LUDOVICUS 41 - JANEIRO-MARÇO 2024

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LUDOVICUS

MAGAZINE EDITADO POR

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

PREFIXO EDITORIAL 919536

DEDICADO À LITERATURA LUDOVICENSE//MARANHENSE

NÚMERO 41 - JANEIRO-MARÇO 2024 MIGANVILLE – MARANHA-Y

A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE

LUDOVICUS

MAGAZINE EDITADO POR LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

DEDICADO À LITERATURA LUDOVICENSE /MARANHENSE

Revista eletrônica

EDITOR

Leopoldo Gil Dulcio Vaz

Prefixo Editorial 917536

vazleopoldo@hotmail.com

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da FEI (1977/1979); Titular da FESM/UEMA (1979/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IF-MA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem livros e capítulos de livros publicados, e mais de 500 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Membro da Academia Poética Brasileira; Sócio correspondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luís (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Prêmio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Prêmio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; Editor da “ALL em Revista”, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras; Editor das “Revista do Léo”, “Maranha-y”, e agora, LUDOVICUS; Condutor da Tocha Olímpica –Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.

EDITORIAL

Esta é uma Revista Eletrônica, dedicada à Literatura Ludovicense/Maranhense. Surge em substituição à ALL EM REVISTA, haja vista não ser mais órgão de divulgação daquela academia de letras.

Escolha do nome: pensei muito em que nome dar à essa nova revista e decidi-me por LUDOVICUS, pois remete à ludovicense, próprio masculino, Luís, possuindo outras variantes: Clodovicus, Chlodovechus, Luduinus. Do germânico Hludwig, Hlud (famoso, glorioso) + wig (guerra, batalha). Significa guerreiro glorioso Termos derivados Ludovicensis , Ludoviciana

Poderia voltar a usar “Nova Atenas”, “roubada do nome de uma revista editada por Sousandrade, quando da instalação da segunda universidade em terras maranhenses – a primeira, foi o Colégio Máximo do Maranhão, instituição jesuíticafundadanos princípios dos 1700,destinadaaformarmestres edoutores -; foidas primeiras revistas eletrônicas a ser editada no Brasil... era porta-voz do Departamento de Biologia e Educação Física do então CEFET-MA, depois da Pós-graduação, sobrevivendo 21 edições semestrais.

Poderia retomar “Maranha-y”, que utilizei por um tempo, em substituição à Revista do Léo – agora retomada, e já próxima à sua 100º edição, mensal; hoje, a Maranh-y é dedicada à(s) História(s) do/no Maranhão, e está em sua sétima edição, mensal.

Pensei, também, em “Ilha”, já utilizada quando do surgimento do modernismo no Maranhão, na década de 1940, e nos anos 60/70... pedaço de ‘terra cercada por tubarões’; remete, em minha memória, à Martins Vaz, navegador português, onde Defoe ‘naufragou’ seu Robinson Cruzoé... meu parente distante, o Martins Vaz, não o Cruzué...

Pensando em Ilha, veio-me “Náufrago”... razões acima expostas...

Por fim, decidi-me por LUDOVICUS – Guerreiro Glorioso, e a localização, MIGANVILLE – MARANHAY, visto a Vila de Migan ser anterior à São Luís, e Maranha-y, águas revoltas que correm contra a corrente... a construção da Revista é uma batalha (wig)...

Os autores aqui apresentados autorizaram a publicação... .

Expediente

Editorial Sumário

DIOGO GAGLIARDO NEVES

MHARIO LINCOLN

EDMILSON SANCHES

MHARIO LINCOLN

LUÍS IX DE FRANÇA

LUÍS XIII

ARTIGOS & ALGO MAIS

TEÓFILO DIAS

QUANDO O VAZIO SE TORNA EXPRESSÃO DA ARTE (+Q) POÉTICA

CRÔNICA DA ESPERANÇA CRÔNICA

ANTECIPARAM A MORTE DO ESCRITOR ERASMOS DIAS E FOI UM ALVOROÇO. QUEM CONTA É JOSÉ CHAGAS

CERES COSTA FERNANDES

AS MASCARADAS NA TOCA DO ABRAÃO ROBERTO FRANKLIN

UM DIA!

CERES COSTA FERNANDES

CONSELHOS PARA O ANO NOVO PAVÃO SANTANA

LETRAS E LIXO AYMORÉ ALVIM.

O ITINERÁRIO DO CAOS, DE MORANO PORTELLA

ASSIM É A VIDA

JOSÉ NERES

VOZES DE MULHERES OITOCENTISTAS DO NORDESTE BRASILEIRO: histórias de resistência de Firmina, Laura Rosa e Alba Valdez

DILERCY ARAGÃO ADLER

CERIMÔNIA DE RECEBIMENTO DA MEDALHA DO MÉRITO “LAURA ROSA”: Louvor e Gratidão

LAURA ROSA: AS REVERBERAÇÕES DA VIOLETA DO CAMPO

MEMORIAL

CONTINUAR APRENDIZ

VILA POESIA

AMOR NO CARNAVAL

MHARIO LINCOLN

Dilercy Aragão Adler

DILERCY ARAGÃO ADLER

JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA

JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA

EDMILSON SANCHES

CERES COSTA FERNANDES

RAIMUNDO FONTENELE EXPÕE VÍCERAS DE ESSÊNCIA NAS PÁGINAS DO SEU MAIS NOVO LIVRO: "REPÚBLICA DOS APICUNS".

ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

PEDRO HENRIQUE MIRANDA FONSECA

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

JOÃO BATISTA DO LAGO

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

DIA MUNICIPAL DA POESIA

UM PUNHADO DE INFÂNCIA

ACHILLES LISBOA: UM PERFIL (1872 – 1951)

D. RAIMUNDA MENDONÇA, UMA VIDA BEM VIVIDA

"A ANGÚSTIA É UMA PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO SUJEITO"

KYSSIAN CASTRO E A POESIA DE BARRA DO CORDA

UM PUNHADO DE LEMBRANÇAS

JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA

SUMÁRIO

ANA LUIZA ALMEIDA FERRO

EDMILSON SANCHES

JORGE OLIMPIO BENTO

NATAN CASTRO

O APEADOURO EM SAUDADE

VARANDA – Ó GUERREIROS, MEU RELATO OUVI!

NECRÓPOLIS”: CIDADE E PERPLEXIDADE UM CASO DE AMOR E DENÚNCIA EM VERSOS

DO ENTRUDO OU CARNAVAL

MOVIMENTO ANTROPONÁUTICA - ATITUDE E OUSADIA POÉTICA NO MARANHÃO EM MEIO AO REGIME MILITAR

ZÉ CARLOS GONÇALVES

CERES COSTA FERNANDES

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

CERES COSTA FERNANDES

DOMINGO DE CARNÁ

LAS BODEGUITAS, UMA RECORDAÇÃO E UMA HOMENAGEM

PARA TUDO ACABAR NA QUARTA-FEIRA...

KISSYAN CASTRO, ENTREVISTADO POR RAIMUNDO FONTENELE

COM UM TRAVO NA GARGANTA

Editor: ANTONIO AÍLTON

LAURA AMÉLIA DAMOUS – A SENSÍVEL MESTRA DO POEMA CURTO E DA FULGURAÇÃO POÉTICA

ANTONIO AÍLTON

PLANTAÇÃO DE HORIZONTES: MEMÓRIA E REALISMO DA LINGUAGEM

PAULO RODRIGUES

O MAR ORGÂNICO-SENSITIVO DE GABRIELA LAGES VELOSO

MHARIO LINCOLN

PAULO RODRIGUES

PEDRO SAMPAIO/APBCE

PLANTAÇÃO DE HORIZONTES: MEMÓRIA E REALISMO DA LINGUAGEM

A FESTA DO CORDEL NO MARANHÃO REPERCUTIU NO BRASIL, ESPECIALMENTE EM TODO CEARÁ

5 POESIAS DE MARIA FIRMINA DOS REIS

SÓ POESIAS...

BRUNA BENGOZI0 ROGÉRIO ROCHA

HÁ RIOS ONDE RIMAS SÃO MORTALHAS WYBSON CARVALHO

RAIMUNDO SOARES

JOÃO BATISTA DO LAGO

ROBERTO FRANKLIN

FERREIRA GULLAR

POEMAS AINDA HÁ DIAS PANDÊMICOS EM CAXIAS

POESIA

CANTO ONÍRICO

A FALTA

CANTIGA PARA NÃO MORRER

LANÇAMENTOS & ACONTECIMENTOS

Luís IX de França

Luís IX (Poissy, 25 de abril de 1214 – Tunes, 25 de agosto de 1270), mais conhecido como São Luís, foi o Rei da França de 1226 até sua morte e um santo da Igreja Católica. Era filho do rei Luís VIII e da rainha Branca de Castela, que governou o reino como regente até São Luís adquirir a maioridade. Foi o 42.º rei da França, a contar de Clóvis I, e o nono rei da dinastia capetiana a ocupar o trono da França. Era um homem de alto porte, de grande beleza, muito imponente. Ele atraía, incutia profundo respeito e suscitava grande amor. Tinha o todo de um guerreiro terrível na hora do combate, mas era o Rei mais pomposo e mais decoroso do seu tempo.

Quando adulto, Luís enfrentou conflitos recorrentes com poderosos nobres, consolidando a supremacia real levada a cabo por seu avô Filipe Augusto, além de ter derrotado o rei Henrique III de Inglaterra em suas tentativas de restaurar o Império Plantageneta. Após anexar a maior parte das antigas terras inglesas na França, assinou o Tratado de Paris com a Inglaterra colocando fim aos cem anos de rivalidade franco-inglesa. Foi um rei reformador e lançou as bases da justiça real francesa, na qual o rei era o juiz supremo a quem qualquer pessoa era capaz de apelar para buscar a emenda de um julgamento. Proibiu julgamentos por provação, tentou impedir as guerras privadas que estavam assolando o país e introduziu a presunção de inocência no processo criminal. Era admirado por seus súditos e por toda a Europa como um rei extremamente justo. Chegava a ficar várias vezes na semana sob um carvalho no Castelo de Vincennes ouvindo os apelos e pedidos de seus súditos de todas as classes.

Suas ações foram inspiradas nos valores cristãos, sendo ele um homem extremamente devoto da fé católica, punindo a blasfémia, jogos de azar, empréstimos de interesse e prostituição, comprando relíquias de Cristo para construir a Sainte-Chapelle e tentando converter os judeus franceses. Construiu inúmeros hospitais, leprosários, orfanatos e escolas e era notadamente conhecido pela sua caridade e cuidado com os pobres e doentes.

Casou-se com a rainha Margarida da Provença em 1234 e com ela teve onze filhos, dentre os quais o rei Filipe III de França, que o sucedeu. Através de sua vasta prole, os descendentes de São Luís chegaram a quase todos os tronos da Europa e América, incluídas as dinastias posteriores que reinaram na França, Espanha, Áustria, Sacro Império RomanoGermânico, Alemanha, Inglaterra, Escócia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Hungria, Portugal, Bélgica, Grécia, Bulgária, Itália, Holanda, Polônia, Romênia, Rússia, México e Brasil, sendo todos os atuais monarcas europeus descendentes seus.

Em todas as épocas posteriores da história da França, marcada por conflitos, guerras e revoluções, seu governo foi lembrado com nostalgia pelos franceses como "o bom tempo de Meu Senhor São Luís" ou como o "século de ouro de São Luís", deixando uma imagem imensamente positiva aos olhos da história e do imaginário popular francês.

Morreu no norte da África em 25 de agosto de 1270 e foi canonizado como santo pelo Papa Bonifácio VIII em 11 de julho de 1297. É o padroeiro da Arquidiocese e da cidade de São Luís do Maranhão, cujo patronato na cidade de São Luís se deu em razão da cidade levar o seu nome e em sua homenagem.

Infância

Luís nasceu no castelo de Poissy, a 30 quilómetros de Paris, a 25 de abril de 1214, dia de procissões solenes do dia de São Marcos. Na mesma época, Filipe Augusto venceu a célebre batalha de Bouvines, contra uma aliança do imperador romano-germânico Otão IV com João de Inglaterra e com nobres da Flandres.

Tradicionalmente, depois de Filipe I de França, os reis capetianos baptizavam os seus primogénitos com o prenome do avô. Luís IX foi o quinto filho de Luís VIII de França e Branca de Castela, sendo o seu irmão Filipe o herdeiro da coroa até à morte deste em 1218.

Sua infância seria influenciada pela figura de seu pai, que, unindo o zelo pela religião à bravura marcial que lhe valeu o cognome de "o Leão", subjugou os cátaros do sul da França. Particularmente zelosos da sua educação, os pais de Luís IX deram-lhe bons preceptores: Mateus II de Montmorency, Guilherme des Barres, conde de Rochefort, e Clemente de Metz, marechal da França, inspiraram-lhe os sentimentos de um rei cristianíssimo e filho da Igreja.

Da mesma forma, mais tarde Luís viria a interessar-se pela educação, particularmente a religiosa, de seus filhos. Ensinar-lhes-ia orações, a necessidade de assistir à missa e de fazer penitência. Conta-se também, por exemplo, que às sextas-feiras não permitia que usassem qualquer ornamento na cabeça, por ter sido o dia da coroação de espinhos de Jesus Cristo

Reinado

Regência de Branca de Castela

Com a morte do seu pai em 8 de novembro de 1226, Luís IX subiu ao trono aos 12 anos de idade. Foi sagrado na catedral de Reims por Jacques de Bazoches, bispo de Soissons, em 30 de novembro do mesmo ano. Por testamento de Luís VIII, a mãe do jovem monarca assumiu a regência de França com o título de baillistre, guardião da tutela do rei. Bartolomeu de Roy, o velho camareiro da corte havia vinte anos, era o mais influente conselheiro do reino, pelo que se disse na época que o poder passava assim «entre as mãos de uma criança, de uma mulher e de um velho».[4]

De personalidade forte, Branca de Castela encarnava a glória de ser filha, sobrinha, esposa, irmã e tia de reis. Com efeito, o seu pai foi Afonso VIII de Castela, os reis da Inglaterra Ricardo Coração de Leão e João sem Terra eram seus tios, Luís VIII de França seu esposo, Henrique I de Castela e Berengária de Castela seus irmãos, Luís IX de França e Carlos I da Sicília e Nápoles seus filhos, Sancho II de Portugal e Afonso III de Portugal seus sobrinhos através da sua irmã Urraca e Fernando III de Leão e Castela também seu sobrinho através da sua irmã Berengária

Durante a menoridade de Luís IX a rainha mãe enfrentou as ambições da Inglaterra e as pressões da nobreza do reino, que desejavam valer-se da pouca idade do soberano para retomar os direitos perdidos para os monarcas do século anterior.

O reino entrou em um período conturbado, com a revolta organizada por Filipe Hurepel, tio do jovem rei e filho legitimado de Filipe Augusto, pela casa de Dreux e pelo duque Pedro Mauclerc da Bretanha. Depois de sufocar a rebelião, a regente concluiu a conquista do Languedoc iniciada pelo seu esposo ao comprometer o conde Raimundo VII de Toulouse, casando a filha deste, Joana, com o seu filho Afonso. Acabava assim a Cruzada dos Albigenses.

Maioridade e casamento

Delicado, louro e de olhos azuis, Luís atingiu a maioridade a 25 de abril de 1234 mas continuou a manter a mãe numa posição de confiança e poder. Não há uma data precisa em que se defina a efectiva tomada do poder por Luís, os seus contemporâneos viram o seu reinado como um período de partilha do poder com Branca de Castela. No entanto, os historiadores costumam definir o ano da sua maioridade como aquele em que Luís passou a governar mais tradicionalmente como rei, relegando a mãe para um papel mais de conselheira, se bem que continuou a ser uma poderosa força política até à sua morte em 1252.

Esta organizou o seu casamento, realizado no dia 27 de maio de 1234, na catedral de Sens, pouco depois de o rei completar 20 anos. A esposa escolhida foi Margarida da Provença, a filha mais velha de Beatriz de Saboia e do conde Raimundo Berengário IV da Provença e de Forcalquier, e irmã de Leonor, esposa de Henrique III da Inglaterra.

Com esta união pretendia-se agregar este condado ao reino da França, uma vez que Raimundo Berengário IV não tinha um herdeiro varão. Dizia-se que a graça e a natureza haviam dotado a sua esposa de toda sorte de perfeições,[5] e de facto foi bem-sucedida em prover a dinastia capetiana com herdeiros.

Política interna

A partir de 1241, Luís IX parece tomar mais responsabilidades para si no governo do país. Fez do seu irmão Afonso conde de Poitiers a fim de obrigar a nobreza local a lhe prestar homenagem. A rebelião de Hugo X de Lusignan permitiu-lhe estabelecer a autoridade real em uma curta campanha, de 28 de abril de 1242 a 7 de abril de 1243, e o mesmo tempo aproveitou a situação de vantagem até Quercy (aproximadamente o actual departamento de Lot) para expulsar da lá o rei Henrique III de Inglaterra, que decidira romper a trégua de 1238.

Resolveu antigas divergências com Jaime I de Aragão pelo Tratado de Corbeil, pelo qual o rei francês renunciava a hipotéticos e caducos direitos sobre Aragão, em troca da renúncia do monarca catalãoaragonês a direitos muito concretos sobre vastos territórios no sul da França. Para selar este tratado, Luís casou sua filha Branca com o infante Fernando de La Cerda, príncipe herdeiro do reino de Castela, e Jaime I de Aragão casou sua filha Isabel com o príncipe francês, então futuro rei Filipe III de França.

Na administração do reino, Luís IX designou inspectores gerais, que eram considerados funcionários públicos, criou a comissão judicial da cúria e instituiu uma comissão de fazenda e de inspecção de contas. Ele proibiu aos juízes, oficiais e outros emissários seus enviados às províncias para ali exercerem justiça durante algum tempo, de adquirir bens e empregar os seus filhos. Nomeou, acima deles, juízes extraordinários para examinar a conduta dos primeiros e rever os seus julgamentos, funcionando como justiça de apelação.[5] Para a pessoa do rei ficava reservado o papel de juiz supremo.

Segundo os relatos da época, se entendia que os seus oficiais tivessem agido mal, impunha em primeiro lugar uma severa penitência a si mesmo, como culpado pelo excesso praticado pelos seus representantes, e em seguida ministrava-lhes severa punição, obrigando-os a restituir o que haviam tomado do povo, se fosse esse o caso, ou a reparar aqueles que haviam sido condenados injustamente. Pelo contrário, quando tomava conhecimento de que haviam cumprido dignamente os seus deveres, recompensava-os regiamente e os fazia ascender a funções mais honrosas.[5] Foi também o primeiro rei a proibir duelos, anteriormente tolerados e por vezes ordenados a fim de se conhecer o direito das partes.

Zelo religioso

Este reinado foi um período de paz e prosperidade para a França, mas também de excepcional zelo religioso, com a intenção de conduzir o povo francês à salvação da alma. Luís não negligenciava o cuidado dos pobres, proibiu o jogo e a prostituição e punia a blasfémia. As punições estipuladas eram tão rigorosas que o papa Clemente IV julgou ser necessário atenuá-las.

Outro dos traços em que a religiosidade deste monarca se manifestou foi na aquisição da coroa de espinhos e de um fragmento da cruz da crucificação de Jesus Cristo, em 1239-1241, a Balduíno II, imperador de Constantinopla, por 135 000 libras. Para estas relíquias mandou edificar a capela gótica de SainteChapelle no coração de Paris,[6] que curiosamente só custou 60 000 libras para construir. Sob este reinado foram também construídas as catedrais de Amiens, Rouen, Beauvais, Auxerre e Saint-Germain-en-Laye.

A compra das relíquias deve ser entendida no contexto de extremo fervor religioso que existia na Europa do século XIII. A posse destas contribuiu muito para reforçar a posição central do rei da França na cristandade ocidental, bem como para aumentar a fama de Paris, na época a maior cidade da Europa Ocidental. Na época em que as cidades e os governantes competiam pela posse de relíquias sagradas, Luís IX conseguiu colocar algumas das mais ambicionadas na sua capital. É possível ver este acto não só como devoção, mas também uma declaração política: a monarquia francesa a tentar estabelecer o seu reino como a "nova Jerusalém" dos textos bíblicos.

O monarca francês era zeloso da sua missão de "lugar-tenente de Deus na Terra", da qual fora investido na sua coroação em Reims. De forma a cumprir este dever organizaria duas cruzadas e, apesar de ambas terem fracassado, contribuíram para o seu prestígio. Os seus contemporâneos não teriam compreendido se um rei tão poderoso e piedoso não fosse libertar a Terra Santa.

Para financiar a sua primeira cruzada, perseguiria judeus. No século XIII era generalizada a aversão pelos judeus por serem culpados pela morte de Jesus. Tal como os seus antecessores, Luís tomou medidas

discriminatórias e persecutórias contra esta minoria, também com a intenção de a converter ao cristianismo:[5]

Ordenou a expulsão de todos os judeus envolvidos no pecado da usura e assim pôde confiscar as riquezas destes para financiar os seus projectos. No entanto não eliminou as dívidas dos cristãos: foi perdoado um terço da dívida, mas os outros dois terços deveriam ser enviados para o tesouro real.

Em 1242, supostamente sob solicitação de judeus convertidos ao cristianismo, e que afirmavam que o Talmud continha invectivas contra Cristo e a Virgem Maria, ordenou a queima dos exemplares deste livro em Paris.[7]

Em 1254, ordenou a expulsão dos judeus não convertidos da França, apropriando-se dos seus bens. No entanto, não terá sido feito um controlo muito eficaz para fazer cumprir esta medida, pelo que muitos permaneceram nos locais em que viviam. Alguns anos depois o rei anularia este decreto em troca de um pagamento, em prata, da comunidade judaica ao tesouro real.

Em 1269, em aplicação de uma recomendação do Quarto Concílio de Latrão de 1215, impôs a obrigatoriedade de usarem sinais vestimentares distintivos. Para os homens a rouelle ou estrela amarela ao peito, e para as mulheres um chapéu especial. Estes sinais permitiam diferenciá-los do resto da população e ajudar a impedir os casamentos mistos.

Para além da legislação contra os judeus e a usura, o rei alargou o alcance da Santa Inquisição na França. A área mais visada foi o sul do país, onde a heresia cátara tinha sido mais forte. A quantidade de confiscos atingiu o ponto máximo nos anos anteriores à Sétima Cruzada, e diminuiu aquando do seu regresso à Europa em 1254.

Em todos estes actos, Luís tentava cumprir o que se encarava ser o dever da França, chamada de "a filha mais velha da Igreja" (la fille aînée de l'Église), com uma tradição de protectora da Igreja desde os tempos dos francos e de Carlos Magno, que fora coroado pelo papa em Roma no ano de 800. De facto, para além dos títulos Rex Francorum ("rei dos francos"), ou Franciae Rex ("rei da França"), que Luís IX foi o primeiro a usar, os monarcas franceses também eram intitulados Rex Christianissimus ("rei cristianíssimo"). As relações entre a França e o papado atingiram o seu ponto máximo nos séculos XII e XIII, e a maioria das cruzadas foram proclamadas pelos papas em solo francês.

Sétima cruzada

Ver artigo principal: Sétima Cruzada

Em 1244, Luís IX caiu gravemente enfermo de disenteria, a ponto de alguns terem como certa sua morte. Foram organizadas vigílias, procissões e outros actos religiosos pela sua convalescença, e o próprio monarca fez então um voto: caso sobrevivesse, partiria em cruzada para libertar o Santo Sepulcro.

Luís IX de França Por Emile Signol, 1839, Palácio de Versalhes

A organização da cruzada durou quatro anos, durante os quais foi construído o porto de Aigues-Mortes, sob a iniciativa de Carlos de Anjou, irmão do rei. A cidade nunca chegaria a ser ressarcida do custo exorbitante da infraestrutura requerida para este projecto e por isso levaria Carlos de Anjou perante a justiça.

A 12 de junho de 1248 Luís armou-se com a oriflamme, o estandarte de guerra capetiano, na basílica de Saint-Denis. Partiu então, acompanhado da rainha Margarida da Provença, e dos seus irmãos Carlos de Anjou e Roberto I de Artésia.

Dirigiu-se para Lião, onde se encontrou com o papa Inocêncio IV, de quem recebeu a benção apostólica, e em seguida para Aigues-Mortes, onde o aguardavam as embarcações que deveriam conduzir os cruzados ao Egipto. A 25 de agosto de 1248, iniciou-se a Sétima Cruzada

As naus tocaram inicialmente a ilha de Chipre, onde o monarca se viu obrigado a permanecer durante o inverno devido a uma peste que arrebatou uma sexta parte do seu exército. Estas perdas e a demora foram contudo de algum modo compensadas pela adesão de Henrique I de Lusignan, rei de Chipre, a quem Luís conseguiu convencer a juntar-se à expedição.

Os cruzados retomaram a expedição a 13 de maio de 1249, à frente de uma formidável armada de 1800 embarcações, grandes e pequenas. Devido a tempestades, mais da metade destas desviou-se da rota pelo que, ao passar em revista as suas tropas, o rei encontrou apenas 700 cavaleiros, dos 2800 de que se compunha o seu exército.[5] A cidade portuária de Damieta foi a primeira a ser tomada, em 8 de junho.

O exército dirigiu-se então para Cairo mas sofreu ataques incessantes do emir Fakhr el-Din. De fevereiro a abril de 1250, os cruzados cercaram a cidadela de Almançora. O escorbuto e a disenteria dizimaram os soldados e forçaram o rei a bater em retirada. Um traidor lançou então o boato de que o monarca francês se rendera. A maior parte dos soldados rendeu-se e foi aprisionada, tal como Luís IX. Roberto I de Artésia morrera no decurso das batalhas por esta cidade.

Durante o seu cativeiro, o rei encarregou Margarida da Provença de conduzir a cruzada. Neste período conta-se de os emires do Egipto o quererem eleger como sultão e do nascimento de um dos filhos em Damieta, durante a negociação com os seus algozes.[5] Em Maio os cruzados foram libertados sob um avultado resgate pago pela Ordem do Templo.

Luís decidiu então prolongar a sua estadia no que restava dos estados latinos do Oriente. Reenviou os irmãos Afonso III de Poitiers e Carlos de Anjou para a França para apoiar a mãe Branca de Castela, só no governo do reino. De 1250 a 1253, consolidou as fortalezas de São João de Acre, Cesareia Marítima, Jafa e Sídon e conduziu a diplomacia dos cristãos com os poderes islâmicos da Síria e do Egipto. Na primavera de 1253, Luís IX tomou conhecimento do falecimento da rainha mãe regente, pelo que foi obrigado a voltar ao reino, deixando uma presença significativa de forças na cidade de Acre para a sua defesa contra ataques dos muçulmanos. Os cruzados embarcaram em Tiro a 25 de abril (festa de São Marcos) de 1254 e chegaram à França a 19 de julho do mesmo ano. Em 5 de setembro, encontrava-se no castelo de Vincennes e no dia seguinte entrava solenemente em Paris. O seu regresso foi acolhido com manifestações de afeição do papa Clemente IV e de Henrique III da Inglaterra

Relações com os mongóis

Luís teve várias trocas epistolares com os governantes mongóis da época e organizou o envio de embaixadores junto a estes. Os contactos iniciaram-se em 1248, com enviados mongóis apresentando uma carta de Eljiguidei, o governador mongol da Arménia e da Pérsia, propondo uma aliança militar:[8] quando o rei francês desembarcou em Chipre em preparação para a Sétima Cruzada, encontrou-se em Nicósia com dois nestorianos de Moçul chamados David e Marco, enviados de Eljiguidei. Estes comunicaram uma proposta de formar uma aliança contra o Império Aiúbida e o Califado Abássida [9]

Em resposta, Luís enviou André de Longjumeau, um padre dominicano, como emissário a Guiuque Cã na Mongólia. Mas Guiuque morreu antes da chegada deste à sua corte e a embaixada foi dispensada pela sua viúva, que lhes deu um presente e uma carta para o rei cruzado.

Eljiguidei planeava um ataque aos muçulmanos de Bagdade em 1248. Tencionava que esta ofensiva fosse realizada em aliança com Luís, juntamente com a Sétima Cruzada. Mas com a morte prematura do cã, o governador adiou as operações até depois do interregno mongol, e o bem sucedido cerco de Bagdade só aconteceria em 1258. Em 1253, Luís enviou o franciscano Guilherme de Rubruquis para a corte mongol. Mangu Cã deu-lhe uma carta em 1254, pedindo a submissão do rei francês.[10]

A colaboração militar ocorreria em 1259-1260, quando os cavaleiros francos de Boemundo VI, príncipe de Antioquia, e os do seu sogro Hetum I, se aliaram com os mongóis liderados por Hulagu Cã. Juntos conquistaram a Síria muçulmana, tomando a cidade de Alepo e depois Damasco.[9] Os contactos entre as duas potências ainda se desenvolveriam no reinado de Filipe IV de França, levando a uma cooperação militar entre os europeus e os mongóis contra os mamelucos.

Primus inter pares

O século XIII ficou para a história da França como "o século de ouro de São Luís". A França, centro das artes e da vida intelectual graças, entre outras, à Sorbonne, atingia o seu apogeu também aos níveis económico e político. Luís IX comandou o maior exército e governou o mais poderoso reino da Europa.

O mecenato que deu às artes impulsionou inovações na arte e na arquitectura gótica. O estilo da sua corte espalhou-se pela Europa pela compra de obras dos mestres parisienses e pelo casamento das filhas e outros membros da casa real com estrangeiros, introduzindo assim os modelos parisienses no exterior. A SainteChapelle de Paris, a capela real, seria também copiada por alguns dos seus descendentes. E é muito provável que tenha ordenado a produção da Bíblia Morgan, uma obra-prima da iluminura medieval

A reputação de santidade e de justiça do soberano estava já estabelecida durante a sua vida, pelo que era regularmente escolhido como árbitro das desavenças entre os grandes do velho continente. O prestígio e o respeito na Europa por Luís IX seria mais devido a estas qualidades que pelo poderio militar. Para os seus contemporâneos, foi considerado o melhor exemplo de um príncipe cristão, primus inter pares (o primeiro entre iguais). A 4 de dezembro de 1259, em Paris, assinou o Tratado de Albeville com Henrique III de Inglaterra, acabando assim a primeira fase da Guerra dos Cem Anos entre os dois países.

Um decreto de 1263 assegurou finanças fortes. Luís instalou uma comissão financeira encarregada do controlo das contas reais, reforçando a estrutura criada em 1190 pelo seu avô Filipe Augusto, um esboço da "Corte das Contas", futuro parlamento da França. O prevoste de Paris, Etienne Boileau, organizou e codificou em 1268 os ofícios da capital (redacção do Livro dos Ofícios).

Oitava cruzada e morte

Devido aos ataques continuados aos estados cruzados do Levante, Luís decidiu lançar uma Oitava Cruzada, para a qual se apresentaram os seus filhos e Eduardo I da Inglaterra, além de numerosos príncipes e senhores. Partiram em direção a Túnis a 4 de julho de 1270. Mais uma vez no mar, outra grande tempestade dispersou as embarcações e impediu muitas outras de partir.

Luís esperava converter o sultão de Túnis ao cristianismo para, aliados, atacarem o sultão do Egipto. No entanto, depois da rápida conquista de Cartago pelos cruzados, este não permitiu sequer o desembarque da armada europeia. Iniciou-se um confronto, com os franceses assediando vários pontos nevrálgicos dos inimigos e a própria capital. Como esta resistisse, decidiram dominá-la cortando os víveres.

Mas as doenças da cidade atingiram também o exército francês. Luís IX viu morrer seu filho João Tristão, nascido durante o seu cativeiro no Egipto, e pouco depois morreria ele mesmo, a 25 de agosto de 1270, precisamente 22 anos após a sua partida para a Sétima Cruzada.

O corpo de Luís IX foi colocado sobre um leito de cinzas, em sinal de humildade, e os braços em cruz, à imagem de Jesus Cristo. Este falecimento marcaria o fim da cruzada, a que se seguiriam mais mortes na família real. Isabel de Aragão, esposa de Filipe III de França, morreria na Sicília durante a viagem de regresso à França. Afonso III de Poitiers e a sua esposa Joana de Toulouse morreriam no intervalo de três dias, na Itália.

O cadáver do rei foi levado para França pelo seu filho e sucessor Filipe, com excepção das entranhas: algumas destas foram enterradas na actual Tunísia, onde ainda é possível hoje em dia visitar um túmulo de São Luís; outras foram destinadas à abadia de Monreale, na Sicília, a pedido do seu irmão Carlos I da Sicília

O resto do seu corpo, depois de uma estadia na Basílica de São Domingos em Bolonha e de uma paragem em Lião, foi transladado para a necrópole real da abadia de Saint-Denis. O seu túmulo na França era um magnífico monumento de bronze dourado concebido no final do século XIV. Foi fundido durante as guerras francesas de religião, quando o corpo do rei santo desapareceu. Só foi recuperado um dedo, mantido actualmente em Saint-Denis.

As relíquias conservadas na Sicília foram ainda transportadas para a Tunísia para a consagração da catedral São Luís de Cartago no final do século XIX e, por fim, aquando da independência deste país, devolvidas à França, onde foram depositadas na Sainte-Chapelle.

Posteridade

O culto deste santo foi juridicamente examinado e aprovado pelo papa Bonifácio VIII, que o canonizou em 1297 com o nome de São Luís da França.

Luís IX foi frequentemente considerado o modelo do monarca cristão ideal. Devido à aura de santidade ligada à memória de Luís IX, muitos mais reis da França se chamariam Luís, especialmente na dinastia de Bourbon (Luís XIII a Luís XVIII).

Diversas instituições e locais por todo o mundo receberam o nome de São Luís ou Saint-Louis, frequentemente devido ao período do império colonial francês, como por exemplo:

A Ordem Real e Militar de São Luís (l'Ordre Royal et Militaire de Saint-Louis), ordem de cavalaria fundada em 5 de abril de 1696 por Luís XIV de França, a Missão de São Luís Rei da França (Mission San Luis Rey de Francia), fundada em Oceanside (Califórnia, Estados Unidos) em 13 de junho de 1798, e em 1842 também a Congregação das Irmãs de São Luís, uma ordem religiosa católica.

As cidades de São Luís do Maranhão no Brasil, Saint Louis no Missouri, Estados Unidos, Saint-Louis do Senegal, Saint-Louis na Alsácia, França

Diversos edifícios de culto religioso católico: capelas, igrejas, basílicas e catedrais.

Interpretação política do reinado

No entanto, vários historiadores e analistas têm uma outra interpretação da vida de Luís IX. O arquitecto Eugène Viollet-le-Duc por exemplo, avançou a hipótese de que o rei fora um astuto político que soube se servir habilidosamente da religião para consolidar o seu poder e aumentar o poder do seu reino.

Na época de Luís IX, os grandes senhores feudais faziam uma concorrência feroz ao poder dos reis da França. Estavam constantemente em conflito e por vezes conspiravam contra a própria pessoa do rei.

Luís soube, ao se mostrar como um santo, usar a fé a ambição dos seus barões para os incitar a participar nas duas cruzadas. Poucos dos grandes senhores que nelas participaram voltaram à França, e Luís pôde, sem grande oposição, tomar as suas possessões. Os que sobreviveram ficaram arruinados pela expedição, e por isso mais dependentes do monarca para a sua segurança, logo mais dóceis.

As medidas contra os pecados, a perseguição dos judeus e as construções de edifícios religiosos demonstram talvez um fervor religioso, mas também um refinado espírito político. Ao ganhar os favores da Igreja Católica, também ganhava o favor dos súbditos mais pios do seu tempo. Conseguia assim um melhor controlo sobre o reino, e uma maior legitimidade.

A modernização da administração do estado e o reforço que deu à justiça real seriam as últimas conquistas por que lutou, a fim de aumentar os seus poderes e os dos seus descendentes no trono dos capetianos. A sua Corte das Contas foi o instrumento fundamental desta construção política.

Assim Luís conseguiu firmar os alicerces do que começava finalmente a ser o estado-nação da França, unido sob um rei de direito divino. E conseguiu-o por uma subtil política, muito mais eficaz do que conflitos com os seus vassalos e tentativas de os subjugar pela força.

Descendência

Do seu casamento a 27 de maio de 1234 com Margarida da Provença, teve os seguintes filhos:

• Branca (4 de dezembro de 1240 - 29 de abril de 1243)

• Isabel de França (2 de março de 1242 - 27 de abril de 1271), casada em 1258 comTeobaldo II, rei de Navarra

• Luís (21 de setembro de 1243 ou 24 de fevereiro de 1244 - 13 de janeiro de 1260)

• Filipe III de França (1 de maio de 1245 - 5 de outubro de 1285), seu sucessor no trono francês

• João (1246 - 10 de março de 1248)

• João Tristão ou João de Damieta (8 de abril de 1250 - 3 de agosto de 1270), conde de Valois, casado em 1266 com Iolanda da Borgonha, condessa de Nevers

• Pedro (1251 - 6 de abril de 1284), conde de Alençon e de Perche, casado em 1272 com Joana de Châtillon, condessa de Blois e Chartres

• Branca (1252 ou 1253 - 17 de junho de 1320), casada em 1269 com Fernando de La Cerda príncipe herdeiro do reino de Castela

• Margarida da França (1254 ou 1255 - julho de 1271),casada em 1271 com João I, duque de Brabante

• Roberto de França, conde de Clermont (1256 – 7 de fevereiro de 1317), casado em 1279 com Beatriz de Borgonha, herdeira de Bourbon, ancestral de Henrique IV de França

• Inês (1260 - 19 de dezembro de 1325), casada em 1279 com o duque Roberto II da Borgonha O segundo dos seus filhos varões, Filipe III de França, foi o seu sucessor no trono, cujos descendentes directos foram reis até Henrique III de França. A descendência do varão mais jovem de São Luís, Roberto de Bourbon, subiu ao trono francês depois de nove gerações.

Fontes historiográficas sobre São Luís

Muito do que actualmente se sabe sobre a vida de São Luís foi o que ficou registrado por João de Joinville, o seu principal biógrafo com a obra A Vida de São Luís. João de Joinville era amigo, confidente e conselheiro do rei, e também foi uma das principais testemunhas no processo de canonização em 1297 pelo papa Bonifácio VIII.

Duas outras biografias importantes foram escritas pelo confessor do rei, Godofredo de Beaulieu, e pelo seu capelão, Guilherme de Chartres, Grão-Mestre da Ordem dos Templários. A quarta notável fonte de informação é a biografia de Guilherme de Saint-Pathus, escrita usando o inquérito papal sobre a vida do rei para a sua canonização. Apesar de vários outros terem escrito biografias nas décadas seguintes à morte de Luís IX, só João de Joinville, Godofredo de Beaulieu e Guilherme de Chartres conheceram pessoalmente o rei.

Luís XIII de França

Luís XIII (Fontainebleau, 27 de setembro de 1601 – Paris, 14 de maio de 1643), também chamado de Luís, o Justo, foi o Rei da França e Navarra de 1610 até sua morte. Era filho do rei Henrique III & IV e de Maria de Médici

Luís ascendeu ao trono alguns meses antes de seu aniversário de nove anos, com sua mãe atuando como regente durante a minoridade. O mau gerenciamento do reino aliado às intrigas políticas de Maria e seus favoritos italianos levaram o jovem rei a tomar o poder em 1617, exilando-a e aos seus seguidores.

Taciturno e desconfiado, Luís muito dependia do Cardeal de Richelieu, seu principal ministro, para governar seus reinos. O rei e o cardeal são lembrados por estabelecerem a Academia Francesa e por colocarem um fim em uma revolta na vila francesa. Seu reinado também foi marcado por conflitos contra os Huguenotes e a Espanha.

Infância

Delfim do Viennois desde 1601 a 1614, Luís XIII cresceu com seus irmãos e irmãs no Palácio de Saint-Germain-enLaye.[1] Foi criado ao lado dos filhos bastardos de seu pai. O delfim não saiu de Saint-Germain-en-Laye até 1609, quando partiu para viver no Louvre ao lado de seu pai, para aprender sobre seu futuro cargo de rei.

O jovem rei recebe uma educação superficial por parte de seu preceptor, Gilles de Souvré. Pouco interessado em latim e em letras, o jovem rei se interessava mais pela caça e pela música.

Em 14 de maio de 1610, quando morre Henrique IV, Luís XIII sobe ao trono com apenas nove anos de idade. Foi sagrado em Reims em 17 de outubro de 1610, sendo sua mãe declarada regente. Luís foi também o 10º chefe, soberano grãomestre da Ordem de São Miguel e 3º chefe soberano grão-mestre da Ordem Milícia do Bendito Espírito Santo.

Durante sua menoridade, de 1610 a 1617, a Rainha-mãe Maria de Médici serviu como Regente. A posição insegura de sua regência ante a nobreza do reino e seus vizinhos europeus a obrigou a romper com a política de Henrique IV. A política da rainha provoca, no entanto descontentamentos. Maria de Médici tenta reforçar o poder monárquico, através de suas damas de companhia, como Leonor Galigaï, e de homens como Concino Concini, o que desagrada profundamente a certa parte da nobreza francesa. Aproveitando a fraqueza causada pela regência, nobres de grandes famílias como o príncipe de Condé, revoltam-se contra Maria de Médici para obter compensações financeiras. Em conformidade com o tratado de Saint-Menehould (15 de Maio de 1614), a rainha convoca os Estados Gerais em Paris. O príncipe de Condé não chega a estruturar a sua oposição ao poder real.

Maria de Médici, para recuperá-lo, resolveu fazer as pazes com a Espanha, por meio de um duplo casamento francoespanhol, entre Luís XIII e Ana de Habsburgo; e Isabel de Bourbon e Felipe de Habsburgo.

Casamento

A regência de Maria de Médicis era catastrófica. A má gestão dos assuntos do governo pela rainha criava problemas no reino. Em 21 de novembro de 1615, Maria casa seu filho com a infanta de Espanha, Ana D'Áustria, filha do rei Felipe III de

Espanha. Para Luís era nada mais que outra humilhação, pois Luís XIII via em Ana uma simples espanhola, portanto uma inimiga. Enquanto os espanhóis entregavam Ana, Maria de Médici dava sua outra filha, Isabel de Bourbon, em casamento a Felipe IV de Espanha, irmão de Ana. Luís XIII, que só tinha 14 anos, não consuma o matrimônio. Foi preciso esperar quatro anos para que o rei, forçado pelo duque de Luynes, se deitasse com a rainha.

Em 1626, a rainha Ana D’Áustria, induzida pela Duquesa de Chevreuse, tomou parte no complô do Conde de Chalais para assassinar Luís XIII, a partir desta data o casal passou a viver apartado.

Após a entrada da França na Guerra dos Trinta Anos, Ana D’Austria trata de informar secretamente aos espanhóis sobre as disposições políticas e diplomáticas francesas. Descoberta a traição, foi cogitado o divórcio ou repúdio, porém o próprio Luís XIII preferiu dar o assunto por encerrado.

A ausência de um herdeiro varão foi uma constante preocupação durante grande parte de seu reinado. A perspectiva de que viesse a morrer subitamente; sem herdeiros diretos; alimentou por muito tempo as pretensões de seu irmão Gastão, Duque de Orleans e do partido devoto.

A política externa francesa baseava-se na luta contra os Habsburgos, o que causou constante tensão entre Luís XIII e a rainha Ana D’Áustria.

Após sucessivos abortos e vários períodos de distanciamento, o casal teve dois filhos.

Início do reinado

Em 1610, após o assassinato de seu pai Henrique IV, Luís XIII ascende ao trono com apenas nove anos de idade. Os negócios de Estado são conduzidos por sua mãe Maria de Médici, que assume a regência do reino.

A maioridade do jovem monarca foi proclamada em 1614, porém Maria de Médici alegou que Luís XIII era demasiado débil de corpo e alma para assumir os deveres de seu cargo; apartando-o do Conselho e deixando o governo entregue a seus favoritos Concino Concini e Leonor Galegai, o que indignava o jovem monarca.

Traumatizado pela morte brutal de seu pai, o jovem rei não teve uma infância muito alegre. Sua mãe sempre demonstrou predileção pelo filho caçula Gastão (futuro Duque de Orleans). A medida em que Luís crescia, convertia-se numa personalidade amargurada, taciturna e desconfiada, cultivando ódio aos favoritos italianos agrupados em torno da Rainha-Mãe.

Graças a um golpe de força, em 24 de abril de 1617, Luís XIII assumiu de fato o poder, ordenando a morte de Concino Concini e exilando a rainha-mãe em Blois; embora na prática nada mais tenha feito do que substitui-los por seu próprio favorito o Duque de Luynes, o qual acumulou títulos e fortuna, sem apresentar melhor desempenho na condução dos negócios de Estado.

Em 22 de fevereiro de 1619, a rainha-mãe escapa do Castelo de Blois e levanta um exército contra seu filho. Luís XIII decide reconciliar-se com ela, firmando o Tratado de Angouleme, pelo qual lhe cede as cidades de Angers e Chinon, proibindo-lhe porém o retorno ao Conselho.

Mais tarde, Maria de Médici, obteve de Luynes o governo do Anjou, ponto de encontro dos descontentes, e novamente levantou um exército. As tropas que a apoiavam foram vencidas pelas do rei em Les Ponts de Cé em agosto de 1620. O rei firma com ela um acordo de paz e lhe permite o retorno à corte.

Logo após o armistício, Luís XIII viajou a Pau, capital do Reino de Navarra, do qual também era soberano, para restabelecer o culto católico, proibido pelos protestantes havia mais de meio século. Desde então a política da realeza dirigiu-se a colocar fim nos privilégios políticos e militares obtidos pelos huguenotes ao fim das guerras de religião. Nesse mesmo ano de 1620, o referido Reino de Navarra foi incorporado no Reino de França.

Conflitos do reino

Em 1621, Luís XIII realiza uma primeira campanha contra os protestantes rebelados, o que lhe permite a tomada de SaintJean-D’Angely, porém é derrotado ante Montauban

A rebelião findou em outubro de 1622 pelo Tratado de Montpellier, assinado com o Duque Henrique II de Rohan, líder do partido protestante. O tratado manteve os termos do Edito de Nantes em relação à liberdade de culto, porém reduziu o direito dos huguenotes de manter praças fortes, permitindo-lhes apenas mantê-las em Montauban e La Rochelle.

O Duque de Luynes havia morrido de escarlatina em dezembro de 1621, durante o cerco de Montheurt, sendo substituído por Brûlant de Sillery e seu filho, o marquês de Puisieux; os quais rapidamente perderam o favor do rei, que neste período tendeu a participar mais ativamente dos negócios de Estado. A rainha-mãe recuperou parte de sua influência e conseguiu que Richelieu fosse admitido no Conselho em 1624

Os protestantes promoveram um novo levante, liderados pelos duques Henrique II de Rohan e Benjamin de Soubise. Em setembro de 1625 os exércitos do rei, sob comando do Marquês de Toiras, promoveram uma ofensiva que levou a

retomada da Ilha de Ré, com apoio naval anglo-holandês. O levante concluiu-se em 1626 mediante o Tratado de Paris, porém a paz teve curta duração.

Em 1627, a falência do acordo anglo-francês de 1624, levou a Inglaterra a mudar de posição, passando a apoiar o partido protestante.

O Duque de Buckingham, ministro do Rei Carlos I da Inglaterra, organizou uma expedição naval a Ilha de Ré para apoiar os revoltosos franceses sitiados em La Rochelle. As forças leais a Luís XIII, sob comando do Duque de Angouleme, resistiram e mantiveram o cerco à cidade.

A praça de La Rochelle rendeu-se incondicionalmente em 1628, após resistir por quatorze meses sob liderança do Major Jean Guitton. Durante o cerco a população da cidade caiu de 27 mil para apenas 5 mil pessoas, devido à fome e doenças.

Luís XIII promulgou o Edito D'Alès, em 28 de junho de 1629, pelo qual proibiu as assembleias políticas e suprimiu o direito concedido aos protestantes pelo Edito de Nantes de manter praças fortificadas. Manteve-lhes porém o direito à liberdade de culto em todo reino, exceto em Paris.

Luís XIII enfrentou ainda, com sucesso, diversas conspirações que envolveram diretamente membros de sua família, a principiar pela rainha-mãe, como também seu irmão Gastão D’Orleans, seu meio-irmão Duque de Vendôme e sua própria esposa a rainha Ana D’Áustria.

Quase sempre agiu com complacência para com os parentes implicados, não tendo porém, a mesma condescendência em relação aos demais membros da nobreza, dos quais alguns acabaram executados, como o Conde de Chalais, o Marechal de Marillac, o Duque de Montmorency, e mesmo seu favorito, o Marquês de Cinq-Mars.

Também agiu com rigor ao proibir a realização de duelos; uma prática comum entre os nobres daquele tempo; mostrando-se inflexível ao negar clemencia ao Conde de Montmorency-Bouteville, condenado à morte em 1627 por reincidir nesta prática.

Expansão Ultramarina

Durante o reinado de Luís XIII, foi impulsionado o povoamento no Canadá (colônia de Nova França). A coroa incentivou a expansão dos assentamentos ao longo do Rio São Lourenço, entre Quebec e Montreal. O cardeal de Richelieu editou a Ordenação de 1627, pela qual os nativos convertidos ao catolicismo passavam a ser considerados súditos franceses.

Ainda neste período fundou-se a “Companhia da Nova França” (também conhecida por “Companhia dos Cem Associados”), que fomentou o comércio e a colonização nas possessões francesas na América do Norte.

Na África do Norte foi concluído o Tratado Franco-Marroquino de 1631, pelo qual a França obteve vantagens comerciais.

A promoção do comércio com a Ásia foi impulsionada pela fundação da “Companhia das Molucas” em 1619 e pelo estabelecimento de relações diplomáticas com o Japão. O governo do reino interveio nas disputas comerciais daquele continente enviando a “Esquadra de Montmorency” para combater a frota holandesa no extremo oriente, selando-se posteriormente um acordo favorável à França, incluído no Tratado de Compiègne em 1624.

No Brasil a colônia da “França Equinocial” foi estabelecida em 1612 em torno da fundação da vila de São Luís (Maranhão), porém teve curta duração, sendo dominada pelos portugueses quatro anos mais tarde.

O Ministério de Richelieu

Em 1624, Maria de Médici fez ingressar no Conselho do Rei o Cardeal de Richelieu, o qual havia sido representante do clero nos Estados Gerais de 1614 e ministro durante o governo de Concini. Ao cabo de algum tempo o prelado veio a tornar-se o principal ministro do rei.

Durante alguns anos, a Rainha-Mãe não percebeu o poder e a importância que seu protegido vinha adquirindo no reino. Maria de Médici sempre parabenizava o Cardeal pelo seu ótimo desempenho, mas logo surgiram algumas divergências de opiniões entre eles. Quando Richelieu persuadiu o rei a aliar-se ao Duque de Nevers e declarar guerra à Espanha e ao Ducado de Mântua e Monteferrat, Maria se opôs, alegando que a continuação do conflito iria esgotar a França.

Durante a Guerra com a Espanha, Maria tentou persuadir o rei a obter a paz com os Habsburgo, mas Luís XIII rejeitava os conselhos de sua mãe em favor do cardeal. Finalmente, depois de várias batalhas, foi assinada a paz com dignidade para ambos os lados.

Assim começou a batalha entre a Rainha-Mãe e o Cardeal de Richelieu. Durante a guerra no Ducado de Mântua e Monteferrat a Rainha-Mãe e a Rainha Ana D'Áustria pediram a Luís XIII que afastasse o cardeal, e o rei prometeu que iria fazê-lo assim que acabasse o conflito.

Finalmente, no dia 10 de Novembro de 1630, no Palácio de Luxemburgo, Maria de Médicis convocou o filho, Luís XIII, repreendeu-o e pediu que abandonasse Richelieu. O Cardeal, reconhecendo a importância da entrevista, tentou entrar na sala mas Maria de Médici tinha ordenado aos guardas que mantivessem as portas trancadas. Entretanto o Cardeal entrou

no apartamento da rainha através de uma porta lateral. Maria ficou furiosa com a presença de Richelieu, e chamou-o de "ingrato" e "traidor." O Cardeal se ajoelhou diante do rei e argumentou. Luís XIII lhe deu as costas e foi para Versalhes, onde possuía um pavilhão de caça.

Os cortesãos, acreditando na vitória da Rainha, se inclinavam diante dela. O rei mandou, entretanto, chamar Richelieu, renovou-lhe sua confiança e prometeu jamais se separar dele. Este episódio ficou conhecido como “O Dia dos Logrados”. Vitorioso, Richelieu tornou-se primeiro-ministro e Maria de Médici foi exilada em Compiègne

Trabalhando em estrita colaboração ao longo dos anos seguintes, os dois homens compartilharam as mesmas concepções sobre a grandeza da França e as prioridades que se impunham no âmbito político, contemplando a racionalização do sistema administrativo, o desenvolvimento naval, a submissão da nobreza e no exterior a luta contra a Casa de Habsburgo. Richelieu, após ter apoiado secretamente os adversários da casa d’Áustria (Habsburgo), interveio diretamente na Guerra dos Trinta Anos. O ministro de Luís XIII, embora interessado no aniquilamento da Casa da Áustria, não pretendia intervir diretamente no conflito por ser o imperador austríaco defensor do catolicismo, mas as vitórias imperiais e a possibilidade da consolidação do poder dos Habsburgos o levaram a lutar ao lado dos príncipes protestantes da Suécia, Holanda e Alemanha.

O cardeal de Richelieu morreu em 1642, sendo substituído no posto por outro prelado, o cardeal italiano Julio Mazzarino. Morte e Sucessão

A morte do rei se deu exatamente no trigésimo terceiro aniversário da morte de seu pai Henrique IV; e alguns meses após a morte de seu ministro Cardeal de Richelieu.

Luís XIII morreu em Saint Germain-en-Laye à 14 de maio de 1643, após ter passado seis semanas sofrendo de cólicas e vômitos.

Segundo seu biógrafo A. Lloyd Moote “seus intestinos estavam inflamados e ulcerados, tornando virtualmente impossível a digestão; além disso uma tuberculose havia lhe afetado os pulmões, o fazendo tossir com frequência”. Seu corpo foi levado à Basílica de Saint Denis.

Cinco dias após sua morte os franceses venceram a Batalha de Rocroi. Luís XIII morreu sem ver o triunfo de sua política externa, a qual levaria o reino da França a tornar-se o Estado preponderante na cena europeia dos séculos XVII e XVIII. Foi sucedido no trono por seu filho Luís XIV, o qual por ser menor de idade ascendeu ao trono somente em 1654, após um turbulento período de regência da Rainha Ana D’Áustria.

O Rei teve como favoritas:

1 - Marie de Hautefort (12 de fevereiro de 1616 - 1 de agosto de 1691). Teve sobre o rei enorme influência. Em 1659 era proprietária da casa nº 13 da rue de Buci, pois enviuvara desde 1656 do Duque de Schönberg. Morava portanto perto do pai (rue St Dominique) e da cunhada, a Duquesa de Liancourt (que vivia na rue de Seine). Mais tarde se retirou para o convento de religiosas beneditinas da Madeleine-de-Tresnel, transferido por Ana d’Austria em 1664 para o nº 100 rue de Charonne, e ali morreu.

2 - Louise-Angèle de la Fayette (c. 1616 - janeiro de 1665, no convento que fundou em Chaillot, do qual era superiora. Foi dos 14 filhos de João, Conde de La Fayette e de Marguerite de Bourbon-Busset, dama de honra da rainha Ana de Áustria. Richelieu a introduziu na corte, na esperança de vê-la contrabalançar a influência de Marie de Hautefort. Acabou encorajando o Rei a resistir ao cardeal. Em 1637 entrou para o convento das Filles de Sainte-Marie onde a visitava o Rei, até intervenção de Richelieu.

Personalidade

Luís XIII foi um rei-soldado, a exemplo de seu pai, sendo desde pequeno fascinado por cavalos e armas. Foi um excelente cavaleiro e frequentemente se fez presente em campo de batalha. Em tempos de paz a caça era seu passatempo predileto, mantendo um pavilhão de caça em Versalhes, que posteriormente daria origem ao palácio edificado por seu filho Luís XIV.

Dedicava-se também à música, da qual era grande apreciador, sendo ele mesmo um hábil alaudista

Era taciturno, tímido e gago, quando jovem demonstrava pouca confiança em si. Alguns biógrafos lhe atribuem um caráter nervoso e inquieto, por vezes agressivo e violento.

Apresentou ao longo de sua vida uma saúde frágil, sendo acometido frequentemente por enfermidades.

Profundamente católico tolerava os protestantes apenas em respeito à pacificação das guerras de religião promovida por seu pai Henrique IV. Imbuído de uma aversão ao pecado decorrente de sua educação religiosa, era extremamente tímido e desconfiado acerca de seus cortesãos e sobre tudo das mulheres as quais considerava frívolas e viciosas.

A misoginia do rei fez alguns estudiosos considerarem sobre sua possível bissexualidade. Luís XIII teve ao longo de sua vida um certo número de favoritos (o Duque de Luynes, o Marquês de Toiras, Baradat, o Duque de Saint-Simon e o Marquês de Cinq-Mars); porém seus contemporâneos parecem não ter visto em suas amizades masculinas aspectos sexuais. Diversos historiadores têm examinado a teoria sobre a possível bissexualidade de Luís XIII, sem lograr porém, o aporte de provas conclusivas sobre essa questão.

Legado

Em relação à política interna, em conjunto com seu ministro Cardeal de Richelieu; destruiu o poder político e a capacidade militar dos huguenotes.

Foi um continuador da obra de centralização política de seu pai Henrique IV. Esforçou-se por submeter a nobreza, reprimindo várias conspirações tramadas contra ele (execução de Chalais, Cinq-Mars e Thou). Procurou ainda abrandar os costumes, proibindo a realização de duelos (éditos de 1626).

Impondo-se ao partido devoto (ou católico) manteve no cargo o ministro Richelieu, promovendo a entrada da França ao lado das potencias protestantes (Suécia, Dinamarca e Holanda) na Guerra dos Trinta Anos, da qual a França emergiu como principal potência europeia ao término do conflito.

Sua administração foi assinalada por reformas úteis nas finanças, no exército e na legislação (código Michau). Consolidou o absolutismo real, pôs fim aos privilégios provinciais com a centralização administrativa e a instituição dos intendentes. Promoveu a expansão ultramarina francesa e fundou a Academia Francesa.

Quanto aos aspectos territoriais, incorporou ao território francês o Reino de Navarra (herdado de seu pai Henrique IV) e invadiu o condado de Roussillon (definitivamente anexado a França pelo Tratado de Pirineus em 1659).

Quanto aos aspectos econômicos, Luís XIII cunhou em 1640 o primeiro Luís de ouro, implantando um sistema monetário que sobreviveria até à Revolução Francesa. Porém sua política de tributação (como o aumento dos impostos da talha e da gabela) criou um estado de revolta endêmico em diversas províncias.

Desenvolveu o poderio naval do reino, incentivou o comércio externo e a expansão colonial ultramarina.

ARTIGOS & ALGO MAIS

DIOGO GAGLIARDO NEVES

Um dos poetas maranhenses menos conhecidos é Teófilo Dias. Seu sobrenome materno indica o parentesco famoso: era sobrinho pelo lado materno do consagrado poeta Gonçalves Dias!

Teófilo também nasceu em Caxias, em 1854. Em 1875 já residia na capital do Império, mas se formou na Faculdade de Direito de São Paulo, concluindo o curso jurídico em 1881.

Embora exercesse a militância na advocacia, dedicou-se, também, ao jornalismo, ao ensino e à poesia. Casando-se com uma filha de Martim Francisco, da família Andrada, ingressou na política, filiando-se ao Partido Liberal. Em 1885 era eleito deputado provincial.

Cultivou íntimas relações de amizade com Assis Brasil, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães e, principalmente, com Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, cujo pai, o Visconde de Ouro Preto, seria o último presidente do Conselho de Ministros. A amizade com Afonso Celso Júnior teve, como consequência, a escolha de seu nome, como patrono da cadeira nº 36, da Academia Brasileira de Letras.

Instalado em São Paulo, ali morreu em 29 de março de 1889, estando enterrado no cemitério do Araçá.

“ Tudo a matilha audaz perlustra, corre, aspira, Sonda, esquadrinha, explora, e anelante respira, Até que, finalmente, embriagada, louca, Vai encontrar a presa o gozo em tua boca.”

(in: “A Matilha”)

Obras:

“Flores e Amores”, Caxias: Typographia Maranhense – Paulo Ribeiro, 1874.

“Lira dos Verdes Anos”, Rio de Janeiro: Evaristo Rodrigues da Costa, Editor, 1878.

“Cantos Tropicais”, Rio de Janeiro: Livraria de Agostinho Gonçalves Guimarães & Cia., 1878.

“Fanfarras”, São Paulo, Dolivaes Nunes, 1882.

“A comédia dos deuses”, São Paulo, Teixeira & Irmão Editores, 1887.

“Poesia completa”, [preparação, apresentação e notas: Claunísio Amorim Carvalho]. São Luís: Edições AML; Café&Lápis,2021.469p.

TEÓFILO DIAS

RESENHA DO JORNALISTA E POETA MHARIO LINCOLN SOBRE O LIVRO "A LINGUAGEM DA AUSÊNCIA", DO FILOPOETA ROGÉRIO ROCHA.

Não foi uma sensação comum que eu senti ao folhear "A Linguagem da Ausência". Quando comecei a ler veio-medeimediatoavontadededecifraresseconceitointrigantequetemo livro -emmeubestunto– cravado nas raízes originárias da filosofia e na junção do hermenêutico com o prático, muito além de uma construção, simplesmente, lírica. Algo perceptível, mas que transcende as barreiras acadêmicas para se manifestar como uma outra forma de expressão poética reflexiva sobre o existencialismo.

O livro de Rogério Rocha, de todos os 50 que certamente li em 2023, pode ter sido o mais perto da plenitude legítima da liberdade de expressão poética, especialmente por incorporar o seu papel na transformação das fases criativas do autor. Eu me baseio na historicidade de Rogério, desde quando recebi seus primeiros conteúdos líricos. Além disso, discutir nesse nível - a linguagem da ausência - é algo dificílimo quando se busca alinhar o "eu poético" com a representatividade da alma.

Por isso escrevi, antes de ler a obra, que o tema (seria) complexo por explorar a natureza da ausência e do vazio como elementos centrais das reflexões de Rogério. Para entender, após lê-lo, fui à fenomenologia e descobri 'a ausência' como parte intrínseca da consciência, esta, constantemente dinâmica por buscar preencher lacunas e vazios. O filósofo francês Jean-Paul Sartre, em sua obra "O Ser e a Nada", aborda a ausência como um elemento fundamental da existência humana, enfatizando "(...) a liberdade e a responsabilidade que surgem quando confrontamos a ausência de significado pré-determinado em nossas vidas(...)".

Mas como eu li uma obra poética, (mesmo que vá além, como já disse) tenho que analisá-la nessa abordagem. E nesse aspecto, "A Linguagem da Ausência" traz em seu bojo sublinhas que alcançam conceitos muito perto da linha do simbolismo e do surrealismo, levando-me a convidar para a mesma mesa, por exemplo, Arthur Rimbaud e André Breton exploradores da 'a ausência' em seus escritos, utilizando metáforas e imagens enigmáticas para comunicar a complexidade do mundo interior humano. Ora, "A Linguagem da Ausência", através de seu autor, teve a imensa capacidade única de transformar em poesia toda essa complexidade simbólica e surreal, través de interpretações pessoais do vazio, da incerteza e da ambiguidade, elementos intrínsecos à experiência existencial.

Aí,oladodoloridodequemcompõeversos: aexplicitudedoexistencial.Muitasvezes escondidinhonoabissal da própria alma. Veja que delícia ter a oportunidade ímpar de ler versos assim! Mesmo porque, quando os poetas exploram a ausência, eles estão, de certa forma, enfrentando a própria essência da existência humana: a busca por significado em um mundo muitas vezes carente de respostas definitivas.

Essa trapézica e perigosa investida de Rogério Rocha em utilizar a poesia da 'ausência', de certa forma, acaba por desafiar as estruturas tradicionais românticas, acadêmicas e 'preguiçosas" da linguagem e da narrativa. Assim eu, leitor, fui dilaceradamente pespegado a mergulhar em um mundo de simbolismo e imaginação, até

QUANDO O VAZIO SE TORNA EXPRESSÃO DA ARTE (+Q) POÉTICA

então, pouco visitado por mim, em minhas leituras. Então conclui: essa forma de poesia não busca fornecer respostas, mas sim questionar e explorar as perguntas fundamentais sobre a vida, o amor, a morte e a identidade.

À medida que avanço nas páginas desse agregado de ideias poéticas, torna-se necessário ir às mais longínquas nesgas do entendimento diferenciado. E tenha certeza que aprendi algumas coisas muito interessantes que irei usar - e já as estou usando neste texto - porque transcende fronteiras disciplinares e se manifesta na filosofia, na arte e na poesia. Quer ver? É impossível escrever sobre "A Linguagem da Ausência" e não citar excertos que me chamaram bastante a atenção:

"(...) quero um canto de sensatez, com força de recorrência, atendendo com paciência, ao insano amor da musa que assim me quer e fez", onde se revelam elementos relacionados à busca por uma estabilidade emocional e ao papel da paciência na interação entre indivíduos; isto é, um desejo por equilíbrio e racionalidade em meio às emoções humanas e a uma sociedade frequentemente marcada por desafios e turbulências emocionais.

Outro excerto emocionante: "meu corpo é um fantasma do avesso". É pura reflexão sobre a identidade pessoal. Quem sabe não é uma crítica às normas corporais impostas pela sociedade? Cito isso aqui, possivelmente por influência de uma recente obra que li e é essencial para o século XXI. Trata-se de "O Mito da Beleza", de Naomi Wolf. Nessa obra ela mostra que milhares de pessoas ao redor do Mundo, estão literalmente "desconfortáveis em relação ao próprio corpo".

Já o verso "só a tua letra informa, a história da voz e do som que não ouço..." é sui-generis: seria uma grande dificuldade de compreensão completa entre vibrações sensitivas e sensuais, que deve se ter dado de forma fragmentada? A letra, está lincada ao espasmo da mão, a voz reproduz as emoções interiores e o som que não ouço... bem, esse, é um aspecto altamente pessoal e intransferível. O que me levou a escolher esse verso foi a ideia da lacuna entre a linguagem e o espasmo da consciência "duo/sensitives".

Finalmente, não poderia deixar de citar algo que realmente me deu trabalho para analisar: "Sou tormento na calma da tarde, com o fio de Ariadne acerto minha rota (...) O labirinto é sempre um desafio." Mas, depois de ir ao encontro de São Tomás de Aquino, pude interpretar tais versos começando com uma representação da dualidade, nessa experiência lírica. O mais forte, no entretanto, é "O Labirinto é sempre um desafio". O uso da metáfora do labirinto no verso pode ser visto como uma representação simbólica das complexidades ao entorno e pode ser entendida a um simbolismo, até, das estruturas sociais, das normas e dos desafios que as pessoas enfrentam em suas interações com a sociedade. O labirinto pode representar os caminhos intrincados que as pessoas precisam navegar em suas vidas.

Por outro lado, a espetacular assertiva de citar o ‘fio de Ariadne’ é prova de sabedoria, pesquisa e conhecimento de Rogério Rocha. (Eu sempre afirmo que só o dom não resolve). Voltando à mitologia grega, sabe-sequeesse fiofoiusadoporAriadneparaajudarTeseu asairdolabirinto doMinotauro.Filosoficamente, o fio de Ariadne pode ser interpretado como um símbolo da razão ou da orientação moral que guia as pessoas em sua busca por significado e direção em um mundo complexo ou simplesmente a busca, dele mesmo, por algo existencial querendo respostas e significados que podem ter sido experimentadas nesta sua primeira obra ‘revolucionária’, semente de uma tríade, sem dúvida, a ser continuada sobre o tema.

E por fim, outro verso simples enlouquecedor: "o que faço com o infinito que transborda em mim". Será uma resposta subliminar à pressão da sociedade diante de normas e limitações? Algo próximo a autoexpressão e a conformidade social, destacando a necessidade de equilibrar o desejo de ser autêntico com as expectativas sociais. Pode ser igualmente, uma ideia de que os seres humanos têm riqueza interior e que transcendem a limitações físicas e temporais. Isso se relaciona com a filosofia da mente e da consciência e com a ideia de que a experiência humana é vasta e complexa, indo além das categorias convencionais. Portanto, seria um pecado, tentar analisar esse verso, apenas, como algo poético. O que o verso pode ter feito, foi fornecer insights adicionais para sua interpretação poética.

Destaforma,sinto-meenriquecidodeverasporterlidoas217páginastextuaisde"ALinguagemdaAusência", caro Rogério. Aprendi muito. Refleti muito, porque fui impelido a tal. Obrigado.

Parabéns, portanto, confrade Rogério Rocha.

CRÔNICA DA ESPERANÇA CRÔNICA

EDMILSON SANCHES

Pé ante pé. Dia após dia. E de repente, “não mais que de repente”, já não havia mais tempo, já não havia mais dia. O ano se acabou. Mais um ano se passou. O lugar do calendário é uma parede vazia, cheia de cor, quadro-verde onde traçaremos, a giz, os passos de mais um ballet de esperança.

Esquecida no chão, resta a folhinha de um último dia, ponto de partida, sinal de largada para uma nova maratona, teste de resistência. E sobrevivência.

* * *

Não; nós nunca esqueceremos 2023. Não devemos. Não podemos esquecer (alguns bem que gostariam). O ano morto está vivo dentro de nós.

Sabemos: 2023 foi danado, agoniado, sapato acochado, faca afiada, de dois gumes. Mas resistimos. “Resistir é permanecer”.

Vamos encarar 2024, de peito estofado e queixo erguido. Vamos recuperar, ou fortalecer, a confiança deste Povo, os méritos deste País. Sem falsas expectativas nem exageradas angústias. Mas serenidade e espírito de luta, como de sempre. E como sempre, vale a pena um bocadinho de oração, um pouquinho de reflexão, em quaisquer lugares, insabidos ou incertos. Pode ser de manhãzinha na igreja, ou à tardinha no bar. Nesses momentos, com o copo ou com o rosário, mais uma vez o que vale é a intenção, o que importa é o homem. O homem e sua alma. Pois nem tudo está perdido.

* * *

Muito bem. Nem oito nem oitenta. Nem nove nem noventa. Nem cem ou mil. Dois mil. E vinte e quatro. Quem sabe, com 2024 ganharemos um belo futuro. De presente. Vamos ter esperança. De quê? Em quê? Ora… na gente mesmo. Vamos dar uma geral na vida. Uma geral no trabalho. Uma geral no País. Bem que precisa. Precisamos.

Pois todo ano novo / é sempre um novo ano, / de sonhos fartos / e visões nuas / que embalam / su-a-ve-men-te / os viventes / destas ruas.

*

Há lágrimas nos olhos. Há um aperto no coração. Há um nó na garganta. Há uma dor no peito, um frio no lombo, suor nas mãos… Mas há sorrisos também. E disposição para continuar vivo. É assim mesmo perfeição é coisa de Deus, não ficou para o homem. Então, vamos lá! Pelas palavras do Poeta, temos a certeza de que

“o último dia do ano não é o último dia do tempo.

O último dia do tempo não é o último dia de tudo. Novas coxas e ventres se abrirão e nos comunicarão o calor da vida”.

*

Perdemos 2023. Mas não perdemos a vida nem a vontade de viver. Ganhamos 2023, porque ultrapassamos sua própria marca, transpusemos suas barreiras. Chegamos ao seu fim sem nos finarmos.

Em 2023 tanta esperança nos foi frustrada, tanta coisa nos foi tirada… Mas nada, nada neste mundo de meu Deus, impedirá que a vida sobreviva, que a esperança continue. Por tudo isso, e por isso tudo, feliz, mas feliz mesmo, FELIZ ANO NOVO! .

ANTECIPARAM A MORTE DO ESCRITOR ERASMOS DIAS E FOI UM ALVOROÇO. QUEM CONTA É JOSÉ CHAGAS

MHL e José Chagas

NA CRÔNICA, “A MORTE DE ERASMO”, PUBLICADA NO ‘JORNAL DO DIA’, EM SÃO LUÍS, 5 DE MAIO DE

1969, JOSÉ CHAGAS É ÚNICO.

QUEM ERA:

Erasmo Dias nasceu em São Luís (MA) em 1916 e faleceu nesta cidade – ilha ainda sob o signo dos últimos cantares da helenização, em 15/05/1981. Passou a infância e adolescência em Cururupu, MA. Erasmo foi um escritor de estilo fluente, destacando-se como romancista, contista, ensaísta e crítico literário. Neste campo de domínio de conhecimento literário, do que não se perdeu, Nauro Machado resgatou-o na obra Erasmo Dias e Noites. Boêmio, a sua casa dos Apicuns, tornou-se um ponto de encontro de jornalistas, intelectuais, escritores e aspirantes às Letras. (Do blog EDUCAÇÃO & TECNOLOGIA/2012).

José Chagas: “A morte de Erasmo”, ‘Jornal do Dia’, São Luís, 5 de maio de 1969.

In Memoriam

A morte do jornalista Erasmo Dias, anteontem, constituiu o mais psicodélico dos acontecimentos nos últimos dias, em São Luís. A notícia espalhou-se pela cidade e, entre dúvidas e certezas, muitos de seus amigos viveram momentos de angústia, alguns procurando afogar essa angústia no “Atenas Bar”, o que era, ao mesmo tempo, um consolo e uma homenagem ao recém-desaparecido.

Murilo Ferreira vira quando o Erasmo, alta madrugada, depois de um colapso em plena rua, fora levado para o Centro Médico. E, como testemunha de vista, afirmava que o Erasmo já chegara ali morto, afirmação essa que, no bar, contrariava a opinião de outros que teimavam em dizer que o jornalista só falecera momentos depois de chegar ao Centro Médico.

O poeta Fernando Braga contava detalhadamente como o corpo do já prateado jornalista fora levado para a residência nos Apicuns e falava da dificuldade imensa que tiveram para encontrar, dentro da casa, o terno preto com que vestissem o morto, de modo que ele se apresentasse dignamente, em sua postura cadavérica.

Enquanto isso, o Murilo, entre prantos e cervejas, ia explicando aos que entravam no bar outro grande problema surgido com a morte do Erasmo. Era que seu corpo estava sendo disputado pela Assembleia Legislativa,pelaAcademiadeLetrasepelaPrefeituradeSãoLuis.AAssembleiaargumentavaqueojornalista havia sido deputado, era funcionário daquela casa e, portanto, o Legislativo tinha direito sobre o seu cadáver. A Academia de Letras, considerando que Erasmo havia sido um dos mais inteligentes escritores e uma figura das mais evidentes em nossos meios literários, queria que o corpo fosse levado para lá, tentando, talvez, academizá-lo postumamente, o que muitos achavam ser uma traição ao jornalista. Já o Cafeteira alegava que

Erasmo fora prefeito em certa época e, por isso, desejava que o corpo fosse levado para o recinto da Câmara Municipal.

A crônica é de 1969. Mas Erasmo só Faleceu em 15/05/1981. (Div). Houve quem, também, dissesse ali no bar que as últimas palavras de Erasmo foram: “Água! Água!” Mas ninguém acreditou. Não era possível que, na hora respeitável da morte, o Erasmo fosse faltar com sua coerência tão bem demonstrada em vida.

E o poeta Fernando Braga lembrava outro detalhe: “O Erasmo sempre me dizia que, no dia de sua morte, só queria de mim isto: ‘que eu colocasse quinze rosas em seu túmulo e bebesse uma cachaça no ‘Bar da Saudade”’. O poeta já havia comprado as rosas e mais algumas margaridas. Queria um enterro “hippy”. Amigos e mais amigos chegavam e ficavam consternados. Se alguns duvidavam, Murilo mandava ouvir o rádio, através do qual o locutor Fernando Sousa dizia: “Estamos sabendo que o jornalista Erasmo Dias acaba de falecer. Notícia não confirmada, mas, enquanto isso, é com grande pesar que comunicamos o doloroso fato”: Era o que o presidente Michel chamou depois de “morte condicionada”. Muitas pessoas tomaram automóveis e foram até a casa do jornalista morto, certas de que o rádio estava dizendo a verdade.

E eis que, de repente, o Erasmo, de paletó e gravata, entra no bar, exclamando: “Essa, não! Nunca morrer assim, num dia assim, de grogue assim...” Sentou-se e pediu uma cachaça, sob a admiração de muitos que o viam como um ressuscitado. E duas coisas dolorosas foram então lembradas: a frustração do jornalista Paulo Moraes, que já estava com o discurso pronto para a beira do túmulo, e a raiva do jornalista Amaral Raposo, que entrou no bar e disse, danado da vida: “Peguei um automóvel, gastei dois mil cruzeiros para ir à casa do Erasmo e esse idiota nem morreu nem nada. Nunca mais vou cair no conto da morte dele!”

A essa altura, Erasmo sorria feliz, pedia outra dose e dizia ao dono do bar: “Defunto não paga grogue”, sem saber que o dono do bar tinha vivido momentos aflitivos, chorando com um vale preso na mão e a que o Murilo Ferreira chamara de “verdadeiro vale de lágrimas”. ---------------------

JOSÉ CHAGAS: Jornalista, contista, animador cultural e político. Autor imortal de “Os telhados”, “Os canhões do silêncio”, “Colégio dos ventos” e outras grandes publicações.

Obs: as ilustrações não são originais. Foram feitas por MHL.

AS MASCARADAS NA TOCA DO ABRAÃO

Ceres Costa Fernandes

Tomadas de excitação quase infantil, as três mulheres explicam à costureira como desejam os dominós de seda, de modo que eles lhes cubram totalmente os corpos, não esquecendo o capuz a envolver a cabeça e as máscaras para os rostos. Querem estar seguras de que assim disfarçadas não serão reconhecidas. Das três, duas são jovens e atraentes e a terceira, já um tanto madura, não é de se jogar fora. E já que as estou apresentando, deixem-me dizer que uma chama-se Rosinha, casada com o juiz de direito da comarca e a outra, Iolanda, é esposa do poderoso chefe político local. A mais velha das três, uma solteirona (hoje, seria "coroa enxuta") Atende pelo apelido de Naná, e é, ao que parece, a líder inconteste do trio.

Ora, que me adianto, pois devia ter-lhes dito que esta história se passa nos anos cinquenta, no interior do Maranhão, quando, por todo Estado, costumavam acontecer bailes secretos de máscaras, freqüentados por rapazes folgazões, homens abonados, moças pobres e moças não tão moças, nem tão pobres, conhecidasnão sabemos bem porque - como as "da pá-virada". E, por misteriosa razão, esses eram os bailes prediletos dos homens casados, mesmo daqueles que declaravam às conformadas mulherzinhas (estamos nos anos 50) serem avessos a festas e saracoteios.

O que ocorria por debaixo dos panos nesses misteriosos bailes não posso relatar - que aqui primamos pelo recato -, mas sabe-se que era qualquer coisa de inominável. Por conta disso tudo, as mulheres casadas e as solteiras recatadas roíam um enorme desejo de saber o que rolava nesses templos de luxúria e prazer, algo assim - mal comparando - do mesmo calibre da curiosidade do vulgo em relação às cerimônias da maçonaria. Pois bem, as componentes desse ingênuo grupo feminino, que conseguiram dobrar o cabo do maravilhoso

Terceiro Milênio, tiveram a ansiada revelação: o que rolava nos famosos e proibidos "bailes de segunda" era, nada mais nada menos, o mesmo que rola, hoje, nos bailes de carnaval da alta sociedade. Só que, agora, as coisas são feitas abertamente.

Vamos às nossas meninas. O móvel da atitude das duas senhoras casadas, Rosinha e Iolanda, era o desejo de flagrar os maridos em um desses ambientes deletérios, comprovando a safadeza dos adúlteros e, de quebra - ó prazer inconfessável! -, gozar do pecado que levou Pandora a abrir sua malfadada caixa. Não preciso dizer que Naná foi o diabinho a soprar a idéia no ouvido das duas e que, de quebra, estava à frente da operação. Os dois maridos, o egrégio juiz e o impoluto chefe político, deram o mote: arrumaram, respectivamente, uma diligência e um comício, em diferentes distritos da comarca, exatamente para o mesmo dia, o Sábado Magro de Carnaval. A par da louvável intenção de trabalho em dia tão esdrúxulo, a viagem de ambos coincidiu com o anúncio de um grande baile de máscaras "com garotas escolhidas vindas da capital", a acontecer no bairro de Arriba Saia, na Toca do Abraão, bem nos arredores da cidade.

Sábado Magro. Os operosos esposos, como em interpretação ensaiada, despedem-se compungidos, lamentando tão árduo trabalho a separá-los das esposas, ao que foram correspondidos, à altura, por ambas: Filho, não vai pegar um resfriado, te agasalha bem. Levou teu pijaminha? E a outra, não sabemos se com estudada malícia: Olha, cuidado com essas comidas de interior. Vê lá o que tu vais comer.

À noitinha, correm para a casa da costureira. Vão vestir-se lá para não despertar suspeitas. Noite fechada, saem os três dominós, à pé mesmo, que a casa da modista fica no arrabalde, perto da Toca. Cosidas às paredes, procuram os lugares escuros das ruas sem calçamento e cheias de borocotós. Ah, ia esquecendo de dizer que, antes da partida, tinham ensaiado longamente a voz de falsete e as diversas nuanças do " eu te conheço, carnaval", única conversa permitida às duas esposas, pois ficou combinado: em caso de emergência, apenas Naná teria a palavra.

Aproximam-se da porta do baile, O aumento do tom da música torna-se diretamente proporcional ao aumento dos batimentos cardíacos do trio. Súbito, que é isso? Quem vem lá? São quatro rapazes a caminho da festa. A fim de já entrarem acompanhados, acercam-se dos dominós. Rosinha e Iolanda, transidas de medo, repetem qual papagaios de corda partida: Eu te conheço carnaval, Eu te conheço... Naná tenta levar

os meninos no bico. Ensaia uma piada, mas nesse exato momento, um de topete e bigodinho pespega um beliscão na polpa da bunda de Rosinha. Foi o que bastou. A pobre abandona o falsete e começa a gritar esganiçada: Me larguem, eu sou a mulher do juiz! Ele manda prender vocês! E aquela ali é a mulher do poderoso Quincas Araújo. Ele mata vocês! Rápida, Naná esbraveja: Essa barata de branco não se enxerga? Ô saco! Toda vez que bebe, cisma que é mulher de juiz! Decidida, puxa Rosinha pelo braço e sacode Iolanda que, em transe, está muda e de pés colados. Finalmente, as três arrancam e, rápidas, somem de vista. Os rapazes riem, sem entender, e vão procurar outras presas menos loucas.

Para rematar a história, que história sem remate é como gato sem rabo, tenho a dizer que Iolanda e Rosinha ainda curtem o desapontamento daquele dia. Tanto sacrifício para conhecer o tal baile e quando já estavam na boca do pote... Jamais teriam a certeza do que realmente fizeram os seus maridos naquele Sábado Gordo! Quanto a Naná, no ano seguinte, matou seu desejo, não com aquelas duas pamonhas, mas acompanhada da valente viúva de um deputado. E seja dito aqui que, depois disso, não perdeu mais nenhum baile da Toca do Abraão.

ceresfernandes@superig.com.br

ROBERTO FRANKLIN

Após muito tempo senti a vontade de ir ao lugar onde hoje repousam meus pais e meus dois irmãos, que para alguns fizeram a viajem de volta, para outros cumpriram sua missão aqui na terra, o certo é que já não estão mais aqui. Por todas as razões senti o verdadeiro sentido da ausência, ao deparar com flores e velas ali colocadas, as flores para embelezar e perfumar e as velas para iluminar seus caminhos, senti um enorme vazio, senti a falta dos que faltam, uma solidão em meio a tantas pessoas.

A solidão que ora me acompanhava devolveu-me as recordações de tudo que passamos, de dias alegres e não alegres, de conversas amistosas e não amistosas, senti a falta de vozes, abraços e sorrisos.

Em troca de uma oração, finquei o pé diante de um tapete de grama e flores, acendi uma luz, a fim de clarear essemomento.Nãoconseguisequerconcentrar-meemumterço,simplesmentetroqueiporváriasrecordações.

Imaginando o que foram, como foram, pensava em dias e horas de companhia alegres e não, pensei em momentos, fiz-me presente em um passado ao lado de todos.

Hoje, somente as lembranças ficaram, não sei por que estava ali, eles não estavam. Sempre estarão presentes somente em lembranças e saudades. Será que os que partiram também sentem essa maldita ou bendita saudade?

Será que de tão longe eles se tornam perto de todos nós? Será que ainda choram a partida?

Pensei em duas palavras. O que seria de todos se não houvesse a saudade e as lembranças, o que seria de todos nós se não houvesse momentos passados para recordar?

Hoje me vi vazio, em um deserto com tantos em volta, mas estava só. Estava desamparado por aqueles que um dia foram tão presentes e significativos.

Sei que um dia estarei lá, coberto de flores. Mas pensei: será que neste tempo alguém se alimentará de minhas lembranças, será que alguém sentirá saudades de momentos compartilhados comigo?

Se algum dia eu me transformar em lembranças e saudades, com certeza sentirei que o que passei aqui não foi em vão, sentirei que valeu a pena ter vivido cada momento, sentirei que o AMOR por mim tão cultuado serviu como semente para um dia crescer e virar uma bela flor.

Um dia provocarei saudades, um dia serei lembranças.

- Será?

UM DIA!

CONSELHOS PARA O ANO NOVO

CERES COSTA FERNANDES

Sei. A palavra conselho já deixa as pessoas um tanto arreliadas. Ninguém gosta de conselhos, em especial dos não pedidos. Mas perdoem. Fazer crônicas para o Ano Novo, todos os anos, acaba com as opções sobre o assunto. Ainda mais que, neste, nem tivemos profecia de Nostradamus; goradas as duas anteriores, a de 2000 e a de 2012, perderam um tanto o prestígio. As ameaças apocalípticas de 2024 estão por conta da chegada iminente da 3ª Guerra; o Fim do Mundo decorrente das questões climáticas ficou em segundo plano. Neste espaço, já falei de resoluções para o ano entrante – nunca cumpridas; de previsões mirabolantes – essas são boas porque ninguém as verifica depois; de resumo de boas publicações literárias no ano que passou –sempre deixam alguém magoado com a gente; de memórias de anos dourados – como era verde meu vale; da faltadeespíritonatalinoedesolidariedadequereinanestaépoca;doconsumismodesenfreadoquenosestressa e nos deixa com a sensação de incompletude. Falei de fim do mundo, de cápsula do tempo, também, de mudança de século, milênio... Enfim, creio que raspei o tacho, para usar uma expressão cabocla e saborosa. Então, vão mesmo uns conselhos meio furados. Aos que abominam conselhos, perdão, peço que parem a leitura neste trecho.

Continuando com os querestaram, tenho de admitir, meio envergonhada, é que não são nem mesmo conselhos de verdade, daqueles que podem mudar radicalmente a vida de alguém, do tipo encontrei a minha verdade. Alguns parecem até simpatias, mas não, foram boas regras respeitadas por pessoas sérias. Isso eu dou testemunho.

O primeiro pode ser usado logo nesse período de eternas festas de confraternização que, ao fim e ao cabo, vão acabar com seu fígado, estômago e adjacências e fazê-lo readquirir aqueles quilinhos de perda tão suada. É do meu Tio Janu, filósofo sempre citado aqui: Para a comida não fazer mal, deve ser comida sempre invocando, “pelas barbas de São Pedro”. Nunca entendi isso de barbas, mas não é para entender, só para praticar. Garanto que é infalível.

Minha sogra, mulher dinâmica e resoluta, tinha um ótimo conselho para mulheres desocupadas que enchem seu tempo falando mal da vida alheia. Naquele tempo era ao telefone ou em visitas imprevistas – as pessoas chegavam sem avisar –, imagine, estou sem nada para fazer. Vim fazer uma visitinha, botar a conversa em dia. Hoje é no face book. Não têm o que fazer? Dizia ela. Ora, vão arrumar suas gavetas. Confesso que nunca o pus em prática. É que tenho mais coisas a fazer que tempo para as fazer. Que as minhas gavetas precisam de arrumação, constato cada vez que as abro. Mas, juro que não uso o tempo que seria dedicado a esse mister para falar mal de alguém.

Conheci um senhor muito metódico que ensinava “não durma com a casa desarrumada, principalmente o seu quarto. Vamos que você tenha um mal súbito, à noite, e precise recorrer a médicos e vizinhos?” Lembro-me sempre dessas palavras quando chego de algum evento, morta de cansaço e com vontade de jogar tudo para o alto, roupa, bolsa, sapatos, bijuterias, maquiagens e dormir. Aí, penso no vexame possível e em arrumar tudo bonitinho. Mas, só penso.

Outro conselho é o de uma comadre que revelava ter um anticoncepcional emergencial infalível, assim, pro caso de o desvario pegar você desprevenida de tudo: antes do ato, deve-se colocar uma pitada de sal debaixo da língua, beber três goles d’água, dizendo, a cada gole, Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria, E aí, liberdade total. Devo dizer que desconfiei de sua eficácia pelo fato de ela ter nove filhos. E a pitadinha de sal?

Ontem mesmo, na TV, aprendi mais um. Fernanda Montenegro declarava, com a autoridade de sempre, em uma entrevista, que não devemos temer a velhice, pois ela sempre chega. Fiquei na dúvida, se seria esse um conselho ou uma ameaça, parte pior do castigo infligido por Deus a Adão e Eva, e omitido pela Bíblia: Comerás o pão com o suor do teu rosto, parirás com dor e ambos ficarão velhos, com direito a todos os achaques que acompanham a velhice.

Deixei para o final os conselhos mais leves, afinal está uma lista um tanto difícil de cumprir. Por acaso ou não, são os de minha mãe e de seu irmão, o filósofo já citado, Tio Janu, também conhecido por Zoquinha. Um parêntese, preciso dizer que são grandes as diferenças entre os membros das minhas duas famílias, paterna e

materna. Os primeiros sempre têm uma tarefa inadiável a cumprir, são tensos, querem concertar (com c mesmo) o mundo e costumam não chegar a velhos. Os da família materna são alegres, comem um tanto demais, e tendem a deixar os problemas se resolverem com o tempo ou os delegam a terceiros. Costumam viver bastante.

Pois bem, Tio Janu, quando em apuros, dizia, Santo Antônio vai dar um jeito. E geralmente dava. Minha mãe dizia, Pra que tanta ansiedade, no fim tudo dá certo. E se não deu certo, é claro que a coisa não chegou ao fim. Duas faces da mesma moeda. E assim ela viveu prazerosamente.

E ambos os conselhos estão dentro do espírito das festas natalinas, do espírito cristão. Cristo, a respeito das preocupações com o porvir, ensinou o abandono às mãos da Providência, quando nos manda olhar as aves do céu e os lírios dos campos que não fiam nem tecem: “Assim, não andeis inquietos pelo dia de amanhã. Porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado. Ao dia basta a sua própria aflição”.

Com certeza este será o conselho que tentarei seguir em 2024. Feliz Ano Novo.

UM POEMA DE MARIO LUNA FILHO

Fonte: José Neres –

Imagem cedida pelo autor

Não obstante os trabalhos de estudiosos como Antônio Henriques Leal (O Pantheon Maranhense), Antônio Lobo (Os novos atenienses), Antônio dos Reis Carvalho (A Literatura Maranhense), Francisco José Correa (Um livro de crítica), Mário Martins Meireles (Panorama da Literatura Maranhense), Jomar Moraes (Apontamentos da Literatura Maranhense), Clóvis Ramos (Minha terra tem palmeiras / As Aves que aqui gorjeiam), Carlos Cunha (As lâmpadas do sol), Nauro Machado (Campo Ladeado / As esfera lineares), Arlete Nogueira da Cruz (A atual poesia do Maranhão / Nomes e nuvens), Dinacy Mendonça Corrêa (Da Literatura Maranhense: o romance do século XX), Rossini Corrêa (O Modernismo no Maranhão), Henrique Borralho (Terra e céu de Nostalgia / A Athenas Equinocial), a Literatura Maranhense ainda se ressente da falta de estudos que versem sobre algum tipo de sistematização sobre suas obras, autores e momentos históricos.

Quase sempre, quando alguém se propõe a estudar a Literatura Maranhense, costuma-se ouvir os seguintes questionamentos: “Como iniciar esses estudos?”, “Será que há referências suficientes para iniciar um trabalho sobre Literatura Maranhense?”, “Que autores estudar?”, além de tantas outras perguntas que nem sempre recebem uma resposta adequada.

Porém, as respostas são muitas e podem suscitar inúmeros debates. De modo geral, todo texto, autor ou temática pode dar origem a um ou a vários trabalhos sobre toda e qualquer literatura. Nesse rol de opções, podem ser incluídos até mesmo as leituras, as memórias afetivas, as influências e o olhar interpessoal de poetas, dramaturgos, prosadores e pesquisadores, conforme pode ser visto no poema Caderneta de Chamada, escrito por Mario Luna Filho e publicado no livro Viver, Cuidar e Escrever, 5ª Antologia da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, seção do Maranhão.

Na referida antologia, que teve o médico e escritor Michel Herbert Alves Florencio como organizador, o leitor encontra crônicas, contos, estudos literários e poemas de diversos autores que fazem parte dessa agremiação cultural. Entre esses autores se encontra o médico e escritor Mario Luna Filho, membro da Academia Ludovicense de Letras e autor dos seguintes livros: Do sapato aos pés descalços e Do granito e do infinito. Autor de um estilo que mescla a leveza das palavras com a contundência das imagens poéticas, Mario Luna foi descrito pelo crítico e professor Carlos Cunha como sendo “um poeta bastante impregnado dos dilemas, sofrimentos e angústias do homem”, dada a simbiose que ele costuma fazer em seus versos entre as peculiaridades de uma carga às vezes autobiográficas e as bifurcações nos terrenos da crítica social. Mas qual a relação desse poema em específico com os estudos literários maranhenses? Acontece que nesse texto, que vai da página 193 até a 197 do livro, o poeta simula uma chamada na qual os nomes aludidos são de importantes personagens da história recente da Literatura Maranhense. O poema começa com um monóstico com a seguinte frase: “Em um tempo da vida.” A partir daí, os nomes de escritores falecidos são chamados, sempre seguidos de uma interrogação. E quais são esses nomes? – Erasmo Dias, Bandeira Tribuzi, Fernando Viana, Domingos Vieira Filho, Paulo Nascimento Moraes, Bernardo Almeida, Wolney Milhomem e Valdelino Cécio.

Não há respostas para os nomes chamados. Não há possibilidade de nenhum desses poetas responder com um simples “presente”. Todos já estão falecidos e habitam as recordações de um eu lírico que aproveita o vácuo das ausências para tecer alguns comentários sobre a vida e a obra das personalidades nominadas ao longo do texto. E é nesse aparente silenciamento que se desdobram os espaços para as pesquisas. A partir das dicas deixadas por Mario Luna Filho, uma pessoa interessada na produção literária maranhense a partir da década de 1940 pode ampliar o levantamento inicial e realizar estudos sobre algum dos autores citados, sobre os livros mencionados, sobre o período como um todo, sobre os grupos poéticos que se formaram até a década de 1990 ou até mesmo sobre as ausências, pois a lista se fecha nas preferências leitoras e afetivas do poeta.

Para exemplificar, abaixo está reproduzida a estrofe no qual o poeta remete à figura de Bandeira Tribuzi, poeta que, para muitos pesquisadores, foi o responsável por trazer a estética modernista para o Maranhão. Sobre ele, Mário Luna escreveu:

– Bandeira Tribuzi?

Agora concreto armado, ponte sobre o mundo desmemoriado.

Da “SAFRA” de sonhos autofágicos

apenas sobrou “PELE E OSSO” para nossa gente lamentavelmente, para sempre, ausente. (pág. 193)

Conforme pode ser visto no trecho acima, o autor tece suas leituras com títulos, estilos e referências sobre a vida e a obra de Bandeira Tribuzi, inclusive remetendo à ideia de que hoje o poeta do Breve memorial do longo tempo é mais lembrado por emprestar seu nome a uma ponte do que por sua vasta e importante obra.

Em cada uma das estrofes do poema é possível encontrar motes para variados estudos relacionados com as letras maranhenses – tanto em prosa quanto em verso. Inclusive o próprio poema em si pode ser estudado por seus aspectos intertextuais, históricos e/ou metafóricos. Trata-se de um poema riquíssimo no qual as imagens se multiplicam e as ausências se tornam presentes a partir da leitura de uma chamada sem respostas, das vozes silenciadas pela morte, mas ainda altissonantes por uma produção que imortalizou cada um desses poetas. No final do poema, o silêncio toma conta da página, da sala e da própria literatura, como pode ser visto a seguir:

Vazia,

a sala apenas

espera a noite. Definitivamente há

silêncio

neste lugar. (pág. 197)

O que não falta quando o assunto é a Literatura Maranhense (e a de todos os Estados) são obras e autores para estudar. Então parodiando a frase final de muitas crônicas de Ivan Sarney, que sempre dizia “É preciso amar a cidade”, pode-se dizer que é preciso ler a Literatura Maranhense.

LETRAS E LIXO

PAVÃO SANTANA

Impressionante a transformação por que passou o mundo civilizado. O declínio é inegável diante dos acontecimentos que se vê no quotidiano. E a banalidade parece ser algo indiferente a tantos que o absurdo soa com normalidade.

Embora não se trate de saudosismo, mas não há como não lembrar dos tempos em que a imprensa cumpria seu dever de informar. Qual dever? Bom, que se indague primeiro à ética hoje ignorada sem qualquer pudor. Era assim que funcionava.

Hoje as versões ganham destaques como se fatos fossem, distorcidas pelo produto da Academia, que preferiu transmitir mantras de militância, ao invés de ensinar. Militantes de hoje são os que há um tempo atrás eram chamados de jornalistas.

No passado, ainda quando houvesse um alinhamento pessoal, os profissionais das letras tinham o pudor de limitar seus impulsos sem desvirtuar os acontecimentos. Hoje vale de tudo. De se embrulhar nos lençóis, sem esconder confidências, a receber um “agrado” em cifrões; e tudo é permitido, como se tudo fosse moralmente lícito.

Por mais que essa sanha caminhe com o propósito claro de reescrever a história não há como ressignificar categorias que sempre significarão suas concepções originais. Desonesto sempre será desonesto. Condenado sempre será condenado, ainda que, cumprida a pena, a seu favor terá apenas o fato de não lhe serem somados aos registros penais os acontecimentos anteriores. Mas fora do campo jurídico a condenação persistirá na memória.

O Brasil tem se notabilizado por se apresentar nanico perante a comunidade internacional, sem que possa dar qualquer exemplo, porque optou por adotar a briga com os fatos que são indeléveis, não importando o preço pago à mídia, composta pelos malabaristas morais que a tudo pretendem justificar.

Mas a história cobra um preço caro, debitando com juros o capital de quem ousa subverter acontecimentos, porque mais cedo ou mais tarde eles serão revelados, descobertos, enfim, sabidos.

Pobre país. As gerações que virão não terão referencial qualquer. Persistirão sendo os selvagens formados pela dissociação de ideias tão sólidas quanto as bolhas de sabão.

O que há de mais grave em todo este cenário não é que não tenhamos instituições. O grave mesmo é que os homens, nos três Poderes, se põem acima delas, sem cumprir as regras mínimas das nações civilizadas: a Constituição. Quem deveria denunciar se cala, ou se omite, a troco do régio e pomposo pagamento, que traduz bem a cumplicidade em direção ao abismo para o qual caminhamos, porque os homens de letras passaram a produzir apenas lixo.

Imagino, à noite, quando esses homens e mulheres põem suas cabeças nos travesseiros. Acaso se arrependem de escrever e falar o que absolutamente contraria os fatos? Ou terão perdido o juízo a ponto de avaliar o ridículo? Não sei, mas imagino que no escuro do quarto os travesseiros estejam molhados.

Jeane Carla Oliveira de Melo (professora do IFMA e Doutora em História Social / UFMG)

Pedro Henrique Miranda Fonseca (médico, escritor e membro fundador da Sociedade Brasileira de História da Medicina). Foto: Eduardo Tropia.

Falemos um pouco sobre Herculana Vieira, uma mestra primária desconhecida de boa parte dos maranhenses. Nascida em 1815 e morta em 1903, além de professora de primeiras letras, se destacou como diretora de colégios e autora do que parece ser a primeira síntese de História do Brasil escrita por uma mulher nestas plagas. O Resumo da História do Brasil, publicado em 1868, em São Luís, pela tipografia de Belarmino de Mattos, inaugurou mais do que uma obra didática; o manual serviu também para forjar uma das nossas primeiras historiadoras “brasileiras”. As aspas são justificadas. Apesar de publicar no Brasil um epítome da história nacional, as fontes revelam que Herculana foi uma senhora lusitana. E afirmamos plenamente isto, pois, ao final de longos anos de uma pesquisa de doutorado, voltada para recuperar a trajetória da mestra, finalmente a sua certidão de óbito foi localizada. E lá constava o seu país de origem: Portugal.

E só. A certidão de óbito não informa a respeito de qual região lusitana ela viera. Mas temos pistas bem quentes. No livro Panorama da Literatura Maranhense, publicado em 1955 pelo historiador Mário Meirelles, ele afirma que Herculana era oriunda dos Açores, da Ilha Terceira. A informação faz muito sentido, se considerarmos o trânsito significativo da comunidade açoriana para o Maranhão, ao longo do século XIX. Mas voltemos ao seu óbito. As outras informações trazidas pelo documento revelam o nome dos pais de Herculana (Francisco Vieira de Sousa e Maria Joanna de Sousa), o nome de sua irmã e declarante do óbito (Carolina Amélia Vieira de Sousa), a data da morte (14 de dezembro de 1903) e o local onde fora sepultada, no Cemitério de Cururupu. A causa do falecimento é dada como ignorada, haja vista que provavelmente inexistiam médicos na Vila que pudessem aferir acerca da enfermidade que a vitimara. O certo é que, à época, Herculana estava bastante idosa, possuindo entre 87 a 88 anos. Uma vida bastante longeva e que ultrapassava e muito a média expectativa de vida daquelas primeiras décadas do século XX.

E aqui, um breve adendo: embora a certidão registre o óbito no dia 14/12/1903, outras fontes, como o jornal Diário do Maranhão (1903, ed. 9116) afirmem o dia 15/11/1903, o que achamos mais provável, apesar da certidão de óbito ser um documento oficial, sempre há a possibilidade de algum erro, um "cochilo" do funcionário do cartório, que pode ter contribuído para a divergência das datas.

Herculana Firmina Vieira de Sousa. Era este o seu nome completo. Provavelmente uma brasileira adotiva, a mestra, por volta da década de 1840, iniciou na docência ministrando aulas para meninas em São Luís, nos dois endereços que residira, na Freguesia de Nossa Senhora da Vitória: Rua da Estrela e Rua da Palma. Em 1855 se submete ao concurso público para a cadeira de primeiras letras na Vila de Cururupu. Única inscrita, ela foi aprovada com louvor. Nesta Vila, Herculana inicia uma nova etapa de trabalho, ministrando aulaspúblicas parameninas eaulasparticulares parameninos, em turnosdistintos. Pelalegislaçãodainstrução imperial, os sexos não poderiam se misturar em sala de aula. Abraçada pelas famílias influentes da “cidadefazenda”, tal qual os Faria Lisboa, não é exagero afirmar que a mestra organizou a instrução primária naquela localidade. AchillesLisboa,um deseus alunosmais conhecidos, nutriaum imensocarinhoporelaeachamava de “didata de bela cultura”.

São frequentes as notícias dos impressos relatando as homenagens e bailes realizados para exaltar a sua competência como professora. Herculana se misturava à vida da Vila, pois também organizava festejos

UM RETRATO-FANTASMA DA MESTRA HERCULANA VIEIRA: a sua certidão de óbito.

cívicos locais em homenagem aos imperadores – brasileiro e português – denotando, assim, tanto os seus afetos políticos monarquistas quanto a sua dupla postura como “brasileira” e súdita portuguesa. Ela abraçou Cururupuefoiabraçadapelamodestacidade,namesmamedida.Nãoqueamestranãotenharecebidoconvites para trabalhar em outras instituições. Mais precisamente em 1859, Herculana recebera uma proposta para ser a regente da Casa de Órfãs, situada na capital Belém, província paraense. Seus vencimentos seriam maiores do que os ordenados mesquinhos pagos na instrução primária. Contudo, apesar de ter inicialmente demonstrado interesse, mas, não possuindo as suas reivindicações acatadas, a professora abandona a ideia e opta por permanecer em Cururupu, onde ficaria pelo resto da sua movimentada vida.

A sua importância não reside apenas na história da educação de Cururupu e do Maranhão. Herculana Vieira, foi uma das nossas historiadoras pioneiras, em uma época anterior à profissionalização do campo e em um cenário intelectual dominado por homens. Sem sombra de dúvida, ela foi um monumento nacional, ao empunhar a pena para narrar o passado da nação. Herculana integrou, ao lado de nomes como o de Maria Firmina dos Reis e Eponina de Oliveira Serra Condurú, um trio de professoras-publicistas que atuaram no Maranhão oitocentista à revelia do preconceito existente contra as mulheres de letras que não temiam trazer à público o produto de seus escritos, sejam eles, ficcionais ou com finalidades didáticas.

É importante dizer que uma pesquisa histórica nunca se faz sozinha e conta com a colaboração de várias pessoas e instituições. Dito isto, o levantamento e identificação desta importantíssima fonte, se deu através do interesse da gentil Marilu da Graça Silva Costa Moreira. Sem os esforços da Marilu, a certidão de óbito da mestra e historiadora ainda jazeria na grossa poeira dos arquivos e no atávico silêncio tão comum à história das mulheres. Fica aqui o agradecimento dos autores deste texto.

CERTIDÃO DE ÓBITO DE HERCULANA VIEIRA:

VOZES DE MULHERES OITOCENTISTAS DO NORDESTE BRASILEIRO: histórias de resistência de Firmina, Laura Rosa e Alba Valdez

DILERCY ARAGÃO ADLER

Em primeiro lugar, quero parabenizar os organizadores do “Congrès Cultive International Culture de la Femme”, na pessoa da Presidente da Cultive, Valquíria Imperiano, por esta iluminada iniciativa e, ao mesmo tempo, agradecer o gentil convite que tenho a honra de atender. Quero ainda dizer da minha alegria em estar nesta mesa com Algemira Mendes, Eugênia de Azevedo Neves, Kalil Guimarães, Matilde Conti e Rita Queiroz, mulheres que usam as suas vozes, principalmente por meio da literatura, para dar força e vigor a outras tantas mulheres.

Como nordestina, escolhi este tema, o qual muito me honra, por ser mulher e por entendê-lo como de extrema pertinência, se almejamos a existência de uma sociedade justa e igualitária, onde todos tenham os mesmos direitos, direitos de toda ordem.

Quanto à minha comunicação, propriamente dita, “Vozes de mulheres oitocentistas do Nordeste brasileiro: histórias de resistência de Firmina, Laura Rosa e Alba Valdez” trata de provas vivas, do enfrentamento do subjugo masculino, de algumas mulheres do Nordeste brasileiro, que fizeram a diferença no século XIX e que fazem eco até os dias atuais.

Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar eu venho lá do sertão eu venho lá do sertão eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar aprendi a dizer não ver a morte sem chorar e a morte o destino tudo e a morte o destino tudo estava fora do lugar eu vivo para consertar...

Música “Disparada” de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (Geraldo Vandré) João Pessoa PB

Como é do conhecimento geral, o Brasil é um país continental e o seu território com 8.516.000 quilômetros quadrados abrange cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-oeste Sul e Sudeste. A região Nordeste é a que apresenta maior quantidade de Estados, totalizando 09: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. O Nordeste é a segunda região mais populosa do país e a segunda em extensão territorial, além de ser a região que possui a maior costa litorânea, com paisagens paradisíacas.

Foi na região nordestina que ocorreu o início da colonização europeia no Brasil, visto que os portugueses desembarcaram, a primeira vez, na cidade de Porto Seguro, na Bahia. Igualmente na Bahia, na cidade de Salvador, em 29 de março de 1549, foi fundada a primeira capital para abrigar o Governo-Geral. O Nordeste, além disso, se apresentou como centro financeiro do Brasil, até meados do século XVIII.

Devidoàvariedadegeográficanaturaleàpluralidadedeherançasdepovoscommatrizesindígena, africana e europeia, em especial a portuguesa, é que os nordestinos expressam ricas manifestações artísticas, que resultam, entre outras questões, em manifestações folclóricas, de artesanato, gastronomia, festividades e vestuário.

No tocante à literatura nordestina, essa região concedeu e concede ainda grandes contribuições para o cenário literário e artístico-cultural brasileiro, colocando em evidência grandes nomes, tanto em quantidade como em qualidade.

No específico à escrita feminina no Brasil, é constatado que, no fim do século XIX e começo do século XX, raramente a mulher apresentava denodo em colocar o próprio nome em suas obras. Maria Firmina dos Reis, maranhense, chegou a usar dois criptônimos antes de usar o próprio nome: “Uma Maranhense” e as

iniciais “M.F.R.”; Laura Rosa, também maranhense, utilizava o pseudônimo de “Violeta do Campo” e Maria Rodrigues Peixe, cearense, assinava como “Alba Valdez”.

Por certo, a produção feminina do fim do século XIX e início do século XX se apresenta menos expressiva que a masculina, mas isso, podemos inferir, se deve principalmente às condições objetivas das sociedades em que viviam essas mulheres e não pela falta de vocação ou de desejo de terem seus trabalhos conhecidos e (re)conhecidos. Essas sociedades eram profundamente marcadas pela supremacia do homem, pautada em valores do modelo eurocêntrico, masculino, caucasiano e aristocrático.

Convém esclarecer que, apesar dessas condições exacerbadamente proibitivas, elas impediram, menos do que se imagina, a presença da mulher no âmbito literário. Essa assertiva é comprovada hoje, devido ao desenvolvimento de vários projetos de resgate de escritoras brasileiras do passado, os quais, operacionalizados,principalmentea partirdasegundametadedoséculopassado,reúnemvaliosasdescobertas, tais como diários, cartas, testamentos e jornais do período.

Os jornais e revistas oitocentistas desempenhavam papel de fundamental importância no cenário político e cultural dessa época, exercendo influência sobre a opinião pública e o meio intelectual. Nesse âmbito, a atividade literária encontrou nesses meios de comunicação espaços de difusão e discussão. Raros eram os periódicos oitocentistas que não reservavam um lugar em suas páginas para os assuntos literários. Estes divulgavam textos de ficção, poemas, contos, romances, seriados, crítica literária, ensaios, resenhas. Destarte, se caracterizavam pela simbiose entre jornalismo e literatura, que levou à incorporação de características literárias ao gênero especificamente jornalístico, a exemplo, dos editoriais, artigos de fundo, reportagens, entre outros.

A missão desses jornais e revistas permite aos pesquisadores de hoje, que se dedicam à investigaçãodatrajetórialiterárianoBrasil,terem naimprensaoitocentistaumricoacervodefontes primárias, para o desenvolvimento dessa tarefa.

Convém lembrar que nem todos os romances mais anunciados em 1857 e 1858 são conhecidos do público em geral, na atualidade. Alguns deles, elogiados e recomendados por críticos que gozavam de prestígio na época, sendo por isso de grandes sucessos no século XIX, ficaram totalmente esquecidos posteriormente e, consequentemente, excluídos do cânone literário.

Apesar do cancelamento da expressão feminina, muitas conseguiram burlar, e mesmo tendo sido excluídas do cânone literário, deixaram marcas inapagáveis que nas últimas décadas, como já referido, progressivamente vêm sendo recuperadas.

Constância Duarte (2018) cita a experiência de um grupo de pesquisadores, sob a coordenação da professoraZahidé deLupinacci Muzart,intitulado“Sonhoprojeto”.Esse projetofoidesenvolvidonas décadas de 1980 e 1990 com o objetivo precípuo de resgatar escritoras brasileiras do passado, inclusive por região, coletando os casos das nordestinas.

A professora Mozart afirma que o apagamento de escritoras do século XIX é sobretudo político, pois acentuadamente as mais atuantes, as feministas, não tiveram inserção do seu nome e obra no cânone literário brasileiro. Nessa perspectiva, afirma que o projeto de resgate é antes de tudo um projeto feminista, um projeto político. Desses trabalhos arrolei mais de cem nomes de escritoras em situação de apagamento, entre as quais, aquelas resgatadas com sucesso, outras em processo de ressurgimento mais avançado, outras ainda cujos processos necessitam ser aprofundados como objeto de estudo.

No âmbito da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, mais especificamente do Curso de Doutorado em Educação, professoras e professores também vêm se alinhando ao trabalho de desconstrução do silenciamento secular da mulher.

Um trabalho que elegeu a relevância da “Mulher Professora” foi a Tese de Doutorado da Profa. Diomar Motta, “As mulheres Professoras na Política Educacional no Maranhão”, defendida no ano 2000 e publicada em 2003, pela EDUFMA, em São Luís. Esse estudo analisa a trajetória educacional das professoras: Laura Rosa (1894-1976), Rosa Castro (1891-1976), Zoé Cerveira (1894-1957) e Zuleide Fernandes Bogéa (1897-1984), egressas da Escola Normal do Maranhão, criada em 1890 (MOTTA, 2003).

Em decorrência dessa Tese, a Profa. Dra. Diomar Motta criou, em 15 de fevereiro de 2002, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe).

O GEMGe é um veículo de intervenção epistemológica, por meio da produção e disseminação de conhecimentos a respeito de questões de gênero, mulheres, visões de feminismos, dentre outros aspectos relacionados à memória da exclusão, e estabelece relação com a Linha de Pesquisa “Instituições Escolares, Saberes e Práticas Educativas do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Universidade Federal do Maranhão e, também, articulação com o Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre

Mulher, Cidadania e Relações de Gênero (NIEPEM), afiliado à Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR).

OProgramadePós-Graduação em Educação (Mestrado),desde2003, pormeio do GEMGe, com apoio do NIEPEM, afiliado à REDOR, vem promovendo na Universidade Federal do Maranhão o Encontro Maranhense sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero no Cotidiano Escolar (EMEMCE) e o Simpósio Maranhense de Pesquisadoras (es) sobre Mulher, Relações de Gênero e Educação (SIMPERGEN).

A partir de 2008, ano de realização do II EMEMCE e II SIMPERGEN, teve início a outorga da Medalha do Mérito “Professora Laura Rosa”, em reconhecimento às mulheres professoras, por suas atuações no magistério e na constituição da história das mulheres, sobretudo na política educacional maranhense. Ou seja, são mulheres homenageando mulheres com umacomendainstituídaparahomenagearuma ilustremulher professora poeta.... a Violeta do Campo, Laura Rosa ...

Leopoldo Gil Dulcio Vaz, Membro Fundadore EfetivodaAcademia Ludovicense deLetras-ALL, desenvolve um projeto "Em busca de escritoras maranhenses” desde 2017, coletando dados de escritoras do Estado, principalmente em jornais antigos. Nesses quatro anos já conseguiu arrolar cerca de 80 escritoras, dentre as quais, aproximadamente, 10% encontravam-se esquecidas. Já publicou artigos sobre algumas dessas mulheres.

Louvotodasas iniciativas deregaste esalvaguarda dos nomesilustres danossaterra, assim como as de todo o Brasil, em especial, os das muitas mulheres silenciadas ao longo da história.

Neste estudo trago como exemplo as imortais Maria Firmina dos Reis, Laura Rosa e Maria Rodrigues Peixe.

NO ÁLBUM DE UMA AMIGA

Maria Firmina dos Reis

D'amiga a existência tão triste, e cansada, De dor tão eivada, não queiras provar; Se a custo um sorriso desliza aparente, Que máguas não sente, que busca ocultar!?...

Os crus dissabores que eu sofro são tantos, São tantos os prantos, que vivo a chorar,

É tanta a agonia, tão lenta e sentida, Que rouba-me a vida, sem nunca acabar.

D'amiga a existência

Não queiras provar, Há nelas tais dores, Que podem matar.

O pranto é ventura, Que almejo gozar;

A dor é tão funda, Que estanca o chorar.

Se intento um sorriso, Que duro penar!

Que chagas não sinto

No peito sangrar!...

Não queiras a vida

Que eu sofro - levar, Resume tais dores

Que podem matar.

E eu as sofro todas, e nem sei Como posso existir!

Vaga sombra entre os vivos, - mal podendo Meus pesares sentir.

Talvez assim Deus queira o meu viver Tão cheio de amargura.

P'ra que não ame a vida, e não me aterre

A fria sepultura.

No caso de Maria Firmina, a primeira romancista brasileira, ao mesmo tempo que Horácio de Almeida, paraibano, em 1962, comprou um lote de livros usados e entre os quais estava o romance “Úrsula” da escritora Maria Firmina, em São Luís, José Nascimento Morais Filho, em 1973, pesquisando textos natalinos deautores maranhenses parasuaobra“EsperandoaMissadoGalo”,naBibliotecaPública“Benedito Leite”, se deparou com vários textos da escritora em jornais literários. Ele cita em seu livro “Maria Firmina: fragmentos deumavida” (1975),alguns dessesjornais: Federalista,Pacotilha,DiáriodoMaranhão, ARevista Maranhense, O País, O Domingo, Porto Livre, O Jardim dos Maranhenses, Semanário Maranhense, Eco da Juventude, Almanaque de Lembranças Brasileira, A Verdadeira Marmota, Publicador Maranhense e A Imprensa.

Maria Firmina dos Reis nasceu no dia 11 de março de 1822, no bairro de São Pantaleão, nas imediações da igreja do mesmo nome, em São Luís do Maranhão. Segundo a certidão de batismo, filha natural deLeonorFelipa,“molata”forra,quefoiescravadocomendadorCaetanoJoséTeixeira.Foramseuspadrinhos o tenente de milícias João Nogueira de Souza e Nossa Senhora dos Remédios, com base nos documentos da Câmara Eclesiástica Episcopal, disponível atualmente no Arquivo Público do Estado do Maranhão-APEM. Como filha natural não tem registrado o nome do pai, no entanto, no seu atestado de óbito consta que é filha de João Pedro Esteves.

Embora tenha nascido em São Luís, viveu grande parte da sua vida em Guimarães onde produziu toda a sua obra e, ademais, assumiu a Cadeira de Primeiras Letras do Sexo Feminino da Vila de Guimarães, para qual foi nomeada, por ter sido aprovada em concurso público, com esse fim. Também na área da educação, segundo Morais Filho, fundou em 1880 a primeira escola mista em Maçaricó, Vila de Guimarães no Maranhão.

Maria Firmina é indubitavelmente grande intelectual e artista de múltiplos talentos, além de apresentar engajamento político em todas as suas atividades e trabalhos, em prol de uma sociedade mais fraterna e justa. Entre as suas obras: “Úrsula”, a mais relevante obra literária (1859); escreveu o romance de temática indianista, “Gupeva” (1861, este ano completa 160 anos de publicação); conto antiescravista, intitulado “A escrava” (1887); “Cantos à beira-mar”, poemas (1871, este ano completa 150 anos de publicação). Participou da “Antologia Poética Parnaso Maranhense”, coleção de poesias, editada por Flávio Reimar e Antônio Marques Rodrigues (1861). Além do mais, é autora de charadas, incursionou pelo mundo da música compondo letras e melodias entre as quais: “Auto de bumba-meu-boi” (letra e música); “Valsa” (letra e música); “Hino à Mocidade” (letra e música); “Hino à Liberdade dos Escravos” (letra e música); “Rosinha”, valsa (letra e música); Pastor Estrela do Oriente (letra e música) e Canto de Recordação “à Praia de Cumã” (letra e música).

Vejo como uma denúncia velada acerca do subjugo da mulher e a escrita feminina que Firmina no Prólogo do Romance Úrsula, quando expressa:

[...] mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume.

Não é a vaidade de adquirir nome que me cega, nem o amor próprio de autor. Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo (REIS,1988, p.10) (grifos meus).

José Nascimento Morais Filho declara que, apesar de ter sido bem recepcionada pela crítica, com palavras de entusiasmo e estímulo, Maria Firmina foi vítima posteriormente de uma amnésia coletiva, ficando totalmente esquecidos o seu nome e a sua obra, mas, como a Fênix ressurgiu também das cinzas.

Costumo dizer que Morais Filho, como um Sankofa, pássaro africano de duas cabeças, uma voltada para o passado e outra para o futuro, que segundo a filosofia africana significa a volta ao passado para ressignificar o presente, dedicou-se incansavelmente para dar novo significado à Maria Firmina como mulher, escritora e professora, dando a ela o lugar que lhe é devido na historiografia literária feminina no Maranhão e no Brasil.

Hoje mais estudiosos se agregam a essa missão, e a Academia Ludovicense de Letras-ALL, Casa de Maria Firmina dos Reis, o Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães-HGG, que a tem também como patrona, procuram consolidar o trabalho de Nascimento Morais Filho e, mais recentemente, a Academia Joãolisboense de Letras-AJL, também Casa de Maria Firmina dos Reis.

Convém lembrar que Maria Firmina, dos 95 pródigos anos que viveu neste plano físico, conviveu 66 anos com a escravidão, tendo falecido em 11 de novembro de 1917, na cidade de Guimarães, no Maranhão.

Em continuação, faz-se mister falar um pouco da grandiosidade da Mulher Professora, Poeta, Contista, Laura Rosa, a Violeta do Campo, outra maranhense, também escritora e professora como Maria Firmina.

ESQUELETO DA FOLHA

Laura Rosa, a Violeta do Campo

Vede, senhor, apodreceu na lama

Eu a vi há muito tempo entre a folhagem

Antes do vento lhe agitar a rama E do regato, sacudi-la à margem.

De virente e de verde tinha fama

Da folha mais famosa da ramagem

Desceu nas águas e resta da viagem

O labirinto capilar da tinta.

Ninguém pode fazer igual verdade

Nem filigrama mais perfeito e lindo

Nem presente melhor pode ser dado.

Guardai, Senhor, guardai este esqueleto

Todo cuidado! É uma folha ainda Onde escrevo de leve este soneto.

Laura Rosa, segundo Jomar Moraes, “Uma rosa que era violeta”, nasceu em 1º de outubro de 1884 em São Luís do Maranhão e faleceu aos 92 anos, em 14 de novembro de 1976 em Caxias-Maranhão. Filha de Cecília da Conceição Rosa e de pai não declarado. Laura foi criada por padrinhos, que lhe proporcionaram uma boa educação.

Formou-se professora normalista em 12 de janeiro de 1910, pela Escola Normal do Estado do Maranhão e no dia 18do mesmo mêsfoinomeada professorade um distrito domunicípiodeCaxias. Ademais, foi a primeira mulher a ingressar na Academia Maranhense de Letras, eleita em 03 de abril de 1943 como Membro Fundador da Cadeira N º 26, Patroneada por Antônio Lobo, que foi seu professor.

Na Academia Caxiense de Letras, fundada no dia 1º de junho do ano de 1962, Laura Rosa é Patrona da Cadeira Nº 12, no Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, fundado em 12 de dezembro de 2003, é Patrona da Cadeira Nº 10, e, em São Luís, na recém-fundada Academia Ludovicense de Letras-ALL é Patrona da Cadeira N º 25.

Acho pertinente ilustrar a situação da mulher do seu tempo, por meio de um pequeno excerto do seu Discurso de Posse, na Academia Maranhense de Letras, em 17 de abril de 1943:

“Manda a justiça que vos diga, em primeiro lugar, que me trouxeram para esta casa de sábios ilustres as mãos amigas de Corrêa de Araújo e Nascimento de Moraes com a benevolência de seus pares.

Trouxeram-me, porque, de mim mesma, nunca imaginei suficientes os meus versos, para merecimento de tão honrosas credenciais”.

E continua: “Eis-me, portanto, aqui, Senhores, a primeira mulher que aqui entra, porque assim o quiseram os homens ilustrados desta agremiação, guardas fiéis de nossas tradições literárias” (Revista da AML, 1998, p. 15).

Atécertopontodirigepalavraselogiosasparaosacadêmicos,enquantoparasi,amimmeparecem, palavras apequenadas.

Firmina também coloca algo semelhante no Prólogo do seu romance Úrsula.

Por fim, a terceira escritora, tão importante quanto as anteriores, é Maria Rodrigues Peixe, pseudônimo Alba Valdez.

NO MUCURIPE

(Alba Valdez, História Literária do Ceará, 1951)

O Mucuripe é uma visão Marinha, Fala ao senhor nas folhas dos coqueirais; Nas horas que proclama os jangadeiros Olham do mar, a plácida igrejinha.

Se a tarde vem, a multidão se apinha Nessa rude alegria dos peixinhos; O sol golfeja sangue nos outeiros, Beijando a enseada, a vaga borbolenha.

Olhos no Azul, ao som d’ Ave Maria Uma velhinha no portal sentada, Reza contrita e o neto acarecia...

Na retina, no pranto morejada, Retrata o filho que partira um dia, E em vão pergunta o mar pela jangada.

Filha de João Rodrigues Peixe e de Isabel Alves Rodrigues Peixe, nasceu em São Francisco de Uruburetama, atual Itapajé no Ceará, em 12 de dezembro de 1874, e faleceu em 05 de fevereiro de 1962, no Rio de Janeiro.

Diplomou-se pela Escola Normal do Ceará, dedicando-se ao Magistério, ao Jornalismo e aos EstudosLiterários.Elaproduziudiversostextosemperiódicos,revistas ealmanaques.Umafortecaracterística de suas obras consistia no engajamento em embates pelos direitos da mulher. Colaborou com vários jornais e revista aos quais fornecia trabalhos, contos e crônicas altamente apreciados. Dentre as publicações em periódicos de seu tempo, podem ser citados: Revista da Academia Cearense de Letras; Revista do Ceará (1905); Panóplia (1914); Diário do Ceará, 1917-1919; Correio do Ceará, 1921-1922; A Tribuna (1922); A Razão (1919); Unitário (1955); O Nordeste (1927); Jornal do Commercio (1930); Diário do Recife (1935); Iris de Porto Alegre (1920).

Feminista declarada, entre as lutas em defesa dos direitos das mulheres, defendeu o voto feminino e a igualdade entre os sexos. Criou a “Liga Feminista Cearense”, a Academia Feminina de Letras, ocupando a Cadeira Nº 16 que tinha como patrona Francisca Clotilde, integrou-se ao Instituto do Ceará (Histórico Geográfico e Antropológico). Foi ainda a primeira mulher a ingressar na Academia Cearense de Letras em 1922, assumindo a Cadeira Nº 8, que tinha Álvaro Martins, e posteriormente na mesma Academia ocupou a Cadeira de Nº 22, patroneada por Justiniano de Serpa.

Demonstro a seguir duas, dentre as várias evidências das situações vividas pelas mulheres na sociedade oitocentista, com a respectiva prova de resistência em Alba Valdez:

A primeira diz respeito ao discurso proferido, por ela, na sessão do Quinquagenário do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico) ao expressar: “A mulher é um ser fraco, propalam. Pois, da própria fraqueza, construirei a força necessária para comunicar as minhas emoções. (VALDEZ, 1937).

E a segunda, concerne ao diálogo que manteve com o seu pai, quando ele tomou conhecimento de que ela colaborava com a imprensa de Fortaleza, dez anos depois. Essa pequena mostra do diálogo retrata, em parte, os valores da sociedade de então:

- Minha filha, você escreve em jornal?

- Sim meu pai.

- Ganha alguma coisa com isso?

- Não.

- Você imagina que faz boa coisa? Pensa que não vai ter de desgosto?

- Já tenho experimentado aborrecimentos.

- Pois eu não a proíbo. Espero, apenas, que não se arrependa um dia.

Isso posto, podemos concluir que essas três mulheres oitocentistas são nomes importantes na história da literatura e da educação brasileira e, apesar do subjugo masculino vigente na sociedade, foram obstinadas, no sentido de lutar pelo rompimento da opressão e se firmaram como autoras de vasta obra, o que a nós reafirma a necessidade de colocá-las como grandes escritoras representantes da cultura e educação brasileiras. Por fim, reafirmo que urge persistir no trabalho de desconstrução do silenciamento secular das vozes femininas, mesmo reconhecendo que não é tarefa fácil a extinção de um condicionamento tão enraizado e hegemônico. No entanto, é incontestável que essa quebra está sendo feita, os grilhões como os de toda e qualquer escravidão estão sendo quebrados, paradigmas superando exclusão... numa viagem sem volta!

REFERÊNCIAS

DUARTE, Constância. Escritoras nordestinas do Século XIX: resgate e história. Revista dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UFBA- Estudos Linguísticos e Literários, 2018.

FANGUEIRO, Maria do Sameiro. Alba Valdez. Biblioteca Nacional Digital: Periódicos e Literatura. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/dossies/periodicos-literatura/personagens-periodicosliteratura/alba-valdez/. Acesso em: 20 de julho de 2020.

MOTTA, Diomar das Graças. As mulheres professoras na política educacional no Maranhão. São Luís: EDUFMA, 2003.

MUZART, Zahidé. (Org.) Escritoras brasileiras do século XIX: antologia. Florianópolis: Editora Mulheres, v. 2, 2004.

MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA São Luiz: COCSN, 1975.

REIS, Maria Firmina. (Organizadores: Adler Dilercy; Gomes Osvaldo). Cantos à beira-mar. 1ª edição atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2017

VASCONCELOS, Anna Heloisa de. Ipomeias: mulheres do século XIX na imprensa cearense. Monografia. Universidade Federal do Ceará, InstitutodeCulturae Arte – ICA, Cursode Comunicação Social – Jornalismo, Fortaleza, 2018.

CERIMÔNIA DE RECEBIMENTO DA MEDALHA DO MÉRITO “LAURA ROSA”: Louvor e Gratidão

Dilercy Aragão Adler

ESQUELETO DA FOLHA Laura Rosa, a Violeta do Campo.

Vede, senhor, apodreceu na lama

Eu a vi há muito tempo entre a folhagem

Antes do vento lhe agitar a rama

E do regato, sacudi-la à margem.

De virente e de verde tinha fama

Da folha mais famosa da ramagem

Desceu nas águas e resta da viagem

O labirinto capilar da tinta.

Ninguém pode fazer igual verdade

Nem filigrama mais perfeito e lindo

Nem presente melhor pode ser dado.

Guardai, Senhor, guardai este esqueleto

Todo cuidado! É uma folha ainda

Onde escrevo de leve este soneto. (Professora, Poeta, Contista e Conferencista Maranhense).

É alentador, em tempos sombrios permeados por pandemia e discursos de ódio, ver mulheres homenageando mulheres com uma comenda instituída para homenagear uma ilustre mulher professora poeta.... a Violeta do Campo, Laura Rosa ...

Sinto-me honrada com a deferência de agradecer essa grande honraria, em meu próprio nome e em nome de mais quatro notáveis maranhenses, mas ao mesmo tempo tenho a clareza do peso da responsabilidade que é falar também em nome da Prof.ª Drª. Adelaide Coutinho, Prof.ª Esp.ª Denise Albuquerque, Sr.ª Enide Jorge Dino e Prof.ª Hortência Gago Araújo.

Assim, agradecemos a indicação dos nossos nomes para a outorga desta Comenda, ao COMITÊ DE ORGANIZAÇÃO e à Coordenação Geral deste evento, na pessoa da Prof.ª Drª. Diomar das Graças Motta. Entendemos o significado deste VIII Encontro Maranhense sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero noCotidianoEscolar–EMEMCEe,VIIISimpósioMaranhensedePesquisadoras (es)sobreMulher,Relações de Gênero e Educação – SIMPERGEN, como também o nome cunhado na Comenda: "Laura Rosa", a Violeta do Campo, o que de fato simboliza justa homenagem à ilustre professora, poeta, contista, ativista cultural e defensora das causas populares.

Apesar de ainda vivermos tempos difíceis, no que diz respeito à igualdade e à fraternidade em toda e qualquer relação das várias instâncias e grupos sociais, não podemos deixar de registrar avanços que vêm se construindo, retratados em movimentos mais lentos inicialmente, mas que se fortalecem a cada dia, tornandose mais palpáveis,

por meio de iniciativas que objetivam enfatizar a mulher como protagonista da sua história.

Louvo as iniciativas de regaste e salvaguarda dos nomes ilustres da nossa terra, assim como os de todo o Brasil, em especial, os das muitas mulheres silenciadas ao longo da história.

Quero declarar o meu orgulho em constatar que o Maranhão está antenado com essa missão, principalmente por termos importantes inciativas no interior da nossa Universidade Federal e ainda em seu Programa de PósGraduação em Educação da UFMA.

Observamos, nas últimas décadas do século XX, iniciativas que se dedicam à desconstrução do silenciamento secular da mulher, e o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) foi criado no início deste século, mais precisamente, em 15 de fevereiro de 2002, pela Prof.ª Dr.ª Diomar das Graças Motta. O GEMGe estabeleceu relação com a Linha de Pesquisa “Instituições Escolares, Saberes e Práticas Educativas do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Universidade Federal do Maranhão e, também, articulação com o Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Mulher, Cidadania e Relações de Gênero (NIEPEM), afiliado à Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR)

A relevância da “Mulher Professora” tem seu pioneirismo, na UFMA, com a obra “As mulheres professoras na política educacional no Maranhão”, Tese de Doutorado da Profa. Diomar Motta, que analisou a trajetória educacional das professoras: Laura Rosa (1894-1976), Rosa Castro (1891-1976), Zoé Cerveira (1894-1957) e Zuleide Fernandes Bogéa (1897-1984), egressas da Escola Normal do Maranhão, criada em 1890 (MOTTA, 2003; 2008).

O destaque da memória dessas Mulheres Professoras e de outras possibilita o acesso a uma prática docente que leva em conta o contexto social que passa pela cultura, política, ecologia, que se imbricam aos conteúdos curriculares, numa experiência rica e totalizante.

A outorga da Medalha do Mérito “Professora Laura Rosa” em reconhecimento às mulheres professoras por suas atuações no magistério e na constituição da história das mulheres, sobretudo na política educacional maranhense, vem ocorrendo desde 2008, ano de realização do II EMEMCE. As homenageadas foram as professoras: Eneida Vieira da Silva Ostria de Canedo, Joseth Coutinho de Martins Freitas, Ceres Costa Fernandes, Lia Varela e Iramari Queiroz.

A segunda condecoração data de 2013, por ocasião do IV EMEMCE, e foram homenageadas as professoras Maria Angélica dos Reis Cordeiro, Diana Brito Diniz, Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, Tatiane Maria Portela e Kátia Regina Pinto.

AterceiraCerimôniadeu-seporocasiãodo VEMEMCE,tendosido homenageadas as professoras: Conceição de Maria Ribeiro Quadros, Eulina Gomes Duarte Ferreira, Eunice Cutrim Lauande, Francisca da Silva Gomes e Silvandira Soares de Almeida.

Na quarta condecoração, foi instituída a Outorga da Comenda “Mulheres Griôs” para as edições realizadas no Continente. Em Grajaú foram homenageadas as mulheres professoras: Ana de Sousa Carvalho; Carmelita Lopes Guajajara; Maria Eugênia Guajajara; Maria do Socorro da Silva Oliveira e Rita de Cassia Lima Sarmento.

Faz-se mister falar um pouco da grandiosidade da Mulher Professora, Poeta, Contista, Laura Rosa, nossa Violeta do Campo.

Laura Rosa, “Uma rosa que era violeta”, segundo Jomar Moraes, nasceu em 1º de outubro de 1884 em São Luís do Maranhão e faleceu aos 92 anos, em 14 de novembro de 1976 em Caxias- Maranhão. Neste ano de 2021, Laura Rosa completa 137 anos de nascimento e 45 anos de falecimento.

Filha de Cecília da Conceição Rosa e de pai não declarado, Laura foi criada por padrinhos, que lhe proporcionaram uma boa educação.

Formou-se professora normalista em 12 de janeiro de 1910, pela Escola Normal do Estado do Maranhão e no dia 18 do mesmo mês foi nomeada professora de um distrito do município de Caxias.

Laura Rosa, foi a primeira mulher a ingressar na Academia Maranhense de Letras, eleita em 03 de abril de 1943. Também Fundadora da cadeira nº 26, patroneada por Antônio Lobo, que foi seu professor.

Mais recentemente foi indicada para patronear a Cadeira nº 12 da Academia Caxiense de Letras, a Cadeira nº 10 do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias e, em São Luís, é Patrona da Cadeira 25 na recém-fundada Academia Ludovicense de Letras-ALL.

Acho pertinente ilustrar a situação da mulher do seu tempo, por meio de um pequeno trecho do seu Discurso de Posse, na Academia Maranhense de Letras, em 17 de abril de 1943:

“Manda a justiça que vos diga, em primeiro lugar, que me trouxeram para esta casa de sábios ilustres as mãos amigas de Corrêa de Araújo e Nascimento de Moraes com a benevolência de seus pares. Trouxeram-me, porque, de mim mesma, nunca imaginei suficientes os meus versos, para merecimento de tão honrosas credenciais”.

E continua: “Eis-me, portanto, aqui, Senhores, a primeira mulher que aqui entra, porque assim o quiseram os homens ilustrados desta agremiação, guardas fiéis de nossas tradições literárias” (Revista da AML, 1998, p. 15).

Por fim, reafirmo que urge romper o silenciamento secular das vozes femininas, mesmo reconhecendo que não é tarefa fácil desconstruir um condicionamento tão enraizado e hegemônico. No entanto, é incontestável que essa quebra está sendo feita, os grilhões como os de toda e qualquer escravidão, estão sendo quebrados, paradigmas superando exclusão... numa viagem sem volta!

Laura Rosa Presente!!!

São Luís, 25 de outubro de 2021.

Profa. Dra. Dilercy Aragão Adler

LAURA ROSA: AS REVERBERAÇÕES DA VIOLETA DO CAMPO

DILERCY ARAGÃO ADLER

Por certo, a produção feminina do fim do século XIX e início do século XX se apresenta menos expressiva que a masculina, mas isso, podemos inferir, se deve principalmente às condições objetivas das sociedades em que viviam essas mulheres e não pela falta de vocação ou de desejo de terem seus trabalhos conhecidos e (re)conhecidos. Essas sociedades eram profundamente marcadas pela supremacia do homem, pautada em valores do modelo eurocêntrico, masculino, caucasiano e aristocrático.

Convém esclarecer que, apesar dessas condições exacerbadamente proibitivas, elas impediram, menos do que se imagina, a presença da mulher no âmbito literário. Essa assertiva é comprovada hoje, devido ao desenvolvimento de vários projetos de resgate de escritoras brasileiras do passado, os quais, operacionalizados,principalmentea partirdasegundametadedoséculopassado,reúnemvaliosasdescobertas, tais como diários, cartas, testamentos e jornais do período.

Apesar do cancelamento da expressão feminina, muitas conseguiram burlar essa proibição, e mesmo tendo sido excluídas do cânone literário, deixaram marcas inapagáveis que nas últimas décadas, como já referido, progressivamente vêm sendo recuperadas, graças a projetos diversos. No Maranhão, no âmbito da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, mais especificamente do Curso de Doutorado em Educação, professoras e professores também vêm se alinhando ao trabalho de desconstrução do silenciamento secular da mulher.

Um trabalho queelegeua relevânciada“MulherProfessora”foiaTesedeDoutoradodaProfa. DiomarMotta, “AsmulheresProfessorasnaPolíticaEducacional noMaranhão”,defendidanoano2000epublicadaem2003, pela EDUFMA, em São Luís. Em decorrência dessa Tese, a Profa. Dra. Diomar Motta criou, em 15 de fevereiro de 2002, o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe). O GEMGe é um veículo de intervenção epistemológica, por meio da produção e disseminação de conhecimentos a respeito de questões de gênero, mulheres, visões de feminismos, dentre outros aspectos relacionados à memória da exclusão. A partir de 2008, ano de realização do II EMEMCE e II SIMPERGEN, teve início a outorga da Medalha do Mérito “Professora Laura Rosa”, em reconhecimento às mulheres professoras, por suas atuações no magistério e na constituição da história das mulheres, sobretudo na política educacional maranhense. Ou seja, são mulheres homenageando mulheres com uma comenda instituída para homenagear uma ilustre mulher professora poeta.... a Violeta do Campo, Laura Rosa.

Leopoldo Gil Dulcio Vaz, Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras-ALL, desenvolve o projeto "Em busca de escritoras maranhenses” desde 2017, coletando dados de escritoras do Estado, com quantitativo significativo de resgate.

Transcrevo a seguir um excerto do discurso de posse de Laura Rosa, ao ingressar na Academia Maranhense de Letras- AML, em 17.de abril de 1943, que a mim toca profundamente:

Manda a justiça que vos diga, em primeiro lugar, que me trouxeram para esta casa de sábios ilustres as mãos amigas de Corrêa de Araújo e Nascimento de Moraes com a benevolência de seus pares. Trouxeram-me, porque, de mim mesma, nunca imaginei suficientes os meus versos, para merecimento de tão honrosas credenciais”.

[,,,] Eis-me, portanto, aqui, Senhores, a primeira mulher que aqui entra, porque assim o quiseram os homens ilustrados desta agremiação, guardas fiéis de nossas tradições literárias (Revista da AML, 1998, p. 15).

Louvo todas as iniciativas de regaste e salvaguarda dos nomes ilustres da nossa terra, assim como as de todo o Brasil, em especial os das muitas mulheres silenciadas ao longo da história. E este livro “QUANDO A POESIA SE FEZ VIOLETA DO CAMPO”, de Míriam Leocádia Pinheiro Angelim, Confreira na Academia Ludovicensede Letras-ALL,ocupantedaCadeira denº25,patroneadapor LauraRosa,significaum revérbero necessário da vida e obra da ilustre professora, poeta, contista, ativista cultural e defensora das causas

populares. Que venham outros estudos, pesquisas, homenagens e similares para se agregarem a essa nobre missão!

São Luís, 27 de janeiro de 2024.

Profa. Dra. Dilercy Aragão Adler

Membro fundador da ALL

Presidente do IHGM e da SCLB

INTRODUÇÃO:

“Pode-se esperar que um povo que ama a liberdade e que respeita o Estado de Direito deixe que os juristas decidam o que significa um texto constitucional; mas não se pode esperar que eles deixem que os juristas decidam o que uma constituição deve dizer. Este não é um trabalho para juristas, mas para as pessoas”1

Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América

“Professor. Além de professor o senhor tem um trabalho”?

Esta foi uma pergunta que me foi feita por um aluno num desses anos passados. Desde lá me pus a indagar qual seria a função de um professor na cabecinha desse jovem.

Há uma frase de Gilberto Freyre que gosto sempre de lembrar: “O homem chega a ser um mestre quando descobre que é um eterno aprendiz”.

Inicio a defesa deste memorial acadêmico, para promoção à classe de Professor Titular, da Universidade Federal do Maranhão, com o mesmo entusiasmo de quem nela chegou como Assistente Administrativo, substituto, no ano de 1976. Em 1985, por concurso público, ingressei na carreira do magistério. Hoje, sou o professor decano do Curso de Direito. E é sobre essa histórica que pretendo falar.

Esclareço que esta apresentação pretende resumir (o máximo possível) um longo e detalhado memorial acadêmico apresentado, com as respectivas comprovações, à Diretora do Centro de Ciências Sociais, dirigido de forma diligente, competente e acolhedora pela Professora Doutora Lindalva Martins Maia Maciel. Sou-lhe grato por abraçar esta causa.

O processo foi examinado pela Comissão Interna de Avaliação composta pelos Professores Doutores José Ribamar Ferreira Junior, José Lúcio Alves Silveira e pela Professora Doutora Ilzeni Silva Dias. A todos minha profunda gratidão.

A Comissão Externa de Avaliação, é composta pelos insignes professores Doutores Francisco Meton Marques Lima, Marco Aurélio Lustosa Caminha e Robertônio Santos Pessoa. De modo idêntico agradeço a aceitação da tarefa.

Optei pela adoção da apresentação de um memorial acadêmico porque só no ano de 2023 publiquei, sob a forma de ebooks, diversos livros. Todos com acesso gratuito e franqueado à comunidade acadêmica e a quem tiver curiosidade.

Há agradecimentos que devem, desde logo, ser consignados com a profunda e mais calorosa manifestação de apreço, porque guardam um significado especial.

Refiro-me a ter na banca de avaliação os professores, todos, da Universidade Federal do Piauí. E o motivo é, também, sentimental. Tenho boa parte de minha formação pessoal no vizinho e querido estado.

Meupai,inobstantesejafilhodeCoelhoNeto,noMaranhão,aindapequenosemudouparaoPiauí,pordecisão de meus avós, como medida de preservação da sua vida e de suas irmãs, motivados por um embate caloroso e em alguns momentos sangrento, entre famílias.

Senhoras e senhores, eu revelo a cada um de vocês aqui, que a universidade pública possibilitou que um filho e um neto (este que vos fala) de um pequeno agricultor, pudesse alcançar este momento.

De Teresina a União, das Barras do Maratoan a Zé de Freitas há razões de sobra para homenagear meu pai, meus avós, tios e tias. Somos dos Castelo Branco, dos Pombeiros, na Terrinha. Mas somos Santanas das terras da carnaúba. Por onde passei deixei meus passos, colhi exemplos de virtude e honradez.

* Defendido em 31 de janeiro de 2024 pelo Prof. Dr. José Cláudio Pavão Santana.

1 SACALIN, Antonio, Sacaia fala – reflexões sobre fé, direito e vida bem vivida, 1ª edição. Londrina: Editora E.D.A. –Educação, Direito e Alta Cultura, 2021.

DEFESA MEMORIAL TITULAR*

Mas o momento exige mais do que confissões e agradecimentos. Demanda prestação de contas. E eu a faço, invocando as bençãos do meu Deus e a compreensão de cada um se eu me perder na emoção.

O TEMPO E A TELA EM BRANCO

Com Eclesiastes aprende-se que para tudo há tempo. A sabedoria está na espera.

Lembro-me, logo ao sair como graduado da UFMA em 1981, ter ido ao Departamento de Direito, para indagar quando seria o concurso para professor. Passado o tempo, me foi dito, pela secretária, que se tornou amiga no convívio diário, que teria sido comentado à época entre os presentes: Esse menino mal saiu dos cueiros e já quer ser professor. Ora vejam só! Pois viram!

A reflexão traz a constatação de que é impossível conjugar o verbo SER, na primeira pessoa do presente do indicativo. A dimensão temporal é ininterrupta. Projeta-se no espaço, alcançando pessoas e objetos.

Por isso, permito-me o primeiro exercício que na Academia proponho.

Ao afirmar agora: eu SOU José Cláudio Pavão Santana, ao final da oração não deixei de ser o homem, muito menos o professor, mas já não sou o mesmo. Ao encerrá-la, o pretérito já dominou o espaço. Assim, porque fui e porque sou a cada dia e em cada oração, ressurjo no espaço como um ser renovado, passando o tempo pormim. Eédelequefalo,porqueentreSER eESTAR as questõesderivadas demandam amais pura essência: o VALER.

alho pelo que sou ou sou pelo que valho? Só o tempo e os professores, neste espaço, possuem a resposta.

O segundo exercício que proponho é de minha idealização em sala de aula.

Uma tela em branco, sem nenhum traço, sem nenhuma pintura, é uma tela em branco na observação do leigo. Mas entre ver e enxergar reside precisamente uma significativa diferença se a mesma tela é vista por um artista, ou mesmo por um crítico de artes.

O que nada continha passa a traduzir uma manifestação de paz identificada pelo branco da tela. A imaginação lúdica, lúcida e até delirante do artista pode ser contida na exaltação ao vazio. Na voz do crítico (ou especialista) a tela pode ser descrita assim: Percebam que o branco da tela aconchega a lucidez do imaginário, compondo uma expressão visível do mais íntimo sentir do observador.

Eis, aqui, como apresento aos meus alunos a discussão acerca dos planos do conhecimento jurídico. Claro, com coloração bem mais carregada de críticas.

Mas aqui, hoje, eu sou a própria tela em branco, tentando ser um quadro ao final.

A JORNADA:

A vida me pôs como propósito profissional ser professor e advogado. Do avô paterno – do Piauí - recebi a lição de que o homem deve ter um ofício e uma profissão. À falta de um a outra lhe socorre nas adversidades. Do avô materno – do Maranhão - recebi o alerta de que, na vida, existem oportunidades que são únicas. E eu as abracei.

Registro, inicialmente, que tenho orgulho de ter sido Procurador do Estado do Maranhão, aprovado no primeiro concurso público da carreira. Fui promovido, para todas as classes, sempre por merecimento, chegando aprocuradorgeral, quebrandoparadigmas quetransformaram acarreira,pondo-anodevido patamar constitucional, passando a ter disputado certame para ingresso, elevando, significativamente, a retribuição financeira, dignificando a classe, com a necessária e merecida inserção dos procuradores aposentados nos órgãos de deliberação.

Da PGE me aposentei, após trinta e cinco anos de trabalho.

Mas tenho a glória de ser professor universitário, porque do Recife a Coimbra, passando pela São Paulo gigante, cada uma das etapas tiveram o objetivo de aperfeiçoar os conhecimentos para compartilhá-los com muitos.

Já se notabilizam mundo a fora ministros, governador, desembargadores estaduais e federais, promotores, procuradores, juízes de direito, juízes e desembargadores do trabalho, professores, advogados, delegados de

polícia, militares de patente e tantos outros profissionais, que sob estas trêmulas, mas determinadas mãos, passaram. Ali vai um pouco de mim em cada um, porque o conhecimento nasceu para ser compartilhado, sempre.

Mas conhecer exige compromisso e comprometimento. A Academia, é preciso que se diga, está repleta de arquitetos da esperteza, aqueles que se imaginam iluminados por razões que desconhecem. O tempo provará ao revelar, ao final, o autoritarismo, a prepotência e a arrogância, próprias da incompetência. O joio será separado do trigo.

Eu vivo entre luzes, por elas sou guiado, por isso os professores da UFPI são, a partir de hoje, referências de relevo e admiração na minha vida. Suas credenciais são destacáveis.

É do ritual acadêmico reservado aos memoriais que se fale sobre nós mesmos. Acho esquisito, mas guardo disciplina acadêmica. Portanto, rogo a todos, parcimônia.

Ao falar na primeira pessoa não me despi da sensibilidade emocional que me caracteriza. Sou autêntico, porque não tenho alma de escravo, mas não deslustrarei o quadro pretendido.

QUEM SOU E DE ONDE VENHO:

Eu sou filho de José Vera-Cruz Santana, advogado, inscrito na OAB-MA sob o n. 193, com advocacia trabalhista destacada, professor de legislação trabalhista na Federação das Escolas Superiores do Maranhão, hoje Universidade Estadual do Maranhão. Chefe do jurídico da Caixa Econômica e jornalista, membro do TRE-MA por diversos biênios, membro da Academia Maranhense de Letras. Minha mãe – ao tempo se dizia: do lar – reservava suas habilidades aos filhos e à direção da nossa casa. Um talento em artes, bela e amorosa.

Revelo, portanto, a razão da realização deste evento ocorrer nas instalações da OAB-MA: a Escola Superior de Advocacia homenageia meu pai. Dela fui o segundo presidente, ao suceder o mestre Alberto José Tavares Vieira da Silva. Mas também desta casa fui membro, como Conselheiro Federal, Conselheiro Seccional e representante em diversos certames para as carreiras jurídicas do estado e federal.

Fomos quatro filhos homens. José Newton, José Sérgio, José Cláudio e José Reinaldo.

Nasaudadedodesaparecimentodoprimogênito,aosdezesseteanos,nacompanhiadequemeumeencontrava, Deus me deu uma segunda vida, para que hoje estivesse eu aqui.

Mas sou pai de Gustavo e de Guilherme, joias, mais do que filhos. Um publicitário, o outro advogado, completamente dedicados a que este evento ocorresse a contento.

PORQUE NÃO USO A DIGITAL PARA ASSINAR:

Iniciei minha vida de estudos no Jardim de Infância do Colégio Batista “Daniel de la Touche”. Guardo na memória minha professora Iracy Malheiros, uma lúdica e infantil paixão. Não tive “tia”, como se diz hoje. Tive professora, com quem aprendi a juntar letras. Talvez por isso, a letra “A” me tenha feito encontrar no colégio a quem chamei de primeiro amor.

Hoje, Deus nos permite, parte do jardim da infância ainda se encontrar, com memórias, risadas, olhares, confissões e solidariedade.

Aos dezesseis anos fui estudar no Texas, na “San Marcos High School”, como bolsista do Rotary Club São Luís, pordecisivaparticipaçãodo empresárioAlmirMoraes Correia.A ele rendominhas homenagens sempre. Retornei, após cerca de quatorze meses, reingressando no Colégio Batista, reencontrando os colegas de infância.

Eu não saberia escrever se não fosse a professora, mas não saberia sorrir se não fossem vocês, meus irmãos do coração.

À época, quem chegasse do exterior era um candidato natural a ser professor do idioma. E foi assim que me tornei, após seleção pública, professor de inglês do Instituto de Idiomas Yazigi. Prossegui meus estudos do ensino médio no Colégio de São Luís, pois contraíra matrimônio precocemente.

Por generosidade do sr. Glacymar Marques – Secretário da Indústria e Comércio, fui contratado como pesquisador da Secretaria em projeto de pesquisa. Minha gratidão a ele faço questão de registrar.

QUANDO OS PORTÕES SE ABRIRAM:

Minha vida na Universidade Federal do Maranhão começou no dia 16 de setembro de 1976.

Desejo registrar, aqui, também, meus agradecimentos ao então Superintendente de Administração, o professor Pompílio Albuquerque, na presença de quem tomei posse.

Pontuonomemorialacadêmico,detalhadamente,asfunçõesexercidas,dentreasquaissecretáriodaCOPEVE, dirigidainicialmentepelo prof.FranMaranhão, depois pelos professores JoséDomingueseEduardoLoureiro, aos quais, também, presto minhas homenagens.

Estudante noturno do cursinho, ingressei na UFMA por aprovação no vestibular.

O BACANGA – RUMO AO DESCONHECIDO:

Na graduação sempre mantive desempenho destacado. Para que não cometa injustiças, agradeço a generosa (embora exigente) atenção de cada um dos professores. Trago um pouco de cada um em mim.

De modo idêntico a cada servidor administrativo que (devo reconhecer) dei trabalho, registro minha profunda gratidão.

Por unanimidade, a turma que veio a ser denominada “Turma Domingos Vieira Filho”, 39ª. turma do Curso de Direito, elegeu-me como orador, função que desempenhei tanto na aula da saudade quando na solenidade de colação de grau.

O RECIFE ME CHAMOU (A KELSEN O QUE É DE KELSEN):

Com a aprovação na seleção pública fui obrigado a mudar meu domicílio para a cidade do Recife, onde permaneci durante dois anos, com dedicação exclusiva, aos meus estudos.

Mais um registro de gratidão devo fazer.

Para minha manutenção, além dos rendimentos pagos pela UFMA, por intervenção do professor José Maria Cabral Marques, entãoreitor,tornei-mebolsistadoPIBIC-CNPQ, com bolsa paraauxiliar como complemento das despesas acadêmicas.

Por imposição da UFMA retornei a São Luís, tendo prestado concurso público para ingresso no quadro de pessoal permanente da instituição, o que fiz, para o cargo de datilógrafo, uma vez não ter sido admitido que me inscrevesse para cargos de nível superior. Fui aprovado, retornando ao Recife para conclusão do mestrado.

Tendo cumprido todos os créditos com aprovação, defendi a dissertação de mestrado intitulada PROPRIEDADE EDILÍCIA ESPECIAL, obtendo o título de Mestre em Direito. Fui aprovado com nota máxima e menção “Distinção”, perante banca composta pelos professores catedráticos, José de Moura Rocha (orientador da dissertação), Lourival Vilanova e Torquato da Silva Castro.

A CARREIRA DO MAGISTÉRIO:

O ingresso no magistério ocorreu em 4 de novembro de 1985, após aprovação em certame público, como Professor Auxiliar.

Inicialmente ministrei as disciplinas de Direito Civil – Obrigações e Contratos e Direito de Propriedade –como, também, Teoria Geral do Direito, mais tarde História do Direito e Direito Eleitoral, logo alçando progressão à classe de Professor Assistente, pelo êxito logrado no mestrado.

Destaco que introduzi no Curso de Direito a obra de Hans Kelsen quando ministrava a disciplina de Teoria Geral do Direito, autor antes só tangenciado na sua apresentação, o que contribuiu, significativamente, para oferecer um contraponto ao difundido estudo do direito natural até então predominante.

Quando a UFMA adotou como obrigatórios os trabalhos de conclusão de curso fui um dos professores a sugerir que toda monografia oferecesse uma contribuição à realidade do Estado do Maranhão, porque a universidade é onde o conhecimento formata e credita inteligências.

Com a proximidade da redemocratização do país era titular das disciplinas de Direito Constitucional o Professor Catedrático José Ricardo Aroso Mendes, também Coordenador do Curso de Direito e membro dos Colegiados Superiores da Universidade Federal do Maranhão.

Chamado ao seu gabinete de trabalho recebi a incumbência de suceder o caríssimo mestre em suas disciplinas, posto reconhecer em mim a dedicação como estudante, e depois como colega de Departamento de Direito, nas atividades da docência.

Sem direito a recusa, e sem que fosse dado prazo além de noventa dias, assim iniciou-se o mergulho no direito público, passando a dedicar-me ao Direito Constitucional como titular das disciplinas desde o ano de 1986.

A sala de aula sempre despertou em mim a ambiência de destino. Local propício aos debates e interlocuções, é nela onde me realizo profissionalmente, com a certeza de que todo conhecimento não transmitido é um conhecimento perdido.

Hoje sou professor associado IV em regime de Dedicação Exclusiva, buscando a Titulação na carreira do magistério superior.

Registro, neste particular, a fundamental contribuição do Prof. Dr. Natalino Salgado, então Reitor, alertandome sobre a necessidade de dedicar-me só à UFMA. O alerta a mim transpirou como cuidado distintivo. Muito obrigado ao professor.

Sempre tive em mente desenvolver um trabalho que produzisse inovação acadêmica. Sou, particularmente, um crítico da busca pela autoridade do discurso, sobretudo o que se repete sem muito acrescentar.

Nahistóriado Maranhão fuiencontrarumagrande einesgotável fonteparao estudo doDireitoConstitucional.

Porinspiração demeupai eestímulodos historiadores MárioMeirelles eMilson Coutinho,inicieias primeiras leituras sobre a obra A MISSÃO DOS PADRES CAPUCHINHOS NA ILHA DO MARANHÃO, de Claude d’Abeville.

O fato histórico sinalizava que era possível contribuir para a formação do constitucionalismo com tema inusitado. As pesquisas continuaram até a primeira produção bibliográfica, feita por mim na obra coletiva ESTUDOS JURÍDICOS, em homenagem aos professores Antenor Bogéa, Doroteu Ribeiro e José Maria Ramos Martins, organizada por meu ex-aluno, hoje Ministro de Estado da Justiça, recentemente nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal o Prof. Ms. Flávio Dino e editada pelo CEUMA.

A pesquisa avançou e novas obras foram sendo lançadas e incorporadas aos escritos.

Durante todos esses anos de labuta era uma cobrança pessoal a renovação de conhecimentos. Era impositivo que chegasse a hora do doutoramento. Com a ideia definida do que desejava pesquisar e escrever me submeti à seleção ao doutoramento.

A TERRA DA GAROA - O DOUTORADO:

O doutorado ocorreu em São Paulo, na prestigiada Pontifícia Universidade Católica, onde fui submetido a exames escrito e oral.

Sempre afirmo que ao ser do conhecimento que eu fora aluno do professor Lourival Vilanova as portas se abriram, não sem antes o professor, e à época Coordenador da Pós-Graduação, Paulo de Barros Carvalho, fazer os questionamentos necessários. Convenceu-se do que eu dissera.

Minha pesquisa já em fase de desenvolvimento encontrou imediata acolhida do Professor Livre Docente André Ramos Tavares, jovem inteligência que vem da escola do professor Celso Ribeiro Bastos.

Destaco, do parecer de admissão da pesquisa, o seguinte:

“O trabalho revela um matiz nitidamente inovador, procurando desbravar setor até então fora do âmbito dos estudos acadêmicos do Direito. Sua contribuição poderá ser altamente impactante e reveladora, na medida em

que as conclusões servirão para compor o complexo estudo das origens nacionais do desenvolvimento do constitucionalismo e da formação de nosso Estado de Direito”

Como foi demonstrado ao longo do curso, a tese que se denomina LEIS FUNDAMENTAIS

DO MARANHÃO: DENSIDADE JURÍDICA E VALOR CONSTIUTINTE. A CONTRIBUIÇÃO DA FRANÇA EQUINOCIAL AO

CONSTITUCIONALISMO AMERICANO, foi aprovada pela banca composta pelos

Professores Doutores André Ramos Tavares – orientador – Antonio Carlos Mendes, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos, Soraya Regina Gasparetto Lunardi e Paulo Roberto Barbosa Ramos, sendo selecionada para publicação pelas Editoras Forense e Método, para integrar a coleção em homenagem ao professor e ministro do STF Gilmar Mendes.

Em atenção às exigências comerciais o livro tem o título de O PRÉ-CONSTITUCIONALISMO NA AMÉRICA, estando já em fase de revisão para uma segunda edição.

Traço um breve histórico da pesquisa para melhor compreensão dos fatos.

Identifiquei na história do Maranhão as Leis Fundamentais concebidas, instituídas e publicadas em 1º de novembro de 1612.

O fato, com suas singularidades, proporcionou que eu contrapusesse as LFM às que, até então, eram apresentadas como tradução das primeiras constituições.

Defendi o argumento de que, bem antes dos documentos apresentados como primeiras manifestações do constitucionalismo americano já existiam as LFM, portanto, cronologicamente anteriores.

Avançando no tema defendi que a concepção das normas feitas com a participação ativa dos líderes indígenas, com discussões noturnas na Casa Grande de cada aldeia, simbolicamente aproximada de um parlamento, foram escritas e publicadas nestas terras, sendo, portanto, também, a exemplo da Carta de Mayflower, concebidas na Nova Terra. Contudo, as LFM foram concebidas oito anos antes, portanto, precedendo aquelas.

Ao identificar a estrutura formal das LFM e eleger alguns critérios para consolidação dos temas nelas tratados, identifiquei várias disposições que hoje estão expressamente previstas em diversos documentos de valor jurídico. Nesse sentido, foi sustentado que as LFM possuem densidade jurídica e valor constituinte.

Prossigo minhas pesquisas no Direito Constitucional com a viva preocupação de que a Constituição exige mais do que a observação formal. Ela demanda uma interlocução que envolve saber a dimensão compromissória.

Como pode ser constatado o meu mestrado concentrou-se na área de direito privado e o doutorado na área de direito público, o que fez com que fosse fechado o ciclo dogmático e crítico de estudos do Direito.

NA TERRA DE PESSOA – O PÓS-DOUTORADO:

Apresentei projeto de pesquisa à Universidade de Coimbra, em Portugal, junto ao CENTRO DE DIREITOS HUMANOS “IUS GENTIUM CONIMBRIGAE”- “HUMAN RIGHT CENTRE”, sob o comando do Prof. Doutor Jónatas Machado, de quem fui orientando.

Minha exposição, incialmente, sobre meu livro O Pré-constitucionalismo na América, logo despertou curiosidade na Academia Lusitana. Ali fui convidado para eventos na Universidade Portucalense, proferindo palestra, de onde me tornei um dos professores contribuidores para exame de trabalhos científicos.

Participei de eventos, também, na Espanha, na Universidade Eduardo III, onde proferi conferência sobre o sentimento constitucional, a convite da Profa. Dra. Lucylea Gonçalves França, a quem registro meus agradecimentos.

Enquanto residia em Coimbra busquei refletir sobre a função do preâmbulo na Constituição da República, pondo o assunto em contraste com o sentimento constitucional, assunto que já há algum tempo despertava meu interesse.

Submeti a temática ao meu orientador sendo definido, por decisão minha, que apresentaria uma tese, ao invés de simples artigo. Foi o que fiz.

Escrevi a tese intitulada O PREÂMBULO: EXPRESSÃO SENTIMENTAL DA CONSTITUIÇÃO, tendo sido aprovada.

A tese, ainda inédita, forneceu subsídios para a publicação do artigo de minha autoria intitulado: Preâmbulo – inspiração construtiva de identidade ou declaração adornatória da constituição? – in Justiça Federal: estudo em homenagem ao desembargador federal Leomar Amorim, organizado por FONSECA, Reynaldo Soares da; VELOSO, Roberto Carvalho - D’Plácido – Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016.

Com o pós-doutoramento concluído mantive o ensino na graduação nas disciplinas de Direito Constitucional, produzindo trabalhos publicados em livros em companhia de colegas, na graduação e na pós-graduação, além de aceitar convites para me tornar parecerista em diversas revistas acadêmicas.

Organizei a edição do livro comemorativo dos Cem Anos do Curso de Direito, participei ativamente de Comissões, bancas examinadoras e Assembleias, de forma híbrida durante os anos da pandemia.

Segui sendo alvo de convites para entrevistas em emissoras de rádio e televisão sobre as temáticas constitucional e eleitoral. Do mesmo modo participei de programas veiculados nas redes sociais.

Solicitei – e foi deferido – meu retorno ao Mestrado em Direito, onde ministrei aulas, participei de bancas de qualificação de dissertação, bancas de defesa de dissertação, produzi artigos, participei de todos os eventos remotos dos CONPEDI, com publicação dos artigos produzidos em companhia dos alunos.

Destacoquepus em práticaa disciplinaADVOCACIA COMO INSTITUIÇÃO

que fora concebida por mim desde a instalação do curso de mestrado.

DO SISTEMA DEJUSTIÇA,

Nesta disciplina introduzi obras até então desconhecidas no meio acadêmico, estabelecendo um diálogo inovador na forma de ensino, com ênfase no “criativismo judicial”, uma categoria que introduzi em torno da discussão sobre o ativismo judicial e a juristocracia.

Convidei professores de outras instituições e produzimos aulas e encontros acadêmicos que possibilitaram visões múltiplassobrequestõesque importam ao Direito,dialogando com aliteratura,a políticae a sociologia.

Merece registro, ainda, a publicação de trabalhos em anais de eventos internacionais como os congressos de Coimbra e Salamanca, assim como nacionais, como os CONPEDI, todos com trabalhos aprovados, além dos livros que se encontram ancorados no sítio da EDUFMA.

Porinformação juntoàplataforma SUCUPIRA constameunome como um dos professores que possibilitaram o credenciamento de funcionamento do curso de Doutorado em Direito da UFMA.

Todos os meus propósitos e compromissos sempre foram cumpridos, com a compreensão de que, hoje, meu entusiasmo e carinho devotados à Universidade Federal do Maranhão, é o mesmo daquele dia 16 de setembro de 1976, quando os portões se abriram para mim.

PESQUISAS EM CURSO:

Atualmente como líder do Grupo de Estudos de Direito Constitucional Contemporâneo, devidamente registrado no portal do GP-CNPQ, dentre os diversos projetos de pesquisa em execução destaco os seguintes:

O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL:

A temática do sentimento constitucional envolve saber distinguir juramento, compromisso e comprometimento.

A reflexão consiste em responder a algumas indagações, como, por exemplo, como conceber a Constituição além de uma perspectiva promissória?

Para chegar a esse ponto é indispensável haver sentimento. Afinal, como se forma esse tal sentimento?

Há respostas em escritos de minha autoria. Todos relacionados no memorial.

Reservo ao preâmbulo constitucional valor bem mais do que simbólico, lírico ou ideológico, discussão que transitou com precipitada manifestação do intérprete.

Minha abordagem indaga sobre o valor normativo do preâmbulo.

O assunto foi tratado na obra já mencionada, coordenada pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonsêca e pelo Desembargador Federal Roberto Veloso, com o artigo de minha autoria intitulado Preâmbulo – inspiração construtiva de identidade ou declaração adornatória da constituição?

Compreendo o preâmbulo como vetor epistemológico, portanto, com função cognitiva, razão por que possui força normativa de inspiração hermenêutica.

Outra temática que me ocupa como pesquisa é a compreensão da República como elemento fundamental para a Constituição.

REPÚBLICA CONCEITUAL E TRAIÇÃO CONSTITUCIONAL:

Adoto a denominação Constituição da República em lugar de Constituição Federal.

A república deve ser uma categoria alcançada não apenas a partir do prefixo do vocábulo. Nesse sentido, a “res”, que dispõe de colocação vinculada ao público já não basta para conceituar esse regime. A monarquia constitucional tem na coroa, também, a ideia de coisa pública. Então, a reflexão é no sentido de que há princípios imanentes ao conceito que podem ser deduzidos do vocábulo alcançando-se os seguintes compostos: eletividade dos cargos, a temporariedade dos mandatos, a responsabilização dos agentes e a alternância do poder.

A ideia de Constituição Federal reduz-se a três dimensões, apenas: forma orgânica do estado, reconhecimento de constituições estaduais e a alegada tradição.

Penso, assim, que o compromisso se traduz melhor pela dimensão republicana.

ATIVISMO JUDICIAL X CRIATIVISMO JUDICIAL:

Ainda como objeto de pesquisa está o funcionamento da máquina judicial nos espaços possíveis e permitidos, porque tem crescido a extensão do protagonismo judicial.

Inicialmente pensei na denominação do que chamei de ativismo jurídico, porque a reunião das carreiras essenciais ao sistema de justiça melhor configuraria o estreito campo de ação de ofício pela magistratura.

Soava estranho falar em ativismo judicial considerando o processo sob a ótica do impulso oficial.

Evolui no sentido de compreender que o ativismo judicial seria a intermediação de concretização, a partir da inércia legislativa que frustra a concretização da Constituição.

Mas a reflexão exigiu observação a elementos de ponderação e sopesamento como, por exemplo, o princípio da justeza e conformidade funcional, mencionado no catálogo proposto por Canotilho, pelo qual o intérprete não pode subverter a ordem dos fatores de decisão, ou seja, o núcleo de definição que é a compreensão da regra da separação dos poderes, na verdade, coordenação do poder entre funções.

Linguagem e democratização são fatores de proximidade da autoridade. Por isso o Direito não nasceu para ser hermético, precisa de asas para voar, mas cuidados para não machucar.

Desta percepção nasceu mais um artigo publicado num dos capítulos na obra

DIREITOS HUMANOS E FRATERNIDADE - ESTUDOS EM HOMENAGEM AO MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA.1 ed. SÃO LUÍS: EDIUFMA, 2021, v.1, p. 335-350.

O artigo intitula-se JUÍZO DE ADEQUAÇÃO: A AUTENTICIDADE CONSTITUCIONAL E A INTERPRETAÇÃO DISRUPTIVA.

A pesquisa fala sobre os limites da interpretação constitucional. A boa fé do intérprete como elemento primordial para a boa hermenêutica. A estática e a dinâmica, configurando como disruptura a violação aos limites das decisões políticas fundamentais da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição da República de 1988.

BIBLIOGRÁFICA:
PRODUÇÃO

A produção bibliográfica produzida é vasta, por isso menciono como principais obras as que se encontram identificadas no slide, já devidamente detalhadas no memorial acadêmico. Registro, ainda, a produção de artigos publicados em livros e eventos nacionais e internacionais, como resultado de pesquisas realizadas.

A PENA DO PAVAO – Opinião como Direito:

Não poderia deixar de mencionar nas minhas produções bibliográficas o blog em que são aportadas minhas reflexões e opiniões. Nele falo sobre direito, política, literatura, filosofia.

A teoria do direito pode se refinar e confinar no plano científico, porquanto, sempre lembrando Kelsen, “Isto é teoria do direito, não é teoria da política”, mas no plano do ser, onde as realidades se contradizem, exige-se do jurista a percepção do cotidiano.

Já se vão doze anos de atividade do blog, instrumento mais célere e eficaz para divulgação do pensamento científico sem as amarras do formalismo que traduzem a arquitetura do pensamento, mas quase sempre o esvazia de conteúdo, como, aliás, tem sido de modo geral na Academia.

Caminho para transformação do blog em revista acadêmica. São mais de quatrocentos artigos – sob a forma de opinion papers ou simples editoriais –nesses doze anos, alguns dos temas foram transformados em artigos científicos já publicados.

ACADEMIAS E ENTIDADES DE ESTUDOS:

Devo registrar minha vinculação a entidades de estudos, porquanto o faço de forma apenas indicativa.

2022 Membro da Associação de Ciência Política do Estado de Nova York (NYSOSA), New York State Political Science Association.

2021 Tutor do Grupo de Estudo e Pesquisa Direito Constitucional Contemporâneo - DGP - UFMA – CNPQ.

2021 Membro do Grupo de Pesquisa Cultura, Direito e Sociedade - DGP - UFMA - CNPQ, UFMA – CNPQ.

2013 Associado da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional.

2013 Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras - ALL - Cadeira n. 39 - BANDEIRA TRIBUZI.

2006 Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais.

1998 Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídica - AMLJ - Cadeira n. 33 - JOSÉ VERA-CRUZ SANTANA.

Revisor De Periódicos:

2022 Revista Diálogos Críticos

2021 Fronteira Revista De Iniciação Científica Em Relações Internacionais

2021 Estudos Internacionais Revista De Relações Internacionais

2021 Conjuntura Internacional PUCMG

2021 Revista Da Faculdade Mineira De Direito PUCMG

2021 Dom Helder Revista De Direito

Revisor de Periódicos:

2021 Revista Da Faculdade De Direito Do Sul De Minas FDSM

2021 Virtuajus (PUCMG)

2016 Revista Jurídica Portucalense

2103 Revista da Faculdade de Direito da UFMG

2013 Revista De Direito Administrativo - Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro

Membro do Corpo Editorial:

2022 Revista Diálogos Críticos

2021 Centro de Estudos E Pesquisas Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

2021 Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília

2021 Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas

2021 Revista Espaço Acadêmico

2020 Revista da Procuradoria Geral do Estado do Maranhão

2013 Cadernos da Pena do Pavão

HONRARIAS:

Destaco, outrossim, as honrarias recebidas, que reconhecem minha trajetória profissional.

2023 Mérito Acadêmico – 10º. Aniversário de fundação e dos 35 anos da Constituição da República, Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública.

2019 Distinção Honorífica - PALMAS UNIVERSITÁRIAS, Universidade Federal do Maranhão.

2019 Medalha pelo cinquentenário da Procuradoria Geral do Estado do Maranhão – PGE-MA.

2018 Medalha Domingo Perdigão do Mérito Jurídico nos 100 anos de fundação do Curso de Direito, Universidade Federal do Maranhão.

2018 Ordem do Mérito em Direitos Humanos em celebração aos 70 anos da Declaração Universal em aos 30 anos da promulgação da Constituição Federal, Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública –CECGP.

2014 Honra ao Mérito – Centro Acadêmico I de maio da Universidade Federal do Maranhão, Centro Acadêmico do Curso de Direito da UFMA.

2013 Comendador Medalha 28 de Novembro, Procuradoria Geral do Estado do Maranhão

2010 Homenagem por serviços prestados à UFMA – Jornada Científica do Centro de Ciências Sociais, Centro de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.

2010 Medalha Mérito Legislativo Simão Estácio da Silveira, Câmara Municipal de São Luís.

2009 Mérito da Procuradoria Geral do Estado do Maranhão – Medalha 28 de novembro, Procuradoria Geral do Estado do Maranhão.

2007 Medalha Alferes Moraes Santos, Corpo de Bombeiros do Estado do Maranhão.

2007 Medalha Governador Luis Antonio Domingues da Silva, Gabinete Militar do Governador do Estado do Maranhão.

2005 Medalha Mérito Eleitoral Governador Ministro Arthur Quadros Collares Moreira, Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão.

1998 Medalha Viana Vaz, UFMA – DEDIR.

1995 Prêmio Advogado José Vera-Cruz Santana, OABMA.

1987 Menção Distinção em tese de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE – FDR.

UM RESUMO NUMÉRICO:

O revisor de periódicos - 11

Membro de corpo editorial - 07

Bancas de graduação - 68

Bancas de pós-graduação stricto sensu e lato sensu – 04

Mestrado - 09

Orientações - 04

Pós-graduação lato sensu - 04

Pesquisas - 07

Participação em grupo de pesquisa – 02

Participação em extensão acadêmica - 07

Livros publicados individualmente - 07

Livros organizados – 01

Capítulos de livros publicados - 12

Trabalhos publicados em anais de evento (completos) – 04

Artigos publicados em jornais de notícias – 07

Artigos publicados em revistas (magazine) - 292

Trabalhos apresentados em palestras – 24

Apresentação de livros - 02

Redes sociais (websites blogs) - 412

Entrevistas e programas na mídia - 07

Registro, ainda, ter sido membro do TRE -MA por dois biênios.

Representante da PGE-MA na Câmara dos Deputados na ANC.

Representante da PGE-MA e da OAB-MA na AEC.

CONCLUSÃO:

Ao fim desta apresentação desejo registrar, uma vez mais, meus agradecimentos a todos. Como disse no início já não sou mais o mesmo porque o tempo me fez melhor ao estar na companhia desta ilustre banca examinadora e de cada um dos senhores e senhoras, presencialmente ou virtualmente neste evento que, desejo, seja de coroação de minha carreira acadêmica.

E porque o tempo determina a passagem desejo nele renovar o compromisso de que minha cátedra não é passado, é presente e futuro, com a firme convicção de que o conhecimento nasceu para ser transmitido. Ao fazê-lo, nos perpetuamos.

Do futuro o que posso esperar, além da aprovação deste memorial? Bom, é que meus filhos, Gustavo e Guilherme, minhas riquezas maiores, possam um dia dizer que viram, ouviram, aprenderam.

Aos meus netos – por ordem de chegada – Caio, Enrico e Maria Valentina o que posso desejar é um mundo melhor e mais justo.

À pergunta que foi feita respondo. Mais do que trabalho, ofício ou profissão ser professor é uma causa: a luta pela liberdade do ser humano contra toda e qualquer opressão.

Espero, assim, ter conseguido colorir aquela tela em branco, tornando viva e clara a imagem do jovem – com as marcas do tempo - que um dia desejou saber quando seria o concurso para professor de Direito da UFMA. Apesar das marcas do tempo eu continuarei sendo um eterno aprendiz.

Muito obrigado.

PAVÃO SANTANA

No último dia 31 de janeiro de 2024 defendi, em sessão pública, meu memorial acadêmico para promoção a professor titular da UFMA.

Para os que ainda não conhecem essa modalidade de produção intelectual, o memorial acadêmico – ou a produção de uma tese – são as formas de ter promoção à classe máxima da carreira do magistério superior. Como informei, optei pelo memorial porque só no ano de 2023 publiquei – sob a forma de ebook seis livros que se encontram ancorados no portal da EdUFMA. São gratuitos, faço questão de registrar.

Produzir um memorial dessa natureza impõe muitas e minuciosas regras que devem ser seguidas e um lapso temporal de oito anos de produção intelectual, o que envolve ensino, pesquisa e extensão. Após o exame de uma Comissão de Avaliação Interna, finalmente, se aprovada, segue a uma Comissão de Avaliação Externa, para a sessão pública de defesa. Foi o que ocorreu.

A banca externa foi constituída pelos Professores Doutores Francisco Meton Marques Lima, Robertônio Santos Pessoa e Marco Aurélio Lustosa Caminha, todos professores da UFPI.

A sessão foi longa, devo reconhecer, com questionamentos pontuais de quem efetivamente leu o conteúdo de mais de cento e oitenta páginas e ao final, unanimemente, deliberou pela aprovação por atendimento a todos os requisitos que são inúmeros.

Não mencionarei, aqui, os comentários feitos. A página da UFMA, no youtube, possui o vídeo completo. O que a mim importa é compartilhar esta celebração que é, formalmente, o grau máximo na carreira.

Como lembrei em minha apresentação, comecei como uma tela em branco que foi sendo colorida ao longo da apresentação. Foram momentos de muita emoção e, tenho certeza, revelaram um lado de minha vida ignorado por muitos, sobretudo aqueles que acham que tudo foi muito fácil.

O reconhecimento acadêmico hoje alcançado tem a contribuição de muitas mãos. E eu menciono e agradeço a muitas pessoas, desde a minha infância até os dias de hoje. Gratidão, seguramente, é um sentimento que não deve ser esquecido. Aqui registro apenas a Deus e a meus filhos, Gustavo e Guilherme, que foram incansáveis, nas horas mais difíceis, sem jamais soltar minhas mãos. Como eu disse, é na adversidade da porta que se fecha que as janelas são abertas pelo sopro da divindade.

Sigo, a partir de agora, como o professor decano do Curso de Direito e titular de direito constitucional da UFMA. Todos sabem que para a disciplina fui sucessor do professor José Ricardo Aroso Mendes convidado pelo próprio, o que também haverei de fazer quando me aposentar.

Continuarei sustentando que a Constituição deve ser compreendida a partir de um necessário envolvimento sentimental, com atenção aos preceitos republicanos, apesar de pessoas que se sentem árbitros da política, com reiteradas demonstrações de insensatez.

Meu registro, hoje, é de gratidão. Minha mensagem aos que se dispuserem a ingressar na carreira do magistério (ou em qualquer carreira que abraçarem) é a constatação de que nos momentos de maior adversidade se reconhece o ser humano como capaz de ultrapassar cada obstáculo. Basta ter fé, determinação e disciplina.

O conhecimento não transmitido será um conhecimento perdido, como sempre digo. Continuo sendo um aprendiz, agora, mais do que nunca, com a responsabilidade de quem um dia chegou como assistente administrativo substituto na UFMA e se tornou professor titular. Mas continuarei sendo um aprendiz.

Mais uma etapa cumprida.

Glória a Deus!

CONTINUAR APRENDIZ

CERES COSTA FERNANDES

Sábado Gordo, à tardinha. O bloco vinha da Madre Deus e fazia a curva da praça da Saudade, quando Candinho a vê, de pé, junto ao muro do cemitério, alheia à folia, sozinha e fantasiada de cigana. Abra-se um parêntese para notar esse estranho costume da cidade, fazer do cemitério passagem obrigatória de todos os blocos carnavalescos. Como íamos dizendo, Candinho a vê; chamam-lhe a atenção a fantasia meio fora de moda e o olhar verde perdido - e, porque não dizer, também o corpo bonito e os belos cabelos negros. Magnetizado, ele abandona o bloco e aproxima-se.

De perto, ela é ainda mais bonita. A sorte é que Candinho não pode queixar-se de feiúra, além do que os colegas - com uma ponta de inveja talvez -, sempre o reputaram um “bico doce”. Olham-se nos olhos. Não sei se é um daqueles encontros marcados pelo destino ou efeito da magia do carnaval, o certo é que se dá entre eles o clique da energia alimentadora de todo amor. Um pouco de conversa e parecia se conhecerem desde sempre.

Dizem-se os nomes. Cândido, mas podes me chamar de Candinho. Maria Luísa, sem apelidos, mesmo. Em meio ao enleamento,eladiz,sou comprometida,nãoposso ficaraqui, àvistadetodos.Estamos pertodo portão do cemitério, vem, vamos entrar, hoje ninguém vai aí. Candinho não titubeou; tudo para ficar junto àquela que ele sentia que já amava. Ele sempre fora assim. Ou tudo ou nada. Quando ama, é acometido de paixão galopante, amor eterno e outras coisas mais. Entram. Dentro do cemitério tudo é paz. Ninguém por ali, até o zelador saíra para olhar os blocos – que ninguém é de ferro. À medida que vão penetrando nos diversos setores e alas mais distantes do portão de entrada, os ruídos do carnaval chegam mais abafados, até que, por fim, parecem vir de um planeta distante.

Candinho observa, encantado,odeslizargracioso deMariaLuísaporentre os túmulos, sem demonstrarreceio. Nunca aquele lugar, que visitava esporadicamente aos Finados, lhe parecera tão belo. Aquela mulher maravilhosa e ele, ali, com ela ao alcance das mãos. Ela para. Abraçam-se, beijam-se com sofreguidão, como a recuperar amores perdidos em outras vidas. Não vou dizer que fizeram amor em cima de um túmulo, porque vão aparecer engraçadinhos a relatar casos iguais, e este não é um caso vulgar. Por isso deixo o que se seguiu à imaginação de vocês. Com enlevo, Candinho admira a carnação alva da jovem mulher, tão rara em dias de cultoaosoldaspraias,contrastandocomoescurodoscabelos.Nosbraçosperfeitos,enlaçadosnoseupescoço, brilha uma pulseira fantasia de pedras vermelhas. Que bela pulseira, meu amor. Diz ele, após ter esgotado todo o seu vocabulário amoroso.

Infelizmente o relógio do amor não possui o ponteiro dos minutos. Logo chegou o momento da separação. Trocam telefones, e ela diz, fica com esta pulseira para te lembrares de mim. Como posso te esquecer? Psiu! Adeus. Vai à frente que eu saio depois, para não dar na vista. Te telefono amanhã. Sim. Adeus.

Domingo de Carnaval, Candinho, inquieto, espera dar as 10 horas para ligar o telefone. O número de Maria Luísa arde em suas mãos. Finalmente. Liga. Atende uma mulher, Peixaria Verde Mar, bom dia. Peixaria? Não é uma residência? Insiste. Um momento, vou chamar o dono. Pronto. Meu senhor, recebi este número como de uma residência e tenho certeza de... Olhe, comprei esta casa, há vários anos, de uma senhora que se mudou para a rua dos Afogados, se quiser, lhe dou o telefone dela e o endereço.

Voou para a Rua dos Afogados. Ela teria que lhe explicar a brincadeira. Por que o telefone trocado? Toca campainha. A porta se abre e aparece um velho de aspecto cansado. Quero falar com D. Maria Luísa. Com quem? Com a patroinha? O senhor tá maluco? Ela morreu faz vinte anos. E, mês passado, morreu d. Zefa, mãe dela. E o resto da família foi pra S.Paulo, de muda. A casa tá à venda. Diz, de um fôlego só, o velho. Do espanto, incredulidade, estupefação, Candinho passa ao nervosismo. Pergunta mil vezes - não quer acreditar: era uma moça alva de cabelos negros e olhos verdes? Sim, senhor. Muito bonita a minha menina. Em casa, Candinho se desespera. Meu Deus, não pode ser, eu a toquei, beijei-a, fiz amor com ela. Era de carne e osso, tenho certeza! Não aguenta e desabafa com Beto, seu melhor amigo. Sempre soube histórias de mulheres mal amadas que voltam do túmulo para concretizar um amor, nunca pensei que isso acontecesse logo comigo! Beto conta para Paulo, de quem não esconde nada, Paulo conta para Beatriz, sua namorada e confidente, e, logo, toda a turma sabe que Candinho fez amor com um fantasma. Um prato cheio para os

NO
AMOR
CARNAVAL

gaiatos. O pior é que ninguém acredita, nem o Beto. Foi bebedeira, rapaz. E que bebedeira!... Chateado nosso herói isola-se. Começa a duvidar de sua sanidade mental, mas a pulseira vermelha está ali, na mesa de cabeceira, implacável, a comprovar que não tinha sido um sonho. Vou mandar rezar dez missas, não, cem, pela alma de Maria Luísa, quem sabe assim ela fica em paz. Candinho tem a convicção de que nunca mais voltará a ser o mesmo depois daquele carnaval.

Sala da Superintendência Administrativa de um hospital de grande porte, um mês depois. A secretária diz: Dra. Márcia, telefone. Dra. Márcia, a Superintendente, uma jovem mulher de tez clara, cabelos negros e olhos verdes, atende: Ah, és tu Glorinha? Tudo bem? Se eu vou ao baile de Sábado de Aleluia? Não, minha amiga, o Artur resolveu que nós dois e as crianças vamos viajar na Semana Santa. Se posso te emprestar minha pulseira de pedras vermelhas para a tua fantasia? Sinto muito, não a tenho mais, deixei-a no cemitério. Não é desculpa para não te emprestar, e nem estou brincando. Foi no Sábado Gordo. Sabes, aquele em que briguei com o safado do Artur e saí da festa, fui para o carnaval de rua.. Nem te conto, me vinguei dele direitinho, é uma história... Agora, não. Não pelo telefone. Quando voltar do fim de semana te conto tudo. Vais cair o queixo.

ZÉ CARLOS GONÇALVES

(...eternaslembranças,eocarnáperdidoemminhasurdez)

O "domingo gordo" só me traz boas e longínquas lembranças. E sempre me transporta aos anos 80. Tempode"viverebrincar"ocarná,emsuamaispuraessência.APraçaSarney,"intupidadegêntiinté oszóio".Asescolasdesambaaencantaraquele"marzãodefoliões",embasbacadocomtantosambae tantobrilho.Émuitasaudade!Sóquemviueviveu,sabeoquefoi.

Brincar"ocarnáeraobicho!"Erasadio.Osmatinaiseosvesperais,bemrepresentavamocomeçoda injeçãodeânimo,comapromessademais,asecristalizarànoite.E"odomingogordo"eraosímbolo máximodissotudo.

Já,osbailes,em"umavibe",totalmentediferente,iamsónosembriagandodeeuforia,edeleitedeonça, edebranquinha,edeCaldezano,edeSãoJoãodaBarra,edeFogoMineiro,edeSanguedeBoi,ede Cerma.Bailesde"carná",ainvençãodoDivino!Bailesdetodasastribos,edetodasascores,edetodas asalegrias.

Naqueletempo,houve"verdadeirostesourosmomescos",nuncamaissuperados.O"eterno"reimomo, Fulaesuacorte."OCidadãoSamba",asefazerosímbolodenossocarnaval,nafiguradeChicoPirulito. O mais longevo e alegre "folião", que Pinheiro já viu, o mestre Paulo Castro. Os meus terrores, que sabiambrincareabrilhantavam"onossocarná",emseuscordões,regadosdetodasaschitasechitões, osbenditosfofões.Osmulticoloridosbalões,ainiciarbirrasechoros,tambémsecarnavalizavam,ese insinuavam,nomaisclaroevisível"canto"dapraça,pelasabençoadasmãosdoonipresenteGuachelo, oterrordospretendentesgaiatos,dospadrinhos,dostios,dospaisedosavós.Asorquestrasdomestre ValerianoeEpifânio,quesecalaram,masaindaecoamnaalmademuitospinheirenses.

Entretanto, "as nossas verdadeiras e autênticas pérolas" foram as escolas de samba, que vieram surgindo e se somaram à cadência dos blocos tradicionais, que faziam tremer o nosso sagrado chão, guiadospelas"conversadeiras"retintasepelo"requebrar",sensualeprovocativo,daportabandeira, tãoempertigadanoseumaisempertigadoorgulho"depuxar"tãofantásticobatalhão.Eracoisadeoutro planeta!

O certo é que cada escola de samba vinha a se transformar em uma grande e especial família, despertadoradasmaisardentespaixões.Equepaixões!

Mas, até o seu apogeu, o desfile na praça, "coisitas", muitas, e muito boas, aconteciam. Os ensaios, a invadirasnoites, anosempolgareanosembalarsonhos. Aconfecçãodefantasias, deadereços, dos carrosalegóricos,doespíritofestivo,aalimentaranossafomedefazer.Osbingos,abuscarmeiospara 'botar'aescolanaavenida.Abatidamaisperfeita,paramarcarosbalésdosmestres-salasedasportabandeiras,osreaiscoraçõesdasescolas.Asbelaspaixões,nascidasnotomdotamborim,queduraram muito mais que três dias. As festas, com as pulsantes baterias, em caminhões-palco; e o tomar, literalmente,dasruaspelopovo.Aí,sim,a"Princesa",aminhaescolaeacidade,"respirava"ocarnaval!

Carnaval, também, de marchinhas e sambas. De verdade, ouvíamos e dançávamos contagiantes marchinhas e bons e belíssimos sambas, que, infelizmente, em definitivo, se emudeceram, como se temerososdesuasmortes.Umalástima!

Hoje,semmarchinhasesemsambas,mesurdoaocarná!

DOMINGO DE CARNÁ

LAS BODEGUITAS, UMA RECORDAÇÃO E UMA HOMENAGEM

CERES COSTA FERNANDES

Quem, amante da folia, não recorda prazerosamente as brincadeiras do Carnaval de Rua genuinamente maranhenses? Nessa categoria me incluo,

Desloco minha lembrança para Rosário, quando, aos seis anos, já compunha um pequeno bloco de sujos de coleguinhas próximos à minha idade. Usando aquelas máscaras de papelão grosso, vendidas nas quitandas, saíamos pelas ruas chocalhando latas de leite condensado cheias de pedrinhas, batendo em outras latas e pedindo moedinhas de porta em porta. A inspiração do peditório, mal comparando, pode ter vindo dos grupos que vinham às casas ”tirar esmola para o santo”, acompanhados da pomba do Divino.

Só sei que a folia me valeu umas seguras chineladas. Não adiantou argumentar com meu pai – a cidade, à época, um ovo –, que ninguém reconhecera a filha do juiz pedindo esmola. Uma injustiça.

Festas de salão? Depois que axé, funk e sertanejo invadirem as festas, descurti todas. Enlouqueço com altos decibéis. Sou das marchinhas e sambas do Lítero e do Jaguarema. Tempos outros, em que os bailes eram animados com orquestras e não com trios escudados em “paredões” de caixas de som que adentram o peito e fazem o coração bater no pescoço.

Estamosem2002,oCarnavaldaTradiçãoforaretomado,apósalguns anosdeparadouroeexplodiu.Ocircuito Deodoro/Rua do Passeio/Praça da Saudade/ Madre Deus foi restaurado no seu melhor. Tudo em meio a muita segurança. Desfilavam por ali inúmeros blocos na rua, todas as nossas manifestações folclóricas, tambor de crioula, casinha da roça, fofões, Bloco do Bicho. Era o meu circuito, com ele voltava à infância e encarava até banho de maisena.

O Carnaval é um poderoso afasta-depressão, uma folia aberta a pobres e ricos, uma atração turística e forte alavanca nas vendas de produtos e serviços. Nessa festa, as vendas de comércio informal abrangem inúmeros trabalhadores: costureiros, artistas plásticos em geral, iluminadores, cantores, músicos, eletricistas, carpinteiros, taxistas. De lojistas aos vendedores de batata frita e churrasquinho de gato..

De 2002 a 2009, instalou-se, à Rua do Passeio, o grande baile de rua denominado Las Bodeguitas. É mister explicar, para quem não participou dessa época gloriosa, o que significava Las Bodeguitas: em princípio, uma porta e janela com a fachada decorada, um equipamento poderoso de som na janela, um DJ por detrás, interior acolhedor com petiscos e bebidas, banheiro, pessoal de apoio e segurança. Casais animados e muitas crianças pelo meio. A ideia partiu de um grupo de amigas capitaneadas por Fernanda Mendonça, Ana Belfort e Déa Vazques. Criaram um grupo que dividia as despesas, levava os petiscos, e decidia até a arte das camisas –diferentes a cada ano – passaporte para esse camarote privilegiado no âmago da folia.

Dizer apenas isso de Las Bodeguitas é muito pouco. As músicas, que enchiam o espaço em frente à pequena casa e iam desde a Jardineira, Bandeira Branca aos sucessos do Bloco do Bicho, tornaram-na palco de um imenso salão de dança, a céu aberto, parada obrigatória para os brincantes do carnaval de rua que sabiam encontrar ali animação e bom gosto musical. O som era desligado apenas quando passava um bloco ou cordão com música própria. Muitos aderiam ao som de Las Bodeguitas e todos prestavam homenagens à casinha festeira. E assim, ela pontificou de 2000 a 2009. Acabou junto com o carnaval da tradição de São Luís, que, desde 2007, vinha se arrastando: circuito quase deserto, sem atrações, povo disperso sem saber para onde ir. Quando o Carnaval retornou, em 2010, a casinha havia fechado as portas.

Ergo um brinde a Las Bodeguitas , aos gloriosos dias de sua existência e ao valoroso grupo de mulheres que a idealizou.

CeresCostaFernandes ·

COM UM TRAVO NA GARGANTA

CERES COSTA FERNANDES

Mais um Dia Internacional da Mulher a ser comemorado. E mais tinta e papel estão sendo gastos para dizer que a mulher vem avançando em todos os campos, segmentos e profissões, que sua luta é reconhecida e cada dia vem conquistando mais adeptos. Tudo isso é verdade. Mas enquanto precisarmos enfatizar esses ganhos, ésinaldequeas coisasaindanãoestãocomodeveriamestar.Nãoprecisamosirmuitolonge.Emnossopróprio Estado, as mulheres marcam presença em todos os cursos de graduação, em alguns são maioria, mesmo assim nossas comunidades acadêmicas elegeram até agora apenas uma reitora. No poder executivo, elegemos duas prefeitas, uma governadora, a primeira mulher no Brasil a ocupar esse cargo, o que muito nos honra. Finalmente, tivemos uma presidente, Dilma Roussef. Mas, não querendo cortar o barato de ninguém, já lembraram que o Brasil tem 524 anos de governos masculinos?

A desigualdade se repete na representação política do legislativo estadual, na Câmara dos Vereadores e nos legislativos federais. Apesar da atual presidente da Assembleia ser uma mulher, as deputadas são poucas. Vêse que o aumento da representação feminina nos altos fóruns brasileiros não corresponde ao aumento efervescente da atividade das mulheres neste país. Ainda temos um longo caminho a percorrer.

Na literatura, não vamos tão melhor assim. Apesar das produções das escritoras maranhenses terem crescido em quantidade e excelência, apenas quatro delas estão atualmente na Academia Maranhense de Letras: Laura Amélia Damous, Sônia Almeida, Ana Luiza Ferro e esta escriba. Falecidas, Laura Rosa e Mariana Luz, Conceição Aboud, Dagmar Desterro e Lucy Teixeira. 116 anos de fundação, nove mulheres. E não pensem que a nossa querida AML é uma exceção na adoção do Clube do Bolinha literário. Todas as suas congêneres no país regem-se pela mesma música, inclusive a maior delas, a Academia Brasileira de Letras, que conta atualmente com apenas cinco componentes do sexo feminino.

Pode-se dizer que, em contrapartida, o Carnaval não discrimina as mulheres. Pelo menos aqui, na terrinha, várias mulheres ilustres já foram homenageadas com sambas-enredo por escolas de samba. A saber, Alcione, Maria Aragão, agora também nome de praça - homenagem póstuma de reconhecimento tardio, Terezinha Rego, que deu o enredo da Favela do Samba, farmacêutica, cientista e pesquisadora na área de plantas medicinais. Se o carnaval não discrimina, já não podemos dizer o mesmo dos meios acadêmicos, onde o trabalho desta valente mulher foi minimizado por um longo tempo. No ano de 2020, foi a vez da Turma de Mangueira homenagear a escritora Maria Firmina, outra grande esquecida. É isso aí. Não é mais hora de chorar o leite derramado. É hora de fazer como essas maravilhosas mulheres: lutar com dignidade. E lutar sem tréguas, até que a remuneração da mulher seja igual à do homem nos mesmos empregos; até que as mulheres trabalhadoras rurais adquiram os mesmos direitos das trabalhadoras urbanas; até que não tenham mais mulheres estupradas ou mortas ou simplesmente atemorizadas pela violência masculina.

Um tempo chegará em que o Dia Internacional da Mulher passará despercebido. As comemorações não terão lugar, por desnecessárias. Assim como tantas outras datas do nosso calendário Enquanto essa hora ditosa não chega, mais um aniversário será comemorado. E receberemos flores e louvações. E cantaremos e dançaremos embora trazendo um travo na garganta. Ainda assim, parabéns, companheiras!

RAIMUNDO FONTENELE EXPÕE VÍCERAS DE ESSÊNCIA NAS PÁGINAS DO SEU MAIS NOVO LIVRO: "REPÚBLICA DOS APICUNS"

Raimundo Fontenele & Erasmos Dias Da redação do Facetubes

"O cenário literário brasileiro tem sido constantemente enriquecido por personalidades multifacetadas, cujas contribuições transcendem as páginas dos livros e se estendem à esfera cultural. Entre esses notáveis, destacase o poeta, escritor e ativista cultural maranhense, Raimundo Fontenele, uma figura que se estabeleceu como um globetrotter de intuição, viajando pelo mundo das palavras e da experiência humana.

Nascido no Maranhão, Fontenele conseguiu cativar os leitores e críticos literários com sua habilidade excepcional de fazer uma literatura que captura a essência da cultura, história e cotidiano das cidades que escolheuparamorar.Umadelas,SãoLuís doMaranhão. Noentanto,foicomo lançamentodeseumais recente livro, "República dos Apicuns", que Raimundo Fontenele conseguiu mais uma vez alcançar as alturas das letras nacionais, relembrando a efervescência de décadas passadas.

É impossível mencionar Raimundo Fontenele sem recordar o movimento que ele ajudou a liderar, ao lado de figuras ilustres como Viriato Gaspar, Chagas Val, Valdelino Cécio e Luís Augusto Cassas. Esse grupo audacioso, assim como Moisés, dividiu o oceano poético maranhense entre o Antes e o Depois. Sua influência deixou marcas indeléveis na literatura brasileira, moldando o curso da poesia e da cultura maranhense de maneiras profundas e duradouras.

O livro "República dos Apicuns" é, sem dúvida, um marco na carreira de Raimundo Fontenele. Sua publicação, a partir de hoje, em capítulos pelo Facetubes, assim como já o faz com o poeta, escritor e pesquisador Augusto Pellegrini, (confira em https://www.facetubes.com.br/noticia/4682/as-cores-do-swinglivro-de-augusto-pellegrini-capitulo-18-n-as-razoes-do-declinio-n-parte-3) oferece aos leitores a oportunidade de mergulhar nas páginas dessa obra e apreciar a qualidade literária ímpar do autor. No entanto, este livro, A República dos Apicuns, vai muito além de uma mera narrativa; ele se revela como um documento histórico de grande valor, traçando uma linha do tempo que conecta o passado, o presente e o futuro (como exemplos) da cultura maranhense.

Em um gesto que nos lembra o saudoso poeta e escritor Ferreira Gullar, que escreveu sobre as histórias boêmias de sua cidade e de sua gente no livro "Em Alguma Parte Alguma", especialmente quando Gullar diz, que o "poema nasce do 'espanto' (...)", quando inesperadamente "depara-se com um aspecto inesperado do real", Raimundo Fontenele compartilha também esse 'espanto', ao conhecer, em profundidade, a vida boêmia da Ilha e aprofundar-se no mundo das riquezas culturais que esse 'espanto' lhe trouxe, por consequência.

Assim como Gullar, Fontenele utiliza a literatura como uma ferramenta poderosa para retratar e preservar a rica origem de sua própria vida, misturada aos altos e baixos de uma São Luís metagógica, com requintes de uma linguagem prosopopéica, que o acolheu da mesma forma que uma professora de história geral, numa grande sala de aula do Mundo.

Neste momento em que o Facetubes se sente honrado em receber Raimundo Fontenele, só me resta dizer, cheio de orgulho: seja bem-vindo, Monsieur Fontenele, pois seu retorno às lides da literatura nacional é uma dádiva para todos nós, amantes da palavra escrita, e a promessa de mais décadas de contribuições essenciais e existenciais.

Desta forma, caro amigo, Fontenele, "República dos Apicuns" é, sem dúvida, uma obra que merece um lugar de destaque nas estantes de todos aqueles que valorizam a literatura como uma janela para a alma de uma nação e seu povo".

Curitiba-PR, 5.32h, madrugada de 02.01.2024

Atenciosamente,

Mhario Lincoln, editor-sênior do Facetubes e presidente da Academia Poética Brasileira

O CALIFADO DOS APICUNS

Raimundo Fontenele

Pra quem não sabe, principalmente as novas gerações: há em São Luís, nas imediações da Rua do Passeio, aquela quadra antes da Avenida Kennedy, próximo ao Socorrão, por trás do Hospital Português, também perto de um endereço famoso que era o Cine Rialto, atrás do SENAC, enfim, situa-se neste endereço um tanto impreciso pela pobreza da minha descrição, a Rua dos Apicuns. Bem que poderia esse quadrilátero geográfico tomar o nome de Bairro dos Apicuns, se já não o fez.

Pois este território é um pedaço mágico na recordação de muitos poetas e literatos, políticos e pensadores, boêmios e vagabundos. Falo vagabundos, porque vocês não imaginam a finesse e o glamour dos vagaus de outrora.

Obra organizada por Nauro Machado.

E nessa Rua dos Apicuns residia uma espécie de Califa de Bagdá, e ele certamente me quebraria os ossos, fosse vivo e me ouvisse falando tal sacrilégio, pois o grande José Erasmo de Fontoura e Esteves Dias (na verdade seu nome verdadeiro era José Erasmo Dias, mas ele resolveu acrescentar o de Fontoura e Esteves para dar um certo ar de nobreza, e ele fazia questão de que assim fosse chamado e assim também fosse grafado seu nome), pois Erasmo era um judeu convicto, desses capazes de, na madrugada, encharcado de pinga, além de pronunciar palavras em hebraico, chamar pelos seus reis magos Davi e Salomão, atracar-se num pedaço de carneiro, frio, ensebado, com alho cru, e mastigar isso com verdadeira fome, enquanto, emotivo como ele só,

derrama algumas lágrimas de crocodilo, pelo amor à vida, a vida em si mesma, não por amores perdidos, paixões fracassadas ou ilusões perdidas.

Intelectual maranhense de primeira grandeza, seu livro Páginas de Crítica introduziu, em nosso pacato e provinciano meio literário, o nome e a obra dos maiores escritores da literatura universal, inclusive traduzindo algumas dessas feras da prosa e da poesia.

Político, tribuno polêmico, orador pertencendo à estirpe dos grandes romanos, Erasmo era um Cícero maranhense, um Catilina dotado da mesma verve, sabedoria e improviso para fazer calar, do púlpito em que discursava na Assembléia Legislativa do Estado, alguns deputados de araque, demagogos de primeira grandeza em que o Maranhão, infelizmente, também é pródigo.

A lenda não precisa de comprovação de que seja verdadeira, assim como o mito dispensa concretude: senão, não seriam lendas e mitos. Uma dessas é que travando discussão em sessão da Assembléia Legislativa, alguém o aparteou chamando-o de burro ao que ele prontamente respondeu: “O que V. Exa. ouve é o eco da sua própria voz”.

Erasmo Dias foi deputado, foi prefeito de São Luís por um breve tempo, foi escritor, poeta, cronista, crítico, boêmio, judeu, amigo dos amigos, beberrão imoderado, tudo que se pensar ele foi, com sobra, em excesso, além dos limites, ocupando assim a memória e o coração dos que o conheceram e tiveram a felicidade de privar de sua convivência e amizade. Por menor que fosse, tornavam-se grandiosas, imensas, inesquecíveis.

A região onde Erasmo Dias morava: a "República dos Apicuns".

Outro dia, ou um dia desses, conversando com o ilustre e fabuloso poeta e escritor Fernando Braga acerca dessas minhas crônicas rememorativas, tocamos no nome de Erasmo Dias e suas histórias, sabem como é, conversa vai, conversa vem, o poeta Fernando Braga, que agora se exila numa cidade histórica, turística e famosa por suas águas termais no Estado do Goiás, me disse que poderia ajudar-me com alguns subsídios, ele também com essa facilidade narrativa que quem conhece seus textos pode confirmar, e daí pensei numa crônica chamada A República dos Apicuns. Haja fôlego, não é, amigos? Sem ponto ou ponto e virgula num parágrafo desse, desculpem-me o estilo prolixo, espero que não seja cansativo. Então o Fernando achou muito bom esse título, um achado feliz, mesmo sabendo nós que o poeta Luís Augusto Cassas foi, entre nós maranhenses, o pioneiro com o seu livro de poemas A República dos Becos, um dos momentos mais altos da poesia maranhense, uma ode belíssima a uma São Luís que somente na década de setenta assentaria raízes mais profundas naquela tradição e transformação modernista que o centro do país vivera nos anos 20.

E não podemos esquecer A República, de Platão, da qual os poetas eram praticamente banidos, nem a República de Curitiba com seu processo de limpeza da Lava Jato, que passará à história como um momento dos mais felizes da historiografia brasileira, quando fomos capazes de olhar para dentro de nós mesmos e proclamarmos, alto e bom som, para o mundo todo ouvir: “sim, somos um bando de corruptos e corruptores”. A partir de agora saem As Crônicas Ludovicenses e entra A REPÚBLICA DOS APICUNS, com o subtítulo Crônicas Ludovicenses. Vamos continuar contando nossa história pessoal entre 1967 e 1976, anos em que vivi na capital maranhense, fundindo-a (ela, a história) com a cidade de São Luís e seus acontecimentos: literários uns, históricos outros; esses, políticos e aqueloutros humorísticos, sem esquecer seus personagens, figuras sui generis na paisagem urbana e cultural da Ilha Rebelde. Lerão sobre o Rei dos Homens e o Companheiro, este vendendo na esquina da João Lisboa com a Rua Grande o melhor cachorro quente da cidade naquela época de ouro da amada São Luís. Acompanhem-me.

Ou, como dizia o Chaves, “sigam-me os bons".

“MaranhãoSobrinho,oPoetadasRosas"

*PorKissyanCastro

Atérecentementeacreditava-sequeopoetaMaranhãoSobrinhohouvessenascidoem25dedezembro. Pornãohaverqualquerbasedocumentalparaasuaexistência,estadata,paraonatalício,jánãose sustenta.

Hoje,duasoutrasdataspossíveissãodiscutidas,20e30dedezembro.Aprimeira,aparecenaCertidãode Batismo;aúltima,encontraumforteapelonaCertidãodeNascimento,oqueparamuitosépreferível,por setratardeumdocumentomaisplausível.

Eu,particularmente,prefiroaprimeiradataporalgumasrazõessimples:aCertidãodeBatismofoiemitida “primeiro”queadeNascimento,comapresençadamãedopoeta,oquenãoocorrecomadeNascimento, emqueapareceaassinaturasomentedopai.Daí,ésóseperguntar:Quemmelhormemorizaadatade nascimentodosfilhos?Amãeouopai?Somos,então,forçadosaadmitirque,namaioriadasvezes,éa mãe.

Bem,masalguémpodeobjetar:estaconclusãoébastantesubjetivaecontinuanãocomprobatória.E confessoquesim,nãofosseaevidênciadocumentaldepelomenostrêsjornais,daépocaemqueopoeta estavavivo,queoparabenizapeloseuaniversário,nãodia30,mas20dedezembro.

Portanto,25dedezembrosejustificaunicamenteporseradatadesuamorte.

Naediçãodarevistacarioca“OMalho”,nº60,dejaneirode1945,acha-seuminteressanteartigoqueleva otítuloquetomeideempréstimoparaessabreveconsideração.

Foiescritopelotambémbarra-cordenseepoetaAntôniodeOliveira,quemuitofezparadifundiraobrade MaranhãoSobrinho(sobretudonaentãocapitalfederal),dequemeradevotadoadmiradoresobrequem escreveuimportantestrabalhos,entreosquaisdestacam-se:“AArtedeEmendaremMaranhãoSobrinho”, “MaranhãoSobrinho,PoetaInjustiçado”e“MaranhãoSobrinho,oPoetadasRosas”.

Esteúltimo,porseusdetalhespitorescoseaatençãodelicadaquedáaBarradoCorda,transladamos integralmentenuma(tardia)homenagemaopoetamaiordenossasletras. EisoquedizAntôniodeOliveira:

“SobreMaranhãoSobrinho,opoetadasrosasedaqueledelicadosonetoemquenosfaladeumaaéreae místicaSororTeresa,quasenadasetemdito,nenhumahomenagemsetemprestadoàautenticidadee belezadoseutalentoindiscutível.

OpoetanasceuemBarradoCorda,queosnossoscríticosehistoriadoresliterários,numaignorância imperdoáveldatoponímiadascidadesbrasileiras,teimamemchamarBarradaCorda,nomequeatéo nossoLimaBarretosoubeescrevercorretamente,falando,certavez,comenfado,decríticosoudeoutras coisasdesomenosimportância.

OnaturalistamaranhenseRaimundoLopes,quetambémpossuíafinasensibilidadeliterária,traçou nervosamenteoperfildopoetade“Estatuetas”,numfolhetopublicadonumaantiquadatipografiada província.E,queeusaiba,foisomenteessaahomenagemquejáseprestouatéhojeàmemóriadesse sonetistaperfeito,quenãoésóumdosnossosmaioressimbolistas,comotambémumdosmaiorespoetas doBrasil.

MaranhãoSobrinhonãonosdeixousomenteaproduçãodoqueconstamosseustrêslivrospublicados, livrosdehorrívelapresentaçãográfica,naopiniãodeumhomemdeletrasgrã-fino,quetalvezestranhou nãotivessemosvolumesdoautordosoneto“OMar”,ocustosofeitiomaterialdasplaquetesdosenhor AloísiodeCastroedequejandosamadoresdaartedeescrever...

Maranhãoproduziumuito,deixoumuitossonetosespalhadosportodososbotequinsetascasdeSãoLuís, BelémeManaus,poesiasqueescreviasobaexcitaçãodoálcoolequetalvezsetenhamperdidopara sempre.

Dizemosseuscontemporâneosqueeracomessaestranhaegenerosamoedaqueelepagavaaosbroncos botequineirosas“pingas”quediariamenteingerianassuasconstantesperegrinaçõesdeboêmioe alcoólatra.

Mesmoatormentadopelabebida,amusainspiradoraeassassina,opoetabarra-cordenseescreveu bastante,deixouosuficienteparaqueosvivoscultuassemasuamemória,imortalizando-anobronzede ummonumento.

MonteiroLobato,numacrônicaapropósitodeMachadodeAssis,dissequealínguaportuguesaéuma espéciedeidiomaclandestino.Omesmopodemosdizerdessaspublicaçõesprovincianas,quesaemdas modestasoficinasparaasmãosdemeiadúziadeadmiradoresevãoacabarsemglórianasestantesdos sebos,injuriadaspelasmoscasimportunas.

OslivrosdeMaranhão,comoosdeAntônioLobo,VespasianoRamosetantosoutrosescritores maranhensestiveramodestinoamargodessasediçõesdecontrabando,alémdeescritosnumidiomade tãoescassarepercussão.

MaranhãoSobrinhopareceterlidomuitoAntônioNobre,omelancólicopoetado“Só”,mas,nocapítulode suasinfluênciasliterárias,olugardehonracabe,semdúvida,aospoetasmalditos,Baudelaire,Mallarmé, RimbaudeVerlaine.Assuaspoesias,porém,muitoemboraessaleituradeNobre,nãoestãoimpregnadas dedoençasincuráveis,tísicasdeúltimograu,ciprestesecatacumbas.Oquehánelassãorosaselírios,o largorumordasondasnosquatorzeversosde“OMar”,cegonhaseborboletas,rouxinóisecânticos sertanejosdenambusejaós,nasolidãodostabuleirosechapadas...Hámesmo,em“PapéisVelhos”,a repetição,emdoissonetos,domesmoverso“nasalmasvirginaisdasborboletas”.Há,nassuaspoesias, alémdecórregoseregatos,sussurrosdeondasesorrisosingênuosdecrianças,apurezadosvéusde noivas,alvurasdehóstiasnosaltareseoconstantebaterdeasasespalmadas.

OmaiorpesardeMaranhãoSobrinho,creioquefoitermorridolongedesuaterra,desuadoceBarrado Corda,cercadadevirgensmatasebanhadapelorioquelhedáonomeepeloMearim,terrabucólicaefeliz, queaindanãofoimaculadapelapresençadecertosfiscaisdoconsumo...

Atítulodeanedotas,conta-semuitacoisaarespeitodavidaerrantedeMaranhãoSobrinho.RaulPereira, saudosoprofessoreamigopessoaldopoeta,narravaque,certavez,aoencontraroautorde“SororTeresa” cambaleando,embriagado,numdosmuitosbecosdeSãoLuís,pedira-lheàqueimaroupaumarimaparaa palavracinza.

Maranhão,queeraumtantofanho,fez-semaisfanhoaindaegritou,apoplético,quasenoouvidodeRaul Pereira:

–Caminza,seuRaul,caminza!

Entretanto,anãoseropoetade“Estatuetas”,nenhumoutroteveaindaacoragemdeempregarumarima fanhaparacinza.

DejarddeMendonça,quefoiseucompanheirodepensãonacidadedeManaus,contou-metambémqueo poeta,aliapanharaumasurraporengano.

Certochefepolíticomandaraespancar,pordesforra,umdesafeto,quesehospedaranumquartopegado aodeMaranhãoSobrinho.Otalsujeito,paraquemasurraforaencomendada,jantouforanessediae, fazendomaisqueogalodocélebreditado,ondejantou,dormiu.Maranhãochegavaemcasasemprepela madrugada,depoisdetodaumanoitedeboemiaeperambulagem.Dessavez,aometerachavena fechadura,surpreendeu-secomabrutacargadepauscomquefoirecepcionado,apanhando,então,em lugardotalpolítico,asurrainteirinha,cujomotivoopoetajamaissoubeexplicardireitoaosamigos. MaranhãoSobrinho,comoagrandemaioriadospoetas,eramuitoamigodosbichosedascrianças. Bondoso,meigo,cheiodeternuraparacomospequeninoseosanimais,estesoreconheciamdelonge,eo recebiamdebaixodefestasedeagrados.

ContavatambémDejarddeMendonçaque,váriasvezes,acordavapelamadrugadaeviaopoetade “Vitórias-Régias”chegar,cambaleando,emfrenteàportadapensão,orostoiluminadopeloluar,rodeado degatosecãesvagabundos,queoseguiampelasruas,atendendo,alegres,aoseuchamado.

Efoiassim,bebendomuitoedesperdiçandotalentocomoumPaulaNeimaisfecundoeferidoporuma centelhadegênio,quemorreuessepoetadasmonjasedasrosas,longedoseuformosotorrãonatal,como umfidalgotrovadorambulantedaslegendasmedievais

Édelemesmo,quepassouavidaabebereacantar,operfilmelancólicodaquelebêbadoqueseesconde entreosclarosversosdecristaldoseumaravilhososoneto:

“Não!Nadadeferir-te,almasemsorte, queimadaemflornoslodaçaisimundos, que,paraacobardarteusaisprofundos, bebes,novinho,diluída,amorte...

Conheçoavidaeseusparcéisprofundos, emqueflutuaaideiadeumtransporte d’águia,claro,deluz,sublimeeforte, atravésdagrandezaaltadosmundos...

Fazesbem;éomeuteupensamento:

aembriaguezéaasaprotetora dassombrasvirginaisdoesquecimento...

EspumaonéctarnosfestinsdeHebe!

Algumacoisahorrível,vingadora, nomundoestulto,tepersegue,bebe!”

*KissyanCastroépesquisadorepoeta

OsegundolivroquepublicareisobreSãoDomingos,em2024(sefordavontadedeDeus),seconstituirá tambémdeumpainelsobrealgumasfamíliasepersonalidadesquetrabalharamnãoapenasparasi

próprios,mastambémparaodesenvolvimentoegrandezadonossomunicípio.Umdeles,creioquetodos concordam,é

ECCEHOMOMANOEL

NasceuopadreManoeldaPenhaOliveiraem24dejulhode1925,nacidadedeCaxias,EstadodoMaranhão, filhodeJoãoEuzébioOliveiraedeRaimundaRodriguesOliveira.

Iniciou seus estudos na Escola Gonçalves Dias, em sua cidade natal. Seus pais tinham poucos recursos materiaisoquetalvezexpliquesuaidaparaoSeminário.Poismuitasfamíliaspobres,quenãopodiampagar boas escolas, até porque praticamente inexistiam escolas de segundo grau públicas, naquelas décadas passadas,optavampordestinaraofilhoumacarreirasacerdotal.

Esta a razão porque, em 1940, o padre Manoel começou a estudar, como interno, no Seminário de Santo Antônio, em São Luís do Maranhão. Aluno exemplar, cursou o ginásio e em seguida vieram os Cursos de Filosofia, com a duração de 2 anos, e depois o de Teologia, com duração de 4 anos. Ordenou-se como sacerdotenoanode1951,emsuaterranatal,Caxias,ondetomoupossedesuaprimeiraparóquianaIgreja deSãoBenedito.

Inteligente e muito dedicado, reconhecendo seus méritos, além da função de pároco da Igreja de São Benedito foi nomeado como secretário do bispo Dom Luís Gonzaga da Cunha Marelim, chefe da Diocese caxiense.Em1954deixouCaxiasparaassumiraigrejadePassagemFranca,nestenossoEstado,ondepassou quatroanoscomovigáriodaparóquia.Logoapós,foiparaPastosBons,ondepermaneceuporumano.

Em1960foidesignadoparaassumiraParóquiadeSãoDomingosdoMaranhão,dandoinícioaumexcelente trabalho de anúncio da Palavra de Deus. Construiu algumas capelas nos povoados do município e a reconstruçãooureformadaigrejaMatriznasededomunicípio.

DepoisdemuitospedidosepersistênciaconseguiuapermissãodoPapaparacandidatar-seaPrefeito,em 1965,tendosidoeleitoparaaPrefeituraMunicipaldeSãoDomingosdoMaranhão.Encerrava,assim,uma brilhante carreira religiosa, começando outra, desta vez política, tendo sido eleito na sequência como Deputado Estadual, onde exerceu a liderança do Governo e também o cargo de primeiro secretário da AssemnléiaLegislativa.

Porém,jamaisdistanciou-sedaquiloqueelechamavasua“tarefadepovo”,queDeuslheconfiouequeele exerceucomamoresabedoria,sejacomopadre,políticoouprofessor,atéofimdosseusdias.

Esta crônica pretende lembrar aos que o conheceram a grandeza moral e espiritual do padre Manoel da Penha Oliveira. Não o estou isentando de erros e equívocos, nem de pecados vistos do ponto de vista da Religião.MasoquepermaneceesobreviveéaFé.Eistoeletinhadesobra.

PadreManoelfoiumhomemdefé.FéemDeus,féemsimesmo,fénosoutros.Digoissopormimmesmo. Poissemprefuimuitolevado,dotadodeumaalmairresponsáveldeartista.OpadreManoelnuncadeixou deacreditaremmim.Acadaerro,acadavacilaçãominha,umanovachance,umanovaresponsabilidade, um novo compromisso me eram dados. E isto era comigo e com todos aqueles (e foram muitos, e foram tantos)queestiveram,mesmoqueporpoucotempo,aoabrigodesuasombra,protegidospelosseusbraços, acomodadosemsuanaturezabenfeitoraehumana.

Porisso,quandopubliqueimeuprimeirolivrodepoesia,chamadoChegadaTemporal,fizquestãodeque ele escrevesse a orelha desse livro, e estivesse presente no seu lançamento, que aconteceu na Academia MaranhensedeLetras,tendosidodeleodiscursodeminhaapresentaçãoaosescritores,autoridades,amigos edemaispresentesnaquelaocasião.

EisumtrechodoquepadreManoelescreveunaquelaocasião:

“OFontenele...nãoéfrutodaminhacarnenemfragmentodosmeusossos–éapenasumreflexodopassado colossodaminhavidaemSãoDomingos.Eleouviuaminhavoz.Eeufaleivariadasvezes:comomestre–no seucursoprimárioeginasial;comopastor–nossermõesdaIgreja;comoamigo–nosconselhos,dentrode casa,nomeiodarua,nasfadigas,nastarefasdiversas,nasatividadespastoraisepolíticas,emqueelesempre meacompanhou.

Dentrodeledesdecriança,haviaumsonhoadormecido,esperandootoquesilenciosodeumdedoamigo, paradespertareolharosolalevantadosobreoslimitesdodiaealuaflutuandosobreasondasimaginárias danoite.Tenteifazer-lheestetoqueefuieficientenatentativa.

HojetemosaíFontenele–poeta–descrevendoosolalevantado,aluzflutuante.Traduzindo,emtermosde suapersonalidadeprópria,oresultadodoesforçoingentequepudeempregar,deminhapersonalidade,no preenchimentodeuma“tarefadepovo”quemefoiconfiada.

Porisso,amigosleitoresdeChegadaTemporal,esperoquetodosrecebamoFontenelecomoeuorecebi,do inícioaofim:comolhardecompreensão,apreciando-ocomopoetaquefazdoselementosdavidacomume rotineiraosversosdosseuspoemas.SãoLuís,agostode1969.PadreManoeldaPenhaOliveira”.

Finalizando:numaconversaquetivecomele,muitosanosdepois,quandojáencerrarasuacarreirapolítica, confessou-measuadecepçãocomomundodapolítica.Epreferiuvoltar-separaaFilosofia,eministraraulas naUniversidade,comoprofessoremestrequesemprefoi,enashorasvagas,quandoasolidãodóimaisou a saudade aperta, deliciar-se a si e aos que privavam da sua companhia e intimidade, com os acordes maviososdamúsicaeruditanoseuinseparávelpiano.

Assim como o Maranhão é grande para tantas almas pequenas, políticos de nenhum caráter, às vezes o Maranhãoépequenoparagrandesalmasedecarátertãonobrecomoodesteamigotãocomumesimples chamadoManoeldaPenhaOliveira.

EDMILSON SANCHES

Quincas Vilaneto, em cara e caricatura. (Acervo do autor)

Prefácio de Edmilson Sanches para o livro “Vila Poesia”, do escritor maranhense Quincas Vilaneto [Joaquim Vilanova Assunção Neto

Conheço a produção literária de Quincas Vilaneto há muito tempo. Ainda rapazote, criei em Caxias o “Grupo Safra”, e seus primeiros quatro membros éramos nós Quincas Vilaneto, Renato Menezes, Hélio Libório Balota (o Shao-Lin, professor de Artes Marciais metido a poeta) e eu –, todos adolescentes ou jovens que morávamos na Rua Afonso Pena, os quatro vizinhos uns dos outros, já que a rua de nome presidencial tem só dois quarteirões (e em um só dos lados…), quarteirões espremidos – e, pela localização, premiados entre a Praça Gonçalves Dias e a Praça Vespasiano Ramos (ou Largo de São Benedito). Estávamos, portanto, ladeados espacial e especialmente por dois dos grandes poetas caxienses (um, de expressão nacional; o outro, interestadual Maranhão e Rondônia).

Vilaneto e eu escrevemos no O Pioneiro, o saudoso semanário da cidade, que não resistiu à morte de seu diretor, o igualmente saudoso Vítor Gonçalves Neto, meu amigo, nem aos esforços de um grupo de talentosos caxienses que, por um tempo, em tocante exemplo de união e ideal, deram alguma sobrevida àquele jornal, que ainda circulou por algumas edições mais.

Depois, tempos depois, Quincas, de São Luís, me achou em Imperatriz e me pediu para prefaciar um livro post-mortem do jornalista e escritor Vítor Gonçalves Neto. E a partir daí foram se amiudando os contatos, facilitados ou estimulados pela Internet e páginas e redes e grupos sociais. A convite de Quincas Vilaneto, passei a revisar, prefaciar e editar seus mais recentes trabalhos. E é a partir disto que chegamos a este livro.

*

Antes da intimidade, a intimidação. A poesia de Quincas Vilaneto, em princípio, parece de leitura fácil, fluida. Não é ou nem sempre é. O que parece fácil e fluido (mas não o é também…) é o processo de produção literária, em especial as escritas poéticas, do Autor. Entretanto, ele, previamente, em um de seus poemas, adverte: “É muito difícil escrever poesias” (“Sem título”).

VILA POESIA

As regulares remessas de seus poemas, que Quincas Vilaneto me faz(ia), conferiam-me a condição de ser, depois dele, o primeiro leitor de diversos desses textos. Nestes eu percebia, como nota altissonante, a recorrência do Autor a termos palavras e expressões – metadiscursivos, metalinguísticos, metaliterários, enfim, metapoéticos. A poesia falando consigo ou de si mesma. O poema conversando com seu próprio umbigo, no espelho. O poeta colocando nas próprias casas os respectivos botões poéticos.

Se Quincas Vilaneto antecipa que não é fácil escrever poesias, imagine só escrever metapoesia(s)… Mas Quincas escreve e ainda quero achar que ele, um afilhado das Musas, o faz sem dificuldade, sem desespero, sem noites ou manhãs ou tardes de pestana, insone…

Um dia, não me contendo com o (e)terno retorno aos termos, aos versos, aos poemas autorreferenciados, disse ao Quincas Vilaneto que os temas mais presentes em sua obra (Caxias e a metapoesia) deveriam merecer um livro… e o baita Poeta aderiu de modo positivo e operante. Disse sim e já foi fazendo mais poemas…

Para reconhecer a cidade natal ou a metalinguagem na obra vilanetiana não precisa que da primeira à última linha seus poemas se estejam impregnados ou emprenhados de construções metapoéticas ou de (ex)citações, odes e elegias acerca das características, das acontecências ou da toponímia caxienses. Quincas faz versos gráficos, não cartas geográficas. O Poeta sabe quando dar nomes e, muitas das vezes, por um pedaço da casca se pode saber de que árvore se trata…

De qualquer modo, o uso regular de termos, digamos, metalinguísticos acrescenta uma dicção própria aos poemas. A regularidade desses termos em Vila Poesia é tal que os oitenta e cinco poemas, mais um quarteto epigráfico, mais a introdução do Autor estão grávidos de quase uma vintena de palavras e expressões que, somadas suas incidências umas mais, outras menos vezes – chega-se ao total de quase duzentas menções metalinguísticas, metaliterárias, metapoéticas. São palavras e expressões (e suas flexões) como “escrever”, “escrita”, “fazer poético”, “transpor para o papel”, “verso”, “verbo”, “metáfora”, “declamar”, “papel”, “letras”, “leitura”, “livro”, “dicionário”, “língua” / “linguagem”, “elegia” e o trio “poeta” / “poesia” / “poema” (com quase setenta menções, em conjunto) e a (ex)citadíssima “palavra”, também com cerca de setenta menções.

Portanto, sem qualquer reparo, não há como não reparar nessa sadia constância lexical, glossográfica, logotemática. (Ajuntem-se a palavra “silêncio” e alguns de seus tempos verbais e flexões, que somam mais de sessenta incidências no corpus deste livro todos elas, mais que vocábulos, são uma (in)vocação, uma necessidade do mister, mistério e modus (faciendi) poético. Se o lúcido e lúdico mato-grossense Manoel de Barros (1916-2014) usa a palavra para compor seus silêncios, Quincas Vilaneto utiliza o silêncio para compor suas palavras…).

Exemplos belos exemplos de metapoesia são encontradiços nesta obra vilanetiana. Tomem-se, citemse os nove primeiros versos do poema “Desdita”, em que o Poeta responde a reiterado e secular questionamento acerca da utilidade da poesia:

“Quem disse que a poesia é inútil a ponto de recusar do seu ensinamento?

Como provar a sua engenhosidade e salvá-la da inutilidade, fuçando corações?

A impressão que eu tenho, quando a encontro, é a de que ela me possui e isso significa que a sua presença, me faz dar luz às palavras e salvá-las do silêncio. […].”

Duvidar da utilidade e, mais que isso, da necessidade da poesia é duvidar da humanidade seja o coletivo das pessoas, seja o conjunto dos sentimentos humanos. Quincas Vilaneto soma sua voz e resposta a esse nonsense pragmatista. Relembre-se a estúpida pergunta de um juiz de Leningrado (hoje São

Petersburgo, Rússia), em fevereiro de 1964, em processo contra o poeta Josef (ou Iossif) Brodski: “Qual é a utilidade de seus ‘assim chamados’ versos?”

Quem formula uma indagação dessas não está (senti)mentalmente aberto à resposta qualquer uma que lhe for dirigida. Resultado: Brodski saiu dali pra cadeia, onde ficou preso por quase um ano, acusado de “parasitismo social”. Exilou-se nos Estados Unidos, escreveu livros, deu aulas, recebeu título de doutor… e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1987. Pois é: poesia serve também para isso: ampliar, elevar nosso nível estético, artístico, crítico, humanístico e ainda ser reconhecido e ganhar prêmio mundial, concedido por quem não faz concessões à obtusidade e ao obscurantismo.

Mais um exemplo da poesia metapoética de Quincas Vilaneto:

“O poema não sossega passado o susto teima em vazar de mim e volta quase sempre de madrugada como se nada tivesse acontecido. Nele, há um desertor que se nega desprender-se da solidão encomendada por palavras ainda não escritas. […].”

Como se lê, apesar das ocorrências, do ambiente, contexto etc., a poesia termina mesmo por sair é do poeta, é deste que o poema “teima em vazar”. Afinal, se é poeta, está prenhe de poesia… – potencial e/ou aparentemente.

Sobre a cidade, Quincas Vilaneto também a (en)cantou: em pelo menos uma dúzia de poemas traz nomes de pessoas, lugares, negócios, acontecimentos… Uma Onomástica caxiense mais duradoura que os nomes de certas ruas e logradouros locais…

Vila Poesia torna-se agora referência para os que quiserem andar pela Princesa do Sertão com sentimentos, da infância à maturidade. Bem-vindos à Praça Gonçalves Dias, ao rio Itapecuru, ao Alto dos Negros, ao pirão de parida e ao moque da Dica, ao Riacho do Ouro e à lama (medicinal) de Veneza, ao Morro do Alecrim e seu Mirante da Balaiada, às igrejas Catedral (Nossa Senhora dos Remédios) e São Benedito, à loja Matoense e ao bar do Cantarele, ao colégio Silvandira Guimarães, às ruas Aarão Reis e do Cisco, às almas poéticas de Déo Silva e Cid Teixeira de Abreu…

E se Vila Poesia não é et pour cause… – um “guia” completo da cidade, seu Autor o é. Chame pra conversa o Quincas Vilaneto e ele se derramará todo e lhe mostrará o “caminho do rio”, onde “o sol passeia / com os que têm sede” (“Com o tempo”). O roteiro será longo e agradável, pois, para o Autor, Caxias é “Mãe querida”, e “[…] não há em ti / nada que eu não reconheça / e tudo o que sou e tenho / vivemos juntos para sempre” (“Ser caxiense”). Com elevada caxiensidade, o Poeta proclama, como canino citadino que mija em postes para demarcar território: “Foi aqui que nasci / herdeiro dos teus becos / […]” (“Herança”). Entre as inumeráveis utilidades da poesia, este livro revela uma: dar vida. Sim, no poema “Como tem que ser”, o Autor anda de braços com uma estátua que anda…

“[…]

como se passeasse na Gonçalves Dias que no fim da tarde me espera e dou de cara com a estátua que faz parte de minha vida e constantemente caminhamos juntos […].”

Mas há um inafastável passeio poético, do qual a obra é guia e o próprio ambiente. Por exemplo, em “Assim era o meu Itapecuru”:

“[…]

as lavadeiras incitam as águas como quem vive a luxúria das carícias […]”.

Em “Ausência”, esta se junta à saudade e ambas “[…]

Servem a mesma dose de cicuta como se fosse vinho e saem fazendo a higiene da boca para beijar a rosa depois de ter perdido o espinho.”

Em “Poema invocado”, além do resgate e da beleza do sentido informal, particular, de “invocado”, o Poeta, esta poundiana “antena da raça”, deixa-se entrever com sua “atenção integral”, na expressão de McLuhan, e, em relação aos fatos, atualizado e atualizando, manda ver:

“[…]

Mas os fatos e as provas não valem mais nada!

A corrupção não é punível, a justiça desmaterializou a verdade.

[…].”

Assim segue o Poeta, dizendo das coisas de sua terra e dos casos ímprobos nela e além dela: “[…] / Vou matando a saudade, / enquanto o tempo não me mata.” (“Coisa minha”)

Poetizando sobre a cidade, Quincas Vilaneto traz para sua companhia quem a ela tanto dedicou talento e sentimentos: além das menções a Cid Abreu e Déo Silva, cita diversas vezes as palmeiras e o sabiá de Gonçalves Dias, ou a tijubina de Carvalho Júnior, estes dois últimos tão distantes, temporalmente, entre si quanto tão distintos e juntos poeticamente no amor à terra natal…

Uma outra dupla que a memória vilanetiana trai e traz é o mineiro Carlos Drummond de Andrade e o pernambucano João Cabral de Melo Neto. Pelas vias da absorção na leitura e da mimese na literatura, Quincas Vilaneto nos lembra de Drummond e seu “Poema de sete faces”, o texto inicial de seu livro (inicial) Alguma Poesia, de 1930: “Quando eu nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida. / […]”. No igualmente primeiro poema desta obra, Vilaneto escreve: “Quando nasci, escapei por um triz / à procura do destino / […]”.

Em 1966, João Cabral de Melo Neto publicou A Educação pela Pedra, que trouxe o famoso poema “Tecendo a manhã”:

“Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. […].”

Em seu poema “Esperando a hora”, Vilaneto também canta de galo galo e bem-te-vis, pois em seu terreiro há mais aves e pássaros como “Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores”. Quincas Vilaneto escreve, bela e evocativamente:

“Um bem-te-vi canta no fio, outro, ao longe responde de um longínquo endereço — sentindo-se correspondido.

De pé no terreiro, o galo repete, as mesmas notas de desassossego que insistem em anunciar que ainda é cedo, para que nos venham acordar. […].”

*

Guia local, repertório sentimental, poesia literal e literariamente poética, este livro reitera, amplia e eleva o lugar de Quincas Vilaneto na poesia caxiense e maranhense. O Autor não liga pra isso. O que lhe interessa é cantar sua cidade e encantar(-se) com a poesia

Porque neste livro, a partir do título, “Vila” é a cidade-inspiração, e “Poesia” é a do filho inspirado Quincas Vilaneto.

Parabéns, Conterrâneo, Amigo, Confrade.

Edmilson

Sanches edmilsonsanches@uol.com.br

DIA MUNICIPAL DA POESIA

ANTONIO GUIMARÃES DE OLIVEIRA

Em São Luís, temos um dia específico para celebrar nossos poetas (obras impregnadas de poesias), poesias (composições em versos livres e/ou providos de rimas), poemas (composições em versos ou algo que sugere ou evoca poemas, através da beleza e sensibilidade). Esta data trata-se de uma homenagem ao escritor e poeta ludovicenseJoséTribuzi PinheiroGomes, com pseudônimodeBandeiraTribuzi, nascido nodia2defevereiro de 1927. Projeto instituído, pelo vereador Marcial Lima, e aprovado amplamente por todos os edis, que compõem aquela casa.

Em nossas palestras, ou mesmo em parlatórios, salas de aulas, somos, muitas vezes, inquiridos: o que é ser poeta e criar poesias e poemas? Respondo-lhes: Embora a eternidade seja uma realidade, o fato é que se torna impossível compreendê-la, através de nossas mentes conturbadas de paixões, e isso de um todo nos empurra a um mundo mágico (interno). Torna-se às vezes, difícil, mas não impossível responder a tal pergunta, pois somosdonosdenossasvontades,masnãodosnossossentimentos.Elessimplesmenteexistemesemanifestam de forma peculiar. Mesmo diante das inúmeras dificuldades e impossibilidades, não existirá honra ou glória em deixar o sentimento fluir e se perder. O poeta é um capturador de sentimento. E usa as formas poéticas para retratar essa imensidão de "sentir". É impossível desistir de escrever e de criar. Está na natureza humana. Desistir? Ora, isso é uma obra do acaso... Nesta minha bela cidade, por exemplo, constantemente, ando por ruas revestidas de pedras e ladrilhos. Com seus casarões, com ou sem eiras e beiras, somos “avivados” por sombras imortalizadas do passado: Antônio Gonçalves Dias e seu amor platônico por Ana Amélia, Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade), e seu errante e futurístico "O Guesa", Maranhão Sobrinho, um boêmio inveterado e seus “Papéis Velhos”, Antônio Lôbo, um tísico suicida e sua “Carteira de um Neurastênico”, Raimundo Correia e seus “Primeiros Sonhos”, Bandeira Tribuzi e sua “Louvação a São Luís”, José Chagas e seus telhados e a sua “Maré Memória”, Ferreira Gullar e o "Poema Sujo", Lago Burnett e sua "Estrela do Céu Perdido", Erasmo Dias, fanho e com uma rapidez cerebral inigualável, Bernardo Almeida, com um cigarro Calton entre os dedos, vociferava "Éramos Felizes e Não Sabíamos", Waldemiro Viana e seu "Graúna em Roça de Arroz", Nauro Machado e a sua “Antibiótica Nomenclatura do Inferno”, Jomar Moraes, e seu "Encantador de Palavras", Nascimento Morais Filho, e seus "Azulejos e Clamor da Hora Presente", Carlos Cunha, e sua perfeição gramatical, dentre outros.

Pergunta-se: na Atenas Brasileira, ainda existem poetas? Sim, afirmo: poetas, poesias e poemas ainda marcantes, e com nomes, normas e estilos. Citarei nomes e constelações, que ainda orbitam entre nós, perdoenos as omissões não propositadamente, mas somente pela memória. Ei-los: José Maria Nascimento, Mhario Lincoln. Manoel Guimarães, Herbert de Jesus Santos, José Alexandre Júnior, Ewerton Neto, Laura Amélia, Ivan Sarney, Antonio Guimarães, Luis Augusto Cassas, Joselito Veiga, Francisco Baia (Aiab), Kleber Lago, Luísa Cantanhede, Paulo Melo e Sousa, Linda Barros, Danilo, Sharlene Serra, Eloy Melonio, Chico Tribuzi, Salgado Maranhão, GIlmar, Joãozinho Ribeiro, Roger Dageerre, Fernando Novaes, Florisvaldo Sousa, Ricardo Miranda Filho, José Eulálio Figueiredo, Joaquim Itapary, Josias Sobrinho, Lourival Serejo, Firmino Freitas, Couto, Aurora da Graça, Bruno Tomé Fonseca, Regis Furtado, Nicolau Fahd, Dilercy Aragão Adler, Júlia Emília, Albert Mont Blanc, Wanda Cunha, Cristiane Lago, Raimunda Frazão, Goreth Pereira, Rafaela Rocha, Sabryna Mendes, Roberto Franklin, Uilmar Junior, Carvalho Junior, Rogério Rocha, Arlete Nogueira da Cruz, Bioque Mesito, Antonio Aílton, Daniel Blume, José Neres, Sônia Almeida, Anely Guimarães, Alex Brasil, Rossini Corrêa, Arthur Prazeres, Fernando Reis, João Batista do Lago, Edomir Oliveira, Wescley Brito, Marcos Boa Fé, Nerlir, Pedro Neto, Kalynna Dacol, Adonay Ramos, Barrozo Braga, Evandro Júnior, Neurivan Sousa, Wybson Carvalho, Ivone Silva Oliveira, Nonato Reis, José Carlos Sanches, Carlos Alberto Lima Coelho, Mário Luna, Ceres Fernandes, Wilson Martins, Wilson Cerveira, Raimunda Frazão, Goreth, Bentivi, Antonio de Pádua Silva Sousa, Ferreira da Silva, Moisés Abílio (in memoriam), José Raimundo Gonçalves(inmemoriam),FélixAlberto,Celso Borges (inmemoriam), NathanSousa, Adriana Araújo, Paulo Rodrigues, Kissyan Castro, Rogério Du Maranhão, Augusto Pellegrini, Antônio Melo, Bruno Azevedo, Manuel da Cruz Evangelista, e outros.

Experienciamos "Os Antroponáuticos"e o "Parangolé", e grandes grupos, formados em redes sociais, reuniões noturnas, bares e mesas nos Bairros Praia Grande e Desterro: Os Integrantes da Noite, e seus poemas

marcantes, Os Vadios da Praia Grande, e os poemas impregnados por sabor alcoólico e fumo maldito ou não; Os Herdeiros de Madame Maroca, e seus e poemas lascivos ou lúbricos; Os Declamadores do Bar do Léo, com suas verves; Os Poetas da Praça dos Poetas, e suas declamações; Os poetas do Laços poéticos, e seus poemas líricos; O grupo Flores da Noite, e os "Xirizais", do finado Oscar Frota; Grupo As Tertúlias, e seus poemas mórbidos, recheados de suas doenças crônicas e amores perdidos. Definimos ainda os poetas "Vendedores de Terrenos no Céu", que excentricamente e literariamente, afloram suas mentes e fantasias nesse mundo.Temos ainda os anônimos, escondidos por pseudônimos, timidez ou mesmo por falta de oportunidade em publicar suas lavras.

Resta-nos continuarmos criando o melhor ou não, não importando quantas vezes caímos, pois nos levantaremos e lutaremos, vez que nossas belezas estão em nossas verves e vidas. Às vezes, poderemos acordar ou não nos amanheceres, com raios ou trovões, e constatarmos o esplendor do Universo, em uma obra do Criador, e que nunca nos faltem esperanças nesse novo amanhecer... ( Antonio Guimarães de Oliveira02.02.2024 - São Luís-MA).

UM PUNHADO DE INFÂNCIA

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

Desembarco no aeroporto de Guarulhos, SP, após nove horas de voo, vindo de NY. Na verdade, a viagem começara em Shanghai, China, quatorze horas até San Francisco, California. Dormi em San Francisco, uma das mais fascinante, surpreendente e vibrante cidade que conheço. Gosto da energia da cidade. Desta vez cheguei à noite, peguei o transfer para o hotel. Dormi, tomei café da manhã, retornei para o aeroporto e embarquei para NY. De NY para SP.

Em Guarulhos, o frenesi dos transeuntes apresados. Tento antecipar o voo que me levará para casa, na Ilha doAmor.Nãoconsigoantecipa-lo,tenhoqueprocurarabrigoemSP.Durmoeretornoaoaeroportonovamente no dia seguinte.

Faço check in, passo pela fiscalização, aguardo no lounge do cartão de crédito, que me garante conforto, a esperar voos, em longas escalas.

Ao lado onde sento, uma jovem mãe com duas crianças.

A mais novinha, vem em minha direção e oferece pipoca. Agradeço, ela insiste.

Com sua pequenina mão, cheia de pipocas, coloca na minha. Como o que sou ofertado. Um punhado de infância me atiça o cérebro. Lembro de minha casa, lá na década de 60, coisa do século passado. Minha mãe comprava o milho, colocava na panela de ferro, tampava, em poucos minutos, por mágica, os grãos de milho amarelo, se transformavam em pipocas brancas, para a alegria da meninada.

Como as pipocas, ofertadas pela garotinha, de não mais meia dúzia de anos. Sou transportado para o passado. No outono da vida, o tempo a correr; a memória a resgatar algo tão especial.

Lembro que já fui garoto. Já brinquei na chuva. Pisei em poças d’água, como quem salta sobre um riacho. Subi em árvores. Comi fruta diretamente do pé. Andei descalço no mato. Senti o cheiro da terra molhada, depois da primeira chuva. Brinquei de pião e xuxo na terra úmida. Empinei papagaios, que mesmo fiz. Saltei barquinhos de papel na enxurrada, na sarjeta, em frente de casa. Deliciei-me com o perfume das flores, em manhãs de mormaço. E, foram todos esses pequenos momentos mágicos que deram cor aos meus primeiros anos de vida e sedimentaram os meus sonhos. Mesmo velho, os sonhos continuam sendo minha mat& eacute;ria prima.

Tão feliz que fui. Não percebia a importância das horas. Não precisava de relógios. O tempo era o que o meu coração queria. Um abraço poderia demorar uma hora e um beijo uma eternidade. O dinheiro era fantasia dos adultos. Eu comprava tudo o que a vida podia ter, bastava fechar os olhos, viajando na melhor aeronave que já entrei, a imaginação. A única moeda de troca que conhecia eram os sorrisos de quem me dava felicidade, a qualquer hora do dia. Emprestava ilusões e cobrava carinho.

Fui feliz apenas com o pouco que tinha. O mundo dos adultos era mesmo só uma fantasia distante para mim. Era feliz, sem saber o que era a felicidade. Uma lata cheia de terra molhada era brinquedo, virava um carro. A chuva, uma diversão. A vida emprestava sorrisos nesse tempo, sem sobressaltos.

De repente a gente para e começa a enxergar felicidade em coisas miudinhas. Canto de pássaro, som de riacho, o sorriso de uma criança...

O tempo só caminha para frente. No tempo em que era garoto, traduzia sonhos para um idioma que ninguém entendia. Fazia a interpretação das ilusões para explicar aos adultos que viver era a coisa mais simples do mundo. Bons tempos, que se perderam no tempo.

“Na infância, mora um dos maiores segredos para sermos felizes: a recusa da tirania do que nos dizem ser a realidade”, Mia Couto.

Um punhado de pipocas me fez voltar no tempo, regatar momentos que ficaram lá atrás, mas que continuam grudados na memória.

Aquela garotinha, que não sei nem mesmo o nome, nunca saberá a alegria que me proporcionou e o bem que me nesta manhã.

Hora de embarcar; voar novamente.

Luiz Thadeu Nunes e Silva

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida,visitou 151 países em todos os continentes. Autordolivro“Das muletas fizasas”, membro do IHGM e ABLA.

ACHILLES LISBOA: UM PERFIL (1872 – 1951)

PEDRO HENRIQUE MIRANDA FONSECA

Membro fundador da Sociedade Brasileira de História da Medicina

Farmacêutico, médico, político (prefeito municipal de Cururupu e governador do Estado do Maranhão na década de vinte e trinta respectivamente), educador (um dos fundadores e primeiro diretor da Faculdade de Farmácia do Maranhão, fundou o Instituto Cururupuense, tendo como modelo a Ecoles de Roche, de Edmond Demolis de inspiração inglesa, preocupou-se com a divulgação do ensino fundamental no Brasil, tendo escrito a esse respeito um livro “Sobre o melhor meio de divulgação do ensino primário no Brasil” que recebeu mençãohonrosadaAcademiaBrasileiradeLetras),botânico(foidiretordoJardimBotânicodoRiodeJaneiro, introduziu o cultivo de cacau na sua Fazenda em Cururupu e plantou palmeiras imperiais na praça da Matriz desta cidade, aplicou seus conhecimentos botânicos na fitoterapia. Idealizou a mistura de várias plantas para ser usada no tratamento coadjuvante da malária. Essa fórmula foi apresentada na forma de pílula, a que deu o nome de Achilea, em homenagem a sua primeira filha com este nome que faleceu de malária em Cururupu com menos de um ano de nascida.

Ele fornecia as plantas que coletava em Cururupu para o farmacêutico Wenceslau Tadeu, de Caxias, que as fabricava e vendia. Jamais teve como objetivo ganhar dinheiro com essa atividade, era um médico humanitário), cientista, interessou-se por Doenças Infecciosas, principalmente hanseníase, estrongiloidíase e esquistossomose mansônica, da qual descreveu os primeiros casos no Maranhão em 1918, dez anos após a descoberta do Schistosoma mansoni por Manuel Augusto Pirajá da Silva; interessou-se por Genética, sua tese de doutoramento em Medicina no ano de 1913 versou sobre “Da mestiçagem vegetal e suas leis”, passando a ser conhecido como o “médico mandaeliano brasileiro”; ensaísta e poeta, com vasta produção, infelizmente, na sua maioria inédita.

Desta convém destacar uma composta após súbita inspiração ocorrida quando se dirigia para a sua Fazenda Santo Antônio em Cururupu. A tarde caía e na solidão daquelas paragens pré-amazônicas, ele ouve o canto da Inhambu chorona, tinamídeo muito comum naquela região, que por seu canto triste recebe esta designação. Tirando então do alforje, papel e lápis, compôs os versos a que deu o nome da ave que exalava o seu canto naquela hora finda do dia:

Canta a inhambu chorona (A mata é escura, escurece do dia a claridade):

Modulações de um hino de ternura, Dolências de uma elegia de saudade

Tudo o que é doce, tudo o que a natura

Tem de mais grato aqui – a amenidade

Dos caminhos em for e na espessura

Da floresta o sentir que nos invade

Tudo neste hino sensitivo canta

Num sonoro trinar que nos levanta

Para um mundo de estranhas fantasias

Ao ouvi-lo, revive-me a lembrança

Dos meus saudosos tempos de criança Triste evocar de mortas alegrias.

Na sua infância em Cururupu teve a felicidade de ter como mestra Herculana Firmina Vieira de Sousa , que exercia o magistério na cidade desde 1855, e teve sobre o pupilo benéfica influência, tanto que, ele a reverenciou a vida toda, em sinal de reconhecimento e agradecimento. Só para citar um exemplo, em artigo publicado no jornal A Pacotilha, ele se refere a ela como “saudosíssima mestra.” (LISBOA, Achilles – Notas ligeiras,APacotilha,sexta-feira,3dejulhode1914)eemoutras ocasiõesa citacomo “mestradebelacultura.” A semente caiu em terreno fértil e ele tornou-se um símbolo do resultado que uma boa educação pode dar.

Rio de Janeiro, sábado, 18 de março de 2023, às 10: 00 horas

Nota:

Aquiles de Faria Lisboa (Cururupu, 28 de setembro de 1872 São Luís,18 de abril de 1951)[1] foi um médico, político e cientista brasileiro [2]

Aquiles Lisboa foi governador do Maranhão e prefeito de Cururupu, além de médico e diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Considerado o pioneiro no tratamento da hanseníase no Maranhão, foi condecorado pela Assembleia Legislativa do Maranhão com um selo comemorativo, a ser usado em toda correspondência oficial daquela casa legislativa.

Obras

• O Serviço do algodão e o seu insucesso (1916)

• Discursos (1918)

• O posto socorro médico aos ulcerados (1919)

• Em torno da questão da pesca no município de Cururupu (1920)

• Questão de Interesse Público (1921)

• A Nova Escola (1922)

• Pela Honra do Maranhão (1925)

• Em defesa do regime pervertido e do Maranhão arruinado (1926)

• Profilaxia da tuberculose (1949)

• A penúria dos sábios alemães e austríacos (s/d)

• Oswaldo Cruz (s/d)

• A lavoura e a guerra (s/d)

• Bilharziose ou esquistossomose (s/d)

• Da mestiçagem vegetal e suas leis (s/d)

Referências

1. ↑ «Dados biográficos de Aquiles Lisboa». academiamaranhense.org.br. Consultado em 27 de dezembro de 2022

2. ↑ «Verbete: LISBOA, Aquiles de Faria» www.fgv.br. Consultado em 25 de fevereiro de 2021

D. RAIMUNDA MENDONÇA, UMA VIDA BEM VIVIDA

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

Em umamanhãdesábado quente, como são as manhãna IlhadoAmor; sob acopade árvores queremontavam à minha infância, em longa conversa com Nery, perguntei se ela já havia pensado em escrever um livro. De conversa calma, tranquila, voz baixa, inalterda, falou-me de vários fatos de sua vida. Dos pais, da infância, da ida para Brasília, de como conhecera Fernando, o eterno namorado e companheiro que o destino lhe presenteou, com quem construiu família.

Tenho ligações afetiva com o sítio Santo Antônio das Alegrias, conhecido como Sítio do Físico, localizado na região do Bacanga. O sítio pertenceu aos meus avós paternos, Joaquim e Olindina, até ser vendido para Fernando e Nery. Em férias escolares, era no Sítio do Físico que me refugiava. Minha infância foi marcada por muitas brincadeiras embaixo de árvores centenárias, e nas ruínas do sítio arqueológico, que remontam o século XVIII.

Após ouvir Nery percorrer por diversas histórias guardadas na memória, citei Clarice Lispector, escritora ucraniana naturalizada brasileira: “Há um livro dentro cada um de nós, basta tirá-lo”. Vi seus olhos claros faiscarem.

-Nery, você tem um livro pronto, agora é colocar no papel, disse-lhe.

O tempo seguiu seu curso, nos encontramos umas poucas vezes. Nery resolveu rebobinar a memória e colocar no papel seu primeiro livro, e escolheu para estreia a história de sua sogra, Raimunda Mendonça.

Embora conheça Fernando há anos, -ele era próximo do meu avô Joaquim, não conheci dona Raimunda, sua mãe. Vim conheça-la através do livro “Tudo azul de bolinhas brancas”. Pela narrativa de Nery, sua nora, descobri D. Raimunda: mulher forte, decidida, empoderada, quando o termo não estava na moda. Uma mulher trabalhadora, personalidade forte, esteio da família.

O livro é sobre o amor, respeito e admiração de uma nora para sua sogra. Contrariando a máxima de que as relações entre noras e sogras são tumultuadas e, às vezes odiosas, a de Nery e Raimunda é uma ode à amizade, ao amor.

Segundo o livro, d. Raimunda, visionária, “fazia questão absoluta que os filhos estudassem, trabalhasse; que fossem pessoas honestas, unidas e solidárias. Não desamparava ninguém. Sua mesa era sempre compartilhada com as pessoas que chegassem, ou que os filhos levassem para refeições…..”.

Otimista, sempre que alguém perguntava como estava a vida, ela respondia:

-Tudo azul de bolinhas brancas.

-E, se não estiver?

-Se não estiver, eu pinto, respondia ela.

Tem pessoas que já chegam prontas ao mundo, e vão melhorando o seu entorno. Longeva, d. Raimunda, viveu até os 97 anos, e soube extrair o melhor da vida, com sabedoria, paciência e mansidão, tão em falta nos dias atuais.

“Tudo azul de bolinhas brancas” é um caminhar pela história de vida de Raimunda Mendonça de Sousa, mas também o registro de uma época nostálgica de São Luís, nossa querida Ilha do Amor. A pesquisa de Nery no preparo do livro foi trabalho de ourives, de grande acuidade.

Não pude ir ao lançamento do livro, estava em viagem pelo mundo, em Shanghai , China. Quando retornei, em um café na casa de Fernando e Nery, ela me contou da alegria em poder reunir amigos e familiares na livraria AMEI. Falou-me, feliz e orgulhosa, que deu um exemplar do livro para cada filho, devidamente autografado. Mas, uma filha fez questão de comprar mais um exemplar, este para seu filho, como forma de mostrar a rica história da matriarca da família Mendonça. A trajetória de vida de d. Raimunda é para ser mostrada para as novas gerações, realçando sempre que “Ter problemas na vida é inevit&aac ute;vel, deixarse abater por eles é opcional”. D. Raimunda teve a sabedoria de viver uma vida bem vivida. Deixou um bonito legado.

A literatura nos eterniza, e este, certamente, é o primeiro livro que Nery tirou de dentro de si. Boas histórias não lhe faltam. No aguardo do próximo.

Luiz Thadeu Nunes e Silva

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida,visitou 151 países em todos os continentes. Autordolivro“Das muletas fizasas”, membro do IHGM e ABLA.

"A ANGÚSTIA É UMA PRODUÇÃO DA PRODUÇÃO DO SUJEITO"

JOÃO BATISTA DO LAGO

“Teus espelhos podem estar fragmentados, mas tua arte ainda pulsa: tu podes criar o belo mesmo dentro da caverna, mesmo na escuridão.”

(ESPELHO FRAGMENTADO - João Batista do Lago)

O processo da modernidade, desde o seu surgimento, é uma máquina impiedosa de moer corpos. Em que pese os avanços técnicos, tecnológicos, científicos, culturais, sociais, econômicos, políticos, etc., o ser humano tem sido (talvez!) a maior vítima da modernidade: as mais diversificadas patologias afetam diretamente (para o bem e para o mal) os corpos humanos.

A angústia, que também pode ser, aos meus olhos, denominada de depressão, é uma doença da modernidade. De forma deletéria, a modernidade é a causa fundamental das patologias psicofísicas. Esta constatação, por sua vez, identifica que psiquicamente, fisicamente e socialmente estamos ― todos, absolutamente todos! ― internados no Hospício Geral da Modernidade (HGM).

Esse HGM encontra-se subsumido em estruturas como família, igreja, escola, faculdade, universidade… E dentro dessas macroestruturas, outras subestruturas também se projetam como microestruturas: grupo de amigos, associações, clubes de futebol, clube de pais e mães, clube de autores, associações de mestres e alunos, academias diversas, etc. É exatamente nesse ambiente que se processa e que se opera a angústia como um afeto da tristeza (Spinoza B., Ética, liv. III).

Zygmunt Bauman, em seu livro “Modernidade Líquida” (© 2000, ZAHAR EDITOR), em linhas gerais escreveu que a angústia é um sentimento que tem acompanhado a humanidade desde seus primórdios, mas é na modernidade que ela se torna mais evidente e presente na vida das pessoas. A velocidade das transformações sociais, tecnológicas e culturais, aliada à pressão por produtividade e sucesso, tem gerado um ambiente propício para o surgimento de sintomas de angústia. Bauman sugere ao leitor que a modernidade é caracterizada pela racionalização, pela fragmentação e pela busca incessante pelo novo.

Por seu turno, a esquizoanálise (Delleuze & Guattari, O Anti-Édipo, 1972), uma corrente filosófica e psicanalítica, aponta que esses elementos da modernidade geram uma desestruturação do sujeito, levando-o a uma sensação de desamparo e falta de sentido. A falta de um projeto de vida e a perda de referências são fatores que contribuem para o aumento da angústia.

Insisto no que disse no início deste artigo, que a modernidade é uma máquina de moer corpos, ou seja, a sociedade moderna também exige que o indivíduo esteja sempre conectado, disponível e produtivo. (Nesse

ponto sugiro retornar ao Anti-Édipo ([II.3. A síntese conectiva de produção], p. 95). A pressão por resultados eanecessidadedeestarsempreatualizadogeramumasobrecargaquepodedesencadearsintomasdeansiedade e angústia. A falta de tempo para atividades de lazer e relaxamento também contribui para o aumento da angústia.

A esquizoanálise propõe que a solução para a angústia não está em buscar uma cura individual, mas sim em uma mudança coletiva. É necessário repensar as estruturas sociais e culturais que geram a desestruturação do sujeito. A busca por um projeto de vida e a construção de relações mais saudáveis e significativas são fundamentais para lidar com a angústia na modernidade.

Concluo este artigo ousando destacar que a angústia é um sentimento presente na vida de todos nós desde sempre, mas a modernidade tem gerado um ambiente propício para o seu agravamento patológico. Delleuze & Guattari apontam com a possibilidade da esquizoanálise destacando que a solução não está em buscar uma cura individual, mas sim em uma mudança coletiva.

É necessário repensar as estruturas sociais e culturais que geram a desestruturação do sujeito e buscar um projeto de vida mais significativo e saudável. Finalmente, ouso dizer que a angústia não é imanente; ela é uma criação ou formação de sujeitos recalcados por afetos exteriores que impactam a psique de todos nós.

JB do Lago.

O AUTOR:

João Batista Gomes do Lago, ou simplesmente João Batista do Lago, ou ainda (para pesquisa Google) João Poeta do Brasil, é natural da cidade de Itapecuru Mirim (MA), onde nasceu aos 24 dias do mês de junho do ano da graça de 1950. É filho primogênito de Pedro Uchôa do Lago e de Júlia Martins Gomes do Lago. É jornalista, ator, escritor, poeta, teatrólogo, contista, ensaísta e pesquisador. João Batista do Lago é autor de três livros: 1) Eu Pescador de Ilusões; 2) Cânticos Viscerais; e, 3) Áporo. Dois novos livros: 50 Tons de Palavras (já lançado) e Das Sarjetas da Cidade, no prelo. Ao mesmo tempo, um livro de contos, uma peça de teatro e um terceiro reunindo vários artigos escritos em diversos jornais estão sendo elaborados. João Batista do Lago trabalhou nos jornais O Estado do Maranhão, Jornal de Hoje e Secretaria de Comunicação Social (no Maranhão); O Noroeste e A Tribuna do Povo de Umuarama (no Paraná); jornal Folha de Rondônia (em Rondônia). Também atuou como assessor de imprensa para partidos políticos, sindicatos e políticos. Em Curitiba (PR) foi o editor de conteúdo do Portal Aqui Brasil. Faz parte, ainda, da Academia Poética Brasileira (APB), como membro efetivo, onde ocupa a cadeira de nº 57, tendo como patrono o poeta maranhense Luis Carlos da Cunha.

UM PUNHADO DE LEMBRANÇAS

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

Na semana passada ocupei o nobre espaço deste jornal com a crônica “Um punhado de infância”, onde narrei o encontro com uma garotinha, no aeroporto de Guarulhos, SP, que me ofereceu um punhado de pipocas, em sua mãozinha diminuta. Aquelas pipocas me transportaram no tempo. Rebobinei a memória e citei “Já brinquei na chuva. Pisei em poças d’água, como quem salta sobre um riacho. Subi em árvores. Comi fruta diretamente do pé. Andei descalço no mato. Senti o cheiro da terra molhada, depois da primeira chuva. Brinquei de pião e xuxo na terra úmida. Empinei papagaios, que mesmo fiz. Saltei barquinhos de papel na enxurrada, na sarjeta, em frente de casa. Deliciei-me com o perfume das flores, em manhãs de mormaço. E, foram todos esses pequenos momentos mágicos que deram cor aos meus primeiros anos de vida e sedimentaram os meus sonhos”.

O retorno dos leitores foi melhor do que o que escrevi. A alegria de quem escreve é o retorno de quem lê.

O poeta Rinaldi, com a sensibilidade dos amantes das letras, escreveu-me:

“Bom dia, cronista! O belo texto me lembrou três poemas, que o embalam em cumplicidade: “Barquinhos de papel”, do poeta Guilherme de Almeida.

O poema de infância “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu; e o poema-resposta do mesmo poeta carioca Casimiro de Abreu, quando perguntado por uma menininha o que seria o sentimento de simpatia …”

O amigo leitor Noel, de Rio Branco, Acre, escreveu: “Bom dia, amigo Luiz Tadeu! Uma crônica que nos remete ao passado, "um punhado de lembranças", titulo do texto de hoje.

De Aracaju, recebi do articulista Léo Mittaraquis: “Luiz Thadeu⁩: Delicado, tocante, texto proustiano…”

Tanto quanto a sua, minhas lembranças d’infância saltam pelo tempo como milho de pipoca a estourar na panela. Saudações cordiais” .

O jornalista baiano, de Itaúna, Marcel Leal, que publica minhas crônicas jornal A Tribuna, escreveu: “Impressionante, Luiz, tivemos a mesma infância”. Detalhe, conheço Marcel apenas virtualmente.

Falar da infância é um mergulho no passado, guardado em cada um de nós. Somos feito de lembranças, de história vivida e vivenciadas. Revisitar o passado, seja através de um pouco de pipocas, é regatar a criança que existe em nós. O tempo, impávido, segue seu curso; nossas memórias regatam tempos que ficaram lá atrás.

E, como no poema “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu, digo: “Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, naquelas tardes fagueiras à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias, do despontar da existência!
-Respira a alma inocência, como perfumes a flor; o mar é - lago sereno,
o céu -um manto azulado, o mundo - um sonho dourado, a vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida, que noites de melodia, naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas, a terra de aromas cheia, as ondas beijando a areia, e a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância! Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era, nesta risonha manhã 
Em vez das mágoas de agora, eu tinha nessas delícias de minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!”

Boas lembranças são provas de que o passado valeu a pena.

Feliz carnaval para todos: para os foliões festeiros, e para os que como eu, pulam no circuito: quarto para sala, da sala para cozinha, da cozinha para o quarto. O importante é estar com saúde física, mental e espiritual.

ANTONIO AÍLTON

EDITOR

Poeta Laura Amélia Damous - Foto: https://www.camara.slz.br

LAURA AMÉLIA DAMOUS – A SENSÍVEL MESTRA DO POEMA CURTO E DA FULGURAÇÃO POÉTICA

ANTONIO AÍLTON

Há uma deusa chinesa, pouco conhecida de nós, ocidentais, e de nossas mitologias, que é considerada a deusa dos raios e das fulgurações dos espelhos celestiais, a deusa Dianmu ou Leizi. Os raios de Dianmu são feixes de luz lançados para que o deus do trovão, seu marido, enxergue os humanos em dias escuros de tempestade, e não os mate.

Claro, é um dos mitos de explicação dos fenômenos incontroláveis da natureza, mas é uma bela figura para evocarmos, em alguns sentidos, a poesia dessa mestra do poema curto, de luminescência poéticas. Laura Amélia Damous é essa poeta de laminações límpidas e fulgurantes, cuja relação com o oriente não é implausível, conforme veremos.

Laura é natural de Turiaçu (1945), mas vive em São Luís do Maranhão desde os seus oitos anos. É aqui que ela construiu sua vida, sua poesia, sua participação na vida pública. Ela já teve cargos no primeiro escalão da Secretaria de Estado da Cultura, já foi Subchefe da Casa Civil do Governo do Maranhão e Gestora de Programas Especiais, foi diretora do Teatro Arthur Azevedo, revitalizou o Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, e, entre alguns dos seus títulos, é ocupante da cadeira 06 da Academia Maranhense de Letras,

desde março de 2003. A poeta estreou em 1987, publicando Brevíssima canção do amor constante pelo saudoso SIOGE, o extinto Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado do Maranhão, em 1995. Depois publicou Arco do tempo, em 89; Traje de luzes, em 1993; Cimitarra, em 2001; Arabesco, em 2010, e Inventário dos Sentidos, em 2013. Laura é uma das poetas integrantes da antologia Poesia Maranhense do Século XX, organizada pelo escritor antologista Assis Brasil, e do Dicionário crítico de escritoras brasileiras de Nelly Novaes Coelho.

É importante observar que a poeta é bastante comedida no número de publicações, como se pinçasse pérolas, e, em pelo menos dois dos seus livros, Cimitarra e Inventário dos sentidos, ela une poemas inéditos a uma recolha substancial de poemas de livros anteriores, já esgotados.

Há, na poética Laura, uma vocação para lightning, o rápido, o raio fulgurante, que não pretende a violência da fulminação, mas da iluminação em nesga de imagem sensível que vem tocar a nossa mente e espraiar-se em tênues e ternas cintilações pelos ambientes escuros, mas receptivos, que estão em nós: os instantes evocados, as memórias, os vãos possíveis do sentir e do agir, as frestas de algum despedaçamento, um impulso, um agir, um reflexo, uma reflexão. Flagramos isso nesta

Inspiração

artéria aberta desatada

sangra

até que o caminho ilumine

o estreito vão do possível.

(Inventário dos sentidos, p. 70)

No caminho de outra Inspiração ainda anterior, também encontramos: “a branca luz do papel/ destila suor feito ímã/ o poema se impõe/ e gruda na pele da poeta”. Ou ainda num poema como Lua cheia (Cimitarra, p. 55):

Luz que se estraçalha vai

brilha

ofusca outros olhos virgens de ti não os meus que te guardam e te apagam

Quando dizemos “raios”, “flashes”, estamos, no entanto, intuindo que não se trata de um imaginário solar –ou nem sempre –, e sim da representatividade de uma presença feminina, lunar, irisada, que ao mesmo tempo que brilha, sangra, estilhaça, e pode se ligar, dessa forma, à luz que brilha na tempestade, e até à morte, para lembrar as prerrogativas daquela mencionada deusa. Evoquemos também a ideia dessas superfícies espelhadas: página em branco (branca luz do papel), pele do poeta e seu suor refletindo o mundo, a lua cujo reflexo não é apenas o de sua condição de pedra e bólide, mas metafórica e simbolicamente dos próprios anseios e “devaneios” humanos. O olho tocado pela emoção recebe da lua o próprio reflexo do que iluminou, isto é, seu próprio reflexo.

O caminho traçável das evocações, porém, se amplia. A forma poética de Laura se orienta para a simplicidade e para a imagética presentes tanto no haikai japonês quanto na ideogramática poesia chinesa. Ideogramas já são, por si, síntese e feixes de imagens, os quais a poesia ocidental mais recente recepcionou muito bem. Relembramos isso principalmente com o grande estudioso da poesia ideogramática, Ezra Pound, o qual teve vasta importância na poesia brasileira a partir do final dos anos 1950, principalmente entre os concretistas e adeptos de sua crítica. Ezra abriu nossos olhos à condensação poética e ao imagismo bem como ao

orientalismo e ao haikai, o qual teve também entre nós outro divulgador, o Octávio Paz de Signos em rotação, além das possibilidades de acesso e interesse dos mais “antenados”, que grassou naquele momento.

São esteios aos quais nos apegamos quando lemos a poesia de Laura, a título de reconhecimento e de compreensão, mas é preciso considerar com a poeta que esses e outros teóricos, assim como os (in)fluxos poéticos desse momento de novas perspectivas já encontraram nela uma disposição íntima para o poema concentrado e rascante, conforme ela esclarece em conversas pessoais. O que advém busca seus caminhos e seus corpos, bem sabemos. É assim que recebemos de suas mãos espantosos poemas como:

Memória do tempo

Brevíssimo verão

frágil e fugaz

perpassa o coração trêmulo e assustado

O outono é a certeza

Ou:

Pastor infiel

Passei a noite pastoreando sonhos

Acordei trêmula e fraca

Hemorragia

Ou:

Lilás

Abril molhado

Abril molhado

Um arco-íris encharcado de ti

Dessa poesia emana uma sensibilidade que revela a fragilidade do mundo, uma quebra das instâncias aparentes, naturalmente imperceptível a outros olhos não tocados pela experiência do sentir a porosidade, tanto damatériadiuturna, quanto dotempoobjetivo, oudas presenças neles. Instauraotransportepara o“lugar outro”, o “momento-outro”, como nos poemas de Inventário dos Sentidos (p. 54; p. 124), A pedra branca do banco da calçada da rua de tia Olga, título este que já se constitui numa imagem poética: “todas as vezes/ que penso nela/ eu entro no Taj Mahal”; e Ausência: “o ar/ é feito de ti/ oxigênio ausente”. É nesse fluxo que vasa também tanto aquele “espanto” poético-perceptivo, de que falava Gullar, assim como aquela epifania que era tão cara a Clarice Lispector, (mas em Laura estamos tratando do reino da poesia) como no poema Dois de novembro, presente naquele mesmo livro (p. 48):

a xícara branca

me encara do outro lado da mesa um tigre esfacelou meu rosto no agitado sono do

meio-dia

as formigas fizeram um novo caminho da cozinha à sala sem um único volteio meus dedos pesam mais que nunca e afundam junto com o pudim no forno eu tenho muito medo de morrer num dia feio assim

Quanto às presenças invocadas nos seus poemas, torna-se familiar o efeito de presença pela convocação do “tu”, do “ti”, como interlocutor do eu poético. Um “tu” referido ou amado, que coloca o leitor no espaço interseccional da relação, passível de também ser aprendida como representação/espelho das suas próprias experiências, como se sabe ser próprio da poesia instaurar e potencializar a “universalidade” da experiência colocada no cenário do poema.

Esse “tu” invocado e recorrente mobiliza, portanto, o Outro, e dinamiza de forma poliédrica a enunciação poética, ao se descentrar da autorreferência e possibilitar nuances e aspectualizações que vão do sublime ao descenso da(s) relação(ões),dos deslumbres edesejos aos seus contrapontos. Éessetu humano, plural, pessoa, que ora aparece sublimizado, irizado como no “Abril molhado/ um arco-íris encharcado de ti”; ora como alvo de uma entrega amorosa que se fragiliza voluntariamente ante o outro, como em Oferenda (Cimitarra, p. 107) –Venho teoferecermeu coração/como opeixese oferece à captura/ noenganodoanzol –; ora também pesado, duro, em sua corporalidade, por que não dizer, numa sexualidade rítmica em recorrência musical bruta, como em Bate-estaca (Inventário dos Sentidos, p. 78): “surdo /surdo / mudo/ duro/urro/ tu”.

Quanto relampeardesentidos tempestuosos em tão poucos versos, assentados sobre esse “u” surdo, assonante, em que as evocações do corpo impetuoso somam-se às evocações do instrumento musical (surdo), até à explosão do urro ambivalente (gozo bravio e agônico, erótico e tanatológico) e à encarnação/revelação final, quase acusativa, mas de reconhecimento deste que se revela e se completa: TU!

Para encerrar a breve leitura dessa fascinante poeta, em seus quase quarenta anos de poemas, entre tantas aberturas, é importante percepcionarmos as sutilezas, a delicadeza e a força das figuras femininas que a povoam, assim também como o peso do ser que tem seu sentido na condição humana e no próprio corpo. Tal

condição exige a pragmática da sabedoria herdada: “minha avó Amélia que/ tinha as orelhas rasgadas/ pelo peso do ouro/ me deixou um tesouro/ não carregue mais/ do que a frágil carne suporta” (Herança, Inventário dos sentidos, p. 102), assim como a verdade de estar entregue indelevelmente a essa porta de saída, conforme podemos em Quiromancia, daquele mesmo livro: a mão do poema/ é a que me cabe/ inteira/ A outra/ eu carrego/ pesada e alheia – numa realização que só encontra sua plenitude no território da poesia, e aí poder ser lida em sua leveza.

Nessa poesia de Laura, em que mesmo o som se torna imagem experiencial e fenomênica, condensada e fulgurante, realiza-se o que o Hildeberto Barbosa evoca no prefácio do Cimitarra como a essência da poesia, qual seja, “o poder de dar à luz”. Assim se perfaz também num imaginário poético sensível como uma “portadora de espelhos”, desses lampejos escritos que, enquanto poesia, se colocam entre o mundanal e o celestial.

Antonio Aílton e Laura Amélia Damous

PLANTAÇÃO DE HORIZONTES: MEMÓRIA E REALISMO DA LINGUAGEM

Paulo Rodrigues*

Minha vó Silvéria não sabia mas fecundaria os roçados da minha poesia.

[Luiza Cantanhêde]

O livro Plantação de Horizontes da poeta Luiza Cantanhêde foi publicado pela editora Penalux de São Paulo, em 2023. A obra está dividida em quatro seções que dialogam com a geografia dos poemas o tempo inteiro: o piso milenar da terra, não aprendi a arar amanhãs, sementes ainda furam desertos e as mães plantam fé nas tristezas. Os textos versam sobre injustiça, as tragédias pessoais, utopias e memórias. Mariana Ianelli afirmou no prefácio: “ouve sua terra e seu sangue, forjando dessa atenção poemas que nunca se contentariam em ser lidos, nos inteligentíssimos gabinetes de estudo, por corações anestesiados”. A poética de Luiza anda nos caminhos do vivido, nas noites que dormem nas calçadas da existência, nas manhãs descalças e com fome. A poeta conhece a ponta dos espinhos e a íris dos invisíveis. Fala por eles, com uma discursividade comovente:

AMIGO SECRETO

Meus pés calejados buscam a infância como uma penitência dos perdidos.

As mãos das crianças a plantar o caminho.

Abraço os espinhos e escrevo um poema para os invisíveis.

(2023, p. 64)

Há um testemunho, na abertura do poema: “meus pés calejados/ buscam a infância/ como uma penitência”. O eu lírico prepara a imagem com as mãos nas palavras e no vivenciado por ela própria e pelos seus. Encerra com uma certeza épica: “e escrevo um poema/ para os invisíveis”.

Luiza Cantanhêde trabalha com perspicácia a memória desde o seu primeiro livro (Palafitas). Traz os personagens reais para o terreiro da poesia, retira os trapos das lembranças e veste as metáforas de referencialidade como podemos comprovar no poema O ÁLBUM DE FAMÍLIA PARECE INTACTO:

Eu que nasci da terra cortada pelas ruínas e pelo sangue abraço a fome enquanto a semente acaricia a plantação.

(2023, p. 87)

Benjamin no livro Magia e Técnica, Arte e Política (1985, p. 37) comenta: “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limite, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois”. As construções de linguagem (da poeta estudada) usa bem essas chaves de memória para construir o jogo, inclusive de encantamento, na sua poética. Para finalizar esta breve análise da questão da memória e do realismo linguístico em Luiza Cantanhêde, trago o poema ANAMNESE:

O que pernoita em mim é quase nada apenas chão e memória.

Perdi os manuscritos já é tarde para saber das rezas e das fugas.

O etéreo visitante deste momento é apenas a fagulha do ferro em brasa de minha mãe a engomar nossa fome.

(2023, p. 89)

Luiza reafirma sua força criadora: “O que pernoita/ em mim/ é quase nada/ apenas chão/ e memória”. O realismo linguístico é de quem declarou no início da carreira literária: “a minha palavra é de coisa vivida”.

São versos livres, secos, curtos, ásperos. Fundados na resistência de uma família que representa milhões de nós: “é apenas a fagulha/ do ferro em brasa/ de minha mãe/ a engomar nossa/ fome”.

*Paulo Rodrigues (Caxias, 1978), é professor de literatura, poeta, ensaísta. É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018). Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia. É membro da Academia Poética Brasileira e da Academia Caxiense de Letras.

***
Poetas Bioque Mesito, Luiza Cantanhêde, Sebastião Ribeiro, Paulo Rodrigues e Antonio Aílton, na exposição Laços & Nós, nov./2023

O APEADOURO EM SAUDADE

JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA

Hoje eu voltei ao Apeadouro. Parei o carro, olhei casas, poucas árvores, carros, ônibus, caminhões, mas quase ninguém na rua.

Mergulhei profundamente na lembrança da minha infância. Carnaval, lá estaríamos nos reunindo, todos, de macacões fornecidos pela Cia Moraes. Iríamos ao corso no caminhão com bastante água. A noite seria Jaguarema, Litero ou Casino.

Hoje senti em lembranças a sensação mais bela e pura das mãos dadas, dos beijos roubados, das serenatas.

Hoje me vesti do avesso, não de fofão, mas do avesso, onde repousa o lado puro da memória. Sem pecado, ao menos daqueles que depois cometi.

Hoje eu me vesti de mim mesmo como quem precisasse só do tempo para constatar que, hoje, sou lido em braille, mas com histórias e estórias, sem versões.

Hoje eu voltei ao Apeadouro. Encontrei amigos – na memória – e sorri sozinho, das lembrancas, do tempo que passou por mim.

Por mais que a paisagem seja apagada pelo concreto insano em mim está a digital do Apeadouro. E nada há de apagar.

Assim, entre lembranças e saudades eu me senti apeado. Senti um vazio imenso.

Hoje eu estive no Apeadouro, onde continuo apeado para sempre.

Por mais que a eternidade se aproxime, ainda assim, resta em mim a lembrança que alguém, um dia desses dirá no carnaval:

Ele hoje esteve no Apeadouro, onde tudo começou como um conto, virou um pranto, mas continuará sendo o Apeadouro, onde o sol nasceu e se pôs.

Varanda – Ó guerreiros, meu relato ouvi!

Breve narrativa sobre a Academia de Letras Ludovicense – ALL by JP Turismo 9 de agosto de 2021 in Literatura, Sacada Literária

ALL no palacete Cristo Rei, onde tem sala cedida pela UFMA: Da esquerda para direita, na frente: Clores Holanda, Ana Luiza de Almeida Ferro, Dilercy Adler, Roque Pires Macatrão, Ceres Costa Fernandes, Antônio Ribeiro Brandão, Aldy Mello, Raimundo Gomes Meireles, João Batista Ericeira. Na fileira de trás: Leopoldo Gil Vaz, Michel Herbert, Raimundo Campos, Álvaro Urubatam Melo, João Francisco Batalha, Antonio Noberto, Raimundo Viana, Daniel Blume, Aymoré Alvim, Arquimedes Vale – Foto: Acervo Ana Luiza de Almeida Ferro

A Academia Ludovicense de Letras é uma nau que tem singrado, com a audácia dos desbravadores, as ricas águas da cultura e da literatura são-luisense. É uma construção coletiva, afirmando-se como um baluarte na defesa das tradições literárias maranhenses e, em particular, ludovicenses, na promoção dos nomes consagrados, promissores ou imerecidamente olvidados da literatura destas plagas e na valorização dos feitos e do legado da Atenas Brasileira.

Ó Guerreiros, meu relato ouvi! Muitos foram, da sacada do tempo, aqueles que sonharam com uma academia de letras em São Luís. Mas a entidade, nascida a 10 de agosto de 2013, no berço palaciano do Cristo Rei, em frente ao Largo dos Amores, na cidade fundada pelos franceses Daniel de La Touche e François de Razilly em 1612, é tributária, sobretudo, do sonho do professor Wilson Pires Ferro, meu pai, da Universidade Federal do Maranhão, revelado em dois artigos de sua lavra, publicados no jornal O Estado do Maranhão. Um dos artigos, de 2012, outro de 2013, pugnando pela criação de certa Academia Ludovicense de Letras, sob a sigla ALL, dentre outras sugestões de denominação. O último artigo encontrou poderoso eco na professora Dilercy Aragão Adler, autora e coordenadora do projeto “Mil poemas para Gonçalves Dias”, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, a qual aceitou o desafio de converter a ideia em realidade, inserindo a proposta na programação em homenagem aos 190 anos de nascimento do grande poeta Gonçalves Dias, e coordenando os esforços e providências para a concretização desse sonho, com o auxílio de valorosas mentes e mãos.

O cenário foi o auditório dos Colegiados Superiores do Palácio Cristo Rei, diante da praça em homenagem ao celebrado autor da “Canção do Exílio”. Os manitôs não fugiram da taba. Anhangá não pôde entrar, nem proibir sonhar. Sob o olhar de Tupã, ali se reuniram 25 intelectuais para o ato de fundação da Academia Ludovicense de Letras, uns por convite, outros como integrantes da Comissão Organizadora. Sou um desses fundadores. Não foi um fato isolado, mas um dos pontos altos da programação do evento “Mil poemas para Gonçalves Dias”, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, pela Federação das Academias de Letras do Maranhão e pela Sociedade de Cultura Latina. O projeto representou o derradeiro tributo do IHGM ao quadricentenário de fundação da capital maranhense.

A entidade possui Estatuto e Regimento Interno. O primeiro, aprovado em 14 de dezembro de 2013, quando foram eleitos a primeira Diretoria e o primeiro Conselho Fiscal. Roque Pires Macatrão foi o primeiro presidente, tendo sido sucedido por Dilercy Aragão Adler, Antonio Noberto e Daniel Blume, atual capitão da nau ludovicense. As sessões ordinárias são mensais, regra essa que a pandemia, desafortunadamente, tem tornado de difícil observância. Vestimos capelo, de minha concepção, nas cerimônias oficiais. Nossas notícias fluem pela ALL em Revista, sob a incansável batuta de Leopoldo Gil Dulcio Vaz.

Há quatro categorias de membros na ALL: efetivos, honorários, correspondentes e beneméritos. Na dos efetivos, há 40 cadeiras, seguindo a tradição da Academia Francesa. Essas cadeiras são numeradas por ordem cronológica crescente de nascimento dos patronos, vultos da literatura maranhense, tais como o

próprio Gonçalves Dias, os irmãos Artur e Aluísio Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha, Mário Meireles, Josué Montello, Lucy Teixeira, Conceição Aboud, dentre outros, selecionados por votação dos fundadores, na proporção de um nascido em São Luís para cada não nascido, mormente a partir de lista preparada pelo professor Wilson Ferro, abrangendo dados sobre a vida e a obra de mais de 70 luminares das letras timbiras. De início, as cadeiras foram ocupadas por fundadores; outras o seriam por não fundadores, mas por indicação de um dos 25, como é o caso de Ceres Costa Fernandes, numa fase de transição da ALL, ou por eleição, que é o sistema atual, pelo qual o confrade Antônio Ailton ingressou no sodalício.

Há de ser ressaltado o perfil de pioneirismo e vanguarda da Academia Ludovicense de Letras em vários aspectos, com destaque para a sua condição de primeira academia de letras oficialmente reconhecida da cidade de São Luís, com personalidade jurídica, assim como para a inegável valorização, em perspectiva histórico-comparativa com outras associações congêneres no Maranhão e mesmo no país, da contribuição da mulher para a cultura e a literatura da Atenas Brasileira. Essa valorização se anuncia na adoção do cognome de Casa de Maria Firmina dos Reis e se confirma à medida que exploramos as listas de patronos, fundadores e membros efetivos da Academia, apresentando seis nomes femininos no primeiro caso, três, no segundo, e sete, no terceiro. E culmina com a constatação de que a patrona da entidade, a escritora Maria Firmina dos Reis, ela própria uma pioneira escritora nacional, é a oitava estrela de uma constelação de grandes nomes da literatura maranhense retratada em seu brasão e na sua bandeira, ambos de minha autoria, sob o lema Savoir pour transformer.

Ó Guerreiros, meu relato ouvi! Seja promovendo eventos de literatura ludovicense ou maranhense ou publicando obras, seja participando ativamente de feiras literárias ou homenageando personalidades da terra, a ALL ocupa hoje um proeminente lugar no cenário cultural timbira, assentando-se em leito de folhas verdes. Gonçalves Dias, o Gigante do Largo dos Amores, inspiração para a fundação da Academia, contempla feliz o horizonte, do alto de sua palmeira, na certeza de que essa nau muito tem a navegar…

Texto: Ana Luiza Almeida Ferro

Ana Luíza de Almeida Ferro é membro fundador da Academia Ludovicense de Letras (Cadeira nº 31). Promotora de Justiça, escritora, historiógrafa, poeta, conferencista internacional, professora e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação da Escola Superior do Ministério Público do Maranhão (ESMP-MA), Doutora e Mestra em Ciências Penais (UFMG), Pós-Doutora em Direitos Humanos (Universidad de Salamanca, Espanha), Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica, membro da European Society of International Law (ESIL), do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasileira de Direito, da Academia Maranhense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e de diversas outras instituições culturais. Portadora do Diplôme supérieur d’études françaises (Université de Nancy II). Autora de vários livros, sobretudo de Direito Penal, História e poesias. Recebeu o Prêmio “Poesia, Prosa ed Arti figurative” (Itália, 2014, 2019), a Menção Honrosa do Prêmio Pedro Calmon 2014 (IHGB), o Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2015 (Ensaio) e o Prêmio Vianna Moog no Concurso Internacional de Literatura da UBE-RJ, edição 2017. E-mail: alaferro@uol.com.br.

“NECRÓPOLIS”: CIDADE E PERPLEXIDADE UM CASO DE AMOR E DENÚNCIA EM VERSOS

(Prefácio* ao livro do jornalista, escritor e poeta Wybson Carvalho, da Academia Caxiense de Letras)

EDMILSON SANCHES

Isto não é um livro. É um libelo acusatório.

Um livro pequeno (“libellus”, em latim). Uma grande denúncia. Um sumário de culpa.

Este livro existe porque uma cidade deixou de existir, exilada de si mesma pelos que, loucos, locupletam-se do locus deslocado.

O autor, Wybson Carvalho, não economizou perplexidade, indignação e furor, a não ser pelos limites das letras e linhas de seus versos.

Essa cidade a “pólis” do Leste maranhense (portanto “polislestiana”, no neologismo wybsoniano) – é uma cidade sem “o perfume dos jardins urbanos”, sem “a linguagem singela do cotidiano”, sem “a romântica pregação dos poetas”, mas com “a inimizade humana” que agora estaciona nela. É o que, logo de face, logo na cara, nos estapeia o “Canto ao Exílio”, poema-paráfrase da “Canção do Exílio”.

Resta saber que dor é mais tormento e tristeza: não rever sua terra e saber-se morrendo, ou (vi)ver sua terra e sabê-la sendo morta.

Nas duas situações, o destino do vivente é tragédia: em uma, engolido pelo oceano; na outra, esmagado por um mar de intrigas políticas, estelionatos eleitorais, incompetências administrativas, embromações burocráticas, corrupções intermináveis.

Wybson Carvalho sabe fazer crítica social e política e sabe documentar descalabros urbanos e administrativos sem renunciar à poesia. Sua poética da denúncia, por ser substantivamente poesia, sobreviverá ainda que se lhe extinguissem os motivos que a levaram a existir. Porque poética é “poiésis”, criação/reconstrução, enquanto o objeto da denúncia é “páthos”, doença/destruição.

O “páthos” do poeta não é transiente nem é dagora. É uma dor “Dor munícipe” que nele se impregna e “há muito [foi] iniciada”. Pior, “sem prever o fim”. Por quê? Porque “há anos / a pólis troca-se e se veste / com a mesma roupa”. Portanto, um “Vestuário de forças” (nem precisa dizer: políticas).

Uma cidade inteira dobra o lombo àqueles aos quais ela se abriu e abrigou no coração. No dizer do poeta: “a pólis lestiana curva-se aos adotados”.

São novos-velhos maestros políticos querendo que todos dancem conforme (sua) música. Novos-velhos, gordos e (al)vadios sapos querendo que todos se acocorem em terras tidas como deles.

Quem e quantos não mais dançarão conforme a música nem se acocorarão em terras de Bufos, bufonídeos e bufões, que saltam e salteiam? (E, ainda assim, saltando e assaltando, “o não entregue aos carentes / não sacia a ganância dos abastados”: é como atesta o poema “Negação” reescrevendo o “quanto mais tem, mais quer”).

Das sublinhas e subleituras do poema “Valor patrimonial lestiano” pode-se inferir: Não são apenas “paralelepípedos” que estão “escondidos nas vias públicas”. Todos sabem que sob o asfalto jaz o... assalto. Nenhum contrato de pavimentação é inocente, embora quase todos sejam impunes.

De ganância e arrogância vai (des)vivendo a “pólis lestiana”. Wybson Carvalho poetifica e pontifica: arroto da ganância em estar sem ser... insolência do indivíduo ao revelar-se soberbo e atrevido por benesses do poder (“Arrogante lestiano”)

E...

o muito para poucos e dividido aos obedientes à atitude tabulada e cíclica. o pouco para muitos e esmolado à mendicância sem compor as carências sociais lestianas.

(“Montante lestiano repartido”)

Só um poeta com qualidade literária e coragem cívica saberia enfeixar em poemas assim tanto olhar assim denunciador, tanto sentimento assim de inconformismo em essência, tanto amor assim pela cidade, amor que o faz tirar do seu embornal de escritor as pedras-palavras a serem atiradas com fundas e baladeiras contra os Golias e Leviatãs do Poder Público.

“Necrópolis”, mais que um livro, ou libelo, poderia ser um grande necrológio. Só não o é porque nem tudo na cidade está morto. O poeta vive e com ele sua poesia.

E, sabemos todos nós, enquanto há vida, esperança há.

(Re)viva a “pólis”!

EDMILSON SANCHES

edmilsonsanches@uol.com.br

(Publicado há quatro anos, em 12/02/2020).

(*) O livro “Necrópolis” recebeu também prefácio de Quincas Vilaneto.

DO ENTRUDO OU CARNAVAL

JORGE OLIMPIO BENTO

No nordeste transmontano, na minha infância, usava-se mais o termo ‘entrudo’ do que ‘carnaval’, emboraambosfossemcorrentes.O‘entrudo’(ou‘entruido’nalgunslocais),oriundodovocábulolatino ‘introitum’ (entrada), evoca um milenar folguedo galaico-português, realizado nos três dias que precedem o início da quaresma, uma continuação dos festejos solsticiais por volta do dia de Santo Estêvão. Conforme ao dito popular “no entrudo passa tudo”, era uma quadra aberta a excessos transgressoresdocomedimentohabitualduranteorestodoano,porémrecorrendoadisfarces,doque sãoexemploasdiversasfigurasdocareto.Otermoentrounagíria,sendoaplicadoparadesignarum indivíduodesfigurado:“aquelesujeitotemcaradeentrudo”ou“vemalioentrudo”ouainda“quemserá aqueleentrudo?”

Naalturaconsumia-semuitacarnedeporco.Talvezenraízeaquio‘carnaval’,origináriodaexpressão latina‘carnelevare’(levarouretiraracarne);nãosemrazão,porqueapartirdeterça-feiraeduranteo período quaresmala carne saíada frente dosolhos e só podia ser comida mediante opagamento de bula ao pároco local. Diga-se que a bula perfaz a maior invenção financeira da história. Criada em meadosdaIdadeMédia,elapermitiuàIgrejaCatólicasustentarofaustodassuaobrasecostumes. Mas… regressemos ao entrudo. Lembro-me bem dele, lá em Bragada. Enquanto o Natal e a Páscoa celebravam o sagrado, o entrudo chocalheiro exaltava o profano. Começava depois do almoço e estendia-se para alémdo sol posto. Vestíamo-nos com máscaras e roupas estranhasparadificultar a identificação.Saíamosparaaruazoandochocalhosefazendotravessurasaquemencontrávamos,tais como enfarruscar a cara com farinha e carvão. Após a vinda do crepúsculo e pela calada da noite, atirávamosparadentrodascasaspanelasdebarrocheiasdeágua,decinza,lixoedejetosmalcheirosos. Uns mais, outros menos, todos participavam na folia. Constituía umacatarse coletiva outentativa de compensação e sublimação do trabalho em demasia e da falta de festa. Os humildes e simples contentavam-seembrincaraocarnaval;ninguémseofendiaelevavaamal.

"NUM BLOCO DE SUJOS"

RAIMUNDO FONTENELE

"De noite eu gostava mesmo era do Bigorrilho. De fofão e máscara ninguém era de ninguém, nem se sabia quem era quem".

Raimundo Fontelene (Fofão: arte de MHL)

Meus Carnavais em São Luís no final dos anos sessenta e início dos setenta são fáceis de lembrar e difíceis de contar.

Eu não pertencia a nenhuma família estabelecida em São Luís, pois isso contava naqueles anos em que o bom mesmo eram os bailes, as festas, as folias vividas entre os muros dos clubes sociais: Jaguarema, Cassino Maranhense e Lítero Recreativo Português. A entrada era permitida para sócios com carteirinha e tudo. Só a elite, a nata, a fina flor do café society ludovicense.

Um degrau abaixo apareceram depois os bailes do Clube dos Tenentes e Sargentos do Maranhão… Havia as vesperais do Cine Eden, pra gandaia mesmo, e de noite eu curtia mais os bailes dos fofões, o Bigorrilho no Caminho da Boiada era très chic.

Sujeitinho metido a besta, estudante sem mundos e fundos residindo na Umes, na Rua do Passeio, a casa do estudante que abrigava os jovens vindo do interior, eu nunca fui cara de me contentar com as migalhas caídas das mesas dos granfinos. Não que quisesse ser um deles. Mas, poxa, me achava digno de estar no meio deles. Uma espécie de Truman Capote adolescente e caboclo, com as mesmas loucuras, mas sem os trejeitos.

E passei a frequentar as vesperais do Lítero Recreativo, nem lembro ao certo o endereço, sei que era na avenida pro Anil. Era uma turma boa. Todos durango kid e sem carteirinha de sócio. Mil malabarismos pra entrar e nada. Os porteiros ali firmes barrando tudo e todos. E a gente ansioso ali fora, doidos pra entrar e chegar junto das garotas, as mais belas, as mais cheirosas, as mais desejadas do nosso imaginário. E sempre conseguia entrar. Aparecia um conhecido, sócio, que nos punha pra dentro. Outras vezes a gente se esgueirava na lateral de um carro que ia entrando, tipo cowboy se esgueirando no cavalo para livrar-se dos tiros dos bandidos ou das flechadas dos índios sioux, ou apaches ou comanches… no nosso caso livrarmo-

nos dos olhares e mãos dos porteiros e seguranças. Aí, lá dentro, aquilo pra nós era o céu, igual ao Senado, conforme confidenciou o grande Darcy Ribeiro numa histórica entrevista concedida ao Pasquim, a propósito das mordomias distribuídas naquela casa legislativa: “O Senado é céu”, disse o mestre Darcy. Pois no salão do Lítero não nos faltavam garotas e bebidas pagas por amigos, conhecidos e até estranhos. Era uma festa no céu, reafirmo.

De noite eu gostava mesmo era do Bigorrilho. De fofão e máscara ninguém era de ninguém, nem se sabia quem era quem. No meu entusiasmo juvenil, sem querer apanhar uma coroa passada do ponto, tinha a manha de subir os dedos por entre as máscaras pelas linhas do pescoço. Dava pra sentir na sensibilidade e sutileza do tato se era uma pele lisinha ou se tinha mais pregas do que… deixa pra lá. E mais de uma vez dei sorte. Uma dessas tais damas de fino trato me requisitou para prestar-lhe uns serviços pra lá de carnavalescos.

Doutra feita passei a noite andando na companhia de um bloco de sujos, pra lá e pra cá, Ponta d’Areia, retornando pela subida da Rua do Colégio Santa Tereza e quase defronte ao Colégio, num sobrado de dois andares, o zelador se entusiasmou com nossa presença. Ele estava sozinho, os donos do sobrado tinham ido viajar, e disse que a gente podia entrar. Mirava ele a nossa bebida ou alguma garota da nossa turma. Lá dentro, sem nada pra ele, salvo uns goles de cana, pois cada um de nós estava com uma das garotas, e quando nos encaminhamos para outros cômodos da casa, o sujeito se aborreceu e disse que ou a gente se mandava ou chamava a polícia…

Com tantos acontecimentos prosaicos em que me metia, pouco ligava para as polêmicas, em torno do Carnaval, que aconteciam nos principais jornais e rádios anualmente. Sobre as regras e normas da administração municipal, até a proibição por aquele prefeito malucão, o Cafeteira, dos bailes de máscaras, a abolição de alguns costumes que tornavam o nosso carnaval tão genuíno e autêntico, para seguir o rito e as normas que a Globo e as agremiações cariocas foram introduzindo no folguedo de Momo. Pra mim, até hoje, Carnaval de verdade foram as vesperais do Lítero e as noites do Bigorrilho…

Por Raimundo Fontenele, poeta e escritor, um dos fundadores do mais autêntico movimento da poesia-raiz do Maranhão- Antroponáutica - atitude de ousadia poética em meio ao Regime Militar. Convidado da Academia Poética Brasileira.

(Para quem quiser ler a reportagem sobre ao movimento Antroponáutica, só seguir o link: https://www.facetubes.com.br/noticia/1229/movimento-antroponautica-atitude-e-ousadia-poeticano-maranhao-em-meio-ao-regime-militar)

MOVIMENTO ANTROPONÁUTICA - ATITUDE E OUSADIA POÉTICA NO MARANHÃO EM MEIO AO REGIME MILITAR

NATAN CASTRO

A poética do Movimento Antroponáutica, em São Luís. Depoimento completo do Antroponauta Raimundo Fontelene.

11/05/2021 11h41Atualizada há 3 anos Por: Mhario LincolnFonte: Textos escolhidos. Autor: Natan Castro

Capa Foto: Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio, Luís Augusto Cassas

Textos escolhidos. Autor: Natan Castro

Original em:http://literaturalimite.blogspot.com/2016/02/movimento-antroponautica-atitude-e.html

No inicio dos anos 1970 cinco jovens poetas maranhenses resolveram propor uma ruptura com a tradição poético/literária do estado. Já vivíamos a segunda metade do século XX e por aqui ainda eram perceptíveis traços do simbolismo e parnasianismo nas obras de poesias que eram lançadas. Os cinco propunham uma renovação urgente no fazer poético no Maranhão. Eram eles Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio e Luis Augusto Cassas, todos poetas genuínos que tinham como interesse maior renovar a poesia no Estado do Maranhão, rompendo com as antigas escolas literárias do Século XIX que tanto influenciaram as gerações passadas. Deles somente Raimundo Fontenele possuía um livro lançado. O nome do movimento é uma homenagem ao poeta Bandeira Tribuzzi, Antroponáutica é o nome de um poema de sua autoria. O poeta inclusive era junto do grande Nauro Machado e José Chagas, os únicos da geração anterior que os Antroponautas enalteciam e citavam como influência.

Por volta de 1971 começaram os encontros num bar no Canto da Viração no centro de São Luís, as reuniões eram regadas a cerveja e muita discussão em torno dos caminhos futuros da poesia maranhense. A princípio o primeiro passo era chamar a atenção da elite literária da capital, o que foi alcançado logo depois que nomes como João Mohana, Nascimento de Moraes, Arlete Nogueira, Jomar Moraes e Nauro Machado perceberam a chegada dessa nova leva de jovens poetas que buscavam mudanças no meio literário do Maranhão. O reconhecimento devido foi buscado ferrenhamente pelos cinco, quase não havia espaço para publicação de seus artigos e poemas, como muita luta começaram as publicações no Jornal do Dia (jornal comprado pelo Sarney que veio a se tornar o Estado do Maranhão), o Jornal do Maranhão (da Arquidiocese), que tinha um crítico de cinema o José Frazão que também acolheu muito bem as novas ideias do

pessoal. Após tanto esforço, de fato o primeiro passo havia sido alcançado, os Antroponautas haviam sido reconhecidos como novos nomes da literatura maranhense. Logo em seguida saiu a famosa Antologia Poética do Movimento Antroponáutica e logo depois foram convidados a integrar um projeto da Fundação Cultural que publicou os cinco juntamente com outros novos poetas na Antologia Hora do Guarnicê.

O lançamento do livro "Às Mãos do Dia", do Antroponauta Raimundo Fontelene

A seguir a narração detalhada do inusitado lançamento nas dependências da Biblioteca Pública Benedito Leite, pelo próprio Raimundo Fontenele, em entrevista dada a este que vos escreve.

R - Vocês sabem. A história é feita de fatos, episódios, circunstâncias, eventos, mil acontecimentos distantes um do outro, mas que por esta força grandiosa que é a marcha da vida e da história se conjugam tudo e todos num momento único para deflagrar a coisa, seja revolucionária ou evolucionária, de reforma ou de acomodação. E por essa época aconteceu o lançamento do meu segundo livro individual, o Às Mãos do Dia, que era para ser uma coisa puramente pessoal, mas acabou transcendendo o particular e inseriu-se nessa paisagem do instante que vivíamos: a ditadura militar em todo o seu reinado e esplendor. Querendo fugir daquelas noites de autógrafos costumeiras, que achávamos até enfadonhas, decidimos que o lançamento do meu livro seria diferente. Aí a gente juntaria artes plásticas e música, e lembro do César Teixeira, do Josias, do Sérgio Habibe, do Jesus Santos, do Ciro, Ambrósio Amorim, Lobato, Tácito Borralho, tanta gente. E o lançamento aconteceu na Biblioteca Pública Benedito Leite. Na noite anterior, após tomarmos algumas cervejas, eu, Viriato, Valdelino e outros ficamos na escadaria da Biblioteca Pública conversando e só, de sarro, planejando o lançamento, e cada um saía com a ideia mais louca. Tipo: no lugar de cadeiras para as autoridades íamos colocar vasos sanitários; colocaríamos uma árvore de natal com ratos pendurados, etc.; íamos convocar mendigos, loucos, os despossuídos para tomarem as escadarias da Biblioteca quando as autoridades e convidados fossem chegando. Ah, e no coquetel no lugar de bebida alcoólica serviríamos leite, mas não em taças e sim em penicos. Novos, claro. Naquele tempo a autoridade maior dos estados era sempre o militar mais graduado, no nosso caso o Comandante do 24 BC. Alguém nos ouviu falar aquelas bobagens e levou a sério. O certo é que o Governador foi acordado pelo Comandante do 24 BC que lhe ordenou visse do que se tratava pois algo de muito grave ia acontecer. Fui chamado às pressas no gabinete do Secretário de Educação (que havia permitido que eu fizesse lá na Biblioteca, órgão da SEC, o lançamento do livro), à época o saudoso Professor Luís Rêgo, um homem boníssimo. Quando entrei em seu gabinete levei um susto, pois ao seu lado estava um Major do Exército. Pálido e trêmulo, ali sentei e o professor Luís Rêgo passou a me interrogar a cerca do lançamento e do que estava programado. Neguei tudo. Disse que era mentira. Jamais faríamos uma coisa daquelas e tal. Despachou-me dali, mas me recomendando prudência, e cuidado com o que ia acontecer, pois estavam de olho. Pela cara do oficial do exército nem precisava de me dizer mais nada. Pois, mais tarde enquanto estava na Biblioteca em companhia do poeta Viriato Gaspar, ultimando os preparativos do lançamento, eis que nos aparece um agente da Polícia Federal. E dirigindo-se a mim diz que estava a minha procura, e porque nada mandara o livro para a Censura, e cadê o livro e tal e coisa, e nos colocou em sua viatura fomos até onde eu residia, pegamos um livro, e enquanto eu lia, o motorista nos levou até a sede da Polícia Federal, naquela época ali na Rua Grande na altura do Ginásio Costa Rodrigues. Novo interrogatório pelo delegado de plantão. O Viriato saiu-se bem nas respostas. E quando o delegado quis saber dos mendigos (olha a subversão) que íamos levar, o Viriato disse que não tinha nada a ver, aquilo era uma peça de teatro que estávamos escrevendo e tão logo ficasse pronta levaríamos lá no Serviço de Censura. O certo é que à noite a Biblioteca lotou. Talvez até curiosos, além de meus convidados, muitas autoridades se fizeram presentes. Secretário de Educação, o Prefeito Haroldo Tavares, e lá atrás de uma daquelas colunas reconheci o agente da PF de nome Mateus, esperando que eu saísse da linha no meu discurso para me grampear. Mas o resultado prático da repressão, que é o cerne desta pergunta, é que nós, os jovens (falo dos jovens em geral e não especificamente do nosso grupo), tomamos rumos diferentes: uns foram para o comodismo da vida privada, outros foram para luta armada, e no meu caso, no primeiro momento, abandonei tudo e embarquei numa carona com os hippies e fiquei vagando pelo país uns três a quatro meses, metido no universo da Contracultura, cujo estímulos vinham da geração beat, e era uma época rica e enriquecedora, chegávamos ao desregramento de todos os sentidos, na vida e na arte, aquilo que o poeta Arthur Rimbaud profetizara um século antes. E a nossa geração foi

importante porque abriu caminho pra todos vocês que vieram depois de nós. É o ciclo da vida, quer reconheçamos ou não. Ele existe. Ele é.

O Maranhão desde Gonçalves Dias deu inicio a uma tradição literária que continua até os dias atuais, do Romantismo para cá apresentamos ao país e ao restante do mundo, uma quantidade satisfatória de grandes literatos, para não citar outros gêneros da arte. A geração da Antroponáutica que hoje nos parece quase esquecida pelos tais entes da cultura do Estado, possui um papel relevante, quando o assunto é a renovação dessa brilhante tradição. Os cinco jovens poetas buscaram espaço devido, sonharam com as mudanças e ao conseguir colocaram heroicamente seus nomes na história da arte e da cultura do Maranhão. Tudo isso num período onde a náusea artística era vista como algo peçonhento e altamente prejudicial ao poder estabelecido.

LUIZ THADEU NUNES E SILVA

Carnaval é festa da carne, período em que o corpo está mais exposto, geralmente desnudo. Época de se mostrar e ser visto. Não por acaso, tempo em que as academias estão lotadas; malhando para ficar mais ‘sarado’. Carnaval é tempo de sedução. Em um país que valoriza em extremos corpos malhados, especialmente os jovens. É a época do ano que os desinibidos estão na vitrine.

Caro leitor, amiga leitora, certamente você teve um encontro furtivo no período momesco. Também é sabido que nove meses após o carnaval tem um baby boom: aumento de nascimentos de bebês frutos das fugidas de festas e encontros rápidos.

Tenho uma amiga que engravidou de um rapaz que conheceu em um baile. Fugiram do salão, trancaram-se no banheiro masculino, com gente batendo na porta. O mais difícil do ato foi tirar o macacão dela. O garoto, fruto da rapidinha, ganhou o apelido de “The Flash”.

Com maior consumo de bebidas alcoólicas e drogas, há um relaxamento, e as pessoas tendem a ser mais condescendes quanto ao sexo. Há uma maior liberação; são tempos libidinosos, da esbórnia, de testosterona saindo pelos ouvidos.

Existe uma máxima: “No carnaval, as meninas piram e os caras comem; em novembro, as meninas parem, os caras somem”. É uma rima sem-vergonha, porém verdadeira.

A verdade que carnaval é tempo de liberação, de colocar pra fora suas fantasias, seus bichos, de relaxar, e se possível, gozar.

Lembro de uma história ocorrida anos passados. O sujeito conheceu uma bela jovem, filha de um militar linha dura, em uma festa de carnaval, em um clube da cidade. Se esbarram no salão, enquanto o conjunto, -banda já foi chamada de conjunto, tocava marchinhas carnavalescas da velha guarda. Dessas que fazem até defunto levantar do caixão e rodopiar pelo salão.

Dançaram e sarraram a noite toda. Encharcados de suor, fugiram para o estacionamento. Beija aqui, beija ali, mão naquilo, aquilo na mão. O sujeito frustado, não conseguiu seu intento.

Como já era o último dia de carnaval, marcaram para se encontrar na quarta-feira de cinzas.

Por se tratar de uma jovem sofisticada; ele macaco velho na arte da sedução, convidou-a para café no final da tarde. Foram ao shopping, e após o café, levou-a a uma sofisticada joalheria. Tudo pensado e articulado. Após o fechamento do horário bancário. Época em que nem se pensava em pix.

Ela entrou um pouco tímida; com uma vendedora esperta, a mostrar-lhe peças de bom gosto e bom bolso, foi se saltando. A cada peça que a vendedora lhe apresentava, o sorriso aumentava. Sorrindo de orelha a orelha, ela olhava pra ele, e ele confirmava com a cabeça. Felicidade total.

Ao fechar a compra, na casa de alguns milhares de reais, a jovem e a vendedora estavam radiantes. Ele a beijou; sacou um talonário de cheque, preencheu, assinou e passou para a vendedora.

A vendedora, constrangida, lhe diz:

-Dr. não me leve a mal, mas só posso liberar sua compra após consultar o banco, é norma da casa.

-Claro, entendo perfeitamente. Sou advogado, e sei mais do que ninguém que leis, normas e regras foram feitas para serem cumpridas.

-Que bom que o senhor entende.

-Me faça um gentileza, pegue o endereço da jovem, e mande entregar o presente na residência dela, juntamente com umas flores.

PARA TUDO ACABAR NA QUARTA-FEIRA...

-Perfeitamente, doutor.

O casal saiu da joalheria feliz da vida. Tiveram um final de semana prazeroso. No começo da tarde de segunda-feira, a vendedora ligou para ele, toda se desculpando.

-Dr, boa tarde, estou até constrangida em estar lhe ligando, mas o banco devolveu o cheque que o senhor nos repassou, informando que não tem fundos suficiente para cobrir a compra.

-Não se preocupe, pode rasgar o cheque, eu já consegui o que queria.

A vendedora desligou o telefone pensando na esperteza dele, que havia enganado duas mulheres.

É no carnaval, a festa da carne, quando a gente transborda. Agora, é esperar a quaresma, para nos redimir dos pecados.

LEGADO DE GONÇALVES DIAS VAI ALÉM DO INDIANISMO NACIONALISTA

Poeta maranhense atuou em várias frentes e escreveu texto que antecipou as discussões sobre os efeitos da escravização na formação do Brasil

JULIANA VAZ

“Filho de português com cafuza”, “tipo de bacharel ‘mulato’ ou ‘moreno’”, nas palavras do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), o poeta Gonçalves Dias (1823-1864) foi enviado aos 15 anos a Coimbra, para estudar direito. É na cidade portuguesa que, em julho de 1843, sob influência do romantismo europeu, escreve o célebre poema “Canção do exílio”, expressando a saudade que sentia de casa. Ao retornar ao Brasil, no entanto, em 1845, o jovem percebe que não está no paraíso com palmeiras e sabiás exaltados na obra, mas dentro de um sistema escravocrata que, na sua visão, deveria ser superado. “Os homens de cor preta têm as mãos presas em longas correntes de ferro, cujos anéis vão de uns a outros – eternos como a maldição que passa de pais a filhos”, escreveria sobre o Brasil monárquico no texto “Meditação”, publicado em 1850 na revista Guanabara, a mais importante do romantismo no país.

“Primeiro grito abolicionista da poesia brasileira”, de acordo com o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), “Meditação” revela uma faceta crítica pouco conhecida do autor que, em meados do século XIX, ao lado do cearense José de Alencar (1829-1877), foi figura-chave do indianismo brasileiro. “A obra de Gonçalves Dias foi lida de maneira redutora pela tradição crítica, que só deu atenção à ‘Canção do exílio’ e aos poemas indianistas. Mas ele escreveu apenas 14 poemas com essa temática”, afirma Wilton José Marques, professor de literatura brasileira na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Sua produção é muito maior que isso. Trata-se de um poeta romântico na acepção ampla da palavra”, prossegue o estudioso que organizou, com Andréa Sirihal Werkema, professora de literatura brasileira da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o livro A ideia com a paixão: Gonçalves Dias pela crítica contemporânea (Alameda, 2023).

A coletânea reúne 12 artigos sobre vida e obra do poeta. Em um dos textos, Ana Karla Canarinos, também professora de literatura da Uerj, interpreta “Meditação” como uma obra precursora do ensaísmo sociológico brasileiro. Segundo a estudiosa, o texto em prosa poética teria antecipado as discussões sobre os efeitos da escravização na formação do país realizadas apenas no século seguinte por intelectuais como Gilberto Freyre

e o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). “Gonçalves Dias defendeu o fim da escravização muito antes de abolicionistas como Joaquim Nabuco [1849-1920]”, afirma Canarinos.

O texto “Meditação”, de Gonçalves Dias, foi publicado pela primeira vez em 1850, na revista GuanabaraAcervo Biblioteca Nacional

“Trata-se de um texto virulento, com uma visão extremamente negativa sobre o processo de colonização portuguesa e sobre a elite política brasileira”, acrescenta Marques, também autor do livro Gonçalves Dias: O poeta na contramão (EdUFSCar, 2010), publicado com apoio da FAPESP. De acordo com o pesquisador, os trechos de “Meditação” que continham críticas contundentes a políticos do período regencial só vieram à luz com a edição de suas obras póstumas, entre 1868 e 1869. Isso porque, em geral, os autores românticos não se arriscavam a tratar do espinhoso tema da escravização, já que muitos mantinham relações de troca de favores com o governo – incluindo Gonçalves Dias. Em 1849, o poeta foi agraciado por dom Pedro II (18251891) com a comenda de Cavaleiro da Ordem da Rosa pelo trabalho à frente da revista Guanabara, que fundou com os escritores Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) e Joaquim Manuel de Macedo (18201882). Além disso, na mesma época se tornou o primeiro professor de história do Brasil no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e dedicou ao monarca Os timbiras (1857), sua inacabada épica indianista. “Gonçalves Dias caiu no gosto do imperador, com quem tinha uma relação ambígua. Não podia criticar o governo abertamente, pois era sustentado por ele”, conta Canarinos a respeito do autor, cujo bicentenário foi comemorado em agosto do ano passado.

Para os organizadores da coletânea, as esparsas festividades em torno da data – à exceção do Maranhão, que celebrou a efeméride com uma série de eventos – não estão à altura de sua importância para a cultura brasileira. Na opinião de Werkema, um dos motivos desse esquecimento é que o estereótipo de país forjado em poemas como “Canção do exílio” e “I-Juca Pirama” encontra pouca ressonância no século XXI, quando

se discutem no campo da literatura pautas como o decolonialismo e a desconstrução da ideia de Estadonação. “Esse ‘clichê de brasilidade’, por escamotear o genocídio e apagamentos culturais dos povos originários, pode incomodar os leitores contemporâneos”, afirma. “Mas a tendência de julgar um homem do século XIX com padrões éticos e morais atuais corre igualmente o risco de apagar suas contribuições.”

Segundo Werkema, Gonçalves Dias atuou em várias frentes. Além de poeta, foi dramaturgo e pesquisador viajante, por exemplo. “Ele pensava a questão indígena não só de maneira literária, mas também etnográfica [ver Pesquisa FAPESP nº 179]. Realizou diversos estudos e projetos a respeito no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como o Dicionário da língua tupi, chamada língua geral dos indígenas do Brasil [1858]”, relata Marques. Também integrou a Comissão Científica do Império (1859-60) com geólogos, geógrafos, astrônomos, zoólogos e botânicos, tendo visitado o Ceará e Amazonas. Na oportunidade, chegou a enviar objetos etnográficos para o Rio de Janeiro, incorporados depois ao Museu Nacional.

De acordo com Leonardo Davino de Oliveira, professor de literatura da Uerj, “Canção do exílio” cristalizou uma imagem de Brasil que extrapolou a literatura. O poema, extremamente musical, escrito em redondilhas e sem adjetivações, abre Primeiros cantos (1846-47), livro de estreia de Gonçalves Dias. Seus versos foram incorporados ao hino nacional e fazem parte da memória afetiva dos brasileiros. “Naquele momento pósIndependência, as nossas cores, a nossa fauna, a nossa flora foram cantadas de forma ufanista para nos diferenciar do colonizador”, analisa o pesquisador.

O poema “Canção do exílio” inspirou marcha de carnaval da década de 1930, interpretada por Carmen Miranda, e a música “Marginália II”, uma das faixas do disco Gilberto Gil (1968)Gilberto Inácio Gonçalves / Arquivo pessoal | Wikimedia Commons

No século XX, porém, o poema se tornou um “problema” a ser enfrentado por escritores e compositores populares no processo de construção da identidade nacional: paródias, releituras e reinterpretações foram feitas por autores como Oswald de Andrade (“Minha terra tem palmares”), Murilo Mendes (“Minha terra tem macieiras da Califórnia/ onde cantam gaturanos de Veneza”), Carlos Drummond de Andrade (“Um sabiá/ na palmeira, longe.”) e Ferreira Gullar (“Minha amada tem palmeiras/ Onde cantam passarinhos”).

“Os modernistas do século XX tinham uma visão crítica do século XIX e revisaram inúmeras vezes o poema de Gonçalves Dias”, conta Oliveira, que no livro faz um levantamento das reverberações dos célebres versos gonçalvinos na música popular brasileira.

Eles estão presentes, por exemplo, na marchinha “Minha terra tem palmeiras”, sucesso do carnaval de 1937. Assinada pela dupla João de Barro (1907-2006) e Alberto Ribeiro (1902-1971), a música foi interpretada pela cantora Carmem Miranda (1909-1955). Ou então em “Marginália II” (1968), de Gilberto Gil e Torquato Neto

(1944-1972), canção escrita no contexto da contracultura e da ditadura militar (1964-1985), cujos versos dizem “Minha terra tem palmeiras/ onde sopra o vento forte/ Da fome, do medo e muito/ Principalmente da morte”. Em 1984, ainda durante o regime de exceção, a cantora Gal Costa (1945-2022) gravou “Ave nossa”, de Beu Machado e Moraes Moreira (1947-2020): “Minha terra tem pauleira/ Desencanta e faz chorar/ Mas tem um fio de esperança/ Quando canta e quando dança/ No assobio do sabiá”. Além disso, como elenca o pesquisador no artigo, o poema batiza o disco Canção do exílio (1984), do sambista Paulo Diniz (1940-2022), e também a música de Ubiratan Sousa e Souza Neto, gravada em 1987 pela cantora Alcione no ritmo maranhense do tambor de crioula. “É um poema que fala para todos que, em alguma medida, se sentem desterrados”, considera Oliveira.

Em novembro de 1864, o navio que partiu do porto do Havre, na França, para levar Gonçalves Dias de volta ao Brasil depois de mais uma estada na Europa, naufragou na costa do Maranhão. Embora quisesse passar os últimos dias de vida em sua terra natal, como diz nos versos “Não permita Deus que eu morra/ sem que volte para lá”, o desejo do autor não se realizou. Com a saúde já debilitada aos 41 anos, o poeta foi a única vítima do desastre, em que possivelmente também se perderam os originais de Os timbiras e, supostamente, a maior parte de seu trabalho etnográfico feito na época da Comissão Científica do Império. Anos mais tarde, ele seria homenageado pelo escritor Machado de Assis (1839-1908) com um poema longo em que uma “indiana virgem” entoa um canto fúnebre ao poeta. “Morto, é morto o cantor dos meus guerreiros! Virgens da mata, suspirai comigo!”, escreve em “A Gonçalves Dias”, do livro Americanas (1875). Em 1901, o busto do maranhense foi inaugurado no Passeio Público do Rio de Janeiro, ocasião em que o mesmo Machado de Assis declarou: “A canção está em todos nós, como os outros cantos que ele veio espalhando pela vida e pelo mundo […] tudo o que os velhos ouviram na mocidade, depois os mais jovens, e daqui em diante ouvirão outros e outros, enquanto a língua que falamos for a língua de nossos destinos”.

KISSYAN CASTRO, ENTREVISTADO POR RAIMUNDO FONTENELE

RAIMUNDO FONTENELE/KISSYAN CASTRO

RAIMUNDO FONTENELE ENTREVISTA O POETA KISSYAN CASTRO

O Facetubes é uma espécie de terceiro olho digital que tudo vê. E vendo, revela a todos tanto o que já estava sendo visto, como o escondido. E nessa parceria, sagrada e profana, e agradecendo o convite do seu mentor, o poeta e amigo Mhario Lincoln tenho o prazer de entrevistar um cara pedra noventa: KISSYAN CASTRO. Cara não, um professor, graduado e pós-graduado em Letras, História, Literatura Brasileira. Escritor e pesquisador, 44 anos de idade, natural da bucólica cidade de Barra do Corda, Maranhão, e autor de vários livros. Ah, membro da Academia Barra-Cordense de Letras.

A ENTREVISTA

RAIMUNDO FONTENELE: A gente inicia falando sobre o autor à nossa própria maneira, baseados no que pensamos saber, através da leitura de sua obra, opiniões críticas, síntese biográfica, mas quem mais sabe sobre o entrevistado é ele próprio. Então, Kissyan, quem é você como escritor e como homem? Por que abraçar a literatura com tanto amor, força, despojamento?

KISSYAN CASTRO - Sou um cara tranquilo que ainda consegue ficar perplexo diante do absurdo da vida. Procuro não distanciar tanto o homem, o pai de família, o funcionário público do escritor. Ambos se complementam, se perfazem. A gente almeja um ambiente ideal onde possamos nos entregar com mais liberdade e inteireza ao ato criador, mas nem sempre isso é possível. As solicitações exógenas, as ocupações do cotidiano, esposa, filhos, trabalho, outros projetos, não nos permite essa vivência diuturna e constante com a escritura. Por outro lado, o que é bom saber, essa possibilidade de modo nenhum garante a excelência do resultado. Eu mesmo me atrevo a dizer que, se algum bom poema escrevi, o escrevi em meio à correria do dia a dia, na rua, no hospital, etc., e não no silêncio das madrugadas. O livro “O Estreito de Éden”, por exemplo, eu o escrevi quase totalmente no hospital onde trabalhava, usando o verso dos receituários e fichas de SUS. Quanto à segunda questão, é a literatura que me abraça, quando bem quer, ora me comprimindo com mais força, ora deixando alguma brechinha para que eu tome fôlego. Já decidi várias vezes parar de escrever, não me envolver mais, cuidar de outras coisas, viver a vida “normal”; passei até dois anos sem escrever nada, mas daí ela – a Arte, a Poesia – aparece novamente, me seduz, e eu caio na conversa kkk. É uma ilusão pensar que se pode sair impune desse negócio. Pelo menos em meu caso, é um abraço irresistível, uma questão de eleição, talvez.

RF- Alguns interlocutores meus, ao saberem que resido agora em Barra do Corda, querem logo saber sobre o

Kissyan Castro & Raimundo Fontenele (Barra do Corda-MA).

massacre dos religiosos pelos índios, um tema polêmico, pois há opiniões divergentes. Ninguém melhor que você para nos contar um pouco dessa história, o que é verdade e o que é lenda, saciar essa curiosidade, que todos temos pelas tragédias…

KC - Alto Alegre, em Barra do Corda, foi o palco de uma das cenas mais sangrentas e traumáticas do Maranhão, depois da Balaiada, e que jamais será apagada do consciente coletivo das partes envolvidas. É um assunto controverso, delicado e impossível de abarcar em poucas linhas. Embora um verdadeiro “massacre” tenha ocorrido em 13 de março de 1901, esse termo, pelo desconforto causado, não mais é usado, preferindose “conflito”. O episódio tem sido discutido sob vários aspectos, prevalecendo ainda, infelizmente, a ótica do europeu colonizador, que veio arrancar o “selvagem” aborígene das trevas do paganismo elevando-o à “civilização”, e, como paga, fora barbaramente “martirizado”. Mas pouco se fala dos erros metodológicos dos missionários Capuchinhos, a agressividade com que impunham a sua cultura, considerada superior, em detrimento da cultura milenar dos povos indígenas. Ninguém leva em conta que esse trágico episódio não foi um acontecimento isolado, mas cumulativo, e que alcançou um ponto crítico que não puderam discernir. Ninguém se lembrou do que fora vítima esse povo nas primeiras décadas da fundação de Barra do Corda, de como foram escravizados, submetidos a torturas em pelourinhos, das carnes podres e vísceras de galinhas com que eram alimentados. Ninguém se lembrou de como eles reagiram diante desse tratamento desumano, em 1860, com várias mortes e incêndio de propriedades. Não aprenderam a lição com o que aconteceu à Colônia Dois Braços, anos depois, fruto também de uma catequese agressiva. Mesmo as repetidas advertências de Isaac Martins, através das páginas do jornal “O Norte”, sobre as falhas do método e seus funestos resultados, não foram suficientes para sensibilizar o velho coração de Frei José Maria de Loro, acarretando desgraça. Houvessem levado em conta todo esse histórico passado, e o 13 de março possivelmente não teria existido.

O “massacre” foi de ambas as partes. Hoje, os Guajajaras estão mais conscientes de sua identidade étnica, adquirindo mais conhecimentos através do estudo, da formação técnica e acadêmica, galgando posições na sociedade, integrando-a e interagindo, de forma natural, sem os dispositivos religiosos. Uma releitura dessa triste página da nossa história se faz necessária, onde Cauiré Imana, o cacique João Caboré, não seja mais tratado como o “carrasco”, mas como o herói, o guardião e defensor das antigas tradições do povo Guajajara, história essa ainda por ser escrita.

RF - Barra do Corda é uma pacata cidade histórica, banhada pelos rios Corda e Mearim e que tem grande representatividade na literatura maranhense. Você, como um incansável pesquisador das coisas, fatos e história, fale-nos sobre Barra do Corda do ponto de vista literário, quais os nomes a destacar nessa área, e sua experiência como membro da Academia de Letras.

KC - Apesar da significativa contribuição de Barra do Corda para a literatura maranhense e além, pouco ou nada se sabe do legado deixado por esses poetas e escritores. Somente dois nomes remanesceram entre os seus conterrâneos: Maranhão Sobrinho e Olímpio Cruz. O primeiro, sem dúvida, o maior nome de nossas letras, celebrado em vida como o maior poeta simbolista do norte do Brasil. O segundo, indigenista de aguçada sensibilidade, o que melhor soube cantar a alma sertaneja, autor da canção e hino de Barra do Corda. Outros nomes que destacaria, são: Raimundo Nonato Pinheiro, descendente de índios guajajaras, amigo de Maranhão Sobrinho, poeta e bom contista, que no Rio de Janeiro privou da amizade de Cecília Meireles, Gastão Cruls e Ronald deCarvalho; ClodoaldoCardoso,pelapoéticasubversiva epessimismo schopenhauerianoquemarcou sua temática; Isaac Ferreira, pelo discurso veemente, de sabor irônico; Efren Roland, um talento precoce, cedo arrebatadopelamorte; NicanorAzevedo,trovador, mestredopoemeto; Raimundo BragaMartins, quecometia um soneto como um crime perfeito; Luís Pires, que viveu para a arte até ser consumido pela hanseníase; Edmo Leda, nosso primeiro poeta modernista; Antonio Almeida, o poeta das cores; e Wolney Milhomem, sinergista, talvez nosso último grande poeta.

RF- Entre os teus livros publicados, um deles revelou o pesquisador e historiador que habitava a alma do excelente poeta que és. Falo do livro “Maranhão Sobrinho - O poeta maldito de Atenas”, no qual revelas uma facetapormuitos desconhecidaatéentão. Sabia-se deMaranhão Sobrinhocomo um dos principais simbolistas brasileiros, mas não desse aspecto um tanto trágico que foi sua vida. Como nem todos os leitores doFacetubes leram teu livro, discorra um pouco sobre o poeta.

KC - Um dos principais nomes do simbolismo brasileiro, ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus Guimarães, Maranhão Sobrinho, nascido em Barra do Corda/MA, em 1879, lançou três livros em vida: Papéis Velhos, Estatuetas e Vitórias-Régias. Sua boêmia teve início precoce: contava apenas sete anos de idade; aos quinze,

uma frustração amorosa; aos vinte, deixa definitivamente Barra do Corda e sua família para nunca mais voltar; saiu com destino ao Rio de Janeiro para estudar engenharia na Escola Militar, mas acaba se instalando na casa comercial Maia, Sobrinhos & Cia., em São Luís, onde destrói toda a sua produção poética e passa a escrever poemas de cunho simbolista, ressonâncias de leituras dos poetas franceses Mallarmé, Baudelaire e Rimbaud; ingressa na Oficina dos Novos por indicação do contista João Quadros, com quem se desentende depois; compõe sonetos magistrais como moeda de troca para sustentar a boemia; transfere-se para Belém do Pará, cria um jornal político de oposição, que é em seguida empastelado; pressionado, vê-se obrigado a fugir para Manaus, onde trabalha como jornalista, envolve-se em escândalos e tramas políticas, em que acaba agredido e preso; passa seus últimos dias isolado num casebre de barro, num bairro afastado de Manaus, onde escreve seus últimos livros de poemas, uma novela e traduz obras consagradas; morre paupérrimo no natal de 1915. Em pouquíssimas linhas, essa foi a vita breves desse incrível poeta barra-cordense, que apesar de tudo vivia conformado e sempre contente; amava a liberdade, abominava regras e convenções. Quando as coisas pareciam se transformar em rotina, abandonava e tentava outra coisa; nunca aceitou trabalhos burocráticos por essa razão. Até um provável casamento em que se meteu, não foi muito além da lua de mel. Sonhava morrer aos 40, morreu aos 36. Se pudesse voltar dos mortos, viveria tudo de novo.

5 - Nunca tivemos entre nós tantos especialistas em tudo e que respondem e falam sobre o que nada sabem. O que nos resta então? Falar sobre arte, apenas. Penso que a Poesia é a síntese de todas as artes, até porque no princípio era o verbo. Coloco ao seu lado, a Música e a Pintura. Como você vê a arte poética nos dias atuais? Que autores, poetas podem ainda fazer a nossa cabeça? Ou já foi dito tudo?

KC - Poeta, essa pergunta é muito pertinente. Fez-me lembrar uma frase de Pound, mais ou menos assim: “Não reproduzas em versos o que já foi dito em boa prosa”. É difícil dar o primeiro passo – falo em termos literários – sem aquela estranha sensação de estar pisando solo alheio, já explorado e exaurido. A geração atual não se caracteriza, como em épocas anteriores, pela inauguração estética, pelo vanguardismo. Isso para ficarmos apenas no restrito território da literatura. Hoje se atira para todos os lados, sem ater-se necessariamente à masmorra de uma forma fixa. Além do que, a época em que vivemos não nos permite bitolar-se sem o risco constante de sermos taxados de retrógrados, enquanto ficamos boquiabertos vendo o mundo transformar-se com tanta rapidez. Não há mais “vagas” para se desbravar ou inaugurar. O acúmulo de geraçõeseseuslegadosdificultanaturalmenteaoriginalidade,porémnãoincorreemimpossibilidadecriadora, demiúrgica, apenas evidencia o legítimo artista. Aliás, o que verdadeiramente importa é a boa prosa, o bom poema, seja ele moderno, pós-moderno, ultramoderno, o que for. O caminho pode ser o mesmo, mas já são outros os pés que o trilham, como outra é a carga de experiências sobre os ombros. As idiossincrasias fazem toda a diferença quando nos arriscamos a escrever escritura sobre escritura, vez que somente o verdadeiro artista terá os recursos para, no dizer de Schopenhauer, colocar sabor até a uma velha sola de sapato; somente o bom poeta saberá iluminar os lugares-comuns.

Não conheço a produção poética de todos os que têm se empenhado nesse ofício em nosso Estado, mas sobre os que tenho tido a oportunidade de ler, minha modesta opinião é que o cenário poético contemporâneo é bastante promissor. Muita coisa boa tem surgido. Entre os poetas maranhenses vivos que podem ainda “fazer a nossa cabeça”, como disse, destaco Salgado Maranhão, Luís Augusto Cassas, Fernando Abreu, Josoaldo Lima Rego, Ricardo Leão, Antonio Aílton, Bioque Mesito, Paulo Rodrigues, Luiza Cantanhede, Neurivan Sousa, Wybson Carvalho, Ricardo Nonato, Félix Alberto Lima, Luciana Martins, Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, e tantos outros que, por ainda não os ter lido, não posso emitir opinião.

RF- Considero o título do teu livro "Vau do Jaboque" um precioso achado, embora não saiba o que signifique. Fale um pouco deste e de seus outros livros, e o que vem pela frente. Com a autoridade de quem é autor do ousadíssimo e desbravador poema "A Cama em Branco" do livro Pássaros Lacunares, qual o conselho aos jovens escritores que pretendem voar tão alto como tens feito?

KC - “Vau do Jaboque” foi meus primeiros arranhões à superfície do poema. O título faz alusão ao local onde, na história bíblica, ocorreu uma mudança drástica na vida de Jacó, um divisor de águas. Tomei de empréstimo como simbolizando o que a poesia efetuou em minha vida, dando-me direção, eu que antes fui um moleque de rua, delinquente, que andava sempre com uma faca na cintura, causando distúrbios à sociedade. “Vau” foi o primeiro publicado, mas o primeiro a ser escrito foi outro, publicado em seguida: o “Bodas de Pedra”, que considero efetivamente meu livro de estreia. Deixei-o para depois por causa da suposta

“iconoclastia e agressividade imagética” de alguns poemas em face de meus escrúpulos “religiosos”, superados depois, quando passei a aceitar e participar do meu testemunho poético. Para não me alongar demais, destaco ainda os dois últimos livros de poemas – O Estreito de Éden e Pássaros Lacunares, o primeiro vai na mesma pegada do “Bodas”, aprofundando-se em suas temáticas e indagações; o último, procura conciliar contenção verbal, densidade imagética e comunicabilidade, tornado a linguagem ao mesmo tempo precisa e acessível. Atualmente, estou com um novo livro de poemas em processo de finalização.

Àqueles que pretendem se aventurar nos voos da poesia, digo que o façam com seriedade, mesmo que depois descubram que não dão para a coisa; que leiam bons poetas, do passado e do presente, brasileiros e estrangeiros, mesmo que ninguém jamais leia os seus próprios versos; leiam, mas com distanciamento, amando e refletindo sobre a linguagem, para que ao mesmo tempo em que vão desenvolvendo a consciência dofazerpoético,munindo-sedericoinstrumental, nãoacabemporimitá-los. Apoesiaétambémumfenômeno de leitura. A rejeição desse expediente tem gerado uma multidão de poetas anêmicos, de limitados recursos, que de outra forma poderiam melhor contribuir com sua arte.

Vídeo-Bônus

Dois poemas declamados pelo Kissyan Castro

O MAR ORGÂNICO-SENSITIVO DE GABRIELA LAGES VELOSO

Nas quase 100 páginas do livro O mar de vidro[1] (2023), de Gabriela Lages Veloso, atentei, mais especificamente, paraos motes dorecomeço,dorever,da reconstrução,do reviver,porqueaí estão partemaior da lógica embrionária da construção poética de Gabriela; sua maneira real de ser e de se ter. Não há como negar uma ligação evidente deste belo livro de poesias, com a cronologia literária de Gabriela Lages Veloso, pois o seu fazer poético, nesta obra, a fez mostrar um explícito amadurecimento lírico.

Desta forma, ela alcança, com seu mergulho nesse “mar de vidro”, uma profundidade abissal e revela acuidades inimagináveis, cuja compreensão do texto, passa obrigatoriamente por um conhecimento filosófico igualmente maduro e que foge literalmente de estereótipos, geralmente intrínsecos à linguagem poética comum.

Destarte, me sintonizei em alguns poemas para mim bússolas orientadoras do ritual gabrielístico do verso, isto é, ultima ratio dessa produção intelectual. Tomei a liberdade de interpretar cada um desses poemas, como uma visão coletiva, abundante, universal; não apenas, atentando para princípios da equidade morfológica. Mas, para que eu pudesse estabelecer uma ligação da obra com suas reais características, tive que convidar para a mesma mesa, alguns dos principais pensadores filosóficos a fim de fundamentar minha visão do recomeço, da reconstrução e revisão.

Começo com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que, em sua obra Assim Falou Zaratustra, que discute a ideia do “eterno retorno”: a vida e todos os eventos nela são cíclicos. Há uma espécie de repetição dos acontecimentos como parte fundamental da existência. Ou seja, ideias a comparar com recomeço e reconstrução,implícitasnosversosdeGabriela,pormimescolhidos.Damesmaforma,Søren Kierkegaard, filósofo dinamarquês, que abordou o tema da reconstrução e revisão pessoal, bem como da necessidade de reconstruir a si mesmo, através de um comprometimento com valores autênticos e significativos.

Importantíssima essa conexão da obra de Gabriela Lages Veloso com esses pensadores, especialmente pela ideia de que a reconstrução e a revisão implícitas no conteúdo simbiótico da criação, não são apenas temas literários, mas também questões filosóficas fundamentais que permeiam a condição humana, inclusive, no que tange ao recomeço. Se não, vejamos:

(Re)começo

Dias iguais, formam pessoas iguais, que vivem vidas iguais. E, assim, o ciclo recomeça. Até o instante em que um livro é aberto. E a realidade salta diante de um par de olhos atentos, de alguém que será tachado de ridículo

por pessoas ocupadas pelo cotidiano. Tanto tempo se passou, mas ainda temos medo de sair da caverna. (Veloso, 2023, p. 62).

Esse ciclo repetitivo é representado pela ideia de dias iguais, pessoas iguais e vidas iguais, sugerindo uma rotinaentedianteesemmudançassignificativas.Chamou-metambémaatençãoosversosfinais:“Tantotempo se/ passou, mas ainda temos/ medo de sair da caverna”. Imediatamente, tais versos finais me levaram até a mesa de Platão e sua “Alegoria da Caverna”, onde os prisioneiros simbolizam a humanidade presa a percepções limitadas do mundo sensível, sem perceber realidades mais amplas.

Só isso já bastaria para comprovar a maturidade de quem quer realmente poetar com segurança admirável. Gabriela Lages Veloso mostra amplitude sensível, misturando sua sensibilidade à filosofia. E mais: a autora aproveita, inclusive, para dar um leve ‘puxão de orelhas’ em parte da humanidade, ainda presa à condição de “escrava nas cavernas”, ignorando a busca pela verdade e preferindo a comodidade das ilusões, em vez de questionar e buscar conhecimento mais profundo, isto é, traduzindo-se numa grave inércia intelectual.

E por fim, aplaudo o poema (Re)construção, onde muito dessa desconstrução de (pré-conceitos) e a relocação de um novo olhar sobre o mundo, são efervescentes. Louvo, ainda, a metáfora do muro: uma corajosa representação das barreiras mentais e emocionais que criamos ao longo da vida, baseadas em conceitos préestabelecidos. Ipsis litteris:

(Re)construção

Desde crianças, somos ensinados a ver o mundo. Ver e não-ver. Decoramos (pre)conceitos, que formam muros tão altos, que somente o conhecimento pode ultrapassar. Mas, a cada nova descoberta e exercício de empatia, são criadas frestas nesse alto muro. E através delas surgem pequenos fachos de luz. Luz que nos deixa temporariamente cegos, e, talvez, por isso, nos faça enxergar, por um instante, para além de tudo aquilo que já havíamos visto antes. (Veloso, 2023, p. 63).

Na incrível formulação poética: “Decoramos (pre)conceitos, que/ formam muros altos, que/ somente o conhecimento pode/ ultrapassar”, esse conhecimento é condição sine qua non para acionar o start de crescimento em qualquer atividade que abraçarmos. Isso ratifica o visível alcance intelectual da autora: vi aqui, quase uma mesma relação com a poesia de Friedrich Hölderlin, que surfou com agilidade na filosofia de Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Ou seja, O mar de vidro (2023) tem a harmonia lírica da poética, entrelaçando-se com as ideias filosóficas, e fazendo transcender às fronteiras normais entre o poetar ainda “de vez” e a construção poética madura e eficiente.

Finalizo confidenciando minha emoção ao ler: “Agendas cheias de/ compromissos vazios/ […] Esse é o papel/ da arte: trazer um sopro/ de vida aos nossos dias”, parte do poema “(Re)viver” (Veloso, 2023, p. 64), que ressalta o papel vital da arte na experiência humana. Gabriela destaca, de forma pontual, a importância de buscar na arte uma forma de resistência à monotonia e à indiferença, encontrando nela (arte), um meio de despertar para a vida e para a complexidade do mundo ao nosso redor.

Tais excertos são fundamentais para dar liga ao mundo poético e ao pensamento humano literal, através de axiomas filosóficos que enriquecem – e muito. O mar de vidro (2023) é, sem dúvida, no meu bestunto, um livro-âncora para navegar com segurança por um mar de grandes emoções, que cada um traz em si.

REFERÊNCIAS:

NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003. PLATÃO. O mito da caverna. In: A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.

VELOSO, Gabriela Lages. O mar de vidro. Belo Horizonte: Caravana, 2023.

[1] O mar de vidro pode ser adquirido no site da Caravana Grupo Editorial ou diretamente com a autora Gabriela Lages Veloso através do e-mail gabrielalagesveloso@gmail.com

SOBRE A AUTORA:

Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta, professora e crítica literária. Mestranda em Letras, na linha de Estudos Teóricos e Críticos em Literatura, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Graduada em Letras – Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas, pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Autora dos livros “Através dos espelhos de Guimarães Rosa e Jostein Gaarder: reflexos e figurações” (Editora Diálogos, ensaio, 2021) e “O mar de vidro” (Caravana Grupo Editorial, poesia, 2023). Organizadora da Antologia “Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres” (Brecci Books, 2023). Atualmente, é colunista do imirante.com e do Feminário Conexões. Além disso, colabora com colabora com coletâneas e revistas nacionais e internacionais.

PLANTAÇÃO DE HORIZONTES: MEMÓRIA E REALISMO DA LINGUAGEM

PAULO RODRIGUES

Professor de literatura, poeta, ensaísta. Autor de O Abrigo de Orfeu (Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Penalux, 2018). Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia. É membro da Academia Poética Brasileira e da Academia Caxiense de Letras.

Reprodução: site Sacada Literária.

“Minha vó Silvéria não sabia mas fecundaria os roçados da minha poesia”. Luiza Cantanhêde

O livro Plantação de Horizontes da poeta Luiza Cantanhêde foi publicado pela editora Penalux de São Paulo, em 2023. A obra está dividida em quatro seções que dialogam com a geografia dos poemas o tempo inteiro: o piso milenar da terra, não aprendi a arar amanhãs, sementes ainda furam desertos e as mães plantam fé nas tristezas. Os textos versam sobre injustiça, as tragédias pessoais, utopias e memórias. Mariana Ianelli afirmou no prefácio: “ouve sua terra e seu sangue, forjando dessa atenção poemas que nunca se contentariam em ser lidos, nos inteligentíssimos gabinetes de estudo, por corações anestesiados”. A poética de Luiza anda nos caminhos do vivido, nas noites que dormem nas calçadas da existência, nas manhãs descalças e com fome. A poeta conhece a ponta dos espinhos e a íris dos invisíveis. Fala por eles, com uma discursividade comovente:

AMIGO SECRETO

Meus pés calejados buscam a infância como uma penitência dos perdidos.

As mãos das crianças a plantar o caminho.

Abraço os espinhos e escrevo um poema para os invisíveis. (2023, p. 64)

Há um testemunho, na abertura do poema: “meus pés calejados/ buscam a infância/ como uma penitência”. O eu lírico prepara a imagem com as mãos nas palavras e no vivenciado por ela própria e pelos seus. Encerra com uma certeza épica: “e escrevo um poema/ para os invisíveis”.

Luiza Cantanhêde trabalha com perspicácia a memória desde o seu primeiro livro (Palafitas). Traz os personagens reais para o terreiro da poesia, retira os trapos das lembranças e veste as metáforas de referencialidade como podemos comprovar no poema O ÁLBUM DE FAMÍLIA PARECE INTACTO:

Eu que nasci da terra cortada pelas ruínas e pelo sangue abraço a fome enquanto a semente acaricia a plantação.

(2023, p. 87)

Benjamin no livro Magia e Técnica, Arte e Política (1985, p. 37) comenta: “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limite, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois”. As construções de linguagem (da poeta estudada) usa bem essas chaves de memória para construir o jogo, inclusive de encantamento, na sua poética. Para finalizar esta breve análise da questão da memória e do realismo linguístico em Luiza Cantanhêde, trago o poema ANAMNESE:

O que pernoita em mim

é quase nada apenas chão e memória.

Perdi os manuscritos já é tarde para saber das rezas e das fugas. O etéreo visitante deste momento

é apenas a fagulha do ferro em brasa de minha mãe a engomar nossa fome.

(2023, p. 89)

Luiza reafirma sua força criadora: “O que pernoita/ em mim/ é quase nada/ apenas chão/ e memória”. O realismo linguístico é de quem declarou no início da carreira literária: “a minha palavra é de coisa vivida”. São versos livres, secos, curtos, ásperos. Fundados na resistência de uma família que representa milhões de nós: “é apenas a fagulha/ do ferro em brasa/ de minha mãe/ a engomar nossa/ fome”.

O projeto “LITERATURA MARANHENSE EM FOCO” é uma iniciativa do Site Região Tocantina, em conjunto com o Jornal O Progresso, coordenado pelo jornalista Marcos Fábio Belo Matos.

INDO ALÉM DAS FRONTEIRAS REGIONAIS E CONQUISTANDO A HISTÓRIA REAL DA 'GERAÇÃO DO MIMEÓGRAFO'

Por que Ana C. se destacou com sua voz poética singular, que mesclava introspecção, lirismo e uma certa dose de ironia?

INTROSPECÇÃO POÉTICA/RÁPUIDOS EXCERTOS DA LATÊNCIA DE ANA 'C'

Redação do Facetubes

Ana Cristina Cruz Cesar foi uma destacada poetisa, crítica literária, professora e tradutora brasileira, mais conhecida como Ana Cristina Cesar ou simplesmente Ana C. Sua obra e sua persona são consideradas emblemáticas da chamada 'geração mimeógrafo', um movimento literário que emergiu na década de 1970 e se caracterizou pela produção e distribuição de poesia de forma alternativa, fora dos circuitos editoriais tradicionais. Esse movimento, também conhecido como "poesia marginal", congregou jovens poetas que buscavam uma expressão mais autêntica, livre das amarras comerciais e institucionais, resultando em uma poesia mais direta, coloquial e experimental.

Ana C. se destacou por sua voz poética singular, que mesclava introspecção, lirismo e uma certa dose de ironia. Sua obra, embora não vasta, é intensa e marcada por uma forte carga emocional, explorando temas como amor, solidão, identidade e a própria natureza da escrita. Além de sua poesia, Ana Cristina Cesar também deixou contribuições significativas como crítica literária e tradutora, enriquecendo o diálogo cultural entre o Brasil e o mundo.

Críticas sobre o trabalho poético de Ana Cristina Cesar:

Nélida Piñon, renomada escritora brasileira, expressou admiração pelo trabalho de Ana Cristina Cesar, destacando a profundidade e a originalidade de sua poesia. Piñon ressaltou que Ana C. tinha uma "voz poética autêntica e inovadora", capaz de capturar as nuances da experiência humana com sensibilidade e inteligência. A escritora enfatizou que a obra de Ana Cristina Cesar permanece relevante e inspiradora, servindo como um importante referencial para as novas gerações de poetas brasileiros. A obra de Ana Cristina Cesar foi elogiada por sua capacidade de articular de forma poética as inquietações e dilemas da vida contemporânea. Os críticos destacaram a habilidade da poetisa em explorar a complexidade das relações humanas e a busca por identidade em seus textos, utilizando uma linguagem que mistura o

cotidiano com o lirismo. Sua poesia é vista como um reflexo de sua própria vida, marcada por uma intensidade e uma honestidade emocional que tocam profundamente os leitores.

Essa crítica, ex-cathedra, ressalta a importância de Ana Cristina Cesar não apenas como uma voz marcante da 'geração mimeógrafo', mas também como uma poetisa cuja obra continua a influenciar e a inspirar a literatura brasileira contemporânea.

EXCERTOS:

"O último adeus I"

"Os navios fazem figuras no ar / escapam as cores - os faunos. / Os corpos dos bombeiros bailam / no brilho dos meus pés. / Do cais mordo / impaciente / a mão imersa / nos faróis."

casablanca

Te acalma, minha loucura!

Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!

Este som de serra de afiar as facas

não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias…

Estas molas a gemer no quarto ao lado

Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia

O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema…

As chaminés espumam pros meus olhos

As hélices do adeus despertam pros meus olhos

Os tamancos e os sinos me acordam depressa na madrugada feita de binóculos de gávea e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano

– Ana Cristina Cesar, em “Poética”. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

a teus pés

Olho muito tempo o corpo de um poema

Olho muito tempo o corpo de um poema até perder de vista o que não seja corpo e sentir separado dentre os dentes um filete de sangue nas gengivas.

– Ana Cristina Cesar, “A Teus Pés (1982).

A FESTA DO CORDEL NO MARANHÃO REPERCUTIU NO BRASIL, ESPECIALMENTE EM TODO CEARÁ

Cordelista e membro APB/Ceará, poeta Pedro Sampaio, escreve sobre a festa no "Dia do Cordel" maranhense. 25/03/2024 08h31Atualizada há 23 horas

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Por: Mhario LincolnFonte: Pedro Sampaio/APBCE

A festa do Cordel, no IPHAN/MA

Convidado especial: Pedro Sampaio (Vice-governador da APB/CE).

A Literatura de Cordel é uma manifestação cultural popular brasileira que chegou até nós trazida por portugueses. É composta por poemas escritos em linguagem popular, ricos em rimas e na perfeição métrica dos seus versos. Originalmente, os poemas de cordel eram vendidos em feiras, onde ficavam à mostra da população pendurados em cordéis ou barbantes. No Brasil, a literatura de Cordel adquiriu força no século XX, sobretudo entre 1930 e 19601. Muitos escritores foram influenciados por este estilo, dos quais se destacam: João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e Guimarães Rosa.

Lena Brandão, obrigado!

O termo “Cordel”, como já falei, é de herança portuguesa. Essa manifestação artística foi introduzida por eles no Brasil em fins do século XVIII. Na Europa, ela começou a aparecer no século XII em outros países (França, Espanha e Itália) e se popularizando no período do Renascimento. Os locais onde a Literatura de Cordel tem grande destaque no Brasil são os estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte e Ceará e até ganhou um dia específico no Maranhão, através da salvaguarda do IPHAN, pela luta dos cordelistas maranhenses e pelas mãos da superintendente Lena Brandão. Sobre isso, o presidente da APB me designou para escrever sobre essa festa onde estiveram presentes duas das representantes desse sodalício e ganharam muito destaque: Raimunda Frazão (APB.MA) e Maria Goreth Pereira. E o fiz dentro do que mais sei fazer. Um (meio) Cordel que diz assim:

Cordel

“No Maranhão tem o seu dia

PEDRO SAMPAIO (APB/CE)

(001)

Salve e viva o bom Cordel

Seu dia no Maranhão

Ele é digno de Laurel

Cordelista na missão

IPHAN, Superintendente

A salvaguarda excelente

Chama-se Lena Brandão. (002)

Mês de Março, Vinte e Dois

Do Cordel supremo dia

Sem deixar para depois

Brotou muita Poesia

Um encontro com primor

Foi na linda Ilha do Amor

São Luís pura magia.

(003)

Festejando de verdade

Do Cordel um grande Artista

Exaltando a sumidade

Gerô nosso Cordelista

De memória altaneira

Foi Geremias Pereira

Ter no Céu, nome na lista. (004)

O seu: Guerra do Facão

Um Cordel forte Imortal

Memória com emoção

E Obra sensacional

Popular e "Sem Caô"

Verso e rima de Gerô

Maranhense sem igual. (005)

E teve Carlos Bonfim

Nesse encontro tão marcante

Sobre o Rio Mearim

O Seu grito foi gigante

Cordel pura Ecologia

Nossa Popular Poesia

Cada verso tão brilhante. (006)

Da Terra de João do Vale

O Poeta Jorge Eloi

Pede que seu Povo fale

Da saudade que corrói

O Coração Nordestino

Saudosismo repentino

Nos seus versos se constrói.

(007)

Sou Cordel, Sou Alegria

Cantou Goreth Pereira

Ex Gari que traz magia

No Cordel é Cirandeira

Cordel é seu grande amor

Salvaguarda seu valor

Nesse Barco é Timoneira.

(008)

Tem conquistas e alegrias

No universo primoroso

Grande Mestre de Caxias

Nosso Mikeias Cardoso

Poeta que não enrola

Cordel leva pra Escola

Professor tão caprichoso.

(009)

Nosso Cordel Cearense

Nesses versos vem saudar

Ao Cordel Maranhense

Que nasceu para brilhar

É Berço da Poesia

Maranhão tem harmonia

Erudita e Popular.

(010)

Essa Terra tão amada

Onde canta o Sabiá

De Palmeiras exaltadas

Gonçalves Dias verá

Na memória eternamente

Do seu Povo e Nossa Gente

Aqui do meu Ceará.

(011)

Um Cordel me fez feliz

Deus me deu inspiração

Nordestino na Raiz

Costurado em Maranhão

Mhário Lincoln Jornalista

Literato grande Artista

Flor de Liz, sua lição.

(012)

Mhário Lincoln o Poeta

Por mim foi cordelizado

Com cinquenta anos na meta

De trabalho consagrado

Fundou nossa Academia

A.P.B com maestria

Muito tem nos orgulhado.

(013)

Com Maranhão fecho laço

Com amor no coração

Na FELIS, dei grande passo

Deus me deu inspiração

Num Cordel cheio de brilho

Nascimento Morais Filho

Pai e Filho na missão.

(014)

Escrever esse Cordel

Com todo preciosismo

Um Tributo, "a granel"

Ao brilho do Jornalismo

Marco histórico com fervor Pai e Filho com primor Repletos de brilhantismo. (015)

Maria Firmina dos Reis Negra pura inspiração

Romancista de altivez

Lutou por libertação

Uma grande Seguidora

E fã admiradora

Mestra Raimunda Frazão. (016)

Uimar Júnior, produtor Maranhense multi Artista

Tem na Trapiche esplendor O amparo ao Cordelista

Cordéis de Ingrid Frós E Jussara para nós, Com Farinha é conquista.

(Fim)

... Não permitas Deus que eu morra, sem que eu volte a contemplar. Maranhão e suas Palmeiras, onde canta o Sabiá, na Feira de Livros de São Luís na Décima quarta edição

Me senti feliz na FELIS na Capital do Maranhão momentos inesquecíveis a FELIS, sim, fez feliz meu coração

SÓ POESIAS...

5 POESIAS DE MARIA FIRMINA DOS REIS

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Além do forte teor crítico, a produção poética de Maria Firmina dos Reis traz influências do Ultrarromantismo do século XIX, que marcou diversas obras brasileiras do período.

Quandopensamosempoesiabrasileira,nãoéraroqueosprimeirosnomessejamdepoetas… CarlosDrummonddeAndrade,ManoeldeBarroseporaívai.

Asmulheresaindanãoganharamodevidodestaque.Equandosetratadepoetasnegras,a situaçãoaindaémaisdramática,esabemosquenãoéporfaltadeexcelentesescritorasem nossopaís.Eumadaspoetasnegrasquevemganhandoreconhecimento,aindaque tardiamente,éMariaFirminadosReis.

Primeirapoetamaranhense,MariaFirminanasceuem1825emorreuem1917,aos92anos deidade.Em1859,publicou Úrsula,primeiroromancebrasileiroanti-escravagistaeprimeiro escritoporumamulhernoBrasil,e,em1871,lançou Cantos à beira-mar.Alémdo pioneirismonaliteratura,MariaFirminatambémdesafiouospadrõesnocampodaeducação. ElafoiprimeiramulheraseraprovadaemumconcursopúbliconoMaranhãoparaocargode professoradeprimário.Comoprópriosalário,sustentava-sesozinhaemumaépocaemque issoeraincomumeatémalvistoparamulheres.OitoanosantesdaLeiÁurea,criouaprimeira escolamistaparameninosemeninas–quenãochegouadurartrêsanos,tamanhoescândalo quecausounacidadedeMaçaricó,emGuimarães,ondefoiaberta(fonte:RevistaCult).

BYBRUNABENGOZI06.3108MINSREAD

Alémdoforteteorcrítico,suaproduçãopoéticatambémtrazinfluênciasdoUltrarromantismo doséculoXIX,quemarcoudiversasobrasbrasileirasdoperíodo.Deixamos,aqui,cinco poesiasparaconhecermosmaisaobradaescritoraeprofessoraMariaFirminadosReis!

MELANCOLIA

Oh! se eu morresse no cair da tarde, De tarde amena, quando a lua vem

Chovendo prata sobre o liso mar, Trajando as vestes, qu’a pureza tem.

Então talvez eu merecesse afetos, Desses qu’apenas alcancei sonhando;

Talvez um pranto bem sentido, e triste, Meu frio rosto rociasse brando.

A ti poeta ─ mais te vale a morte

Na flor da vida ─ a sepultura, os céus!

Quem sofre a terra te compreende as dores?

Teus sofrimentos, quem compreende? Deus!

Sim, venha a morte libertar-me, amiga

Da triste vida, qu’a ninguém comove…

Bem-vinda sejas ─ teu palor me agrada, E a crua foice, que tua destra move.

E tu sepulcro, ─ tu gélido, e negro, Eu te saúdo, oh! companheiro nu!

Talvez meus cantos te penetrem o seio, Pálido afeto, me dispenses tu.

Não terá prantos sobre a lisa campa, Quem peito humano a lhe gemer não tem; Oh! não poeta: ─ se alvorada chora

Bebe esse pranto, qu’adoçar-te vem.

Inda me resta no correr da vida, Essa esperança de morrer… a só.

Sentida ─ triste, qu’o sofrer ameiga,

Que segue o homem té fundir-se em pó.

Morra eu ao menos no cair da tarde, A hora maga, que se pensa em Deus, Em que se escuta misteriosos cantos, Concertos sacros nos longínquos céus. Então já queixas não farei da sorte, Rirei da vida qu’amargar sentia; Compensa as dores d’um viver sentido, Morrer a hora do cair do dia.

- In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 220.

O MEU DESEJO

A um jovem poeta guimaraense

Na hora em que vibrou a mais sensível

Corda de tu’alma ─ a da saudade, Deus mandou-te, poeta, um alaúde, E disse: Canta amor na soledade. Escuta a voz do céu, ─ eia, cantor, Desfere um canto de infinito amor.

Canta os extremos d’uma mãe querida, Que te idolatra, que te adora tanto! Canta das meigas, das gentis irmãs, O ledo riso de celeste encanto; E ao velho pai, que tanto amor te deu, Grato oferece-lhe o alaúde teu.

E a liberdade, ─ oh! poeta, ─ canta, Que fora o mundo a continuar nas trevas?

Sem ela as letras não teriam vida, Menos seriam que no chão as relvas: Toma por timbre liberdade, e glória, Teu nome um dia viverá na história.

Canta, poeta, no alaúde teu, Ternos suspiros da chorosa amante; Canta teu berço de saudade infinda, Funda lembrança de quem está distante:

Afina as cordas de gentis primores, Dá-nos teus cantos trescalando odores.

Canta do exílio com melífluo acento, Como Davi a recordar saudade;

Embora ao riso se misture o pranto; Embora gemas em cruel saudade…

Canta, poeta, ─ teu cantar assim, Há de ser belo, enlevador, enfim.

Nos teus harpejos, juvenil poeta, Canta as grandezas que se encerram em Deus, Do sol o disco, ─ a merencória lua, Mimosos astros a fulgir nos céus; Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz, Raio infinito de esplendente luz.

Canta, poeta, teu cantar singelo, Meigo, sereno como um riso d’anjos;

Canta a natura, a primavera, as flores, Canta a mulher a semelhar arcanjos, Que Deus envia à desolada terra, Bálsamo santo, que em seu seio encerra.

Canta, poeta, a liberdade, ─ canta. Que fora o mundo sem fanal tão grato…

Anjo baixado da celeste altura, Que espanca as trevas deste mundo ingrato.

Oh! sim, poeta, liberdade, e glória

Toma por timbre, e viverás na história.

Eu não te ordeno, te peço,

Não é querer, é desejo;

São estes meus votos ─ sim.

Nem outra coisa eu almejo.

E que mais posso eu querer?

Ver-te Camões, Dante ou Milton, Ver-te poeta ─ e morrer.

- In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 202-203.

NO ÁLBUM DE UMA AMIGA

D'amiga a existência tão triste, e cansada, De dor tão eivada, não queiras provar; Se a custo um sorriso desliza aparente, Que máguas não sente, que busca ocultar!?...

Os crus dissabores que eu sofro são tantos, São tantos os prantos, que vivo a chorar, É tanta a agonia, tão lenta e sentida, Que rouba-me a vida, sem nunca acabar.

D'amiga a existência

Não queiras provar, Há nelas tais dores, Que podem matar.

O pranto é ventura, Que almejo gozar; A dor é tão funda, Que estanca o chorar.

Se intento um sorriso, Que duro penar!

Que chagas não sinto

No peito sangrar!...

Não queiras a vida

Que eu sofro - levar, Resume tais dores

Que podem matar.

E eu as sofro todas, e nem sei

Como posso existir!

Vaga sombra entre os vivos, - mal podendo Meus pesares sentir.

Talvez assim deus queira o meu viver

Tão cheio de amargura.

P'ra que não ame a vida, e não me aterre A fria sepultura.

- In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 221-222.

ESQUECE-A

Amor é gozo ligeiro,

Mas é grato e lisonjeiro

Como o sorriso infantil; Promessa doce, e mentida, Alenta, destrói a vida; É um delírio febril.

Muito te amei… minha lira, Que triste agora suspira, Nesta erma solidão, Bem sabes ─ ricas de flores, Cantava os ternos amores, Do meu terno coração.

Minha afeição era pura. Não era engano, cordura, Não era afeto mentido; Se ela assim te não cativa, Esquece-a, que sou altiva, Esquece-a, sim ─ fementido.

- - In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 228.

A DOR, QUE NÃO TEM CURA

“O que mais dói na vida não é ver-se

Mal pago um benefício, Nem ouvir dura voz dos que nos devem

Agradecidos votos.

Nem ter as mãos mordidas pelo ingrato

Que as devera beijar.”

G. Dias

De tudo o que mais dói, de quanto é dor

Que não valem nem prantos, nem gemidos, São afetos imensos, puros, santos

Desprezados – ou mal compreendidos.

É essa a que mais dói a um’alma nobre.

Que desconhece do interesse a lei;

Rica de extremos, não mendiga afetos, Que é mais altiva que um potente rei.

É essa a dor, que mais nos dói na vida;

É essa a dor, que dilacera a alma:

É essa a dor, que martiriza, e mata.

Que rouba as crenças, o sossego, a calma.

Não sei, se todos no volver dos anos

Sentem-na funda cruciante, atroz Como eu a sinto… Oh! é martírio – ou vele, Ou sonhe, – ou vague mediante a sós.

Eu vi fugir-me como foge a vida

Afeto santo de extremosos pais:

Roubou-mos crua, impiedosa morte, Sem que a movessem meus doridos ais.

Vi nos espasmos de agonia lenta

Morrer aquele, que eu amei na vida…

Trêmulos lábios soluçando – adeus!

Ouviu-lhe esta alma de aflição transida.

Dores são estas, que renascem vivas

A cada hora – que jamais esquecem; Enchem de luto da existência o livro, Conosco à campa silenciosa descem.

Ah! quantas vezes, recordando-as hoje, Dos roxos olhos se me verte o pranto!

Ah! quantas vezes, dedilhando a lira, Rebelde o peito, não soluça um canto…

Mas, se essas dores despedaçam a alma, O pranto em baga nos consola a dor: Numa outra esfera, num perene gozo, Vivem, partilham divinal amor.

Mas ah! de quanto nos aflige, e mata

É esta a dor, que mais nos dói sofrer; Cobrar frieza em recompensa a afetos, No peito amigo estrebuchar, – morrer!

- In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. p. 265-266.

Blake, Augusto Victorino Alves Sacramento, 1827-1903 :

Publicador : Typographia Nacional, 1883-1902 Local de publicação : Rio de Janeiro Data de publicação : 1883 Descrição física : 7 v. ; 23 cm. Conteúdo : v. 1. A-B v. 2. C-F v. 3. F-J v. 4. J v. 5. J-L v. 6. M-P v. 7. P-Z. http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/221681

UM POEMA INTENSO E DIALOGAL DE ROGÉRIO ROCHA HÁ RIOS ONDE RIMAS SÃO MORTALHAS

Um recado foi deixado debaixo dos sujos tapetes. Em meio aos cisos brancos das bocas dos canibais há cantos em falsete serpentes aladas planando ao lado dos corpos flácidos.

Rios por entre miragens nas plácidas margens onde rimas são mortalhas que respingam qual gotas

a sangrar na chuva sobre as calhas rotas.

A sorte deixou-me quando esqueci das promessas que nunca foram pagas dos tesouros furtados de dentro das casas de meus ancestrais

Dorme o rio infecto de sangue, vestes, limos dos mangues, restos de monges e demais excrecências lançadas ao Una, bem longe do Corda, ao Anil reminiscências, acorda Bacanga, acorda!!!

Cada verso que teço no contínuo tempo-espaço

é um acorde de valsa orquestra em descompasso um bode solto na praça da cidade onde aconteço.

Cada verso que faço é qual barra de aço a espancar mortais com o ódio fortuito dos games gratuitos das proles morféticas das drogas sintéticas no fundo dos currais.

Meu curto evangelho eu o prego às pressas, com meus trajes persas a secar nos varais.

No jogo da sorte que joga o poeta eu rio da morte no verão de Creta e danço insolente na frente do touro que pisa a serpente num afresco mouro.

Entre um salto e outro na escuridão do poço regurgito o indizível em tudo o que falo

Quando um sono frouxo semeio com esforço um outono impossível esvai-se pelo ralo.

*

Rogério Rocha (São Luís/MA) é um pensador, poeta e produtor cultural, graduado em Filosofia e Bacharel emdireito,pós-graduado emDireitoConstitucionaleÉticaemestreemCriminologia.ÉmembrodaAcademia Poética Brasileira, da Academia de Letras Artes e Ciências do GOB-MA, e da Academia Maçônica de Letras – MA. É membro-fundador e organizador de projetos Iniciativa Eidos e do Duo Litera, que realizam eventos de Literatura e Filosofia. Autor do livro Pedra nos Olhos (2019).

César Borralho disse:

10/01/2024 às 18:17

OpoemadeRogérioRocha,intituladoHáRiosOndeRimasSãoMortalhas,apresentaumacomplexainteração entre elementos líricos, simbólicos e surrealistas. O título sugere um contraste intrigante entre a beleza dos rios e a mortalidade das rimas, antecipando o tema da dualidade e da efemeridade ao longo do poema. O poema segue uma estrutura irregular em termos de estrofes e métrica, o que reflete a complexidade dos sentimentos e imagens evocados pelo poeta. A ausência de rima regular também é notável, sugerindo uma liberdade criativa. O poema é rico em imagens surrealistas e perturbadoras. Cisos brancos das bocas dos

canibais, serpentes aladas e corpos flácidos criam uma atmosfera onírica e perturbadora. A natureza desempenha um papel importante, com referências a rios, mangues e elementos naturais que se misturam com ahistóriaeaherançacultural(“restosdemonges”,“tesourosfurtadosdedentrodascasasdemeusancestrais”). Essa fusão de elementos naturais e culturais cria uma paisagem única e misteriosa. Há uma profusão de símbolos e metáforas, como “rimas são mortalhas”, que sugerem que a expressão poética pode ser ao mesmo tempo uma forma de celebração e uma representação da mortalidade. O rio infecto pode simbolizar a decadência e a corrupção. O poema parece ser uma reflexão sobre a condição do poeta e a sua relação com a sociedade. A ironia está presente quando o poeta ri da morte e dança insolentemente na frente do touro, desafiando convenções e expectativas. O poema sugere uma luta entre a autenticidade do poeta e as pressões sociais. A busca pela verdade e a expressão genuína são retratadas como desafiadoras, mas fundamentais. Apesar da ausência de rima regular, o poema tem um ritmo próprio, com aliterações e assonâncias que contribuem para a sua musicalidade. Isso ajuda a criar uma atmosfera única e envolvente. É um poema que desafia as convenções, explorando a dualidade da expressão poética, a relação entre natureza e cultura, e a busca pela autenticidade, convidando o leitor a uma reflexão profunda sobre a arte e a vida.

WYBSON CARVALHO – POEMAS AINDA HÁ DIAS PANDÊMICOS EM CAXIAS

…ainda há um aroma de flores caídas no chão das manhãs, tardes e noites dos dias existenciais à pandemia. …ainda há um ar velórico tal qual o ensurdecedor silêncio de finados sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito, acordando o segredo de sonhosembriagados à solidão dos bares ao entorno da Praça Vespasiano Ramos.

…ainda há uma angustia com sensação de um medo repentino, como se a qualquer hora, por cima das árvores de oitis banhadas pela chuva de lágrimas desse tempo, tudo estivesse por terminar.

…ainda há um rasga-mortalha; que aparece apagando o sol e a lua à eternidade dos nossos dias e noites, existentes para o nosso pedido de perdão antes do fim!

***

canção ao exílio

em minha terra havia palmeiras e o canto dos sabiás. nela, exalava o perfume dos jardins urbanos. dela, ouvia-se a linguagem singela do cotidiano. com a minha cidade crescia a romântica dos poetas… a inimizade humana passava por sobre ela em eólica turbulência rumo às outras plagas, para derramar-se noutros cenários de ganância existencial. à minha terra, na infância, ouviam-se sinfonias sabianas nas manhãs iniciais de um futuro já desenhado ao abandono.

e, agora, quais árvores darão abrigo a outros pássaros canoros para entoarem um canto de saudade?

Estátua do poeta Gonçalves Dias, em Caxias – MA, entardecer. foto: divulgação

***

o após amanhã, quando as demoradas horas concluírem mais um dia, a noite, urgentemente, irá propor um sol errante que se apagará antes da manhã rompida e as nuvens escuras e intrometidas virão separar um céu derramado em trevas por sobre eu embrulhado num manto cinza e sob a tempestade de um hoje sem querer, novamente, acontecer.

***

é hora da morte

à mão aberta está o m do teu nome. ele, em queda, esvai-se por entre os dedos e derrama a final agonia pálida. vem, covarde espelho do mistério

Praça Gonçalves Dias em Caxias – MA à noite. Divulgação

leva-me para o nada de onde eu não deveria ter vindo.

*** sumiço

4ª capa [contracapa] do livro Há Pedras e poesia no meu habitat – Wybson Carvalho

abandonado com tal desprezo e deixado sem vigília alguma que de si próprio e aos outros foi desapercebido e despercebido de existência nenhuma por ele e por todos

*** o rio refém

a parca víscera líquida sob a ponte leva a magra lâmina doce ao destino corrente para a imensidão gorda de boca gulosa e estômago viciado em digestão oceânica.

*** presunção

único

és rei

habitante de teu turvo autodomínio e engoles tuas próprias labaredas a engordar teu intestino febril aquecido e em solidão

Capa do livro de Wybson Carvalho: Há pedras e poesia no meu habitat , 2021

*** mendigo

em grito por água a voz rouca fugida da goela seca é a única canção da sede em quem estende a mão aberta ao aceno por pão para ocupar o vazio habitat da fome.

*** pasto aos famintos

não sacia o alimento nutrido de nada aos muitíssimos ofertado em recipientes vazios postos à mesa dos múltiplos famintos mas à abundância de iguarias no banquete à gula dos pouquíssimos adoece de superlotação insípida as vísceras elásticas da ganância ao repartir o pão da fome social

Saturno devorando seu filho, de Peter Paul Rubens, 1636 –detalhe

*** o poder poder é sempre um espelho a refletir imagens: reais – dos que o detêm para aqueles que o querem irreais – daqueles que o querem, mas não o têm.

***

valsa do descompasso

“Cisne Negro” – Fonte: https://br.pinterest.com quando meus passos estiverem bailando de um lado para outro, a personalidade dos indivíduos será abalada ao prosseguir nas vias estáticas do comportamento social.

***

oferta à vida

haveria prata, ouro e diamantes, se eu preferisse caminhar certo pelos tortos e estabelecidos caminhos pautados em tua ambiência.

mas, vesti-me do nada e rumei por veredas aziagas do meu inferno existencial a destruir ilações sobre nosso espaço.

Um homem solitário na praia – Prerana Kulkarni –http://celebrations-ppk.blogspot.com

Wybson Carvalho (Caxias – MA, 03/06/1958), é poeta, formado em Relações Públicas, pela UFPE, com vários livros publicados, dos quais se destacam Poesia Reunida (2006), Nauroemcidade (2018) e Há pedras e poesia no meu habitat (2021), coletânea poética e de fortuna crítica sobre o autor. O poeta, membro da Academia Caxiense de Letras e pertencente à geração de Nauro Machado, Arlete Nogueira, Déo Silva e José Maria Nascimento é um dos mais profícuos e culturalmente ativos na literatura do Maranhão, sobretudo em Caxias – MA.

***

diário de viagem

(ao núcleo do ser que não estava)

RAIMUNDO SOARES – POESIA

às 11 horas era permitido deixar a mesa de trabalho era permitido tirar os sapatos e andar de meias pela sala vazia era permitido fechar a porta botar o celular em modo avião e ler uma página do I Ching e silenciosamente consultar o oráculo ao som de Mateus Aleluia

era permitir não fazer nada apenas ficar parado olhos fechados

pensamentos sem vigilância

(descobri uma cantora: Verônica Ferriani) as 11h20 era preciso voltar à burocracia

abrir a porta calçar os sapatos consultar mensagens calar a música.

Bartelby, o Escrivão – Autora: Celina Abud, Fonte:
***

deixa os livros e conta os anos como se lembrasse que nada é eterno e volta outra vez canta outra vez vive outra vez o primeiro dia

*** salmo

és pó, disse sua voz de cachoeira dentro da sala a vida é apenas frágil vês a árvore cheia de silêncios?

Fonte: istockphoto.com és o que importa, disse sua voz de céu aberto seus olhos imensos como um deserto cheio de estrelas de fogo és o rio que flui, disse e seu corpo como uma galáxia era como o oceano na maré cheia

és o que vi, disse quando acordei diante de deus o verde dos campos tingiu meus pés és o que falta, disse sua voz como um vento lilás no entardecer nos olhos de um deserto onde o sol não vinha

*** variação para Munch

Há uma terceira voz na noite nos lagos onde caem estrelas onde fósforo irradia solto a mesma cor nos azulejos

Tree National

View of a beautiful sunset over Joshua Park.

O Grito – Edward Munch

Há uma terceira boca nos espinhos e entre as farpas que tecem a noite se o olho aberto é apenas tinta se na tinta há um grito rouco Na forma da água o sentido na forma do azulejo a tinta dá o contorno onde habito onde nada penso, só sinto e sentir é ter nas mãos o silêncio e a voz que na noite é sombra e ao perder-se na parte de dentro é ser o modo de cair longe e na face a memória partida a força do fogo como um incêndio nas horas densas o princípio e o ocaso que devora o tempo.

***

seu primeiro pai

morreu na guerra virou orixá nas terras de África conta-se que vez ou outra ainda aparece

Máscara africana dan – Fonte: https://www.significados.com.br nos terreiros da Bahia seu avô

também tinha

algo do velho axé dizia conversar com mãe d’águas via sinais na lua cheia mas minha vó dizia que era tudo lorota hoje

ele que nunca viu os mistérios da encruzilhada vive burocraticamente os dias todos se matando de tédio às vezes sonha com o axé das matas e com sua mãe que mora no mar.

Raimundo Soares. Foto: juceysantana.blogspot.com

Raimundo Soares é poeta contemporâneo, de Itapecuru-Mirim, MA. Granduando em Letras. Concebe a poesia como exercício livre do ser e da arte.

CANTO ONÍRICO

De João Batista do Lago

Ouvi meu canto, oh! deuses, ele é o grito das liberdades implorando pela sanidade dos senhores donos do mundo.

Meu canto não é lamento, e nem é canto de sofrimento, são versos em movimento gerando vida a todo momento.

Meu canto é paz e harmonia, levando alegria pelas estradas e em noites de luaradas vai plantando sementes de poesias.

Meu canto é de coração nobre, nômade em todas as cidades, parábola diversa das realidades, vida nos corações da mocidade.

Meu canto é oração de toda vida, é o pulsar de mãos se encontrando, caminhares buscando paz e guarida, arco-íris de mil cores se amando.

Meu canto é toda pureza do Ser, é o manto sagrado do crucificado, é a natureza no fogo da infinitude, é a água benta de toda a humanidade.

Afalta

Tuafaceteucorpo

Tuasmãosquemefazemsonhar

Tuabocamefazsentirteusdesejos

Tuaspalavrasquemefazemdormir.

Sentirocalordoteucorpo

Sentiratravésdosteusolhosumsorriso

Solitáriomeencontroatuaprocura

Aprocuradequemmecompleta

Procuraroquemepertence

Namulheramada

CANTIGA PARA NÃO MORRER

"Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve.

Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração.

Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar. E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento."

Ferreira Gullar

(Desenhos da autoria de Gullar)

LANÇAMENTOS & ACONTECIMENTOS

LIVRO DE NERY MENDONÇA ABRE ANO LITERÁRIO EM SÃO LUÍS

Obra documenta aspectos da vida de Raimunda Mendonça, “figura imponente e guerreira”.

Fotos: O livro, o convite, a personagem e a autora.

O ano literário maranhense começa em São Luís, na primeira semana de 2024. E, diferentemente de outros eventos culturais do gênero, o ano estreia comum livro e duas “novidades”: uma nova autora e uma nova personagem.

O livro chama-se “Tudo Azul de Bolinhas Brancas”, 245 páginas, Editora Estampa. Será lançado às 19h do dia 6 de janeiro, sábado, na Livraria AMEI, no São Luís Shopping (Av. Prof. Carlos Cunha, 1000, bairro Jaracaty, São Luís - MA). A autora é Nery Mendonça, que apresenta uma personagem bem conhecida dela: Dª Raimunda Mendonça, “figura imponente e guerreira”, na definição do filho Fernando Mendonça, que é juiz de Direito e marido da Autora. Segundo Fernando Mendonça, o livro é “bem gostoso de ler e [...] narra o passar de cinco gerações das famílias Rego e Mendonça”. Ele acrescenta: “São muitas deliciosas histórias de vidas,experiênciasde famílias comuns,recheadas deboas pitadas deinformações sobreoambiente dafloresta amazônica no começo do século passado, a miscigenação de raças, fatos históricos da Velha São Luís”.

A obra é prefaciada pelo advogado Carlos Nina, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão e do Rotary Club. Para Nina, “Dona Raimunda Mendonça de Sousa era assim. Múltipla, ao longo de sua vida. Sendo ela mesma, sempre. Determinada, mas compreensiva; tolerante, mas persistente; humilde, mas altiva; realista, mas otimista. Assim enfrentou as adversidades que suas circunstâncias lhe impuseram quando constituiu sua própria família. Nada disso impediu que seus filhos fossem criados em ‘clima de união familiar, de respeito, bondade e solidariedade’”.

A Autora selecionou diversas fotografias, que integram a obra, e colheu e documentou no livro depoimentos e testemunhos de amigos e familiares, que enriquecem o conjunto de referências pessoais e históricas.

Os trabalhos de revisão e supervisão editorial do livro foram confiados ao jornalista e escritor maranhense Edmilson Sanches, que também assina o texto da quarta capa. Para Sanches, “de entrada, este livro ‘Tudo Azul de Bolinhas Brancas’ nos revela dois encantos: a História maiúscula de Dona Raimunda Mendonça, sua vida ricamente simples, seu exemplo simplesmente rico; e a leveza, fluidez, mansuetude textual, de estilo, de Nery Mendonça”. “Quem estiver com este livro não estará apenas com uma obra de papel e tinta, mas com um relicário de quase um século de Vida, Vida em abundância, como a vivida por Dona Raimundinha. Abundância que não é fartura, excesso, opulência, mas riqueza riqueza, primeiro, de bom e firme caráter (sem o que, honestamente falando e agindo, não se vai adiante). Riqueza de vontade, de visão, de talentos potenciais e de energia para fazer acontecer. E mais, muito mais: riqueza de fé, a ‘embalagem’ que envolve e sustenta todos os demais valores e os torna consequentes. Só mesmo tendo vivido quase um século para Dª Raimundinha ter sido a mulher de fé e luta(s) que foi, ter tido as felicidades pessoais e familiares que teve, após anos de carências e de acinzentamento, de suportação e, com a Graça de Deus, de superação”. Segundo Edmilson Sanches, “Dona Raimundinha entra em ‘estado de Literatura’ por meio de Nery Mendonça, que é do Clã, que a conheceu bem, que com ela (con)viveu, que a ela se dedicou, que com ela se alegrou e que por ela sofreu até os instantes finais da infinita Raimundinha. Agora, Nery, pelo ‘milagre’ da obra impressa, restitui Raimundinha para a ternura e para a eternidade. Dona Raimunda, na memória dos Familiares e Amigos, é um verdadeiro diamante. E diamantes, como verdadeiramente se sabe, são para sempre...” (EDMILSON SANCHES)

O QUÊ – Lançamento do livro “Tudo Azul de Bolinhas Brancas” (245 páginas), de Nery Mendonça. QUANDO – Às 19h de sábado, 6 de janeiro de 2024.

ONDE - Livraria AMEI, no São Luís Shopping (Av. Prof. Carlos Cunha, 1000, bairro Jaracaty, São LuísMA).

Data: 16 de Janeiro

Horário: a partir das 18h

Poetas:

Jeanderson Mafra

Ofelia Siqueira

Sharlene Serra

Jéssica Cantanhede

Aysha Cantanhede

Luana Rodrigues

Amanda Amorim

Renata Barcelos

Graça Costa

Charles Simões

Uimar Junior

Vitória Duarte

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JMTV 2ª Edição | Poesia do Vale do Pindaré é reunida em livro | Globoplay

1º CONCURSO DE POESIA DA SOBRAMES-MA/2024

A Sociedade Brasileira de Escritores médicos – SOBRAMES-MA – promove o 1º Concurso de Poesia da SOBRAMES-MA/2024, visando estimular a criação poética. Participe!

REGULAMENTO DO CONCURSO

1. DA PARTICIPAÇÃO

1.1. Qualquer pessoa física, seja maranhense ou residente no Maranhão, independente de sua naturalidade, poderá se inscrever no concurso.

1.2. O participante deve ter maioridade civil.

1.2. Cada participante poderá inscrever apenas 1 (um) poema.

1.3. O participante deve ser o autor do poema e ter direitos sobre o mesmo.

1.4. O poema deve ser original, inédito e não deve atentar contra os princípios que regem a moral e as leis da sociedade.

2. DAS INSCRIÇÕES

2.1. As inscrições são gratuitas.

2.2. O período de inscrição inicia no dia 05 de fevereiro de 2024 e encerra às 23h59min do dia 30 de abril de 2024 (horário de Brasília).

2.3. O poema, de temática livre, deve ter no máximo 40 versos, ser digitado em espaço 1,5, na fonte Times New Roman, corpo 12 (doze) e estar devidamente revisado pelo autor.

2.4. Para efetivar a inscrição, o poema deve ser encaminhado sem qualquer identificação pessoal ou pseudônimo para o seguinte e- mail: concursopoesiasobramesma@gmail.com, como Anexo I.

2.5. O participante deve enviar seus dados pessoais para o e-mail do concurso, como Anexo II.

2.6. O participante deve também enviar para o e-mail do concurso a ficha de Termos de Cessão de Direitos de Imagem e Autoria devidamente preenchida e assinada, a fim de possibilitar a publicação do poema na Antologia Poética da SOBRAMES/2024, como Anexo III.

2.7. No campo do assunto do e-mail deve constar “Concurso de Poesia da SOBRAMES/MA”

2.8. A inscrição do poema só terá validade após confirmação da Comissão Organizadora pelo e-mail cadastrado no prazo de 48h.

2.9. As inscrições realizadas posteriormente à data de encerramento serão desconsideradas.

3. DA PREMIAÇÃO

3.1. O concurso conferirá a seguinte premiação:

– 1º colocado: Troféu Sabiá-Ouro e 1.500,00 (Hum mil e quinhentos reais);

– 2º colocado: Troféu Sabiá-Prata e 1000,00 (Hum mil reais);

– 3º colocado: Troféu Sabiá-Bronze e 500,00 (Quinhentos reais).

3.2. Em caso de Menção Honrosa, será concedida a Medalha Sabiá.

4. DO JULGAMENTO

4.1. A SOBRAMES/MA indicará a Comissão Julgadora para o concurso.

4.2. A Comissão Julgadora será composta por 2 (dois) poetas maranhenses e 1 (um) professor de Língua Portuguesa.

4.3. A Comissão Julgadora classificará 15 (quinze) poemas para o Recital Poético a ser realizado em 25 de julho de 2024, a partir das 19h., na cidade de São Luís/MA.

4.4. O local do Recital Poético será comunicado antecipadamente aos participantes e convidados.

4.5. A Comissão Julgadora indicará os 3 (três) poemas em ordem de classificação para receberem a premiação.

4.6. Os critérios a serem apreciados pela Comissão Julgadora serão: domínio das técnicas do gênero (poesia); habilidades de escrita na relação entre forma e conteúdo e criatividade.

5. DO RESULTADO

5.1. O resultado do 1º Concurso de Poesia da SOBRAMES-MA/2024 será divulgado imediatamente após o recital.

6. DA PUBLICAÇÃO

6.1. Os 15 (quinze) poemas classificados serão publicados na Antologia Poética da SOBRAMES/2024, mediante autorização prévia do(a) autor(a).

7. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

7.1. É vedado aos integrantes da Comissão Organizadora e da Comissão Julgadora participarem do concurso.

7.2. A decisão da Comissão Julgadora é irrecorrível.

7.3. A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos.

*

Comissão Organizadora:

Dr. Raimundo Barbosa Ribeiro Presidente da SOBRAMES-MA

Dr. José Rafael de Oliveira Primeiro Tesoureiro

ANEXOS DO 1º CONCURSO DE POESIA DA SOBRAMES-MA 2024, com ficha de inscrição

ANEXOS DO 1º CONCURSO DE POESIA DA SOBRAMES-MA 2024 com ficha de inscrição

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