Em Cuiabá e outras cidades do interior do Mato Grosso preservou-se o sotaque de Cabral, não sendo incomum os moradores falando de um "djeito diferentE". Os portugueses que se instalaram ali vieram do norte de Portugal e inseriam T antes de CH e D antes de J. E até "hodje os cuiabanos tchamam feijão de fedjão". Junto com os 800 mil escravos também foram trazidos seus falares, e sua influência que perdura até hoje em se comer o R no final das palavras: Salvadô, amô, calô e a destruição de vogal em ditongos: lavôra, chêro, bêjo, pôco, que aparece em muitos dialetos africanos. A falta de plurais, o uso do gerúndio sem falar o D (andano, fazeno), a ligação de fonemas em som de z (ozóio, foi simbora) e a simplificação da terceira pessoa do plural (disséro, cantaro) também são heranças africanas. do livro "Mapa Linguístico do Brasil" de Renato Mendonça e da Superinteressante desse mês. O livro abaixo, boa referência para contextualizar essa nossa mania de norma culta.

Hoje a moda é falar como os americanos, importando palavras como bike, game, know how, feedback, selfie, entre outras... em breve estaremos falando uma espécie de "portuinglês"... texto explica detalhadamente como imigrantes vindo de várias partes do mundo podem influenciar no idioma oficial de um país, cuja a principal característica é a mistura de raças e culturas diferentes!


SANTA ESPERANÇA VIRIATO GASPAR

Naquele chão agreste, espremidos entre a secura implacável do chão e a sequidão mais inclemente ainda dos corações dos donos das terras e das vidas, a comida era sempre uma incerteza, que muitas vezes ficava apenas na nossa vontade de comer. Muitas vezes, ao fim de um dia inteiro de trabalho, nos cabia um litro de feijão, pra dividir por doze bocas varadas pela fome, esta sim, a convidada assídua, sempre presente em nossa casa. Nenhum de nós, doze bruguelos magros e de olhos sempre atentos a alguma coisa mastigável, se lembra com certeza de como ela apareceu em nosso rancho. Apenas, um certo dia, lá estava ela à nossa porta. Uma viralata amarela, grande, magra como nós, e como nós, de olhos atentos e alertas. O Pai logo a fez correr, à custa de pedradas, receoso de mais uma boca para alimentar. Mas ela sempre voltava e se deitava o mais longe possível no terreiro, de olhos atentos e observadores, como que vigiando em nossa proteção. Como, mesmo corrida a pedradas, sempre voltava para nós, a Mãe lhe colocou o nome de Esperança. Talvez, lá no fundo, na esperança teimosa, de que todo pobre padece, de que as coisas melhorassem e ela não tivesse, tantas noites, de ir dormir sem comer, para que a gente, os doze filhos, ganhasse mais um punhado do feijão suado que nos cabia ao final de um dia inteiro do Pai no cabo da enxada. Com tantas crianças, logo Esperança tornou-se membro da família. Ninguém nunca apareceu para reivindicar sua posse ou pedi-la de volta. E logo caiu nas graças do Pai, porque nunca comia. E o mais estranho e inusitado: quando as coisas estavam mais pesadas, a comida mais rara e mais difícil, Esperança deu pra trazer litro de óleo, cheio, lata de banha de porco, que depositava, silenciosamente, aos pés da Mãe, e se retirava para longe, mais para lá no terreiro. O Pai, no início, achava que ela tava roubando de algum lugar, talvez lá da venda, mas nunca, nem uma só pessoa apareceu pra reclamar ter dado falta desses óleos ou banhas. E Esperança nunca vinha comer, quando a chamávamos. A pouca comida que a Mãe punha para ela no terreiro, ela só cheirava e deixava intacta, como se dissesse: vocês precisam mais. Um dia, o Pai machucou a mão, nós todos no desespero da fome, que gania e gemia no saco vazio da barriga, Esperança chegou, de repente, com uma paca gorda na boca, que silenciosamente depôs aos pés da Mãe. Naquela rotina de fome e precisão, naquela incerteza de levantar todo dia sem saber se conseguiríamos alguma coisa pra comer, perdemos a conta das vezes em que Esperança matou a nossa fome. Uma latinha de banha, uma lata de óleo, uma paca gorda, um preá, um tatu, volta e meia, quando a fome apertava mais ainda, Esperança trazia alguma coisa, que depositava em silêncio aos pés da Mãe, como um fiel aos pés de sua deusa.


Crianças que éramos, entretidos entre as brincadeiras, os banhos de rio e a voracidade insaciável por comida, nem percebemos que Esperança parecia a cada dia mais cansada, mais magra, de olhos cada vez mais acesos e tristes. Até que um dia, quando o Pai abriu a porta, manhãzinha, Esperança não estava no terreiro. Um, dois, três, quatro, cinco, seis dias, e nada de Esperança. No sétimo dia, a caminho da roça, o Pai viu a revoada dos urubus, lá pras bandas do coronel dono das terras e de todos nós. Só no dia do enterro da Vó, eu tinha visto aquela névoa nos olhos duros e secos do Pai, quando contou pra Mãe, naquela noite, que tinha morrido de fome a Esperança que tantas vezes nos dera de comer. Por muito tempo, muitos dias e meses ainda, dei com a Mãe parada ali, à porta do rancho, de tardezinha, com seu velho vestido remendado, a assuntar o terreiro, como que a esperar, a qualquer momento, sua devota vir depositar a seus pés uma oferenda para matar a fome das crianças. Em toda a minha vida, ao longo de todos esses anos que já andarilhei pelas terras e corações do mundo, nunca conheci - nem padre, nem pastor, nem bispo, nem beata ou sacristão - cristão nenhum que trouxesse tão dentro de si a alma de Jesus. Como Ele mesmo disse: "Não há amor maior que dar a vida pelos seus amigos". Na dureza da vida no sertão, na secura da terra e dos corações, uma cachorra nos ensinou a maior lição de todas. Morreu de fome para que sobrevivêssemos. Viriato Gaspar Literatura Limite: O ANTROPONAUTA VIRIATO GASPAR






FAMÍLIA LANÇA LIVRO DE SEBASTIÃO FURTADO EM SÃO LUÍS E EM VIANA A família do saudoso Sebastião Furtado fará o lançamento do livro "Histórias de minha vida", de cunho autobiográfico, no dia 20 de janeiro, às 19h30, no auditório da Livraria AMEI, no São Luís Shopping. Dois dia depois, dia 22/01, relançará o livro em Viana, no sítio de Sueli Veloso. Escrito em primeira pessoa pelo próprio Sebastião Furtado, o livro lança luz sobre uma série de acontecimentos que marcaram a vida do autor, desde o nascimento e a infância em Viana, o estudo das primeiras letras, a luta árdua no campo, na companhia do pai, Antoninho Furtado, a vinda para São Luís e o ingresso no Seminário Santo Antônio. Depois o retorno para Viana, o casamento com Ceciliana Furtado, a companheira de toda vida. Há passagens marcantes, como o período em que exerceu a função de vaqueiro da santa padroeira de Viana, Nossa Senhora da Conceição, proprietária de uma vistosa fazenda de gado, o ingresso na política, onde exerceu dois mandatos de vereador e chegou a disputar uma eleição de prefeito. Porém, a parte mais forte dessas memórias é quando ele trata da comercialização ilegal dos sinos da Igreja Matriz e a mobilização social que culminou com o resgate desses equipamentos e o seu desfile em carro aberto, na cidade, tendo Sebastião como um dos seus articuladores. "Histórias de minha vida" foi concluído antes da pandemia, mas teve o seu lançamento adiado em razão das dificuldades típicas do período. Sebastião sonhava lançar suas memórias numa grande celebração com seus amigos e parentes, porém, o destino frustrou seus planos.

Ele faleceu em fevereiro de 2021, aos 88 anos, uma semana após ter perdido a sua esposa Ceciliana, ambos vítimas da Covid. Restou à familia promover o lançamento da obra, como tributo a sua memória. A data de 20/01 foi escolhida por ser o aniversário do autor.




"UMA ESTRANHA MANEIRA DE SE COMPARAR AMANHÃS", poesia. Autor: Bioque Mesito. LUIZA CANTANHÊDE A poesia nos permite diferentes formas de interpretações e/ou de compreensão; dentro da linha discursiva de um livro desfila temas diversos, intertextualidades, dicotomias, aforismos, metonímias, só para citar alguns. E, eu, poderia destacar alguns dos elementos supracitados dentro do percurso poético-filosóficoexistencial, de Bioque Mesito, mas prefiro referenciar a relação, homem-tempo-espaço-cidade dentro do corpus poético de seu belo livro Uma estranha maneira de se comparar amanhãs. Título que por si só congrega toda uma reflexão sobre o vivido e o não vivido, sobre o real e o imaginário. A competência vocabular de Bioque Mesito permite derrubar as paredes da estética sem renunciar a poesia, ao mesmo tempo que ele diz no poema Releituras: “aos cinquenta anos caminho não esperando novidades nem me espantando com nada neste mundo”. Em outro momento, no poema A máquina de consertar o mundo reconhece que a “poesia é um estado de olhos que pontifica a existência”. E, eu, complemento com o excerto do poema Os guardados, que Bioque diz que é “Um homem no caminho da transformação da palavra”, e que traz nos olhos a sua pólis atravessando becos, ruas escadarias, horizontes, dessa cidade plena ou esfacelada e mergulha nas fraturas do tempo sem receio de encontrar o vazio que pode haver por lá. “O Homem está na cidade, como uma coisa está em outra e a cidade está no homem que está em outra cidade”, diz Ferreira Gullar. Bioque Mesito está no hoje e nos amanhãs da boa poesia. Aplaudindo este poeta imenso, finalizo com os versos de Glória de Sant’Anna: “O que me prende é o que te prende: largo horizonte de outros passados, raízes fundas presas no chão e um mar tão largo”.


CHARLES SIMÕES

MARCONI JOSÉ CARVALHO RAMOS Charles Santos Simões nasceu na cidade de Primeira Cruz- MA, filho de Eudes Veras Simões e Raimunda dos Santos, é professor e escritor. Ganhador do 1º lugar no 1º Festival de Contos da LITERARTE-RJ. Autor do livro A morte da defunta e outros contos, inclusive ganhador do Troféu Literatura 2017 da ZL Editora, com esta enigmática obra, cuja premiação ocorreu no Copacabana Palace Hotel- RJ, onde, em 2019, tornou-se membro de uma academia internacional, a Divine Académie Française. É membro também de importantes academias e Núcleos, como a Academia de Letras do Brasil- seccional Campo dos Goytacazes –RJ. Escreve contos, poemas e crônicas. Explora temáticas que envolvem o regionalismo e por isso tem recebido muitos aplausos de seu público leitor. OBRAS DO AUTOR “A Morte da Defunta e Outros Contos” Ao assumir o compromisso e a responsabilidade em retratar com brilhantismo a realidade das pessoas de sua terra natal, Primeira Cruz– terra inspiradora de sua atividade literária, a qual merece nossa atenção pela simetria constante verificada na obra –, fui envolvido pela forma espontânea, porém sempre trabalhando o imaginário popular, com que o autor reproduz a realidade vivenciada diariamente na localidade. O traço marcante desta obra literária é o fato de ser intimista, o que não a torna simplória, mas se aproxima da realidade pelo uso de uma linguagem popular, não escondendo as circunstâncias sociológicas verificadas na referida cidade. O lançamento deste livro representa a capacidade de Charles Simões em lidar, de forma exemplar, com as palavras no sentido de nos transportar para a vida cotidiana do interior, tão rico em cultura, simbolismo e imaginação.


SEBASTIÃO BISPO LOPES Acadêmico da AMCLAM titular da cadeira n° 13 patroneada por Antônio Gonçalves Dias. A obra “Bequimão Uma Evolução Histórica” nos permite a um passeio fantástico sobre o contexto histórico e cultural ao logo do tempo por Bequimão. Um livro com uma linguagem simples e acessível, rico em detalhes, mostra sua persistência na pesquisa bibliográfica para sintetizar e esmiuçar com riqueza cada detalhe, costumes, tradições e história de sua terra. Em sua segunda obra “Segurança Pública no Brasil” nesta obra o autor traz uma abordagem filosófica sobre a segurança pública, inspirado em Thomas Hobbes, teórico, político e filósofo inglês, concluiu em seus estudos desenvolvidos ainda no século XVII, que os homens possuem um instinto natural de busca pelo bemestar e de uma vida mais digna. O autor nos leva a diferentes tempos, culturas e escolas filosóficas nos revelar e ressalta o conceito de segurança pública. Diz o autor: “Finalizo este livro apresentando algumas sugestões para atenuar os problemas geradores desse mal, não só do sistema carcerário, mas, também, minimizar a violência em todo este imenso país. Estas sugestões serão encontradas no item 10.1 do capítulo 10 dez, e nos capítulos 11 e 12 deste livro, onde destacamos “Algumas Contribuições da Psicologia Organizacional e da Psicologia do Trabalho para a área de Segurança Pública”. Convém ressaltar que estas contribuições foram escritas por Solange Lopes da Silva, mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), portadora do registro do Conselho Regional de Psicologia (CRP) nº 22/00193, podendo ser lido no capítulo 12, a quem agradecemos por tamanha contribuição”.



"MARIA FIRMINA, A MENINA ABOLICIONISTA", LITERATURA INFANTO-JUVENIL PARA CRIANÇAS DE TODAS AS IDADES. Andréa Oliveira

Nasceu nossa menina! ‘Maria Firmina, a menina abolicionista’, biografia da escritora Maria Firmina dos Reis para crianças de todas as idades, acaba de sair da gráfica e com ela o Palavra Acesa está de volta. Essa obra inaugura a Coleção Meninas do Maranhão, em que pretendo contar a história de grandes mulheres maranhenses, e também é a primeira publicação do selo Palavra Acesa! Enquanto o programa de entrevistas segue de recesso, vamos com o livro novo. Vamos ter muitas novidades. Aguardem Vocês não imaginam o quanto estou feliz por trazer essa história bem no ano do bicentenário dessa maranhense que nos enche de orgulho: a autora do primeiro romance abolicionista da literatura brasileira! 🇧🇷 E não estou sozinha. Venho girando numa ciranda de mulheres maravilhosas. As ilustrações são da Mônica Barbosa (perfeitas!), o projeto gráfico é da Tay Oliveira, que fez mágica em cada página, a revisão minuciosa tem a marca da Eulália Oliveira e também a impressão tem nome de mulher, Eva Mendonça, da Gráfica Gênesis. O livro foi contemplado pela Lei Aldir Blanc (Secma) e recebeu apoio do Sesc Maranhão, que está junto comigo desde o início, por meio da atuação de grandes mulheres: Rutineia Monteiro e Betania Pinheiro. Na contracapa vai um pouquinho do que tem nas páginas do livro. O lançamento está previsto para 11 de março (salva a data!), exatamente o dia em que se completam 200 anos do nascimento da Maria Firmina. Depois passo os detalhes. Ah, e tem mais: o selo Palavra Acesa acaba de lançar também o livro ‘Lembranças, lenços, lances de agora’, do poeta e amor da minha vida, Celso Borges. As duas obras já estão em pré-venda no @sebodocb. Só vem que essa ciranda é de todas e todos nós!



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